A Interatividade Vista Como Problema-LEVY

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  • 8/14/2019 A Interatividade Vista Como Problema-LEVY

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    http://www.moodlefree.com/main/mod/forum/discuss.php?d=386

    A Interatividade Vista Como Problema

    Como a interatividade muitas vezes invocada a torto e a direito, como se todos soubessemperfeitamente do que se trata, gostaria de tentar, neste pequeno captulo, uma abordagemproblemtica dessa noo.

    Pierre Lvy

    O termo "interatividade" em geral ressalta a participao ativa do beneficirio de uma transao deinformao. De fato, seria trivial mostrar que um receptor de informao, a menos que esteja morto,nunca passivo. Mesmo sentado na frente de uma televiso sem controle remoto, o destinatriodecodifica, interpreta, participa, mobiliza seu sistema nervoso de muitas maneiras, e sempre de formadiferente de seu vizinho.

    Alm disso, como os satlites e o cabo do acesso a centenas de canais diferentes, conectados a umvideocassete permitem a criao de uma videoteca e definem um dispositivo televisual evidentementemais "interativo" que aquele da emissora nica sem videocassete. A possibilidade de reapropriao ede recombinao material da mensagem por seu receptor um parmetro fundamental para avaliar ograu de interatividade do produto.

    Encontramos esse parmetro tambm em outras mdias: Podemos acrescentar ns e links a umhiperdocumento? Podemos conectar esse hiperdocumento a outros? No caso da televiso, adigitalizao poderia aumentar ainda mais as possibilidades de reapropriao e personalizao damensagem ao permitir, por exemplo, uma descentralizao da emissora do lado do receptor: escolhada cmera que filma um evento, possibilidade de ampliar imagens, alternncia personalizada entreimagens e comentrios, seleo dos comentaristas etc.

    Estamos querendo dizer, ao falar de interatividade, que o canal de comunicao funciona nos doissentidos? Neste caso, o modelo da mdia interativa incontestavelmente o telefone. Ele permite odilogo, a reciprocidade, a comunicao efetiva, enquanto a televiso, mesmo digital, navegvel egravvel, possui apenas um espetculo para oferecer.

    Mas ainda assim temos vontade de dizer que um videogame clssico tambm mais interativo do que

    a televiso, ainda que no oferea, estritamente falando, reciprocidade ou comunicao com outrapessoa. Mas em vez de desfilar suas imagens imperturbavelmente na tela, o videogame reage saes do jogador, que por sua vez reage s imagens presentes: interao. O telespectador pula entreos canais, seleciona, o jogador age.

    Ora, a possibilidade de interromper uma seqncia de informaes e de reorientar com preciso ofluxo informacional em tempo real no uma caracterstica apenas dos videogames e doshiperdocumentos com suporte informtico, mas tambm uma caracterstica da comunicaotelefnica. A diferena que, neste ltimo caso, estamos em comunicao com uma pessoa e, noprimeiro, com uma matriz de informaes, um modelo capaz de gerar uma quantidade quase infinitade "partidas" ou de percursos diferentes (mas todos coerentes). Aqui, a interatividade remete aovirtual.

    Tentemos abordar as diferenas entre telefone e vdeo por outro aspecto. Para que todas as coisassejam iguais no restante, vamos supor que um jogo em rede permita a dois adversrios jogar umcontra o outro: essa situao aproxima ao mximo o videogame do telefone. No videogame, cadajogador, ao agir sobre o joystick, dataglove ou outros controles, modifica em um primeiro tempo suaimagem no espao do jogo. O personagem vai evitar um projtil, avanar rumo a seu objetivo,explorar uma passagem, ganhar ou perder armas, "poderes", "vidas" etc.

    essa imagem modificada do personagem reatualizado que modifica, em um segundo tempo lgico, oprprio espao do jogo. Para envolver-se de verdade, o jogador deve projetar-se no personagem queo representa e, portanto, ao mesmo tempo, no campo de ameaas, foras e oportunidades em quevive, no mundo virtual comum. A cada "golpe", o jogador envia a seu parceiro uma outra imagem desi mesmo e de seu mundo comum, imagens que o parceiro recebe diretamente (ou pode descobrir

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    explorando) e que o afetam imediatamente. A mensagem a imagem dupla da situao e do jogador.

    Por outro lado, na comunicao telefnica, o interlocutor A transmite ao interlocutor B uma mensagemque supostamente deve ajudar B a construir, por inferncia, uma imagem de A e da situao comum aA e B. B faz o mesmo em relao a A.

    A informao transmitida a cada "golpe" de comunicao muito mais limitada do que no jogo em

    realidade virtual. O equivalente do espao de jogo, ou seja, o contexto ou a situao, compreendendoa posio respectiva e a identidade dos parceiros no compartilhada por A e B sob forma de umarepresentao explcita, uma imagem completa e explorvel. Isso se deve ao fato de que o contexto,aqui, a priori ilimitado, enquanto circunscrito no jogo; mas tambm se deve diferena entre osprprios dispositivos de comunicao. Com o telefone, a imagem reatualizada da situao deve serconstantemente reconstruda pelos parceiros, cada um por si e separadamente.

    O videofone no muda absolutamente nada, j que o contexto que importa, o universo designificaes, a situao pragmtica (os recursos, o campo de foras, de ameaas, de oportunidades,o conjunto de coisas que podem afetar os projetos, a identidade ou a sobrevivncia dos participantes)no ser muito melhor compartilhada se acrescentarmos uma imagem da aparncia corporal dapessoa e de seu ambiente fsico imediato. Por outro lado, sistemas que permitam o acessocompartilhado e distncia a documentos, fontes de informao ou espaos de trabalho nosaproximam progressivamente da comunicao por um mundo virtual, at aqueles que admitem uma

    ou mais imagens ativas das pessoas (agentes de software que filtram, in fobots, perfis de buscapersonalizados e outros).A comunicao por mundos virtuais , portanto, em certo sentido, mais interativa que a comunicaotelefnica, uma vez que implica, na mensagem, tanto a imagem da pessoa como a da situao, queso quase sempre aquilo que est em jogo na comunicao. Mas, em outro sentido, o telefone maisinterativo, porque ns coloca em contato com o corpo do interlocutor. No apenas uma imagem de seucorpo, mas sua voz, dimenso essencial de sua manifestao fsica. A voz de meu interlocutor est defato presente quando a recebo pelo telefone. No escuto uma imagem de sua voz, mas a voz em si.Por meio desse contato corporal, toda uma dimenso afetiva atravessa "interativamente" acomunicao telefnica. O telefone a primeira mdia de telepresena. Hoje, numerosos projetos depesquisa e de desenvolvimento tentam estender e generalizar a telepresena a outras dimensescorporais: telemanipulao, imagens tridimensionais dos corpos, realidade virtual, ambientes derealidade ampliada para videoconferncias sem impresso de restrio etc.Reteremos dessa breve reflexo que o grau de interatividade de uma mdia ou de um dispositivo decomunicao pode ser medido em eixos bem diferentes, dos quais destacamos:

    - as possibilidades de apropriao e de personalizao da mensagem recebida, seja qual for anatureza dessa mensagem,

    - a reciprocidade da comunicao (a saber, um dispositivo comunicacional "um-um" ou "todos-todos"),- a virtualidade, que enfatiza aqui o clculo da mensagem em tempo real em funo de um modelo ede dados de entrada,-a implicao da imagem dos participantes nas mensagens,- a telepresena.Mdias hbridas e mutantes proliferam sob o efeito da virtualizao da informao, do progresso dasinterfaces, do aumento das potncias de clculo e das taxas de transmisso. Cada dispositivo decomunicao diz respeito a uma anlise pormenorizada, que por sua vez remete necessidade deuma teoria da comunicao renovada, ou ao menos a uma cartografia fina dos modos decomunicao. O estabelecimento dessa cartografia torna-se ainda mais urgente, j que as questespolticas, culturais, estticas, econmicas, sociais, educativa e at mesmo episternolgicas de nossotempo so, cada vez mais, condicionadas a configuraes de comunicao. A interatividade assinala

    muito mais um problema, a necessidade de um novo trabalho de observao, de concepo e deavaliao dos modos de comunicao, do que uma caracterstica simples e unvoca atribuvel a umsistema especfico.

    (Editado por Carlos Rodrigues - domingo, 12 agosto 2007, 16:26)

    http://www.moodlefree.com/main/user/view.php?id=588&course=22http://www.moodlefree.com/main/user/view.php?id=588&course=22