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1 ALICE MARIA SILVA MAGALHÃES A MEDIAÇÃO DO PROFESSOR DE ARTES EM OFICINA DE AUTORRETRATO APLICADA AO ENSINO ESPECIAL Brasília 2013

A MEDIAÇÃO DO PROFESSOR DE ARTES EM OFICINA DE ...bdm.unb.br/bitstream/10483/7609/1/2013_AliceMariaSilvaMagalhaes.pdf · para a formação do indivíduo, com vistas ao exercício

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ALICE MARIA SILVA MAGALHÃES

A MEDIAÇÃO DO PROFESSOR DE ARTES EM OFICINA DE AUTORRETRATO APLICADA AO ENSINO ESPECIAL

Brasília

2013

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ALICE MARIA SILVA MAGALHÃES

A MEDIAÇÃO DO PROFESSOR DE ARTES EM OFICINA DE AUTORRETRATO APLICADA AO ENSINO ESPECIAL

Trabalho de conclusão de curso de Artes Plásticas,

habilitação em Licenciatura, do Departamento de

Artes Visuais do Instituto de Artes da Universidade de

Brasília.

Orientadora: Professora MsC Marisa Cordeiro

Banca examinadora: Professor MsC Fábio Fonseca e

Professor Dr. Nelson Maravalhas

Brasília

2013

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SUMÁRIO....................................................................................................................3 INTRODUÇÃO 1 ARTE EDUCAÇÃO...................................................................................................6 1.1 A importância do ensino da arte na visão dos PCN.........................................6 1.2 Arte educação no ensino especial.....................................................................7 1.3 Considerações sobre a Síndrome de Down......................................................9 1.4 Vigotski e o ensino especial.............................................................................10 1.5 O professor mediador........................................................................................12 2 AUTOIMAGEM, AUTOESTIMA E AUTOCONCEITO NA ESCOLA.......................14 2.1 Representação da autoimagem em artes..........................................................17

3 OFICINA DE AUTORRETRATO PARA PESSOAS COM DEFICIÊNCIA INTELECTUAL..........................................................................................................19 3.1 Plano de aula......................................................................................................19

3.2 Metodologia da oficina......................................................................................22 3.3 Análise de resultados........................................................................................23 CONCLUSÃO

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

LISTA DE FIGURAS Figura 1......................................................................................................................22 Figura 2......................................................................................................................22 Figura 3......................................................................................................................23 Figura 4......................................................................................................................24

Figura 5......................................................................................................................26

Figura 6......................................................................................................................27

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Introdução O presente trabalho parte da experiência da pesquisadora na área da Arte

Educação no Ensino Especial com foco na pintura de Autorretrato para alunos com

deficiência intelectual.

A pesquisa foi realizada na AMPARE - Associação de Mães, Pais e

Reabilitadores de Excepcionais, ao longo do primeiro e segundo semestre letivo do

ano de 2013, em 8 encontros semanais com duração de 3 horas cada e público alvo

de quatro alunos da Associação. Todos os quatro alunos desenvolveram trabalhos

individuais de acordo com a proposta sugerida. Entretanto o desenvolvimento do

processo criativo de apenas uma aluna entre os integrantes do grupo serviu como

exemplo para embasar a análise à qual esta pesquisa se propõe. A aluna tem 52

anos de idade e apresenta a Síndrome de Down.

O estudo que resultou nesta monografia foi construído com base nestes

encontros e se desenvolveu a partir das seguintes questões-problema: quais as

influências da mediação do professor de artes na percepção da autoimagem e

representação desta em pintura? De que forma esta intervenção modifica o

autoconceito, a autoimagem e a autoestima retratados no trabalho da aluna? A pesquisa teve como objetivos comparar a representação espontânea na

produção da pintura da autoimagem dos alunos, da realizada com a mediação do

professor. Pretendeu ainda listar métodos e fatores determinantes que propiciam um

melhor aproveitamento para as aulas de artes com esta temática.

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A partir de dinâmicas lúdicas que estimulam a autopercepção corporal

associadas a aulas técnicas de artes plásticas com ênfase na temática do

Autorretrato, a pesquisa pretende refletir sobre metodologias e estratégias do ensino

de artes para o ensino especial, assim como na pesquisa da autorrepresentação em

artes de pessoas com deficiência intelectual.

A metodologia adotada para a pesquisa é do tipo qualitativa, com abordagem

no processo de ensino e aprendizagem em artes e análise do desenvolvimento da

aluna, por meio de um estudo de caso da oficina realizada.

Os capítulos seguintes apresentam um breve histórico sobre a Arte

Educação no Brasil e o Ensino Especial, a atuação do professor enquanto mediador

no processo educacional, abordagens sobre autoimagem, autoestima e autoconceito

relacionados à pintura. Ainda tece considerações sobre deficiência intelectual e

descrição da oficina prática desenvolvida com o grupo de alunos, seguida dos

resultados obtidos, sob a análise da pesquisadora.

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1 Arte educação 1.1 A importância do ensino da arte na visão dos PCN

De acordo com o texto de apresentação contido nos Parâmetros Curriculares

Nacionais(PCN), no início do século XX, o ensino da arte no currículo das escolas

era focado nas habilidades manuais, baseado em manuais e livros didáticos que

propiciavam uma atuação por parte do professor como transmissor de técnicas que

visavam sempre reprodução de modelos.

A partir dos anos 20 até os 70, sob influência da estética modernista, o

ensino da Arte volta-se para o desenvolvimento natural da criança, valorizando o

processo da aprendizagem de acordo com a expressão típica de cada fase do

desenvolvimento infantil e adequando o ensinamento na disciplina de artes de

maneira a propiciar a expressão criativa dos alunos.

A partir de 1971 a Educação Artística foi incluída no currículo escolar

brasileiro, pela Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional, com o título de

“atividade educativa”. A partir do momento em que a arte passa a ser ensinada nas

escolas com atividade vinculada à educação, há um entendimento de que seu

ensino é fundamental para a formação do indivíduo.

A década de 80 foi marcada pela discussão dos profissionais da arte, que se

mobilizaram de maneira a pensar modelos de ensino de arte. O termo Arte

Educação constituiu um movimento de mobilização em prol da inclusão da arte não

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mais como Educação Artística, mas como área, com conteúdos próprios ligados à

cultura dentro do processo educacional.

Na transição para o novo século, ainda se busca o aprimoramento de

metodologias de ensino das artes. A escola que se idealiza para o século XXI foca

não somente na produção do saber, mas com o fomento do cidadão crítico,

participativo e criativo com objetivo de atender às demandas atuais da sociedade

contemporânea.

1.2 Arte Educação no Ensino Especial Nas estratégias para a Educação de alunos com Necessidades Educacionais

Especiais citados nos Parâmetros Curriculares Nacionais (PCN), consta:

“Considerar a diversidade que se verifica entre os educandos nas

instituições escolares requer medidas de flexibilização e dinamização do currículo para atender, efetivamente, às necessidades educacionais especiais dos que apresentam deficiência(s), altas habilidades (superdotação), condutas típicas de síndromes ou condições outras que venham a diferenciar a demanda de determinados alunos com relação aos demais colegas.” (PCN de Estratégias para a Educação de alunos com necessidades educacionais especiais pg. 13)

Embora exista a necessidade de diferenciação no trabalho didático-

pedagógico que contemple as necessidades educacionais de todos, os serviços

educacionais devem fazer parte de uma estratégia que privilegie constantemente a

inclusão das pessoas com necessidades especiais ao ensino regular, considerando

suas capacidades particulares de aprendizagem.

A educação especial, conforme define a nova LDB (Lei de Diretrizes e

Bases da Educação), “trata-se de uma modalidade de educação escolar, voltada

para a formação do indivíduo, com vistas ao exercício da cidadania.” (PCN

Educação Especial p.21). Neste sentido, a educação especial atualmente no Brasil

propõe-se a estar inserida numa perspectiva mais ampla, com ênfase na inclusão

social, quando comparada à postura anteriormente baseada na segmentação e

atendimento especializado.

O processo de ensino aprendizagem para o público das pessoas com

necessidades especiais, certamente requer uma nova formação pedagógica dos

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docentes e também uma mudança social no sentido de maior aceitação do diferente

em todos os contextos sociais.

Pessoas com deficiência durante muitos anos foram objeto de renegação,

tanto por parte das famílias como pela sociedade. Comumente, eram criadas em

abrigos ou ainda escondidas em suas casas em quartos isolados, sem acesso ao

contato social.

De acordo com Kellem Zapparoli, estas pessoas começaram a ter um

tratamento pedagógico com finalidades terapêuticas por iniciativa de médicos que as

tratavam e que também buscavam a sua autonomia e treinamento de habilidades

práticas diárias como higiene pessoal e comportamento mais adequado aos padrões

sociais. (Zapparoli, 2012)

Ainda que esta pedagogia terapêutica tenha significado avanços na história

da aceitação e relação da sociedade com a pessoa com deficiência, este tratamento

ainda tinha foco na deficiência apresentada pelo sujeito e a tentativa de remediá-lo,

uma vez que era valorizado como evolução o mais próximo que esta pessoa

chegava de um comportamento similar ao de uma pessoa sem deficiência.

Ainda nos tempos atuais, depois de um longo desenvolvimento das práticas

educacionais, pode-se perceber a necessidade de afirmação e potencial de cada

indivíduo com necessidade especial, considerando suas características únicas

diante do contexto da deficiência.

“A maioria dos sistemas educacionais ainda baseia-se na

concepção médico psicopedagógica quanto à identificação e atendimento a alunos com necessidades especiais. Focaliza a deficiência como condição individual e minimiza a importância do fator social na origem e manutenção do estigma que cerca esta população específica. Esta visão está na base de expectativas massificadas de desempenho escolar dos alunos, sem flexibilidade escolar que contemple as diferenças individuais.” (PCN Estratégias para a Educação de alunos com necessidades educacionais especiais pg.18)

Existem vários fatores que determinam a origem da deficiência intelectual

independente de classe social, cor ou idade. Há motivos biológicos determinantes

para sua existência, como o caso de algumas Síndromes Humanas que têm a

deficiência intelectual associada à patologia. Outra forma de ocorrência da

deficiência intelectual pode ser aquela adquirida por fatores externos ou casuais:

complicações na gestação e parto, com consequências para o bebê, como má

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formação do feto ou falta de oxigenação da criança no trabalho de parto. Pode ainda

ocorrer um acidente à uma pessoa sem qualquer deficiência e em qualquer idade

que tenha como consequência danos cerebrais irreversíveis. Há também algumas

doenças que podem ser adquiridas ao longo da vida que ocasionam a deficiência

intelectual, como a paralisia cerebral e algumas doenças degenerativas.

O fato é que existe na sociedade uma considerável parcela da população,

que por um dos motivos acima citados, apresenta este tipo de deficiência. Ainda

que sofram um processo de discriminação e exclusão em vários aspectos, a cada

dia estas pessoas estão mais inseridas à sociedade. Tratamentos específicos, tanto

na área da medicina como na educação, têm impulsionado o processo de inclusão

social numa perspectiva positiva de se respeitar e valorizar o indivíduo com

deficiência em suas particularidades, ressaltando sua potencialidade e

possibilidades de atuação na sociedade.

Apesar de considerar que diagnósticos e definições sobre síndromes e

lesões cerebrais possam estereotipar e enquadrar estas pessoas de forma

limitadora, é interessante conhecer as definições da área médica para entender

algumas dificuldades enfrentadas por estas pessoas.

Esta pesquisa traz análises específicas do processo de ensino e

aprendizagem da aluna que apresenta a Síndrome de Down e, portanto, seguem

abaixo considerações sobre esta deficiência.

1.3 Considerações sobre a Síndrome de Down A síndrome de Down é um transtorno mental genético, com características

físicas específicas e atraso no desenvolvimento físico e intelectual. Tratamentos e

terapias com estimulação precoce têm dado uma boa contribuição para o

desenvolvimento social dos portadores dessa síndrome. A capacidade intelectual da

pessoa com esta síndrome tem sido historicamente subestimada, e estudos atuais

comprovam que a maioria desses tem a deficiência intelectual na faixa de retardo

leve ou moderado. (Moreira, LIMA et al.,2000)

Com o acompanhamento desde a primeira infância por profissionais em

diversas áreas como fisioterapia, terapia ocupacional, fonoaudiologia, psicoterapia,

psicopedagogia e psicomotricidade, a criança poderá alcançar estágios avançados

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de raciocínio e poderá ter internalizado domínios comparáveis às pessoas sem a

deficiência no que diz respeito ao desenvolvimento motor, cognitivo, afetivo e social. A inteligência da criança com a Síndrome de Down evolui até a possibilidade

individual de cada uma. A capacidade de concentração, apesar de ser aquém da

capacidade de uma pessoa sem a mesma deficiência, quando estimulada evolui e

apresenta-se suficiente para guardar comandos. Sua compreensão é muito

concreta, ou seja, a informação deve ser clara, com conteúdo simples e objetivo.

Com a continuidade do acompanhamento pedagógico e oportunidade de

frequentar aulas de artes e educação física para que seja estimulada a capacidade

criativa, a noção espacial e corporal, além de um convívio social que proporcione a

inclusão e relacionamentos com pessoas diversas ao longo de sua maturidade, a

pessoa com esta síndrome tende a conquistar uma vida com possibilidades de

alcançar um nível de independência que lhe permita estar inserida à sociedade

como um cidadão, inclusive, capaz de adquirir formação profissional.

Em relação às práticas pedagógicas desejáveis, faz-se necessário o professor

apostar no aluno e procurar conhecê-lo bem, buscando seu potencial com respeito

às suas características pessoais.

1.4 Vigotski e o Ensino Especial

Vigotski (1991), médico russo que estudou paralelamente à Medicina o Direito,

a Psicologia, a Linguística e Estética, criou uma teoria que veio transformar o

conceito sobre as teorias do desenvolvimento, que até então eram baseadas

principalmente nas etapas biológicas de desenvolvimento humano, de acordo com

os marcos evolutivos relacionados à idade cronológica da criança desde seu

nascimento.

Dentre tantas linhas teóricas na educação, a teoria Sociocultural de Vigotski

se aplica muito bem ao ensino especial, uma vez que parte do princípio de que a

aprendizagem se constrói a partir da adaptação do indivíduo ao meio que o

circunda.

Sua teoria abrange uma concepção de desenvolvimento humano baseado

na interação do sujeito com seu meio cultural, isto é, não somente no

desenvolvimento esperado e típico de cada idade atingida da criança, mas

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principalmente na relação desta com o meio à qual se relaciona diariamente. De

acordo com esta linha teórica, o potencial individual não é determinado por etapas

pré-estabelecidas ou deterministas e sim nas oportunidades às quais o sujeito se

expõe a partir do contato social e relacionamentos que faz ao longo da vida.

Por meio desta linha conceitual de concepção sobre deficiência humana,

Vigotski propôs novos tratamentos e linhas educacionais a este público. Para este

estudioso, o defeito age como um incentivo para aumentar o desenvolvimento de

outras funções do organismo; ele ativa, desperta o organismo para redobrar

atividade, que compensará o defeito e superará a dificuldade. O autor nos apresenta

que o maior problema da deficiência não é o déficit, mas as consequências sociais

dele, e aponta a maneira limitadora e rotulada como o meio social lida com a

questão da deficiência. Defende ainda a ideia de que a pessoa com deficiência não

é diferente das outras, ela apenas se desenvolve de modo diferente, utilizando seus

potenciais e sentidos sadios para superar os que apresentam limitações.

(VIGOTSKI,1989) Para desenvolver sua teoria de aprendizagem, Vigotski estudou a pessoa

com deficiência e criou os seguintes conceitos:

Conceito de compensação: hoje entendido como plasticidade, isto é, a

capacidade de transformação de um organismo com deficiência para superar suas

limitações.

Vigotski acredita na interferência social na compensação corporal do órgão

prejudicado. Assim, o indivíduo faz a compensação funcional de sua deficiência

primeiramente no campo social e posteriormente no campo biológico. Por exemplo,

uma pessoa que nasce cega tem seu sentido de tato desenvolvido por meio de sua

interação social e a necessidade de interação com este meio, e não por sua falta de

visão.

Deficiência primária e secundária: A deficiência primária, de causa

orgânica, se distingue da secundária, de natureza social. Pela sua linha de

pensamento, a deficiência é definida pelas consequências sociais relativas a ela. Por

exemplo, um cego de nascença não se percebe com alguma deficiência até que a

sociedade o rotule como tal, seja por meio de rejeição, superproteção ou atestado

de incompetência para algumas atividades.

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Enfoque nas possibilidades: Possibilidades de aprendizagem de qualquer

sujeito, desde que sejam oferecidas oportunidades de investimento em seu

potencial.

1.5 O professor mediador A relação essencial entre professor e aluno deve considerar a

responsabilidade daquele de criar relações de confiança e afetividade que possam

favorecer o auxílio destes nos processos de significação dos conteúdos abordados,

pautadas na associação da via do lúdico, do prazer e da criatividade. O prazer de

ensinar e aprender se consolida no deleite de cada etapa do processo educacional,

no estímulo às respostas e perguntas, na troca de experiências, na aproximação do

tema trabalhado à situação cotidiana e realidade social da comunidade escolar.

Desta forma, o conhecimento apresenta-se moldável em oposição à metodologia

estática, com informações enrijecidas e sem abertura para adaptação em diferentes

realidades ou mesmo para um saudável questionamento por parte dos alunos.

Henri Wallon, francês estudioso das ciências médicas e humanas afirma (em

sua teoria) que a pessoa é um todo (corpo-mente-afeto). Portanto, o professor deve

valorizar todos estes aspectos ao planejar suas atividades pedagógicas. Neste

sentido, a arte torna-se um excelente recurso, já que desenvolve o ser

integralmente: consciência corporal, equilíbrio, atenção, sociabilidade, memória e

linguagem. (OLIVEIRA e CHUN 2004; CANELLA e VIEIRA, 2007; FILHO, 1986;

MACIEL, 2007)

Cada turma demanda do professor diferentes posturas e abordagens, de

acordo com as características únicas dos alunos que a compõem. Assim, o

conteúdo a ser trabalhado torna-se versátil, adaptado a reações e percepções

distintas por parte dos alunos, de acordo com suas demandas e necessidades.

A sensibilidade e constante revisão da postura por parte do docente se

fazem necessárias para dinamizar a relação de ensino aprendizagem, pautadas na

consciência de que o professor não é um mero depositário de informações, mas um

profissional que lida com o conhecimento e que permite que este seja construído

conjuntamente com o público ao qual se relaciona, considerando seus interesses

prévios, numa verdadeira trama de conhecimentos que cresce a cada encontro.

13

Desta maneira, reforça-se o papel do professor de mediador, muito mais do

que como instrutor, ou direcionador do conhecimento. Mediar é estar no meio de

algo. Medir uma situação é buscar um diálogo, interagir com fins de se construir um

significado relacional entre as partes.

Especificamente na disciplina de artes, a mediação do professor constrói

uma trama com conceitos e práticas sobre objetos, imagens e ideias. São reflexões

complexas que remetem à produção do homem no mundo e, portanto, abrangem um

vasto campo de conhecimento como a criatividade, a simbologia, a representação, a

estética, a cultura, a sociedade e história da humanidade.

A interpretação é um dos principais aspectos que o professor de Artes deve

estar preparado a conduzir com a turma. O profissional deve estar aberto a conduzir

a discussão sobre o conteúdo, a ideia ou a ação do objeto de arte produzido pelos

alunos ou interpretado por eles a respeito da obra de algum artista, contextualizando

ao seu tempo e de acordo com a cultura à qual pertence a turma a significação

daquela obra.

A elaboração de pensamentos, ideias e sentimentos por meio da construção

de um percurso individual de soluções para a expressão pessoal em um trabalho

artístico contribui para o processo de amadurecimento e desenvolvimento do

indivíduo. “Assegurar momentos para o aprendiz produzir, considerando

suas próprias escolhas, é essencial. Mesmo quando o professor trabalha seguindo uma proposta curricular determinada pela escola, deve manter encontros nos quais as crianças desenvolvam e criem suas propostas, combinando os recursos técnicos e conceituais que aprenderam em seus projetos individuais” (ARSLAN, 2011, p.73)

O professor que propicia a autonomia de seu aluno está proporcionando

também dignidade e respeito para com este. Na Arte Educação, seja na escolha dos

materiais a serem utilizados na produção das obras, seja na maneira como o tema

proposto será desenvolvido, é possível desenvolver por meio de uma relação de

confiança o estímulo necessário à autonomia na produção das obras.

“Ao fazer e conhecer arte, o aluno percorre trajetos de

aprendizagem que propiciam conhecimentos específicos sobre sua relação com o mundo. Além disso, desenvolvem potencialidades (como percepção, observação, imaginação e sensibilidade) que podem alicerçar a consciência do seu lugar no mundo e também contribuem inegavelmente para sua apreensão significativa dos conteúdos das outras disciplinas do currículo.” (PCN Arte pág.32)

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2 Autoconceito, Autoestima e Autoimagem na escola

O autoconceito, a autoestima e a autoimagem encontram-se relacionados

entre si. O autoconceito, de acordo com Goñi e Fernández (MENDES. et. al, 2012) é

a imagem que o indivíduo tem de si, tem relação com o aspecto cognitivo, enquanto

a autoestima é o apreço e a valorização que cada um tem por si, relaciona-se com o

aspecto afetivo.

A autoimagem é a percepção das próprias potencialidades do indivíduo, de

seus sentimentos, atitudes e ideias que determinam o desenvolvimento individual de

si próprio. A autoimagem, de acordo com Mosquera e Stobaus (MENDES. et. al,

2012) é a base para a autoestima.

A autoestima e a autoimagem, segundo estes autores, são determinantes

na construção da personalidade, pois é na formação da imagem mais próxima do

real que o sujeito tem de si, baseado em aceitação ou negação do que os outros

comentam de como a veem, que se constitui o processo da identidade e a coerência

entre atitudes do sujeito.

Assim, pensando o ambiente escolar como um lugar de formação de

indivíduos em conjunto com o ambiente familiar, faz-se necessário que o professor

assuma uma postura em sala de aula que promova o desenvolvimento da

autoestima dos alunos, assim como também sua própria autoestima deve estar

trabalhada. Indiretamente, o docente promove o desenvolvimento individual da

turma quando mantem um bom clima em sala de aula, apresentando atitudes

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positivas e demonstrando confiança na maneira como se relaciona com os alunos.

Diretamente, através de ações pedagógicas que promovam experiências individuais

bem sucedidas em sala de aula, o professor propicia a autoconfiança favorável para

a aprendizagem.

A relação entre professor e aluno passa pela transmissão de conhecimentos e

por relações de afeto, pela via do prazer e de troca de experiências construtivas. De

acordo com Mosquera e Stobaus, (2008) o desenvolvimento cognitivo encontra-se

intrinsecamente ligado à afetividade e à subjetividade. (Cassassus, 2009, p.204)

afirma também que “a aprendizagem depende principalmente do tipo de relações

que se estabelecem na escola e na classe” e complementa (p.214):

“A compreensão emocional que surge quando os professores

estabelecem vínculos com os alunos e fazem desses vínculos o suporte da aprendizagem, cria condições propícias para a aprendizagem e para resultados acadêmicos de alto nível, gera sentimentos de satisfação e bem estar profissional nos professores, transforma a tarefa educativa numa aventura comum, vitaliza os fazeres do ensinar.”

A questão da autoimagem em pessoas com deficiência intelectual é um

assunto que chama a atenção da pesquisadora desde o início de sua experiência

enquanto professora de artes deste público.1 Aparentemente, há uma propensão ao

pouco aprofundamento ou mesmo uma distorção da percepção corporal em grande

parte das pessoas portadoras da deficiência intelectual.

Nas vivências em grupo e nas dinâmicas de observação do rosto e relatos

individuais das características físicas dos colegas nas primeiras aulas da Oficina de

Pintura de Autorretrato para o grupo, foi percebida uma postura da aluna observada

nesta pesquisa que revelou pouco discernimento e evidente confusão a respeito de

forma, cor e proporções dos membros observados.

Este fato tem embasamento teórico na relação Comprometimento

Intelectual x Comprometimento Social, estudada por alguns pesquisadores na área,

como cita Kellen Zapparolli: “Muitas habilidades que as crianças sem deficiência desenvolvem

naturalmente ao longo da infância devem ser estimuladas naquelas com deficiência, pois, devido aos seus comprometimentos ou até mesmo a superproteção por parte dos cuidadores sua interação com o meio fica empobrecida, o que acarreta em prejuízos em seu desenvolvimento,

1 A pesquisadora trabalhou como professora de artes na APAE DF- Associação de Pais e Amigos dos Excepcionais no ano letivo de 2004 e na AMPARE- Associação de Mães, Pais, Amigos e Reabilitadores de Excepcionais no ano letivo de 2013.

16

gerando dificuldades na aquisição do conhecimento. Atividades como brincadeiras, artes (visuais, dança, música, teatro), passeios, dentre outras, podem contribuir favoravelmente.” (ZAPPAROLI, 2012,p. 95)

Onde haja a possibilidade de inserção da pessoa com deficiência em um meio

social que a permita experimentar situações diversas na sociedade, de ter contato

com a educação escolar em conjunto com pessoas sem deficiência e inclusive de ter

experimentações com arte e atividades físicas ao longo de seu amadurecimento,

maior será a probabilidade de aprimoramento da consciência pessoal e corporal de

si própria, colaborando para o processo de formação da autoimagem e autoestima

positivas.

2.1 Representação da autoimagem em Artes A história da humanidade é marcada pelas diferentes formas de pensar o

indivíduo em seus contextos sociais e políticos e culturais. A Arte, desde os

primórdios da humanidade, revela por meio de representações visuais, de acordo

com a época, a profunda relação do homem enquanto ser de atuação frente à

natureza, de poder político ou religioso, de reconhecimento de si enquanto indivíduo.

O ato de criar acompanha o homem e faz parte de seu reconhecimento enquanto

ser existente e atuante no mundo.

O caráter transcendente da arte esteve sempre presente nas

representações artísticas, entretanto a distinção dos termos “arte” e “artista”, com o

sentido que atualmente conhecemos e utilizamos para distinguir diferentes atuações

do meio artístico, somente passou a ser compreendido da maneira como hoje

sabemos apenas há cerca de 800 anos, quando foram encontrados os primeiros

trabalhos de arte assinados pelos artistas da época.

O autorretrato foi um tema explorado desde a antiguidade, mas passou a ser

mais explorado a partir da arte moderna, quando o conceito de indivíduo passou por

transformações radicais diante de uma sociedade voltada para o individualismo e

consumo. O próprio corpo passa a ser tratado como objeto na sociedade capitalista

e a imagem pessoal é tão exaltada que ocupa o principal lugar de reconhecimento e

afirmação do ser individual.

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Em diversas formas de arte como a pintura, o desenho, a escultura e a

perfórmance, o autorretrato é assunto que levanta várias questões conceituais em

arte, uma vez que tem ligação direta com a reflexão e expressão do artista em

relação à sua própria imagem.

No mundo contemporâneo, onde a reprodução de imagens se faz tão

presente no cotidiano da grande maioria das pessoas devido ao grande avanço

tecnológico pode parece desnecessário produzir um trabalho de autorretrato quando

existem câmeras com capacidade para perfeitas captações da imagem pessoal.

Entretanto, o fazer artístico do autorretrato traz em sua prática uma possível

associação com o autoconhecimento.

A imagem de si representada artisticamente, está imbuída de percepções

presentes unicamente no sujeito que cria a obra. Assim como a representação

artística de um objeto nunca será o próprio objeto, o autorretrato nunca será

exatamente a pessoa retratada, mas uma releitura do autor da obra sobre si próprio,

diante de um conceito de si constituído por vivências pessoais, trocas e experiências

com os outros e com o meio que o circunda. “Sabemos que, em todo e qualquer

autorretrato, condensam-se numa única e qualquer pessoa duas instâncias distintas

do processo de representação: o sujeito que produz a obra e o objeto por ele

produzido.” (SÁ, 2001, p. 57)

O que se destaca é que a obra de autorrepresentação pretende ir além da

própria imagem, com toda a ampliação de sentido inerente à arte, desde o processo

de sua elaboração à criação. E é exatamente neste processo criativo, de reflexão

sobre o próprio artista retratado, em corpo, emoção e espírito, que se desenvolve o

processo do autoconhecimento na representação do eu.

O ato criativo é de suma importância para a formação do ser completo e

seguro de si. “Mais fundamental e gratificante, sobretudo para o indivíduo que está criando, é o sentimento concomitante de reestruturação, de enriquecimento da própria produtividade, de maior amplitude do ser, que se liberta no ato de criar.” (OSTROWER, 2004, p.38)

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3 Oficina de Autorretrato para pessoas com deficiência Intelectual

O plano de aula desta Oficina foi construído a partir das diretrizes dos

Parâmetros Curriculares Nacionais (PCN) - Artes, de modo a atender às

necessidades educacionais dos estudantes no aprendizado das artes, abordando

conjuntamente a percepção, a imaginação e a sensibilidade individual por meio de

produção artística. O plano foi organizado em forma de tópicos abaixo descritos:

3.1. Plano de aula Tema: O autorretrato no ensino especial. Delimitação do tema: Representação da autoimagem em grupo de alunos com deficiência intelectual e a mediação do professor de artes na produção das obras. Público Alvo: Assistidos da AMPARE- DF- Associação de Mães, Pais, Amigos e Reabilitação de Excepcionais. Faixa etária 35 a 56 anos. Objetivo Geral

• Trabalhar por meio de oficina prática de artes a relação da autopercepção

com a representação do próprio corpo em trabalhos artísticos de autorretrato.

Objetivos específicos

• Pesquisar a influência da mediação do professor no trabalho de artes em

oficina de autorretrato para alunos com deficiência intelectual.

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• Comparar a representação espontânea da autoimagem em grupo de alunos

com deficiência intelectual da realizada com orientação por parte do

professor.

Justificativa A partir de dinâmicas lúdicas em grupo, associadas a aulas técnicas de

artes plásticas com ênfase na temática do autorretrato, o projeto visa repercutir no

aprofundamento do ensino de artes para o ensino especial, assim como na pesquisa

da autorrepresentação em pessoas com deficiência.

Cronograma

Primeira aula Recursos necessários: Livros variados de arte ilustrados com pinturas de

autorretrato.

Descrição da atividade: Apresentação do projeto ao grupo de alunos. Mostra

de reproduções de pinturas diversas com a temática do autorretrato. Explicação das

características dos materiais a serem utilizados. Exercícios práticos de mistura de

tintas para obtenção de variedades de cores e tons e experimentação de diferentes

possibilidades de pincelada sobre o suporte.

Segunda aula Recursos necessários: Espelho de tamanho suficiente para observação do

rosto, lápis grafite 6B e papel Canson A4

Descrição da atividade: Momento de observação em grupo do rosto de cada

aluno com descrição das características físicas entre os participantes.

Exercício de observação do próprio rosto frente ao espelho.

Produção individual de desenho com lápis 6B ou caneta hidrocor sobre

papel da imagem observada no espelho.

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Terceira aula

Recursos necessários: Máquina fotográfica, impressão da fotografia, tinta

guache e papel Canson A4

Descrição da atividade: Fotografia do rosto frente e perfil de cada aluno,

impressão a cores das mesmas na secretaria da escola.

Início da pintura individual de autorretrato com tinta guache sobre papel

Canson A4 a partir da observação da imagem da fotografia.

Quarta aula Continuação da pintura de autorretrato.

Quinta aula

Recursos necessários: Projetor de luz, cartolina, giz de cera, revistas e cola

escolar.

Descrição da atividade: Desenho do contorno do perfil de cada aluno obtido

por contraste de luz e sombra sobre cartolina fixada na parede. Exercício individual

de intervenções sobre o desenho do perfil com técnica mista de pintura, giz de cera

e colagem de imagens escolhidas de maneira livre na construção da obra.

Sexta aula Recursos necessários: Cartolina, tinta Guache.

Descrição da atividade: Trabalho livre de pintura de tinta Guache sobre

cartolina, associando as cores e maneiras de pintar à emoção do tema escolhido

individualmente para a obra, baseado em algum fato pessoal com bagagem

emocional que o aluno tenha vivenciado.

Sétima aula

Recursos necessários: Fotografia individual do rosto, lápis grafite 6B, Papel

Canson tamanho A2.

Descrição da atividade: Desenho de autoimagem a partir de observação da

fotografia individual de rosto. Proposta de atividade a ser realizada sem a orientação

do professor no aspecto de proporção, fidelidade com a imagem de referência ou

opinião ao longo da produção.

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Oitava aula

Recursos necessários: Todas as obras produzidas nas aulas anteriores, fita

crepe, cartazes com definições das aulas anteriores.

Descrição da atividade: Exposição dos trabalhos na escola com cartazes

explicativos sobre cada etapa da produção.

Avaliação A avaliação será pautada no envolvimento e desenvolvimento individual dos

participantes da turma em relação às atividades propostas. Serão comparados os

aspectos de traço, linha e pincelada, também as colocações pessoais e dedicação

individual na a produção das obras.

3.2 Metodologia da oficina A metodologia adotada para a oficina foi baseada na Proposta Triangular de

ensino de Ana Mae Barbosa, em aulas práticas e expositivas respaldadas na

contextualização histórica do tema, na mostra e análise de reproduções de obras

relacionadas ao conteúdo abordado e no fazer artístico orientado de maneira

sistemática pelo professor.

O planejamento das aulas incluiu a mostra, observação e análise de

reproduções de pinturas junto ao grupo de alunos com a temática do Autorretrato de

diversos artistas, em estilos e técnicas variadas, além de observação de imagens de

fotografias do rosto dos alunos participantes. Também ocorreram dinâmicas em

grupo de descrição da imagem corporal dos colegas participantes e observação da

imagem facial individual em frente ao espelho, antecedendo a produção dos

desenhos e pinturas.

Outros exercícios foram pensados com o objetivo de ampliar o conceito da

autoimagem para além da realidade do corpo físico do aluno. Foi proporcionado aos

alunos do grupo, exercícios de resgate de memórias afetivas e escolha de imagens

de revistas escolhidas por identificação pessoal possibilitado a construção da

autoimagem numa abordagem mais ampla, levando em consideração os desejos e

vivências individuais.

Para propiciar resultados passíveis de análise diante dos objetivos da

pesquisa nos poucos encontros com a turma, as aulas foram elaboradas com

22

exercícios de intervenções e diálogos entre professor e aluno, incluindo ajuda em

relação a aspectos de proporção e técnicas em artes plásticas. Outras aulas foram

programadas de maneira a propiciar exercícios de livre expressão, isto é, com o

mínimo de direcionamento técnico por parte da professora.

3.3 Análise de resultados

Este tópico descreve o processo da experiência prática, focado na produção

do trabalho artístico da aluna e na análise comparativa dos trabalhos produzidos,

observando a influência da mediação do professor no desenvolvimento das aulas e

a relação entre autopercepção, autoestima e produção das obras de autorretrato.

Nos primeiros exercícios de desenhos, a aluna fez o trabalho de acordo com a

bagagem pessoal de experiências com desenho juntamente com a referência dos

relatos em grupo e imagens observadas (observação do rosto no espelho).

Figuras 1 e 2: Desenhos de observação do rosto frente ao espelho Técnica: caneta hidrocor e lápis sobre papel Canson A4 Fonte: arquivo da professora

Nas figuras 1 e 2 podem ser observados os traços característicos da aluna

que se olhava no espelho e buscava reproduzir em linhas sua própria imagem.

Durante o exercício, a aluna constantemente solicitava a ajuda da professora para

iniciar a construção do desenho. Perguntas frequentes sobre o tamanho que deveria

fazer o contorno do rosto e o lugar dos olhos, nariz e boca, e ainda de como deveria

desenhá-los sobre o papel mostrou uma grande necessidade de ajuda e aprovação

23

constante de sua produção. O desenho da figura 1 foi produzido sem a intervenção

ou direcionamento por parte da professora. Já o desenho mostrado na figura 2 foi

construído com a indicação da professora no que diz respeito à proporção do rosto e

os locais dos órgãos constituintes da cabeça, dentro do limite definido.

Para a produção da pintura do rosto a partir da observação da fotografia

individual, houve um direcionamento ainda maior por parte da professora em

questões relativas à proporção, semelhança entre a imagem observada e

reproduzida no desenho, fidelidade em relação à tonalidade da cor da pele e cabelo

na pintura, de acordo com o que apresentava a fotografia.

Figura 3: Pintura de Autorretrato baseado em fotografia do rosto Técnica: guache sobre papel Canson A4 Fonte: arquivo da professora

A relação de semelhança entre o trabalho produzido e a aluna produtora do

autorretrato foi tema discutido em sala ao longo da produção desta obra. De acordo

com relato da própria aluna o rosto não apresentava grande semelhança com suas

feições. Disse ela: “parece um pouco comigo, mas o cabelo e boca não”.

A partir desta colocação, a aluna foi perguntada como poderia tornar sua obra

mais semelhante à sua imagem pessoal e, na ausência da resposta, foi sugerido

mais detalhamento nos fios do cabelo e divisão dos lábios da boca. A aluna solicitou

que esta parte fosse feita pela professora, que atendeu parte do pedido pintando

uma linha fina para dividir a boca. Depois desta interferência, diante do resultado, a

aluna mostrou-se satisfeita, mas observou que o resultado só foi possível com a

ajuda da professora.

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O preenchimento do fundo da pintura foi realizado pela aluna de maneira livre,

sem nenhum direcionamento por parte das professoras, de modo a valorizar as

escolhas da mesma em relação a cores e modo de pintar.

Neste exercício pôde ser observada a profunda relação da percepção e

construção da autoimagem com os contextos pessoais e sociais relacionados à

autoestima e aceitação de si perante o olhar do outro. A necessidade da aluna de

aprovação desde o início do exercício até sua finalização evidencia um processo

coletivo de construção de sua própria identidade visual.

O exercício da projeção do perfil da aluna com desenho, pintura e colagem

desenvolvido na quinta aula, permitiu uma atividade bastante descontraída. O

contorno obtido pelo contraste de luz e sombra foi desenhado pela professora sobre

o papel e o preenchimento do rosto, assim como o fundo da composição, foi

construído livremente pela aluna, utilizando lápis de cor, tinta guache e figuras

individualmente escolhidas em revistas por identificação pessoal. Esta obra mostra o

perfil com preenchimento da face com figuras abstratas e coloridas e um fundo

repleto de imagens alegres de referências femininas e lugares aonde a aluna

gostaria de ter visitado. (figura 4)

Figura 4: Autorretrato com colagem e desenho Técnica: colagem e desenho sobre cartolina Fonte: arquivo da professora

Este exercício proporcionou à aluna a inclusão de outras referências, além da

própria imagem corporal como parte da composição, o que permitiu uma ampliação

do autoconceito, acrescentando à autorrepresentação elementos escolhidos por

identificação.

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A aluna se identificou com a imagem produzida apresentando com orgulho

sua obra a todos do grupo. Neste trabalho, pode ser observada a relação da

construção da identidade pessoal com fatores relacionados ao meio que circunda o

sujeito, podendo ser constituintes da personalidade desejos, sonhos, referências de

outras pessoas ou lugares simbolizados neste trabalho nas imagens selecionadas.

Por ser um exercício que não exige habilidade de cópia ou semelhança com

uma autoimagem de referência, foi percebido nesta etapa a facilidade e confiança da

aluna na construção da obra, fato que permitiu menos necessidade em solicitar

palpite ou ajuda da professora. A autoconfiança no processo do fazer teve como

consequência a produção mais autônoma da aluna, numa composição construída

exclusivamente por sua autoria.

Nesta etapa, pode ser observado a satisfação da aluna e seu orgulho ao

identificar-se com a composição da obra. A mesma relatou perceber sua imagem

representada no conjunto de figuras escolhidas junto com o perfil de seu rosto,

compondo sua autoimagem. Neste caso, a necessidade de aprovação por parte da

professora foi dispensada, sentindo-se a aluna segura o suficiente para afirmar-se

em todas as etapas da construção da obra.

O sexto exercício proposto foi uma pintura com temática escolhida pelos

alunos, baseados em uma lembrança de emoção vivenciada por eles em algum

momento da vida. Este trabalho produzido pela aluna aqui analisada, teve como

tema o encontro desta com seu irmão por parte de pai, o qual a aluna não conhecia

até este momento. A pintura representa o momento em que o irmão chega ao

apartamento e a aluna o vê entrar pela porta (figura 5). A obra apresenta figuras de

si e do irmão bastante simplificadas, com a cor amarela representando a alegria, de

acordo com o relato da própria aluna: “Foi o dia mais feliz da minha vida, quando

meu irmão abriu a porta e eu o vi pela primeira vez. A cor amarela é alegre.”

Neste trabalho, a autorrepresentação tem foco principal no sentimento

vivenciado e representado na obra pela aluna. A imagem corporal aqui não foi tema

principal de investimento artístico em detalhes ou semelhança com o real, mas sim a

representação da ligação afetiva entre ela e seu irmão. A solicitação por ajuda da

professora e aprovação do resultado final neste trabalho foi mínima e aqui também

pôde ser percebido uma grande satisfação e orgulho da aluna em relação à obra,

que foi produzida numa postura de segurança e independência nas escolhas das

formas e composição.

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figura 5: Pintura de Autorretrato associado à lembranças pessoais Técnica: tinta guache sobre papel Fonte: arquivo da professora

Na última aula, foi proposto à turma observar a pintura do autorretrato

produzido nas aulas anteriores e a partir desta imagem construir um desenho do

rosto em uma folha de papel. Este exercício teve o propósito de ser produzido sem o

direcionamento por parte da professora. Foi solicitada à aluna que fizesse o desenho

de acordo com suas próprias escolhas, buscando não perguntar ou esperar da

professora respostas com soluções relacionadas à resolução dos possíveis

questionamentos estéticos ao longo da produção da obra.

O contorno do rosto foi então delimitado pela aluna de maneira a ocupar

grande parte da cartolina. Os olhos, nariz e boca foram colocados em proporção

menor em relação ao tamanho da cabeça. A aluna mesmo sendo acolhida e

incentivada a não se preocupar em demasia com a opinião alheia, a observar seu

desenho e continuar a obra do jeito que achar melhor, demonstrou novamente

bastante insegurança.

Após várias tentativas de obter direcionamentos por parte da professora, a

aluna aceitou continuar por si própria a produção do desenho com mais detalhes e

iniciou uma composição com repetições de padrões e sequências de traços dentro

do espaço destinado ao rosto. O desenho apresenta uma composição bastante

complexa e de alto interesse cognitivo, corporal, artístico e antropológico, na qual

pode ser percebida uma tentativa de representação de vários membros do corpo

dentro do limite inicial destinado apenas para o rosto. (figura 6)

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Depois de concluído o trabalho, com a finalidade de melhor entendimento da

composição por parte da professora foi pedido à aluna que descrevesse a imagem

representada. A imagem então aparece com as partes do corpo indicadas pela aluna

e digitadas sobre o desenho. (detalhe da figura 6)

Figura 6: Desenho de Autorretrato a partir de fotografia e detalhe do desenho Técnica: caneta hidrocor sobre cartolina Fonte: arquivo da professora

Após a finalização do trabalho, a aluna demonstrou muita insatisfação e

preocupação com o resultado, chegando a se debruçar sobre o papel demonstrando

vergonha e vontade de chorar. Entretanto, apesar das emoções fortes vivenciadas

no decorrer na produção, o exercício foi de grande valor para a avaliação do

processo pessoal de envolvimento e desenvolvimento tanto da aluna quanto da

oficina. A aula foi finalizada com um momento confortante e acolhedor, com

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valorização de sua produção e diálogo sobre o processo que a levou a optar por tal

representação e as possíveis interpretações sobre o desenho.

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Conclusão

Após a realização das aulas de Pintura de Autorretrato para Pessoas com

Deficiência Intelectual, pode ser concluído que a mediação do professor de artes

influencia de modo diferente na percepção e representação da autoimagem dos

alunos, de acordo com a metodologia utilizada ao longo do desenvolvimento das

obras.

Quando comparada a representação espontânea na produção da pintura da

autoimagem dos alunos com aquela feita com o direcionamento constante do

professor de artes, percebo que para o alcance de um trabalho que visa o

aprofundamento e desenvolvimento de técnicas artísticas suficientes para a

produção de pintura em autorretrato para os alunos com deficiência intelectual,

devem ser consideradas a necessidade comum deste público não somente do

aprimoramento técnico em artes, mas de envolvimento emocional suficiente para

suprir estados de baixa autoestima e insegurança relacionadas à sua capacidade de

compreensão e produção, necessárias para alcançar um estágio de

desenvolvimento individual de técnicas artísticas que proporcione mais autonomia

ao aluno/artista.

As obras, quando produzidas no contexto de orientação técnica constante e

direcionamento por parte da professora ao longo de sua construção, superaram em

termos de resultados estéticos as expectativas da docente e também a dos alunos.

Porém, nestes trabalhos, percebe-se a frequente manifestação de insegurança e

30

necessidade de afirmação por parte da aluna. Após o resultado final, diante da obra

conscientemente produzida com bastante palpite e intervenção da professora,

percebe-se uma satisfação parcial da aluna, ciente de que o mérito de tal beleza e

complexidade das formas não é somente seu.

Já nos trabalhos onde foram propostos composições com formas mais

simples e livres de representação de autorretrato, sem o objetivo de fidelidade ou

semelhança com a imagem real pessoal, a aluna mostrou-se segura o suficiente

para desenvolver os trabalhos com independência, sem necessidade de frequentes

opiniões e aprovações da professora. Sua autoestima nestes tipos de trabalhos foi

suficiente para compor uma autoimagem onde se identificou totalmente.

Pode ser concluído a partir deste fato, que o nível de complexidade nos

exercícios de cópia do rosto frente ao espelho ou tendo como base a fotografia do

rosto da aluna causou a insegurança refletida em seu comportamento e em

consequente dificuldade de continuidade na produção por escolhas próprias.

Os resultados devem ser analisados sob outro viés nestes exercícios de cópia

baseados na real imagem da aluna, quando realizados sob a proposta de não terem

o suporte técnico e emocional constante ao longo de seu desenvolvimento. Os

trabalhos produzidos dentro desta metodologia apresentam esteticamente

resultados interessantes, ricos em termos de significação e características

individuais marcantes, mas muito distante da proposta inicial à qual se propunha.

Pode ser observado nestes trabalhos um processo dolorido ao longo de sua

produção e na maior parte das vezes gerador de frustração e sentimento de

abandono apresentados pela aluna, o que não contribui para o fomento da

autoestima necessária para a formação de um autoconceito que venha a contribuir

para o refletir e o representar da autoimagem na construção das obras de

autorretrato.

Pode ser concluído que a mediação do professor de artes, baseada no

vínculo afetivo com o grupo de alunos deve acontecer de maneira a considerar o

envolvimento e resposta dos alunos no que diz respeito à satisfação dos mesmos

nas etapas de construção das obras. Mais vale o processo da construção da obra,

feita de forma prazerosa e autêntica do aluno, ao resultado final correspondente à

expectativa do professor.

O direcionamento técnico constante ao longo do desenvolvimento dos

trabalhos pode acrescentar positivamente em termos de habilidades técnicas

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artísticas e aprofundamento na representação da pintura de autorretrato para este

público, visando promover a segurança necessária para uma produção individual

futura, baseada em uma relação menos dependente e com menos intervenção por

parte do professor. Porém as técnicas artísticas a serem ensinadas devem ser

trabalhadas paulatinamente, de acordo com o ritmo de aprendizagem do aluno,

levando em consideração sua capacidade de absorção e alcance de autonomia para

reproduzir as etapas aprendidas por iniciativa própria.

O reforço da autoestima do aluno por meio dos exercícios e colocações do

professor é de essencial importância para o alcance da formação do conceito

positivo do aluno para basear a construção de uma obra de autorretrato. A mediação

do professor, quando feita de maneira a valorizar a produção do aluno e a

proporcionar oportunidades de ampliação do seu autoconceito por meio de

dinâmicas que trabalhem a percepção de si por suas conquistas pessoais nas

etapas dos trabalhos realizados, favorece a construção positiva de seu autoconceito,

tendo como consequência uma maior possibilidade de trabalhos mais elaborados

sobre sua própria imagem.

Respeitar a produção do aluno, dentro de sua capacidade criativa e

perceptiva da realidade, além das habilidades artísticas que apresenta, é de

fundamental importância para a continuidade do processo de ensino que visa o

aprimoramento artístico do aluno.

Após a realização da oficina e reflexões relativas ao processo de

desenvolvimento e resultados obtidos, percebo um vasto caminho de possibilidades

de trabalho artístico na linha da pintura para este público específico, com benefícios

inerentes à Arte Educação na formação do aluno/artista.

Além da linha do autorretrato, outras propostas de trabalhos podem ser

bem aplicadas nas aulas de arte com a finalidade de beneficiamento da saúde global

da pessoa portadora de deficiência intelectual. Instigar nos alunos a produção de

uma linha pessoal de pesquisa em pintura, valorizando temas de interesses

individuais, estilos e técnicas que marquem a individualidade do aluno/artista, são

possibilidades que podem direcionar, por meio da arte, a uma realidade de inclusão

deste público à sociedade.

A partir da materialização de uma obra produzida com marca individual e

única, se enfatiza a diferença e a beleza inerente a cada indivíduo, atenua-se a

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distância entre os variados segmentos da sociedade e rompe-se o estigma de

inferioridade ao qual lamentavelmente encontra-se a pessoa com deficiência.

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REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS ARSLAN, Luciana Mourão, IAVELBERG, Rosa. Ensino de arte. Coleção ideias em ação/ coordenadora Anna Maria Pessoa Carvalho. São Paulo: Cengage Learning,2011. BRASIL, Secretaria de Educação Fundamental. Parâmetros curriculares nacionais: arte. Brasília: MEC/SEF, 1998. GOMBRICH, E. H. História da arte (a). 16. Ed. Rio de Janeiro: Livros Técnicos e Científicos, 1999. MENDES E. G., NUNES L.R.O.P, FERREIRA Jr, Diagnóstico e caracterização de indivíduos com necessidades educacionais especiais: produção científica nacional entre 1981 e 1998, Temas em psicologia da SBP-2002, vol 10, n° 1, 11-26 http://pepsic.bvsalud.org/pdf/tp/v10n1/v10n1a02.pdf MENDES, et.al. Autoimagem, autoestima e autoconceito: contribuições pessoais e profissionais na docência. IX ANPED SUL Seminário de pesquisa em educação da região sul, 2012 MOREIRA M.A. Lília, A síndrome de Down e sua patogênese: considerações obre o determinismo genético, Revista Brasileira de Psiquiatria 2000;22(2):96-9 http://www.scielo.br/pdf/%0D/rbp/v22n2/a11v22n2.pdf OSTROWER, Fayga. Acasos e criação artística. 2 ed. Rio de Janeiro: Campus, 1995. REBEL, Ernst. Auto-retratos. Tashen, 2009. SÁ, Andrea Campos de. Auto-representação: iconografias do eu: o sujeito da psicanálise no auto-retrato fotográfico. Brasília,2001 VIGOTSKI, L.S. Fundamentos de defectologia.Obras completas. Tomo cinco. Cuba: Pueblo y Educacion, 1989. VIGOTSKI, L.S. A formação social da mente. São Paulo: Martins Fontes, 1991 ZAPPAROLI, Kelem, Estratégias lúdicas da criança com deficiência- Rio de Janeiro: Wak Editora, 2012