Upload
ngokhanh
View
216
Download
0
Embed Size (px)
Citation preview
A mediação do professor com vistas ao desenvolvimen to da criança em idade pré-escolar, na Escola Especial.
Autora: Dilvanete Magalhães Rocha1
Orientadora: Maria Julia Lemes Ribeiro2
Resumo
O presente artigo relata o trabalho desenvolvido com quinze professores da educação infantil de Escola Comum e Escola de Educação Básica na Modalidade Especial, tendo como escopo verificar as contribuições das concepções da Teoria Histórico-Cultural e suas implicações na prática pedagógica no contexto da educação inclusiva. Entende-se que esta perspectiva teórica possibilita o desenvolvimento das funções psicológicas superiores das crianças, inclusive daquelas que tiveram seu desenvolvimento dificultado pela deficiência. Esta teoria parte do pressuposto que desde o início do processo de desenvolvimento humano há uma atividade que é classificada como fundamental a cada etapa, e é através dela que se pode alcançar e motivar a ampliação das estruturas psíquicas que serão alicerces para a construção de novos conhecimentos. A pesquisa constatou que com a compreensão pelos professores dos fundamentos da teoria estudada, acerca do desenvolvimento humano, percebe-se que, ao contrário da tendência de escolarização precoce e de abreviamento da infância presentes, de um modo geral, nas práticas atuais de Educação Infantil, o direito à infância defendido por essa teoria é condição para a máxima assimilação das qualidades humanas.
Palavras-Chave: Teoria Histórico-Cultural; Educação Especial; Mediação Docente.
1 Introdução
O direito à educação da criança na idade compreendida entre o nascimento
e sua entrada no ensino obrigatório é contemporâneo em nosso país. Somente na
Constituição de 1988 é que houve o reconhecimento, sendo corroborada,
1 Pós graduação: Educação Especial – D. M.; Graduação: Pedagogia; Escola Esperança – Ed. Inf. e Ensino Fundamental na Modalidade Educação Especial . 2 Doutora em Educação; graduação em Psicologia, Universidade Estadual de Maringá- UEM
posteriormente, pelo Estatuto da Criança e do Adolescente (1990), Lei Orgânica da
Assistência (1993), e Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional (1996).
Por lei, a Educação Infantil é a primeira fase da Educação Básica e tem
como finalidade o desenvolvimento integral da criança de zero a cinco anos de idade
em seus aspectos físico, afetivo, intelectual, linguístico e social, complementando a
ação da família e da comunidade (Lei nº 9.394/96, art. 29).
O presente trabalho resultou da participação do Programa de
Desenvolvimento Educacional (PDE), que tem por objetivo proporcionar aos
professores da rede pública estadual subsídios teóricos metodológicos para o
desenvolvimento de ações educacionais sistematizadas, e que resultem em
redimensionamento de sua prática. Compreende quatro etapas de formação
desenvolvidas por Instituições de Ensino Superior que em diversas ações
concatenadas com a Secretaria de Estado de Educação culminam com elaboração
de material didático, implementação da proposta de intervenção pedagógica na
escola e finda a pesquisa desenvolvida pelo participante através da elaboração e
publicação de artigo científico.
Com o tema: a função mediadora do professor, sob o enfoque da Teoria
Histórico-Cultural e possibilidades para o desenvolvimento da criança no ensino pré-
escolar da Educação Especial, esta, tem como objetivo buscar subsídios advindos
da Psicologia histórico-cultural acerca do desenvolvimento do psiquismo humano na
idade pré-escolar e suas contribuições para a Educação Infantil da Escola Especial.
Parte-se do pressuposto que desde a implantação da Teoria Histórico-
Cultural como norteadora do trabalho educacional no estado do Paraná, a Secretaria
de Educação (SEED) tem proporcionado cursos de capacitação para os docentes da
rede pública, mas não se observa transformações significativas na prática diária e
dinâmica da sala de aula.
Ocorre que muitas vezes, o ensino ofertado nessas instituições se perde em
práticas limitadas aos cuidados físicos das crianças ou numa pedagogia
antecipatória do ensino fundamental. Esta prática evidencia a confusão de papéis
entre professor e cuidador.
A Secretaria da Educação do Estado do Paraná (SEED) no documento com
orientações para a elaboração, implementação e avaliação da proposta pedagógica
na educação infantil, reconhece que:
O fato de, muitas vezes, não haver coerência entre os fundamentos explicitados na Proposta Pedagógica e as práticas realizadas nas IEIs revela, de alguma forma, que as concepções não são suficientemente consistentes ou que não são realmente compartilhadas pelos professores e demais profissionais, ou ainda que não se tornaram significativas para esses sujeitos. (SEED, 2010).
Na Escola Especial tal situação ainda é mais evidente, primeiro, por não
fazer parte da rede pública de ensino, já que em sua maioria funciona em convênio
com o Estado, o que inviabiliza a formação continuada para todos seus profissionais.
Segundo, pelo paradigma social, muitas vezes refletido no “chão” da escola
especial: para os alunos deficientes bastam cuidados físicos.
Especificamente, na Educação Infantil da Escola Especial, este é um
aspecto que requer reflexão, pois é a forma como vemos e entendemos as questões
relativas ao processo de cuidado e educação das crianças que dirigem nossas
ações. As concepções teóricas são “o ponto de partida” de uma proposta e devem
se refletir na organização do trabalho e nas ações educativas realizadas.
A Teoria Histórico-Cultural concebe que no processo de desenvolvimento
humano existe uma atividade que é considerada principal para cada etapa, e é ela
que atinge e motiva a ampliação das estruturas psíquicas que servirão de base para
novos conhecimentos.
Conforme Mukhina (1996) o desenvolvimento da criança não transcorre de
forma regular, existem momentos de transformação lenta e gradual, em outros
desaparecem e aparecem traços psíquicos que a tornam irreconhecível para os que
com ela convivem.
Facci (2004), fundamentada nas pesquisas de Leontiev, afirma que no
transcorrer do desenvolvimento infantil, a criança começa a ter noção de que o
espaço que ocupava no mundo das relações humanas a qual pertencia não satisfaz
às suas potencialidades e se aplica para modificá-lo, surgindo uma contradição
explicita entre esses fatores. Essa contradição se expressa sob a forma de crise.
Isto é, devido ao desenvolvimento atingido numa etapa, chega um momento em que
seus conhecimentos, seus hábitos, suas qualidades psíquicas e suas possibilidades
dão origem a novas necessidades e interesses.
Na escola se destaca o papel mediador do professor, por assim dizer, a
importância da mediação pedagógica. A mediação planejada, com recursos
didáticos e estratégias melhores selecionadas, motivada pela interação social, leva
segundo Vigotsky (1998) ao desenvolvimento das funções psicológicas superiores.
No que diz respeito ao desenvolvimento de crianças com deficiência
intelectual, Barroco (2007) reconhece que a deficiência não causa, essencialmente,
uma psicopatia, nem torna a criança defectiva automaticamente, mas possibilita o
entendimento de que uma criança com deficiência passa pelas mesmas etapas de
desenvolvimento que a demais, porém com características peculiares, relacionados
à sua condição.
Nesse sentido, Barroco ressalta que:
[...] trabalhar a compensação social em indivíduos com limitações intelectuais, ou de outra natureza, implica em oportunizar-lhes o desenvolvimento do talento cultural, prevendo e buscando por um avanço [...] (BARROCO, 2007, p. 261).
Sierra (2009) destaca que até por volta do final do terceiro ano, a criança
esta adquirindo a linguagem, nesse momento ela se subordina ao adulto, tendo-o
como exemplo, mais adiante ela imita a ação do adulto utilizando a linguagem para
dirigir e acompanhar sua ação. Aos poucos a linguagem antecede a ação. Nesse
momento a criança é capaz de raciocinar diante da voz humana de comando e de
situação real e, passa a agir orientada por aquilo que lhe é significativo.
Vigotsky (1998) enfatiza que:
[...] a criança deficiente necessita utilizar constantemente de ferramentas culturais para que possa expressar seu pensamento e desenvolver sua linguagem, e que algumas situações, os instrumentos culturais tem que ser adaptados à sua condição psicológica, para estimular seus mecanismos fisiológicos e psicológicos colocando-a em situação de aprendizagem como qualquer criança (VIGOTSK, 1998 in SIERRA, 2009, p. 57-58).
Frente a esse contexto o presente trabalho busca compreender os
processos de desenvolvimento vividos pela criança nessa fase e planejar formas
mais apropriadas de intervenção, atividades que promovam a aquisição de novas
habilidades e a apropriação da cultura fornecendo subsídios para o aluno deficiente
atuar como sujeito ativo na sociedade.
2 Atendimento Educacional da Criança com Deficiênci a– Contexto Histórico
Na história da educação especial são muitas as informações sobre o
atendimento educacional oferecido às pessoas com deficiência. É possível
constatar, de acordo com Soares (2009), que até o século XVIII as noções sobre
deficiência eram basicamente ligadas ao misticismo e ocultismo, marcando uma
relação de segregação, o que naturaliza o fracasso escolar.
Ainda neste mesmo contexto, a escola historicamente, é delimitada a um
grupo seleto e privilegiado e marcada pela uma exclusão, autenticada nas políticas e
práticas educacionais que apenas reproduziam a ordem social de uma época.
Somente a partir do entendimento dos direitos humanos e do conceito de
cidadania, onde as desigualdades são reconhecidas.
De acordo com a Política Educacional de Educação Especial na Perspectiva
da Educação Inclusiva (2007)
[...] Essa problematização explicita os processos normativos de distinção dos alunos em razão de características intelectuais, físicas, culturais, sociais e linguísticas, entre outras, estruturantes do modelo tradicional de educação escolar [...] (BRASIL, 2007).
Cronologicamente, o atendimento às crianças com deficiências, já era
discutido na sociedade primitiva, onde, verificamos que a sobrevivência do grupo
dependia do que a natureza lhes oferecia como, caça, pesca, frutos e cavernas para
abrigar-se, etc., uma de suas características era o deslocamento constante em
busca de alimentos, sendo fundamental que todos os indivíduos fossem capazes de
dar conta de si mesmo e ainda colaborar na manutenção do grupo.
Assim, alguém com alguma deficiência constitui um empecilho, levando-o a
ser abandonado, morto por inanição ou por animais e sem que isto causasse
sentimentos de culpa, havendo deste modo um processo de seleção natural, em que
literalmente os mais fortes sobrevivem (BIANCHETTI, 1998).
O autor continua a explicar que na sociedade grega e romana, existiam os
escravos para o trabalho, pois os gregos consideravam o trabalho braçal
degradante, os homens livres podiam se dedicar a reflexão e ao pensar, o que se
valorizava era o corpo em sua estética (forte e belo) em razão das guerras. As
crianças que apresentassem algum tipo de deficiência ao nascer eram eliminadas,
pois não correspondiam ao ideal de homem, não apresentando perspectiva de
futuro, no entanto, não se considerava crime a eliminação destas.
Em outro momento na sociedade romana as pessoas com deficiência eram
utilizadas como bobos da corte, objeto de diversão dos nobres, ou usadas em
espetáculos circenses, não havendo respeito a sua dignidade (BIANCHETTI, 1998).
No período feudal, a divisão corpo/mente é substituída por corpo/alma em
virtude do domínio da Igreja, e o significado da diferença passa a ser sinônimo de
pecado. Percebem-se aspectos e valores diferenciados em relação ao corpo, pois
ao mesmo tempo em que é o “templo da alma” também é a “oficina do diabo”,
aconselhando neste momento os flagelos, a utilização da inquisição com o objetivo
de purificação da alma. A igreja tinha nesta época a função social normatizadora,
ditando os parâmetros em relação ao corpo, a sexualidade, reprodução, aos
costumes e à moral.
É possível encontrar ao longo da história diferentes valores católicos em
relação à pessoa com deficiência, enquanto filhos de Deus eram dotados de alma, e,
portanto merecedores de cuidados e caridade, oferecendo-lhes proteção e ao
mesmo tempo os segregavam, separando-os do convívio com o outro, tem-se com
isso, as primeiras instituições com objetivo de oferecer abrigo às pessoas com
deficiência, surgem então, as raízes do isolamento e da internação.
Na idade moderna, segundo Soares (2009), o médico Paracelso (1493-
1541) avaliou a deficiência sob a ótica orgânica, enfraquecendo as explicações
supersticiosas sobre a deficiência, principalmente a deficiência intelectual. Neste
sentido, Cardano (1501-1576), médico e filósofo da época, compartilhavam da
mesma ideia de que as pessoas com deficiência intelectual não eram dignas de
piedade e sim de tratamento, ambos começaram a pensar em ações pedagógicas,
porém suas ideias não obtiveram êxito, pela descrença social deste momento
histórico. No entanto, esta perspectiva da possibilidade de realização de um trabalho
educacional com tais pessoas, lentamente foi sendo incorporada, através dos
séculos pela sociedade.
Foi apenas após o século XVIII que começou a se propagar a ideia de que
as pessoas com deficiência poderiam conviver socialmente com as pessoas ditas
normais. Porém a sociedade da época a mantinha institucionalizada, por serem
representantes do desvio do padrão social da época, como assim eram
considerados: as prostitutas, os loucos, deficientes, pobres e mutilados. Havia,
portanto, a busca por proteger a sociedade de tais indivíduos internando-os em
instituições (TESSARO, 2005).
Pessoti (1984) relata que no período compreendido entre o final do século
XVIII e início do século XIX aumentaram muito as pesquisas e as práticas médicas
em relação à deficiência. Na França o médico Jean Marc Itard (1774-1838)
desenvolveu as primeiras tentativas de educar uma criança de doze anos de idade,
chamado Vitor, mais conhecido como o “Selvagem de Aveyron”, ainda que este
tenha se constituído num trabalho individualizado.
Jannuzzi (1992) esclarece que mais tarde Eduard Séguin, em 1840,
influenciado por Itard, criou o método fisiológico de treinamento. Séguin não se
preocupou apenas com o conceito de deficiência intelectual ele também se dedicou
ao tratamento, fundando a primeira escola para deficientes mentais em Paris no ano
de 1817. Seu trabalho inspirou o estabelecimento de escolas semelhantes nos
Estados Unidos, nas décadas de 1840 a 1850.
Barroco (2007) ressalta que este período foi marcante na história das
deficiências, pois o deficiente passou a ser concebido como sujeito treinável e a ele
cabia lutar por sua reabilitação com o objetivo de (re) integração na sociedade.
No Brasil, no período Imperial, foram criadas duas instituições a fim de
atender crianças com deficiências: o Imperial Instituto dos Meninos Cegos, em 1854,
atual Instituto Benjamin Constant – IBC, e o Instituto dos Surdos Mudos, em 1857,
que atualmente é chamado de Instituto Nacional da Educação dos Surdos – INES,
todos no Estado do Rio de Janeiro. No início do século XX é inaugurado o Instituto
Pestalozzi (1926), instituição que visa o atendimento aos indivíduos com deficiência
mental; no ano de 1945, é criado, por Helena Antipoff, o primeiro atendimento
educacional especializado às pessoas com superdotação na Sociedade Pestalozzi.
E em 1954, é fundada a primeira Associação de Pais e Amigos dos Excepcionais –
APAE (BRASIL, 2007).
A primeira da Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional – LDBEN, Lei
nº 4.024/61 foi decretada em 1961, desde então, o atendimento educacional às
pessoas com deficiência passa a ser regulamentado por Lei. Em seu Título X, no
que diz respeito à “Educação dos Excepcionais” diz que in verbis:
Art. 88. A educação de excepcionais deve no que for possível, enquadrar-se no sistema geral de educação, a fim de integrá-los na comunidade. (BRASIL, 1961).
No ano de 1973, é criado, pelo Ministério da Educação o Centro Nacional de
Educação Especial – CENESP, que rege a educação especial no Brasil.
Dentre as mudanças conferidas ao longo da história, podemos trazer a tona
o descontentamento de pais, familiares e outros membros da sociedade que passam
a discutir as formas de atendimento e a reivindicar melhores condições de vida para
aqueles que se apresentavam como desviantes, com alguma “anormalidade”,
requerendo a garantia de seus direitos. Mas, mesmo havendo uma defesa em prol
da participação destas pessoas na sociedade, com sua cidadania respeitada,
continuavam sendo atendidas de forma assistencial, predominando a hegemonia
médica clínica (JANNUZZI, 1992).
E, após a organização de alguns movimentos sociais, ocorridos na primeira
metade do século XX, a sociedade foi pressionada a repensar seus valores e suas
práticas voltadas para as pessoas que apresentavam deficiência. Promovendo
assim, uma intensificação em torno da discussão sobre a integração/inclusão das
crianças que apresentam necessidades educacionais especiais no sistema regular
de ensino.
Além das discussões promovidas constata-se a organização de diretrizes,
decretos, leis, dentre outros documentos, que passam a orientar as ações em
relação às pessoas com deficiência, à educação escolar a ser oferecida. De acordo
com as Diretrizes Curriculares para Educação Especial do Paraná (SEED, 2008) foi
a partir da década de 1980 que inúmeras leis foram aprovadas, por organismos
internacionais sistematizando documentos norteadores em torno da igualdade de
direitos e oportunidades, bem como o reconhecimento da diversidade dos alunos e o
compromisso com a educação, dentre eles destaca-se (SEED, 2008).
A Declaração Universal dos Direitos Humanos (1948) publicada pela
Organização das Nações Unidas (ONU), assegurando a todas as pessoas, sem
distinção alguma, os mesmos direitos à liberdade, a educação, ao desenvolvimento
pessoal e social enfim, a livre participação na comunidade. É citada ainda, a
Declaração dos Direitos das Pessoas Deficientes (09/12/75); o Ano Internacional das
Pessoas com Deficiência-1981; a criação do Programa Mundial de Ações relativo às
pessoas com deficiência, adotado pela Assembleia Geral da ONU (Organização das
Nações Unidas, 1982), e, posteriormente, foi instituída a Década das pessoas com
Deficiência das Nações Unidas – 1983/1992.
Desde então, a Educação especial passou a estar com mais frequência na
pauta de discussões internacionais, sendo uma delas em 1990, a Conferência
Mundial de educação para Todos, ocorrida em Jomtien, Tailândia, convocando os
países membros da ONU, chamando a atenção para a necessidade de estabelecer
ações concretas, visando atender as necessidades educacionais de inúmeros
alunos, até então privados do direito de acesso, ingresso, permanência e sucesso
na escola básica (ALBUQUERQUE, 2005).
Além disso, em 1994 foi promovida pelo governo da Espanha e pela
UNESCO a Conferência Mundial sobre Necessidades Educacionais Especiais:
acesso e qualidade, gerando a Declaração de Salamanca (BRASIL, 1997). O
princípio fundamental desta Declaração é a responsabilização da escola no
acolhimento de todas as crianças, independente das diferenças que as
caracterizam. Esta é tida como o marco mundial na difusão da educação inclusiva.
Piletti e Rossato (2010) citam como importante marco no que tange as
possibilidades de educação das pessoas com deficiência a Convenção Internacional
sobre as Pessoas com Deficiência, promovida pela ONU em 2006, que destaca que
estas pessoas não podem ser consideradas de modo isolado, ou seja, devem ser
consideradas as interações e as barreiras sociais interpostas, que interferem em seu
desenvolvimento. Deste modo, são vistas para além de sua organicidade, o que
propicia um repensar das ações, da educação escolar oferecida, das expectativas
de aprendizagem e desenvolvimento de tais pessoas.
Em suma, como bem sistematiza Mazzota (2005) a história do atendimento
e tratamento às pessoas com deficiência compreende o abandono e extermínio, a
institucionalização, a integração e a inclusão. O que podemos verificar na sociedade
atual, é que o tempo e o caminhar da história não divide necessariamente os
atendimentos e educação oferecidos a estas pessoas unicamente a determinados
momentos, mas, é possível denotar que ainda que haja mudanças, recorre-se às
explicações místicas, biológicas, naturalistas, para explicar a necessidade de ainda
segregar as pessoas com deficiência.
Atualmente, de acordo com o Ministério da Educação/Secretaria de
Educação Especial, que foram responsáveis pela elaboração do documento que
estabelece a Política Nacional de Educação Especial na Perspectiva da Educação
Inclusiva (2007), a mesma tem como objetivo assegurar a inclusão escolar de alunos
com deficiência, transtornos globais do desenvolvimento e altas habilidades/super-
dotação, orientando os sistemas de ensino para garantir: acesso ao ensino regular,
com participação, aprendizagem e continuidade nos níveis mais elevados do ensino;
transversalidade da modalidade de educação especial desde a educação infantil até
a educação superior; oferta do atendimento educacional especializado; formação de
professores para atendimentos educacionais especializados e demais profissionais
da educação para a inclusão; participação da família e da comunidade;
acessibilidade arquitetônica, nos transportes, nos mobiliários, nas comunicações e
informação; e articulação inter setorial na implementação das políticas públicas.
No Estado do Paraná, de acordo com Política Nacional de Educação
Especial na perspectiva da Inclusão (2009), orienta-se que o aluno da educação
especial deve estar preferencialmente, matriculado na rede regular de ensino, com
os apoios especializados disponibilizados para seu processo de aprendizagem.
Ainda implementa que:
A inclusão educacional dos alunos com deficiência, transtornos globais do desenvolvimento e altas habilidades/superdotação para efetivar-se necessita do suporte da Educação Especial, incluindo a implantação e/ou implementação de uma rede de apoio (BRASIL, 2007).
Dentro do Estado, a política adotada é a de um processo gradativo de
inclusão, em reconhecimento às diferenças inerentes de cada indivíduo. Em virtude
disso, foi formada uma rede de apoio composta por serviços apropriados ao seu
atendimento, tais como, Sala de Recursos de 5ª a 8ª séries na área da deficiência
intelectual e transtornos funcionais do desenvolvimento, sala de recursos na área
das Altas habilidades/superdotação para enriquecimento curricular, sala de recursos
par alunos com transtornos globais do desenvolvimento, professor de apoio de sala
para alunos com transtornos globais do desenvolvimento, tradutores e intérpretes
para educandos surdos com domínio da língua de sinais/LIBRAS, professor de apoio
à comunicação alternativa para alunos com importante comprometimento
físico/neuromotor e de fala e centros de atendimentos para alunos das áreas da
deficiência visual, da deficiência física neuromotora e da surdez (BRASIL, 2007).
Vale ressaltar que, desde o ano de 2003, a SEED/DEEIN ostenta suas
funções pedagógica e social na formulação de políticas públicas em relação à
Educação Especial, sempre procurado melhorias nas ações estruturais, a fim de que
se alcancem mudanças positivas na oferta do ensino educacional especializado,
dentro do contexto da escola comum e que a demanda de alunos com necessidades
intensas em suas especificidades e que demandem apoios muito específicos
permanecem à escola especial (DEEIN/2009).
Dentro desse contexto geral, pode-se observar que inicialmente o
atendimento da criança, especialmente nas creches, foi muitas vezes oferecido
visando suprir necessidades da família. Os avanços no conhecimento científico
sobre o desenvolvimento humano e sobre a importância das experiências nos
primeiros anos, especialmente aquelas vividas com outras crianças, auxiliaram para
o surgimento de uma nova concepção sobre a educação da criança pequena.
3 A mediação do professor para criança em idade pré -escolar, na Escola
Especial
A Secretaria da Educação do Estado do Paraná (SEED) no documento com
orientações para a elaboração, implementação e avaliação da proposta pedagógica
na educação infantil, reconhece que:
O fato de, muitas vezes, não haver coerência entre os fundamentos explicitados na Proposta Pedagógica e as práticas realizadas nas IEIs revela, de alguma forma, que as concepções não são suficientemente consistentes ou que não são realmente compartilhadas pelos professores e demais profissionais, ou ainda que não se tornaram significativas para esses sujeitos. Este é um aspecto que requer a reflexão de todos dada à importância desta relação, pois é a forma como vemos e entendemos as questões relativas ao processo de cuidado e educação das crianças que dirige nossas ações. As concepções são “o ponto de partida” de uma proposta e devem se refletir na organização do trabalho e nas ações educativas realizadas.(SEED, 2010).
Assim, fica claro que para vencermos as questões do nosso trabalho
docente, antes de qualquer outro aspecto, precisamos elucidar para nós mesmos o
que entendemos e concebemos de infância e qual concepção teórica norteia nossa
prática pedagógica.
Arce e Martins (2010), afirmam que a educação escolar prescinde de clareza
sobre seu destinatário, isto é, conhecimento acerca de sua formação e
desenvolvimento, e que, na esfera educacional, da educação infantil, os modelos
teóricos centraram-se ora nos determinantes biológicos ora nos determinantes do
ambiente. Tendo como consequência da primeira a dependência da prontidão
espontânea a ser atingida pela criança, e, na segunda as experiências vividas pela
criança determinando seu desenvolvimento.
Essa pesquisa baseia-se na teoria soviética de desenvolvimento psicológico
da criança, que se apoia na tese marxista acerca de “herança social” das qualidades
e faculdades psíquicas. Destaca a importância decisiva da educação e do ensino na
evolução psíquica da criança, e esclarece que o desenvolvimento do individuo
decorre das características biológicas que o preparam para interagir com o mundo
social, modificá-lo e ser modificado por ele.
Vigotsky, Leontiev e Elkonin (2006) propuseram uma periodização do
desenvolvimento fazendo referência a uma sociedade socialista. As ideias
elaboradas pelos atores referem-se sobre o problema das idades e as crises pelas
quais passam a criança no desenvolvimento de sua personalidade.
Mukhina (1996) afirma que a criança nasce com necessidades orgânicas
(oxigênio, alimentos, temperatura adequada etc.) e com mecanismos reflexos, para
satisfazer essas necessidades. A influência do meio ambiente provoca os reflexos
de proteção e orientação, esses são essenciais para o desenvolvimento psíquico, já
que é o alicerce para captar e elaborar as impressões externas. Nas palavras da
autora:
Com base nos reflexos não - condicionados começam a surgir desde muito cedo na criança os reflexos condicionados, que enriquecem suas reações às influências externas e as tornam mais complexas. Os mecanismos reflexos elementares, não condicionados e condicionados, garantem os primeiros contatos da criança com o mundo externo e criam condições para os contatos com o adulto e para assimilar diversas experiências sociais. Essas experiências. Ao influir na criança, formam as qualidades e propriedades psíquicas que definem a personalidade (MUKHINA, 1996, p. 42).
Elkonin e Leontiev, (apud FACCI, 2004, p.66) afirmam que: “cada estágio do
desenvolvimento da criança é caracterizado por uma relação determinada, por uma
atividade principal que desempenha a função de principal forma de relacionamento
da criança com a realidade”.
Segundo esses autores a criança, por meio da atividade principal relaciona-
se com o mundo, quando geram as necessidades específicas em termos psíquicos.
E com a realização dessas atividades, surgem as mudanças mais importantes nos
processos psíquicos e nas particularidades psicológicas da sua personalidade.
Assim temos que no primeiro ano, essa atividade principal é a relação
emocional com o adulto; para a primeira infância é a atividade com objetos; e para o
pré-escolar é o jogo.
Para Elkonin (2004) a comunicação emocional direta dos bebês com os
adultos é a atividade principal desde o nascimento até por volta de um ano,
formando a base das ações sensório-motoras de manipulação. Nessa fase o bebê
se utiliza de vários recursos para se comunicar com os adultos, como o choro e o
riso, buscando uma forma de comunicação social.
Segundo Facci (2004), no primeiro ano de vida, o comportamento da criança
começa a organizar-se e cada vez mais surgem ações de comportamento em razão
das condições sociais e da influência educativa das pessoas que a cerca. Para
Vigotsky (1996) nessa etapa há uma sociabilidade peculiar centrada em dois
momentos fundamentais, primeiro a total incapacidade biológica de satisfazer suas
necessidades básicas de sobrevivência, portanto é através dos adultos que a
criança exerce sua atividade principal, o contato da criança com a realidade é
socialmente mediada. A segunda é que tal condição obriga o bebê a manter uma
comunicação máxima, totalmente peculiar, com esse adulto.
A mesma autora afirma que ainda na primeira infância, a atividade principal
passa a ser a objetal-instrumental, na qual a criança passa a assimilar os
procedimentos criados socialmente de ações com os objetos, sendo necessária a
demonstração dessas ações pelos adultos. Pela linguagem a criança se relaciona
com o adulto e aprende manipular os objetos criados pelo homem.
Até por volta de um ano e meio, a criança não descobriu a função simbólica
da linguagem, porque isso exige uma operação intelectual consciente e complicada.
Quando a linguagem evolui, em torno dos dois anos inicia-se a formação da
consciência e diferenciação do “eu” infantil. Surge uma forma de comunicação entre
a criança e o adulto. Ou seja, uma mediação entre o sujeito e o objeto do
conhecimento. Ressalta-se que a linguagem não é a atividade principal nessa etapa,
mas uma auxiliar para a criança entender e assimilar a ação dos objetos nas
experiências da prática social. Mukhina confirma:
A passagem para a primeira infância traz consigo uma nova atitude frente ao mundo dos objetos, que começam a aparecer não como simples coisas que se prestam a manipulação, mas como objetos com um destino determinado e com uma forma determinada para seu uso, isto é, para que cumpram a função que lhes designou a experiência social. A criança desloca seu interesse para assimilação de novas ações com os objetos e o adulto assume o papel de preceptor, de colaborador e de ajudante nesse propósito.(MUKHINA, 1996, p.107).
No período pré-escolar, como mencionado acima, a atividade principal passa
a ser o jogo e a brincadeira. Por meio dessa atividade a criança toma posse do
mundo concreto dos objetos humanos, pois imita as ações realizadas pelos adultos
com esses objetos. Facci (2004, p.69) assegura que “As brincadeiras das crianças
não são instintivas e o que determina seu conteúdo é a percepção que a criança tem
do mundo dos objetos humanos”.
Como ocorre então a passagem de uma etapa de desenvolvimento à
seguinte?
Para Mukhina (1996), os traços psíquicos que diferenciam cada idade e que
dependem do lugar que a criança ocupa na sociedade não são suficientes para
explicar a passagem da criança de uma etapa para outra.
A intensidade e duração do período de dificuldade (crise) dependem em
grande parte do adulto que com ela convive, pois este deve ter conhecimento dos
desejos da criança em realizar novas atividades e estabelecer outras relações. O
adulto deve propiciar-lhe mais autonomia reconhecendo o aumento de suas
possibilidades e oferecer-lhe atividades mais elaboradas. Mukhina (1996, p.62)
atesta “As contradições no processo de desenvolvimento psíquico que dão origem a
novas necessidades e interesses e o desejo de novas atividades são a força que
impulsionam o desenvolvimento psíquico”.
Para Mukhina (1996), sem essas crises não se produziria a passagem de
uma etapa para outra, o que significa, que criança sem estímulo para avançar e
aprender o que lhe ensina o adulto ficaria presa em num nível.
Então toda a vida da criança depende do adulto, é dirigida e organizada por
ele. Ela aprende a andar, falar, pensar e utilizar os objetos. Ou seja,
espontaneamente ou conscientemente o adulto ensina a criança. Tudo é resultado
de aprendizagem, num complexo de superação de necessidades.
É sabido, entretanto que a melhor forma de ensino é o não espontâneo,
aquele que dê à criança o que ela necessita e garanta seu inteiro desenvolvimento.
Daí a importância de conhecer a relação entre ensino e o desenvolvimento e,
fundamentado nessa relação, determinar o que, e como ensinar a criança nas
diversas fases da infância.
Redmerski (2003) afirma que para entender o conceito de mediação
pedagógica é preciso entender os conceitos de aprendizagem e desenvolvimento.
Fundamentada na concepção sobre desenvolvimento de Vigotsky e sua
relação com aprendizagem, Mukhina destaca:
A criança se desenvolve assimilando a experiência social, aprendendo o comportamento do homem. Essa experiência, assim como o aprendizado do comportamento, é transmitida a ela pelo ensino. Portanto, o ensino não tem que se adaptar ao desenvolvimento, não deve ir a reboque do desenvolvimento. O ensino leva em conta o nível de desenvolvimento alcançado, não para se deter nele, mas para compreender até onde impulsionar esse desenvolvimento e dar o passo seguinte. (MUKHINA, 1996, p.50).
Equivale dizer que o ensino tem papel diretivo no desenvolvimento psíquico.
Garcia (2005, p 30) afirma que “é a aprendizagem que desencadeia o
desenvolvimento, que por sua vez possibilita novas aprendizagens”.
E mais adiante reforça:
[...] para entender esse processo é fundamental recorrer ao que Vigotsky chamou de zona de desenvolvimento proximal, a qual equivale a distância entre o nível de desenvolvimento real da criança e o nível de desenvolvimento potencial, ou seja, consiste no possível desenvolvimento, determinado pelas tarefas que a criança consegue resolver com a mediação de adultos e colegas mais experientes, que contribuirão para a apropriação de novos conteúdos e consequentemente mais desenvolvimento. (GARCIA, 2005, p 30).
Redmerski (2003) ressalta que a apropriação do conceito da área do
desenvolvimento potencial dá ao professor o indicativo do que a criança pode
realizar sem ajuda, e ainda aponta os processos que estão em desenvolvimento e
aqueles que com ajuda poderão se desenvolver.
Segundo a mesma autora, Vigotsky destaca que a característica essencial
da aprendizagem é criar continuamente a zona de desenvolvimento potencial.
Portanto a mediação do adulto ao qual nos referimos deve aqui ser entendido como
o professor em sua prática pedagógica, pensada e cheia de intencionalidades,
visando o desenvolvimento dos processos psíquicos, da formação de determinadas
qualidades psíquicas e a transformação de qualidades adquiridas anteriormente.
Lacanallo e Mori (2010) enfatizam a importância da intencionalidade da
mediação docente:
[...] toda mediação deve ser desencadeada pela ação intencional e planejada, norteada a partir da definição de objetivos ou problemas, a fim de estabelecer estratégias e soluções. Tezani (2007, p.3) ressalta que a mediação funciona como “motor de novas conquistas psicológicas, que procura fazer com que o sujeito aprenda a buscar sentidos e significados e generalizá-los em outras áreas e situações da vida” (LACANALLO e MORI, 2010, p 113).
A mediação planejada, com recursos didáticos e estratégias melhores
selecionadas, motivada pela interação social, leva segundo Vigotsky (1998) ao
desenvolvimento das funções psicológicas superiores.
Barroco fundamentado nos estudos de Vigotsky e Luria (2006) conceitua
funções psicológicas superiores como:
[...] aquelas de origem social, que só passam a existir no indivíduo ante a relação mediada com o mundo externo (com pessoas e com aquilo que elas criam: objetos, ferramentas, processos de criação e execução, etc.). Como exemplo, pode-se destacar a fala, o pensamento abstrato, a atenção voluntária, a memorização ativa, o planejamento, etc. Tratando-se de funções que permitem uma conduta geneticamente mais complexa e superior à dos animais, posto que planejada, consciente e intencional. Tudo implica em um reequipamento cultural para se estar no mundo (BARROCO, 2007, P.247).
Mello destaca que a mediação na educação infantil na fase pré-escolar
precisa considerar:
[...] “a forma da atividade por meio do da qual a criança, nas diferentes etapas do seu desenvolvimento psíquico se apropria do mundo” [...] que existe uma atividade principal em cada etapa do desenvolvimento, uma vez que é aquela que mais motiva o desenvolvimento de outras atividades que abrem o conhecimento do mundo para o sujeito, que mais exercita a organização e reorganização dos processos psíquicos e a que mais favorece mudanças na personalidade. (MELLO, 2005, p.31).
Conforme a Teoria Histórico-Cultural, o jogo e a brincadeira consistem uma
atividade principal, por propiciar o exercício do pensamento e a formação da
personalidade.
Segundo Elkonin, (apud LACANALLO e MORI, 2005, p.111) “Desse modo à
evolução do jogo prepara para a transição para uma fase nova, superior, do
desenvolvimento psíquico, a transição para um novo período evolutivo”.
E na criança com deficiência, como atingir o desenvolvimento das funções
psicológicas superiores?
Barroco (2007) reconhece que a deficiência não causa, essencialmente,
uma psicopatia, nem torna a criança defectiva automaticamente. Mas possibilita o
entendimento de que uma criança com deficiência passa pelas mesmas etapas de
desenvolvimento que a demais, porém com características peculiares, relacionadas
à sua condição.
Conforme Carlo:
A pessoa com deficiência, comumente, é vista como aquela que se diferencia do tipo humano “normal”, entretanto, o desenvolvimento comprometido pela deficiência apresenta uma expressão qualitativamente peculiar, que se diferencia conforme o conjunto de condições em que se realiza. Como todo o aparato da cultura está adaptado à constituição do ser humano típico, com determinada organização psicofisiológica, parece haver uma divergência (mais ou menos ostensiva) entre os processos de crescimento e maturação orgânica (esfera biológica) e os processos de enraizamento da criança à civilização (esfera cultural). Porém, as leis de desenvolvimento são iguais para todas as pessoas (deficiente ou não) e a diferenciação do padrão biológico típico do homem implica numa alteração da forma de enraizamento do sujeito na cultura. A cultura provoca uma reelaborarão da conduta natural da criança e um redirecionamento do curso do desenvolvimento humano sob novas condições e sobre novos fundamentos. (apud BARROCO, 2007, p. 258).
Reforçando, Vigotsky (apud BARROCO, 2007, p. 258) ressalta: “é
necessário dizer que as leis do desenvolvimento da criança anormal e da normal
mostram-se ante nós como uma lei única na essência”. Isso equivale dizer que a
criança deficiente, pode não passar por todas as revoluções biológicas, como
erupção dos dentes, da aquisição da marcha bípede como seus pares, porém
deverá ser submetida aos padrões culturais de desenvolvimento: na idade pré-
escolar, por exemplo, sua atividade principal pode ser o brinquedo.
Barroco (2007) afirma baseada nos estudos de Vigotsky sobre os problemas
da defectologia, que o grande problema é o desenvolvimento cultural da criança
deficiente, já que infelizmente a cultura da humanidade se estabiliza na constância
do tipo biológico normal, levando a criança deficiente a uma condição de
primitivismo da psique, cujos sintomas entre outros são: a pobreza da atividade
psicológica, o insuficiente desenvolvimento do intelecto, a incorreção das deduções,
o absurdo dos conceitos, a sugestionabilidade, e outros, que denunciam que estão à
margem do desenvolvimento cultural.
Com o reconhecimento da importância da educação para aprendizagem e
para o desenvolvimento humano, superando a ideia do determinismo biológico,
Vigotsky coloca como princípio em sua Obra Fundamentos de Defectologia, as
possibilidades de intervenção educacional junto a pessoas com deficiência. Sobre tal
concepção Sierra destaca:
[...] constata-se que um dos pontos principais dessa obra é a possibilidade de educação das pessoas comprometidas pela deficiência, mas não com um foco somente na reabilitação ou na educação profissional, mas por meio da compensação e/ou supercompensação das áreas ou funções afetadas. Parte-se do que se tem integro nas pessoas com desenvolvimento complicado por uma deficiência. (SIERRA, 2009, p.49).
Assim, a educação de crianças deficientes deve visar às possibilidades
compensatórias e não as limitações.
Barroco escreve que:
[...] trabalhar a compensação social em indivíduos com limitações intelectuais, ou de outra natureza, implica em oportunizar-lhes o desenvolvimento do talento cultural, prevendo e buscando por um avanço. A compensação estaria relacionada ao ensino de como a criança pode valer-se de seus talentos ou recursos naturais [como memória] de modo racional, caso contrário, tendem a permanecer como peso morto, adormecidos, inúteis. (BARROCO, 2007, p. 261).
Como a Psicologia Histórico-Cultural tem como principal objetivo a
superação do caráter natural do desenvolvimento humano, tal psicologia direciona
para uma pedagogia que enfatiza a escola como peça fundamental no
desenvolvimento do individuo deficiente ou não, já que viabiliza a apropriação do
conhecimento historicamente acumulado, e instrumentaliza o individuo para ser
sujeito ativo de suas ações no mundo.
4 Implementação Pedagógica
A implementação da produção didática e pedagógica composta de uma
Unidade Didática ocorreu com 15 (quinze) professores da educação infantil. Destes,
6 (seis) de Escola Comum e os demais da Escola de Educação Básica na
Modalidade Especial, de uma cidade ao norte do Estado do Paraná, abordando as
temáticas da Teoria Histórico-Cultural sobre o desenvolvimento do psiquismo
humano na idade pré-escolar.
Para efetivação do trabalho, foi organizado um curso teórico com duração de
32 horas, divididas em seis encontros semanais, para estudos dos seguintes temas:
Vigotsky e Colaboradores; Concepções da Teoria histórico- cultural; Periodização do
Desenvolvimento Infantil; Idade pré-escolar e atividade principal; Jogo e brincadeira
de papéis sociais; Desenvolvimento das Funções Psicológicas Superiores e
Mediações Pedagógicas.
Ao final de cada tema eram organizadas atividades, como: questionamentos,
dinâmica de grupo, leitura de textos, apresentação e discussão de vídeos, que
serviram como referência para avaliação do assunto estudado.
Após a organização da Unidade didática e elaboração do cronograma de
ações, que foi apresentado à Direção, Equipe Pedagógica e professores da escola,
o trabalho que foi desenvolvido durante os estudos realizados no ano de 2010 e
2011 no PDE e a proposta de implementação foi efetivada.
O material elaborado foi impresso e apresentado aos cursistas para que
todos o tivessem em mãos durante a realização dos encontros.
Assim, semanalmente foram realizados os encontros e discussões entre os
participantes da pesquisa, sobre a teoria histórico- cultural. Tais encontros visaram o
aprofundamento que permitisse a cada cursista refletir sobre sua prática pedagógica
e a necessidade de ter uma teoria norteadora dos trabalhos docentes.
A seguir são elencados pontos que importam à intervenção realizada, tendo
em vista que se referem a observações do contexto do curso com os professores, e
principalmente, por fornecer pistas importantes e geradoras de reflexão e revisão
nas práticas de formação atuais.
Em cada encontro, os cursistas tiveram que responder algumas questões ou
levantar pontos relevantes sobre os temas em estudo, de forma que as concepções
estudadas lhes tornavam mais significativas. A maioria dos participantes destacou a
importância de conhecer com suficiência, uma teoria pedagógica para encaminhar
bem o trabalho docente. Como podemos observar nos seguintes relatos:
Um professor tem que ser comprometido com a Educação ter um bom embasamento teórico é de fundamental importância para se conseguir
desenvolver um trabalho significativo com vistas no pleno desenvolvimento do aluno. Selecionando conteúdos e definindo metas a serem atingidas, levando em consideração as potencialidades e dificuldades dos alunos. Há uma estreita relação entre a qualidade da educação e a escolha de uma prática pedagógica fundamentada em uma concepção teórica que embase essa prática, seja ela com crianças com deficiência ou não. Sendo assim, a Teoria Histórico-Cultural poderá nos dá um bom suporte uma vez que considera a mediação do outro na aprendizagem, porém, precisamos buscar intervenções pedagógicas apropriadas realizando uma mediação planejada para inclusão social. Cabe ainda dizer que devemos procurar conhecer outras bases teóricas e constantemente estarmos refletindo se a nossa prática está realmente fundamentada em uma única teoria e quais são os resultados obtidos.
Ressalta-se que, a maioria dos participantes, desde o primeiro encontro,
manifestou desconhecimento sobre a teoria histórico- cultural consistir no referencial
teórico base, adotado pela Secretaria do Estado de Educação para subsidiar e
encaminhar as práticas pedagógicas da educação paranaense. Isto atesta uma
desconectividade entre aquele órgão dirigente e prática diária de sala de aula.
Vejamos:
Não sei que teoria embasa o trabalho da Secretaria de Educação
Acho que tem uma teoria, lembro dos cursos, mas não sei qual é.
Fica assim evidente que a formação continuada oferecida aos professores,
necessita rever seu objetivo, pois a concepção pedagógica adotada não é familiar
aos docentes, o que justifica um ecletismo muito grande de práticas pedagógicas em
todas as escolas do estado e pouca efetividade dos cursos oferecidos para
formação profissional.
Durante a realização das atividades, os participantes demonstraram ainda
ter interesse e necessidade de uma formação profissional mais direcionada à
educação do aluno com deficiência, principalmente na Escola de Educação Básica
na modalidade especial.
A Teoria Histórico Cultural aplicada na educação em geral, incluindo a
especial, nos mostra o importante papel do professor, que faz a mediação necessária. Na educação especial, aliando a concepção teórica à uma proposta pedagógica curricular, com as devidas flexibilizações, o professor reflete sobre sua ação, e o seu fazer pedagógico possibilitará de forma intencional,com objetivos claros, um ambiente culturalmente rico e motivador.Estou convencida de que é praticamente unânime a constatação de que não há possibilidade de se ter uma educação formal de qualidade sem se ter como base ou parâmetro, como se desenvolve o intelecto de uma criança.
Faz tempo que eu estou lecionando aqui na escola especial, mas não podia fazer os cursos do “Estado”. Acho muito importante ter uma formação mais apropriada ao meu trabalho com criança com deficiência.
Foi observada a grande dificuldade dos participantes em lidar com conceitos
básicos do referencial teórico, como: senso comum; funções psicológicas
superiores; conhecimento científico, mediação, brincadeiras de papéis sociais, entre
outros. Essas dificuldades poderiam ser amenizadas ou até sanadas, com material
mais direcionado ao aprofundamento teórico, nos cursos das semanas pedagógicas,
por exemplo. Há anos que o material oferecido a Escola de Educação Básica na
Modalidade Especial é o mesmo do da Escola Comum, inclusive em
questionamentos, o que revela que as necessidades especiais, em geral, e a
deficiência, em específico, de fato, não tem sido estudadas em suas especificidades,
e, aos professores tem ficado esta tarefa de direcionar o estudo para a prática com
as crianças que trabalha. Disso, são denunciadas lacunas nesta forma de capacitar,
pois os professores não estudam de fato sua população diretamente, o que diminui a
efetividade destes cursos para esse grupo de professores.
Os participantes trouxeram para os encontros muitas indagações que
causaram polêmica, mas também propiciaram reflexões muito produtivas, como: a
importância de trabalhar o conhecimento científico com a criança com deficiência,
evitando o empobrecimento curricular, fato bastante rotineiro em nossas escolas,
principalmente quando o trabalho é centrado na deficiência em si. Exemplificamos a
seguir, com algumas falas dos cursistas:
É no espaço escolar que a criança deve se apropriar ativamente dos
conhecimentos acumulados e sistematizados historicamente pela humanidade, formulando conceitos científicos. A unidade de ensino tem um papel insubstituível nessa apropriação, pois, enquanto agência formadora da maioria da população, deve ter intencionalidade e compromisso explícito de tornar acessível a todos os educandos o conhecimento.
Vygotsky não entende a criança com deficiência como um ser quantitativamente inferior à outra criança considerada sem deficiência. Ele apregoa que há formas diferentes de desenvolvimento, e que o caráter quantitativo da deficiência, em muitos aspectos, só limita o desenvolvimento dos alunos considerados deficientes, e o que se deve levar em conta são as formas qualitativas que apontam à diversidade no desenvolvimento. No processo de aquisição do conhecimento nos deparamos com dois níveis, relacionado às capacidades da criança resolver problemas sozinha ou com ajuda, (desenvolvimento real x desenvolvimento potencial) revelando a importância de nosso papel de professor como agente mediador do conhecimento.
Vale ressaltar que a cada encontro os participantes foram aprofundando
seus conhecimentos sobre a teoria apresentada e encontrando bases sólidas para o
planejamento das suas aulas. Em muitos momentos, houve trocas de experiências
entre as professoras que trabalham em escola comum e as que lecionam na escola
especial.
Conforme fomos avançando nossos estudos sobre a teoria histórico -
cultural e sua contribuição para o desenvolvimento das crianças em idade pré
escolar, pudemos observar nas falas dos participantes, o quanto a teoria passou a
ser mais significativa e melhorar a prática pedagógica. Vejamos:
Embora, enquanto professora já tivesse conhecimento que crianças de uma mesma idade apresentam comportamentos e interesses semelhantes, essa afirmação veio fundamentar esse meu conhecimento permitindo melhor compreensão desse processo. Sendo a atividade principal do pré-escolar o jogo ou a brincadeira para o desenvolvimento do seu psiquismo, revela ainda o modo da criança fazer-se presente no mundo, marcando sua identidade e participação na cultura.Brincar e aprender não são atividades antagônicas, mas são processos recíprocos que se complementam, portanto educar crianças pequenas requer que os professores incluam e valorizem os muitos “brincares” no cotidiano da educação infantil.
A adoção de uma teoria pedagógica deve transpor as noções básicas, pois o
aprofundamento teórico dá significado e objetivo às atividades que serão planejadas
para o dia a dia da escola. Esse fator é preponderante para a melhoria da qualidade
da educação, principalmente a ofertada aos alunos com deficiência.
5 Considerações Finais
Neste projeto foi observado que os professores demonstraram ter grande
dificuldade com as concepções teóricas. A maioria não aprofunda seus estudos,
ficando o conhecimento restrito às apostilas oferecidas nos cursos de capacitação
das semanas pedagógicas. Isso nos leva acreditar que atualmente a prática
pedagógica do professor está desvinculada de uma base teórica norteadora de seu
planejamento, ou seja, ao organizar as atividades para o trabalho do dia a dia,
desconhece os fins a que se destinam e a quem deva atingir. Acreditamos que seja
importante oportunizar ao professor formação continuada mais direcionada e com
fundamentos mais sólidos, para aproximar e familiarizar o profissional de bases
teóricas que favoreçam o desenvolvimento humano, já que concordamos com a
ideia de que devemos explorar ao máximo as possibilidades de cada aluno, com ou
sem deficiência.
Com este projeto, a mediação do professor com vistas ao desenvolvimento
da criança em idade pré-escolar, na Escola Especial, o professor foi convidado a
conhecer e compreender as concepções da Teoria Histórico-Cultural e suas
implicações na prática pedagogia de sala de aula, percebendo as mediações
possíveis e necessárias para o desenvolvimento das funções psicológicas
superiores da criança com deficiência em idade pré-escolar. E, na implementação do
projeto, tivemos a certeza que houve uma melhor compreensão dos conceitos e
fundamentos da teoria e por consequência sentido as mediações necessárias para
melhorar a qualidade da educação ofertada em nossas escolas. A oportunidade de
estudar, ter momentos de reflexão mais direcionados e fontes bibliográficas com
linguagem acessível e precisa, produziu mudanças significativas na compreensão e
conhecimento do professor, o que poderá culminar em alterações significativas em
sua prática, conforme relatos já feitos por alguns dos professores. Este fechamento
permite afirmar que o objetivo da proposta maior de estudo da professora PDE, foi
alcançado e sugere continuidade para outros projetos que intencionem a formação
dos professores para uma prática mais significativa e funcional junto aos pré-
escolares da Escola Especial.
Referências
ARCE, Alessandra; MARTINS, Ligia. Márcia. A educação infantil e o ensino fundamental de nove anos. In: ARCE Alessandra; MARTINS Ligia. Márcia. (orgs.). Quem tem medo de ensinar na educação infantil ? em defesa do ato de ensinar. 2. ed. Campinas: Alínea, 2010. p. 37-62.
BARROCO, Sonia Maria Shima. A educação especial do novo homem soviético e a psicologia de L. S. Vigotski: implicações e contribuições para a psicologia e a educação atuais. 2007. 414 p. Tese (Doutorado). Programa de Pós-Graduação em Educação Escolar da Universidade Estadual Paulista. Araraquara, 2007.
BRASIL. (1996) Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional . Lei no 9394/96, de 20 de dezembro de 1996.
______ . (1961). Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional – LD BEN, Lei nº 4.024/61 de 20 de Dezembro de 1961.
______ . Ministério da Educação (2007). Política Nacional de Educação Especial na Perspectiva da Educação Inclusiva. Portaria n. 948 de 09 de Outubro de 2007.
FACCI, M. G. D. A periodização do desenvolvimento psicológico ind ividual na perspectiva de Leontiev, Elkonin e Vigotski . CADERNOS CEDES: Centro de Estudos Educação Sociedade. A psicologia de A. N. Leontiev e a educação da sociedade contemporânea. São Paulo: Cortez, v.24, n.62, p. 64-71, 2004. (ISSN-0101-3262).
GARCIA, D. I. B.. “Implicações da mediação no desempenho de crianças com dificuldades escolares, em uma sala de recurso”. Maringá, 2005. 161f. Dissertação Tese (Mestrado em Educação) – Programa de Pós-graduação, Universidade Estadual de Maringá. Maringá, 2005.
GOULART, Á. M. P. L.; GARCIA, et. al. Avaliação de Crianças com necessidades especiais. In: RIBEIRO, Maria Júlia Lemes; DELLA-ROSA, Valter Augusto. (orgs) Laboratório temático de inclusão digital e diversid ade: teoria e experiência. Maringá: Aduem, 2010. p. 77-86
LACANALLO, Luciana Figueiredo; MORI, Nerli Nonato Ribeiro. Jogos em Matemática: uma possibilidade de desenvolvimento de funções psicológicas superiores. In: RIBEIRO, Maria Júlia Lemes; DELLA-ROSA, Valter Augusto. (orgs) Laboratório temático de inclusão digital e diversid ade: teoria e experiência. Maringá: Aduem, 2010. p. 105-116.
MELLO, Suely. Amaral. O processo de aquisição da escrita na educação infantil: contribuições de Vigotsky. In: FARIA, Ana Lucia; MELLO, Suely. Amaral. (orgs.). Linguagens infantis outras formas de leitura . 2. ed. Campinas: Autores Associados LTDA, 2009. p. 21-36.
MUKHINA, V. Psicologia da Idade pré-escolar . Tradução de Claudia Berliner. São Paulo: Martins Fontes, 1995.
PARANÁ. Secretaria de Estado da Educação. Superintendência da Educação. Coordenação da Educação Infantil. Orientações para (Re) elaboração, orientação e avaliação da proposta pedagógica na educação infa ntil . – Curitiba : SEED – Pr., 2010. - 128 p.
PARANÁ, (2009). DEEIN. Departamento de Educação Especial e Inclusão Educacional. Disponível em: http://www.nre.seed.pr.gov.br/londrina/arquivos/File/1politicasemanapedfev2010.pdf. Acesso em: 15 de Maio de 2012.
SIERRA, M. A. B. “Teoria Histórico-Cultural e a humanização da pessoa surdocega: a importância da mediação especializada”. Maringá, 2009. Dissertação Tese (Mestrado em Educação) – Programa de Pós-graduação, Universidade Estadual de Maringá.
VIGOTSKY. L.S.,LURIA A.R. e LEONTIEV A.N. Linguagem ,desenvolvimento e aprendizagem , Icone : São Paulo, 2006.
WAJSKO, G. Brincar na pré-escola . São Paulo: Cortez, 1995.
Conselho Nacional de Educação/Câmara de Educação Básica: Revisão das Diretrizes Curriculares Nacionais para a Educação I nfantil -Distrito Federal, 2009. Disponível em: <http://www.pedagogia.seed.pr.gov.br/arquivos/File/legislacao/resolucao_cne20_09.pdf-> acessado em 16 dez. 2010.