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A Lenda da Maçã Na semana passada, todos de alguma maneira foram tomados de surpresa pela morte de um ícone de nossa época, o mago da tecnologia Steve Jobs. Mesmo aqueles que não são aficcionados por seus produtos e invenções sentiram, de alguma maneira, o impacto de sua morte, pois se não foram impactados diretamente por seus produtos, certamente o foram por algumas de suas ideias e conceitos. Com sua saída de cena, a vontade e a tendência de mitificá-lo passam a ser enormes, e com isso algumas de suas frases podem tornar-se verdades absolutas. "Os PCs são bicicletas para a mente"; "até agora ninguém encontrou a receita para a música digital, acho que nós a encontramo s"; ou "é raro ver um artista de 30 ou 40 anos realmente contribuir com algo impressionante" são frases que já fazem parte da lenda criada em torno da personalidade genial de Jobs. Mas a frase que resumia o pensamento de Jobs a respeito de pesquisas de mercado é a seguinte: "para uma coisa tão complicada, é realmente difícil conceber produtos com base em pesquisas do tipo focus group. Muitas vezes as pessoas não sabem o que querem até que mostremos a elas". Dita à revista Businessweek em maio de 1988. Com toda certeza, muitos concordaram com ela na época em que foi dita e muitos outros irão concordar nos dias de hoje, pois ela contribui para os argumentos dos mais céticos e põe em dúvida aqueles que têm pouco ou nenhum contato com as bases da pesquisa de mercado. Mas vale uma reflexão um pouco mais profunda. Certament e há uma lógica no raciocínio do mago de Silicon Valley, pois em grande parte dos casos os consumidores realmente não sabem o que querem dos produtos e serviços, especialmente quando eles ainda nem existem na prática. Mas daí a generalizar esse conceito para os mais diversos setores e empresas é certamente dar um tiro no pé, especialmente em nosso mundo cada vez mais globalizado e competitivo. Hoje, cada vez mais, as empresas contam com ferramentas de inteligência específicas para responder grande parte das questões necessárias para o desenvolvimento de i deias, produtos e serviços, mas muitas vezes elas não são colocadas em prática, ou, pior ainda, são pessimamente utilizadas, contribuindo para a veracidade da frase de Jobs. Quando bem aplicadas, permitem a correção de problemas , diminuição de custos e o sucesso do empreendimento, na maioria dos casos. O próprio Jobs talvez tivesse repensado sua frase se tivesse realizado pesquisas com seus consumidores em alguns de seus fracassos (sim, ele teve fracassos), como o Apple Lisa de 83 (a começar pelo nome), que com uma simples pesquisa de elasticidade de preços teria detectado que o consumidor não estava disposto a pagar US$ 10.000 por um computador; ou o Macintosh portátil de 89, que de portátil nāo tinha nada, pois pesava 7,5 kg e que, com uma investigação mais profunda, poderia ter detectado as expectativas do consumidor e mostrado que ele talvez não estivesse preparado para o conceito de "portátil" que a Apple tentou implantar. Esses são alguns dos exemplos que, caso tivessem sido investigados de alguma maneira, poderiam ter contribuído ainda mais para a criação da lenda chamada Steve Jobs. Que ele era um fora de série, altamente intuitivo, perspicaz, determinado, genial e soube na maioria dos casos colocar isso em prática de uma forma excepcional, ninguém duvida, mas que também ninguém duvide que encontrar um Steve Jobs em cada esquina ou empresa será praticamente impossível.

A Lenda da Maçã

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8/3/2019 A Lenda da Maçã

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A Lenda da Maçã

Na semana passada, todos de alguma maneira foram tomados de surpresapela morte de um ícone de nossa época, o mago da tecnologia Steve Jobs.Mesmo aqueles que não são aficcionados por seus produtos e invençõessentiram, de alguma maneira, o impacto de sua morte, pois se não foramimpactados diretamente por seus produtos, certamente o foram poralgumas de suas ideias e conceitos. Com sua saída de cena, a vontade e atendência de mitificá-lo passam a ser enormes, e com isso algumas de suasfrases podem tornar-se verdades absolutas."Os PCs são bicicletas para a mente"; "até agora ninguém encontrou areceita para a música digital, acho que nós a encontramos"; ou "é raro verum artista de 30 ou 40 anos realmente contribuir com algo impressionante"são frases que já fazem parte da lenda criada em torno da personalidadegenial de Jobs. Mas a frase que resumia o pensamento de Jobs a respeito depesquisas de mercado é a seguinte: "para uma coisa tão complicada, érealmente difícil conceber produtos com base em pesquisas do tipo focus

group. Muitas vezes as pessoas não sabem o que querem até quemostremos a elas". Dita à revista Businessweek em maio de 1988.Com toda certeza, muitos concordaram com ela na época em que foi dita emuitos outros irão concordar nos dias de hoje, pois ela contribui para osargumentos dos mais céticos e põe em dúvida aqueles que têm pouco ounenhum contato com as bases da pesquisa de mercado.Mas vale uma reflexão um pouco mais profunda.Certamente há uma lógica no raciocínio do mago de Silicon Valley, pois emgrande parte dos casos os consumidores realmente não sabem o quequerem dos produtos e serviços, especialmente quando eles ainda nemexistem na prática. Mas daí a generalizar esse conceito para os maisdiversos setores e empresas é certamente dar um tiro no pé, especialmente

em nosso mundo cada vez mais globalizado e competitivo.Hoje, cada vez mais, as empresas contam com ferramentas de inteligênciaespecíficas para responder grande parte das questões necessárias para odesenvolvimento de ideias, produtos e serviços, mas muitas vezes elas nãosão colocadas em prática, ou, pior ainda, são pessimamente utilizadas,contribuindo para a veracidade da frase de Jobs.Quando bem aplicadas, permitem a correção de problemas, diminuição decustos e o sucesso do empreendimento, na maioria dos casos.O próprio Jobs talvez tivesse repensado sua frase se tivesse realizadopesquisas com seus consumidores em alguns de seus fracassos (sim, eleteve fracassos), como o Apple Lisa de 83 (a começar pelo nome), que com

uma simples pesquisa de elasticidade de preços teria detectado que oconsumidor não estava disposto a pagar US$ 10.000 por um computador;ou o Macintosh portátil de 89, que de portátil nāo tinha nada, pois pesava7,5 kg e que, com uma investigação mais profunda, poderia ter detectadoas expectativas do consumidor e mostrado que ele talvez não estivessepreparado para o conceito de "portátil" que a Apple tentou implantar.Esses são alguns dos exemplos que, caso tivessem sido investigados dealguma maneira, poderiam ter contribuído ainda mais para a criação dalenda chamada Steve Jobs. Que ele era um fora de série, altamenteintuitivo, perspicaz, determinado, genial e soube na maioria dos casoscolocar isso em prática de uma forma excepcional, ninguém duvida, masque também ninguém duvide que encontrar um Steve Jobs em cada esquina

ou empresa será praticamente impossível.