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UNIVERSIDADE DE MARÍLIA MESTRADO EM COMUNICAÇÃO A MÍDIA NA ESCOLA: INTERATIVIDADE E PRODUÇÃO DE TEXTOS A PARTIR DE CANÇÕES DE CAETANO VELOSO LILIANE SCARPIN DA SILVA STORNIOLO MARÍLIA - SÃO PAULO 2006

A MÍDIA NA ESCOLA: INTERATIVIDADE E PRODUÇÃO DE … · A MÍDIA NA ESCOLA: INTERATIVIDADE E ... Nilcéia, Célia, Cássia, Samanta, Helena, Harumi, Luciana Montanari, Maria

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UNIVERSIDADE DE MARÍLIA

MESTRADO EM COMUNICAÇÃO

A MÍDIA NA ESCOLA: INTERATIVIDADE E PRODUÇÃO DE TEXTOS A PARTIR DE CANÇÕES DE CAETANO VELOSO

LILIANE SCARPIN DA SILVA STORNIOLO

MARÍLIA - SÃO PAULO

2006

UNIVERSIDADE DE MARÍLIA

MESTRADO EM COMUNICAÇÃO

A MÍDIA NA ESCOLA: INTERATIVIDADE E PRODUÇÃO DE TEXTOS A PARTIR DE CANÇÕES DE CAETANO VELOSO

LILIANE SCARPIN DA SILVA STORNIOLO

Dissertação apresentada ao Programa de

Pós-Graduação Strictu Sensu em

Comunicação, área de concentração

Mídia e Cultura, para obtenção do título de

Mestre, sob a orientação da Profª Drª

Suely F. V. Flory.

MARÍLIA- SÃO PAULO

2006

UNIVERSIDADE DE MARÍLIA

MESTRADO EM COMUNICAÇÃO

A MÍDIA NA ESCOLA: INTERATIVIDADE E PRODUÇÃO DE TEXTOS A PARTIR DE CANÇÕES DE CAETANO VELOSO

LILIANE SCARPIN DA SILVA STORNIOLO

Dissertação apresentada ao Programa

de Pós-Graduação Strictu Sensu em

Comunicação, área de concentração

Mídia e Cultura. Linha de pesquisa:

Ficção na mídia , para obtenção do título

de Mestre, sob a orientação da Profª.

Suely F. V. Flory.

Aprovado em: 28/06 /2006.

BANCA EXAMINADORA

Prof.ª Drª Suely Fadul Villibor Flory

Prof.ª Drª Lúcia Correia Marques de Miranda Moreiras

Prof. Dr. Adolpho Carlos Françoso de Queiroz

Nota Obtida: DEZ (10)

Agradecimentos

Agradeço a Deus por me dar coragem, iluminar minha mente sempre e me

proteger por essas estradas, principalmente nos dias que o cansaço me dominava.

À minha querida orientadora Suely Flory que nunca me deixou sem respostas,

mesmo nos momentos difíceis pelos quais passou.

À minha família que sempre me encorajou com palavras e atos carinhosos,

especialmente minha irmã Sandra, minha avó Lileta (In Memorian), minha tia Sueli e

meus primos, amigos e irmãos Alan, Joel, Daniel , Neto e Mara.

Ao meu esposo Djalma que teve extrema paciência comigo, sempre me

apoiou, incentivou, acreditou em minha capacidade de superar obstáculos.

À minha amiga, mãe, irmã Rita de Cássia que é um anjo em minha vida.

Agradeço pelos conselhos que recebi das minhas amadas amigas Kátia e

Maristela que sempre sabiam o que dizer para que eu “acordasse” durante minhas

crises existenciais.

Aos meus amigos: Marcos, Robinson, William, Maristela Mascari, Alessandra,

Ana, Aline, Rosa, Arlete, Nilcéia, Célia, Cássia, Samanta, Helena, Harumi, Luciana

Montanari, Maria Nilcéia, Celinha, Luciani e João Paulo agradeço por me

suportarem e me socorrerem durante momentos muito difíceis, agradeço por

acreditarem na minha capacidade intelectual e de superação e me “levantarem”

todas às vezes que “caí”.

Agradeço ainda aos meus amigos e companheiros de trabalho Sônia, Márcia,

Telma e Edval que muitas vezes me ouviram e me incentivaram.

Finalmente agradeço a todas as pessoas que de uma forma ou de outra

contribuíram para que eu chegasse ao final de mais uma etapa de minha vida.

Resumo

Esta pesquisa apresenta os resultados da utilização das canções de Caetano

Veloso, como estratégia de sensibilização para produção de textos de alunos do

último ano do Ensino Fundamental e do primeiro e terceiro anos do Ensino Médio

tendo como apoio metodológico teorias da Estética da Recepção, que analisam o

texto verbal a partir do receptor.

A música sempre esteve presente na vida do ser humano e o adolescente

dificilmente criará resistência para utilizá-la em sala de aula.O estudo das canções

torna-se uma maneira prazerosa e lúdica de aprender algo que os jovens julgam

difícil, ou seja, a produção de qualquer tipo de texto que o professor proponha em

sala de aula.

O cantor e compositor Caetano Veloso é um ícone da Música Popular Brasileira,

está sempre presente no cenário midiático, escreve poemas musicais com uma

linguagem mesclada entre o erudito e o popular, reúne em sua obra momentos

históricos de nosso país e utiliza-se de elementos intertextuais com maestria e, por

esse motivo, resolvemos utilizar seus textos e músicas para a sensibilização do

nosso público-alvo.

As estratégias utilizadas neste trabalho têm como suporte as linhas de pesquisa da

Estética da Recepção de Wolfganger Iser e Hans Robert Jauss e uma

complementação da lingüística e da semiótica que trata da relação do receptor com

o texto, que lê dos teóricos Mikail Bakhthin, Umberto Eco, entre outros.

Palavras-chave: mídia; receptor; música popular brasileira; vazios; dialogismo.

Resumen Esta pesquisa presenta los resultados del utilización de las canciones de Caetano

Veloso, como estrategia de sensibilización para la producción de textos de alumnos

del último año del enseñanza general básica y del primero y tercero año del

bachillerato unificado, tiendo como apoyo metodológico teorias de la Estética de la

Recepción, que analizan el texto verbal a partir del receptor .

La música siempre estuvo presente en la vida del ser humano y los adolescentes

difícilmente criaran resistencia para utilizarla en clases de aulas. El estudio de las

canciones tornase una manera placentera y lúdica de abordar temas y proponer

tareas que los jovenes consideren difíciles, o sea, la producción que cualquier tipo

de texto que el profesor solicite en clases de aulas.

El cantor y compositor Caetano Veloso es un ícono de la Música Popular Brasileña,

esta siempre presente en el escenario mediático, escribe poemas musicais con una

lenguaje mezclada entre el erudito y el popular, reúne en suas obras momentos

históricos de nuestro país y se utiliza de elementos intertextuales con maestria y,

por ese motivo, resolvimos utilizar sus textos y músicas para sensibilización del

nuestro público- objetivo.

Las estratégias didacticas-pedagógicas utilizadas en este trabajo tienem como

suporte teóricos los estudios sobre la Estética de la Recepción, de Wolfgang Iser y

Hans Robert Jauss y una complementación de los estudios de lingüística y de

semiótica que trata de la relación del receptor con o texto que lee de los teóricos

Mikail Bakhtin, Humberto Eco, entre otros.

Palabras-clave: medía; receptor; música popular brasileña; vacíos; dialogismo.

Sumário

INTRODUÇÃO ....................................................................................................... 9

1 PRESSUPOSTOS TEÓRICOS ........................................................................... 16

1.1 O texto e o leitor ............................................................................................... 16

1.2 O dialogismo nas canções de Caetano Veloso ................................................ 22

2 A TRAJETÓRIA DE UMA VIDA FILTRADA PELA MÍDIA .................................. 26

2.1 A relação com a mídia através dos anos .................................................... 26

2.2 Uma entrevista com ou sem pretensões .................................................... 32

2.3 A folia soteropolitana de Caetano Veloso .................................................. 33

2.4 O bem que Caetano faz .............................................................................. 35

3 A INTERTEXTUALIDADE NAS CANÇÕES DE CAETANO VELOSO ................ 38

3.1.1 Análise interpretativa das canções ........................................................ 39

3.1.2 Texto 1- “Livros” .................................................................................... 39

3.1.3 Texto 2- “Sou seu sabiá” ....................................................................... 47

3.1.4 Texto 3- “Os argonautas” ...................................................................... 55

3.1.5 Texto 4- “José” ...................................................................................... 58

3.1.6 Texto 5- “Outro retrato”.......................................................................... 63

3.1.7 Texto 6- “Língua” ................................................................................... 64

3.1.8 Texto 7- “Pra ninguém”.......................................................................... 72

4 A MÚSICA COMO ESTRATÉGIA NA SENSIBILIZAÇÃO PARA A PRODUÇÃO DE TEXTOS ................................................................................................................. 78

4.1 A Música ..................................................................................................... 78

4.2 Descrição das Estratégias Metodológicas da Aplicação das Canções como tema de produção de textos .............................................................................. 82

4.3 Avaliação de Recepção das Canções......................................................... 96

5 CONSIDERAÇÕES FINAIS ................................................................................ 98

6 REFERÊNCIAS .................................................................................................. 101

6.1 Bibliográficas ......................................................................................... 104

6.2 Consultas on- line...................................................................................104

6.3 Discografia ............................................................................................. 105

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INTRODUÇÃO

Destino eu faço, não peço

Tenho direito ao avesso

Botei todos os fracassos

Nas paradas de sucesso.

(VELOSO, 2003,p. 261)

Esta pesquisa apresenta os resultados da utilização das canções de Caetano

Veloso em sala de aula, como estímulo e estratégia de sensibilização à produção de

textos por alunos do Ensino Fundamental e Médio, tendo como apoio metodológico

teorias da Estética da Recepção, que analisam o texto verbal a partir do receptor.

O cantor e compositor Caetano Veloso não foi escolhido por acaso. Como

podemos notar na citação acima, ele desafia situações, através de provocações em

suas letras e suas canções. É um ícone da MPB (Música Popular Brasileira) com

grande poder de comunicação e interação com seu público, trabalhando com as

palavras de modo peculiar e escrevendo poemas que, posteriormente, são

cantados.

Caetano fala: efusivo, excessivo, longe da economia restritiva da escrita. A

fala irradia-se largamente em reflexões que se constróem–desconstróem. É,

então, uma maneira de cantar: abre-se aos ritmos, às melodias, inflexões,

modulações, repetições.(FERRAZ, 2003,p. 12)

As estratégias utilizadas têm como suporte as linhas de pesquisa da Estética

da Recepção e recebem uma complementação dos estudos de Lingüística e de

Semiótica que tratam da relação do receptor com o texto que lê.

Os teóricos que fundamentam esta pesquisa são: Mikhail Bakhtin1; Wolfgang

Iser; Hans Robert Jauss2 e Umberto Eco3 que vêem e estudam, na produção de

1 A prosa foi o grande tema do lingüista russo Mikhail Bakhtin (1895-1975) , mas ele também teorizou sobre a poesia, se não extensivamente, pelo menos intensivamente em alguns momentos. Introduz nos estudos literários, os conceitos de polifonia, intertextualidade, dialogismo, entre outros. 2 Hans Hobert Jauss e Wolfgang Iser são os dois grandes nomes da Estética da Recepção, teoria desenvolvida na Universidade de Constanza ( Alemanha), nos anos 60 / 70, que aborda uma noção dinâmica do leitor, ouvinte ou espectador como fator essencial à constituição da obra literária ficcional.

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textos, estratégias de interação com o leitor que prevêm os movimentos (respostas)

do outro, ou seja, um texto, desde a sua geração, tem mecanismos de inserção do

leitor no próprio discurso narrativo, como parceiro de um diálogo com o autor.

Na realidade, toda palavra comporta duas faces. Ela é determinada tanto pelo fato de que procede de alguém, como pelo fato de que se dirige para alguém. Ela constitui justamente o produto da interação do locutor e do ouvinte. Toda palavra serve de expressão a um em relação ao outro. Através da palavra, defino-me em relação ao outro, isto é,em última análise, em relação à coletividade. A palavra é uma espécie de ponte lançada entre mim e os outros. Se ela se apóia em mim numa extremidade, na outra apóia-se sobre o meu interlocutor. A palavra é o território comum do locutor e do interlocutor.(Bakhtin,1995,p.113)

Sobre a relação entre locutor e interlocutor na mídia diz Thompson:

Devemos abandonar a idéia de que os destinatários dos produtos

da mídia são espectadores passivos cujos sentidos foram permanentemente

embotados pela contínua recepção de mensagens similares. Devemos

também descartar a suposição de que a recepção em si mesma seja um

processo sem problemas, acrítico,e que os produtos são absorvidos pelos

indivíduos como uma esponja absorve água. Suposições desse tipo têm

muito pouco a ver com o verdadeiro caráter das atividades de recepção e

com as maneiras complexas pelas quais os produtos da mídia são

recebidos pelos indivíduos, interpretados por eles e incorporados em suas

vidas.... No intercâmbio comunicativo de uma interação face a face, o fluxo

de comunicação tem mão dupla: uma pessoa fala, a outra responde, e

assim por diante.Em outras palavras, os intercâmbios numa interação face a

face são fundamentalmente dialógicos. (THOMPSON, 2004,31)

Pudemos notar pelas palavras de Thompson que suas idéias sobre a

recepção assemelham-se à teoria bakhtiniana que afirma não haver comunicação

que proceda apenas de um falante, mas sim que esse necessita de um interlocutor

para a quem transmitir a mensagem. Bakhtin fala que as palavras têm “duas faces”

enquanto Thompson refere-se a essa relação como “face a face”. Em ambos os 3 Umberto Eco (Alessandria, Itália, 1932). A princípio, dedicava-se principalmente a trabalhos de Estética, com aceitação por parte dos estudiosos. Trabalhou como professor de Comunicação Visual em Florença e de Semiótica em Milão, realizando diversos estudos sobre o papel da recepção e do ato de ler.. Nessa época, escreveu muitos ensaios e livros sobre semiótica. Na ficção, obteve grande êxito com o romance O Nome da Rosa (1981), O Pêndulo de Foucault (1985), A ilha do dia anterior (1989), entre outros.

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casos a alteridade e a relação entre “o dito” e o “não dito” são imprescindíveis para

que se construa um significado complexo que possibilitaria a configuração do

sentido do texto.

O autor, quando escreve, tem em mente um tipo de leitor (leitor ideal) que

possa entender todo o significado que cada significante estará transmitindo. Na

maioria das vezes, porém, quem lê o texto não é esse tipo de leitor, pois cada leitor

transporta para o texto seus conhecimentos prévios de mundo, ou seja, tudo o que

tem significado para ele. Portanto, quando Bakhtin diz que a palavra é semi-alheia

refere-se à relação entre o mundo, o autor e o leitor.“Diria que um texto é um jogo de

estratégias mais ou menos como pode ser à disposição de um exército para uma

batalha”. (ECO, 1.984,p.9)

Segundo Umberto Eco, (1986,p. 36), o autor prevê seu leitor (leitor modelo) e

age no sentido de organizar o texto para que ocorra um tipo de leitura, que ele

considera adequada às suas intenções e, para isso, utiliza estratégias textuais, as

mais diversas, dos estudos lingüísticos às ideologias, envolvendo forma e conteúdo.

O mundo oferece o universo das palavras e o autor utilizar-se-á delas, de acordo

com a sua ideologia e com a sua bagagem cultural.

Para que um texto se torne vivo, presentificando-se através do ato da leitura,

é necessário que o receptor acredite que o autor tem algo a dizer, caso contrário,

não o lerá. Além disso, fará sua leitura sempre de acordo com sua ideologia e com

seu conhecimento de mundo. Para analisar um texto é necessário que façamos sua

desconstrução para que, posteriormente, possamos reconstruí-lo com a nossa

interpretação, que será baseada em nosso repertório, valores e cosmo- visão.

O texto possibilita uma leitura horizontal – sintagmática- e uma leitura vertical-

paradigmática. Em ambas, quando os vazios aparecerem, o leitor deverá preenchê-

los buscando respostas às suas dúvidas, em seus conhecimentos lingüísticos e

sociais, em suas crenças, preconceitos, medos e esperanças. No entanto, não se

pode aceitar uma leitura aleatória, que não seja pertinente à intenção do autor e

assim sendo, deve seguir parâmetros, ter limites impostos pela própria narrativa e

suas estruturas lingüísticas e ideológicas.

Como já dissemos, o autor constrói seu discurso dentro de seu mundo de

valores e quando seu texto encontra o leitor cria-se um contexto, onde há interação

entre interlocutores, cabendo ao receptor analisar as estratégias utilizadas pelo

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emissor para que haja interação entre ambos. Cada teórico denomina o leitor que

interage com o texto de uma forma diversa, sob um ângulo diferente:

“Arquileitor”- leitor assíduo de determinados autores, que tem familiaridade

com as estratégias estilísticas do emissor. A soma de suas leituras sobre

um mesmo autor torna-o um “Arquileitor” (RIFFATERRE,1971); leitor

“informado” desenvolve processos em que os textos são atualizados pela

recepção através da interação texto / leitor de determinadas comunidades

interpretativas (FISH,1967);o leitor “implícito” que se encontra previsto nas

estratégias textuais (ISER,1974) e “leitor modelo” (ECO,1979) que é aquele

que o autor tem em mente quando escreve, um tipo de receptor idealizado

pelo “emissor.”4

A interpretação de um texto, mesmo podendo provocar inúmeras

interpretações, impõe seus limites, não pode ser entendida como um mero ato de

decodificação, mas como um espaço de construção de sentido, onde um signo

exprime uma organização de significantes os quais, além de ter como designar um

objeto-significado, designam também instruções para a produção de uma

significação. O ato de interpretar, para Eco, estaria na tarefa semiótica de

compreender como se produz e como são construídos os significados para seu leitor

modelo.

O conceito de leitor implícito, desenvolvido por Wolfgang Iser, parte da noção

de concretização, que se traduz em duas vertentes: de um lado a do horizonte de

expectativas lançado pela obra, configurando-se no efeito (Wirkung) predeterminado

pelo texto, o qual transmite orientações prévias, inalteráveis sobre certos aspectos,

pois a obra tem que manter uma unidade estrutural; de outro lado temos a segunda

vertente, a recepção de cunho extra-literário, condicionada pelo leitor, que colabora

com suas experiências pessoais para fornecer vitalidade à obra e manter com ela

uma relação dialógica. É a recepção da obra por diferentes comunidades

interpretativas, em diferentes épocas, pertencentes a diversas camadas sócio-

econômicas, estudada por Stanley Fish em suas obras e retomada pelos teóricos de

Constanza, anos depois, tanto Iser como Jauss.

4 - Apostila da disciplina: Estética da Recepção; os vazios do texto e a interatividade do receptor, ministrada pela profª Drª Suely F. V. Flory. Mestrado em Comunicação-UNIMAR-2.004/ 1º Semestre

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Wolfgang Iser considera como um dos pontos teóricos básicos da Estética da

Recepção a comunicação transmitida pela obra desde a sua estrutura, que

necessita de um leitor para a construção do seu sentido. Um texto só se presentifica,

só “existe”, através do ato da leitura. As estruturas e estratégias textuais prevêem o

leitor. É a teoria do efeito estético5 desenvolvida em sua obra O ato de ler.

Iser concentra-se nos efeitos que os vazios do texto, as insinuações, ironias,

o não dito, os subentendidos, provocam na consciência de um leitor ideal. O texto,

produto de uma combinação de linguagem e de sentido, apresenta um espaço

implosivo de vazios e carências que possibilitam a inauguração de um processo de

comunicação. Estes vazios são os responsáveis pelas diferentes perspectivas de

representação, levando o leitor a fazer uma coordenação durante o processo de

leitura. As carências, ausência de elementos determinantes que são apenas

insinuados no texto, condicionam o posicionamento dos leitores na ótica da Estética

da Recepção, permitindo-lhes compreender o sentido e a forma da obra literária pela

variedade histórica das suas interpretações. Exige, por outro lado, que a obra

individual seja introduzida na seqüência literária adequada, o que permitirá

reconhecer o seu papel histórico no contexto das leituras experimentadas pela

literatura “séria” e, só assim conseguiremos captar todo o seu potencial criativo.

Hans Robert Jauss, por sua vez, afirma que a primeira impressão que o leitor

tem frente ao texto é o estranhamento e que a recepção apresenta-se no

intercâmbio de três etapas: a compreensão, a interpretação e a aplicação. A primeira

inicia a leitura, é fundamentada na lógica da pergunta e da resposta. A segunda trata

da leitura retrospectiva que pressupõe a percepção estética enquanto pré-

compreensão, já que somente podem ser concretizadas, significações que se

manifestem ao intérprete, como perspectiva de uma leitura histórica reconstruída, à

qual o texto respondia na época em que foi escrito, e a terceira aplicação é a

significação do texto em relação a um leitor específico.

Jauss enfoca o conceito de experiência estética, desenvolvido em seu artigo

“O prazer estético e as experiências fundamentais da Poiesis, Aisthesis e Katharsis”

(apud COSTA LIMA, 1979), assinalando a denominação da filosofia, da religião e da

metafísica platônica do belo, deixando em aberto as ambivalências que tais critérios

5 A teoria do efeito estético estuda como o texto prevê o seu leitor, inserido no próprio discurso narrativo. É o outro, o interlocutor que interage com o emissor através do ato de ler. ISER, Wolfgang, O ato de ler.2v.São Paulo,Editora 34, 2000

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propunham. Pede o resgate hermenêutico da necessidade da experiência estética

do leitor e junta-se ao idealismo, denunciando a visão da arte moderna como

mercadoria. Jauss define a experiência estética agrupando-a em três categorias

fundamentais: poiesis, aisthesis e katharsis – analisando, em três abordagens, os

diferentes graus de envolvimento do receptor, arrebatado pelos sentidos no ato de

ler.

Se os vazios do texto ficcionais orientam (os atos de representação do

autor) contra o pano de fundo da linguagem pragmática, contribuindo para a

desautomatização das expectativas habituais do leitor, então este precisa

reformular para si o texto formulado, a fim de ser capaz de recebê-lo.

Quanto maior a quantidade de vazios, tanto maior será o número de

imagens construídas pelo leitor. (COSTA LIMA, 1.979 ,p. 105)

Ao trabalharmos com a análise na perspectiva da Estética da Recepção não

podemos jamais dissociar o dialogismo e a intertextualidade, pois são componentes

fundamentais de tal análise, uma vez que a Estética da Recepção está atrelada à

análise do discurso, às estratégias estruturais e lingüísticas do texto, a par das

visões de mundo do emissor e do receptor.

Nesta pesquisa é fundamental falarmos sobre o dialogismo de Mikail Bakhtin,

uma vez que se trata de uma pesquisa ancorada na análise da recepção de textos,

por alunos do Ensino Fundamental e Médio e, portanto, de relações dialógicas que

se estabelecem entre as canções analisadas e seus receptores.“Tudo se reduz ao

diálogo, à contraposição dialógica enquanto centro. Tudo é meio, o diálogo é o fim.

Uma só voz nada termina, nada resolve. Duas vozes são o mínimo de vida.” (

BAKHTIN,1978,p.123).

Compreendendo o que Bakhtin nos diz na citação acima, buscaremos edificar

nossa pesquisa na comunicação que só ocorre quando “um” diz algo a “outro” e

espera ser compreendido.

Esta pesquisa divide-se em cinco capítulos que dialogam entre si

apresentando teorias e suas aplicações: no primeiro capítulo, são abordados os

pressupostos teóricos que dão suporte à pesquisa, enfocando a Estética da

Recepção e os conceitos de dialogismo e repertório do receptor. O texto só faz

sentido quando lido, portanto, nesse capítulo analisaremos como os adolescentes

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recebem e lêem as canções de Caetano Veloso e as estratégias que utilizam para

“dialogar” com elas acrescentando seus conhecimentos prévios.

No segundo capítulo, é apresentada a relação que Caetano Veloso tem com a

mídia, sempre muito conturbada, repleta de polêmicas. A relevância deste capítulo

dá-se pela necessidade do conhecimento de um pouco da história

do autor pelos adolescentes. Nesse capítulo, Caetano Veloso, que é considerado

pela mídia um campeão de entrevistas, apresenta-se em uma entrevista e são

mostrados pontos de vista de jornalistas em relação ao compositor. Caetano é um

artista multimídia, portanto os adolescentes já tiveram contato com ele através de

algum veículo midíático, esta é a razão do presente capítulo.

No terceiro capítulo, enfoca-se a questão da intertextualidade atrelada ao

dialogismo, fundamental para a análise das canções de Caetano Veloso. Nesse

capítulo as canções são desconstruídas e posteriormente reconstruídas com

informações sobre a funcionalidade dos intertextos usados amplamente, por

Caetano Veloso.

No quarto capítulo, efetua-se a aplicação das teorias descritas nos capítulos

anteriores. O trabalho é feito com alunos do último ano do Ensino Fundamental e

com alunos da primeira e terceira séries do Ensino Médio que analisaram as

canções de Caetano Veloso e posteriormente compuseram seus textos. Trata-se de

um trabalho de prática em sala de aula e as séries escolhidas para amostragem são

séries em que pudemos trabalhar, efetivamente, visto que são classes regidas por

nós.

Na última parte, Considerações Finais, apresenta-se o resultado baseado em

análise de dados, uma vez que nos fundamentamos no material produzido pelos

alunos do Ensino Fundamental e Médio. São textos diversos produzidos pelos

alunos em sala de aula, a partir de estudos de recepção de canções de Caetano

Veloso e baseado nos temas e intertextos analisados em suas composições.

Considera-se, nesta dissertação, a extrema importância da utilização de

metodologias diferenciadas para o ensino de redação, visto que, cada vez mais, os

adolescentes estão perdendo a habilidade da escrita pela facilidade propiciada pelo

avanço tecnológico e pela síntese “telegráfica” da linguagem da Internet. A

utilização de canções une o interesse dos alunos que “curtem” o som, com sua

necessidade de conhecimento, preenchida pela riqueza textual das canções de

Caetano Veloso.

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1 PRESSUPOSTOS TEÓRICOS

1.1 O texto e o leitor

Abordam-se neste capítulo algumas estratégias de análise do discurso,

através da Estética da Recepção e do estudo de aspectos lingüísticos, tendo em

vista o papel do Enunciador (sujeito) e do Enunciatário (objeto) na composição de

letras de músicas de Caetano Veloso, analisadas como texto poético.

Segundo Iser, o processo comunicativo entre texto e leitor ocorre na interação

entre ambos, isto é, as exigências daquele e as respostas deste. Contudo é

imperativo destacar as diferenças existentes entre interação texto-leitor e interação

interpessoal. Nas relações interpessoais, há uma atividade interpretativa da imagem

do outro, ou seja, as pessoas, ao se comunicarem, procuram agir de acordo com

aquilo que acreditam serem as expectativas do interlocutor, embora seja impraticável

corresponder totalmente, tendo em vista a impossibilidade de conhecê-las em

profundidade. Paradoxalmente, essa impossibilidade funciona como elemento

propulsor de ações interpretativas, isto é, na relação face a face, por exemplo,

valemo-nos de perguntas e respostas, na tentativa de superar prováveis

contingências, que comprometeriam a comunicação e, no texto escrito, com uma

relação “In absentia”6, precisamos suprir essa ausência pelas estratégias

discursivas.

O que poderia designar de “estranhamento” objetivado pela

interação dos segmentos das mais diversas áreas de conhecimento do

texto, é denominado pelo autor de “valor estético” (p. 137). A tarefa do leitor

consiste em formar, a partir desses segmentos, uma nova e coerente

combinação (“sistema de equivalências”) que não é formulada no próprio

texto. Chama-se isso de “objeto estético”. Nesse trabalho individual, o leitor

naturalmente é guiado pelo texto, principalmente pelas ”estratégias

textuais”; mas já as alusões literárias, ainda pertencentes ao repertório,

indicam a direção que a formação do sistema de equivalências deve seguir.

Portanto,a parte do repertório, derivada da tradição literária, assumiria a

função de uma primeira indicação para a apropriação, a partir dos sentidos

da época. ( COSTA LIMA, 2002,p. 996,v.2)

6 absentia, -ae, subst, f. Ausência, afastamento. (FARIA, 1988,p.17)

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Na relação texto-leitor, em que o confronto face a face é impossível, há um

desequilíbrio, provocado pelos “vazios” (Wolfgang Iser), que são fundamentais no

processo de interação. Eles assinalam a quebra das conexões dos segmentos

textuais, ou seja, deixam espaços que devem ser conectados, de acordo com o

ponto de vista do leitor, enriquecendo sua atividade imaginativa. Também impõem

dificuldades ao leitor, induzindo-o a se afastar de um contexto de ações pragmáticas,

para construir uma significação que gere um sentido decorrente de suas próprias

projeções interpretativas.

Assim, os vazios ampliam o leque de possibilidades de significação das

conexões dos segmentos textuais e, conseqüentemente, da atividade imaginativa do

leitor, e essa atividade é controlada pelo autor, pois oferece um objeto dado, uma

situação pré-determinada, de acordo com os valores do público visado.

Os vazios do texto são as palavras “não-ditas”, os subentendidos nas

entrelinhas, ou seja, idéias sugeridas pelo texto ou intuídas pelo leitor como espaços

abertos para a plurissignificação, levando o receptor a participar da construção do

texto através de suas atividades de interação.

O prazer da experiência estética, como apontamos anteriormente, dá-se, para

Jauss, em três níveis intercambiáveis: poiesis, aisthesis e katharsis.

A poiesis corresponde ao prazer estético decorrente da participação do leitor

na compreensão do texto, pois ajuda a construí-lo, preenchendo seus vazios,

completando e presentificando a significação textual através de suas projeções

pessoais.

A aisthesis designa o prazer do conhecimento do belo, do contato com a

arte, com a mudança decorrente do prazer de contemplar a perfeição, que nos

permite usufruir a própria arte.

A katharsis é a possibilidade de identificação do leitor com as

personagens,conflitos e idéias transmitidas pelo texto. O leitor vê-se retratado nos

dramas vividos pelas personagens; sente-se liberto dos seus problemas cotidianos e

imerso na ficção, o que o faz voltar-se sobre si mesmo e identificar-se com as

emoções vividas pelos actantes (aqueles que atuam) da trama ficcional.

Para alguns lingüistas, como Benveniste e Ducrot em seus estudos,

inicialmente o que transformava a língua em discurso era a enunciação: o autor é

dotado de uma atividade psicológica necessária à produção do enunciado; o autor é

a origem dos atos ilocutórios, realizados na produção de um enunciado, afinal, é

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com o autor que o texto se inicia, portanto é uma produção solitária. Posteriormente,

Ducrot combate esse tipo de sujeito, ao propor a teoria da polifonia.

Na terceira época da Análise do Discurso, Pëcheux apresenta uma tentativa

de caracterização do que chama de “discurso do outro”:

O discurso de um outro, colocado em cena pelo sujeito, ou discurso

do sujeito se colocando em cena com um outro? ‘(c.f. as diferentes formas

de ‘heterogeneidade mostrada )’: mas também, e, sobretudo a insistência de

um ‘além’ interdiscursivo que vem aquém de todo autocontrole funcional do

‘ego-eu’ instala-se, ao mesmo tempo, em que se desestabiliza (nos pontos

de deriva em que o sujeito passa no outro, onde o controle estratégico de

seu discurso escapa-lhe) Uma outra evidência de que há dúvidas pode ser

vista nesta outra pergunta: o sujeito seria aquele que surge por instantes, lá

onde o ‘ego-eu’ vacila?(PÊCHEUX ,1983, p. 316-7 )

A intertextualidade tem um papel fundamental mostrando que “cada texto é

um tecido de textos, aquele jogo aberto de uma intertextualidade flutuante na ‘luta

entre homens e símbolos’”. (COSTA LIMA, 2002, p.883, v.2) . Durante a leitura, o

receptor recria o texto (cada leitura é um entendimento), pois o texto permite-lhe

diferentes interpretações e leituras realizadas em tempos diferentes.Cada leitor

transporta para o texto seus conhecimentos prévios (verbais, sociais, ideológicos),

concretizando o texto ficcional segundo suas próprias projeções interpretativas.

O autor, para criar uma atmosfera de polifonia, portanto heteroglótica, deve

levar para seu texto, além de seus conhecimentos a respeito da língua, sua

criatividade e seu mundo de valores que são a chave para o interesse do leitor, uma

vez que possibilita a fusão dos horizontes de expectativas do emissor e do receptor.

A entonação do autor, tanto verbal como não-verbal, é de extrema

importância para a compreensão de sua obra. Ele cria uma situação e dá-lhe

entonação, para que sua idéia seja entendida pelo leitor. A língua torna-se, dentro

de um texto, uma opinião concreta sobre o mundo, dentro de um texto musical, ela

ganha forças e muitas vezes torna-se um ícone da história, podendo representar

toda uma geração, como é o caso da canção “Sem lenço e sem documento” de

Caetano Veloso.

Partindo da análise teórica sugerida por Bakhtin e dos pressupostos da

Estética da Recepção de Iser e Jauss , as letras de algumas canções de Caetano

19

Veloso serão colocados como objeto de nosso trabalho, focalizando principalmente

o dialogismo, a interação e sua recepção pelos alunos do Ensino Fundamental e

Médio, que construirão seus próprios textos, a partir das canções estudadas e

analisadas em classe com o professor.

Iniciar-se-á buscando fundamentar esta pesquisa na teoria, só então, passar-

se-á para uma análise mais concreta , trabalhando com os textos, canções

selecionadas de autoria de Caetano Veloso, para trabalhar com alunos do último

ano do ensino Fundamental e do primeiro e terceiro anos do Ensino Médio, em

dissertações narrações e paródias.

Sabe-se que para a interpretação de um texto, o leitor utiliza seus

conhecimentos prévios (repertório cultural) e, assim sendo, cada leitor pode

aprofundar-se, mais ou menos, no universo do texto que está sendo seu objeto de

leitura ou estudo.

O texto é construído de maneira tal que leve as vozes narrativas a se

organizarem num discurso, onde há uma interação do sujeito (autor) e do receptor

(leitor) e é a partir dessa intenção que seu enunciado é configurado, devendo

também prever uma possível reação de seu interlocutor. Há, portanto, reciprocidade

dentro do enunciado e fora dele (interação de interlocutores).

Dentro de uma canção de amor, por exemplo, o autor dirige-se ao seu

interlocutor (pessoa amada) de maneira que a faça compreender seus sentimentos,

não descartando em momento algum a possível rejeição dos mesmos , uma vez

que, conhecendo o ser amado , pode prever algumas de suas atitudes.

Portanto, sendo a música uma linguagem universal, o autor direciona seus

sentimentos inicialmente a uma pessoa, a um conflito pessoal e a muitos outros

focos, mas posteriormente esses sentimentos podem ser interpretados de acordo

com a cosmovisão do receptor, tornando-se mais amplos e abrangentes e passando

de uma declaração individual para um sentimento humano, que pode ser

compartilhado por qualquer pessoa.

As letras das músicas (poemas) de Caetano permitem uma análise estilística,

em que se encontram continuidades e descontinuidades , conservação e

dissolução, surpresa e espera, marcada pela temporalidade e muitos outros

20

elementos semânticos que permitem a compreensão de seu texto, marcado pela

genialidade.

A palavra da língua é uma palavra semi-alheia. Ela só se torna “própria”

quando o falante a povoa com sua intenção, com seu acento, quando a

domina através do discurso, torna-a familiar com sua orientação semântica

e expressiva. (BAKHTIN, 1998,p.100).

A linguagem literária é plurilíngüe, um diálogo de linguagens, para o qual o

autor e seus receptores contribuem com seus repertórios, suas visões de mundo,

seus quadros de valores, interagindo de forma dinâmica e concretizando o texto

ficcional, que antes de ser lido, é uma virtualidade, uma possibilidade de existência.

Embora o plurilingüismo, os contextos de outrem, a realidade social e outros

fatores envolvam o autor, o mesmo deve imprimir sua marca à obra, bem como sua

entonação e seu acento.

Bakhtin afirma que o poeta não utiliza vozes de outrem, mas imagina o

repertório do outro e tem domínio total de sua linguagem, porém acreditamos que há

sempre a presença de um fator ideológico, pois ele escreve para outrem, visto que a

linguagem do poeta só existe na medida em que existe seu interlocutor, na troca de

experiências, na interação verbal e emocional e, para que isso ocorra, deve partir de

aspectos concretos da vida cotidiana.

Bakhtin afirma :“Ele deve partir da linguagem como um todo intencional e

único: nenhuma estratificação pluridiscursiva e muito menos plurilíngüe deve ter

qualquer reflexo marcante sobre sua obra poética.”( BAKHTIN, 1998, p.103 )

Percebe-se, por essa afirmação, que o poeta, no ponto de vista do lingüista,

deve ter uma linguagem totalmente individualizada e transformar tudo o que

conhece da realidade em um texto único, que imprima somente suas intenções.

“Tudo aquilo que penetra na obra deve se afogar no Letes, esquecer sua vida

anterior nos contextos de outrem: a língua só pode lembrar de sua vida nos

contextos poéticos. “ ( BAKHTIN,1998, p.103)

A figura lingüística do autor fica responsável por toda palavra como se fosse

sua, mas não podemos esquecer que o próprio Bakhtin afirma que o ato de escrever

não é individualizado, é, na verdade, um jogo interativo “quem fala são os códigos e

não quem escreve”. Acredita-se, contudo, que esse jogo interativo, assim como a

21

intenção discursiva do autor só se realizam e se concretizam numa interação maior e

mais complexa: a interação sujeito/ interlocutor.

O “sujeito discursivo” (eu lírico nos poemas) dentro das canções representa o

“sujeito do mundo”, apesar de não sê-lo efetivamente, e sim por referir-se e ter sido

criado por ele, por retratar uma ideologia e representar um sujeito pertencente a um

determinado grupo, a uma classe e uma sociedade, com sua visão de mundo.

Bakhtin faz a afirmação de que “todo signo é ideológico”7, ou seja,o autor

colhe seu discurso dentro de uma ideologia e o transporta para a sua. Sabe-se que

toda modificação da ideologia desencadeia uma modificação da língua. A evolução

da língua obedece a uma dinâmica positivamente conotada. A variação é inerente à

língua e reflete variações sociais.

A evolução lingüística obedece a leis internas, mas é, sobretudo, regida por

leis externas de natureza social. O signo é encarado como signo dialético, mutável e

dinâmico, plurivalente e vivo que se renova ou adquire novas significações em

diferentes épocas ou comunidades interpretativas.

Bakhtin fala de uma “interação dialética constante” que é a dialética e a

ideologia interagindo dentro de um contexto social que faz de todos nós, autores e

leitores, partes integrantes de um contexto que nos molda e influencia.“O signo

ideológico vive graças à sua relação no psiquismo e reciprocidade, a realização

psíquica vive do suporte ideológico.” ( Bakhtin: 1987,p.54)

A língua é um fato social, portanto, a língua, que é “nascida” e “criada” dentro

de uma sociedade, tende a adquirir características sociais próprias, fazendo com

que haja dentro do discurso, múltiplas linguagens que, quando desprendidas da fala,

criam um texto e um contexto onde há interação entre os interlocutores.“Nenhum

enunciado em geral pode ser atribuído apenas ao locutor: ele é produto da interação

dos interlocutores e, num sentido mais amplo, o produto de toda essa situação social

complexa em que ele surgiu.” ( Bakhtin, in Todorov, 1981,p.50)

Na concepção de Bakhtin, a psicologia social é o meio ambiente inicial dos

atos da fala de toda espécie. Isso quer dizer que qualquer manifestação da fala

7 Bakhtin critica a categoria da causalidade mecânica para explicar como a realidade (infra-estrutura) determina a ideologia. Para ele, “o ser, refletido no signo, não apenas nele se reflete, mas se refrata” e o que determina essa refração do ser no ideológico é confronto de interesses sociais, ou seja, a luta de classes. “Classes sociais diferentes servem-se de uma só e mesma língua. Conseqüentemente, em todo signo ideológico confrontam-se índices de valor contraditórios. O signo se torna a arena onde se desenvolve a luta de classes” (Bakhtin/Voloshinov, 1992a :46).

22

cotidiana, tanto no discurso exterior como no interior ( consciência), verbais ou não-

verbais, constituem a ideologia social.

Segundo Bakhtin, o signo individual, dentro da sociedade, é refletido e

refratado nas características ideológicas de cada um. Assim, em todo signo

ideológico, confrontam-se valores contraditórios. O signo se torna a “arena onde se

desenvolve a luta de classes”, o que torna o signo vivo, móvel e capaz de evoluir.

Apesar das perspectivas e abordagens, a psicologia, a sociologia e a

lingüística cruzam-se na elaboração de um discurso, por isso se fazem necessários

os comentários e citações sobre esses assuntos, mostrando a ligação inevitável

entre eles.

Não se pode imaginar que o produtor do discurso musical tenha o poder

soberano de produzir mensagens fechadas, que serão decodificadas de maneira

uniforme por todos os receptores, nem que tais discursos não se ancorem em

pressupostos comuns, muitas vezes de base ideológica, capazes de conduzir a

interpretação. A mídia desempenha papel central na divulgação dos textos musicais,

no entanto, a apropriação desses discursos são múltiplas, o que resulta, obviamente,

em entidades sociais também múltiplas.

A síntese aqui apresentada permite vislumbrar algumas das possibilidades de

interpretação e interação com textos musicais.

1.2 O Dialogismo nas canções de Caetano Veloso

A comunicação é inerente ao homem desde o seu nascimento pela

necessidade de sobrevivência. Os estudos lingüísticos mostram a transformação da

língua durante o desenvolvimento do ser humano e tornando a comunicação mais

completa e complexa, pois o vocabulário do indivíduo é ampliado e enriquecido com

conhecimentos adquiridos durante sua vida. Quanto mais complexa é uma

sociedade, mais complexos serão os gêneros do discurso a serem percebidos na

sua função de comunicação.

A presente pesquisa tem por objetivo auxiliar o educando na aquisição de

novos conhecimentos que conseqüentemente aumentarão sua capacitação

discursiva, ou seja, deverão auxiliar o adolescente em sua busca pelo conhecimento

apresentando-lhe instrumentos para a construção de textos mais consistentes,

23

unindo elementos que não se dissociam: a comunicação midiática através da

audição de músicas e a lingüística.

Luís Ramiro Beltrán afirma que os estudos de comunicação vistos ao longo

do século XX são baseados nos princípios da “retórica” do filósofo grego Aristóteles

que são divididos em três elementos: locutor, discurso e ouvinte, ou seja, alguém

que fala algo para outro alguém. Para Aristóteles, o objetivo maior da comunicação é

a persuasão: a capacidade que o locutor deve ter para convencer o ouvinte de que

seu discurso é justo, coerente e correto. Esse esquema ainda é utilizado por muitos

autores. A mídia sonora (rádio, e aparelhos que reproduzem Compact Disc) utiliza

esse esquema básico, porém, além de simplesmente utilizá-lo, fornece códigos

lingüísticos para uma análise mais profunda, baseada em estudos que tratam da

relação entre o locutor (emissor) e o ouvinte (receptor) na ótica da análise do

discurso, dos estudos de Bakhtin (dialogismo, plurilingüismo) e da Estética da

Recepção.

O código lingüístico compõe-se de signos gráficos e fônicos, que são

interpretados de acordo com o conhecimento de mundo do receptor (ouvinte) da

mensagem, pois a mensagem nunca é decodificada em sua íntegra. O emissor

(locutor) que a transmite, tem seu próprio conhecimento de mundo, assim como o

ouvinte (receptor) possui seus próprios quadros de valores e referências.

A essência desta pesquisa reside na composição de um conjunto de

atividades com os alunos, em sala de aula, a partir de textos de músicas de Caetano

Veloso, com o objetivo de buscar a articulação entre a expressão literária poética e

a informação objetiva de um texto. Tais textos visam o estabelecimento da leitura

dialógica que os integra em uma rede única de conhecimentos, fornecendo

subsídios para que os alunos elaborem seus próprios textos de formatos diversos

(dissertação, narração, paródia) a partir de proposições das letras das músicas de

Caetano Veloso.

Busca-se, ainda, descobrir de que maneira ocorre o dialogismo nas canções

de Caetano Veloso, partindo dos textos escritos e audições das canções pelos

alunos do último ano do Ensino Fundamental e do primeiro e terceiro ano do Ensino

Médio de Escolas Públicas.

Sabendo-se que há dificuldade na leitura e elaboração de textos de alunos,

especialmente do Ensino Médio, apresentar-se-á uma proposta de ensino da

24

redação partindo de textos musicais, visto que, a transmissão da mídia sonora por

programas radiofônicos, televisivos ou por um instrumento como um rádio que

reproduz CDs é facilmente recebida pelos adolescentes. Trabalhar-se-á, deste

modo, com um material diferente dos quais eles têm contato em sala de aula

freqüente. As estratégias para esta pesquisa deverão atender aos preceitos

(exigências) e interesses do público alvo, ou seja, deverão ser oferecidos métodos

de ensino/ aprendizagem que estimulem o interesse desse público.

Os diferentes discursos de locutores diversos revelam que o diálogo do

discurso próprio com diversas fontes de fala é da ordem da linguagem e não da

língua, podendo ser mais ou menos marcado como tal por quem enuncia e, mais ou

menos percebido por aquele a quem ele é dirigido, sendo, portanto, uma questão de

interação e não de formas. Revelam também que por meio desse diálogo, os

locutores se posicionam com relação ao mundo, ao outro, a ele mesmo e ao próprio

discurso.

Pressupõe-se que o autor coloca o centro significante de sua linguagem na

perspectiva do outro, com o qual irá interagir (receptor). É a perspectiva do outro que

lhe interessa, pois não escreve canções para si mesmo. Essa voz alheia não vem

intacta, ela vem alterada justamente pela inserção do conhecimento de mundo de

cada indivíduo.

Caetano Veloso consegue ser ao mesmo tempo erudito e popular.Sua

erudição pode ser observada principalmente pela freqüente intertextualidade em

suas canções e pela utilização de palavras que não estão presentes no cotidiano

dos falante. Já sua popularidade dá-se por conseguir atingir a “massa”, ou seja,

pessoas de todos os níveis sócio-econômicos. Ao interpretar suas canções o

adolescente irá adquirir novos conhecimentos para utilizá-los na interpretação de

textos diversos, visto que, muitos textos mostram o retrato da sociedade brasileira,

assim como outros os “sentimentos do mundo”; situações que fazem parte do ser

humano durante toda sua vida, como por exemplo, a eterna luta do bem contra o

mal na canção “Meu bem meu mal” (FERRAZ,2003,p.139) e muitas outras que

mostram o paradoxo do amor.

Com esta análise, esperamos apresentar atividades que, principalmente,

estimulem a escrita dos adolescentes, enriqueçam seu vocabulário e propiciem uma

escrita de textos,com conteúdo mais rico em informações.

25

Os alunos (receptores) entrarão em contato com as canções selecionadas e

terão a oportunidade de conhecer a forma como esses textos foram desenvolvidos,

através da desconstrução e reconstrução dos mesmos, com auxílio de estratégicas

analíticas oferecidas pela Estética da Recepção.

No próximo capítulo, falaremos sobre a trajetória de Caetano Veloso

registrada pela mídia, uma relação permeada por declarações que ficam entre dois

extremos, o amor e o ódio mas, revelam sempre um artista preocupado com o seu

país, o seu povo e a sua cultura. Os estudos das canções de Caetano Veloso

permitem uma ampla abordagem dos mais diversos temas, embora sempre

sublinhados pelo seu amor ao seu povo e ao “outro”, ao seu parceiro(a) que o

completa. A intertextualidade é uma marca de seu texto poético, uma vez que

através do dialogismo e da intertextualidade, o outro é parte integrante de seu

discurso.

26

2 A TRAJETÓRIA DE UMA VIDA FILTRADA PELA MÍDIA

2.1 A relação com a mídia através dos anos

Quase não tínhamos livros em casa

Mas os livros que em nossa vida entraram

São como radiação de um corpo negro

Apontando pra expansão do Universo10

Caetano Emanuel Viana Telles Veloso, nascido em 07 de agosto de 1942, em

Santo Amaro da Purificação, a 73 quilômetros de Salvador, Caetano Veloso, como

ficou conhecido por todo o país, já sabia desde pequeno o que queria ser na vida e

construiu seu conhecimento literário por conta própria, buscando ler tudo o que

podia, conforme suas próprias palavras:

...não havia livros na minha casa. Aquela frase da minha canção ‘Livros’ é

quase um desabafo, um lamento autobiográfico. Nossa casa era imensa,

um sobradão daqueles enormes, antigos do recôncavo da Bahia, (...), mas

não tinha uma biblioteca.Nem sequer uma estante com livros. Mas havia

livros em minha casa. Uns livros fugazes que sempre estavam nas mãos de

minha mãe – que era a única pessoa que eu via dentro de casa lendo.

(VELOSO, 2001,p.43)

Com pouco mais de quatro anos de idade, o irmão de Maria Bethânia já

compunha A Tua Presença Morena, revelando seus dotes artísticos.Mas sua

trajetória musical começou, realmente, quando se mudou com a família para

Salvador no início dos anos 60. A capital baiana vivia um momento de efervescência

cultural, e Caetano aproveitou sua paixão pela música e pela bossa nova de João

Gilberto e começou a tocar em barzinhos da cidade.

Em 1963, ingressa na Faculdade de Filosofia da Universidade Federal da

Bahia e conhece o parceiro Gilberto Gil. Do fruto dessa amizade surgiram

composições como No dia em que eu vim-me embora, Panis et Circenses, São

10 Livros, canção do disco “Livro” de 1997.

27

João, Xangô Menino, Haiti, Cinema Novo, Dadá, entre outras.Nesse período,

também conheceu Gal Costa e Tom Zé, futuros componentes da Tropicália. Em

1965 abandona a faculdade e acompanha sua irmã Bethânia, que foi chamada ao

Rio para substituir a cantora Nara Leão no show "Opinião", sucesso naquele ano. No

mesmo ano, Bethânia gravou É de Manhã, de Caetano, e a música marcou sua

estréia com um compacto simples.

Em 1966, a "Revista Civilização", no seu número sete, publica um depoimento

de Caetano Veloso, em que ele fala da necessidade da "retomada da linha evolutiva

da música popular brasileira" a partir das lições mais fundamentais da bossa nova. É

uma das primeiras manifestações teóricas do artista-crítico, pensador da arte,

Caetano.

Estreando na era dos festivais, que sacudiram a MPB nos anos 60, ele

concorre, em São Paulo, no Festival Nacional da Música Popular, da TV Excelsior,

com "Boa palavra". A canção, defendida por Maria Odette, classifica-se em quinto

lugar.

O grande poeta da canção começa a ser reconhecido como tal. A sua "Um

dia" recebe o prêmio de melhor letra, no 2º Festival de Música Popular Brasileira da

TV Record de São Paulo.

Em novembro, Caetano promove disputas nas quais os artistas participantes

exibem seus conhecimentos de música popular; passa a se tornar mais conhecido.

Compõe a trilha do filme "Proezas de Satanás na terra do leva-e-traz" de Paulo Gil

Soares. Contratado pela Philips, gravadora pela qual saíram todos os seus discos

daquele momento em diante, Caetano lançou seu LP de estréia "Domingo", dividido

com Gal Costa; do repertório, constam "Coração vagabundo" e "Avarandado" entre

outras. O disco mostra uma filiação do artista à bossa nova; no texto, na contracapa,

porém, ele avisa que sua inspiração está tendendo a novos caminhos muito

diferentes do que havia conseguido até aquele instante.

A apresentação de sua marcha "Alegria, alegria", ao som das guitarras

elétricas do conjunto pop argentino Beat Boys, enlouquece o 3º FMPB, da TV

Record, juntamente com a cantiga de capoeira "Domingo no parque" de Gilberto Gil,

com acompanhamento d'Os Mutantes. As duas canções se classificam,

28

respectivamente, em quarto e segundo lugares. Eram os baianos rompendo com a

tradição na nossa música.

"Alegria, alegria" é lançada em compacto simples. A essa altura, já está em

curso o Tropicalismo, movimento de vanguarda que abalará nossas estruturas

musicais e culturais, com conseqüências notáveis até hoje. O movimento aplica e

atualiza, num contexto de massa, a filosofia antropofágica do modernista Oswald de

Andrade, que propôs o reprocessamento de informações estrangeiras para a criação

de uma arte brasileira e original. Público, crítica e artistas - entre tropicalistas e

esquerdistas engajados dividiram-se. Na imprensa, o poeta Augusto de Campos

saudou o grupo baiano que o promoveu.

Um “happening” ocorre em Salvador e repercute nas revistas de todo o país:

o seu casamento pop-tropicalista com a baiana Dedé Gadelha. Em janeiro de 1968,

houve a gravação de seu primeiro LP individual, "Caetano Veloso". No disco

ressaltam grandes e memoráveis clássicos como "Alegria, alegria", a emblemática

"Tropicália", "Soy loco por ti, América" (esta, de Gil e Capinan).

O Brasil vivia momentos de repressão por parte do governo militar. Com a liberdade

de expressão proibida, os artistas tentavam, a todo custo, quebrar as barreiras da

censura. Caetano era um dos revoltados com a situação pela qual passava o país.

Junto com Gil, lançou o movimento cultural Tropicalista na tentativa de expressar

seu inconformismo. Através do deboche, da irreverência e da improvisação, o

tropicalismo revoluciona a MPB, utilizando-se de elementos estrangeiros fundidos

com a cultura brasileira (a filosofia antropofágica do modernista Oswald de Andrade)

e baseando-se na contracultura. O movimento foi lançado no Festival de MPB da TV

Record, em 1967, com as músicas Alegria, Alegria, de Caetano, e Domingo no

Parque, de Gil, que se tornaram hinos da juventude da época. Em 1968, no auge do

movimento, Caetano lançou o álbum Tropicália, junto com Gilberto Gil, Gal Costa e

Tom Zé.

A parceria com Gilberto Gil estendeu-se da música e foi parar na vida dos

dois artistas. O choque de idéias com a ditadura militar ocasionou a prisão dos dois

em São Paulo, e impôs o exílio na Inglaterra, em 1968. Entretanto, a barreira

geográfica não impediu que os protestos continuassem e, de Londres, Caetano

29

enviasse artigos para o jornal O Pasquim e músicas para diversos intérpretes como

Gal Costa, Maria Bethânia, Elis Regina, Erasmo e Roberto Carlos.

Caetano retornou ao Brasil em 1972 e passou por um momento de alta

criatividade. Até o final dos anos 70, muitos sucessos como Tigresa, Leãozinho,

Odara e Sampa foram lançados. O encontro com os antigos companheiros Gal,

Bethânia e Gil resultou, em 1976, na formação do grupo Doces Bárbaros. O show

excursionou por São Paulo e outras dez cidades brasileiras, revivendo antigos

sucessos e, resultando na gravação de um LP. Em 1993, a parceria com Gilberto Gil

foi retomada e juntos lançaram o disco "Tropicália 2".

Multimídia, Caetano também se arriscou em outras formas de arte. Em 1986

comandou, ao lado de Chico Buarque, o programa de televisão da Rede Globo

"Chico & Caetano", onde cantavam e traziam convidados. Essa experiência na

televisão ajudou a quebrar a imagem de que os dois músicos não se davam bem. No

cinema, ele dirigiu o filme O Cinema Falado e outros, como escritor, sua estréia foi

Verdade Tropical, no qual faz um relato pessoal sobre os principais aspectos e

acontecimentos relacionados ao movimento tropicalista.

Hoje, com mais de sessenta (60) anos, Caetano Veloso é um senhor grisalho

e de cabelos aparados que, à primeira vista, em nada lembra aquele representante

da geração hippie. Em seu novo CD e show, A Foreign Sound, Caetano volta a

buscar em composições alheias, no caso, de autores norte-americanos, a

possibilidade de criticar um sistema dominante. Em um repertório que mistura Assis

Valente, Noel Rosa com Nirvana e Cole Porter, Caetano faz a ponte entre o Brasil e

o mundo que ele começou a conhecer no exílio.

A ousadia continua sendo uma marca registrada de Caetano.

Caetano é o mais original compositor/criador musical da nossa geração e

essa originalidade reside no tratamento elegante e delicado que dá à sua

inequívoca ousadia poética, à exploração de um modernismo

melódico/harmônico que equilibra com perfeição signos da melhor tradição

da música popular nacional (samba, canção, baião, toada nordestina), à

utilização dos elementos arrojados da modernidade pop e rock (incluindo aí,

se quisermos, as influências da Escola de Viena a Stockhousen). (...) A

música de Caetano é um convite e um estímulo à meditação sobre a eterna

tragédia da solidão do ser e da contingência da vida, um estímulo ao cultivo

30

da palavra sonora, hospedeira da verdade e da mentira: pertence, quase,

ao plano da Filosofia.11

Nos anos setenta, Caetano era mal visto pelos conservadores da época e

hoje é visto como intelectual e excêntrico.

Caetano envolve-se freqüentemente, em polêmicas com a mídia. Ele não

procura agradar ao interlocutor, enfrenta a mídia em plano de igualdade. É uma das

poucas figuras públicas que têm peso, agilidade e disposição para fazê-lo. Muitos

jornalistas pensam que o sucesso de uma entrevista está em “desmascarar” alguém

que tenha conseguido uma certa unanimidade. Caetano é, na área cultural,

considerado por alguns como artista decadente, aburguesado que está sempre

aparecendo na mídia. É uma espécie de reação ao “grande consenso que se formou

em torno do autor”, conforme comentário do jornalista Marcos Augusto Gonçalves,

em artigo da edição do caderno Mais! da Folha de São Paulo de novembro de 1997.

A capa daquele suplemento dedicado ao livro “Verdade tropical” já indicava o desejo

de desmascarar Caetano.Os textos diziam: “O tropicalismo do cárcere ao poder”,

“Documentos mostram que o regime militar não diferenciava a tropicália de outras

manifestações culturais que agitaram o Brasil nos anos 60”.

Essa última afirmação era baseada numa reportagem com o general António

Bandeira, que em 1968 ocupava posto de comando na estrutura dos organismos de

repressão política.

De acordo com o general, conforme apurou Mais! , os tropicalistas não

incomodavam tanto os militares quanto os guerrilheiros envolvidos na luta armada.

O jornal procurava desnudar o que seria um erro na avaliação de Caetano

Veloso. Em seu livro, ele diz que acreditava que os tropicalistas seriam os mais

profundos inimigos do regime militar.

Caetano tem uma relação, assim como outros intelectuais, de amor e ódio

com a mídia, porém prefere, na maioria das vezes, não dar importância ao que

dizem a seu respeito. Assume posições pessoais e controvertidas, mesmo correndo 11 Gil, Gilberto, pref. [1987]. Caetano: poesia e pensamento. In: Veloso, Caetano. Caetano Veloso: songbook.

3.ed. rev. v.2, p.7.

31

o risco de ser “odiado” pela mídia que não tolera muito as mediações e quer

respostas imediatas, diretas, enquanto Caetano procura ter sua opinião “ou não”,

como fala na maioria das vezes em suas entrevistas, e já foi motivo de muitas piadas

por humoristas que fazem sua imitação em programas como “Casseta e Planeta

Urgente” da Rede Globo de Televisão. Em uma de suas entrevistas à revista Época,

Caetano fala de sua relação com a crítica:

... dialogo e entro em competição com a crítica. Sempre atuei criticamente,

desde os tempos da revista que Glauber Rocha editava. Isso não é

desprezo pelos jornalistas, como alguns pensam. Ao contrário, respeito a

boa crítica. Gosto de propor discussão de idéias, cada vez mais difícil nos

jornais. O problema é que, para vocês jornalistas, o pior é sempre o melhor.

Trabalho com atitude explícita. Nada fica sem resposta.(VELOSO, 2004: 61)

Quando Caetano participa de programas televisivos, as atenções se voltam

inteiramente para ele. Trata-se de um ícone de nossa MPB, e não importa quem

esteja falando ou até mesmo cantando, as câmeras focalizam todos os movimentos

de Caetano, como foi visto no último dia 21 de agosto de 2005, em sua aparição no

programa Global “Domingão do Faustão” no lançamento da trilha sonora do filme

“Os dois filhos de Francisco”. No dia 22 de agosto, no caderno Ilustrada da Folha de

São Paulo foi publicada uma nota dizendo que Caetano ficou após o programa

conversando com os atores da novela América, dizendo ser fã da mesma.

Caetano é um cantor com um imenso repertório que, como já foi dito,

apresenta desde o erudito até o popular com desenvoltura e influenciou vários

cantores como Ney Matogrosso, segundo uma declaração do cantor na revista

Época de 29 de agosto de 2005.

A primeira vez que vi Caetano eu era um funcionário público em

Brasília, no fim dos anos 60. Ele apareceu vestido de cor-de-rosa, dos pés a

cabeça. Naquele tempo homem não usava nem meia cor-de-rosa. Imagina

o choque; ditadura, você encontra Caetano Veloso todo de rosa em Brasília!

Pensei ‘Se um dia eu for artista, quero causar nas pessoas o que ele causa

em mim.(MATOGROSSO, 2005, p.103).

Apesar de intelectuais cultuarem Caetano como ícone da Música Popular

Brasileira, ter também uma diversidade de público e de suas aparições na mídia

sempre serem mostradas como um grande espetáculo, as músicas mais conhecidas

32

pelo público principalmente ouvintes da mídia radiofônica na atualidade são

composições de outros artistas interpretadas por ele, como por exemplo, a canção

“Sozinho” de Peninha que foi um grande sucesso por ser tema da novela Global

"Suave Veneno". Gravada no disco "Prenda Minha" de 1999, a canção ajudou a

alavancar as vendas do CD que chegaram a um milhão de cópias.12

Orfeu, filme de 2000 com direção de Cacá Diegues, ganhou os prêmios de

Melhor Filme, Melhor Fotografia e Melhor Trilha Sonora (Caetano Veloso), no

Grande Prêmio Cinema Brasil. A canção, de autoria e interpretação de Caetano

Veloso “Sou você” rendeu-lhe o prêmio António Carlos Jobim, mas não obteve êxito

com a mídia.

Outra canção interpretada por Caetano que foi muito executada nas rádios

em 2003, “Você não me ensinou a te esquecer” dos compositores Bruno Mattos e

Odair José foi tema dos personagens principais Leléu e Lisbela do filme “Lisbela e o

prisioneiro” com direção de Guel Arraes.

2.2 Uma entrevista “com” ou “sem” pretensões

Em entrevista concedida à revista Época, em 24 de maio de 2004, ao

jornalista Luís Antônio Giron, Caetano fala de tudo um pouco e rebate as alfinetadas

do jornalista com muito bom humor. (Anexa entrevista na íntegra)

O jornalista descreve Caetano como alguém de bem com a vida, que não

precisa provar nada a ninguém, faz comentários sobre suas frases polêmicas e

obtém como resposta do entrevistado explicações simples para falas que foram

supervalorizados pela imprensa desde a década de sessenta (1960).

Ao ser questionado sobre sua condição de intelectual, diz que gosta de

externar suas opiniões sobre qualquer assunto e atribui isso ao momento histórico

pelo qual passou, quando todos os artistas deviam sempre ter opiniões próprias a

respeito de tudo, pois era uma obrigação.“... sou uma pessoa da área de

entretenimento que dá suas opiniões”.(VELOSO, 2004: 108)

12 htpp//:www.imusica.com.br

33

Sobre política, apesar de ser um político em sua essência, diz que não gosta,

mas sempre lê jornais para ficar por dentro de tudo o que ocorre no país e no

mundo. Vê em Ariano Suassuna um gênio, mas diz que o autor transforma-se em

um palhaço pela obrigação de manter uma posição conservadora e afirma que a

xenofobia não é bem vinda nos dias atuais.

Sente-se lesado pela pirataria de CDS, mas não quer entrar no mérito da

questão por considerar-se despreparado para isso e acima de tudo não dar a menor

importância ao fato.“... perdemos o controle sobre a veiculação de música. Não sou

empresário, não sou nem mesmo capitalista. Só não posso cuspir no prato em que

comi. Existe uma crise, mas eu não estou nem aí”.(VELOSO, 2004:110)

A música é considerada pelo compositor como arte e os lucros que vêm dela

nada mais são do que reconhecimento pelo trabalho e dedicação do artista.

João Gilberto é a sua grande influência musical. Quando questionado sobre o

porquê de não cantar como o ídolo, diz que tentou imitá-lo, mas considerou o feito

impossível.

Admite que sua competência musical é limitada, comparada com artistas

como Chico Buarque, por exemplo. Considera-se um bom compositor.

Sobre cinema, diz que gosta muito e que foi muito bom dirigir um filme e tem o

desejo de dirigir algo ambientado em Salvador, Bahia.

Acredita arriscar seu prestígio com o lançamento de seu disco em inglês e

considera a música americana melhor que a nacional, por influenciar maior número

de pessoas no mundo.

2.3 A folia soteropolitana de Caetano Veloso

“A inteligência puramente musical de Caetano Veloso”13

13 Título da matéria publicada por J.D. Borges na revista eletrônica “Observatório da imprensa”.

34

No jornal eletrônico de vinte (20) de agosto de mil novecentos e noventa e

nove (1999), o jornalista J. D. Borges faz uma crítica a Caetano mostrando sua

aversão pelas idéias, comentários e a própria presença do compositor, dizendo que

ele gosta de aparecer e faz falsas interpretações de fatos, dando suas opiniões

sobre tudo e não tem paciência para explicar ao público suas obras. (Anexa,

entrevista na íntegra)

Considera Caetano um recordista de entrevistas e trata o Tropicalismo como

um movimento de idéias vagas, de mau gosto e popularesco típico. Diz, ainda, que

para o compositor, o único Estado que tem importância em nosso país é a Bahia.

Acusa Caetano de privilegiar seus conterrâneos baianos, cita João Gilberto e

António Carlos Magalhães, diz que o artista é inconseqüente, inoportuno, cara-de-

pau e ingrato a São Paulo e Rio de Janeiro. Diz ainda que o estilo musical e

comentários do compositor estão ultrapassados e praticamente pede para que ele “

se recolha à sua insignificância” com palavras bem agressivas.

Não é raro encontrarmos opiniões como a de J. D. Borges na imprensa

nacional. Na maioria das vezes, os jornalistas consideram Caetano como alguém

que não pensa para falar e que, por vezes, tem uma verborragia que pode prejudicar

sua imagem na mídia.

Como já foi dito anteriormente, muitos jornalistas querem “desmascarar” quem

de alguma forma consegue se destacar, midiaticamente, no panorama nacional ou

até internacional e sabemos que embora Caetano seja “quase” uma unanimidade

nacional, há um “coro de contrários” às suas produções artísticas e suas opiniões,

muitas vezes polêmicas.

Podemos citar, como exemplo da manipulação da mídia, uma entrevista para

o jornal “O Globo” de 27 de maio de 2001 cujo título foi recortado de uma declaração

do artista pelo jornalista ou editor do jornal. Tratava-se de um comentário normal,

mas tornou-se uma “afronta” aos leitores, principalmente conterrâneos de Caetano.

O título dizia “A estrela baiana aqui sou eu”. Quem não leu a entrevista, certamente

imaginou Caetano prepotente, mas quem a leu, pôde perceber que o artista diz isso

ao ser perguntado sobre António Carlos Magalhães na intenção de não desfocar a

35

entrevista na qual falava sobre seu trabalho e não sobre política ou outro assunto

qualquer.

2.4 O bem que Caetano faz

Se nariz de poeta aponta sempre contra os chapadões. Mesmo no contexto

de absurda excelência da poesia da música popular brasileira, um de

nossos maiores patrimônios, relativamente pouco estudado, a arte de

Caetano Veloso é qualquer coisa, ou muito. Encanta e surpreende a cada

página, que nunca se dá sem fogo, sem o brilho da consciência e da paixão.

Depois do quê, ficamos nós, desastrados tropeçando nos milagres12

(NESTROVSKI, 2003, Folha de são Paulo)

Neste trecho do artigo de Arthur Nestrovski à Folha de São Paulo, o jornalista

mostra a paixão pelas letras de Caetano Veloso e no contexto faz intertextualidade

com canções “Qualquer coisa” e “Livros”.

Assim como Nestrovski, muitos jornalistas reconhecem o brilhantismo de

Caetano Veloso. Em artigo à Folha on line, de novembro de 1997, Mário Vitor

Santos também sai em defesa do compositor, que havia lançado seu livro “Verdade

Tropical” e fora duramente criticado pela mesma Folha de São Paulo no suplemento

dominical “Mais!” de novembro, do mesmo ano, pelo jornalista Marcos Augusto

Gonçalves.

Marcos Augusto Gonçalves dizia, na reportagem, que Caetano, em seu livro

“Verdade tropical” , considerava-se o dono da verdade.

Mário Vitor Santos considera este comentário invejoso e acredita que a

colocação foi feita pelo jornalista a fim de desautorizar a integridade de Caetano.

Santos diz que “Verdade tropical” é um livro excelente, com uma linguagem

de fácil entendimento e sem prepotência do autor e que o jornalista da Folha tem

necessidade de um enfrentamento franco com Caetano, para que entenda sua obra

e possa criticá-la.

12 Artigo da Folha de São Paulo escrito por Arthur Nestrovski em novembro de 2003, época do lançamento do livro “Letra só” de Eucanaã Ferraz.

36

O jornalista considera as intervenções críticas de Caetano, no terreno

jornalístico, revigoradas através dos anos, sabe que Caetano não tem a menor

intenção de agradar seu interlocutor e, quando faz uma declaração, enfrenta a

mídia, em plano de igualdade, sendo uma das poucas pessoas que faz isso com

destreza.

Não é apenas sobre os brasileiros que o compositor e cantor Caetano Veloso

causa forte impacto. Famoso internacionalmente, o baiano deixa jornalistas

estrangeiros inquietos, ao saberem de uma possibilidade de entrevista, como revela

a repórter de Chicago Irma Nunez, que escreveu, especialmente para o jornal

japonês The Japan Times. Na reportagem, Irma não esconde seu prazer e orgulho

em conversar com Caetano.

Santuza Cambraia Naves, em Revista do Arquivo Nacional de 23 de junho de

2004, fala sobre Caetano Veloso, apresentando uma figura paradigmática, de uma

certa tradição de compositores populares brasileiros que, por recorrerem a

procedimentos metalingüísticos — embaralhando assim as classificações referentes

à arte erudita e popular —, demandam interpretação.

Parafraseando Bakhtin em sua alusão a Dostoiévski (1981:14), creio que

posso afirmar que Caetano é, por excelência, o bardo das transformações

realizadas na sociedade brasileira e nas concepções sobre a sua natureza.

Mas trata-se de um bardo atualizado, que não se contenta em recolher e

comentar repertórios diversos; Caetano atua como significante desta

pluralidade cultural, expressando e dramatizando, em sua figura pública, as

contradições inerentes ao seu meio. (NAVES,1998:71)

No texto acima, podemos concluir que Naves coloca Caetano como um artista

que cria, inova sobre atualidade e com isso consegue deixar sua marca nada

convencional na cultura nacional.

Romildo Sant’ Anna fala sobre Caetano e resume o sentimento das pessoas

que admiram sua arte.

Veloso de tantas brisas e velas, tratando o som com desvelo, ele se

mantém fora das opiniões padronizadas; é o doce bárbaro de todas as

mídias, do disco às telas, que refletem o iluminar da vida. Desfolhamento,

em alta voz, de um montão de livros. ( SANT ’ANNA, 2003: 320)

37

Como pudemos perceber, Caetano Veloso coloca-se sempre à disposição da

mídia, mesmo sabendo que ela pode ser benéfica ou maléfica à sua imagem.

O compositor e cantor sempre responde aos questionamentos feitos a ele

com extrema naturalidade e não tem medo de admitir que esteve errado em algum

aspecto. Em uma de suas entrevistas, diz que não gostava da música “Pétala” de

Djavan quando foi lançada, mas com o tempo apaixonou-se pela canção.

No desejo de alcançar prestígio nos meios de comunicação de massa, alguns

jornalistas ou repórteres tentam criar sensacionalismo, envolvendo nomes de

pessoas famosas como é o caso de Caetano e, algumas vezes, extrapolam os

limites e constroem uma imagem destorcida da realidade, manipulando e colocando

palavras fora do contexto em que foram ditas.

Caetano é extremamente polêmico e, às vezes, fala demais. Ele mesmo

admite ser este seu maior defeito, mas não se pode negar seu talento literário,

musical e principalmente sua sensibilidade na maneira de tratar as palavras, de criar

poemas musicais.

A mídia tem todo interesse em suas atividades, sejam elas artísticas ou

envolvendo sua vida íntima. Suas opiniões, suas posições ideológicas, suas

músicas, seus amores, seus amigos são sempre notícia. Os repórteres, ora

admiradores ora críticos, estão sempre atentos aos seus movimentos. È uma vida

filtrada pela mídia que se revela aos leitores em todos os seus ângulos, mas é na

sua música que ele se coloca por inteiro, sendo considerado, com toda razão, um

dos ícones da arte musical brasileira, onde erudito e popular fundem-se em músicas

que são a essência de nossa sociedade e de nosso tempo.

No capítulo seguinte veremos o estudo da intertextualidade contida nos textos

que serão analisados, visto que este fator é o mais representativo nas canções

analisadas.

38

3 A INTERTEXTUALIDADE NAS CANÇÕES DE CAETANO VELOSO

À referência implícita ou explícita de um texto a outros textos, dá-se o nome

de intertextualidade.Um texto é a voz que dialoga com outros textos, mas também

funciona como eco das vozes de seu tempo, da história de um grupo social, de seus

valores, suas crenças, preconceitos, medos e esperanças e isso não poderia ser

mais claro do que nas canções de Caetano Veloso. Segundo suas próprias palavras:

“As minhas letras são todas autobiográficas. Até as que não são, são”.(VELOSO,

2003,p. 09)

As relações transtextuais evidenciam que o texto literário não se esgota em si

mesmo: plurariza seu espaço nos paratextos; multiplica-se em interfaces; projeta-se

em outros textos; perpetua-se na crítica; estabelece tipologias; repete-se em

alusões, plágios, paródias, paráfrases e citações.

A intertextualidade, confirmada na literatura pelos temas retomados,

eternizando e dando novas feições aos mitos e às emoções humanas, comprova

que os textos se completam e se inter-relacionam.

Pode-se dizer que a intertextualidade ocorre na mídia com muita freqüência e

entre textos de diferentes signos lingüísticos, textos verbais e não-verbais. Portanto,

neste momento, analisaremos como Caetano Veloso se utiliza desse recurso

lingüístico para tornar suas canções inesquecíveis.

Nas canções afastadas de sua melodia, as palavras ganham em

materialidade e se mostram das mais diversas maneiras: versos econômicos

aparecem ao lado de longas estruturas narrativas, construções experimentais

convivem com formas tradicionais, simplicidade extrema mistura-se à sofisticação

formal.

É indiscutível que o leitor deve ter um conhecimento de mundo (memória

discursiva) amplo ao ler as canções de Caetano. Se isso não for possível, deve

haver interesse em ampliar seus conhecimentos pesquisando, quando ocorrerem

dúvidas sobre o sentido de frases dentro do contexto das canções, para que sua

interpretação seja satisfatória.

Quando falamos em intertextualidade, devemos pensar também em

dialogismo que é o que constrói o texto “vivo”. É a relação que existe entre os

39

falantes envolvidos no discurso das canções. Um texto só existe, se for contado ou

lido por alguém, e esse alguém tem o poder de transformar o texto em outro texto,

isto é, o texto com interferência de conhecimentos prévios de receptor já não é mais

o texto original, pois foi “povoado” pelo conhecimento de mundo desse receptor.

3.1 Análise interpretativa das canções

Neste momento faremos a desconstrução das letras de algumas canções de

Caetano Veloso, procurando preencher os vazios (uma das possibilidades

interpretativas) deixados pelo autor, para que posteriormente possamos reconstruí-

las com nossa memória discursiva, ampliada através da pesquisa detalhada sobre

cada paráfrase, paródia ou citação.

Analisaremos aqui oito canções, mas na prática de sala de aula

trabalharemos com apenas algumas (Capítulo IV), pois foram escolhidas as que

mais se adequaram aos interesses dos alunos, as demais serão utilizadas em outras

oportunidades.

3.1.1 Texto 1- “Livros”

A primeira canção que analisaremos será “Livros” do disco Livro de 2.004 que

fala da paixão pelos livros e das transformações que estes podem provocar na vida

do ser humano.

Livros

Tropeçavas nos astros desastrada

Quase não tínhamos livros em casa

E a cidade não tinha livraria

Mas os livros que em nossa vida entraram

São como a radiação de um corpo negro

Apontando pra a expansão do Universo

Porque a frase, o conceito, o enredo, o verso

(E, sem dúvida, sobretudo o verso)

É o que pode lançar mundos no mundo

40

Tropeçavas nos astros desastrada

Sem saber que a ventura e a desventura

Dessa estrada que vai do nada ao nada

São livros e o luar contra a cultura

Os livros são objetos transcendentes

Mas podemos amá-los do amor táctil

Que votamos aos maços de cigarro

Domá-los, cultivá-los em aquários,

Em estantes, gaiolas, em fogueiras

Ou lançá-los pra fora das janelas

(Talvez isso nos livre de lançarmo-nos)

Ou o que é muito pior por odiarmo-los

Podemos simplesmente escrever um:

Encher de vãs palavras muitas páginas

E de mais confusão as prateleiras

Tropeçavas nos astros desastrada

Mas pra mim foste a estrela entre as estrelas.

A canção é composta por vinte e seis (26) versos e dividida em quatro (4)

estrofes.

Na primeira estrofe, cujo primeiro verso é repetido como refrão por três vezes

no decorrer da canção, o autor faz intertextualidade com um dos versos de Orestes

Barbosa da canção “Chão de estrelas” que foi gravada pela primeira vez em 1937

por Sílvio Caldas.

Notemos a semelhança entre os versos:

Caetano: “Tropeçavas nos astros desastrada”

Orestes: “E tu pisavas nos astros distraída”

41

Caetano substitui a palavra distraída (desatenta) pela palavra desastrada (que

produz desastres, danos, prejuízos) e o uso dessa palavra muda o contexto do verso

de Orestes que usou a palavra distraída com suavidade, podemos comprovar isso

nos seis (6) últimos versos da canção “Chão de estrelas” :

“A porta do barraco era sem trinco

Mas a lua furando nosso zinco

Salpicava de estrelas nosso chão

E tu pisavas nos astros distraída

Sem saber que a ventura desta vida

É a cabrocha, o luar e o violão”

Caetano usou a palavra desastrada com mais agressividade,considerando

que seu interlocutor tropeçava nos astros (livros/ palavras) por desconhecê-los pela

falta de leitura. Isso percebemos pelos versos a seguir:

“Quase não tínhamos livros em casa

E a cidade não tinha livraria”

Seus versos são praticamente um protesto, um desabafo como em suas

próprias palavras “...não havia livros em minha casa. Aquela frase da minha canção

‘Livros’ é quase um desabafo, um lamento autobiográfico” (VELOSO,2001,p.43).

Ainda na primeira estrofe, nos dois últimos versos aparece a importância dos

livros na vida do compositor representando a “radiação13 de um corpo negro14”, um

13 “radiação sf.1.Ato ou efeito de radiar. 2.Ondas ou energia luminosa, calorífera, etc.[Pl.:-ções] – Radiação cósmica de fundo. Cosm.Radiação difusa e isotrópica que permeia o universo e seria resultado da grande explosão [v. Teoria da grande explosão].”(Ferreira,2000,p. 578)

14 Kirchhoff introduziu a idéia de corpo perfeitamente negro, isto é, um corpo ideal, que não existe na

realidade, pois absorve toda radiação que nele incide. Podemos imaginar um corpo negro como sendo uma caixa metálica, de material isolante térmico perfeito, com um pequeno orifício de onde são emitidas radiações idênticas à do corpo negro, à temperatura T que é mantida a caixa, pois devido à abertura mínima, qualquer radiação incidente ficará presa na cavidade da caixa, sendo absorvida por reflexões e absorções sucessivas. (http://fisica.cdcc.sc.usp.br/Professores/Einstein-SHMCarvalho/node6.html)

42

caminho novo a ser percorrido o qual o conduzirá ao mundo dos sentimentos, das

emoções e da razão15.

“Mas os livros que em nossa vida entraram

São como a radiação de um corpo negro

Apontando pra expansão do Universo”

Ao lermos sobre “A teoria da grande explosão”16 percebemos que Caetano

nos remete a ela, comparando os livros com a radiação provocada por essa suposta

teoria da expansão do Universo.

Podemos comparar a radiação penetrando em um corpo negro com uma

“chapa” de Raio X, ou seja, a radiação entra pelo corpo e é impressa em uma

“chapa” que antes da radiação era negra, depois apresenta pontos transparentes,

tornando fácil de enxergar o que há na parte interna do corpo. Assim, os livros que

apareceram na vida do emissor foram exatamente como essa radiação que abriu o

Universo para ele.

Percebemos que a primeira estrofe e a segunda são ligadas pelo primeiro

verso que fala da expansão do Universo já explicitada anteriormente.

Vejamos os próximos versos da segunda estrofe:

“Porque a frase,o conceito,o enredo, o verso

(E, sem dúvida, sobretudo o verso)

É o que pode lançar mundos no mundo”

15 Os três níveis básicos de leitura: sensorial,emocional e racional. (MARTINS,1994,p.37) 16Como uma conseqüência da "Grande Explosão" que deu origem ao universo, vemos todo o universo em expansão. O Super Aglomerado Local é também avizinhado em todas as direções por outros aglomerados e super aglomerados, que se movem afastando-se uns dos outros. Quanto mais distante um corpo se encontra de outro, maior essa velocidade de afastamento. Através do horizonte observável detectamos, além de uma radiação uniforme também proveniente da "Grande Explosão Cósmica", pontos de grande intensidade de radiação aos quais denominamos quasares. http://www.observatorio.ufmg.br/pas04.htm

43

O compositor deixa clara a idéia da construção de uma visão mais ampla do

mundo. Os livros, através das palavras que podem ser frases, conceitos, enredos e ,

segundo o compositor, “sobretudo o verso” abrem espaço para novas idéias e

concepções sobre a vida, lançam “mundo nos mundos”, ou melhor, fazem com que a

visão de mundo das pessoas se amplie.“Dá-nos a impressão de o mundo estar ao

nosso alcance; não só podemos compreendê-lo, conviver com ele, mas até modificá-

lo à medida que incorporamos experiências de leitura” (MARTINS, 1994,p.17)

Nos dois últimos versos da segunda estrofe:

“Tropeçavas nos astros desastrada

Sem saber que a ventura e a desventura

Dessa estrada que vai do nada ao nada

São livros e o luar contra a cultura”

Novamente Caetano trabalha com a intertextualidade com o texto de Orestes

Barbosa, as contradições da vida contidas nos livros que são expressas pela

antítese ventura/desventura ;a desilusão de muitas vezes não chegar a lugar algum

nada/nada.

Esses versos podem ser pensados como algo que alguém lê e essa leitura

não lhe traz conhecimento, mas só ilusão de uma vida que não existe (sempre com

final feliz). A antítese ventura/desventura pode estar ligada aos livros fugazes que o

compositor via nas mãos de sua mãe quando criança “Mas havia livros em minha

casa. Uns livros fugazes que sempre estavam nas mãos de minha mãe...”

(VELOSO,2001,p.43). Esses livros poderiam ser romances para mulheres da época

que serviam apenas de entretenimento, e por serem fugazes levavam quem os lia

“do nada ao nada”, não transmitiam cultura. No último verso da primeira estrofe o

compositor faz uma provocação afirmando que esses livros que fazem sonhar (luar)

são contra a cultura.

44

Na terceira estrofe, o compositor apresenta o poder que o livro pode exercer

sobre o ser humano que ultrapassa as coisas materiais e sentimentais (são objetos

transcendentes) e que pode despertar nosso amor, nossa indiferença ou o ódio:

“Os livros são objetos transcendentes

Mas podemos amá-los do amor táctil

E voltamos aos maços de cigarros

Domá-los , cultivá-los em aquários,

Ou lançá-los pra fora das janelas”

Quando o emissor fala sobre “amor táctil” faz alusão ao nível básico de leitura

sensorial que é o que faz com que tenhamos capacidade de sentir um livro com o

tato, com a visão, com a audição, com o olfato e com o gosto é o início do ato de

leitura: “Antes de ser um texto escrito, um livro é um objeto; tem forma, cor, textura,

volume, cheiro. Pode-se até ouvi-lo se folhearmos suas páginas.”

(MARTINS,1994,p.42)

Ao dizer que volta aos maços de cigarros a alusão é feita ao nível básico de

leitura racional, que implica na leitura de um texto intelectualmente, isso é,

entendendo o que lê sem se deixar levar pelas emoções. Dessa forma podemos

dizer que a intenção do emissor ao nos reportar supostamente, à advertência sobre

os malefícios do uso do cigarro que depois que a mensagem foi lida e decodificada

se dissipa o abstrato (sensorial ou emocional) e permanece a escrita concreta

(racional) e a decisão de acatar a advertência ou não fica a critério do leitor.

“... a leitura racional acrescenta à sensorial e à emocional o fato de

estabelecer uma ponte entre o leitor e o conhecimento, a reflexão, a

reordenação do mundo objetivo, possibilitando-lhe, no ato de ler, atribuir

significado ao texto e questionar tanto a própria individualidade como o

universo das relações sociais. E ela não é importante por ser racional, mas

por aquilo que seu processo permite, alargando os horizontes de

expectativa do leitor e ampliando as possibilidades de leitura do texto e da

própria realidade social.” (MARTINS, 1994,p.66)

45

Quando o emissor fala que podemos “Domá-los, cultivá-los em aquários”

refere-se ao nível básico de leitura emocional que é o nível em que soltamos nossa

imaginação e deixamos nossos sentimentos nos guiarem, mesmo que no futuro nos

arrependamos.

“Na leitura emocional emerge a empatia, tendência de sentir o que

se sentiria caso estivéssemos na situação e circunstâncias experimentadas

por outro, isto é, na pele de outra pessoa, ou mesmo de um animal, de um

objeto, de um personagem de ficção. Caracteriza-se, pois, um processo da

participação efetiva numa realidade alheia, fora de nós. Implica

necessariamente disponibilidade, ou seja, predisposição para aceitar o que

vem do mundo exterior, mesmo se depois viermos a recharçá-lo.”

(MARTINS, 1994, p.51, 52)

O quarto verso da terceira estrofe, além de apresentar-nos o nível de leitura

emocional, não deixa de ser uma provocação às pessoas que por acharem um livro

de difícil entendimento ou mesmo por preguiça não o lêem, o emissor sugere que o

leitor “dome o livro como se fosse um animal”, que tenha coragem para ler. Ao falar

sobre “cultivá-los em aquários” nos reportamos a um tempo em que os livros nunca

eram lidos, serviam de enfeites em estantes que tinham portas de vidro para que

ficassem à mostra, era “moda”.

No verso a seguir, Caetano nos conduz à época da repressão à leitura na

Contra-Reforma quando em 1943 foi lançada uma lista de livros proibidos, o Índex17

“Em estantes, gaiolas, em fogueiras”

17Em 1943 o papa Paulo III mandou redigir o Índex – Catálogo de leitura proibida aos fiéis, por serem

perniciosos à fé.(PAZZINATO, 1997,p. 69)

46

Os livros nessa época eram encerados em estantes de bibliotecas e num ato

extremo eram queimados em praça pública por serem considerados

indecentes,leituras que depunham contra a moral e os bons costumes da época. O

emissor mostra-se contrário a essa idéia,isso fica claro com o próximo verso no qual

o compositor mostra seu anseio pela liberdade de expressão:

“Ou lançá-los para fora das janelas”

Nessa mesma estrofe, podemos encontrar um verso que representa a

realidade (ficcional) que os livros nos proporcionam, liberta-nos do desespero da

realidade pessoal que nos livra de nos lançarmos fora das janelas.

“(Talvez isso nos livre de lançarmo-nos)”

Em seguida o livro é desmistificado, pois qualquer um tem liberdade de se

expressar adequadamente, mas muitas pessoas escrevem e publicam livros sem se

preocuparem se seu conteúdo será útil para alguém a não ser pra si mesmo.

“Podemos simplesmente escrever um:

Encher de vãs palavras muitas páginas

E de mais confusão as prateleiras”

Os versos abaixo configuram um intertexto com os versos de Orestes

Barbosa na canção “Chão de estrelas” que já foi explicitada no início desta análise.

“Tropeçavas nos astros desastrada

Mas para mim foste a estrela entre as estrelas”

47

Nesses versos há um interlocutor: tu (mulher) e dão a idéia de uma vida

simples, pautada pelo amor, a mulher, a música e pelos livros que são onipresentes

na vida do compositor.

Caetano extraiu da canção de Orestes Barbosa a idéia transmitida por seus

versos mais expressivos que são os três últimos:

“E tu pisavas nos astros distraída

Sem saber que a ventura desta vida

É a cabrocha, o luar e o violão”

A intertextualidade apresentada na análise dessa canção deixa bem clara a

importância da intertextualidade e principalmente o conhecimento de mundo do

emissor que uniu Poesia, História, Química e Física em um texto ímpar.

Como se pôde observar, além de contribuir para um texto criativo e

conseqüentemente atraente, a intertextualidade resgata textos, os quais muitas

vezes caem no esquecimento ou são desconhecidos para muitos.

A intertextualidade pressupõe um universo cultural muito amplo e complexo,

pois implica a identificação de alusão a outros textos literários ou não, textos mais ou

menos conhecidos, além de exigir de seu interlocutor a capacidade de interpretar

buscando respostas em sua memória discursiva.

3.1.2 Texto 2 “Sou seu sabiá”

Agora se verá um exemplo de intertextualidade que ultrapassa as

expectativas de um texto poético, pois, magistralmente, Caetano Veloso une texto

verbal e não-verbal na canção “Sou seu sabiá” do disco Noites do Norte de 2000.

Sou seu sabiá

48

Se o mundo for desabar sobre a sua cama

E o medo se aconchegar sob o seu lençol

E se você sem dormir

Tremer ao nascer do sol

Escute a voz de quem ama

Ela chega aí

Você pode estar tristíssimo no seu quarto

Que eu sempre terei meu jeito de consolar

É só ter alma de ouvir

E coração de escutar

Eu nunca me canso do uníssono com a vida

Eu sou

Sou seu sabiá

Não importa onde for

Vou te catar

Te vou cantar

Te vou, te vou, te vou, te dar

Eu sou

Sou seu sabiá

O que eu tenho eu te dou

Que tenho a dar?

Só tenho a voz

Cantar, cantar, cantar, cantar

Essa canção é composta por vinte e três (23) versos e quatro (4) estrofes.

Nesse texto pode-se fazer uma interface com Gonçalves Dias, que imortalizou

o canto do sabiá, ave símbolo nacional desde outubro de 200218, no poema “Canção

do exílio”, usado inúmeras vezes em paráfrases, paródias e citações. Vejamos os

primeiros versos do poema:

18 DECRETO DE 3 DE OUTUBRO DE 2002. Publicado no D.O.U. de 4.10.2002.

49

“Minha terra tem palmeiras,

Onde canta o Sabiá;

As aves, que aqui gorjeiam,

Não gorjeiam como lá.” (Gonçalves Dias, 1843)

Dentro do texto ‘Sou seu sabiá”, o enunciador (eu lírico) aparece com um

diálogo mascarado e somente uma voz se faz ouvir, pois a do enunciatário (o

receptor) é abafada. “ A importância do organismo criador interno não é a mesma

em todos os gêneros poéticos, ela é máxima na poesia lírica” (BAKHTIN, 1988,p.67)

O enunciador, “organismo criador” nas palavras de Bakhtin, coloca-se diante

do enunciatário e busca sua adesão através da persuasão, construída na suposição

de problemas iminentes e soluções possíveis para esses problemas. O texto assume

uma nítida intensão argumentativa, já que o desejo do “eu lírico” é convencer a

mulher amada a aceitar seu amor.

Vejamos como exemplo a primeira estrofe do texto:

“Se o mundo for desabar

sobre a sua cama

e o medo se aconchegar

sob seu lençol

se você sem dormir

tremer ao nascer do sol

escute a voz de quem ama

ela chega aí.”

A suposição de algum problema iminente pode ser vista principalmente pela

hipérbole “se o mundo for desabar/ sobre sua cama”, que revela um amor carnal,

visto que, fala-se de elementos que pertencem ao universo desse tipo de amor (

cama, lençol). A solução para este problema é dada ao enunciatário somente se ele

escutar a voz de quem ama.

Tudo se concentra na expectativa da superação de um estado melancólico do

enunciatário (nos primeiros versos). Trata-se de um tempo parado que precisa se

50

distender e essa transição vem sintetizada no verso seguinte no qual o enunciador

expõe seus sentimentos e se coloca à disposição do enunciatário, para ajudá-lo a

solucionar o problema com a razão e com o coração.

Em Bakhtin, o sujeito tem um projeto de fala que não depende só de sua

intenção, mas que depende do “outro” (primeiro o “outro” com quem fala; depois o

“outro”, ideológico porque é tecido por outros discursos do contexto). O sujeito de

Bakhtin se constitui na e através da interação e se reproduz na sua fala e na sua

prática o seu conceito imediato e social.

A palavra não é monológica, mas plurivalente, e o dialogismo, uma condição

constitutiva do sentido. Portanto, não haveria sentido e não seria possível o texto

ser escrito pelo enunciador e dirigido a ele mesmo, pois, mesmo sendo monológico,

um texto sempre busca um interlocutor.

O dialogismo na canção é explicitado pelo verso em que o enunciador se

dirige diretamente ao interlocutor:

“Que tenho a dar ?”

O enunciador do texto analisado apresenta uma metáfora dizendo ser o sabiá

que possui um canto melodioso e nostálgico e que canta no tempo do amor: a

primavera19.

O texto é narrado em primeira pessoa num discurso direto e dirige-se a uma

segunda pessoa.

“Que eu sempre terei

meu jeito de consolar”

“Se o mundo for desabar

sobre a sua cama

e o medo se aconchegar

sob seu lençol”

19 Popular por seu canto nostálgico, triste e saudoso, a Majestade O Sabiá tem sido lembrado na literatura brasileira pelos poetas José de Alencar, Gonçalves Dias, Chico Buarque de Holanda, entre outros, como pássaro que canta no tempo do amor: a primavera. http://www.cagedor.com.br/index.php?id=perfil

51

Os pontos de indeterminação (vazios) do texto aparecem já nos primeiros

versos com a utilização do pronome Se que indica uma situação condicional e cria

uma expectativa sobre o desfecho do texto, atiçando a curiosidade do leitor para

chegar ao final do texto,saber o final da “estória”.

O leitor participa na construção, preenchendo os pontos de indeterminação do

texto de acordo com seus conhecimentos prévios e sua imaginação, é o prazer da

”poiesis” de que nos fala Jauss:

A poiesis corresponde ao prazer estético decorrente da participação do leitor na compreensão do texto, pois ajuda a construi-lo, preenchendo seus vazios, completando e presentificando a significação textual através de suas projeções pessoais. ( cap. 1)

O texto que estamos analisando traz, em todo seu conteúdo, como já foi dito,

situações hipotéticas que buscam a superação de um estado melancólico do

enunciatário causado supostamente por uma desilusão amorosa, para isso o

enunciatário cria a “história” do texto de acordo com sua bagagem cultural e busca

soluções para os problemas apresentados.

As hipóteses levantadas pelo enunciador chegam a dois problemas: medo e

tristeza.

A primeira hipótese, o medo, pode-se detectar nos versos:

“Se o mundo for desabar

sobre a sua cama

e o medo se aconchegar

sob seu lençol

se você sem dormir

tremer ao nascer do sol”

A segunda hipótese, a tristeza, é explicitada claramente pelo adjetivo

superlativo absoluto sintético tristíssimo.

“Você pode estar

tristíssimo no seu quarto”

52

As duas hipóteses conduzem o enunciatário, através do preenchimento de

pontos indeterminados (o não-dito) e o que está dito, a uma situação depressiva e

cria um clima melancólico. O enunciador apresenta soluções irrecusáveis que

envolvem sentimentos profundos, capazes de curar qualquer enfermidade da alma e

do coração.

“É só ter alma de ouvir

e coração de escutar”

Os verbos ouvir e escutar apresentam sentidos diferentes, o segundo trata-

se apenas do ato passivo de escutar uma mensagem sem decodificá-la, enquanto o

primeiro, além de decodificar a mensagem, apresenta uma interpretação do seu

sentido completo, o entendimento da mesma.

Lendo esses versos vemos a intertextualidade implícita com o texto de Olavo

Bilac:

Via Láctea

Ora (direis) ouvir estrelas! Certo

Perdeste o senso! E eu vos direi, no entanto,

Que, para ouvi-las, muita vez desperto,

E abro as janelas, pálido de espanto...

E conversamos toda a noite enquanto

A via láctea, como um pálio aberto,

Cintila. E ao vir do Sol, saudoso e em pranto

Inda as procuro pelo céu deserto.

Direis agora: "Tresloucado-amigo!

Que conversas com elas? Que sentido

Têm o que dizem, quando estão contigo?"

E eu vos direi: "Amai para entendê-las!

53

Pois só quem ama pode ter ouvido

Capaz de ouvir e entender estrelas."

Olavo Bilac20

Como pudemos ler e analisar, Bilac apresenta o verbo “ouvir” como condição

essencial para “entender” as estrelas no poema acima. Caetano na canção que

estamos analisando fala dessa mesma condição quando diz: “É só ter alma de ouvir/

e coração de escutar”. Suas condições são mostradas de maneira sutil, porém com

muita profundidade e, sem dúvida, extrema sensibilidade. Somente quem é sensível

é capaz de “ouvir” e “entender” estrelas, o mesmo acontece com quem é capaz de

“ouvir” e “entender” o canto do sabiá.

No verso seguinte:

“E nunca me farto

do uníssono com a vida”

Demonstra-se uma maneira plena de viver, em que a vida e o enunciador

caminham em um só ritmo (em um só som), sem deixar-se envolver pelo “coro de

contrários” que fazem com que pessoas desafinem muitas vezes.

Nas duas últimas estrofes, há a transição do estado de expectativa do leitor

para a superação dessa expectativa.

“Eu sou seu sabiá

não importa

onde for vou te catar

te vou cantar te vou

te vou te vou te vou

Eu sou, sou seu sabiá

20http://www.mundocultural.com.br/index.asp?url=http://www.mundocultural.com.br/literatura1/parnasianismo/bilac.htm

54

O que eu tenho eu te dou

e tenho a dar

só tenho a voz

cantar, cantar, cantar.”

Através da disposição das palavras utilizadas pelo enunciatário afirmando que

independente do local que seu objeto de desejo estiver, ela também estará e o

buscará com seu canto. Percebe-se essa idéia pelo verbo catar21 que também tem

significado de ficar à espreita, estar atendo, nesse caso, de ficar à espera da

necessidade do interlocutor.

Ao ler o texto, percebe-se a onomatopéia do canto de um sabiá pelo uso de

verbos que fazem a melodia do texto: catar, cantar e dar e vou (repetidos). Essa

característica de musicalidade é comparada às cantigas medievais do

trovadorismo22, mais especificamente às cantigas de amor que focalizam as idéias e

sentimentos dos cavaleiros a cerca da mulher amada.

Ao ouvir-se a declamação do poema musical, percebe-se a onomatopéia

somada à sinestesia que faz com que se tenha uma sensação sublime e bucólica, é

a katharsis que faz com que o leitor se identifique com as emoções vividas pelos

actantes ( personagens) do texto ficcional.

A katharsis é a possibilidade de identificação do leitor com as personagens,conflitos e idéias transmitidas pelo texto. O leitor vê-se retratado nos dramas vividos pelas personagens; sente-se liberto dos seus problemas cotidianos e imerso na ficção, o que o faz voltar-se sobre si mesmo e identificar-se com as emoções vividas pelos actantes da trama ficcional. (Cap.1)

Percebe-se, então, a grande criatividade e sensibilidade do autor e

principalmente sua memória discursiva, ele usa a intertextualidade imitando o canto

do pássaro com palavras e estabelece um conluio com o receptor que, num primeiro

momento sente-se inserido no próprio texto, um co-autor que preenche os vazios e

brancos da canção e, num segundo momento, experimenta uma relação catártica

21 catar, v.t. Buscar, procurar; pegar; recolher um por um, ficar à espreita.(Bueno,1996,p.198) 22A poesia desta época compõe-se basicamente de cantigas, geralmente com acompanhamento de instrumentos (alaúde, flauta, viola, gaita etc.). Quem escrevia e cantava essas poesias musicadas eram os jograis e os trovadores. Estes últimos deram origem ao nome deste estilo de época português. (http://www.graudez.com.br/literatura/trovadorismo.html)

55

uma vez que se vê como ele mesmo um sabiá que se doa à pessoa amada e só

assim pode escapar da opressão que o domina.

Caetano Veloso coloca sutilmente sua capacidade de usar a língua para mostrar

que tudo é possível, desde que haja sensibilidade do leitor, inclusive para conseguir

ler o canto do sabiá.

3.1.3 Texto 3 - “Os argonautas”

No próximo texto, “Os argonautas”, do disco Caetano Veloso de 1.969,

configura-se uma intertextualidade constante com a poesia “Navegar é preciso” de

Fernando Pessoa, frisando os percalços da vida, a importância da travessia do

nascimento à morte do ser humano, o fazer (nossas necessidades cotidianas) que

nos leva a cumprir nossa sina, mais importante que o próprio viver.

Os argonautas

O barco, meu coração não agüenta

Tanta tormenta, alegria

Meu coração não contenta

O dia, o marco, meu coração

O porto, não

Navegar é preciso

Viver não é preciso

O barco, noite no céu tão bonito

Sorriso solto, perdido

Horizonte, madrugada

O riso, o arco da madrugada

O porto, nada

56

Navegar é preciso

Viver não é preciso

O barco, o automóvel brilhante

O trilho solto, o barulho

Do meu dente em tua veia

O sangue, o charco, barulho lento

O porto, silêncio

Navegar é preciso

Viver não é preciso

Nesse texto Caetano Veloso faz o resgate do poema “Navegar é preciso” de

Fernando Pessoa.

Navegar é preciso

Navegadores antigos tinham uma frase gloriosa:

"Navegar é preciso; viver não é preciso".

Quero para mim o espírito desta frase,

transformada a forma para a casar como eu sou:

Viver não é necessário; o que é necessário é criar.

Não conto gozar a minha vida; nem em gozá-la penso.

Só quero torná-la grande,

ainda que para isso tenha de ser o meu corpo e a (minha alma) a lenha desse fogo.

Só quero torná-la de toda a humanidade;

ainda que para isso tenha de a perder como minha.

Cada vez mais assim penso.

Cada vez mais ponho da essência anímica do meu sangue

o propósito impessoal de engrandecer a pátria e contribuir

para a evolução da humanidade.

57

É a forma que em mim tomou o misticismo da nossa Raça.

(PESSOA, 1986,p.15)

Fernando Pessoa utiliza-se também da intertextualidade, quando coloca a

frase que Pompeu, general romano, 106-48 aC., dita aos marinheiros,

amedrontados, que recusavam viajar durante a guerra (cf. Plutarco, in Vida de

Pompeu) “Navigare necesse; vivere non est necesse”23.

Fernando Pessoa utiliza o signo preciso como sinônimo de precisão, exatidão,

pontualidade.Usa somente o espírito da frase de Pompeu:“Quero para mim o espírito

dessa frase”, ou seja, utiliza apenas a idéia transmitida por Pompeu e dá seu

significado particular ao signo preciso.

No poema “Navegar é preciso” Fernando Pessoa diz que a vida, que não

passa de uma tênue teia, pode ser vivida com intensidade a cada momento, não lhe

importa viver muitos anos, o que realmente importa é o que pode fazer da vida para

torná-la “grande” e, conseqüentemente, imortal. Caetano trabalha com o texto de

Pessoa e mostra que a vida não é simples de ser vivida, mas os seres humanos, “os

navegadores”, devem conduzi-la da melhor maneira possível.

A canção de Veloso divide-se em seis (6) estrofes, sendo três delas o refrão:

“Navegar é preciso

Viver não é preciso”

A força da repetição instiga o interlocutor para as necessidades de batalhar,

perseguir ideais, atravessar a vida, cumprir seu caminho e, principalmente, ser parte

da humanidade, contribuir para torná-la grande.

Caetano compartilha dos sentimentos de Fernando Pessoa que coloca sua

vida e sua alma à disposição dos dissabores do mundo, sabendo que o tempo é

inexorável.

23 http://www.secrel.com.br/JPOESIA/fpesso05.html

58

Ao navegar, o marinheiro orienta-se pela bússula, enquanto a vida pode nos

surpreender a cada dia com problemas que podem mudar o “curso” da nossa

existência, é preciso enfrentar a travessia através de realizações, de feitos que nos

permitam permanecer para além da vida.

Pessoa fala sobre sua alegria de viver e tornar a vida uma “criação”,

colocando-se como peça fundamental nesse processo, nem que seja num tempo

diminuto.

“Não conto gozar a minha vida; nem em gozá-la penso.

Só quero torná-la grande;

ainda que para isso tenha que ser o meu corpo e a (minha alma) a lenha

desse fogo.”

Veloso fala sobre algo que escapa à precisão científica e à certeza do

experimento. O barco não é o limite, mas uma precisão, e o coração transborda e se

inquieta. É a inquietação que faz com que o sujeito se depare com suas incertezas e

o seu vazio, próprio do ser humano; e é aí que aparecem as paixões e os amores, o

discurso do poeta fala sobre a falta de precisão da vida que o conduz por caminhos

tortuosos.

“O barco, meu coração não agüenta

tanta tormenta...”

3.1.4 Texto 4 “José”

Na canção que veremos a seguir, cujo nome é “José” do disco homônimo de

1987, pela gravadora Polygram, a intertextualidade explícita é feita com o texto

bíblico “José, vendido pelos irmãos” (Gn 37, 2 – 36), há também uma

intertextualidade implícita com o poema de Carlos Drummond de Andrade “José”,

cujo interlocutor passa por uma agonia semelhante à de seus homônimos da Bíblia e

de Caetano. Vejamos o poema de Drummond:

59

José E agora, José? A festa acabou, a luz apagou, o povo sumiu, a noite esfriou, e agora, José? e agora, Você? Você que é sem nome, que zomba dos outros, Você que faz versos, que ama, protesta? e agora, José? E agora, José? sua doce palavra, seu instante de febre, sua gula e jejum, sua biblioteca, sua lavra de ouro, seu terno de vidro, sua incoerência, seu ódio, - e agora? Com a chave na mão quer abrir a porta, não existe porta; quer morrer no mar, mas o mar secou; quer ir para Minas, Minas não há mais. José, e agora? Se você gritasse, se você gemesse, se você tocasse, a valsa vienense, se você dormisse, se você cansasse, se você morresse.... Mas você não morre, você é duro, José! Sozinho no escuro qual bicho-do-mato, sem teogonia, sem parede nua para se encostar,

60

sem cavalo preto que fuja do galope, você marcha, José! José, para onde?24

A parábola “José, vendido pelos irmãos” fala sobre José, filho de Jacó, o mais

jovem dos doze filhos que fora vítima de inveja dos irmãos por ser o mais amado

pelo pai e por saber interpretar sonhos.

Certa vez, quando foi apascentar o rebanho com seus irmãos, esses tiveram

idéia de matá-lo, mas foram dissuadidos por um deles chamado Rúben que sugeriu

que José fosse jogado em uma cisterna, para que houvesse tempo de buscar ajuda

e salvá-lo das mãos dos irmãos invejosos, porém, ao voltar com ajuda, José já havia

sido vendido para os egípcios como escravo.

Vejamos agora, a canção de Caetano:

José

Estou no fundo do poço

Meu grito

Lixa o céu seco

O tempo espicha mas ouço

O eco

Qual será o Egito que responde

E se esconde no futuro?

O poço é escuro

Mas o Egito resplandece

No meu umbigo

E o sinal que vejo é esse

De um fado certo

Enquanto espero

Só comigo e mal comigo

No umbigo do deserto

24 http://www.culturabrasil.pro.br/cda.htm#jose

61

Essa canção é composta por quinze (15) versos em uma só estrofe.

Como se pode analisar, Caetano descreve a suposta agonia de José em uma

situação sem perspectiva de solução, comparando-a com a sua e do ser humano em

geral, enquanto estava no fundo de uma cisterna (poço), no meio do deserto, sem

suas roupas e imagina um sonho (eco) de José que diz que o Egito é seu futuro, o

que realmente acontece na história bíblica, quando ele é vendido aos egípcios pelos

irmãos e para lá é levado. O nome próprio José, e o que os versos vão colocando a

seu respeito, atribuem a este José de Caetano, aspectos que nos remetem ao José

Bíblico. No entanto, este é um José que se aproxima do outro mas que compartilha

das dores de qualquer “José” nas mesmas circunstâncias. Isto comprova-se por

exemplo no verso em que o Egito deixa de ser particular,específico, para se tornar

um lugar universal: o lugar da incerteza, da dúvida – “Qual será o Exito que

responde / E se esconde no futuro?”

“Estou no fundo do poço

Meu grito

Lixa o céu seco

O tempo espicha mais ouço

O eco”

Nos versos acima, o compositor utiliza a primeira pessoa do singular através

dos verbos “Estou/ Meu/ ouço”, em seguida os versos são dirigidos ao seu

interlocutor, então aparece o dialogismo:

“Qual será o Egito que responde

E se esconde no futuro?”

Outro fato que evidencia a intertextualidade com o texto bíblico é a citação de

um sinal dizendo que terá muita tristeza no Egito.

62

“E o sinal que vejo é esse

De um fado certo

Enquanto espero

Só comigo e mal comigo

No umbigo do deserto”

O “fado certo” refere-se à sua prisão na narrativa bíblica, por não querer

deitar-se com a mulher do Faraó que, ao ser rejeitada cria uma mentira, dizendo ao

Faraó que José havia tentado violentá-la.

A intertextualidade implícita com o poema de Drummond é vista justamente

na agonia de um José que pode ser qualquer ser humano que se vê em uma

situação sem saída. Drummond trabalha com dialogismo em todo seu poema

perguntando a seu interlocutor: “E agora José?”

Outra intertextualidade não pode deixar de ser feita, é com relação à obra de

José Saramago, mesmo sabendo que Caetano Veloso não pôde utilizar-se do livro

“Evangelho segundo Jesus Cristo” de José Saramago, que foi escrito em 1.991;

portanto, posterior à letra escrita por Caetano, essa leitura, que também merece ser

considerada, somente poderá ser feita pelo leitor que tem conhecimento dessa obra

de Saramago.

Trata-se da passagem em que José está no meio do deserto com Maria e

Jesus, dentro de uma caverna escura, e pode ouvir os gritos de horror diante de um

fato que já sabia que iria acontecer, a matança de meninos com menos de três anos,

autorizada por Herodes; José carrega essa culpa pelo resto de sua vida.

... alguém gritara na aldeia, um grito agudíssimo que nem parecera de uma

voz humana , e logo depois os ecos pareciam ressoar de colina a colina, um

clamor de novos gritos e prantos encheu a atmosfera, não eram os anjos

chorando sobre a desgraça dos homens, eram os homens enlouquecendo

debaixo de um céu vazio ... No interior da cova o negrume podia-se palpar.

Maria tinha medo da escuridão, habituara-se ...3

3 Evangelho segundo Jesus Cristo. José Saramago, págs. 112 e 113.

63

Portanto a intertextualidade transcende o tempo e existe a partir do momento

em que o leitor tem maior ou menor memória discursiva. O tema central do

desespero é superado pela esperança, pelo “Egito” (futuro) que cada um de nós

poderá vir a ter.

3.1.5 Texto 5 “Outro retrato”

Agora veremos a intertextualidade na canção “Outro retrato” do disco

Estrangeiro de 1989, Poliygram.

Outro retrato

Minha música vem da

Música da poesia de um poeta João que

Não gosta de música

Minha poesia vem

Da poesia da música de um João músico que

Não gosta de poesia

O dado de Cabral

A descoberta de Donato

O fato, o sinal

O sal, o ato, o salto:

Meu outro retrato

O “Outro retrato”, sobre o qual fala Caetano, fundamenta-se em suas influências

poéticas e musicais. É o resgate de suas influências, de pessoas e idéias que

marcaram a sua vida e a sua música, sua música, sua voz, a expressão do seu ser,

o seu modo de comunicar-se com o outro.

“Minha música vem da

64

música da poesia...”

Caetano inicialmente faz intertextualidade com João Cabral de Melo Neto que

é um poeta que não gosta de música, isso pode ser comprovado através de trechos

de entrevistas com críticas negativas e positivas, com o próprio autor, contidos nos

anexos desta dissertação.

Quando Caetano fala sobre um João que não gosta de poesia, podemos

imaginar que seja João Gilberto, amado e odiado pelo público por seus hábitos

peculiares, pois em seguida fala de João Donato, compositor, poeta e arranjador,

admirado e considerado por Tom Jobim como gênio e o único que João Gilberto

convidaria para tocar com ele. Assim, Caetano se reconhece com um amálgama de

poetas e músicos que vieram antes dele e que fazem parte de sua construção como

ser humano e músico, encarregado como todos os artistas de serem “porta vozes”

da humanidade.

3.1.6 Texto 6- “Língua”

A intertextualidade na canção a seguir é extremamente clara, ela é composta

inteiramente com referências a outros textos. Falamos da canção “Língua” do disco

Velô,1984 - Polygram.

Língua

Gosto de sentir a minha língua roçar a língua de Luís de Camões

Gosto de ser e de estar

E quero me dedicar a criar confusões de prosódia

E uma profusão de paródias

Que encurtem dores

E furtem cores como camaleões

Gosto do Pessoa na pessoa

Da rosa no Rosa

E sei que a poesia está para a prosa

Assim como o amor está para a amizade

E quem há de negar que esta lhe é superior?

E deixe os Portugais morrerem à míngua

65

"Minha pátria é minha língua"

Fala Mangueira! Fala!

Flor do Lácio Sambódromo Lusamérica latim em pó

O que quer

O que pode esta língua?

Vamos atentar para a sintaxe dos paulistas

E o falso inglês relax dos surfistas

Sejamos imperialistas! Cadê? Sejamos imperialistas!

Vamos na velô da dicção choo-choo de Carmem Miranda

E que o Chico Buarque de Holanda nos resgate

E – xeque-mate – explique-nos Luanda

Ouçamos com atenção os deles e os delas da TV Globo

Sejamos o lobo do lobo do homem

Lobo do lobo do lobo do homem

Adoro nomes

Nomes em ã

De coisas como rã e ímã

Ímã ímã ímã ímã ímã ímã ímã ímã

Nomes de nomes

Como Scarlet Moon de Chevalier, Glauco Mattoso e Arrigo Barnabé

e Maria da Fé

Flor do Lácio Sambódromo Lusamérica latim em pó

O que quer

O que pode esta língua?

Se você tem uma idéia incrível é melhor fazer uma canção

Está provado que só é possível filosofar em alemão

Blitz quer dizer corisco

Hollywood quer dizer Azevedo

E o Recôncavo, e o Recôncavo, e o Recôncavo meu medo

A língua é minha pátria

66

E eu não tenho pátria, tenho mátria

E quero frátria

Poesia concreta, prosa caótica

Ótica futura

Samba-rap, chic-left com banana

(– Será que ele está no Pão de Açúcar?)

– Tá craude brô

– Você e tu

– Lhe amo

– Qué queu te faço, nego?

– Bote ligeiro!

– Ma’de brinquinho, Ricardo!? Teu tio vai ficar desesperado!

– Ó Tavinho, põe camisola pra dentro, assim mais pareces um espantalho!

– I like to spend some time in Mozambique

– Arigatô, arigatô!)

Nós canto-falamos como quem inveja negros

Que sofrem horrores no Gueto do Harlem

Livros, discos, vídeos à mancheia

E deixa que digam, que pensem, que falem

A riqueza plural da língua portuguesa falada em nosso país de extrema

importância no processo de comunicação é apresentada nessa canção de maneira

magistral. Ao ser declamada ou cantada a canção “Língua” deixa seu emissor e

conseqüentemente seu receptor que esteja atento, “sem fôlego” por sua beleza

estética e sua riqueza de informações que não podem ser assimiladas com uma

única leitura.

Caetano utiliza-se da intertextualidade nessa canção para falar da Língua

Portuguesa que recebeu influência da miscigenação de raças que deu origem ao

povo brasileiro e ocorre até hoje pelos estrangeirismos oriundos da aquisição de

novas tecnologias.

A identificação da intertextualidade fica clara nas citações de nomes

completos ou sobrenomes: Luís de Camões; Pessoa (Fernando Pessoa); Rosa

67

(Guimarães Rosa); Carmem Miranda; Chico Buarque de Holanda; Moon de

Chevalier; Glauco Mattoso; Arrigo Barnabé; Maria da Fé e Azevedo (Alinor

Azevedo).

Caetano reúne nessa canção nomes de artistas de diferentes áreas culturais,

nacionais e internacionais que requerem atenção do leitor para identificar cada um

deles e paciência para pesquisar, caso desconheça algum deles, e isso o torna um

excelente material para análise, pois o adolescente entra em contato com algo que

até então era desconhecido, aumentando assim, sua capacidade discursiva.

No primeiro verso da canção o enunciador faz uma alusão a Luís Vaz de

Camões considerado um dos maiores poetas da língua portuguesa. Seu propósito é

mostrar a beleza da língua (há ‘gosto’) em falar nossa língua:

“Gosto de sentir minha língua roçar a língua de Luís de Camões”

Os três versos seguintes apresentam algumas possibilidades de se “brincar”

com a riqueza da língua portuguesa e isso pode ser comprovado pelas palavras:

confusão26e profusão27 que tem como um dos sinônimos a palavra exuberância.

“Gosto de ser e de estar

E quero me dedicar a criar confusões de paródias

E uma profusão de paródias”

As palavras têm poder tanto de consolar as pessoas como de arrasá-las, de

persuadi-las ou dissuadi-las, então, sobre isso, Caetano diz:

“Que encurtem dores

E furtem cores como camaleões”

Ao dizer “furtem cores como camaleões” o enunciador apresenta a

versatilidade da nossa língua, que é diferente da língua falada em Portugal, na qual

o significante (palavra) pode adquirir vários significados, dependendo do contexto

em que é colocado e da intenção de quem escreve ou fala, para persuadir seu

receptor.

26 Confusão,s.f. Ato ou efeito de confundir, baralhada;perplexidade; equívoco. 27 Profusão, s.f. Abundânca;exuberância; exagero. (Aurélio,1987)

68

Nos versos seguintes Caetano faz referência a dois grandes escritores

Fernando Pessoa, que escrevia por meio de seus muitos heterônimos, dividindo-se

em diversas vozes poéticas e João Guimarães Rosa, que em “Grandes sertões

veredas” criou a personagem Diadorim, que a princípio assumia papel masculino

para poder lutar entre homens e no final do livro é descoberta como uma mulher.

“Gosto do Pessoa na pessoa

Da rosa no Rosa”

A seguir temos versos que em 2004 Arnaldo Jabor inspirou-se para nomear

seu livro “Amor é prosa, Sexo é poesia”28 com a seleção de suas melhores crônicas

afetivas. Posteriormente, na composição musical “Amor e Sexo”29 com Rita Lee e

Roberto de Carvalho o escritor utilizou-se das mesmas palavras nos versos:

“Amor é prosa

Sexo é poesia”

No 12º verso Caetano afirma a superioridade da língua portuguesa falada no

Brasil apoiado no 8º , 9º e 10º versos da canção: “Da Rosa no Rosa/ E sei que a

poesia está pra prosa/ Assim como o amor está para a amizade”

Caetano faz uma provocação a seu receptor questionando:

“E quem há de negar que esta lhe é superior?”

Este questionamento se refere aos versos que apresentam a equação:

poesia/prosa, amor/ amizade.

Caetano se refere à poesia contida na prosa de Guimarães Rosa mostrando a

superioridade dessa, à língua nacional, confirmando tal efeito de sentido pelo 12º

verso: “E deixem os portugais morrerem à míngua”.

28 http://www.planetanews.com/produto/L/56289 29 http://www.ritalee.com.br/novo_cd_2004/musicas.asp

69

Caetano “dialoga” com seus receptores e sabe que a pergunta feita é

provocativa, pois nem todos compartilharão de suas idéias e conclusões.

No verso abaixo Caetano faz intertextualidade com o seguinte verso:”A

minha pátria é a língua portuguesa” do Livro do Desassossego de Bernardo

Soares considerado um semi-heterônimo de Fernando Pessoa por ser muito

parecido com Álvaro de Campos, segundo carta de 1935 a Adolfo Casais Monteiro,

Pessoa justifica o porquê de não o considerar como os outros:

«O meu semi-heterónimo Bernardo Soares, que aliás em muitas coisas se parece com Álvaro de Campos, aparece sempre que estou cansado ou sonolento, de sorte que tenha um pouco suspensas as faculdades de raciocínio e de inibição; aquela prosa é um constante devaneio. É um semi-heterónimo porque, não sendo a personalidade a minha, é, não diferente, mas uma simples mutilação dela. Sou eu menos o raciocínio e a afectividade. A prosa, salvo o que o raciocínio dá de ténue à minha, é igual a esta, e o português perfeitamente igual [.....] »30

O verso de Caetano diz:

“Minha pátria é minha língua”

Em seguida o emissor utiliza-se do dialogismo num discurso muito repetido

pelos puxadores de samba no nosso carnaval para incentivar os componentes da

escola de samba à animação,Caetano fala de uma das mais antigas escolas do Rio

de Janeiro, a “Mangueira”.

“Fala Mangueira!Fala!

Num dos versos mais intertextuais da canção:

“Flor do Lácio Sambódromo Lusamérica latim em pó”

Observaremos o verso em duas etapas:

30 http://www.navedapalavra.com.br/resenhas/livrododesassossego.htm

70

“Flor do Lácio31/ latim em pó”. A língua portuguesa é considerada a última “filha” do

latim e ao dizer “latim em pó” o emissor mostra a evolução e a fragmentação da

língua portuguesa em nosso país que originou “nossa língua portuguesa”.

Caetano utiliza-se do primeiro e do terceiro versos do poema de Olavo Bilac

“Língua Portuguesa” de 1964:

“Última flor do Lácio...,

Ouro nativo...”

A utilização da palavra Sambódromo é um neologismo remete-nos ao local

onde são realizadosos desfiles da festa mais popular do nosso país,o Carnaval.

Lusamérica remete-nos a mistura da nossa língua vinda de Portugal com o

estrangeirismo, principalmente da língua inglesa no Brasil.

Caetano utiliza-se de palavras em inglês colocando suas respectivas

traduções para o português no mesmo verso:

“ Blitz quer dizer corisco”

ou, como no exemplo seguinte, deixa que o leitor imagine que tipo de inglês é

falado pelos surfistas:

“...falso inglês relax dos surfistas”

ou ainda:

“Samba-rap, chic-left com banana”

31 O latim é um idioma original da região itálica do Lácio que ganhou grande importância por ser o idioma oficial do antigo Império

Romano. O latim deu origem a um grande número de línguas européias, denominadas românicas, ou neo-latinas, como o português,

espanhol, o francês, o italiano, o romeno, o galego, o occitano, o rético, o catalão e o dalmático - este, já extinto.

Durante séculos depois da queda do Império Romano, o latim continuou a ser utilizado em toda a Europa como língua culta.

Atualmente é idioma oficial na Cidade do Vaticano.

71

Faz uma brincadeira com as palavras misturando ritmos, relacionando samba

com o rap e fazendo um jogo de palavras que nos remetem ao grupo musical baiano

“Chiclete com Banana” ( chic-left com banana).

Cita Luanda, lembrando uma das origens do Carnaval do Brasil:

“E xeque-mate- explique-nos Luanda”

A rede de televisão mais importante do país, cuja influência é inevitável nos

hábitos da população do nosso país:

“Ouçamos com atenção os deles e os delas da TV Globo”

Nos versos:

“Se você tem uma idéia incrível é melhor fazer uma canção

Está provado que só é possível filosofar em alemão”

Caetano, segundo Luís Carlos Carpein8, não só achincalha com a pretensão

germânica de Heidegger, o pensador que acreditava só ser possível filosofar em

alemão, quanto exige profunda reflexão sobre o “poder da língua portuguesa” em

transformar filosofia em canção.

Quase no final da canção, o poeta dialoga (dialogismo) com seus

interlocutores, possivelmente amigos do Rio de Janeiro.

“- Será que estão no Pão de Açúcar?”

O diálogo dispensa a utilização da norma culta ao empregar a gíria “mano”

palavra originária de brothers, que em português significa irmãos, expressão vinda

dos guetos americanos que são marginalizados (há citação do Gueto do Harlem),

32 Nascido em Porto Alegre, Rio Grande do Sul, Brasil, é escritor, jornalista e professor. Já publicou ensaios e reportagens em jornais e revistas, além de ter desenvolvido, como bolsista do CNPQ e da Funarte/MEC, estudos sobre a crítica de arte nas revistas semanais de informação e sobre a ilustração na imprensa do Rio Grande do Sul.

72

mais especificamente das igrejas evangélicas onde os fiéis utilizam essa expressão

para se cumprimentarem.

O último verso da canção remete-nos ao primeiro rap genuinamente brasileiro

“Deixa isso pra lá” composto e cantado por Jair Rodrigues no disco “Vou de samba

com você” de 1964:

“Deixa que digam, que pensem, que falem”

Essa frase resume o que pensam Jair Rodrigues e Caetano Veloso sobre

comentários a respeito de suas atitudes e suas letras de canções.

Em entrevista à revista Cult, Caetano Veloso afirma que a canção

Língua nasceu da vontade de usar os procedimentos do rap como veículo para

“celebrar a língua portuguesa” falada no Brasil:

“Eu planejava então explorar um novo filão de textos declamados sobre base rítmica (mas uma base inventada por mim e meus amigos músicos, não uma reprodução do que faziam os americanos): seria um modo de ter mais liberdade para a poesia na música. E o tema de gostar de falar apareceu logo, o que me levou a celebrar a língua portuguesa, sugerindo reflexões sobre ela .”(VELOSO, 2001: 56).33

3.1.7 Texto 7- “Pra ninguém”

Sobre canção “Pra ninguém” do CD Livro de 1997, pela gravadora Polygran,

Caetano diz: “É uma lista do que eu gosto, uma lista quase acrítica. Só ao final é que

surge o João, acima de tudo, como a atitude crítica que rege tudo o mais, até o

gosto acrítico.”9

As palavras de Caetano são bem claras, fala de vários intérpretes e

compositores e classifica João Gilberto como o mais crítico de todos, faz

intetextualidade com os nomes das canções e seus respectivos interpretes, canções

que cantam, mas não compuseram.

Pra ninguém

33 http://www.inventario.ufba.br/02/d02/02eversilva.htm 33 Veloso, Caetano. Sobre as letras, pág.62

73

Nana cantando "Nesse mesmo lugar"

Tim Maia cantando "Arrastão"

Bethânia cantando "A primeira manhã"

Djavan cantando "Drão"

Chico cantando "Exaltação à Mangueira"

Paulinho, "Sonho de um carnaval"

Gal cantando "Candeias"

E Elis, "Como nossos pais"

Elba cantando "De volta pra o aconchego"

Sílvio cantando "Mulher"

E Elisete cantando "Chega de mágoa"

Carmen cantando "Adeus batucada"

Gilberto cantando "Sobre todas as coisas"

Cauby cantando "Camarim"

Orlando cantando "Faixa de cetim"

Milton, "O que será?"

Roberto, "A madrasta"

Bosco, "Rio de Janeiro"

E Dalva, "Poeira do chão":

Melhor do que isso só mesmo o silêncio

E melhor do que o silêncio só João

Nara cantando "Diz que fui por aí"

Marisa, "A menina dança"

Aracy cantando "A camisa amarela"

Amélia, "Boêmio"

Max, "Polícia"

Nora, "Menino grande"

Dolores, "Não se avexe não":

Melhor do que isso só mesmo o silêncio

Melhor do que o silêncio só João

74

Vamos à análise intertextual:

Nana Caymmi é filha de Dorival Caymmi Dori Caymmi, cantor e compositor

baiano.

A canção “Nesse mesmo lugar” sobre a qual se refere o texto é dos

compositores Klécius Caldas e Arnaldo Cavalcanti.

Sebastião Rodrigues Maia é compositor e violonista carioca. Em 1957 formou

o conjunto Os Sputniks, que tinha também entre seus integrantes Erasmo Carlos e

Roberto Carlos, tendo sido professor de violão de ambos.

A canção “Arrastão” foi composta por Edu Lobo e Vinícius de Morais.

Maria Bethânia é cantora e irmã do compositor e cantor Caetano Veloso.

”A primeira manhã”, na verdade, com título original “Na primeira manhã” é

composição de Alceu Valença.

Djavan, cantor e compositor Alagoano . Por sua originalidade e polinização de

suas canções, a única coisa que se pode prever a cada novo trabalho de Djavan é

sua versatilidade de tons.

Drão, canção composta por Gilberto Gil do disco “Um banda Um” de 1982.

Chico Buarque, além de cantor e compositor consagrado da MPB (Música

Popular Brasileira), trilhou com êxito o caminho da dramaturgia e incursionou pela

literatura ficcional. Uma das características marcantes de sua obra como letrista é a

verossimilhança com que retrata o imaginário feminino.

“Exaltação à Mangueira”, canção composta por Enéas Brittes e Silva e Aloísio

Augusto da Costa em 1955, foi lançada por Jamelão no carnaval de 1956.

Paulinho da Viola é um dos mais requintados compositores de samba em

atividade, letrista e instrumentista.

Sonho de um carnaval, canção composta por Chico Buarque de Holanda em

1965 e gravada no disco “Nervos de aço” de 1973 pela Odeon.

75

Gal Costa é uma das vozes mais afinadas da MPB (Música Popular Brasileira)

e considerada por Caetano Veloso a melhor cantora do Brasil.

A canção “Candeias” foi composta por Edu Lobo em 1967.

Elis Regina tornou-se conhecida nacionalmente em 1965, ao sagrar-se

vencedora do I Festival de Música Popular Brasileira da TV Excelsior, defendendo a

música "Arrastão" de Edu Lobo e Vinicius de Moraes.

A canção “Como nossos pais” é composição de Belchior dos anos 70 que foi

gravada por Elis Regina em 1971 e foi a alavanca da carreira do compositor, pois

posteriormente, vários artistas famosos interpretaram suas canções também.

Elba, cantora nordestina, teve como cartilha os mais diversos ritmos dessa

ensolarada região: baião, maracatu, xote, frevo, pastoril, caboclinhos e forrós.

Gêneros musicais que preservam a pureza ao mesmo tempo que criaram novas

dinâmicas na cultura popular e influenciaram toda a música brasileira.

“De volta pro aconchego”, citada por Caetano, tem como nome original “De

volta pro meu aconchego”, composição de Dominguinhos e Nando Cordel de 1985.

O cantor Sílvio Caldas foi o maior responsável pela consolidação da seresta

na música popular brasileira, tendo contribuído para o gênero também como

compositor nos anos 30. Por isso ele se tornou identificado como "O Seresteiro do

Brasil", epíteto ao qual se manteve fiel durante toda a sua longa carreira.

A canção “Mulher” de 1940 é composição de Custódio Mesquita e Sadi

Cabral.

Elizeth Cardoso foi uma das maiores divas da canção brasileira. Faleceu em 7

de maio de 1990.

“Chega de mágoa” foi uma composição coletiva ( Milton Nascimento, Djavan,

Rita Lee, Caetano Vesoso, Elisete Cardoso e outros), gravada no compacto simples

“Nordeste já” no ano de 1985, ano da solidariedade.

Carmem Miranda, cantora e atriz brasileira de origem portuguesa, nasceu em

9 de fevereiro de 1909 e faleceu em 5 de agosto de 1955. A gravação de 1935,

citada por Caetano, é de composição de Sinval Silva.

Gilberto Gil e Caetano Veloso revolucionam, com o Tropicalismo, toda a

música popular brasileira, com composições mais engajadas e políticas, ao contrário

da ingenuidade que a jovem guarda passava para a juventude de então. Em 1969 foi

76

exilado, juntamente com Caetano, devido a convicções políticas discordantes dos

então ditadores de plantão.

A canção “Sobre todas as coisas” é composição de Chico Buarque e Edu

Lobo de 1982 e foi composta para o balé “O grande circo místico”.

Cauby Peixoto foi um dos grandes ídolos da era do rádio em 1.954

perseguido pelas fãs. Sua imagem foi forjada para agradar: vestindo-se de maneira

extravagante para a época, e colocando trinados e versos inexistentes em suas

canções, criou um tipo diferente, obtendo sucesso imediato.

A canção “Camarim” é uma composição com letra de Hermínio Bello de

Carvalho e música de Cartola.

Orlando Silva, cantor da era do rádio, recebeu o “slogan” de “O cantor das

multidões” do radialista Oduvaldo Cozzi, depois de cantar em 1.938 para um público

de dez mil pessoas em São Paulo.

A canção “Faixa de cetim” de 1962 é composição de Ary Barroso.

Milton Nascimento é considerado, tanto no Brasil quanto no exterior, um dos

maiores cantores da música brasileira, além de ser um compositor consagrado, que

influenciou toda uma geração de músicos. Em 1998 ganhou o Grammy na categoria

A canção “O que será?” ou “À Flor da pele” é composição de Chico Buarque

de Hollanda de 1976.

Roberto Carlos, considerado o “REI” Da MPB (Música Popular Brasileira) foi

um dos primeiros ídolos jovens da cultura brasileira. Além do programa e dos discos,

estrelou filmes, inspirados no modelo lançado pelos Beatles nos anos 60.

A canção “A madrasta” ou somente “Madrasta” é composição de Beto

Ruschel e Renato Teixeira de 1968, está no disco “O inimitável” pela gravadora

CBS.

João Bosco é violonista, cantor e compositor mineiro e foi parceiro de grandes

nomes da MPB.

A canção “Rio de Janeiro” ou “Samba do avião” é composição de Tom Jobim

de 1962.

Dalva de Oliveira também da era do rádio foi eleita a “Rainha do rádio” em

1.951.

77

A canção “Poeira do chão” é composição de Armando Cavalcanti e Klécius

Caldas de 1952.(Em anexo: vida e obra dos cantores e compositores acima citados).

Nas canções analisadas, observamos a intertextualidade (o diálogo entre

diversos tipos de textos) e o dialogismo (Mikail Bakhtin) que fazem que consigamos

interagir com as canções, como receptores da palavra poética e da música de

Caetano. Para Bakhtin a língua se harmoniza em conjuntos, pois não é um sistema

abstrato de normas, mas sim uma opinião plurilíngüe concreta sobre o mundo e

assim as ideologias do autor e receptores encontram-se em horizontes e

expectativas comuns.

Caetano faz paráfrases e paródias e, para tanto, utiliza-se de grande

variedade de textos de várias épocas históricas (desde o Gênesis da bíblia,

passando por artistas até citações como nossa maior festa popular, o Carnaval),

exprimindo o que pensa através de letras poéticas e utilizam-se de seu vasto

repertório,onde se fundem o erudito e o popular, o clássico e a massa, encontrando

eco, em diferentes níveis nos repertórios de seus mais variados receptores.

Ao analisarmos a intertextualidade nas canções de Caetano Veloso podemos

constatar sua memória discursiva ilimitada. O talento do compositor é indiscutível,

suas citações vão desde o Gênesis da Bíblia Sagrada às gírias populares.

É de extrema importância que os leitores dos textos de Caetano Veloso

tenham uma boa memória discursiva, mas, se isso não for possível, é necessário

que haja disposição em adquiri-la através de pesquisas, para que a leitura seja

efetiva e os leitores consigam entender e interagir (dialogar) com eles, através dos

vazios deixados pelo compositor.

No capítulo seguinte, enfocamos a prática em sala de aula, ou seja, como

fazer das canções de Caetano instrumentos de motivação e estímulo para que os

alunos escrevam textos diversos, de dissertações a poesias, tendo como tema e

inspiração, as idéias, os sentimentos e as visões de mundo, auridas da análise das

canções de Veloso.

78

4 A MÚSICA COMO ESTRATÉGIA NA SENSIBILIZAÇÃO PARA A PRODUÇÃO

DE TEXTOS

4.1 A Música

“A mais simples canção popular imbuída de humanidade é poesia”35

Benedetto Croce

A música, como já dissemos em capítulo anterior, sempre esteve presente na

vida do ser humano é através dela que podemos contar a história da humanidade

resgatando costumes, crenças, medos e anseios de cada etapa vivida pelo receptor.

A música não tem fronteiras.

As canções de Caetano Veloso fazem parte da história política do nosso país,

representam toda uma geração incompreendida, no momento em que a ditadura

militar assolava nosso país. Essa geração consagrou o compositor como um de seus

líderes, aquele que dizia o que todos queriam dizer e não tinham coragem.

Em suas canções, Caetano era a voz de um povo oprimido.

Eu sou apenas um velho baiano

Um fulano, um caetano, um mano qualquer

Vou contra a via, canto contra a melodia

Nado contra a maré (VELOSO, 1989 )

Nesse trecho da canção “Branquinha” podemos dizer que existe

intertextualidade implícita com versos do poema “Morte e vida Severina” de João

Cabral de Melo Neto quando diz: “Eu sou apenas um velho baiano/ Um fulano, um

Caetano, um mano”. Observemos os versos de João Cabral de Melo Neto:

“O RETIRANTE EXPLICA AO LEITOR QUEM É E A QUE VAI” - O meu nome é Severino, como não tenho outro de pia.

35 http://geocities.yahoo.com.br/buscagratis/frasepoesia.html

79

Como há muitos Severinos, que é santo de romaria, deram então de me chamar Severino de Maria; como há muitos Severinos com mães chamadas Maria

fiquei sendo o da Maria do finado Zacarias. Mais isso ainda diz pouco: há muitos na freguesia, por causa de um coronel que se chamou Zacarias e que foi o mais antigo senhor desta sesmaria. ”36

Há intertextualidade também com uma tradução de Augusto de Campos de

um poema provençal de Arnaut Daniel que diz: “eu nado contra a maré”; com essas

palavras, Caetano expressa seu lugar de defensor da sociedade, diante de fatos

que vão contra a sua ideologia.

Na época da opressão do governo militar, Caetano escreveu várias canções,

um dos exemplos mais explícitos é a canção “Enquanto seu lobo não vem” do disco

“Tropicália” de 1968 que estabelece intertextos que propiciam o dialogismo entre o

autor e o receptor com o conto de fadas “Chapeuzinho vermelho”, no título e no

início do poema, remetendo à repressão militar, com a repetição do refrão “Os

clarins da banda militar”, numa canção política que incita aos protestos e à

revolução.

Vejamos a letra da canção na íntegra:

36 http://www.navedapalavra.com.br/resumos/morteevidaseverina.htm

80

Enquanto seu lobo não vem

Caetano Veloso

I

Vamos passear na floresta escondida, meu amor

Vamos passear na avenida

Vamos passear nas veredas, no alto meu amor

Há uma cordilheira sob o asfalto

II

(Os clarins da banda militar…)

A Estação Primeira da Mangueira passa em ruas largas

(Os clarins da banda militar…)

Passa por debaixo da Avenida Presidente Vargas

(Os clarins da banda militar…)

Presidente Vargas, Presidente Vargas, Presidente Vargas

(Os clarins da banda militar…)

III

Vamos passear nos Estados Unidos do Brasil

Vamos passear escondidos

Vamos desfilar pela rua onde Mangueira passou

Vamos por debaixo das ruas

IV

(Os clarins da banda militar…)

Debaixo das bombas, das bandeiras

(Os clarins da banda militar…)

Debaixo das botas

(Os clarins da banda militar…)

Debaixo das rosas, dos jardins

(Os clarins da banda militar…)

Debaixo da lama

(Os clarins da banda militar…)

Debaixo da cama

Estruturalmente a canção é composta, basicamente, da seguinte forma:

81

- A primeira estrofe da canção apresenta a figura de estilo anáfora nos

primeiros versos e uma conclusão no último verso, que configura a busca de

interação com o outro, representados pela namorada e pelo receptor que estão

todos contidos no sintagma “Vamos”, repetido com grande força semântica no início

dos versos;

- A segunda estrofe quebra essa estrutura com versos que se intercalam com

o refrão que aparece entre parênteses, quatro vezes, instaurando a idéia que se

concretiza do decorrer da canção (poema), de repressão militar que se apresenta

em todas as situações vividas pelo autor e pelos receptores de sua mensagem;

- A terceira estrofe é composta somente com a anáfora, sem nenhuma

conclusão, mostrando o percurso que nós todos somos convidados a seguir

reiteradamente reforçado pelo sintagma “Vamos”;

- A última estrofe segue a mesma estrutura da segunda estrofe, aumentando

a intensidade da repressão e dos perigos que o autor ( personagem) e todos nós

compartilhamos ao enfrentar a ditadura e as perseguições políticas da época.

A canção sugere que os amantes andem pela cidade nos subterrâneos para

se livrarem da repressão militar, sempre lembrada pela frase “(Os clarins da banda

militar)”, como vemos, sempre entre parênteses como se estivessem falando sobre

esse som num sussurro para não serem descobertos.

Caetano Veloso faz um comentário sobre essa canção no livro “Sobre as Letras”14 :

Uma música muito política, do período tropicalista. É uma incitação às

passeatas de protesto... Presidente Vargas é invocado aos brados! Apesar

do forte conteúdo político, os censores deixaram-na passar, porque não

entenderam nada... Aliás, a esquerda também não entendeu direito,

ninguém entendeu muito bem, e quem entendeu fingiu que não.

(VELOSO, 2003: 38)

Caetano queria mais. Queria inovar, chocar. De tão autêntico, chegou a ser

vaiado ao levar para o palco “É proibido proibir” na eliminatória paulista do 3º

Festival Internacional da Canção, no Teatro da Universidade Católica de São Paulo,

em 1968. No entanto, nada o derrubaria. Em 1969, depois de ser delatado, foi

14 Livros, canção do disco “Livro” de 1997.

82

mandado para o exílio em Londres, onde continuou compondo e participando da

vida de sua Terra, agora tão distante.

Portanto, são letras que por sua força histórica muito contribuem para a

educação do nosso país e quando usadas como estímulo à escrita,

automaticamente ajudam na formação de um cidadão mais crítico e principalmente

consciente.

4.2 Descrição das Estratégias Metodológicas da aplicação de canções como

tema de produção de textos

As canções que serão apresentadas como objeto de estudo neste capítulo

foram selecionadas de acordo com o interesse, o conhecimento prévio e a visão de

mundo de alunos de Escolas Públicas Estaduais do último ano do Ensino

Fundamental e do primeiro e terceiro anos do Ensino Médio, trata-se de um público

heterogêneo, com postura e interesses de adolescentes, massificados pelo

consumismo desenfreado de início do Século XXI, que visa sobretudo o “objeto” e

não a sua análise crítica, dentro desse contexto, as canções: “Livros”, “Sou seu

sabiá” e “Os argonautas”, foram as que mais se enquadraram na realidade sócio-

cultural desses alunos, conforme suas análises e comentários realizados em sala de

aula.

Tudo se reduz ao diálogo, a contraposição dialógica enquanto centro. Tudo

é meio, o diálogo é o fim. Uma só voz nada termina, nada resolve. Duas

vozes são o mínimo de vida.

Mikail Bakhtin37

O dialogismo é um diálogo entre textos com diversas formas de expressão

(oral, escrito, visual, etc.) e de todos os textos envolvidos nesse diálogo sairá um

novo texto.

Conforme citação de Bakhtin não há diálogo sem pelo menos duas vozes

(enunciador e enunciatário) e essas vozes imprimem no texto sua memória

37 http://www.cefetsp.br/edu/sinergia/claudia2.html

83

discursiva, que depende de seu conhecimento de mundo e da ideologia dos

envolvidos no discurso.

As palavras do enunciador estão sempre e, inevitavelmente, atravessadas

pelas palavras do outro: o discurso elaborado pelo enunciatário se constitui também

no discurso do outro que o atravessa, condicionando o discurso do eu de Bakhtin

que diz que o discurso nunca é individual, mas social.

Bakhtin aborda o processo de formação do discurso em três etapas: o eu –

para - mim; o eu – para –os -outros e o outro – para - mim. Essa tríade mostra sua

visão em relação ao eu relacionando-se com o mundo.“Para ele não há mundo dado

ao qual o sujeito possa se opor. É o próprio mundo externo que se torna

determinado e concreto para o sujeito que com ele se relaciona.”(FREITAS, 1995: p.

126-6)

Os sujeitos do discurso vivem em constante diálogo e o emissor pode

oferecer obstáculos à sua realização ou manutenção provocando rupturas que vão

infiltrando sensíveis mudanças no contexto. É neste momento que ocorre a

interferência do professor no processo de recepção dos textos pelos alunos.

O ensino da Língua Portuguesa deve ser voltado para o desenvolvimento

crítico do cidadão, em relação aos aspectos políticos, culturais, profissionais e

participativos da sociedade.

Os educandos deverão conscientizar-se de seu papel dentro da sociedade e

caberá ao educador ter competência para organizar os conhecimentos que deverão

ser adquiridos por eles, levando em consideração a realidade e a sociedade em que

eles estão inseridos e contribuindo para sua transformação através do conhecimento

que construirão através de pesquisas, aulas expositivas e muita leitura,

decodificação, interpretação e escrita de textos.

A competência lingüística do educando deve ser construída com bases

sólidas, portanto a escolha das canções de Caetano Veloso fazem parte dessa base

em nossa pesquisa, visto que aguçará a capacidade do aluno em ler, interpretar e

escrever textos.

Cabe ao professor colocar à disposição dos alunos instrumentos que os

façam compreender melhor os textos preenchendo os vazios neles contidos.

Os textos que serão analisados e posteriormente utilizados como tema de

redações são fontes inesgotáveis de vazios, conforme palavras de Eucanaã Ferraz:

84

Penso inicialmente nas várias e longas entrevistas com Caetano

Veloso. Apesar da condução incisiva das questões que abraça, assistimos

mais que a exteriorização do que está pronto: acompanhamos o alçar de um

pensamento e uma fala ela mesma, pontuada por vazios, reminiscências,

desvios.( FERRAZ, 2000,11)

Cabe ao leitor preencher os vazios dos textos com sua memória discursiva

que é adquirida, conforme já dito, com tudo que o leitor aprende durante sua vida.

Foram aplicados vários textos de Caetano Veloso, cuja análise intertextual

consta no segundo capítulo, e feitas propostas de redação com os diferentes tipos

de composição: Dissertação, Narração e Paródia.

Dissertação: “nesse tipo de texto predomina a defesa de uma idéia, de um

ponto de vista. Portanto, tem objetivos bem distintos, se comparado a outros tipos de

composição.A dissertação é o fruto da razão, da capacidade de argumentação, do

raciocínio lógico. O autor do texto desenvolve argumentos que sedimentam,

solidificam sua posição final.” (NICOLA: 1986, 52)

É muito importante que os educandos reconheçam os vários formatos

textuais na manifestação cultural, para que haja a perpetuação cultural, propagação

de ideologias, convenções, valores e , principalmente, a formação de um sujeito

crítico.Para isso e por isso o processo da comunicação e tão importante para o

homem.

Inicialmente trabalharemos com o texto “Livros”.15

Vejamos a letra da canção na a seguir:

Livros

Tropeçavas nos astros desastrada

Quase não tínhamos livros em casa

E a cidade não tinha livraria

Mas os livros que em nossa vida entraram

São como a radiação de um corpo negro

Apontando pra a expansão do Universo

Porque a frase, o conceito, o enredo, o verso

(E, sem dúvida, sobretudo o verso)

15 Livros, canção do disco “Livro” de 1997.

85

É o que pode lançar mundos no mundo.

Tropeçavas nos astros desastrada

Sem saber que a ventura e a desventura

Dessa estrada que vai do nada ao nada

São livros e o luar contra a cultura.

Os livros são objetos transcendentes

Mas podemos amá-los do amor táctil

Que votamos aos maços de cigarro

Domá-los, cultivá-los em aquários,

Em estantes, gaiolas, em fogueiras

Ou lançá-los pra fora das janelas

(Talvez isso nos livre de lançarmo-nos)

Ou o que é muito pior por odiarmo-los

Podemos simplesmente escrever um:

Encher de vãs palavras muitas páginas

E de mais confusão as prateleiras.

Tropeçavas nos astros desastrada

Mas pra mim foste a estrela entre as estrelas.

Caetano Veloso

A metodologia utilizada para a produção de textos dissertativos com base na

canção aqui apresentada foi:

1- Entrega de uma cópia do texto para cada aluno;

2- Leitura silenciosa do texto pelos alunos;

3- Leitura em voz alta do texto pelo professor pausadamente e com

expressividade;

4- Interpretação oral do texto pelos alunos após breve explanação dos

elementos do texto pelo o professor (Ver análise da canção no Capítulo III, item 1.0);

5- Primeira audição da canção na sala de aula através de um aparelho de

rádio que reproduz a mídia sonora CD Player;

6- Análise de elementos intertextuais do texto em um seminário com interação

entre professor e alunos;

7- Aulas interdisciplinares com utilização de palavras da canção:

- História – Santa inquisição (índex e queima de livros);

86

- Física- Radiação, Corpo Negro, Expansão do Universo.

8- Pesquisa na sala de informática;

9- Segunda audição da canção na sala de aula, com a música tocada no

violão por um convidado ou por um dos alunos da sala;

10- Novo diálogo sobre a canção entre professor e alunos com maior

interação pelo maior entendimento da mensagem transmitida pela canção;

11- Proposta de redação pelo professor: “Com base no poema Livros de

Caetano Veloso redija um texto dissertativo / argumentativo sobre o seguinte tema:

Qual a importância dos livros em nossas vidas”;

12- Produção de textos dissertativos pelos alunos.

O público alvo desta atividade foram 40 alunos da terceira série do Ensino

Médio da Escola Estadual “Victor Maida” de Ibitinga, SP.

A duração da atividade foi de cinco horas-aula (50 min).

Os objetivos foram centrados na estimulação da escrita através de texto de

uma canção com conteúdo que causasse interesse nos jovens e da sensibilização

conseguida através da reprodução da canção, principalmente, ao vivo, podemos

comprovar essa afirmação nos textos dos alunos em anexo.

Ainda com esse mesmo texto a proposta de redação foi uma composição

narrativa.

As estratégias metodológicas foram as mesmas utilizadas no texto

dissertativo, apenas foi mudado o foco do tipo de texto a ser escrito que passou da

dissertação para a narração.

Narração: o texto centra-se em um fato ou acontecimento; há personagens

que atuam e um narrador que relata a ação. Percebe-se o predomínio de frases

verbais, indicando um processo ou ação. (NICOLA: 1986, pág.52)

O público alvo desta atividade foram 40 alunos da primeira série do Ensino

Médio da Escola Estadual “Victor Maida” de Ibitinga, SP. (Em anexo exemplo de

narrações)

As outras etapas da produção do texto repetiram-se conforme as utilizadas na

produção do texto dissertativo.

A próxima atividade de produção textual utilizou-se da paródia.

Paródia: é recurso encontrado com freqüência na literatura. Reside na

retomada de um texto, trabalhado com novas e diferentes intenções daquelas com

que foi criado por seu autor. Encontramos paródias humorísticas, críticas, poéticas.

87

Detendo-se na etimologia da palavra, Genette (1982) nos faz lembrar que ode

é canto, canção e para de paródia, aquilo que se desenvolve ao longo de, ao lado

de. Logo, a paródia seria um contracanto, uma canção transposta com interação

irônica ou humorística.

Genette destaca três possibilidades de paródias representadas na tradição

literária:

1. a aplicação de um texto nobre, modificado ou não, a um diferente assunto,

geralmente vulgar; 2. a transposição de um texto nobre para um estilo vulgar;

3. o emprego de um estilo nobre (epopéia) de uma obra singular a um assunto

vulgar ou não-heróico.

“A forma mais rigorosa de paródia consiste na retomada de um texto conhecido para lhe dar um novo sentido ou mesmo desligá-lo de seu contexto e de seu nível de dignidade. Ela se faz, nesse caso, paródia de umas poucas frases, textos curtos, provérbios, ditos históricos tomados em outro sentido que não o original. Com essas características, funciona como destaque dentro do texto que a abriga, levando o receptor a estabelecer relações entre o texto de origem e a paródia inserida em novo contexto.

Encontram-se paródias que consistem em mudar uma letra em uma palavra; outras trocam uma palavra de um verso; outras ainda, sem qualquer alteração textual, suprimem o sentido de uma citação, ao dar-lhes um novo contexto. Existem aquelas que compõem toda uma obra nos moldes de outra, modificando-lhe o assunto ou o sentido mediante alteração de certas expressões.

Uma outra forma de paródia, que se caracteriza por desenvolver textos de acordo com o gosto e o estilo de autores pouco aceitos, é vista por Genette como ‘imitação estilística com função crítica ou ridicularizante.’ Essa paródia de aspecto caricatural recebe a denominação específica de pastiche.” (GENETTE, 2005,p. 35)

Após estudar as relações intertextuais, os alunos da primeira série do Ensino

Médio fizeram uma paródia da canção “Sou seu sabiá” 16que veremos a seguir:

Sou Seu Sabiá

Se o mundo for desabar

sobre a sua cama

16 “Sou seu sabiá” do disco Noites do Norte de 2000.

88

E o medo se aconchegar

sob o seu lençol

E se você sem dormir

tremer ao nascer do sol

Escute a voz de quem ama

ela chega aí

Você pode estar

tristíssimo no seu quarto

Que eu sempre terei

meu jeito de consolar

É só ter alma de ouvir,

e coração de escutar

E nunca me farto

do uníssono com a vida

Eu sou, sou seu sabiá

Não importa

onde for vou te catar

Te vou cantar te vou

te vou te vou te vou

Eu sou, sou seu sabiá

O que eu tenho eu te dou

E tenho a dar

Só tenho a voz cantar,

cantar, cantar, cantar

Caetano Veloso

A metodologia utilizada para a sensibilização para a escrita de textos foi a

seguinte:

1-Todos os alunos receberam a cópia da canção;

2-Leitura silenciosa da letra pelos alunos;

3-Levantamento de idéias sobre o significado do nome da canção pelos alunos;

89

4-Leitura oral por um aluno do poema “Canção do exílio” de Gonçalves Dias por

um dos alunos;

5- Pesquisa sobre o sabiá com livros da biblioteca e na sala de informática da

escola com utilização da internet;

6- Posicionamento das cadeiras dos alunos em círculo;

7- Leitura oral do texto “Sou seu sabiá” feita por um aluno com entonação e

expressividade;

8- Leitura do poema “Via Láctea” por um aluno;

9- Compreensão e interpretação oral com interação entre professor e alunos,

descobrindo as intenções e as sugestões levantadas pelo eu-lírico ( Ver análise da

canção no Capítulo 2, item 2.1.2);

- Esgotadas as dúvidas quanto ao vocabulário, à compreensão e à

intencionalidade da canção houve a audição da canção em um aparelho de CD

Player;

- A sala foi dividida em duplas para que os alunos escrevessem uma paródia ou

um poema sobre a canção.

O público alvo dessa atividade foram 40 alunos da primeira série do Ensino

Médio da Escola Estadual “Ângelo Martino” de Ibitinga, SP.(Nos anexos alguns

trabalhos dos alunos).

A duração da atividade foi de cinco horas-aula (50 min).

Os objetivos foram centrados na estimulação da escrita através de texto de uma

canção com conteúdo que causasse interesse nos jovens, afinal, estão na época

das “paixões adolescentes”, e da sensibilização conseguida através da reprodução

da canção.

A última estratégia de sensibilização teve como tema a canção “Os argonautas”

,o poema de Fernando Pessoa “Navegar é preciso” 17e a utilização do Tangram18:

17 “Os argonautas” do disco Caetano Veloso de 1.969 18 Tangram: s.m. LUD espécie de quebra-cabeça de origem chinesa composto por um quadrado dividido em sete peças (cinco triângulos, um quadrado, um robóide) remontáveis em figuras diversas. ETIM ing. Tangram (de 1864) ‘ id, prov.chn. tang + suf. Ing – gram – grama. Dicionário HOUAISS, p. 2.668.

90

Vejamos com dobraduras e detalhes a “historinha” do Tangram que foi retirada

de um Caderno Pedagógico Fome e solidariedade do Concurso viagem Nestlé pela

literatura de 2003.

91

92

93

41

41 Caderno Pedagógico “Fome de solidariedade”, Concurso viagem Nestlé pela Literatura, 2003, Ano 5,págs 27,28,29 e 30.

94

Lenda do Tangram

O Tangram surgiu na China e seu nome significa Tábua das Sete

Sabedorias.

Conta-se que, no século XII, um monge taoísta deu ao seu discípulo um

quadrado de porcelana, um rolo de papel de arroz, pincel e tintas, e disse:

- Vai e viaja pelo mundo. Anota tudo que vires de belo e depois volta.

A emoção da tarefa fez com que o discípulo deixasse cair o quadrado de

porcelana que se partiu em sete pedaços. O discípulo, tentando reproduzir o

quadrado, viu formar uma imensidão de figuras belas e conhecidas a partir

das sete peças.

De repente percebeu que não precisaria mais correr o mundo. Tudo de belo

que existia poderia ser formado pelo Tangram.19

O Tangram é um jogo educativo construído com um quadrado de papel

chacrim (no caso de nosso trabalho) ou de outros materiais que é dividido através de

dobraduras em: dois triângulos grandes; dois triângulos pequenos; um triângulo

médio; um trapézio e um quadrado pequeno, essas formas geométricas permitem a

criação de várias outras formas, como, por exemplo, animais, pessoas, etc.

Vejamos, agora a canção de Caetano:

Os argonautas

O barco, meu coração não agüenta

Tanta tormenta, alegria

Meu coração não contenta

O dia, o marco, meu coração

O porto, não

Navegar é preciso

Viver não é preciso

19 http://www.chinaonline.com.br/artes_gerais/tangram/default.asp

95

O barco, noite no céu tão bonito

Sorriso solto, perdido

Horizonte, madrugada

O riso, o arco da madrugada

O porto, nada

Navegar é preciso

Viver não é preciso

O barco, o automóvel brilhante

O trilho solto, o barulho

Do meu dente em tua veia

O sangue, o charco, barulho lento

O porto, silêncio

Navegar é preciso

Viver não é preciso

Caetano Veloso

A metodologia utilizada para a produção de textos foi:

1- Cada aluno recebeu uma folha de papel de dobradura;

2- A professora contou aos alunos a origem do Tangram;

3- Seguindo a “historinha” do Tangram foram feitas as dobraduras para sua

construção;

4- Debate entre professor e alunos com manifestações espontâneas dos alunos

sobre atitudes de inconformismo das pessoas com a realidade e transformação que

o ser humano pode construir;

96

5- Os alunos construíram personagens com as peças do Tangram;

6- Audição da a canção “Os argonautas” reproduzida por um aparelho de CD

Player;

7- Entrega do texto da canção para os alunos;

8- Estudo do texto com leitura compartilhada entre alunos e professor em voz alta

com expressividade de ambas as partes;

9- Leitura e exploração compartilhadas do texto “Navegar é preciso” de Fernando

Pessoa;

10- Estabelecimento das marcas de intertextualidade entre a canção, o poema e

a historinha do auto-conhecimento;

11- Produção de um texto em prosa ou em verso com o tema “Navegar é preciso”

com a seguinte proposta: “ Produzir um texto escrito em prosa ou verso a partir da

canção ‘Os argonautas’ de Caetano Veloso, do poema ‘Navegar é preciso’ de

Fernando Pessoa e da história do Tangram”.

O público alvo dessa atividade foram 41 alunos da oitava série do Ensino

Fundamental da Escola Estadual “Profª Iracema de Oliveira Carlos” de Ibitinga, SP.

(Em anexo, trabalho dos alunos.)

A duração da atividade foi de cinco horas-aula (50 min).

Os objetivos foram centrados na estimulação da escrita através de texto de

uma canção, com conteúdo que conduzisse os alunos à reflexão sobre

transformações pessoais e o crescimento interior do ser humano. Esse

entendimento foi auxiliado pelo poema e pela atividade lúdica do Tangram, que

auxiliaram na interpretação da canção, através da intertextualidade feita entre os

textos.

4.3 Avaliação da recepção das canções

As atividades despertaram interesse nos alunos, especialmente a atividade

lúdica do Tangram os deixou mais “soltos” e predispostos para as atividades de

97

análise e produção textual. A audição das canções, desconhecidas pelos alunos, foi

de extrema importância na sensibilização dos alunos para a escrita de textos, fez do

ato de redigir uma atividade lúdica e prazerosa.

As canções selecionadas para estudos em salas de aulas de acordo com os

interesses dos alunos foram: “Livros”, “Sou seu sabiá” e “Os argonautas” , cada uma

delas refere-se respectivamente aos temas: 1- a importância dos livros-2, o amor e o

livre arbítrio do ser humano para conduzir sua vida e propiciam material para a

escrita ( sobre o que escrever) suprindo uma necessidade sempre apontada pelos

alunos que afirmam “não saber o que escrever”, “não ter assunto”.

Os alunos participaram de maneira efetiva na interpretação dos textos e,

quando não conseguiam preencher os vazios deixados pelo compositor, faziam

questionamentos ao professor ou pesquisavam em livros, nas Bibliotecas das

escolas e nas Salas de Informática utilizando a Internet.

As produções textuais foram consideradas satisfatórias, embora possam

melhorar ainda mais com a aplicação dessas atividades com maior freqüência.

98

5 CONSIDERAÇÕES FINAIS

Nossa pesquisa é fundamentada na Estética da Recepção, no dialogismo

bakhtiniano e na Semiótica. A Estética da Recepção e o dialogismo têm teorias que

se complementam, portanto nossos estudos concentraram-se nesse aspecto.

Na Estética da Recepção o texto é o objeto das investigações do receptor que

o analisará e o interpretará de acordo com seu conhecimento de mundo, o momento

histórico em que vive e conhecimentos adquiridos através de informações obtidas

por meio de descobertas (pesquisas).

O leitor “desconstrói” o texto através de sua análise para posteriormente

“reconstruí-lo” preenchendo os “vazios” deixados pelo emissor que quando escreveu

imaginou um leitor implícito ( Wolfgang Iser).

... do ponto de vista da Estética da Recepção, o texto apenas se “concretiza” através da atuação do leitor e que, devido a isso, não pode simplesmente ser compreendido como uma partitura de instruções que por si própria já assegurassem sua transformação em forma significativa. Isto quer dizer, contudo, que aquela base de comparação, que deveria possibilitar “a discutibilidade intersubjetiva, das interpretações individuais, feita durante a leitura”, não pode mais ser obtida como um conceito de texto separado do leitor - seja ele modificado como for - e sim apenas como resultado da co-atuação entre texto e leitor. (COSTA LIMA, 2002,p. 991, v.2)

O dialogismo também trata da relação do texto com seu receptor, porém,

concentra-se nas diversas estratégias utilizadas pelo emissor no momento em que

escreve seu texto (momento da criação) afim de persuadir seu leitor, é como se

imaginasse um diálogo entre texto (objeto) e leitor (receptor).

O falante tende a orientar o seu discurso, com o seu círculo determinante, para o círculo alheio de quem compreende, entrando em relação dialógica com os aspectos deste âmbito. O locutor penetra no horizonte alheio de seu ouvinte, constrói a sua enunciação no território de outrem, sobre o fundo aperceptivo do seu ouvinte. ( BAKHTIN, 1998,p.91)

Esta pesquisa foi desenvolvida em salas de aula e as metodologias utilizadas

propiciaram aos receptores, alunos do ensino Fundamental e Médio, o encontro com

textos de Caetano Veloso os quais, inicialmente, causaram estranhamento, mas

propiciaram um estudo significativo que ampliou seus conhecimentos, visto que são

99

canções com grande conteúdo histórico e cultural e levou-os a redigir com maior

segurança e espírito crítico decorrentes de debates e seminários.

A análise da intertextualidade nas canções de Caetano foi a estratégia de

maior significação para nosso estudo, visto que é um material de pesquisa

inestimável e conduz o receptor, auxiliado pelo educador, para a pesquisa e

compreensão efetiva dos temas, envolvendo aspectos sociais e pessoais, desde o

período de repressão da ditadura militar até a dedicação e envolvimento amorosos.

Caetano Veloso é um dos artistas considerado campeão de aparições na

mídia. Muitas vezes suas declarações são polêmicas, sempre fala o que pensa e

não tem medo de voltar atrás quando percebe que errou em alguma declaração

feita. Os jornalistas ou apresentadores de programas televisivos sempre procuram

saber sua opinião sobre tudo. Caetano tem sua vida filtrada pela mídia, é um dos

ícones da arte musical brasileira e suas composições são poemas musicais, como

foi exposto no Capítulo II.

Os receptores das canções de Caetano Veloso em nossa pesquisa

(adolescentes entre quinze e dezessete anos), não possuíam conhecimentos

prévios sobre as canções analisadas. Conheciam, somente, algumas músicas que

tiveram grande veiculação na mídia. Muitas delas eram somente interpretadas por

ele e não composições próprias, como, por exemplo, a canção de Peninha “Sozinho”

que fez parte da trilha sonora de uma novela da Rede Globo e “Você não me

ensinou a te esquecer” de Fernando Mendes, que faz parte da trilha sonora do filme

Lisbela e o Prisioneiro.

As músicas, que inicialmente causaram estranhamento nos receptores,

depois de analisadas, provocaram admiração e certamente enriqueceram o

vocabulário, além de transmitirem conhecimentos históricos e culturais do nosso

país, através de vivências pessoais do autor, bem como outras informações

importantes.

Toda essa metodologia aplicada resultou em produções escritas

satisfatórias de diversos tipos de textos (narrativos, dissertativos e poéticos) pelos

receptores, os quais foram estimulados principalmente por não serem somente

textos estáticos os que analisaram, mas pela sedução da sonoridade, que nos leva a

interagir com as canções musicais muito mais do que com poemas estáticos, o que

se compreende, pois os jovens têm em seu repertório maior contato com textos

musicais.

100

Pode-se concluir, portanto,que a metodologia utilizada produz bons

resultados, desde que aplicada por educadores que desejem inovar e interagir com

os alunos,revelando-lhes as belezas e as inúmeras possibilidades de leituras e

interpretações resultantes da análise poética. No caso deste estudo, tendo como

“corpus básico” as canções de Caetano Veloso, procurou-se enriquecer o repertório

dos alunos com análises, audições e interação emissor e receptor

(professor/canções de Veloso e alunos), levando-os a uma maior compreensão da

realidade histórico-social e humana que os cerca, conseguindo concretizar a

produção de textos verbais com conteúdo, coesão e coerência, advindos de um

trabalho conjunto marcado pela seriedade e dedicação.

101

6 REFERÊNCIAS

6.1 BIBLIOGRÁFICAS

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Yara Frateschi Vieira, colaboração de Lúcia Teixeira Wisnik e Carlos Henrique D.

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<http://www.caetanoveloso.com.br>. Acesso em: 19/03/05.

6.3 Discografia

VELOSO, Caetano. Caetano Veloso. Rio de Janeiro: Philips, p.1969. 1 disco

sonoro.Lado A, faixa 6.

VELOSO, Caetano.Caetano. Rio de janeiro: Polygram, p. 1987, VELOSO, 1 disco

sonoro.Lado A, faixa 1.

VELOSO, Caetano.Estrangeiro. Rio de janeiro: Polygram, p. 1989, VELOSO, 1 disco

sonoro.Lado A, faixa 7.

VELOSO,Caetano.Noites do Norte. São Paulo: , p. 2001, 1 CD, faixas 11 e 25.

VELOSO,Caetano.Livro. Rio de janeiro: Polygram, p. 2004, 1 CD, faixas 2 e 14.

VELOSO, Caetano. Caetano Veloso. Rio de Janeiro: Philips, p.1969. 1 disco

sonoro.Lado A, faixa 6.

ANEXO 1

UMA ENTREVISTA “COM”OU “SEM” PRETENÇÕES- CAPÍTULO 3, ÍTEM 3.2-ENTREVISTA DO JORNALISTA LUÍS ANTONIO GIRON

Luís Antônio Giron

"Um mico planetário", copyright Época, 24/05/04

"Aos 61 anos, Caetano Veloso diz não sentir necessidade de se impor ao mercado nem de atuar na política. De ótimo humor, recebeu ÉPOCA em sua gravadora, Natasha Records, no bairro da Gávea, Rio de Janeiro. Em duas horas de conversa, Caetano falou de tudo. Criticou o governo Lula, analisou o mercado de entretenimento e questionou a noção de identidade brasileira que seu amigo Gilberto Gil tem estimulado à frente do Ministério da Cultura. E, claro, abordou seu tema favorito: a música e a nova turnê que faz pelo Brasil a partir da quinta-feira 27, em São Paulo. Revelou que acha a canção americana melhor que a brasileira e confessou limitações musicais. A nova excursão tem uma peculiaridade na carreira de 38 anos do compositor: quase todo o repertório é de músicas em inglês, incluídas no recém-lançado CD A Foreign Sound. A pré-estréia do show, em 16 de abril, no Carnegie Hall de Nova York, foi um triunfo. Resta saber a reação da platéia brasileira. O compositor e seis músicos vão percorrer nove capitais. Em cada cidade, juntam-se ao grupo orquestras de cordas locais. Caetano e banda ensaiaram na semana passada no estúdio de Gil, no sopé da Favela da Rocinha. Introduziram no espetáculo títulos como os sambas ‘Não Tem Tradução’ (Noel Rosa) e ‘Manhã de Carnaval’ (Luís Bonfá), mais a inédita ‘Diferentemente’. Em outubro, a turnê corre México, Estados Unidos e Europa.

ÉPOCA - Pelos ataques à crítica durante sua carreira, parece que você não é um crítico frustrado.

Caetano Veloso - Não sou, porque dialogo e entro em competição com a crítica. Sempre atuei criticamente, desde os tempos da revista que o Glauber Rocha editava. Isso não é desprezo pelos jornalistas, como alguns pensam. Ao contrário, respeito a boa crítica. Gosto de propor discussão de idéias, cada vez mais difícil nos jornais. O problema é que, para vocês, jornalistas, o pior é sempre o melhor. Trabalho com atitude explícita. Nada fica sem resposta.

ÉPOCA - Você adora dizer frases bombásticas para horrorizar os jornalistas e criar polêmica...

Caetano - Diga aí alguma para eu me defender.

ÉPOCA - Em 1998, por exemplo, você ganhou o título de doutor honoris causa pela Universidade da Bahia, fez questão de receber a honraria no Carnaval, em cima de um trio elétrico. E declarou: ‘A partir de agora, quando eu rebolar, é um doutor que estará rebolando!’. Não é uma provocação à universidade?

Caetano - Essa frase não passou de uma auto-ironia porque achei engraçado virar doutor. Dizem que faço tudo para aparecer. Não é isso. Gosto de contrariar ondas de opinião que ocorrem vez ou outra. Lembro de jornalistas de São Paulo mancomunados com intelectuais da USP querendo impor opinião. Aí respondo com agressividade, mas não é nada ofensivo. É picada de quem está de bom humor. Vejo os jornalistas no Brasil defendendo o rock contra a axé music, e aí vou contra. No cinema também: os velhos críticos atuam como porta-vozes de filmes tipo Cronicamente Inviável, do Sérgio Bianchi, que achei muito ruim. Tudo isso é provinciano. É coisa de um Brasil subordinado culturalmente.

ÉPOCA - Desde a tropicália, você distribui opiniões. Você se considera intelectual?

Caetano - Concordo com o que dizia o José Guilherme Merquior, que sou um subintelectual de miolo mole. Atuo e adoro expor meu pensamento, mas talvez seja um vício geracional. Pertenço a uma geração que fazia isso, se manifestando no teatro, na música, na TV. Era uma obrigação e um direito ter postura sobre a realidade política. Agora, as mesmas pessoas que inventaram esse hábito o ridicularizam. Nos anos de censura os artistas e os jornalistas agiram em bloco em nome da luta política. Era às vezes ridículo, porque todo o mundo tinha de ‘se posicionar’. Até mesmo aquelas atrizes iniciantes, que não sabiam nada, precisavam falar alguma coisa. Aí começou-se a ficar cético a respeito disso. Sou uma pessoa da área de entretenimento que dá suas opiniões.

ÉPOCA - Você é um animal político?

Caetano - Não gosto de política, ela não me atrai. Não sei por que, mas gosto de arte, música, poesia, cinema. Adoro frescura e vivo no mundo das idéias. Política é um negócio chato, de uma gente que não tem a ver com meu temperamento. Não sou preparado, acho difícil entender de política. Leio dedicadamente artigos de jornal, exceto os do José Sarney.

ÉPOCA - Como você viu a crise provocada pelo artigo de Larry Rohter, do New York Times - jornal que você já atacou?

Caetano - Sou colega do Lula nesse assunto. Com o NYT, aconteceu comigo anos atrás uma coisa parecida com o que fizeram com o presidente. O correspondente agiu de forma irresponsável, pensando que podia falar qualquer coisa porque o Brasil é um país do Terceiro Mundo. Sou contra os correspondentes do NYT no Brasil que faltem com o respeito. Um deles escreveu que eu e o Gil íamos a festas vestidos de mulher porque queríamos alardear nossa bissexualidade. Mandei uma carta ao jornal, que não foi publicada. Aí fui danado da vida ao programa do Jô para chiar. Aquilo foi uma leviandade. Nunca fui presidente da República. O Lula nunca apareceu bêbado em público e o álcool jamais prejudicou sua atuação. Mas acho inadmissível o que o Lula e o núcleo duro do governo tentaram fazer com Rohter. Lula criou com o episódio um mico planetário para o Brasil. Ainda bem que Márcio Thomaz Bastos achou uma saída

para a situação. O pessoal do Lula tem de pensar melhor. Desta vez o Brasil foi salvo pelo gongo. Tem coisa que não se faz. Já mandei embora jornalista da minha sala. Mas querer expulsar o sujeito do país pega mal!

ÉPOCA - Como você analisa o governo Lula?

Caetano - Vi muita gente se decepcionar, mas não é o meu caso. Eu não tinha esperanças de que o governo do PT viesse a ser firme. Quase não votei no Lula. Meu candidato era o Ciro Gomes. Mas aí o Ciro se retirou e fiquei sem candidato, e resolvi votar no Lula porque pensei assim: Lula tem de chegar à Presidência, a gente tem de conhecer essa experiência, ele merece por tudo o que fez. Espero que ele consiga passar os quatro anos à frente do governo e passe a faixa de presidente ao sucessor no melhor rito democrático.

ÉPOCA - Você teme que ele não consiga passar a faixa?

Caetano - O PT não é a salvação. Há uma esquizofrenia neste governo: o Delfim apóia os economistas do PT e criticava os inventores do Plano Real. O Palocci vem com uma conversa que não tem nada a ver com as promessas de campanha do PT. Quando assumiu o governo, o partido quis se apossar de todas as áreas da máquina estatal. O PT não é republicano nem democrático e confunde Estado com partido. A esquizofrenia do governo se expressa em certas atitudes. O Ministério da Economia compõe com o mercado, enquanto o da Reforma Agrária se alinha com o MST. Tudo para que o PT não saia nunca mais do poder.

ÉPOCA - Como você viu o expurgo dos membros rebeldes do PT?

Caetano - Um exagero. É outra prova da esquizofrenia do governo. Essa atitude dura não é sintoma de capacidade política. É preciso desconfiar de um partido que praticamente expulsa o Fernando Gabeira poucos meses depois de subir ao poder.

ÉPOCA - Você disse que falta experimentalismo no Executivo. Existe algum pensamento politicamente arrojado para o país?

Caetano - Mangabeira Unger apresenta uma alternativa crítica, uma sugestão concreta do caminho a trilhar. Diz que o Brasil tem todos os recursos materiais e espirituais para ser mais inventivo. Ensina que existe um caminho alternativo para inserir o Brasil na economia mundial sem a política petista de se curvar às exigências do FMI. O pensamento do Mangabeira faz eco àquilo que penso sobre como resolver os problemas sociais internos, como o salário mínimo e o abismo social, e a política externa. Mangabeira é um dos raros pensadores do Brasil.

ÉPOCA - Como você vê a política educacional de Lula?

Caetano - Sou a favor da compensação dos negros. É preciso confrontar a questão de raça com a social, porque a gente observa que a maioria dos negros pertence às classes mais baixas. É positivo dar acesso a eles à educação, e agora aos alunos da rede pública ao terceiro grau. Tenho lido só críticas tecnicistas sobre o assunto. É preciso criar um sistema de acompanhamento para verificar se as medidas compensatórias serão implementadas corretamente.

ÉPOCA - Monitorar não é difícil?

Caetano - Graças a Deus, no Brasil todo o mundo tem sangue negro ou, pelo menos, aprendeu a valorizar isso. Esse é um tesouro do Brasil.

ÉPOCA - Você tem gostado de Gilberto Gil no Ministério da Cultura?

Caetano - Gil trouxe visibilidade a um ministério que nunca teve importância. Quando ele ia assumir, eu lhe disse: você corre o risco de ser o Lula do Lula. Gil tem um imenso valor simbólico no mundo.

ÉPOCA - O Ministério da Cultura criou uma secretaria para promoção da identidade nacional. Não é curioso isso acontecer sob a gestão de um antigo tropicalista?

Caetano - Pois é, a tropicália enfrentou a questão da identidade e tratou de superá-la. Desde então, mudaram os pontos de referência. Parece difícil um ministério que tem Gil no comando sair por aí em busca de identidade. Hoje esse tipo de idéia só tem dois defensores de plantão: o José Ramos Tinhorão e o Ariano Suassuna. O Tinhorão criou argumentos sofisticados sobre o tema, mas é medíocre em suas sugestões artísticas. O Suassuna é o gênio que escreveu O Auto da Compadecida e A Pedra do Reino, mas assume o papel de um palhaço pela obrigação de manter uma posição que acha sagrada. Ele promove a xenofobia fazendo a gente rir. O MinC não deveria defender essas posições pró-xenófobas.

ÉPOCA - Seu novo CD é um dos campeões mundiais de download ilegal. Como você encara o problema?

Caetano - Claro que isso é lesivo aos direitos autorais do artista. O fato é que perdemos o controle sobre a veiculação de música. Não sou empresário, não sou nem mesmo capitalista. Mas não posso cuspir no prato em que comi. Existe uma crise na indústria da música, mas eu não estou nem aí. Houve uma hipertrofia do mercado musical desde a explosão do sucesso dos Beatles nos anos 60. Desde então, a indústria musical moveu fábulas de dinheiro, produziu muita música ruim e muito crítico de música escrevendo nos jornais. Talvez haja razão para haver a retração no mercado. Só não posso deixar de reparar que coisas boas surgiram do comercialismo, como o rock e a axé music. O rock mudou o mundo. A axé music nasceu da ambição descarada, e hoje virou força popular. Não tenho por que chorar.

ÉPOCA - A música popular ainda é uma missão ou virou business?

Caetano - Quando entrei nesse negócio, pensava em ser 100% puro e que sairia dele com as mãos limpas. Minha turma - Dori Caymmi, Edu Lobo, Chico Buarque e Paulinho da Viola - foi abençoada por pertencer à segunda geração da bossa nova. João Gilberto, o fundador da BN, nos legou a dignidade, colocando a música num patamar artístico muito alto. A gente nunca pensou nessa história de jabá. Quando ele apareceu, a gente se sentiu regredir aos anos 50. Não posso mudar na minha idade. Continuo vendo a música do ponto de vista artístico. A música do Brasil é forte. E continua sendo importante para mim e para o mundo, não importando a reprodutibilidade técnica.

ÉPOCA - Por que você cultua João Gilberto, sem cantar e tocar como ele?

Caetano - João é o maior artista da música popular, caso extremo de comprometimento com a perfeição. Ele é mais e menos que uma influência. Ele me influenciou de uma forma definitiva e seria assim se eu tivesse virado professor de Filosofia. Desde que ouvi suas gravações lá em Santo Amaro, João me deu um norte estético. Depois me levou a escutar Chet Baker. Tentei imitá-lo na formulação de acordes e no canto. Mas parou aí. Eu dizer que João é uma influência musical minha seria como um escritor que lança um romance e declara que suas influências são Kafka, Proust e Dostoiévski. Não tenho competência para ser influenciado por João Gilberto.

ÉPOCA - Você diferencia sua música da dos ‘bregas’ que você grava. Não é excesso de modéstia?

Caetano - Minha competência musical é limitada. Não posso ser comparado com a musicalidade de Djavan, Edu, Paulinho da Viola e até de Chico. Sou um compositor que canta às vezes. Meu violão não tem nível profissional. Isso não impediu que eu compusesse algumas canções relevantes que viraram standards. Algumas saíram boas, melhores do que eu imaginava. No início da carreira, as gravadoras não aceitavam gravar o meu violão, considerado amador. Aí fui para Londres, lá eles gostaram do meu jeito, e quando voltei ao Brasil os produtores já aceitavam que eu gravasse. Quando comecei, eu atuava na periferia da música e contribuía com idéias sonoras. Eu queria ser pintor. Depois, fazer cinema. Não é preciso ter talento para ser cineasta, apenas vocação.

ÉPOCA - Você se sentiu feliz ao dirigir Cinema Falado?

Caetano - Adorei me envolver com as filmagens e com a equipe. Mas me apavorei com os problemas extrafílmicos, como distribuição e contratos. O filme foi bem recebido pela crítica em 1986, ao contrário do que escrevem hoje. Falaram mal só três diretoras mulheres, o Arthur Omar - gostei do livro de fotografias dele - e o Caio Túlio Costa, que escreveu algo terrível no caderno de variedades da Folha de S.Paulo, num tempo em que o jornal ainda agitava a cultura. Os críticos

adoraram o filme porque ele traz cenas de pura crítica. Tem uma seqüência amorosa em que o rapaz fala uma crítica completa para a parceira.

ÉPOCA - E projetos de longas-metragens?

Caetano - Quero voltar a filmar quando for possível. Queria fazer um filme que se passasse em Salvador e mostrasse a vida lá.

ÉPOCA - Não está na hora de voltar a fazer música?

Caetano - Estou compondo. Na temporada no Baretto em São Paulo fiz uma música - ‘Diferentemente’. Pensei nela correndo, minutos antes do show. Os músicos aprovaram a estrutura. Vou cantá-la na turnê.

ÉPOCA - Você foi bem recebido pelo público americano na estréia do show. Mas, para o público brasileiro, não é estranho um ídolo nacional apresentar repertório americano?

Caetano - No Brasil é mais fácil. Vendi aqui 1,2 milhão de discos com Prenda Minha - porque tinha a música do Peninha e canções conhecidas. Não tenho feito esse sucesso todo cantando em outras línguas. Fina Estampa foi recebido sem entusiasmo pelo público mais caloroso do mundo - o portenho. Não parei o trânsito no México nem em Miami. A Foreign Sound não vai fazer sucesso nos países de língua inglesa, nem tenho intenção de impor meu nome nos Estados Unidos.

ÉPOCA - Como você define o CD e o show A Foreign Sound?

Caetano - Eu sei que estou arriscando minha respeitabilidade com ele. De certa maneira, o disco depõe contra mim. Eu o chamo de a difficult easy listening (música comercial difícil). É um trabalho esquisito e apareceu com atraso. Eu deveria tê-lo gravado dez anos atrás, ou, pelo menos, antes dos dois CDs do Rod Stewart com standards. Mas, enfim, decidi lançá-lo porque era uma coisa que eu queria fazer.

ÉPOCA - Você acha que a música americana é melhor que a brasileira?

Caetano - É, sim. Com o jazz, Cole Porter, Irving Berlinn e Gershwin; com a soul music e o rock; a música americana tem enorme riqueza, apesar de Caymmi, Tom Jobim, Chico e Gil. E os americanos têm James Brown. A influência dele é tamanha que hoje todo o mundo no Brasil se chama Brown: Mano Brown, Charlie Brown Jr., Carlinhos Brown!"

ANEXO 2

A FOLIA SOTEROPOLITANA DE CAETANO VELOSO, CAPÍTULO 2, ÍTEM 2.3- ENTREVISTA DO JORNALISTA J. D. BORGES

A inteligência puramente musical de Caetano Veloso

O perigo da opinião.

Muitos os que se abstêm de opinar, de se mostrar, de aparecer — a fim de poupar sua obra e seu público de falsas interpretações, de mal-entendidos e de julgamentos macarrônicos em torno de sua produção intelectual e artística. Não admitem uma pseudo-analogia, entre o que falam e o que realizam. Não suportam pré-concepções do que virão a fazer — a partir de declarações pretéritas ou futuras. Não têm, em suma, paciência para vir a público e explicar suas obras (evitando, de quebra, emitir palpites infelizes sobre os últimos acontecimentos).

Há também, como não poderia deixar de ser, um outro time. Time daqueles que entram em cena, a toda e qualquer hora, sendo ou não requisitados. Como representantes auto-proclamados de seu auditório, ávidos por publicidade, sentem-se no direito — e no dever — de posicionar-se frente a todo e qualquer abalo sísmico.

Num tempo de notícia pré-fabricada, como o nosso, muitas são as mudanças de maré — algo que garante, ao oportunista falastrão, muito assunto. Prefere, em geral, política (em que cabem arroubos de populismo, temperados com bravatas de grande efeito). Política seguida de questões sociais, morais, pessoais, religiosas, econômicas, ou o que vier. E como não consegue ser oráculo e nem pessoa humana (ou realizador) ao mesmo tempo, acaba tropeçando na própria língua, disparando inconsistências e revelando, aos mais experimentados, todos os seus truques e todas as suas falhas de argumentação. Inevitavelmente.

Caetano Veloso é mestre nisso. Outro dia, quebrou, na Folha de S. Paulo, um recorde seu — numa modalidade em que já é invicto: a entrevista. Dentre uma série de temas, tratou, claro, do recorrente Tropicalismo.

O Tropicalismo foi um movimento cheio de definições vagas, cuja tônica (preservada a duras penas) prega a reciclagem do mau gosto através da sofisticação e do estilo de quem se considera acima do popularesco típico. Como do auge do Tropicalismo só restou um álbum — que prima mais pelo elenco que reúne do que pela música "engajada" propriamente dita —, Caetano Veloso, na falta de seguidores ou discípulos, costuma rotular toda e qualquer manifestação mais tendente ao piegas, ao popular, ao hit parade como tropicalista. Assim, credita a si próprio, e à Bahia (lógico), iniciativas bem sucedidas na área — enquanto que reserva aos seus desafetos, e aos outros estados "não-baianos" da

Federação, a responsabilidade pelos dejetos e pelas merdices musicais que temos visto.

Assim, segundo o moço, o Samba nasceu lá na Bahia, a Bossa-Nova foi inventada por João Gilberto (notadamente um baiano), e a Axé Music (resultado da linha evolutiva da folia soteropolitana) não tem o que invejar dos clássicos do carnaval carioca (citadamente "Alá-lá-ô" e as marchinhas de Emilinha Borba) — ao passo que a degradante TV de massas veio de São Paulo, o "apartheid social e cultural" veio do Rio, e os sertanejos, imagina-se, de Minas Gerais. Do mesmo modo, foi Antônio Carlos Magalhães (o imperador da Bahia e, às vezes, também do Brasil) quem "animalescamente" pôs um ponto final na ditadura militar; o mesmo que, ultimamente, em nome da sociedade civil, vai redistribuir a renda do país. Enquanto isso, Fernando Henrique Cardoso (uma alma paulista; às vezes, presidente do Brasil) só fez desqualificar Gilberto Freyre, junto com a USP — que tem a ingênua ambição de querer interpretar a Terra Brasilis. Como se não bastasse, Caetano Veloso completa: — "Parece até que eu estou posando de bacana diante de vocês. Mas acho que muita gente que não é de São Paulo teve mais facilidade de sentir isso do que as pessoas daqui."

Animado, aproveitou a ocasião para criticar e rebaixar o mesmíssimo caderno cultural que lhe concedia aquele tempo e aquele espaço para falar: "Esse estilo que a Ilustrada comprou e que se disseminou pela imprensa brasileira é uma vergonha. Como é que isso é mantido pela grande imprensa brasileira?"

Que sujeitinho mais inconseqüente, mais inoportuno, mais cara-de-pau! Quando é que o paulista vai deixar de ser paspalhão, e cortar as assas de ingratos e mal-agradecidos como Caetano Veloso? Certo (mais uma vez) estava Paulo Francis (um carioca) ao inesquecivelmente afirmar: "Os baianos invadiram o Rio para cantar ‘Ó, que saudade eu tenho da Bahia...’. Bem, se é por falta de adeus, PT saudações."

Inexplicável que se permita um aviltamento de tal porte. Caetano Veloso deveria se restringir ao seu ofício, hoje alquebrado, de cantor e compositor — poupando-nos de seus embustes literários e de seus raciocínios desrespeitosos e bairristas. Afinal, já vão três décadas de requentada MPB e de repetitiva e ultrapassada ideologia dos tempos de 1968.

Vai, então, o presente conselho: Caetano Veloso, feche o bico — se não quiser acabar como tema de novela. Sozinho.

J. D. Borges

ANEXO 3

VIDA E OBRA DE ESCRITORES CANTORES E COMPOSITORES,CITADOS NO CAPÍTULO 3- ITEM 3.1.7- TEXTO 7- “PRA NINGUÉM”

Luís Vaz de Camões 1524 ou 1525: Datas prováveis do nascimento de

Luís Vaz de Camões, talvez em Lisboa. – 1528: Desterro no Ribatejo; alista-se no

Ultramar. - 1549: Embarca para Ceuta; perde o olho direito numa escaramuça

contra os Mouros. – 1551:Regressa a Lisboa. – 1552: Numa briga fere um

funcionário da Cavalariça Real e é preso. – 1553: É libertado; embarca para o

Oriente.- 1554: Parte de Goa em perseguição a navios mercantes mouros, sob o

comando de Fernando de Menezes. – 1556: É nomeado provedor-mor em Macau;

Naufraga nas Costas do Camboja. – 1562: É preso por dívidas não pagas;

é libertado pelo vice-rei Conde de Redondo e distinguido seu protegido. – 1567:

Segue para Moçambique. – 1570: Regressa a Lisboa na Nau Santa Clara. –

1572:Sai a primeira edição de “Os Lusíadas”. – 1579 ou 1580: Morre de peste, em

Lisboa. É considerado um dos maiores poetas da língua portuguesa.

Fernando Pessoa, poeta português (1888-1935) é visto por muitos

estudiosos como poeta de língua portuguesa mais importante do século XX.

Estudou na África do Sul e no Curso Superior de Letras, em Lisboa. Deixou os

estudos e trabalhou como tradutor e correspondente estrangeiro em casas

comerciais. Em 1915, participou da revista Orfeu, que lançou o futurismo em

Portugal. Criou várias teorias estéticas e usou diferentes heterônimos para assinar

a sua obra . Os mais conhecidos são Alberto Caeiro , Álvaro de Campos e Ricardo

Reis , cada um com estilos e visões de mundo diferentes. Caeiro é considerado

naturalista e cético, Reis, um clássico, cuja poesia é influenciada por Horácio (neo-

paganismo português); enquanto o estilo de Álvaro de Campos é associado ao do

poeta norte-americano Walt Whitman. Entre seus poemas destacam-se

“Tabacaria” e “Autopsicografia”. É considerado anti-romântico por opor-se à

tradição lírica e sentimental da poesia portuguesa. Publica um único livro em vida,

Mensagem (1934), ganhador do segundo prêmio do concurso do Secretariado de

Propaganda Nacional. Entre seus principais textos em prosa estão A Nova Poesia

Portuguesa, Páginas de Doutrina Estética e Textos Filosóficos, todos publicados

postumamente.

João Guimarães Rosa nasceu em Codisburgo (MG) em 1908 e morreu no

Rio de Janeiro em 1967. Filho de um comerciante do centro-norte de Minas, fez os

primeiros estudos na cidade natal, vindo a cursar Medicina em Belo Horizonte.

Formado Médico, trabalhou em várias cidades do interior de Minas Gerais, onde

tomou contato com o povo e o cenário da região, tão presentes em suas obras.

Autodidata, aprendeu alemão e russo, e tornou-se diplomata, trabalhando em

vários países. Veio a ser Ministro no Brasil no ano de 1958, e chefe do Serviço de

Demarcação de Fronteiras, tratando de dois casos muito críticos de nosso

território: o do Pico da Neblina e o das Sete Quedas. Seu reconhecimento literário

veio mesmo na década de 50, quando da publicação de Grande Sertão: Veredas e

Corpo de Baile, ambos de 1956. Eleito para ocupar cadeira na Academia

Brasileira de Letras no ano de 1963, adiou sua posse por longos anos. Tomando

posse no ano de 1967, morreu três dias depois, vítima de um enfarte.

Carmen Miranda,cantora e atriz brasileira de origem portuguesa1, nasceu

em 9 de fevereiro de 1909 e faleceu em 5 de agosto de 1955. Por 15 anos fez

sucesso nos Estados Unidos (EUA), especialmente em Hollywood. Seu nome

verdadeiro é Maria do Carmo Miranda da Cunha Nascida em Marco de

Canaveses, Portugal, veio para o Brasil com 2 anos. Seu primeiro disco saiu em

1930, marcado pelo êxito de “Taí”, de Joubert de Carvalho. Na década de 30, suas

gravações fazem sucesso nos carnavais (Alô... Alô..., Adeus Batucada, No

Tabuleiro da Baiana) e ela realizou turnês pela Argentina e pelo Uruguai. Atuou no

cinema brasileiro estrelando cinco filmes. No último deles, Banana da Terra

(1938), apareceu pela primeira vez vestida de baiana para cantar “O Que É Que a

Baiana Tem?”, de Dorival Caymmi. O traje estilizado de baiana com balangandãs

e turbante tornou-se sua marca. Em 1939 foi para os EUA. Estreiou em um

musical da Broadway e, em 1940, apresentou-se na Casa Branca para o

presidente Franklin Roosevelt. No ano seguinte assinou contrato para atuar em

Hollywood. Trabalhou em “Uma Noite no Rio” (1941) e em mais 12 filmes.

Consagrada internacionalmente, viajou ao Brasil em 1954 para rever a família.

Meses depois, já de volta a Hollywood, morreu de um ataque do coração.

1 Por causa do sotaque de Carmem Miranda, Caetano Veloso utiliza-se da onomatopéia “choo-choo” quando refere-se a cantora.

Chico Buarque,conhecido principalmente como compositor e cantor de

música popular, trilhou com êxito o caminho da dramaturgia e incursionou pela

literatura ficcional. Uma das características marcantes de sua obra como letrista é

a verossimilhança com que retrata o imaginário feminino. Francisco Buarque de

Holanda, filho do historiador Sérgio Buarque de Holanda, nasceu no Rio de

Janeiro em 19 de junho de 1944. Chegou à vida universitária no início da década

de 1960, auge do movimento popular e estudantil que precedeu o golpe militar de

1964. Suas primeiras canções, como “Pedro Pedreiro”, impregnadas de

preocupações sociais, foram seguidas de composições líricas como “Olê, olá”,

“Carolina” e “A banda”, esta uma das vencedoras do II Festival de Música Popular

Brasileira (São Paulo, 1966). Ao decretar-se o ato institucional nº 5, em dezembro

de 1968, a música popular brasileira polarizava-se em torno de dois nomes e

estilos: Caetano Veloso, vanguardista e líder do tropicalismo, e Chico Buarque,

que freqüentemente apelava para a música da década de 1930, especialmente a

de Noel Rosa. Ambos foram vítimas da censura do regime, que lhes vetava

grande parte das composições, e se exilaram na Europa. Com Vinícius de Morais

e Toquinho, Chico compôs o Samba de Orly, sua canção do exílio. Para o teatro,

Chico Buarque compôs a música da peça Morte e vida Severina, de João Cabral

de Melo Neto, e do Romanceiro da Inconfidência, de Cecília Meireles. Escreveu,

com parceiros, textos e música de Roda viva (1967), Calabar (1973), Gota d'água

(1975) e Ópera do malandro (1979). Publicou e encenou textos infantis e escreveu

a novela Fazenda modelo (1974) e o romance Estorvo (1991).

Scarlet Moon de Chevalier é carioca, atriz e jornalista. Nasceu no dia 12

de setembro de 1950, no Rio de Janeiro. Desde 1996 assina a coluna "Abalo", às

quintas-feiras, no caderno Zona Sul do jornal O Globo.

Pedro Silva, ou Glauco Mattoso nasceu na cidade de São Paulo em 1951.

Foi o criador do fanzine poético-satírico chamado JORNAL DO BRABIL entre 1977

e 1981 (possivelmente um dos primeiros fanzines do mundo) colaborou em

diversas publicações alternativas, como LAMPIÃO (um tablóide gay o Pasquim,

Chiclete com Banana e outros. Seu pseudônimo, Glauco Mattoso é na verdade um

trocadilho com "glaucomatoso", uma vez que é portador de glaucoma congênito.

Com a perda da visão, foi abandonando a criação de cunho visual (concretismo,

quadrinhos) para dedicar-se às letras de música e à produção de discos.

Arrigo Barnabé nasceu em Londrina, PR, em 14 de Setembro de 1951. Em

São Paulo, cursou a Faculdade de Arquitetura e Urbanismo (1971 a 1973) e a

Escola de Comunicações e Artes (1974 a 1979), onde fez o curso de composição,

no Departamento de Musica. Ainda na década de 1970, participou do Festival

Universitário da TV Cultura, com a musica Diversões eletrônicas. Lançou seu

primeiro LP, Clara Crocodilo, em 1980. Excursionou pelo Brasil em 1983, ano em

que compôs a Saga de Clara Crocodilo para a Orquestra Sinfônica Juvenil do

Estado de São Paulo e grupo de rock.

Com trabalho singular na musica brasileira, tem composições de

características que vão do dodecafonismo a atonalidade. Sempre na fronteira

entre o erudito contemporâneo e o popular, na década de 1990 escreveu

quartetos de cordas e peças para a Orquestra Jazz Sinfônica de São Paulo. Em

1997, depois de quatro anos sem gravar, lançou o CD Ed Mort, do selo Rob

Digital, trilha sonora do filme de mesmo nome, dirigido por Alain Fresnot.

Maria da Fé, nasceu no Porto a 25 de Maio, da década de 40. Aos 9 anos

começou a cantar em festas particulares, notando-se desde logo o seu talento

para o fado então ganhou todos os concursos que participou.

Maria da Fé é sem sombra de dúvida uma das melhores intérpretes do fado de

sempre, resistente da sua autenticidade e divulgação, mas sem nunca se opor à

modernidade e à sua natural evolução.

Abilio Pereira de Almeida (1906-1977), nascido em 26 de Fevereiro de 1906, em São Paulo, foi dramaturgo, ator, cineasta e produtor. Fundador da Vera Cruz, faleceu em São Paulo, em 17 de Maio de 1977. Escreveu entre outros: O Gato de Madame (1957); Candinho (1954); e Nadando em Dinheiro (1952).

Nana Caymmi ou Dinair Tostes Caymmi , nascida a 29 de abril de 1941,

no Rio de Janeiro, filha de Dorival Caymmi e Stella Maris, irmã de Danilo e Dori

Caymmi, cresceu numa das famílias mais musicais do Brasil. Começou a cantar

ainda muito jovem, adotando desde cedo uma técnica particular para valorizar seu

timbre grave.

A canção “Nesse mesmo lugar” sobre a qual se refere o texto é dos

compositores Klécius Caldas e Arnaldo Cavalcanti.

Sebastião Rodrigues Maia nasceu no Rio de Janeiro RJ em 28 de

Setembro de 1942. Penúltimo de 19 irmãos, aos oito anos já compunha suas

primeiras musicas. Aos 14 anos, formou seu primeiro conjunto musical, Os

Tijucanos do Ritmo, no qual tocava bateria, e que durou apenas um ano.

Começou a estudar violão num curso particular e formou em 1957 o conjunto Os

Sputniks, que tinha também entre seus integrantes Erasmo Carlos e Roberto

Carlos, tendo sido professor de violão de ambos. Em 1959, antes de completar 17

anos, com a morte do pai, foi para os EUA, onde fez cursos de inglês e iniciou

carreira como vocalista, participando de um conjunto chamado The Ideals.

A canção “Arrastão” foi composta por Edu Lobo e Vinícius de

Morais.

Maria Bethânia Vianna Telles Veloso, irmã do compositor e cantor

Caetano Veloso, nasceu no dia 18 de Junho de 1946 em Santo Amaro da

Purificação, na Bahia. Pensava em ser atriz. Em 1960 foi para Salvador terminar

os estudos, e passou a freqüentar o meio artístico, ao lado do irmão Caetano

Veloso. Três anos depois estreou na peça "Boca de Ouro", de Nelson Rodrigues,

como cantora. Por essa época, Bethânia e Caetano conheceram outros músicos

iniciantes: Gilberto Gil, Gal Costa, Tom Zé, Alcivando Luz e outros. No ano de

1965 gravou seus primeiros discos.

A primeira manhã, na verdade, com título original “Na primeira manhã” é

composição de Alceu Valença.

Nascido em família pobre, a 27 de janeiro de 1949, em Maceió (AL), Djavan

poderia ter virado raiz, mas a música mudou seu destino e de uma flor-de-lis

brotou uma carreira cuja floração já perdura por mais de 25 primaveras. Por sua

originalidade e polinização de suas canções, a única coisa que se pode prever a

cada novo trabalho de Djavan é sua versatilidade de tons.

Drão, canção composta por Gilberto Gil do disco “Um banda Um” de 1982.

Exaltação à Mangueira, canção composta por Enéas Brittes e Silva e

Aloísio Augusto da Costa em 1955 foi lançada por Jamelão no carnaval de 1956.

Paulinho da Viola, nascido aos 12 dias do mês de novembro de 1942 no

Rio de Janeiro,um dos mais requintados compositores de samba em atividade,

letrista e instrumentista aclamado, é filho do violonista e chorão César Faria, do

conjunto Época de Ouro. Cresceu no Rio de Janeiro ouvindo em casa canjas de

músicos como Pixinguinha e Jacob do Bandolim, e logo aprendeu a tocar violão e

cavaquinho.

Sonho de um carnaval, canção composta por Chico Buarque de Holanda

em 1965 e gravada no disco “Nervos de aço” de 1973 pela Odeon.

Maria da Graça Costa Pena Burgos, Gal Costa,nasceu no dia 26

de setembro de 1945 em Salvador, Bahia. Gracinha, Gau, Maria da Graça, 15

anos. Nas festinhas, a adolescente retraída empunhava o violão e cantava as

canções da época. Evidenciava-se, lentamente, a sua vocação de cantora. A

cidade de Salvador fervilhava de idéias vanguardistas. Brasília era inaugurada, as

rádios tocavam João Gilberto em Chega de Saudade, Martim Gonçalves dirigia a

Escola de Teatro, os soviéticos lançavam ao espaço o Sputinik 4: o futuro parecia

próximo e moderno. John Kennedy vencia as eleições nos Estados Unidos,

Gláuber Rocha estreava como diretor em Barravento, Roberto Pires acabara de

filmar A Grande Feira e Elvis Presley avisava: It´s Now or Never. O mundo perdia

a inocência da década anterior.

A canção “Candeias” foi composta por Edu Lobo em 1967.

Elis Regina Carvalho Costa, nasceu em Porto Alegre 17 de março de

1945 , e desde os 11 anos se apresentava na Rádio Farroupilha, cantando. Fez

parte do elenco fixo da emissora, onde trabalhou por algum tempo. Em 1959

assinou o primeiro contrato profissional, na Rádio Gaúcha, e no ano seguinte foi

para o Rio de Janeiro, onde gravou o primeiro compacto, pela Continental. A

mesma gravadora em 1961 lançou seu primeiro LP, "Viva a Brotolândia", com

calipsos e rocks. Em seguida voltou para Porto Alegre, onde ficou até 1964,

quando regressou definitivamente para o Rio. Cantou no Beco das Garrafas,

reduto da bossa nova, onde teria aprendido com o bailarino americano Lennie

Dale a célebre coreografia que lhe valeu o apelido de "Hélice Regina". Contratada

pela TV Rio, passa a trabalhar ao lado de Jorge Ben, Wilson Simonal e outros.

Tornou-se conhecida nacionalmente em 1965, ao sagrar-se vencedora do I

Festival de Música Popular Brasileira da TV Excelsior, defendendo a música

"Arrastão", de Edu Lobo e Vinicius de Moraes.

A canção “Como nossos pais” é composição de Belchior dos anos 70 que

foi gravada por Elis Regina em 1971 e foi a alavanca da carreira do compositor,

pois posteriormente, vários artistas famosos interpretaram suas canções também.

Elba Ramalho, a filha do nordeste brasileiro, nascida no dia 17 de agosto

de 1951, no alto sertão da Paraíba sob o signo de Leão, teve a sorte de ter um pai

músico, que a despertou cedo para a música. Criando-se no Nordeste, Elba teve

como cartilha os mais diversos ritmos dessa ensolarada região: baião, maracatu,

xote, frevo, pastoril, caboclinhos e forrós. Gêneros musicais que preservam a

pureza ao mesmo tempo que criaram novas dinâmicas na cultura popular e

influenciaram toda a música brasileira.

“De volta pro aconchego” citada por Caetano tem como nome original “De

volta pro meu aconchego” composição de Dominguinhos e Nando Cordel de

1985.

Sílvio Antônio Narciso de Figueiredo Caldas nasceu em 1908, no bairro

de São Cristóvão, no Rio de Janeiro, numa família grande e musical.

O pai, Antônio Narciso Caldas, possuía uma pequena loja de instrumentos,

consertava e afinava pianos e era compositor (Orlando Silva chegou a gravar uma

valsa sua, "Neusa", em 1938). A mãe, a avó e as tias cantavam no coro da igreja,

nas festas e quermesses. Sílvio Caldas cresceu ouvindo música e cantando em

festas familiares e escolares. Sua primeira apresentação ocorreu aos seis anos de

idade, numa conferência no Teatro Fênix. À época, ele já integrava um bloco

carnavalesco chama do “Família Ideal” .

Em São Paulo, para onde foi tentar a sorte aos dezesseis anos, foi lavador de

automóveis e mecânico em diversas oficinas. Chegou a trabalhar até na rodovia

Rio-São Paulo, como motorista e cozinheiro. E a ser leiteiro, depois, no estado do

Rio. Entre um serviço e outro, cantava e fazia boemia.

O cantor Sílvio Caldas foi o maior responsável pela consolidação da seresta

na música popular brasileira, tendo contribuído para o gênero também como

compositor, nos anos 30. Por isso, ele se tornou identificado como "O Seresteiro

do Brasil", epíteto ao qual se manteve fiel durante toda a sua longa carreira.

A canção “Mulher” de 1940 é composição de Custódio Mesquita e Sadi

Cabral.

Elisete Moreira Cardoso nasceu no dia 16 de julho de 1920 no

subúrbio do Rio de Janeiro, cantava desde pequena, no subúrbio do Rio,

cobrando ingresso das outras crianças para ouvi-la cantar. Foi descoberta aos 16

anos por Jacob do Bandolim, que a levou para cantar no Programa Suburbano, da

Rádio Guanabara. Nos anos 30 e 40 trabalhou em várias rádios, boates, casas

noturnas, foi crooner de orquestra e emplacou seu primeiro sucesso, "Canção de

Amor" (Chocolate/ Elano de Paula). Em 1958 gravou o antológico disco "Canção

do Amor Demais", com músicas de Tom Jobim e Vinicius de Moraes, considerado

marco inaugural da bossa nova. No ano seguinte continuou atuando ao lado dos

compositores da bossa nova, e gravou músicas para o filme "Orfeu do Carnaval".

Na década de 60 chegou a ter seu próprio programa na TV Rio, Nossa Elizeth.

Sua ligação com o samba fez-se mais forte depois da participação no show "Rosa

de Ouro", que originou o LP "Elizeth Sobe o Morro", um de seus discos mais

importantes, ao lado de "A Enluarada Elizeth", que contou com a participação de

Pixinguinha, Cartola, Clementina de Jesus. Em 1968 realizou o show que alguns

consideram o ápice de sua carreira, com Jacob do Bandolim, Época de Ouro e

Zimbo Trio, no Teatro João Caetano, no Rio de Janeiro. O espetáculo, produzido

por Hermínio Bello de Carvalho para o Museu da Imagem e do Som, virou um LP

duplo. Nos anos 70 fez shows no Japão, onde hoje em dia são editado CDs com

suas músicas que não existem no Brasil. Elizeth foi uma das maiores divas da

canção brasileira. Faleceu em 7 de maio de 1990.

“Chega de mágoa” foi uma composição coletiva ( Milton Nascimento,

Djavan, Rita Lee, Caetano Vesoso, Elisete Cardoso e outros), gravada no

compacto simples “Nordeste já” no ano de 1985, ano da solidariedade.

Gilberto Passos Gil Moreira nasceu em Salvador, no dia 26 de junho de

1942. Passou sua infância na pequena cidade de Ituaçu e sua vocação musical

despertou cedo, aos três anos de idade já manifestava o desejo de ser músico,

fascinado pelos grandes sucessos das rádios do Rio de Janeiro e as tantas

matizes da música local. Em 1952 Gil vai estudar em Salvador no Colégio dos

Irmãos Maristas e aproveita para matricular-se em uma escola de acordeom.Em

1962 ele tem, pela primeira vez, uma música gravada: “Bem devagar”, com o

conjunto vocal As Três Baianas. Na televisão, no início de 1966, passa a se

destacar em “O Fino da Bossa”, programa da TV Record apresentado pela cantora

Elis Regina, que consagra a sua composição “Louvação”. Nascia um novo e

grande compositor popular brasileiro, que consolidou parcerias com os maiores

nomes da Música Popular Brasileira.

Gil e Caetano revolucionam, com o Tropicalismo, toda a música popular

brasileira, com composições mais engajadas e políticas, ao contrário da

ingenuidade que a jovem guarda passava para a juventude de então. Em 1969 foi

exilado, juntamente com Caetano, devido a convicções políticas discordantes dos

então ditadores de plantão.

A canção “Sobre todas as coisas” é composição de Chico Buarque e Edu

Lobo de 1982 e foi composta para o balé “O grande circo místico”.

Cauby Peixoto Barros nasceu em Niterói RJ em 10 de Fevereiro de 1934.

De família de artistas populares. Estudou num colégio de padres salesianos no

Rio de Janeiro RJ, e já no tempo de estudante cantava no coral da igreja. Mais

tarde, quando trabalhava no comércio, apresentou-se no programa de calouros da

Rádio Tupi, Hora dos Comerciários, patrocinado pelo SESC e dirigido pela pianista

Babi de Oliveira, conseguindo então chamar a atenção da Revista do Rádio, em

1949. Sua imagem foi forjada para agradar: vestindo-se de maneira extravagante

para a época, e colocando trinados e versos inexistentes em suas canções, criou

um tipo diferente, obtendo sucesso imediato. Em 1993 foi o grande homenageado,

ao lado de Ângela Maria, no Prêmio Sharp de Música. Em 1996, foi lançada pela

Columbia caixa com 2 CDs abrangendo suas gravações de 1953 a 1959, com

sucessos como Conceição.

A canção “Camarim” é uma composição com letra de Hermínio Bello de

Carvalho e música de Cartola.

Orlando Garcia da Silva, cantor. Y 3/10/1915, Rio de Janeiro, RJ ~ V

7/8/1978, Rio de Janeiro, RJ, por isquemia (derrame) cerebral.Filho de José

Celestino da Silva, exímio violonista mas que Orlando não chegou a ver tocar pois

morreu em 1918 (Gripe Espanhola) e de Balbina Garcia Silva. Apesar de nunca ter

estudado música e ser extremamente tímido, desde pequeno era atraído pelo

canto. Chegou a cantar em circos, clubes, restaurantes e cinemas. Em 1934,

apresentado pelo compositor Bororó, estreou na Rádio Cajuti (Tijuca ao contrário)

no programa de Francisco Alves, o qual ajudou-o muito em sua carreira. Gravou

seu primeiro disco na Colúmbia com o samba Olha a baiana (Kid Pepe e

Germano Augusto Coelho) e a marcha Ondas curtas (Kid Pepe e Zeca Ivo),

ambas para o carnaval de 1935. Seu segundo disco foi feito neste mesmo ano na

RCA Victor, onde permaneceu até 1942. Este foi o período de ouro em sua

carreira.Quando esteve em São Paulo em 1938 e cantou para um público de 10

mil pessoas, o radialista Oduvaldo Cozzi lhe atribuiu o "slogan" de "O Cantor das

Multidões". Em 7 de agosto 1978 faleceu no Hospital Gaffrée Guinle e foi

sepultado no Cemitério São João Batista. O público participou do cortejo entoando

a valsa Carinhoso.

A canção “Faixa de cetim” de 1962 é composição de Ary Barroso.

Milton Nascimento nascido no Rio no dia 26 de outubro de 1942, foi para

Três Pontas (MG) com menos de dois anos de idade, na companhia dos pais

adotivos. Portanto, mesmo sendo carioca, tornou-se conhecido como o principal

responsável pela projeção da moderna música de Minas Gerais. Desde cedo tinha

consciência de sua voz extraordinária e começou aos 13 anos como crooner,

profissão que buscou resgatar recentemente com o CD "Crooner", de 1999. Em

1998 ganhou o Grammy na categoria World Music com seu disco "Nascimento".

A canção “O que será?” ou “À Flor da pele” é composição de Chico

Buarque de Hollanda de 1976.

Roberto Carlos Braga é capixaba de Cachoeiro do Itapemirim, nascido no

dia 19 de abril de 1941. Aos 9 anos já chamava a atenção na rádio local imitando

o cantor Bob Nelson. Aos 12 mudou-se para Niterói com a família, e começou a

fazer amizades com outros rapazes que gostavam de música, especialmente o

rock'n'roll que vinha dos Estados Unidos. Em 1957 formou com alguns amigos,

inclusive Tim Maia, o conjunto "Os Sputniks". No ano seguinte já era integrante do

"The Snakes", junto com Erasmo Carlos. Com esse grupo chegou a participar do

programa Clube do Rock, de Carlos Imperial, na TV Continental. Gravou alguns

compactos no final da década de 50 e em 1961 lançou o primeiro LP, "Louco por

Você". A partir daí passou a investir, com apoio da gravadora CBS, no incipiente

mercado de música jovem. Para isso juntou-se ao amigo Erasmo e passou a fazer

versões e compor músicas como "Splish Splash", "O Calhambeque", "É Proibido

Fumar" e outras que visavam ao filão juventude transviada, criando o primeiro

movimento de rock feito no Brasil. Em 1965 estreou, ao lado de Erasmo e

Wanderléa, o programa Jovem Guarda, na TV Record, que daria nome ao

movimento. Desde 1961 conseguiu a incrível façanha de lançar um disco inédito

por ano, interrompida apenas em 1999 por causa da doença de sua então esposa,

Maria Rita, que viria a falecer. Nos últimos anos esse lançamento acontece

invariavelmente no Natal. Seus discos já venderam milhões de cópias e bateram

recordes de vendagem (em 1994 bateu a marca de 70 milhões de discos

vendidos). Fez milhares de shows em centenas de cidades, no Brasil e no exterior.

Seu fã-clube é um dos maiores de todo o mundo.

A canção “A madrasta” ou somente “Madrasta” é composição de Beto

Ruschel e Renato Teixeira de 1968, está no disco “O inimitável” pela gravadora

CBS.

João Bosco nasceu no dia 13 de julho de 1946 em Minas Gerais.

Começou a tocar violão aos 12 anos, incentivado pela família cheia de

músicos.Anos mais tarde vai para a faculdade de engenharia Metalúrgica em Ouro

Preto, e, sem abandonar os estudos, dedica-se à música, atraído principalmente

pelo jazz, bossa nova e tropicalismo. Um de seus primeiros parceiros foi Vinicius

de Moraes, que o encorajou a ir para o Rio de Janeiro. Algumas músicas da dupla

são "Rosa dos Ventos", "Samba do Pouso" e "O Mergulhador". Em 1971 conhece

o letrista Aldir Blanc, com quem faria uma série de geniais parcerias ("Bala com

Bala", "De Frente pro Crime", "Kid Cavaquinho", "Caça à Raposa", "Falso

Brilhante", "O Rancho da Goiabada"). No ano seguinte termina a faculdade e se

radica no Rio de Janeiro, onde grava sua primeira música, "Agnus Sei" (parceria

com Aldir) no lado B do Disco de Bolso lançado por "O Pasquim" que lançava

"Águas de Março", de Tom Jobim. No Rio compõe muito com Aldir Blanc, e várias

dessas parcerias se tornam clássicos atemporais na voz de Elis Regina, como

"Mestre-sala dos Mares", "Dois pra Lá, Dois pra Cá" e "O Bêbado e a Equilibrista",

que se torna um hino informal da anistia política. Na década de 70 lança discos

solos que o destacam como violonista virtuose, elogiado por ases como o inglês

John McLaughin, e compositor. Nos anos 80 e 90, depois de encerrar sua parceria

com Aldir Blanc, passa a atuar mais freqüentemente como cantor, e encontra

outros parceiros como Capinam ("Papel Machê", outro grande sucesso), Waly

Salomão e Antônio Cícero ("Holofotes"), além do filho poeta, Francisco Bosco,

com quem compôs as faixas do disco "As Mil e Uma Aldeias". Em 1998 compôs a

trilha para o balé "Benguelê", do Grupo Corpo, apresentado no Rio, São Paulo,

Belo Horizonte e em festivais internacionais.

A canção “Rio de Janeiro” ou “Samba do avião” é composição de Tom

Jobim de 1962.

Dalva de Oliveira nasceu no dia 05 de maio de 1917 em Rio Claro (SP),

seu pai era saxofonista amador e clarinetista e a menina acompanhava o conjunto

do pai em serenatas e bailes. Na década de 30 formou o Trio de Ouro com Nilo

Chagas e Herivelto Martins, com quem acabou casando. O grupo emplacou

clássicos como "Praça Onze" (Herivelto/ Grande Otelo) e "Ave Maria no Morro"

(Herivelto). Trabalhou nas principais rádios da então capital do país, cantou no

famoso Cassino da Urca. Em 1951 foi eleita Rainha do Rádio e excursionou pela

Argentina e Europa. Em 1997, a EMI lançou uma caixa com suas principais

gravações, intitulada "A Rainha da Voz".

A canção “Poeira do chão” é composição de Armando Cavalcanti e Klécius

Caldas de 1952.