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A INTELIGÊNCIA E O PODER LEGISLATIVO Robson José de Macedo Gonçalves é Agente da Polícia do Senado Federal, pós-graduado em Direito Legislativo pela Universidade do Legislativo Brasileiro e pós-graduado em Inteligência Estratégica pela Faculdade Albert Einstein/Prospect Intelligence. Resumo A atividade de Inteligência está presente no nosso cotidiano há vários séculos, contudo, após o fim da Guerra Fria, e com a crescente democratização do mundo, novos parâmetros éticos e morais foram exigidos dos profissionais que militam nesta área e, nesta linha de pensamento, sistemas de controle da Atividade foram desenvolvidos em todo o mundo democrático. As fórmulas adotadas são diversas, porém, as mais comuns são as do controle político, exercido pelo próprio governo; o controle judicial, exercido na forma de autorizações judiciais prévias para o cumprimento de missões; e o controle parlamentar, que é efetivado, em resumo, através do acompanhamento do orçamento das agências, dos relatórios de missão e da análise de documentos classificados. Todas estas metodologias apresentam vantagens e desvantagens, porém o controle parlamentar é a que apresenta um conjunto de propriedades mais efetivas e democráticas na fiscalização da Atividade. Tais predicados levaram o Brasil a optar pela adoção deste modelo no controle das suas Atividades. Porém, características legais, intrínsecas da democracia brasileira, acabam por dificultar o trabalho da comissão criada no Congresso Nacional para este fim. O modelo de Sistema de Inteligência adotado no Brasil também é fonte de dificuldades para o efetivo controle, sua estrutura, apesar de ser centralizadora, não fomenta a centralização de informações e nem de ações. É preciso encontrar meios legais para adequar a legislação vigente ao controle desejado. Se faz necessário também procurar soluções que levem à real coordenação das Atividades, por parte do órgão central de Inteligência ou a criação de agências específicas para as diversas vertentes da Atividade.

A INTELIGÊNCIA E O PODER LEGISLATIVO - senado.gov.br · de governo, da manutenção da soberania e da obtenção de vantagens estratégicas para o país esse manto de proteção

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A INTELIGÊNCIA E O

Robson José de Macedo Gonçalves é Agente da Polícia do Senado Federal, pós-graduado em Direito Legislativo pela Universidade do Legislativo Brasileiro e pós-graduado em Inteligência Estratégica pela Faculdade Albert Einstein/Prospect Intelligence.

Res

A atividade de Inteligência está presente n

fim da Guerra Fria, e com a crescente democratização

exigidos dos profissionais que militam nesta área e,

Atividade foram desenvolvidos em todo o mundo demo

As fórmulas adotadas são diversas, porém

pelo próprio governo; o controle judicial, exercido

cumprimento de missões; e o controle parlamentar, que

do orçamento das agências, dos relatórios de missão e d

Todas estas metodologias apresentam van

a que apresenta um conjunto de propriedades mais efeti

Tais predicados levaram o Brasil a opt

Atividades. Porém, características legais, intrínsecas da

da comissão criada no Congresso Nacional para este fim

O modelo de Sistema de Inteligência ado

efetivo controle, sua estrutura, apesar de ser centralizad

de ações.

É preciso encontrar meios legais para adeq

Se faz necessário também procurar soluç

parte do órgão central de Inteligência ou a criação

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o nosso cotidiano há vários séculos, contudo, após o

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, as mais comuns são as do controle político, exercido

na forma de autorizações judiciais prévias para o

é efetivado, em resumo, através do acompanhamento

a análise de documentos classificados.

tagens e desvantagens, porém o controle parlamentar é

vas e democráticas na fiscalização da Atividade.

ar pela adoção deste modelo no controle das suas

democracia brasileira, acabam por dificultar o trabalho

.

tado no Brasil também é fonte de dificuldades para o

ora, não fomenta a centralização de informações e nem

uar a legislação vigente ao controle desejado.

ões que levem à real coordenação das Atividades, por

de agências específicas para as diversas vertentes da

PODER LEGISLATIVO

A INTELIGÊNCIA E O PODER LEGISLATIVO

Robson José de Macedo Gonçalves

Sumário

1. Introdução; 2. Democracia e Inteligência; 3. O Poder Legislativo; 3.1. Grupos de Interesse e Grupos de Pressão; 3.1.1. Grupos de Interesse; 3.1.2. Grupos de Pressão; 4. O Controle Parlamentar das Atividades de Inteligência; 4.1. O Controle Parlamentar das Atividades de Inteligência no Brasil; 4.1.1. A Comissão Mista de Controle das Atividades de Inteligência; 4.2. A Política Nacional de Inteligência; 4.3. Considerações Sobre o Controle da Atividade de Inteligência no Brasil; 5. A Proteção do Conhecimento no Congresso Nacional; 6.Conclusão; Referências Bibliográficas.

1. INTRODUÇÃO

O mundo da Inteligência passou por mudanças radicais com o fim da

Guerra Fria e o início da Era da Informação, até então o mundo era polarizado entre

duas grandes potências, os Estados Unidos da América e a União Soviética. Essa

dicotomia na disputa pelo poder se refletia nos serviços de Inteligência, que se

moviam basicamente segundo os ideais capitalistas ou comunistas. Contudo a

chegada da Era da Informação tornou o mundo é diferente, existem hoje inúmeros

alvos, objetivos e clientes. O mundo da Inteligência evoluiu politicamente e

tecnologicamente; transpôs o meio militar e invadiu todos os segmentos da atividade

humana; desde governos até o meio empresarial e acadêmico, deixou de ser uma

atividade típica do Estado para se tornar uma atividade econômica.

Esta expansão das fronteiras da Inteligência, à primeira vista parece

trazer apenas benefícios à sociedade, porém a abertura do mercado de Inteligência

também trouxe à tona questionamentos sobre os meios utilizados e sobre os

objetivos que norteiam os profissionais que se dedicam a essa atividade. A

espionagem avança a passos largos no meio empresarial e é exercida de forma

totalmente marginal à lei.

No atual contexto da globalização, onde as fronteiras desaparecem diante

da facilidade e agilidade com que as informações são disseminadas, a nova ordem

global exige dos Estados a mesma agilidade para responder aos estímulos internos

e externos a que são submetidos. São desafios, obstáculos e oportunidades que só

são inteiramente visualizados por aqueles que estão preparados para processar

estas informações e transformá-las em conhecimento, em vantagem estratégica e

comercial na guerra diária do mundo globalizado.

A Inteligência, que durante muitos séculos foi tratada exclusivamente nos

meios militares e teve seus princípios forjados em tempos de guerras e conquistas

tinham que atender às necessidades do Estado e procurar meios de prover

informações para a segurança e defesa deste. Desta forma suas atividades eram

voltadas primordialmente para o Estado, visando unicamente o ponto de vista da

soberania e da supremacia militar. Tal origem fortaleceu o entendimento de que as

ações de Inteligência eram uma atividade essencialmente militar e, desta forma, a

estes coube o controle de tais atividades em praticamente todo o mundo.

O fim da Guerra Fria trouxe uma nova ordem política mundial e também

uma necessidade de se adaptar os Serviços de Inteligência às necessidades de um

mundo democrático, os Sistemas de Inteligência que até então davam suporte a

Sistemas Políticos autoritários deveriam buscar novos caminhos. A democratização

crescente impõe uma reflexão sobre o atual papel da Inteligência no Estado, sobre

quais os objetivos a serem alcançados, quais os meios a serem utilizados e sobre a

influência política na atividade de Inteligência.

Este trabalho tem por objetivo fazer uma análise da atividade de

Inteligência no Brasil do ponto de vista político, mais precisamente sob a ótica do

Poder Legislativo a quem cabe, legalmente, o controle de tais atividades no País (Lei

9.883/1999, de 07 de dezembro de 1999, Art. 6º).

Para possibilitar uma melhor compreensão do tema iremos discorrer, em

um breve relato, sobre as particularidades envolvidas no processo legislativo, a

correlação de forças e poder dentro das Casas Legislativas e sobre o jogo político

que orienta suas decisões. Pretende ainda, sob esta ótica, analisar como a questão

da Inteligência deve ser tratada em um país democrático, quais os controles

necessários para garantir que tais atividades sejam desenvolvidas com eficácia sem

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que os limites legais e éticos sejam excedidos e sem que a eficácia seja prejudicada.

Finalmente iremos discorrer sobre a proteção da Informação no Poder Legislativo

Brasileiro, analisando os meios de proteção ao conhecimento produzido no

Congresso Nacional.

2. DEMOCRACIA E INTELIGÊNCIA

A Constituição da República Federativa do Brasil de 5 de outubro de

1988, em seu artigo 1º, define:

A República Federativa do Brasil, formada pela união indissolúvel dos Estados e Municípios e do Distrito Federal, constitui-se em Estado democrático de direito (grifo nosso)...

A palavra democracia tem sua origem no vernáculo grego “demos” que

significa povo e “kratein” que significa governar. Em linhas gerais, numa democracia

o poder é teoricamente exercido pelo povo através de seus representantes. É um

regime de governo baseado em princípios e práticas que protegem as liberdades

individuais, os direitos fundamentais e as instituições. O respeito às garantias

individuais é um dos pilares deste sistema de governo. Outro pilar de sustentação

da democracia é a idéia de que todos são iguais em direitos, sendo que o poder

político só pode ser pleno a partir do reconhecimento prévio desta igualdade jurídica.

A Constituição brasileira de 1988 expressa essa afirmação no caput do Art. 5º, “Dos

Direitos e Deveres Individuais e Coletivos”:

Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade...

O mesmo Art. 5º da Constituição de 1988 relaciona, em seus incisos, uma

série de direitos, considerados como clausula pétrea pelo Direito brasileiro e

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demonstram a preocupação da Assembléia Nacional Constituinte1 de fortalecer o

sistema democrático através dos direitos e garantias do indivíduo.

Todavia o ideal democrático revela um paradoxo. O povo detém um

suposto poder que lhe confere garantias e direitos, porém o Estado através desse

poder que lhe foi outorgado limita ou mesmo retira garantias individuais em nome do

bem comum. Neste ponto reside o dilema democrático: até onde o Estado pode

intervir no indivíduo? Qual o limite de atuação do Estado sem que o equilíbrio

democrático seja atingido? A não observância deste limite remete muitos governos

ao autoritarismo e à ditadura. Infelizmente é sobre esta linha tênue que os serviços

de Inteligência atuam.

O Estado é, em sua essência, cercado pelo secreto, faz parte das ações

de governo, da manutenção da soberania e da obtenção de vantagens estratégicas

para o país esse manto de proteção às informações ditas de “segurança nacional” e

a busca por informações que possam revelar ameaças ou oportunidades ao País.

Desta forma, o Estado não pode prescindir dos serviços de Inteligência, pois estes

produzem o conhecimento necessário à tomada de decisões e trabalham na

proteção destas informações, impedindo que elementos de Inteligência adversos

comprometam os interesses nacionais.

A natureza secreta das atividades de Inteligência permite que muitas

vezes sua missão seja desvirtuada. Estados totalitários utilizam-se das ferramentas

de Inteligência, dos conhecimentos obtidos e dos cenários projetados para “jogos de

poder” e para auferir vantagens pessoais para seus governantes. Nas democracias

mecanismos de controle são criados para impedir o uso político dos serviços de

Inteligência, porém nem sempre estes controles são efetivos e a frágil barreira ética

que impede seu mau uso é constantemente rompida.

O ciclo de Inteligência compreende basicamente a obtenção do dado, o

processamento, a análise e a disseminação da informação. Os dados obtidos são,

em sua maioria, de fontes abertas, encontradas em jornais, revistas, dados

estatísticos, internet e outros meios de acesso público. Porém há aqueles que

devem ser obtidos de forma dissimulada. São dados protegidos por algum 1 Assembléia Nacional Constituinte - Em novembro de 1986, realizaram-se eleições simultâneas para Governador, Senado Federal, Câmara dos Deputados e Assembléias Estaduais, nesta eleição se definiu também a Assembléia Nacional Constituinte, encarregada de elaborar a nova Constituição brasileira, aprovada em 1988. A Carta Magna de 1988 apresentava entre suas principais características a consolidação dos princípios democráticos e defesa dos direitos individuais e coletivos dos cidadãos.

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mecanismo de sigilo e para serem atingidos devem ser alvo de uma operação de

Inteligência. É exatamente neste momento que a barreira da legalidade pode ser

violada, em Estados democráticos, qualquer ação de Inteligência que venha a ser

deflagrada na obtenção deste dado negado, deve ser revestida de legalidade,

buscando sempre o interesse do Estado e não o de governantes no poder; deve

ainda obedecer a mecanismos legais e estar submetida aos controles e verificações

apropriadas.

Uma análise mais criteriosa deste dilema nos mostra que nem sempre o

ordenamento jurídico é capaz de expressar com exatidão o limite entre o direito

individual e o interesse comum, desta forma somos levados a diversos

questionamentos: É possível o correto discernimento sobre a necessidade ou não do

Estado dispor da privacidade do indivíduo? Como o Estado pode manter o controle

sobre tema tão sensível? É possível que ações do Estado passem por cima dos

direitos individuais? Que normas o Estado pode estabelecer para que,

excepcionalmente, não respeite tais direitos?

A resposta a estas dúvidas é parcialmente respondida quando o Estado

exerce o seu poder de polícia. O poder de polícia é um dos atributos da

administração pública e permite que o Estado utilize meios que favoreçam o

interesse comum em detrimento dos direitos do indivíduo. MEIRELLES (1972, pp.

287-288) nos ensina que: Poder de polícia é a faculdade discricionária de que dispõe a Administração Pública em geral, para condicionar e restringir o uso e gozo de bens ou direitos individuais, em benefício da coletividade ou do próprio Estado.

Esse poder de polícia é fundamentado na norma constitucional e nas

normas de ordem pública, onde estão definidas expressamente ou implicitamente

faculdades para a autoridade pública fiscalizar, controlar e restringir o uso de bens

ou exercício de direitos e atividades individuais em benefício da coletividade.

No entanto a adoção pura e simples do poder de polícia não é suficiente

para esgotar o debate sobre o assunto, a ordem jurídica brasileira, após a

Constituição de 1988, está fortemente alicerçada nos direitos individuais, criando

então dificuldades jurídicas ao entendimento de que o Estado deve prevalecer sobre

o indivíduo. Desta forma as atividades de Inteligência, mesmo quando revestidas do

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exercício do poder de polícia do Estado, devem ser cercadas de cuidados e

mecanismos que permitam a aplicação de parâmetros de controle e verificação.

3. O PODER LEGISLATIVO

Para melhor entendermos como se dá o controle das atividades de

Inteligência pelo Poder Legislativo, devemos antes compreender o funcionamento e

a estrutura que move o parlamento brasileiro.

O Poder Legislativo teve a sua origem na Inglaterra, durante a Idade

Média quando representantes da nobreza, do clero e do povo procuraram limitar a

autoridade absoluta dos reis, no Brasil, como em outros países o sistema adotado

para o parlamento, no âmbito federal, é o bicameral, composto por duas casas: a

Câmara dos Deputados, com 513 deputados, e o Senado Federal, composto por 81

senadores. Juntas estas Casas formam o Congresso Nacional.

A formação do parlamento brasileiro é baseada na representatividade.

Essa verdade é expressa no parlamentar que de forma legítima representa os

interesses do cidadão. Em resumo: a vontade do povo expressa nas urnas dá a

legitimidade necessária ao seu representante para legislar e para exercer as funções

de controle legislativo e político que lhe foram outorgadas pelo voto.

É importante ressaltar que pela lei eleitoral só pode ser votado o

candidato que for filiado a um partido político, assim sendo, em última instância, o

poder político no Congresso Nacional é exercido não pelo parlamentar, mas pelos

partidos políticos com representação na Casa, são eles que determinam o ritmo de

atuação de cada uma das Casas e sua composição é essencial na relação entre

governo e parlamento. São também a ponte entre a sociedade civil e o Estado. Tais

atributos fazem os partidos políticos cobiçados pelo governo e, neste sentido, existe

o jogo de interesses, o governo precisa dos partidos aliados para melhor governar e

os partidos aliados precisam do governo para a liberação de verbas em suas bases

eleitorais e para a ocupação de cargos estratégicos na administração pública e

empresas estatais. Do outro lado partidos de oposição procuram dificultar as ações

do governo. Esse jogo de poder influi no sistema político de tal forma que a divisão

original de poder entre governo e parlamento dá lugar a uma luta entre a maioria

governamental e as minorias de oposição.

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O jogo de poder é complementado por outros atores que exercem sua

influência, de forma democrática e legítima. Dentre eles destacamos: agentes

econômicos e sociais, os meios de comunicação, os grupos de pressão e as

Organizações não Governamentais (ONGs). Estes atores podem exercer sua

influência diretamente sobre o governo ou sobre os parlamentares.

Estruturalmente cada Casa possui diversas comissões temáticas

permanentes ou temporárias, que têm além da função legislativa, a função de

fiscalizar e controlar atos do Poder Executivo e da administração direta, cada uma

segundo sua área de atuação. Por exemplo: No Senado Federal assuntos relativos à

economia do país são tratados pela Comissão de Assuntos Econômicos, temas

relacionados a questões constitucionais passam pela Comissão de Constituição e

Justiça. Existem também as comissões temporárias, criadas para tratar de temas

específicos e as discutidas Comissões Parlamentares de Inquérito (CPIs), que

também são comissões temporárias, com tempo de existência e objeto de atuação

previamente definidos.

O trabalho das comissões é sem dúvida o mais importante do processo

legislativo, a delegação de prerrogativas às comissões, mostra-se como a principal

forma de organização interna do legislativo, os resultados políticos alcançados são

relevantes. De um lado, ao constituírem-se em grupos menores do que o plenário,

mas igualmente representativos deste, as comissões favorecem a participação de

grupos organizados, facilitam o trabalho de coleta e distribuição de informações,

diminuem os custos de decisão, abrem espaço para a participação mais ativa das

minorias, propiciam ambiente de negociação e consenso e permitem que os

representantes possam atingir seus objetivos – sejam eles a realização de

determinada política pública, a vocalização de grupos de interesse ou sua própria

reeleição.

Por outro lado, as comissões podem adquirir autonomia relevante com

relação ao plenário, bem como criar espaços onde lideranças privilegiadas possam

auferir benefícios políticos desproporcionais com relação aos demais membros do

parlamento e da própria comissão. Sua menor visibilidade pode, igualmente, criar

condições para que ali ocorram as negociações com outros atores políticos, sejam

eles o Executivo ou grupos de interesse, lobbies, grupos de pressão, sem a

transparência que deve prevalecer nos procedimentos democráticos. Todas essas

conseqüências do trabalho em comissões no Legislativo brasileiro são pouco

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conhecidas, porém evidenciam a importância que as mesmas exercem na

democracia. É nelas que a função legislativa alcança seu ápice.

Essa importância das comissões no papel legislativo também se mostra

presente nas ações estratégicas do Poder Executivo e no jogo político. A

composição das comissões e a formação da mesa, principalmente do Presidente,

depende da composição partidária na Casa, são obedecidas regras de

proporcionalidade da representação partidária ou dos blocos parlamentares, desta

forma a presidência das comissões mais importantes de cada Casa são disputadas

pelo governo e pela oposição.

Devido à disputa pelas presidências das comissões, fica evidente que, de

certa forma, existe uma hierarquização das comissões, há aquelas que são objeto

do desejo de todos como a Comissão de Assuntos Econômicos (CAE), que tem

destaque nas discussões econômicas, e a Comissão de Constituição e Justiça

(CCJ), que é palco central na resolução de conflitos legislativos. Outra comissão

cobiçada é a Comissão de Relações Exteriores e Defesa Nacional (CRE).

O motivo principal da disputa pela CRE é o papel que a mesma exerce na

escolha dos chefes das missões diplomáticas brasileiras e na ratificação de acordos

internacionais. No escopo das atividades de Inteligência esta comissão ganha

destaque devido à lei 9.883/1999, porém não iremos nos deter neste aspecto agora

e deixaremos para falar, em momento oportuno, sobre o papel conferido à CRE, no

âmbito da atividade de Inteligência.

Uma atividade fortalecida no marco da nova Constituição foi a de

fiscalização e controle, outorgando-se às comissões competência para convocar, a

qualquer momento, ministros de Estado para prestarem informações sobre os mais

diversos assuntos. Outras autoridades públicas podem ser "convidadas" e embora

não sejam obrigadas a prestar informações, se sentem, muitas vezes impelidas a

aceitar o convite, pois a eventual recusa pode criar um constrangimento público.

Essa atividade de controle está distribuída em todo o parlamento,

permitindo-se a todas as comissões tal prerrogativa.

Com a possibilidade de criação de comissões parlamentares de inquérito

(CPIs), com amplos poderes de investigação judicial e autorizadas a encaminhar

suas conclusões às autoridades competentes nas áreas civil e criminal permite

igualmente que, num ambiente de liberdade de expressão, novos canais de controle

se estabeleçam.

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3.1. Grupos de Interesse e Grupos de Pressão

Entre as várias relações de poder existentes no Poder Legislativo, uma

merece atenção especial devido à sua natureza, em geral, externa ao parlamento,

contudo com grande influência nas decisões ali tomadas. São os Grupos de

Interesse e os Grupos de Pressão. A atuação destes grupos se mostra presente em

todos os níveis governamentais e em todas as instâncias de Poder, porém é no

Congresso Nacional que tais grupos agem com freqüência.

A existência destes grupos se dá como conseqüência da democratização,

sendo uma característica presente em todas as democracias, havendo, em muitos

países a previsão legal da possibilidade de organização da sociedade em Grupos de

Interesse e de Pressão.

Em países que adotam regimes políticos fechados, não existe a garantia

legal para a existência de tais grupos que se organizam, geralmente, na

clandestinidade.

3.1.1. Grupos de Interesse

Os Grupos de Interesse são segmentos organizados da sociedade que

procuram interferir no processo decisório de modo a satisfazer os anseios e

necessidades da categoria que defendem. Em geral sua atuação se dá de forma

legal e democrática e sua missão é levar aos legisladores e ao nível decisório do

Poder suas reivindicações.

No contexto Legislativo a atuação destes grupos é muito importante, pois

a pressão exercida pelos diversos grupos comumente influencia no texto final de

diversas leis, favorecendo ou não os interesses de grupos diversos. Neste sentido,

após a Constituição de 1988, diversas categorias se organizaram e prepararam

assessorias parlamentares para acompanhar e influenciar nos projetos de seus

representados. São grupos que podem ser classificados como internos e externos

ao parlamento.

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Internamente, a grande pressão vem de grupos organizados pelos

próprios parlamentares, que se estruturam para defender os mais diversos

interesses. Existe no parlamento uma pluralidade muito grande de origens

profissionais e ideológicas, muitas vezes o parlamentar foi eleito por sua respectiva

categoria justamente para atuar em defesa desta. Existem hoje, no Congresso

Nacional, bancadas específicas de Grupos de Interesse interno, comumente estes

grupos agem com orientação e apoio de outros grupos externos. Como exemplo, de

Grupos de Interesse Interno, podemos citar: as bancadas Ruralista, Feminina, dos

Médicos, dos Usineiros, dos Evangélicos, entre outras.

Os Grupos de Interesse Externos ao parlamento podem ser classificados

como os de Governo e os de Interesse Diversos.

Atualmente, praticamente todos os órgãos de governo possuem sua

assessoria parlamentar atuando dentro do Congresso Nacional. Este grupo se

constitui num Grupo de Interesse interno ao governo, que busca mais verbas para

suas instituições, além de garantir que estas não serão prejudicadas com nenhuma

decisão tomada pelo Legislativo. Os Ministérios, as estatais, as Forças Armadas, os

órgãos policiais e representações de Estados, são exemplos de instituições que

mantêm, diariamente, um acompanhamento das atividades no Congresso Nacional,

de todos os projetos de interesse das respectivas instituições são analisados sob a

ótica desta, que ao sinal de qualquer interesse contrariado, atua no sentido de

corrigir a distorção apontada. São grupos que contam com o apoio do próprio

governo e muitas vezes são coordenados de acordo com a política de governo.

Atuam com freqüência na Comissão de Orçamento do Congresso Nacional.

Finalmente, temos aqueles Grupos de Interesses diversos. Estes grupos

são compostos empresas privadas nacionais e internacionais, confederações,

sindicatos, organismos nacionais e internacionais, além das Organizações não

Governamentais (ONGs). Sua área de atuação é em torno de projetos que venham a

contrariar ou afetar suas atividades. Exemplificando: o GreenPeace, ONG que atua

na questão ambiental; empresas telefônicas, indústria armamentista e grupos

econômicos.

Muitos destes grupos procuram estabelecer relações com alguns

parlamentares de corrente ideológica alinhada com os objetivos do grupo. Esta

aproximação visa facilitar o acesso à Casa, à outros parlamentares e às nuances do

processo legislativo, fornecem também argumentos e subsídios para a

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fundamentação de pareceres e em alguns casos apresentam emendas ou projetos

prontos para serem propostos pelo parlamentar.

3.1.2 Grupos de Pressão

Grupos de Interesse e Grupos de Pressão tem um objetivo comum e se

confundem entre si. Sua linha de atuação é muito parecida e, para alguns, não

existe distinção entre ambos. Porém, para melhor entendermos as relações de

Poder no Congresso Nacional, devemos considerar a existência de Grupos de

Pressão independentes da existência de Grupos de Interesse.

Os Grupos de Interesse, como vimos, são grupos formalmente

organizados e com atuação diária no Congresso Nacional. De forma diversa, os

Grupos de Pressão tem sua existência condicionada a determinado fato, ou evento,

à tramitação de um projeto ou de uma decisão a ser tomada pelo parlamento. Após

o desfecho da situação que gerou a criação do grupo, este se desfaz.

Os Grupos de Pressão podem surgir como um subgrupo de um Grupo de

Interesse a partir da visualização deste de que se deve atuar, sobre os

parlamentares e sobre o processo legislativo, com mais ênfase.

Geralmente estes grupos tentam influenciar o processo legislativo através

de manifestações, panfletagem e abordagens diretas aos parlamentares. Procuram

também estabelecer contatos e angariar simpatizantes entre os parlamentares para

exercer também uma pressão interna.

4. O CONTROLE PARLAMENTAR DAS ATIVIDADES DE INTELIGÊNCIA

Em seu relato sobre a CIA (Central Intelligence Agency), agência de

Inteligência do governo Americano, MARCHETTI (1975, p. 309), transcreve trechos

de duas declarações feitas sobre o controle das operações sigilosas desta agência.

A primeira2 é a de Lyman Kirkpatrick, Diretor Executivo da CIA, proferida em 11 de

outubro de 1971:

2 Tradução livre e adaptada do texto original contido na bibliografia citada.

11

Eu entendo que não existe nenhuma agência federal do nosso governo cujas atividades recebam acompanhamento e controle tão próximos quanto a CIA

No contraponto desta opinião, o Senador Stuart Symigton, membro da

comissão responsável pelo controle da CIA no Senado Americano, rebateu3, em 23

de novembro de 1971.

Ao contrário do que afirmou (Kirkpatrick) a verdade é que na minha opinião é uma vergonha para o povo americano ser tão enganado. Não existe nenhuma agência federal do nosso governo, cujas atividades recebam acompanhamento e controle mais deficientes do que a CIA.

Os pontos de vista antagônicos dos dois personagens do relato de

MARCHETTI demonstram de forma clara a dualidade de pensamentos sobre o

controle das atividades de Inteligência. Enquanto que as agências de Inteligência se

sentem sufocadas e tolhidas no exercício de suas funções, setores da sociedade

acreditam que tais agências carecem de um controle maior e mais efetivo.

É fato que nos últimos anos muito tem se falado sobre a necessidade de

serem adotadas medidas de controle das atividades de Inteligência. Em todo o

mundo democrático buscam-se soluções para incorporar tais medidas de forma que

estas não impeçam e nem prejudiquem na eficácia e no funcionamento das

agências de Inteligência. Mas o que significa este “controle”? O que deve ser

controlado? Quem deve efetivamente controlar? Com que objetivo deve ser exercido

este controle?

O Dicionário Houaiss da Língua Portuguesa define controlar como:

submeter a exame e vigilância estritos; fiscalizar, monitorar, exercer ação restritiva sobre; conter, regular, assegurar o controle imediato de (algo), por meio de reflexo motor, ou por habilidade, exercer poder, autoridade sobre (alguém ou algo); manter sob o próprio domínio; dominar.

Como vemos as definições para o ato de controlar, são verbos tão ou

mais fortes que o próprio, tais sinonímias exprimem a seriedade com que deve ser

examinado o tema. Não cabe na abrangência deste verbo o meio termo, ou existe

controle ou não existe controle. 3 Tradução livre e adaptada do texto original contido na bibliografia citada.

12

Historicamente os serviços de Inteligência sempre atuaram com

independência e autonomia, acreditava-se que a eficácia desta atividade era

diretamente proporcional a sua liberdade de atuação, porém, a própria natureza da

atividade de Inteligência dificulta da análise de dados que comprovem ou desmintam

essa eficácia.

A atividade de Inteligência é voltada para a antecipação dos fatos, para a

análise de dados com o objetivo de antever situações e, desta forma, possibilitar ao

tomador de decisão agir de acordo com os interesses da instituição. Essa ação pró-

ativa torna a tarefa de avaliação dos resultados produzidos pela Inteligência, uma

missão árdua e complexa, pois os resultados são mensurados a partir de fatos não

concretizados, de acontecimentos não acontecidos. Outra dificuldade é o sigilo das

operações realizadas e relatórios elaborados, as informações por não serem de livre

divulgação, impossibilitam ou mesmo mascaram uma avaliação de desempenho

desta atividade.

Não obstante todos estes obstáculos ao controle da atividade de

Inteligência, a lógica do controle em si é simples: todas as decisões de governo em

tempos de paz ou de guerra devem ser elaboradas e aprovadas pelo poder político,

eleito democraticamente, ou, quando for o caso, por profissionais que receberam

delegação para tal. Nunca essa decisão deve partir dos serviços de Inteligência.

Desta forma, teoricamente, seria alcançado um efetivo controle da atividade de

Inteligência. A lógica deste raciocínio é: se o Poder Executivo não pode controlar

onde, quando, como e porque, seus próprios Serviços de Inteligência operam, não

existe o almejado controle.

Contudo este pleno controle do sistema de Inteligência, por parte do

Poder Executivo, não resolve por completo a questão colocada. Distorções na

condução e ou na execução da política de governo podem levar a uma falsa

premissa de que existe controle, ou mesmo levar ao uso indevido do sistema de

Inteligência por parte do governo que deveria evitar tal fato.

Como contraponto a esta linha de pensamento surgiu a idéia do controle

externo da atividade de Inteligência, no mundo democrático, esse papel cabe

principalmente ao parlamento e ao Poder Judiciário, em conjunto ou isoladamente,

dependendo do sistema adotado.

13

Porém, em geral, existe uma predominância do controle parlamentar, os

motivos para esta preferência se devem primordialmente pelos atributos, já

destacados, da figura parlamentar (representatividade e legitimidade).

Galgando sua posição no parlamento através do voto, da mesma forma

que o Chefe do Poder Executivo, o parlamentar trás consigo a força das urnas,

legitimando de forma democrática sua participação no processo político.

Nesta linha de pensamento, a elaboração das políticas de Inteligência é

atribuída ao Poder Executivo e submetida ao Poder Legislativo para apreciação e

aprovação. Posteriormente, as ações, resultados e orçamento retornariam ao

parlamento para serem submetidas ao controle parlamentar e seriam avaliados

segundo critérios objetivos e técnicos.

A base democrática deste método de controle faz com que, a priori, seja

uma forma eficiente de fiscalização das atividades de Inteligência, porém esta ainda

não se mostrou totalmente operacional. Esta fórmula depende de diversos fatores

entre eles da perfeita harmonia entre os Poderes e do estabelecimento de

Instituições fortes e bem alicerçadas.

Em países com democracias frágeis ou recentes o controle não é efetivo.

Contudo não devemos acreditar que isto ocorra apenas em tais países, pois até

mesmo em países com longa tradição democrática, como os Estados Unidos da

América, que há vários anos possui no Congresso um sistema parlamentar de

controle das suas agências de Inteligência, o controle fica deficiente, ineficaz e

ilusório quando submetido a argumentos de segurança nacional e soberania.

Já em 1967, o então vice-presidente dos EUA, Hubert H. Humphrey4,

falando a estudantes sobre o orçamento da CIA e sua atuação durante a guerra do

Vietnã, afirmou:

Estes tempos são dos mais tristes do nosso Governo em relação à política pública... Não me sinto absolutamente satisfeito com o que vem fazendo a CIA e tenho certeza de que disso... surgirá uma reforma daquele órgão, com mais estreita supervisão de suas atividades.

Humphrey questionava o sistema de controle da época e visualizava um

controle mais efetivo das atividades da CIA. Outro exemplo mais recente são os

4 Hubert Horatio Humphrey Jr. foi vice-presidente dos EUA durante a gestão do presidente Lyndon B. Johnson, que foi reeleito em 1964, após assumir a presidência, em 1963, com o assassinato do então presidente John Fitzgerald Kennedy.

14

acontecimentos posteriores ao dia 11 de setembro de 2001, quando as agências de

Inteligência americanas foram questionadas em sua eficácia, em sua transparência e

em seus orçamentos. Erros operacionais e de integração das agências foram

apontados pelos mesmos senadores que seriam responsáveis pelo suposto controle

das atividades de Inteligência nos EUA e, teoricamente, deveriam conhecer a

situação de suas agências de Inteligência.

4.1. O Controle Parlamentar das Atividades de Inteligência no Brasil

No Brasil nunca existiu um controle efetivo das atividades de Inteligência

e, para ilustrar esta afirmação, nossa história é rica em passagens que demonstram

o excesso na aplicação das técnicas e o desrespeito aos direitos individuais.

Com a redemocratização o país passou por transformações que o

levaram a promover diversos mecanismos de proteção aos direitos individuais, nesta

linha os serviços de segurança foram impelidos a procurar novos paradigmas de

atuação fundamentados nos Direitos Humanos.

Nesta linha de raciocínio e buscando adequar o Brasil à nova ordem

mundial imposta a todos os órgãos de Inteligência do mundo democrático, a Lei nº

9.883, de 7 de dezembro de 1999, que Instituiu o Sistema Brasileiro de Inteligência e

criou a Agência Brasileira de Inteligência - ABIN, incluiu em seu Art. 6º, dispositivo

concedendo ao Congresso Nacional a atribuição de controle e fiscalização das

atividades de Inteligência.

Art. 6o O controle e fiscalização externos da atividade de inteligência serão exercidos pelo Poder Legislativo na forma a ser estabelecida em ato do Congresso Nacional.

§ 1o Integrarão o órgão de controle externo da atividade de inteligência os líderes da maioria e da minoria na Câmara dos Deputados e no Senado Federal, assim como os Presidentes das Comissões de Relações Exteriores e Defesa Nacional da Câmara dos Deputados e do Senado Federal.

Em 21 de novembro de 2000, foi realizada a 1ª reunião para a instalação

do Órgão de Controle e Fiscalização Externos da Política Nacional de Inteligência

(OCFEPNI) que, posteriormente, passou a ser denominado de Comissão Mista de

Controle das Atividades de Inteligência (CCAI). Conceitualmente é uma comissão

ordinária e permanente, ou seja, é órgão da estrutura do Congresso Nacional.

15

Com a formalização da comissão, o Congresso Nacional assumiu, em

tese, seu papel no controle das atividades de Inteligência no que diz respeito à

operacionalização das atividades.

Com relação ao controle orçamentário, este, quando bem documentado, é

mais efetivo que o controle operacional, pois é exercido pelo Tribunal de Contas da

União (TCU), uma instituição eminentemente técnica, que tem a função institucional

de órgão auxiliar do Congresso Nacional.

4.1.1. A Comissão Mista de Controle das Atividades de Inteligência

Como vimos anteriormente, a Comissão de Relações Exteriores e Defesa

Nacional é uma das Comissões mais cobiçadas, tanto na Câmara dos Deputados

quanto no Senado Federal. Aos motivos já mencionados para essa disputa pode se

somar o fato de que são destas Comissões que saem dois dos membros da

Comissão Mista de Controle das Atividades de Inteligência, o presidente da CRE do

Senado Federal e o presidente da CRE da Câmara dos Deputados. São membros,

em geral, influentes, que já chegam com certa força política devido à disputa travada

pelas presidências das comissões. A importância da CRE para a CCAI se faz ainda

mais destacada devido ao fato de que cabe aos presidentes das CREs de cada

Casa a presidência da CCAI. Essa presidência é exercida segundo a regra da

alternância estabelecida no regimento da comissão, ou seja, ora o presidente da

CCAI será o presidente da CRE do Senado Federal e ora o presidente da CRE da

Câmara dos Deputados. O período de exercício da presidência é de um ano, devido

ao mandato estabelecido para as mesas da Câmara e do Senado e,

conseqüentemente para as mesas das comissões de ambas as Casas, que é de

dois anos.

A CCAI é composta por 6 parlamentares e os outros membros que

compõem a comissão são os líderes da maioria e da minoria do Senado Federal e

os líderes da maioria e da minoria da Câmara dos Deputados. A comissão não

possui membros suplentes e a composição da comissão e alterada a cada vez que a

movimentação política altera as lideranças das Casas e, a cada dois anos, quando

são eleitas as novas mesas da Câmara e do Senado. Em resumo, não existe uma

estabilidade dos membros na comissão.

16

Essa metodologia adotada para a composição da CCAI não contempla a

expertise, ou seja, diferentemente de outras comissões, como a CCJ, que chega a

ter 70% de seus membros oriundos dos meios jurídicos, os membros da CCAI não

são necessariamente conhecedores do tema e por ele podem não nutrir a menor

afinidade. Mesmo que um ou dois membros da comissão, por obra do acaso, sejam

militantes da área de Inteligência, estes vão ter muitas dificuldades em desenvolver

qualquer das prerrogativas da comissão.

Em termos gerais, a finalidade da Comissão Mista de Controle das

Atividades de Inteligência é a verificação da legalidade das atividades de Inteligência

realizadas pelas diversas agências que compõem o Sistema Brasileiro de

Inteligência e pelo sistema como um todo. Deste objetivo geral deriva um objetivo

mais complexo que é a supervisão da Política Nacional de Inteligência (PNI) e o

acompanhamento dos serviços de Inteligência com o propósito de analisar os

orçamentos, a eficiência e a eficácia com a qual a atividade é desenvolvida.

Além dos fatos já mencionados com relação à composição da comissão, o

efetivo controle das atividades de Inteligência também é prejudicado pela não

adoção de marcos regulatórios tanto da função controladora quanto da atividade de

Inteligência. Inexistem normas que permitam que a análise da atividade de

Inteligência seja exercida de forma discricionária e isenta de ideologias. Tal fato

acaba por limitar a atuação dos parlamentares que, por falta de regras claras, não

contam com a total cooperação das agências de Inteligência que temem ter

expostas suas operações, agentes, orçamentos e métodos de operação.

Sem os mecanismos adequados para acompanhar de forma satisfatória

as atividades de Inteligência e sem o poder necessário que permita aos

parlamentares fazer recomendações fundamentadas em torno da matéria objeto de

sua Comissão, os parlamentares acabam por não exercer na plenitude sua função

controladora. O resultado se mostra na inanição da Comissão Mista de Controle das

Atividades de Inteligência do Congresso Nacional, as reuniões são raras e o

desinteresse se mostra presente na constante falta de quorum5 qualificado.

A falta de interesse dos parlamentares pelas atividades de Inteligência se

deve também ao fato de que no Brasil essa atividade não é reconhecida como tema 5 Número indispensável para o funcionamento legal de uma assembléia ou reunião e para que esta possa deliberar.

17

de interesse nacional, não existe no país uma cultura de Inteligência e nem ao

menos de proteção ao conhecimento. A maioria das pessoas, incluídas ai diversos

parlamentares, tende a pensar na Inteligência como um assunto eminentemente

militar, desconhecem as inúmeras possibilidades de aplicação da Inteligência para o

desenvolvimento do país e desprezam a possibilidade de que agentes de outros

países possam atuar no Brasil em busca, não exclusivamente de informações

militares, mais primordialmente de informações que possam ser revertidas em

vantagens comerciais, econômicas e que possam render patentes a grandes

empresas multinacionais.

Sem que este cenário seja alterado o controle das atividades de

Inteligência no Brasil tende a ficar restrito apenas ao aspecto orçamentário, sob a

responsabilidade de técnicos do Tribunal de Contas da União.

4.2. A Política Nacional de Inteligência

Como vimos, para que exista um efetivo controle das atividades de

Inteligência se torna necessário uma delimitação do escopo do controle e o

estabelecimento de parâmetros de trabalho e de controle, tanto das atividades em si

quanto da função controladora.

Neste sentido, a definição de uma Política Nacional de Inteligência (PNI) é

o primeiro passo a ser dado na direção do controle da atividade. É preciso definir o

que o país quer dos serviços de Inteligência, mais ainda, é preciso definir claramente

o que o país entende por Inteligência.

Essa falta de definição é percebida e questionada até mesmo pelos

parlamentares integrantes da Comissão Mista de Controle das Atividades de

Inteligência (CCAI), e um exemplo claro desta situação é apresentado pelo

Deputado Federal Aldo Rebelo6, quando presidente da CCAI, em sua exposição

durante o Seminário Atividades de Inteligência no Brasil7, realizado na Câmara dos

Deputados em 2002 (Brasília, 2002. p.p. 153-154):

6 Presidente da CCAI no período de 2 de abril de 2002 a 07 de maio de 2003. 7 Seminário realizado, em Brasília, nos dias 6 e 7 de novembro de 2002, tendo sido publicado, posteriormente, uma coletânea dos textos apresentados durante o seminário.

18

Temos que saber o que esperamos da ABIN (grifo nosso). Esperamos que monitore ou não a atividade dos sem-terra? Temos que formar uma opinião sobre isso. Não houve porém uma decisão nem a formação de ponto de vista na comissão. Ao final, pedimos os boletins dos agentes sobre a movimentação dos sem-terra... ... e, então perguntei: “Afinal de contas, o que pensamos aqui na comissão? (grifo nosso) Deve-se monitorar a atividade ou não? A ABIN deve ser cobrada por ter acompanhado esse movimento ou por não ter acompanhado, mas não pode ser cobrada pelas duas coisas”... ... Essa polêmica não foi resolvida. A comissão não chegou a uma conclusão. Portanto e necessário que haja do órgão, das entidades, das instituições que têm o desafio de exercer o controle, também uma expectativa muito clara do que se espera da atividade de Inteligência. Penso que se não houver essa definição, não há como exercer a função que lhe é atribuída legal, constitucional ou regimentalmente (grifo nosso).

O dilema do Deputado Aldo Rebelo expressa um sentimento quase que

unânime entre os profissionais de Inteligência no Brasil. A verdade é que no Brasil

não existe, de fato, uma Política Nacional de Inteligência. Temos na verdade o que

podemos chamar de Planejamento Governamental de Inteligência, que na teoria

deveria ser a manifestação do pensamento e dos anseios nacionais sobre o tema,

porém que na prática não contempla estes pontos.

Segundo o que especifica a Lei 9.883/1999, em seu art. 5º:

A execução da Política Nacional de Inteligência, fixada pelo Presidente da República (grifo nosso), será levada a efeito pela ABIN, sob a supervisão da Câmara de Relações Exteriores e Defesa Nacional do Conselho de Governo.

Ou seja, a chamada Política Nacional de Inteligência é definida

legalmente como uma ação exclusiva de governo e de iniciativa do Presidente da

República. É comum a muitos países definir em suas legislações que o Presidente

da República é quem apresenta a PNI, porém o que ocorre é que a PNI apresentada

é fruto de esforço conjunto de setores da sociedade e é um planejamento a ser

seguido por vários anos, independente de quem ocupa a cadeira de Presidente. No

caso do Brasil não existem mecanismos que garantam a continuidade da PNI

apresentada, que no caso fica sujeita a mudanças com a alternância natural do

Poder. Um reforço a esta tese se dá na continuação da redação do artigo 5º, onde

se estabelece que a supervisão desta “Política Nacional” estará a cargo de um órgão

de “Conselho de Governo”, ora, um conselho de governo pressupõe-se ser formado

19

por aliados políticos, sem assento permanente naquela função e, por conseguinte,

sem compromisso com as políticas a serem adotadas no pós-governo.

E mais, no parágrafo único do mesmo artigo 5º lemos:

Antes de ser fixada pelo Presidente da República, a Política Nacional de Inteligência será remetida ao exame e sugestões (grifo nosso) do competente órgão de controle externo da atividade de inteligência.

Torna-se evidente que uma eventual “Política Nacional de Inteligência”

não será objeto de apreciação legislativa, podendo a CCAI do Congresso Nacional

se manifestar apenas na condição observadora do processo, com o direito legal

apenas de sugerir mudanças na PNI.

Quando nos referimos a uma “Política de Inteligência”, pretendemos, na

verdade, o estabelecimento de uma Política de Estado, com ampla aplicação em

todos os níveis de Poder e com diretrizes estabelecidas a partir de um planejamento

nacional, resultante do esforço conjunto de diversas lideranças de todo o país, com

metas não para os quatro ou oito anos de um governo, mas para 30 ou 50 anos,

caracterizando desta forma uma desvinculação do governo em exercício.

Em resumo, a Política Nacional de Inteligência não deve ser originária de

um governo, de um partido político no poder, ou de setores isolados da sociedade e,

de forma alguma, concebido no âmago de agências de Inteligência.

Um aspecto incompreensível então é a ausência desta iniciativa mais

abrangente por parte dos nossos governantes e da sociedade. Se entendemos que

traçar esta Política de Inteligência é tão importante, por que o país patina neste

aspecto? Em parte a responsabilidade para esta inércia regulatória cabe a um

sentimento nacional controverso sobre a atividade de Inteligência, o tema provoca

em geral sentimentos de desprezo e rancor, que remontam a tempos de exceção,

nos quais foram cometidos erros na condução de tais atividades.

Porém, as agências de Inteligência e os próprios profissionais desta área

têm sua parcela de responsabilidade neste sentimento adverso nutrido por setores

da sociedade. A atividade sempre foi tratada com uma aura de segredo muito

grande, não se discute aqui sobre o segredo relativo a dados e relatórios sigilosos,

mas sobre a divulgação para o cidadão comum, sobre os objetivos da atividade e

sobre a necessidade da Inteligência para a manutenção da democracia e da

20

soberania nacional, não apenas sob o aspecto militar de soberania, mas também a

soberania tecnológica e econômica.

Este “secretismo” adotado contribuiu muito para a mistificação da

Inteligência no Brasil, o tema é visto apenas como uma atividade de espionagem e é

tratado comumente, de forma jocosa, por “arapongagem”, termo que trás

desvalorização ao profissional de Inteligência e dissemina a idéia de uma atividade

ilegal e desonesta. É preciso mudar a visão nacional desta atividade para que esta

possa desenvolver toda a sua potencialidade.

Se hoje não se cogita um Estado que não se sirva de órgãos de

Inteligência para fazer frente às atuais demandas mundiais, orientadas a um mundo

globalizado e ágil, por que deve o Brasil prescindir destes serviços?

Este pensamento parece simples e lógico, porém no Brasil o ranço dos

tempos da ditadura não tem permitido aos diversos setores da sociedade adotar

uma visão de Estado compatível com as potencialidades do país.

Não deveria ser assim, urge ao Brasil assumir uma posição mais firme e

clara sobre seu papel mundial, deve o país definir estratégias e políticas que visem o

engrandecimento nacional e ainda estabelecer temas nacionais e internacionais a

serem trabalhados e acompanhados pelos serviços de Inteligência. É vital, também,

a dotação de recursos orçamentários compatíveis que o potencial econômico,

político e estratégico do país e, não menos importante, devem ser adotados

mecanismos legais que dêem suporte e clareza à atuação das agências de

Inteligência.

4.3. Considerações sobre o Controle da Atividade de Inteligência no Brasil

Definido o papel que a Inteligência deve assumir no contexto nacional,

podemos então delimitar os aspectos que devem orientar o controle da Atividade.

O material de trabalho da Inteligência é, logicamente, envolvido em sigilo,

seus procedimentos, técnicas, fontes, orçamento e abrangência devem ser tratados

com a reserva necessária para não comprometer toda a estrutura do sistema. Note-

se que esta reserva não implica, de forma alguma, em ausência de controle, contudo

este controle deve ser exercido de forma única e específica para tais atividades, sem

21

adaptações da metodologia adotada no controle das funções corriqueiras da

administração pública.

Para que possamos estabelecer parâmetros de controle adequados é

necessário primeiramente entender os elementos que envolvem a atividade de

Inteligência. A distinção entre Inteligência e Contra-Inteligência deve ser feita e

também, dentro do ciclo tradicional da Atividade, devemos distinguir mais

especificamente as chamadas Operações de Inteligência, que envolvem a busca de

informações de forma velada8 e inclui operações que visam exercer influência sobre

os atores-alvo de uma missão.

As Operações de Inteligência são sem dúvida o aspecto mais controverso

da Inteligência, o mais sujeito a questionamentos e, me arrisco a afirmar, que é a

principal motivação para a manutenção de orçamentos secretos nas agências de

Inteligência.

Quanto às outras fases do ciclo, a saber: a obtenção de dados em fontes

abertas, o processamento, a análise e a disseminação, não são alvo de muitas

controvérsias quanto aos métodos empregados, resta, porém, o questionamento

sobre os aspectos éticos na produção do conhecimento.

Esclarecidos estes aspectos vamos inicialmente fazer uma análise da

configuração da Inteligência no Brasil. A lei 9.883/1999 que criou o SISBIN e a ABIN

colocou sob a responsabilidade da ABIN todo o sistema de Inteligência do país: Art. 3o Fica criada a Agência Brasileira de Inteligência - ABIN, órgão de assessoramento direto ao Presidente da República, que, na posição de órgão central do Sistema Brasileiro de Inteligência, terá a seu cargo planejar, executar, coordenar, supervisionar e controlar as atividades de inteligência do País (grifo nosso), obedecidas a política e as diretrizes superiormente traçadas nos termos desta Lei. Art. 4o À ABIN, além do que lhe prescreve o artigo anterior, compete: I - planejar e executar ações (grifo nosso), inclusive sigilosas, relativas à obtenção e análise de dados para a produção de conhecimentos destinados a assessorar o Presidente da República; II - planejar e executar a proteção de conhecimentos sensíveis (grifo nosso), relativos aos interesses e à segurança do Estado e da sociedade; III - avaliar as ameaças, internas e externas (grifo nosso), à ordem constitucional; IV - promover o desenvolvimento de recursos humanos e da doutrina de inteligência (grifo nosso), e realizar estudos e pesquisas para o exercício e aprimoramento da atividade de inteligência.

8 Essas operações são conhecidas popularmente como espionagem. O termo é antigo, porém não é bem visto por muitos profissionais de Inteligência por ter ganhado uma conotação de atividade clandestina e ilegal.

22

Sobre o desenho estrutural adotado para a Inteligência no Brasil, cremos

que o estabelecimento de uma única agência que detém o monopólio da Inteligência

me parece um fator prejudicial ao estabelecimento de medidas de controle.

O monopólio, como em qualquer setor da sociedade é um elemento que

desfavorece a eficácia e o aprimoramento e, no caso específico da Inteligência, a

falta destes predicados pode trazer efeitos por demais danosos ao país.

Sob o aspecto da funcionalidade a estrutura do Sistema Brasileiro de

Inteligência (SISBIN) deveria ser repensada. A adoção de um único órgão de

Inteligência com as atribuições de tratar das questões internas, externas e de

Contra-Inteligência, sobrecarrega a ABIN e possibilita que uma eventual falha de

atuação, em uma destas vertentes da atividade de Inteligência, demorem a ser

detectada ou não recebam a devida atenção, seja por questões de política de

atuação ou por questões orçamentárias.

O uso político do sistema também deve ser considerado e a adoção de

uma única agência facilita este uso, pois permite um estreitamento muito grande

entre as ações de governo e o direcionamento da Inteligência. Não que a

Inteligência não deva estar próxima do Poder, mas esta proximidade, nas

democracias, deve ser restrita ao fornecimento de subsídios para a tomada de

decisão e nunca na execução da política de governo. Sua atuação também deve se

dar em nível de Governo e não na forma personificada do governante. No caso

especifico da lei que criou a ABIN, a mesma estabelece em seu artigo 3º, que a

ABIN é “órgão de assessoramento direto ao Presidente da República”, a

personificação da ação da agência, na figura do Presidente, é facilitadora do uso

indevido da Inteligência, pois essa proximidade permite que a linha tênue da ética

seja transposta, passando o órgão a desenvolver ações políticas e não produzir

Inteligência.

A adoção de mudanças na estrutura no sistema brasileiro, dotando-o de

agências distintas com funções específicas de atuação nos campos interno, externo

e de Contra-Inteligência e um ponto a ser considerado, porém esta solução merece

um debate mais aprofundado e demorado.

Contudo, a Atividade não pode esperar inerte que mudanças sejam

estabelecidas. As agências devem então buscar os melhores resultados dentro da

realidade que ora se apresenta. A lei estabelece esta estrutura para o sistema e o

23

que se espera da ABIN é que a mesma promova mecanismos de integração

funcionais, capazes de prover o sistema de Inteligência da agilidade necessária para

atender as demandas de um mundo globalizado.

O SISBIN carece de mecanismos de fortalecimento. Os órgãos

pertencentes ao sistema não estão incorporados a este de forma ativa. O motivo

parece ser a existência de pluralidade de objetivos, aliada a não aceitação de alguns

órgãos da liderança, imposta em lei, da ABIN no sistema.

Esta pluralidade de objetivos se refere, justamente, à sobrecarga da ABIN

citada anteriormente, desta feita, pode-se verificar que as outras agências do

sistema estão redirecionando seus objetivos de acordo com orientações internas e

específicas, sem a coordenação da ABIN, e para suprir deficiências detectadas no

órgão central do sistema.

5. A PROTEÇÃO DO CONHECIMENTO NO CONGRESSO NACIONAL

O Congresso Nacional como operador do Poder Legislativo é, juntamente

com o Poder Executivo e o Poder Judiciário, um dos pilares institucionais da

democracia. Na sua função constitucional, tanto a Câmara dos Deputados, quanto o

Senado Federal, exercem funções de extrema importância para os destino do país.

Projetos de relevância nacional e internacional são discutidos e analisados por estas

duas Casas.

Muitas das informações ali produzidas, ou que circulam pelos seus

plenários e gabinetes, são de domínio público e estão abertas a consultas. Porém,

um grande número de informações tem caráter restritivo, são informações

estratégicas para o país, tanto em nível governamental, quanto político, empresarial,

militar e diplomático, entre outros. Estas informações, como não poderia deixar de

ser, não estão disponíveis como fonte aberta de consulta e pressupõe-se que estas

estejam envoltas em uma malha de proteção que impeça o acesso indevido a estas.

A necessidade da manutenção de sigilo é evidente, a cada dia decisões

importantes para o destino da Nação são tomadas no Congresso Nacional, reuniões

reservadas são realizadas com freqüência e documentos importantes passam por

mãos selecionadas. Todos estes fatos são geradores de informação e, como

elemento estratégico, estas informações tem valor econômico e devem ser

24

preservadas, contudo o assunto passa ao largo de reuniões importantes no

Congresso Nacional, pouca importância se dá à informação. Documentos circulam

na mão de estagiários, pessoal terceirizado tem acesso a reuniões secretas do

Congresso Nacional e falta de cuidado com o patrimônio estratégico no Brasil

assusta.

São constantes na imprensa nacional, as veiculações de reportagens

embasadas em dados sigilosos oriundos do Congresso Nacional, são assuntos

tratados em reuniões, conteúdos de relatórios, documentos e depoimentos que a

priori deveriam ser mantidos em sigilo até o momento oportuno, pois a divulgação

destas informações em um momento inadequado, podem causar crises que

resultarão em diversos prejuízos à nação, a instituições e a pessoas.

Mário Rosa, em seu livro A Era do Escândalo, relata inúmeros casos de

crises institucionais e pessoais que tiveram início a partir de informações

desencontradas e mal trabalhadas. Crises como a de Eduardo Jorge, ex-assessor

do então Presidente Fernando Henrique Cardoso, que viu informações pessoais e

profissionais vazarem para a imprensa pelas mãos daqueles que detinham a guarda

do sigilo destas.

Outro caso emblemático é o da Comissão Parlamentar Mista de Inquérito

do Congresso Nacional, criada para apurar a evasão de divisas por meio das contas

CC59, a chamada CPI do Banestado, que é alvo de denuncias de vazamento de

informações sigilosas, referentes ao sigilo bancário e fiscal, de diversas pessoas e

empresas.

Não se discute aqui o mérito das informações em questão, mas o fato de

que, por meios não convencionais, terem perdido sua condição de informação

reservada e alcançado o domínio público.

A visão de que o Congresso Nacional é a “casa do povo” permite que um

número muito grande de pessoas circule pelos seus corredores. Diariamente, além

do contingente de trabalhadores das duas Casas, são milhares de visitantes,

lobistas, cidadãos buscando soluções para seus problemas específicos, vereadores, 9 CC5 é a abreviatura do documento normativo Carta-Circular 5, editada pelo Banco Central em 1969, regulamentando a abertura de contas em moeda nacional tituladas por não residentes (ou não sediados) no País e a movimentação de recursos em moeda nacional em nome de não residentes (ou não sediados) no País. Com a implementação do segmento de taxas flutuantes, em 1988, foi permitido que as instituições financeiras não sediadas no País pudessem comprar livremente moeda estrangeira no mercado de câmbio brasileiro com os recursos em moeda nacional depositados em suas contas. Essas operações passaram a ser denominadas "operações CC5", o que permanece até hoje, apesar de a referida Carta-Circular ter sido revogada em 1996, pela Circular 2.677, que atualmente regula esse tipo de operação.

25

deputados estaduais, prefeitos e jornalistas. Também são realizados inúmeros

eventos como congressos, seminários, palestras, audiências públicas, sessões de

cinema e formaturas estudantis.

Todas estas pessoas circulando pela Casa tem uma certa facilidade de

acesso a gabinetes e outras áreas do Congresso Nacional, não existem em

nenhuma das Casas um sistema de controle que permita direcionar os visitantes

unicamente a área autorizada a eles, o controle neste caso é frágil e de difícil

solução, pois culturalmente a sociedade brasileira não entende a necessidade de

restrição a certas áreas do Poder Legislativo, volta-se à questão da “casa do povo”.

A própria estrutura arquitetônica do Palácio do Congresso Nacional

dificulta o controle de acesso, são inúmeras as entradas para o edifício e, apesar

das polícias do Senado Federal e da Câmara dos Deputados se aparelharem para

evitar falhas de segurança, a verdade é que muitas vezes o sistema é violado com a

conivência de funcionários. Comumente ganham acesso ao edifício pessoas que

não passaram pela abordagem de segurança, são introduzidas por funcionários via

entradas alternativas.

Cabe ressaltar que o caráter pacifico do povo brasileiro não vê neste

procedimento uma atitude que torne frágil o sistema de segurança, pelo contrário, as

normas de segurança sempre são vistas como importunas e muitos acreditam que é

um gesto de simpatia e boa vontade permitir que um conhecido adentre à Casa livre

de burocracias.

Esta visão demonstra a fragilidade a que está exposto o processo

legislativo. A cultura de segurança orgânica não existe no Congresso Nacional

brasileiro.

Um outro fator presente atualmente em toda a administração pública

brasileira, é a terceirização de funções. São diversos os argumentos a favor e contra

esta forma de suprir a administração de recursos humanos via empresas

terceirizadas ou via estagiários, não é objeto deste trabalho discutir o mérito desta

questão, porém o fato é que hoje, em todos os níveis de governo, existe um

contingente de terceirizados e de estagiários muito grande e, no caso do Congresso

Nacional, muitos estão em posições-chave, participando do processo legislativo e

tendo acesso a informações classificadas.

Os aspectos que tornam desaconselhável a utilização de pessoal externo

a Casa em determinadas funções são muitos: os baixos salários, a temporalidade da

26

passagem pela Casa e a conseqüente falta de comprometimento com a mesma,

estão entre os mais importantes, pois permitem uma suscetibilidade do funcionário à

investidas de elementos que busquem a obtenção de informações sigilosas.

No Senado Federal existe um esforço para minimizar as possibilidades de

ocorrerem falhas na segurança orgânica e para conter avanços possíveis de

elementos adversos. A Polícia do Senado Federal conta com um Serviço de

Inteligência que prioriza as ações de Contra-Inteligência, neste sentido seu efetivo

passa por constantes treinamentos e dispõe de equipamentos modernos no auxílio

desta tarefa. Também estão em curso uma série de medidas que pretendem reforçar

o sistema de segurança da Casa, aprimorando em muito o controle sobre as

milhares de pessoas que ali circulam diariamente.

Porém, o elemento humano ainda é o fator mais frágil desta cadeia de

segurança, não existe segurança eficaz se o elemento humano não tiver

comprometimento com o sistema, desta forma a seleção e contratação de pessoal

terceirizado deve ser aperfeiçoada, a seleção para postos-chave deve ser rigorosa e,

prioritariamente, atribuída a servidor efetivo da Casa.

A conclusão a que chegamos desta rápida análise é que as informações

produzidas pelo Congresso Nacional não estão devidamente protegidas. Para

agentes adversos estas vulnerabilidades são um fator de sucesso em suas missões.

É preciso aperfeiçoar os mecanismos de proteção ao conhecimento ali existente,

não se configura um desrespeito à democracia a adoção de medidas de salvaguarda

do conhecimento sensível produzido no Congresso Nacional, a “casa do povo” pode

e deve estar aberta ao público, contudo regras mínimas de segurança devem ser

estabelecidas e seguidas por todos.

A importância do Brasil no contexto mundial cresce a cada dia, alguns

pesquisadores colocam o Brasil entre as dez maiores potências mundiais nos

próximos cinqüenta anos. Contudo, para alcançar este posto, o país não deve

negligenciar a questão da Inteligência e, no caso do Congresso Nacional, a questão

da Contra-Inteligência.

6. CONCLUSÃO

27

A espionagem tem acompanhado o homem através dos tempos. Relatos

da Bíblia no livro de Número, capítulo 13, contam que o Senhor falou a Moisés e

ordenou a este que fossem enviados “homens que espiem a terra de Canaã” com o

objetivo de avaliar as riquezas da terra e o poderio militar da nação.

Sun Tzu, general e filósofo chinês, escreveu a mais de 2.500 anos o seu

tratado “A Arte da Guerra”, considerado por muitos a essência da sabedoria de como

se fazer uma guerra. Em seus escritos Sun Tzu dedicou um capítulo10 inteiro ao

emprego de espiões na guerra e dá a eles uma deferência especial ao afirmar que

“dentre todos os que estão próximos ao comandante... Ninguém terá melhores

prêmios do que eles”.

Praticada durantes séculos a espionagem continua sendo uma ferramenta

útil ao Estado. O tempo se encarregou de aperfeiçoá-la com diversas evoluções,

principalmente tecnológicas, mas sua essência e seus princípios continuam os

mesmos. Ganhou novas denominações e definições e está contida no rol das

chamadas “operações” e passou a ser apenas um dos métodos utilizados por uma

atividade mais complexa conhecida hoje como Inteligência.

As “operações de Inteligência”, apesar de ser apenas uma fração do que

as agências de Inteligência fazem, é a atividade mais contestada e é alvo de críticas

e de denúncias de desrespeito aos direitos fundamentais do cidadão.

Estes questionamentos impuseram à sociedade a busca por uma forma

de controlar os excessos cometidos pelas agências de Inteligência.

No Brasil, este controle a rigor não existe, apesar da previsão legal, a

comissão do Congresso Nacional não atua efetivamente no acompanhamento do

tema. A falta de uma Política clara que norteie os rumos da Inteligência impossibilita

tanto o controle quanto a qualidade do sistema de Inteligência.

A lei que criou o SISBIN é vaga com relação aos controles e mais ainda

com relação às obrigações daqueles que detêm o conhecimento sensível. Quanto a

Comissão Mista de Controle das Atividades de Inteligência, a lei é omissa sobre

vários aspectos, entre eles sobre a suposta credencial de segurança que os

membros da comissão possuem, não existe determinação da obrigação da

manutenção do sigilo, não está explícita a forma de como devem ser tratados os

10 Capítulo XIII do livro de Sun Tzu, A arte da guerra.

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documentos sigilosos, por exemplo, não existe a proibição para se fazerem cópias

dos documentos.

Os membros da Comissão, na condição de parlamentares, são

integrantes de um Poder democrático e constitucionalmente estabelecido e, como

tal, possuem prerrogativas e direitos, mais quais são suas prerrogativas diante de

assuntos desta natureza? Quais são seus deveres? A eventual quebra de sigilo de

informações classificadas constitui alguma transgressão ao ordenamento jurídico do

país?

É eminente a necessidade de que uma Política de Estado seja definida

com brevidade para as atividades de Inteligência, sem tal mecanismo a adoção de

medidas de controle está fadada ao insucesso pelo simples fato de inexistirem

parâmetros de atuação das agências, sem os quais não há como se cobrar a

correição com eficácia e vice-versa.

Também não há como cobrar o controle, pois os parlamentares não têm

definido seu papel de forma clara. A metodologia utilizada para a composição da

Comissão Mista de Controle das Atividades de Inteligência (CCAI) é ineficiente e não

favorece a atuação de especialistas na área, é inoportuna a temporalidade da

comissão, a troca de membros a cada mudança de mesa ou na composição das

lideranças da maioria e da minoria cria uma instabilidade muito grande na comissão,

não existe continuísmo, nem compromisso com a Comissão.

A Comissão Mista de Controle das Atividades de Inteligência (CCAI)

deveria ser um órgão de excelência dentro do Congresso Nacional, a composição

atenderia melhor aos objetivos propostos se ocorresse pela expertise e não por

critérios políticos, a permanência dos membros deveria se dar durante toda a

legislatura e não apenas durante o período de tempo reservado às mesas das

Casas ou a ocupação de uma posição de liderança de bancada política.

Estas medidas visam dar à CCAI a capacidade exercer seu papel de

controlador das atividades de Inteligência sem que sentimentos de paixão ou

repúdio aflorem em suas reuniões, permitindo que a tarefa imposta por lei seja

executada de forma técnica e profissional, deve ainda a CCAI dispor de todos os

mecanismos legais e institucionais para cumprir esta missão de forma efetiva e sem

sobressaltos.

Quanto ao Sistema de Inteligência, este, através de suas agências e

agentes, deve também passar por uma reflexão interna sobre a importância do

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adequado controle externo para a Atividade, muitos acreditam que este é um fator

engessador da Atividade e outros acreditam ser uma ferramenta importante para o

desenvolvimento da Atividade. A segunda tese parece ser dotada de mais

defensores e, sendo vencedora, deve provocar o sistema no sentido de que este

exija do Poder Legislativo a eficácia do controle da Atividade.

Neste sentido devem ser estabelecidos os mecanismos para exercer

sobre o Congresso Nacional o legítimo poder de pressão, no caso, o conveniente

seria o estabelecimento de Grupo de Interesse interno ao parlamento, ou seja,

parlamentares ligados à Atividade devem ser mobilizados para pressionar o

Congresso Nacional a efetivar as funções da CCAI.

Cumpridos estes objetivos a Comissão Mista de Controle das Atividades

de Inteligência estará dando sua contribuição para o fortalecimento do Parlamento

brasileiro e para a consolidação da democracia em nosso país.

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