24
UNIVERSIDADE CÂNDIDO MENDES INSTITUTO DE PESQUISAS SÓCIO-PEDAGÓGICAS PÓS-GRADUAÇÃO “LATO SENSU” A LINGUAGEM E O HOMEM: POR UMA VISÃO INTERACIONISTA DA LINGUAGEM POR: DANIELLE LEPORAES PEDRO PROF. MESTRE MARCOS A. LAROSA Rio de Janeiro, agosto de 2001

A LINGUAGEM E O HOMEM: POR UMA VISÃO … LEPORAES PEDRO.pdf · histórico pelas teorias que falam sobre a aquisição da ... behavioristas Watson e Skinner; 3 ... o aprendizado da

Embed Size (px)

Citation preview

Page 1: A LINGUAGEM E O HOMEM: POR UMA VISÃO … LEPORAES PEDRO.pdf · histórico pelas teorias que falam sobre a aquisição da ... behavioristas Watson e Skinner; 3 ... o aprendizado da

UNIVERSIDADE CÂNDIDO MENDES

INSTITUTO DE PESQUISAS SÓCIO-PEDAGÓGICAS PÓS-GRADUAÇÃO “LATO SENSU”

A LINGUAGEM E O HOMEM: POR UMA VISÃO INTERACIONISTA DA LINGUAGEM

POR:

DANIELLE LEPORAES PEDRO

PROF. MESTRE MARCOS A. LAROSA

Rio de Janeiro, agosto de 2001

Page 2: A LINGUAGEM E O HOMEM: POR UMA VISÃO … LEPORAES PEDRO.pdf · histórico pelas teorias que falam sobre a aquisição da ... behavioristas Watson e Skinner; 3 ... o aprendizado da

“Que as palavras que eu falo não sejam ouvidas como prece nem repetidas com fervor. Apenas respeitadas como a única coisa que resta a um homem inundado de sentimento.” (Oswaldo Montenegro)

Page 3: A LINGUAGEM E O HOMEM: POR UMA VISÃO … LEPORAES PEDRO.pdf · histórico pelas teorias que falam sobre a aquisição da ... behavioristas Watson e Skinner; 3 ... o aprendizado da

AGRADECIMENTOS

A todos aqueles que me ajudaram a percorrer este caminho,

incentivando-me nos momentos de fraqueza e me acompanhando nos momentos de

sucesso.

Aos meus pais, à minha avó, ao meu marido e a minha irmã, que

compreenderam o meu caso de amor com a Linguagem e que por vezes se privaram

da minha companhia, mas mesmo assim, me incentivaram nesta paixão.

Page 4: A LINGUAGEM E O HOMEM: POR UMA VISÃO … LEPORAES PEDRO.pdf · histórico pelas teorias que falam sobre a aquisição da ... behavioristas Watson e Skinner; 3 ... o aprendizado da

SUMÁRIO

RESUMO .............................................................................................................01 CAPÍTULO I: Introdução.......................................................................................02 CAPÍTULO II: Breve Histórico sobre os Estudos de Aquisição de Linguagem....04 CAPÍTULO III: Quem Adquire a Linguagem?.......................................................11 CAPÍTULO IV: A Interação...................................................................................12 CAPÍTULO V: Conclusões Finais.........................................................................17 REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS:.....................................................................18 BIBLIOGRAFIA:.....................................................................................................20

Page 5: A LINGUAGEM E O HOMEM: POR UMA VISÃO … LEPORAES PEDRO.pdf · histórico pelas teorias que falam sobre a aquisição da ... behavioristas Watson e Skinner; 3 ... o aprendizado da

RESUMO

Psicologia, Lingüística, Filosofia e Psicanálise são algumas disciplinas

para onde convergem hipóteses sobre a aquisição da linguagem. Todavia, todas as

hipóteses têm como base a questão de como o ser humano consegue se inserir no

sistema lingüistico de que faz parte em tão curto espaço de tempo.

O presente trabalho tem como objetivo principal fazer um percurso

histórico pelas teorias que falam sobre a aquisição da linguagem, dando ênfase ao

modelo interacionista.

Page 6: A LINGUAGEM E O HOMEM: POR UMA VISÃO … LEPORAES PEDRO.pdf · histórico pelas teorias que falam sobre a aquisição da ... behavioristas Watson e Skinner; 3 ... o aprendizado da

CAPÍTULO I

INTRODUÇÃO

A aquisição da linguagem representa um dos importantes marcos do

desenvolvimento humano. Conseguimos em pouco tempo um repertório variado de

vocábulos e sentenças apesar da forma complexa que a linguagem possui.

Mas o que é linguagem? Podemos denominar LINGAUGEM “qualquer meio

que serve para expressão de sensações e idéias”, ou como “o conjunto de sinais

empregados e interpretados pelo homem”, ou como “um sistema de palavras nascido

na vida social que objetiva a expressão de idéias e sentimentos”. Ainda que haja

várias definições de linguagem, em todas tal conceito concebe-se como um sistema

simbólico que constitui um meio de comunicação e que apresenta uma relação

convencional e arbitrária entre significante e significado. Esta comunicação pode

ocorrer de várias formas: verbal (aquela que tem por unidade a palavra) e a não-

verbal que apresenta outros tipos de unidade (o gesto, a imagem, a nota musical e

outras).

A linguagem é a capacidade que o ser humano tem de produzir e de

compreender sons que adquirirem determinados significados. Este conhecimento

possibilita a combinação de palavras formando várias sentenças ao ser humano.

Para estudar a aquisição da linguagem, há quatro formas de se pensar o

sujeito desta linguagem, o que leva a diferentes concepções de linguagem:

1- Subjetividade Apriori – é aquela em que o sujeito é considerado

como universal e autônomo. É uma visão naturalista e inatista do sujeito; a

linguagem corresponde a um conjunto de regras objetivas que são pré-

Page 7: A LINGUAGEM E O HOMEM: POR UMA VISÃO … LEPORAES PEDRO.pdf · histórico pelas teorias que falam sobre a aquisição da ... behavioristas Watson e Skinner; 3 ... o aprendizado da

existentes ao sujeito. Cabe ao indivíduo captar estas regras em algum

momento do seu desenvolvimento. Este é o sujeito da teoria de Chomsky;

2 – Subjetividade como Resultado da Aprendizagem – onde o sujeito é

entendido como uma “tábula rasa” e através da experiência, aprende e

adquire comportamentos. Desta forma, a linguagem é mais um

comportamento que faz parte do seu repertório. Este é o sujeito dos

behavioristas Watson e Skinner;

3 – Subjetividade como Resultado da Articulação entre Pressupostos

Apriorísticos e Pressupostos Construtivistas – o sujeito será pensado já

como possuidor de potencialidades (pertencentes a ele) mas que só se

desenvolverão quando em interação com o meio. A linguagem é definida

como um conjunto de regras que o sujeito capta e desenvolve quando inserido

em um meio social. Esta é a forma como Piaget encara o sujeito e a

linguagem;

4 – Subjetividade Socialmente Construída – onde a subjetividade é

construída a partir da experiência social e entendida como um conjunto de

regras normativas oriundas da prática social (interação entre os sujeitos).

Para Vygotsky, este sujeito será uma consciência constituída;

A proposta do presente trabalho foi a de:

1) analisar as diversas concepções lingüísticas e suas implicações em relação aos

sujeitos construídos pelas teorias.

2) identificar qual é a prática mais adequada para viabilizar a aquisição lingüística.

Page 8: A LINGUAGEM E O HOMEM: POR UMA VISÃO … LEPORAES PEDRO.pdf · histórico pelas teorias que falam sobre a aquisição da ... behavioristas Watson e Skinner; 3 ... o aprendizado da

CAPÍTULO II

BREVE HISTÓRICO SOBRE OS ESTUDOS DE AQUISIÇÃO

DE LINGUAGEM

Como se pode perceber, há várias concepções de sujeitos que estão

subjacentes às várias concepções de linguagem, das quais decorrem as várias

formas de compreensão desta aquisição.

Não podemos afirmar que os estudos sobre a aquisição da linguagem

sofreram uma evolução ao longo do tempo, pois hoje em dia encontramos estas

teorias convivendo paralelamente. Além disto, cada teoria surgiu em um

determinado período da história humana, em um determinado contexto social que a

influenciou direta ou indiretamente.

• CHOMSKY

Na década de 60, culmina um grande interesse em estudar o conhecimento

subjacente da criança, isto é, aquilo que a criança conhece e o que lhe possibilita

falar. N. Chomsky se insere neste contexto, pois na sua concepção, é impossível

explicar o aprendizado da linguagem pela imitação e/ou reforço.

Chomsky (1980) afirma que o motivo que o levou a estudar a

linguagem foi a possibilidade de vê-la como um espelho do espírito, pois os

conceitos expressados e as diferenças desenvolvidas no uso normal da linguagem

não apenas revelam os modelos de pensamento construídos pela mente como

podem levar, através do seu estudo, aos princípios básicos que governam a sua

estrutura e uso.

Page 9: A LINGUAGEM E O HOMEM: POR UMA VISÃO … LEPORAES PEDRO.pdf · histórico pelas teorias que falam sobre a aquisição da ... behavioristas Watson e Skinner; 3 ... o aprendizado da

Baseado na pergunta de Russell (1980) “de que modo os seres humanos,

cujos contatos com o mundo são tão breves, pessoais e limitados conseguem apesar

de tudo chegar a saber tanto quanto sabem?”1. Chomsky vai tentar explicar a

aquisição da linguagem. A linguagem para Chomsky (1971) se apresenta em dois

planos: o plano da competência lingüística e o plano do desempenho. O termo

“competência lingüística” refere-se ao sistema de conhecimento e de crenças que se

cria na primeira infância; é o conhecimento que todo falante tem da própria língua

que fala e de suas regras. Então, a competência de todos os falantes de uma

mesma língua é comum. Já o termo “desempenho” refere-se ao uso da linguagem.

Chomsky descreve a linguagem como um grupo de sentenças-núcleos,

adicionando regras de transformação a fim de alterar tais núcleos.

Chomsky se dedica ao estudo da competência, pois para ele a criança, no

momento em que aprende, compreende o conjunto de regras. Para Chomsky ocorre

um objetivismo lingüístico, pois a linguagem é concebida como pré-existente ao

sujeito e consiste em regras objetivas que em algum momento de sua história, o

sujeito assimilará.

Este posicionamento diante da linguagem acarreta em um determinado

modelo de sujeito. O sujeito que capta estas regras pré-existentes é um sujeito

universal e autônomo que independe do contexto em que está inserido, e que terá

sempre algo em comum com os outros sujeitos, pois possui dados próprios à

essência humana, como o LAD ( dispositivo de aquisição de linguagem ).

Como ocorre a aquisição da linguagem na perspectiva chomskiana? A

criança aprende a língua partindo dos dados do desempenho para chegar à

competência. Então, o aprendizado da linguagem é, na verdade, um aprendizado de

regras ou princípios básicos para a formação de sentenças. O ser humano porta em

sua essência um mecanismo inato voltado à linguagem, o LAD, que se ativa quando

a criança é exposta a linguagem, captando os dados do meio ( o desempenho

lingüístico ). Traça, então, hipóteses, volta ao meio para testá-las e se estas

hipóteses são confirmadas, viram regras, criando-se assim, a competência lingüística

que é composta de dados inatos e dados ambientais.

1 Russel, B. apud Chomsky,1980, pág. 10

Page 10: A LINGUAGEM E O HOMEM: POR UMA VISÃO … LEPORAES PEDRO.pdf · histórico pelas teorias que falam sobre a aquisição da ... behavioristas Watson e Skinner; 3 ... o aprendizado da

Com a postulação do LAD, Chomsky afirma que a criança não precisa estar

diretamente exposta a outro ser humano, não precisa haver interação para que uma

língua seja aprendida.

• SKINNER

Skinner especula sobre a origem da linguagem dizendo que o ser humano

sempre teve um aparato fonador que permitia a produção de ruídos, quando os

homens começaram a trabalhar juntos na caça, na pesca, e na construção de

abrigos. Estas situações propiciaram o surgimento de respostas verbais

rudimentares que evoluíram para a fala que hoje o homem possui a partir das

contingências de reforço.

Em “Verbal Behavior” (1957), Skinner se dedica ao estudo da linguagem se

propondo a realizar uma análise funcional do comportamento verbal. Este

comportamento verbal é um comportamento operante como qualquer outro.

Distingue-se porém, das outras formas de ação humana na medida em que, por seu

intermédio, o sujeito age apenas indiretamente sobre o meio. Logo, o

comportamento verbal é aquele cujas conseqüências só se fazem sentir pela

mediação de outras pessoas, isto é, este comportamento é reforçado por intermédio

de outras pessoas. Para ser fortalecido pelo estímulo social é necessário que uma

resposta apareça ao menos uma vez.

Skinner (1982) afirma que este comportamento se divide em mandos e tatos.

O mandos é o operante verbal da conduta imperativa, é estimulado por uma conduta

de necessidade e reforçado por uma conseqüência (ou ação) específica. O tatos é a

expressão verbal nominativa, é o comportamento de nomeação, de contato.

Skinner (1982) critica a explicação mentalista da linguagem. Na sua opinião

os mentalistas dão à linguagem um caráter de entidade, o que faz esta concepção

ser pouco produtiva, pois não se pode analisá-la através dos padrões científicos.

Quando a criança está aprendendo a falar, as condições em que o seu

comportamento é reforçado são extremamente vagas e, em geral, qualquer resposta

que se aproxime do comportamento padrão da comunidade é reforçada. Na medida

Page 11: A LINGUAGEM E O HOMEM: POR UMA VISÃO … LEPORAES PEDRO.pdf · histórico pelas teorias que falam sobre a aquisição da ... behavioristas Watson e Skinner; 3 ... o aprendizado da

em que estas respostas começam a surgir com mais freqüência, ocorre uma ação

seletiva das contingências de reforço, passando a existir uma exigência de uma

precisão maior.

É quase impossível descobrir que estímulos levam uma criança muito jovem a

dar uma resposta verbal específica, mas não há nada de estranho na velocidade

com que a criança adquire um repertório verbal, pois ela aprende a linguagem com a

mesma velocidade com que assimila respostas não-verbais. Para que a linguagem

seja adquirida, só nos resta esperar que uma dada resposta ocorra para que a

reforcemos. Este reforço continua, posteriormente, a ser importante para a

manutenção da força das respostas.

Então, a aquisição da linguagem se faz presente pela ação do reforço sobre

os comportamentos verbais emitidos, provocados por estímulos desconhecidos.

Conclui-se, então, que a comunicação oral é um comportamento aprendido.

• PIAGET

Piaget era biólogo e inspirou-se na Biologia para abordar questões relativas ao

desenvolvimento do pensamento. Seu interesse pelo desenvolvimento infantil se

deu em função do interesse epistemológico de como o conhecimento é possível.

Para Piaget, os conhecimentos progridem, isto é, modificam-se. Então, os

conhecimentos que uma criança tem são diferentes dos conhecimentos que um

adulto tem. Desta forma, o desenvolvimento intelectual da criança foi um laboratório

para Piaget. Ele tentará verificar como ocorre a evolução dos conhecimentos.

Na sua opinião, os conhecimentos se formam, têm uma gênese, ou melhor,

uma psicogênese (gênese da capacidade cognitiva). Toda estrutura comporta uma

gênese e toda gênese é biológica, isto é, tem uma base orgânica. Segundo

Bringuier (1978), Piaget recua até a gênese, porém não cai em um inatismo, pois o

sujeito não é passivo, e sim age sobre o meio (desenvolve-se a partir dos

mecanismos de acomodação e de assimilação).

Piaget acreditava que o desenvolvimento intelectual ocorre da seguinte

maneira: no início só há o organismo e os invariantes funcionais (mecanismos de

Page 12: A LINGUAGEM E O HOMEM: POR UMA VISÃO … LEPORAES PEDRO.pdf · histórico pelas teorias que falam sobre a aquisição da ... behavioristas Watson e Skinner; 3 ... o aprendizado da

assimilação e acomodação). Então, as estruturas orgânicas começam a funcionar

segundo estes invariantes funcionais produzindo as estruturas psicológicas

(estruturas intelectuais). Piaget (1936) afirmava que a fisiologia do corpo fornecerá a

montagem hereditária, inteiramente organizada e virtualmente adaptada, mas que

ainda não funciona. As estruturas intelectuais ou psicológicas começam com o

exercício dos mecanismos de assimilação e acomodação do meio. Desta forma,

ninguém nasce inteligente, o indivíduo nasce com o organismo e os invariantes

funcionais e num dado momento a inteligência se organiza.

Charles (1975) considera Piaget como um dos mais importantes teóricos do

desenvolvimento intelectual humano. E lista as principais idéias de Piaget:

• “As crianças têm estruturas mentais diferentes das dos adultos. Não são

adultos em miniatura; elas têm seus próprios caminhos distintos, para

determinar a realidade e para ver o mundo.

• O desenvolvimento mental infantil progride através de estágios definidos.

Estes estágios ocorrem numa seqüência fixa – uma seqüência que é a

mesma para todas as crianças.

• O desenvolvimento mental é influenciado por quatro fatores relacionados

entre si:

a) Maturação – amadurecimento físico, especialmente do sistema nervoso

central.

b) Experiência – manipulação, movimento e pensamento sobre objetivos

concretos e processos de pensamento que os envolvem.

c) Interação social – jogo, conversa e trabalho com outras pessoas,

especialmente outras crianças.

d) Equilibração – o processo de reunir a maturação, a experiência e a

socialização de modo a construir e reconstruir estruturas mentais”.2

2 Charles,1975,pág. 1-2)

Page 13: A LINGUAGEM E O HOMEM: POR UMA VISÃO … LEPORAES PEDRO.pdf · histórico pelas teorias que falam sobre a aquisição da ... behavioristas Watson e Skinner; 3 ... o aprendizado da

Piaget vê a linguagem como uma expressão do pensamento do sujeito. O

sujeito pré-existe a tal linguagem, e a criança a adquire durante o seu

desenvolvimento. A linguagem não é suficiente para explicar o pensamento, porém

ela é extremamente necessária.

Piaget divide o discurso da criança em dois tipos: egocêntrico e socializado. O

discurso egocêntrico e socializado. O discurso egocêntrico não se dirige a ninguém,

é um pensamento em voz alta que acompanha a ação. Não importa o interlocutor,

nem se este está compreendendo ou não. A criança, geralmente, parte do princípio

de que seu ouvinte entende tudo o que ela está falando ou desenvolve um

monólogo, ignorando o ponto de vista do seu interlocutor.

Assim como ocorre com a inteligência, a linguagem evolui de uma maneira

mais egocêntrica para uma forma socializada, além de ir se refinando e se

integrando em sistemas simultâneos.

Piaget (1979) afirma que na linguagem socializada das crianças antes dos

sete anos ainda não há o objetivo de comunicar o pensamento, pois o egocentrismo

ainda é muito forte. Desta forma, todo simbólico da criança é egocêntrico e ela não

consegue sair do seu ponto de vista e se colocar no lugar do outro. É a pressão

social que vai fazer com que a criança saia deste discurso egocêntrico.

O sujeito piagetiano se constrói a partir da interação com o meio. Ele cria a

partir do seu corpo biológico tanto a inteligência quanto a linguagem.

Piaget traz o germe da interação homem-meio e abre as portas para uma

visão interacionista da aquisição da linguagem.

• VYGOTSKY

Não é possível falar em Piaget sem lembrar da polêmica existente entre ele e

Vygotsky.

No desenvolvimento da criança, existe um período pré-lingüístico do

pensamento e um período pré-intelectual da fala: o pensamento e a palavra não se

encontram relacionados por uma relação primária (não há dependência específica

entre as raízes genéticas do pensamento e as raízes da palavra). Durante o

Page 14: A LINGUAGEM E O HOMEM: POR UMA VISÃO … LEPORAES PEDRO.pdf · histórico pelas teorias que falam sobre a aquisição da ... behavioristas Watson e Skinner; 3 ... o aprendizado da

desenvolvimento vão se fazendo conexões entre eles. De acordo com Vygotsky

(1992) há uma evolução da linguagem e outra do pensamento em que um passa a

alterar o outro, ou seja, linguagem e pensamento passam a se influenciar

mutuamente, ficando assim, ligados de uma forma dialética. O pensamento passa a

ser verbal e a linguagem neural. É através do significado que a ligação pensamento-

linguagem vai se fazer.

Segundo Castro (1992), o pensamento de Vygotsky sofre muitas mudanças

quando se torna linguagem não sendo, portanto, esta um simples instrumento de

expressão. Para ele, é através da linguagem que o pensamento ganha realidade e

forma.

Para Vygotsky (1989), a forma mais primitiva de discurso é o diálogo, pois o

discurso sempre é social, isto é, uma fala externa que se dirige a alguém, e logo, há

uma comunicação. O monólogo surge, em um dado momento, como uma subdivisão

deste discurso. O discurso egocêntrico pode ser considerado um discurso que aos

poucos vai se internalizando (onde o falante e o ouvinte acabam sendo a mesma

pessoa) e vai desempenhar a função de organizar o pensamento na situação

problema.

Segundo Vygotsky (1989), a criança, quando nasce, é essencialmente social,

a medida que vai crescendo vai havendo uma diferenciação e uma individualização.

Aos sete anos, o discurso egocêntrico está mais próximo do discurso internalizado,

sendo mais incompreensível.

Vygotsky vai dizer que:

“(...) Essencialmente, o desenvolvimento da fala interna depende de fatores

externos: o desenvolvimento da lógica da criança, como mostram os estudos

de Piaget, é uma função direta da sua fala socializada.”3

Para Vygotsky, então, o outro tem um papel de destaque desde o início, ele

está sempre presente e auxiliando na constituição da consciência do sujeito, para

que “a posteriori” o sujeito possa internalizar o seu discurso.

3 Vygotsky,1962, pág.51

Page 15: A LINGUAGEM E O HOMEM: POR UMA VISÃO … LEPORAES PEDRO.pdf · histórico pelas teorias que falam sobre a aquisição da ... behavioristas Watson e Skinner; 3 ... o aprendizado da

CAPÍTULO III

QUEM ADQUIRE A LINGUAGEM?

Na linguagem independente do modelo que a descreva, há sempre alguém

que a adquire, há sempre um sujeito, e o sujeito que porta a linguagem é no início

uma criança.

Para Kramer (1982), a dependência da criança frente ao adulto é uma

característica social da infância que está presente de uma forma ou de outra nas

diversas classes sociais, em qualquer que seja a organização da sociedade. Trata-

se de um fato social. Contudo esta dependência varia de acordo com a classe

social.

Todas as teorias têm uma idéia geral de que as crianças portam em si um

potencial, uma capacidade para o desenvolvimento. A diferença está no

pensamento que norteia a teoria. De acordo com ele a criança vai ser vista de

determinada maneira, por exemplo: para Chomsky a criança tem uma essência inata

e não precisa de ninguém para aprender a falar.

A criança para o modelo interacionista é uma criança que tem um potencial,

porém precisa entrar em contato com o mundo para poder atualizá-lo, precisa do

outro para se desenvolver. Caso não haja este contato, esta troca, a criança ficará

só e não se desenvolverá adequadamente.

Page 16: A LINGUAGEM E O HOMEM: POR UMA VISÃO … LEPORAES PEDRO.pdf · histórico pelas teorias que falam sobre a aquisição da ... behavioristas Watson e Skinner; 3 ... o aprendizado da

CAPÍTULO IV

A INTERAÇÃO

Este capítulo se dedicou a falar sobre um modelo de aquisição de linguagem

que teve sua semente com Piaget e Vygotsky, o modelo interacionista de aquisição

da linguagem.

Segundo McCormick (1984) um interacionista imagina o desenvolvimento

cognitivo determinado pela atividade adaptativa, o sujeito interage com o meio e

gradualmente altera e é alterado por este. Contudo, não negam a influência

biológica que é inata, pois como diz Carroll (1972) o único elemento hereditário na

linguagem é o fato de a criança nascer com um equipamento biológico complexo que

lhe permite aprender e produzir linguagem.

A criança não é um espaço vazio, nem um recipiente passivo, “é um

adaptador” que nasce com propriedades gerais para perceber, organizar e interceder

de maneira correta no mundo. Em síntese, a criança nasce preparada para aprender

a falar e o ambiente a ensina.

Existe um corpo (a criança) e um outro que vai nomear este corpo, nomear

suas necessidades, vontades e objetos. Em suma, há um outro que nomeia o

mundo para o sujeito e isto só ocorre através da interrelação.

O interesse pelo processo de aquisição da linguagem levou a muitas

investigações. As primeiras buscavam auxiliar o desenvolvimento da linguagem em

crianças institucionalizadas e/ou portadoras de retardo mental. Estas propiciaram o

surgimento da abordagem tradicional didática de intervenção de linguagem feitas em

salas de terapia, que se utilizavam de treinamentos com reforçamento diferencial,

modelagem, imitação, repetição das tentativas, trabalhando com articulações e

fonologia para ensinar vocabulário, sintaxe e morfologia, habilidades lingüísticas

iniciais e treinamento de imitação vocal e motora, contudo esta forma de agir

esbarrava com a dificuldade de desenvolver na criança a habilidade de emitir e

Page 17: A LINGUAGEM E O HOMEM: POR UMA VISÃO … LEPORAES PEDRO.pdf · histórico pelas teorias que falam sobre a aquisição da ... behavioristas Watson e Skinner; 3 ... o aprendizado da

entender enunciados verbais apropriados ao contexto social onde são produzidos,

isto é não garantiam a generalização lingüística.

Foi neste espaço deixado pela abordagem tradicional que surgiu a abordagem

naturalista empunhando a bandeira de que a intervenção da linguagem devia facilitar

a capacidade da criança de usar suas habilidades comunicativas em todas as

situações de sua vida. Esta abordagem enfatiza a linguagem usada nas

intervenções comunicativas que afetam o ouvinte de forma específica e

generalizada.

O modelo de intervenção em linguagem naturalista vai se apoiar em cinco

teorias:

• A Teoria da Comunicação – elaborada na década de 60 demonstra que

todo o comportamento comunica algo; os comportamentos se afetam

mutuamente, isto é, o comportamento de um indivíduo afeta e é afetado pelo

comportamento de outro indivíduo.

O modelo interacionista destaca desta teoria a função comunicativa que o

comportamento adquire ao produzir efeitos no meio e o desenvolvimento da

linguagem no contexto das interações sociais, nas quais os comportamentos

dos sujeitos funcionam num sistema articulado de influências mútuas.

• Teorias do Desenvolvimento Infantil – ressaltam as relações entre a

linguagem, a afetividade e a cognição, além da importância da interação mãe-

bebê.

A relação mãe-bebê é importante para que o bebê se sinta e possa explorar o

seu ambiente, pois esta relação propicia várias oportunidades para que a

aquisição da linguagem ocorra.

• A Pragmática – segundo esta teoria a aquisição da linguagem se

constitui como um dos aspectos do desenvolvimento social. A linguagem se

Page 18: A LINGUAGEM E O HOMEM: POR UMA VISÃO … LEPORAES PEDRO.pdf · histórico pelas teorias que falam sobre a aquisição da ... behavioristas Watson e Skinner; 3 ... o aprendizado da

desenvolve em contextos funcionais a partir de intenções sociais e pessoais

que dão a linguagem um propósito (a comunicação e a interação social).

• A Teoria Behaviorista da Linguagem – a linguagem é um

comportamento como outro qualquer adquirido por reforçamento.

Esta ótica propicia aos pesquisadores da abordagem naturalista/interacionista

uma análise experimental do comportamento.

• Teoria Geral dos sistemas – Mc Donald (apud Nunes) afirma que

eventos interativos tais como a comunicação são descritos como fenômenos

que existem dentro de um sistema de “feedback”, onde cada evento tem

efeitos recíprocos sobre outros eventos, desta forma, não pode ser explicado

isoladamente.

O modelo interacional implícito no modelo de intervenção naturalista, coloca a

importância da contribuição da mãe para o aprendizado da linguagem e o

desenvolvimento cognitivo e emocional da criança. Para ele o elemento afetivo é

fundamental no mecanismo de aquisição da linguagem, pois para se comunicar é

necessário que a criança faça um laço afetivo com alguém.

A mãe ou a pessoa que desempenha esta função é quem propicia a entrada

da criança no mundo, é ela que vai nomear o mundo para esta criança. É a primeira

troca que esta criança faz com o mundo.

A fala da mãe passou a ser estudada na medida em que a aquisição da

linguagem é vista como interação. Esta fala com características especiais passou a

ser chamada de “baby talk”.

Mas o que é o “baby talk”? É a fala da mãe que imita a fala da criança tal

como esta fala. Esta fala tem as seguintes funções: ganhar e manter a atenção da

criança, estabelecer laços afetivos entre a criança e o adulto e facilitar a

comunicação com a criança.

Este modelo enfatiza a linguagem funcional (linguagem entendida como

utilizada na interação comunicativa). Alega que a utilidade de um signo (significante

Page 19: A LINGUAGEM E O HOMEM: POR UMA VISÃO … LEPORAES PEDRO.pdf · histórico pelas teorias que falam sobre a aquisição da ... behavioristas Watson e Skinner; 3 ... o aprendizado da

e significado) é estabelecida através da experimentação dos eventos que foram

produzidos pela emissão de uma verbalização. Segundo Warren, “a criança aprende

a usar determinados sons ou combinações de sons para controlar intencionalmente

seu ambiente imediato de forma a satisfazer as suas necessidades.

Para que esta linguagem se desenvolva, há necessidade de que a família ou

as pessoas que circundam a criança respondam aos comportamentos desta.

Através dos vínculos afetivos que a criança cria e mantêm com estas pessoas a

deixa disponível para aprender e falar. Estas pessoas ensinam coisas sobre o

mundo (nomeiam este mundo), as quais a criança demonstra interesse. Desta

forma, a criança aprende a definir as coisas que estão ao seu redor partindo de suas

necessidades.

Segundo Carroll (1972) são relevantes para o aprendizado da linguagem três

seqüências de desenvolvimento, que são:

• desenvolvimento da capacidade de reconhecer, identificar, discriminar,

manipular as características e processos do mundo que existe ao redor do

indivíduo (desenvolvimento cognitivo).

• desenvolvimento da capacidade de discriminação e compreensão dos

sons.

• desenvolvimento da capacidade de produzir sons (ou seqüência de sons)

cada vez mais próximos dos padrões da fala do adulto.

Não se descarta, apesar do papel importante do outro, que há também o papel

do aparato neuro-biológico do indivíduo.

Segundo Nunes (1992), a prática deste modelo consiste em:

• Ensinar a linguagem nas atividades rotineiras do ambiente natural da

criança;

• Ensinar no contexto das interações verbais normais da criança, onde seu

interesse e a atenção imediata são o fio condutor de todo o ensino, ou seja,

Page 20: A LINGUAGEM E O HOMEM: POR UMA VISÃO … LEPORAES PEDRO.pdf · histórico pelas teorias que falam sobre a aquisição da ... behavioristas Watson e Skinner; 3 ... o aprendizado da

ensina-se a linguagem de acordo com a demanda da criança, pois não adianta

ensinar palavras, ou sentenças se ela não está interessada naquilo que

estamos nomeando e sim em outra coisa;

• Utilizar reforçadores funcionais indicados pela própria criança, estes

reforçadores não se resumem a repetir o que a criança fala, o próprio acesso

ao objeto solicitado pela criança serve como reforçador.

Page 21: A LINGUAGEM E O HOMEM: POR UMA VISÃO … LEPORAES PEDRO.pdf · histórico pelas teorias que falam sobre a aquisição da ... behavioristas Watson e Skinner; 3 ... o aprendizado da

CAPÍTULO V

CONCLUSÕES FINAIS

O lado humano psíquico não serve para nada se não houver um lado físico.

Desta forma, é lógico que o aparato biológico herdado geneticamente dos pais, tem

um papel extremamente relevante, porém o corpo humano, sem ter uma relação de

alteridade com o outro, é apenas um corpo, pois é o outro que oferece o mundo a

este corpo, que nomeia este mundo e este corpo, que transforma este corpo em

sujeito.

A aquisição da linguagem se dá pela conquista da relação com o outro, onde o

sujeito aprende a sua língua. Então a linguagem é alguma coisa pré-existente ao

sujeito, mas também é criada por ele em sua troca com o mundo. Ela se processa

como um “feedback” entre as pessoas que interagem e/ou entre o indivíduo e o

mundo que o cerca.

Não se pode afirmar que o contato seja o único responsável pela aquisição da

linguagem, pois há várias coisas em jogo, como o corpo físico, as emoções,

sensações e os comportamentos adquiridos, etc. Todavia uma boa afinidade

representa um grande passo no caminho do relacionamento e da aquisição da

linguagem.

Page 22: A LINGUAGEM E O HOMEM: POR UMA VISÃO … LEPORAES PEDRO.pdf · histórico pelas teorias que falam sobre a aquisição da ... behavioristas Watson e Skinner; 3 ... o aprendizado da

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS:

• BRINGUIER, J (1978) – “Conversas com Piaget” – Lisboa. Bentrand.

• CARROLL, J. B. (1972) – “Psicologia da Linguagem” - Rio de Janeiro. Zahar.

• CASTRO, M. F. P. (1992) – “Aprendendo a Argumentar: um Momento na

Construção da Linguagem” – Campinas. Editora da UNICAMP.

• CHARLES, C. M. (1975) – “Piaget ao Alcance dos Professores” – Rio de Janeiro.

Ao Livro Técnico.

• CHOMSKY, N. (1971) –“Linguagem e Pensamento” – Petrópolis, RJ. Vozes.

• CHOMSKY, N. (1980) – “Reflexões Sobre a Linguagem” – São Paulo. Cultrix.

• KRAMER, S. (1982) – “A Política da Pré-Escola no Brasil – A Arte do disfarce”

Rio de Janeiro. Achiamé.

• MCCORMICK, L. & SCHIEFELBUSCH, R. L.. (1984) – “Early Language

Intervention” - Columbus Bell e Howell Company

• NUNES, L. R. (1992) – “Métodos Naturalísticos para o Ensino da Linguagem

Funcional em Indivíduos com Necessidades Funcionais” – in ALENCAR, E. S. et

alli (1992) – “Novas Contribuições da Psicologia aos Processos de Ensino e

Aprendizagem” – São Paulo. Cortez.

• PETERFALVI, J. M. (1973) – “Introdução à Psicolingüística” – São Paulo. Cultrix.

• PIAGET, J. (1936) – “O Nascimento da Inteligência na Criança.”

• PIAGET, J. (1978) – “Psicologia e Epistemologia – Por uma Teoria do

Conhecimento” - Rio de Janeiro. Editora Forense Universitária.

• PIAGET, J. (1975) – “A Epistemologia Genética” – Petrópolis. RJ. Vozes.

• PIAGET, J. & INHELDER, B. (1979) – “Memória e Inteligência”. – Brasília. Arte

Nova.

• SKINNER (1957) – “Verbal Behavior” – N.Jersey. Inc. Englewood Cliffs.

• SKINNER (1982) – “Sobre o Behaviorismo” – São Paulo. Cultrix.

• VYGOTSKY, L. S. (1962) – “Thought and Language” – Massachusetts. The MIT

Press.

Page 23: A LINGUAGEM E O HOMEM: POR UMA VISÃO … LEPORAES PEDRO.pdf · histórico pelas teorias que falam sobre a aquisição da ... behavioristas Watson e Skinner; 3 ... o aprendizado da

• VYGOTSKY, L. S. (1989) – “Pensamento e Linguagem” – São Paulo. Martins

Fontes.

• VYGOTSKY, L. S. (1989) – “A Formação Social da Mente” – São Paulo. Martins

Fontes.

• VILLA LOBOS, M. P. (1986) – “A Geração das Palavras: Skinner e Chomsky” –

São Paulo. Publicação da Faculdade de Educação da Universidade de São

Paulo.

Page 24: A LINGUAGEM E O HOMEM: POR UMA VISÃO … LEPORAES PEDRO.pdf · histórico pelas teorias que falam sobre a aquisição da ... behavioristas Watson e Skinner; 3 ... o aprendizado da

BIBLIOGRAFIA:

• ARAUGUREN, J. L. (1975) – “Comunicação Humana” – Rio de Janeiro. Zahar.

• BLOCH, P. (1981) – “Voz e Fala da Criança (no Lar e na Escola)” – Rio de

Janeiro. Editora Nórdica.

• FRIEDMAN, M. – “The Healing Dialogue in Psicotherapy” – New York. Ed. Jason

Aronson.