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revistaD’ART 38 DO MERCADO. DA CULTURA DE MERCADO Tenho insistido nos últimos anos, em alguns artigos que escrevi, na idéia de que precisamos mudar a maneira como focalizamos a música erudita no Brasil. O dilema se inicia pelo próprio nome: música erudita, música clássica, música de concerto, música boa, música intelectual, etc. Escolha qualquer um dos nomes. Em todos eles há uma clara sugestão de exclusividade e/ ou superioridade. Estive pesquisando inúmeros artigos e publicações da área, escritos nos últimos 80 anos em nosso país, e coletei algumas pérolas: “a bandeira está lançada, senhores. Somos poucos mas somos a nata da sociedade”; “é uma música de difícil compreensão para o populacho”; “Rubinstein está em São Paulo para uma série de recitais apenas para os poucos eleitos que po para poucos”; “ouvi-lo foi uma experiência muito profunda”. Quando saí do teatro estava em lágrimas. Alguns populares riram. Pobres almas incultas. Jamais teria condições de lhes explicar o acontecido. Jamais teriam suas pobres cacholas condições de entender-me”; “no saguão do teatro as discussões estavam animadas: esta cantora não pode cantar este papel, sua voz é muito pequena, diz um. Vocês notaram que emissão feia tinha o tenor na segunda ária do terceiro ato?, diz outro. Nunca esta ópera deveria ser cantada em nosso teatro, não temos cantores para tanto, completa um terceiro. É o que lhes digo cavalheiros: ópera só em Viena, arremata um quarto. Vamos, o sinal está tocando. Animem-se, só falta um ato”. Eu poderia utilizar todo o espaço do texto para publicar mais uma centena de frases como as transcritas acima. Em todas elas existe um sentimento de exclusão social, típico do pensamento dominante em quase todas as décadas do século passado. Infelizmente, ninguém atentou para o mais simples dos fatos: o público de música erudita A música erudita no mercado fonográfico brasileiro atual: mitos e realidades Denis Wagner Molitsas no Brasil, com raras exceções, não se renovou. Ontem, “poucos eleitos”. Hoje, “quase nenhum eleito”. Aqui está o ponto central de todos os nossos problemas. Sempre foi de muita conveniência a explicação de que a educação e a cultura são atributos de uma minoria. Principalmente quando essa minoria deseja que assim seja. O ensino de música nas escolas públicas foi extirpado. A tradição familiar de ouvir e apreciar música erudita foi sendo perdida na maioria esmagadora dos lares brasileiros. Os graves problemas econômicos de nosso país nas últimas décadas reduziram a classe média e aumentaram a linha da pobreza. Os acessos à música erudita, mais do que nunca, são economicamente um privilégio para poucos. O Estado sempre custeou a estrutura que sustenta a música erudita em nosso país. Com as sucessivas crises econômicas e financeiras, esse apoio foi sendo cortado e considerado supérfluo diante das reais necessidades da população. O fenômeno dos patrocínios e das doações é muito recente em nossa sociedade e não conseguiu ainda suprir ou pelos menos equilibrar a falta de recursos públicos. A crise sempre nos ensina. A falta de investimento e capital de giro na maioria das atividades econômicas obriga os agentes a uma maior profissionalização para garantir a sobrevivência. As empresas procuram racionalizar os processos e encontrar soluções mais criativas. A música deve ser encarada como uma atividade econômica, que também sofre com as oscilações de mercado, mas que precisa ser tratada mais profissionalmente, inclusive na procura de soluções para seus problemas. Não se trata de tolher a inspiração e a criatividade dos músicos, e, sim, adaptá-las para que convivam com a nova ordem econômica que impera em todo o mundo. O musical e o executivo devem trabalhar em conjunto.

A Musica Erudita No Mercado Fonografico

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A Musica Erudita No Mercado Fonografico

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  • revistaDART

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    DO MERCADO. DA CULTURA DE MERCADO

    Tenho insistido nos ltimos anos, em algunsartigos que escrevi, na idia de que precisamosmudar a maneira como focalizamos a msicaerudita no Brasil. O dilema se inicia pelo prprionome: msica erudita, msica clssica, msicade concerto, msica boa, msica intelectual,etc. Escolha qualquer um dos nomes. Em todoseles h uma clara sugesto de exclusividade e/ou superioridade.Est ive pesqu isando inmeros ar t igos epublicaes da rea, escritos nos ltimos 80anos em nosso pas, e coletei algumas prolas:a bandeira est lanada, senhores. Somospoucos mas somos a nata da sociedade; uma msica de difcil compreenso parao populacho;Rubinstein est em So Paulo para uma sriede recitais apenas para os poucos eleitos que popara poucos;ouvi-lo foi uma experincia muito profunda.

    Quando sa do teatro estava em lgrimas. Algunspopulares riram. Pobres almas incultas. Jamaisteria condies de lhes explicar o acontecido.Jamais teriam suas pobres cacholas condiesde entender-me; no saguo do teatro asdiscusses estavam animadas: esta cantora nopode cantar este papel, sua voz muito pequena,diz um. Vocs notaram que emisso feia tinha otenor na segunda ria do terceiro ato?, diz outro.Nunca esta pera deveria ser cantada em nossoteatro, no temos cantores para tanto, completaum terceiro. o que lhes digo cavalheiros: peras em Viena, arremata um quarto. Vamos, osinal est tocando. Animem-se, s falta um ato.

    Eu poderia utilizar todo o espao do texto parapublicar mais uma centena de frases como astranscritas acima. Em todas elas existe umsentimento de excluso social, tpico dopensamento dominante em quase todas asdcadas do sculo passado.

    Infelizmente, ningum atentou para o maissimples dos fatos: o pblico de msica erudita

    A msica erudita nomercado fonogrficobrasileiro atual: mitos erealidadesDenis Wagner Molitsas

    no Brasil, com raras excees, no se renovou.Ontem, poucos eleitos. Hoje, quase nenhumeleito. Aqui est o ponto central de todos osnossos problemas.

    Sempre foi de muita convenincia a explicaode que a educao e a cultura so atributos deuma minoria. Principalmente quando essaminoria deseja que assim seja. O ensino demsica nas escolas pblicas foi extirpado. Atradio familiar de ouvir e apreciar msicaerudita foi sendo perdida na maioria esmagadorados lares brasileiros. Os graves problemaseconmicos de nosso pas nas ltimas dcadasreduziram a classe mdia e aumentaram a linhada pobreza. Os acessos msica erudita, maisdo que nunca, so economicamente umprivilgio para poucos.

    O Estado sempre custeou a estrutura quesustenta a msica erudita em nosso pas. Comas sucessivas crises econmicas e financeiras,esse apoio foi sendo cortado e consideradosuprfluo diante das reais necessidades dapopulao. O fenmeno dos patrocnios e dasdoaes muito recente em nossa sociedade eno conseguiu ainda suprir ou pelos menosequilibrar a falta de recursos pblicos.

    A cr ise sempre nos ens ina. A fa l ta deinvestimento e capital de giro na maioria dasatividades econmicas obriga os agentes a umamaior prof issional izao para garant ir asobrev ivnc ia . As empresas p rocuramracionalizar os processos e encontrar soluesmais criativas. A msica deve ser encaradacomo uma atividade econmica, que tambmsofre com as oscilaes de mercado, mas queprecisa ser tratada mais profissionalmente,inclusive na procura de solues para seusproblemas. No se trata de tolher a inspiraoe a criatividade dos msicos, e, sim, adapt-laspara que convivam com a nova ordem econmicaque impera em todo o mundo. O musical e oexecutivo devem trabalhar em conjunto.

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    O mercado fonogrfico acaba sendo um bomindicador de como anda a msica erudita noBrasil. O consumo de produtos teve quedaacentuada nos ltimos anos. Hoje representamenos de 2% do total de unidades vendidas nopas. No adianta procurar bandidos emocinhos. A indstria fonogrfica criou suaprpria destruio ao inventar o CD. Durante osprimeiros 80 anos do sculo XX, as grandesempresas no tiveram problemas. Os processosindustriais eram caros e restritos. No sepirateavam os antigos discos simplesmenteporque os custos de produo eram altssimos eno havia qualquer tipo de compensaofinanceira nessa atividade. Mesmo quando aindstria lanou o filo das fitas de rolo e cassetesgravveis, no houve maiores problemas.

    No caso brasileiro, trs explicaes bsicaspodem exempl if icar a cr ise da indstr iafonogrfica: a) a facilidade e o baixo custo defabr icao de cpias-p i rata a part i r degravadores fabricados por conglomeradosindus t r i a i s , p rop r i e t r i os das p rp r i asfabricantes de CDs, ou seja, as mesmasempresas fabricam o veneno e o antdoto (nonecessa r i amen te nessa o rdem) ; b ) a ssucessivas crises econmicas que foramdepauperando a classe mdia e aumentando onmero de pobres e miserveis; c) a facilidadede copiar arquivos pela Internet. Em resumo:a produo de msica barata encontrou umcampo frtil de consumidores dispostos apagar pouco pelos itens oferecidos, ao mesmotempo em que as novas geraes aprenderama utilizar os computadores e seus programaspa ra c r i a r p rodutos p rp r ios ba ixadosgratuitamente pela rede mundial.

    A indstria fonogrfica acumulou grandesprejuzos no Brasil, fechando departamentos,demitindo pessoas e fundindo-se. Mas essas somedidas puramente administrativas e que noatacam o problema real. No exterior, avanamas negociaes para vender downloads demsica atravs de servios de troca de arquivospor meio de servios pagos. A soluo pareceser o aumento de sites de venda legal de msicaon-line, aproveitando os imensos catlogos dasgravadoras como mais uma boa opo denegcio. Apesar de alguns ridculos abusos teremsido cometidos, as aes legais realizadas pelogoverno norte-americano contra os internautas

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    que baixam msicas gratuitamente tiveram oefeito positivo de levar vrios usurios a migrarpara os sites legais com medo de represlias.Essas aes coercit ivas comeam a serutilizadas em alguns pases da Europa. Aindstria do disco tem percebido que as novastecnologias combinadas alavancam novasoportunidades de negcio. As empresasbrasileiras devero seguir esse modelo duranteos prximos anos. Acredita-se que, dentro de,no mximo dez anos, o atual suporte de vendade msica em lojas estar terminado nos EstadosUnidos, no Canad, no Japo e em vrios paseseuropeus. A indstria no Brasil prev umasobrevida um pouco maior, entre 15 e 20 anos.A maioria da populao no tem acesso internet, e o processo ser mais lento em nossopas devido a motivos puramente econmicos.

    A pirataria generalizada no existe na mesmamedida para a msica erudita. Os ndices de vendapor unidade so to baixos que no vale a penapiratear esse gnero. Nosso mercado contaatualmente com no mais de 60 bons pontos devenda de msica erudita, para um pas com maisde 180 milhes de habitantes. Tais lojas oferecempouca variedade de itens nacionais. As grandesempresas praticamente no lanam mais novidadesem CD. Os itens importados sofrem com uma altatributao, tornando o produto final quaseimpossvel de ser consumido em quantidade.Aplicamos aqui um outro conceito: a pirataria porparceria. Grupos de pessoas adquirem uma unidadedo produto e realizam cpias para todos.Isso serve tanto para CDs como DVDs. Nenhumanovidade: a classe mdia no tem mais condiesde sustentar as diverses de outros tempos.

    Nos ltimos anos surgiram inmeras pequenasgravadoras oferecendo servios aos musicistas.Estima-se que atuem hoje no pas mais de 400gravadoras. Cerca de 80 dessas gravadorasdecidiram unir-se e fundar a ABMI (AssociaoBrasileira de Msica Independente). So pequenase mdias empresas que chegam a vender 200mil cpias de um s disco de msica popular.

    Organizaram uma rede de distribuio internaque atua em quase todas as grandes cidadesbrasileiras. Desse total, apenas 15% trabalhamcom msica erudita. A maioria oferece produtosde baixa qualidade, no consegue exportar e estanos-luz atrs da internet. A distribuio dos

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    produtos eruditos outro problema crnico. Ama io r pa r te das empresas possu i umadistribuio muito precria, vende poucaquantidade e no recupera o custo investido.Os prprios artistas tm tentado fazer otrabalho com marcas prprias.

    O resultado quase sempre o mesmo: sobramquantidades de CDs em estoque. Pouqussimosartistas eruditos brasileiros conseguem passarda marca de mil unidades vendidas em lojas emnosso mercado. Os poucos que alcanam umadistribuio melhor convivem com um outrodilema: mesmo com a distribuio estruturada, preciso fazer o disco sair das prateleiras daslojas. A procura pequena. Mais da metade dosconsumidores da Grande So Paulo, porexemplo, no compram mais em lojas oficiais,preferindo a informalidade, de acordo compesquisa realizada pela Federao do Comrcio.

    Caminhos e indagaes

    Observando os bons exemplos e as boasiniciativas tomadas em alguns pases onde amsica erudita ocupa um espao maior no dia-a-dia das pessoas, possvel tirar algumas liesque podem nos indicar caminhos alternativos.De acordo com Luiz Carlos Prestes Filho, pormais inusitado que possa parecer a ouvidossintonizados em clssicos, o produto musical temmuito em comum com automveis e tecidos:ambos so frutos de cadeias produtivas prprias.

    Tal qual qualquer produto criado pelo intelectohumano, a msica o produto final de umaseqncia perfeitamente elaborada e que sofretransformaes durante o processo produtivo.Por mais bvio que possa parecer, s nos ltimosanos as pessoas esto comeando a entenderisso. Para que a msica tenha como existir e seperpetuar em um dado ambiente, necessrioque exista toda uma cadeia produtiva formadapor vrios membros e aspectos interligados:indstria fonogrfica;tecnologia digital;direitos autorais;polticas pblicas;radiodifuso e mdia impressa;espetculos e shows;indstria de instrumentos musicais e de equipamentos;formao acadmica, tcnica e empresarial;formao de platias.

    A maior contribuio em formar platias para amsica erudita vem da tradio familiar, do ensinode msica nas escolas e da possibilidade defreqentar apresentaes pblicas de qualidade.Infelizmente esses elos foram quebrados.

    Nos ltimos anos, algumas atividades bem-sucedidas comeam a se espalhar pelo Brasil apartir da cidade de So Paulo, no objetivo deconstituir novas platias e futuros novosconsumidores de msica erudita. Algumaspolticas pblicas de consistncia deram opontap inicial investindo grandes somas derecursos na construo e reforma de vriosteatros, contando com a boa vontade dainiciativa privada, que por meio das leis deincent ivo f isca l d iv id i ram os custos. Orenascimento de trs importantes conjuntosmusicais abriu possibilidades de trabalho aosmsicos e atraiu a ateno de novas platiasque lotam os teatros e assinam as vrias opesde sries de concertos.

    Uma recente safra de regentes vem se juntandoaos tradicionais na procura incessante de abriro leque musical e atrair a ateno das pessoas. louvvel o trabalho dos maestros JohnNeschling e Roberto Minczuk frente daOrquestra Sinfnica do Estado de So Paulo; dosmaestros Ira Levin e Henrique Lian na OrquestraSinfnica Municipal, e do maestro CarlosMoreno com a Orquest ra S in fn ica daUniversidade de So Paulo. Esses conjuntosesto contribuindo definitivamente para realizaruma renovao de pblico. Nunca nenhumaorquestra nacional consegui vender tantasass inaturas como esses t rs conjuntosatualmente. Nada acontece sem planejamentoe sem dinheiro. Essa vitria pode ser creditadaaos esforos da iniciativa pblica num primeiromomento e pelo paulatino engajamento dainiciativa privada num segundo instante.

    Movimentos isolados comeam a acontecer no Riode Janeiro, em Manaus, Belo Horizonte, Curitiba,Porto Alegre e no interior do Estado de So Paulo. o suficiente? No... Mas necessrio se iniciar dealgum ponto. A tradio surge do sucesso contnuodiante das sucessivas geraes de ouvintes.

    importante investir na formao acadmica denossos msicos, tanto para o aproveitamento emorquestras como para solistas. fundamental

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    lembrar que alguns de nossos maiores artistasforam bolsistas do governo brasileiro, tendoestudado em diversos pases. Muitos dessesso ho je p ro fesso res respe i tve i s quelecionam em vrias universidades e escolasde msica brasileiras.

    Um problema crnico, criado pela falta deoportunidades e pela competio acirrada epredatria das ltimas dcadas, gerou uma classede profissionais totalmente desunida ou filiada aalgumas associaes de alcance muito restrito.

    Se a classe de msica erudita no Brasil desejachegar a algum lugar, deve pensar imediatamenteem se unir em torno de um s objetivo: melhorartoda a cadeia produtiva por meio de soluesinovadoras. Uma grande parte dos executantesainda continua ligada ao romantismo de idiasdas primeiras dcadas do sculo XX, quando osgrandes artistas eram recebidos com banda demsica e discursos nos portos e aeroportos. Afigura dos imortais da msica s no terminoupor conta de alguns ltimos espcimes emextino. Com o advento da televiso e de novastecnologias modernas, o msico passou a serconsiderado um ser mortal e comum, que entraem nossos lares e nossas vidas quantas vezesdesejarmos pelas inmeras md ias decomunicao. O pblico foi se desligando dasperformances ao vivo, muitas delas aindapomposas e totalmente fora de poca. Amassificao da msica popular de baixa qualidadetomou quase todo o espao. Em vrios pases, osregentes, os cantores e os recitalistas estoabandonando a velha frmula, descendo de seuspedestais e procurando um relacionamento maisdireto com o pblico. Muitos se apresentam emlocais nunca imaginados para um artista erudito.

    No importa onde, nem como: preciso inovare procurar outros caminhos. O processo antigofaliu. Vrios pianistas esto conversando sobreo repertrio e trocando idias com o pblico.Os recitais ficam muito mais interessantesquando existe a vontade de interagir. Namsica popular, a ordem chegar junto aopblico. Por que no tambm na msicaerudita? O fato de o artista no mais usarcasaca no significa que a qualidade de suaarte tenha diminudo. Ao contrrio, algunsmsicos esto comeando a colher os frutosdessa nova postura. O pblico sai informado e

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    encantado dos concertos e imediatamenteprocura CDs e DVDs do artista. As vendas naslojas e na internet sobem na mesma proporo.

    A unio dos artistas eruditos tambm deve serestendida aos direitos autorais e conexos.Muitos de nossos maiores compositores, at bempouco tempo, no tinham idia de que o ECADlhes reservava somas em dinheiro a seremretiradas, e estas nunca eram reclamadas. Opagamento de direitos no Brasil funciona muitome lhor na ms ica popu la r , em que oscompositores e intrpretes procuram sempreseus direitos e contratam advogados pararepresent-los perante os rgos arrecadadores.Os msicos eruditos pouco se interessam porisso e nada fazem para mudar tal panorama.Existem apenas algumas poucas excees.

    Na realidade, toda essa baguna e desorganizaoacaba se refletindo na vontade das prpriasindstrias fonogrficas. Quando os balanos sonegativos, a msica erudita a primeira a sercortada. Existe um pblico de potencial muitoforte e ainda no convenientemente exploradono Brasil. Basta observar a venda de assinaturase CDs realizada pela Orquestra Sinfnica doEstado de So Paulo. Mais de sete mil assinaturasvendidas e mais de cinco mil CDs vendidossomente do primeiro lanamento com obras deCamargo Guarnieri. Onde estavam escondidosesses ouvintes? Nos mesmos lugares onde sempreestiveram. Cabia aos msicos ir busc-los de voltae arregimentar esse novo pblico. Foi o que aOSESP fez. E pode ser feito por qualquer um.No devemos esperar que os futuros governosiniciem investimentos nas novas geraes paradaqui a 50 anos termos um grande nmero deouvintes conscientes. Isso necessrio paragarantir a continuidade, mas, no momento, temosde buscar a gerao atual.

    Hoje em dia, as grandes gravadoras que atuamno Brasil no apiam os novos talentos. Sualgica vender os compositores mais conhecidose os intrpretes famosos que do um retornofinanceiro mais imediato, preocupando-seapenas com a prpria sobrevivncia. Algumaspequenas gravadoras acabam apostando em umou outro talento. O movimento muito pequeno.No existem verbas para estratgias delanamento dos artistas e sua sustentao. Amaioria dos projetos acaba morrendo na praia.

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    A possibilidade de exportao muito pequena.Alguns poucos comeam a enveredar pelocaminho da venda v i r tua l de ms ica ,contratando espaos em alguns sites nosEstados Unidos, no Japo e em pases da Europa.Mas tudo isso muito complicado para o prpriomsico controlar. Existe a necessidade decontato com um distribuidor mais organizado.H muito poucos no Brasil no momento.

    O modelo norte-americano talvez seja uma boasada para o fomento de jovens talentos. Existemalgumas ONGs mantidas com dinheiro pblico eprivado, que tem como meta dar oportunidade aosartistas que esto comeando. Esses rgoscusteiam o primeiro CD ou DVD do jovem msico.Fazem a sua distribuio, patrocinam e conseguemapresentaes pblicas, bolsas de estudo, etc.

    O iniciante tem a possibilidade de uma ajudaimportante para comear, que no viria de maisn ingum. H inmeras ONGs no Bras i lmovimentando milhes de dlares nos maisdiferentes nichos de mercado. Por que notentar apoiar a msica erudita? Esse mais umexemplo de que somente a unio de todos osseus membros poderia resolver essa questo,pressionando a opinio pblica e o governo.

    A concluso lgica a mesma a que todos ospases mais adiantados j chegaram. Estamosno meio de um ciclo ruim, talvez na baixa. Masisso no significa que tudo acabou. Todos estoprocurando por solues diferentes, melhoresleis de incentivo, um maior interesse doconsumidor, uma maior proteo da classe, maisplanejamento e invest imento pbl ico naformao de novos pblicos. Acredito que oBrasil deva caminhar no mesmo sentido. Noentanto, nossa marca registrada sempre a dalentido na mudana.

    S o engajamento de todos os participantes, dosmais famosos aos mais desconhecidos, ao redorde um projeto consistente poder acelerar oprocesso de paralisao, estagnao e queda quetomou conta de nossa rea. Esse no um problemaapenas brasileiro, mundial. Mas cada pas esttentando resolv-lo de acordo com seu potencial.No podemos copiar as grandes potncias, nemtemos estrutura econmica e social para tanto; maspodemos observar suas idias, seus avanos, seuserros e acertos em tempo real.

    A internet nos permite esse acompanhamentomais prximo. Como adendo a este texto, decidiescrever sobre o mercado atual de msica eruditana Alemanha. Tive a possibilidade de observar noprprio local aqui lo que est escr ito. Apreocupao de um pas com a tradio de sculose que bero de alguns dos maiores compositorese intrpretes da humanidade deve nos servir deexemplo e alerta. O problema mundial e real.As solues esto sendo encontradas eimplementadas na nova ordem econmica. Temosa possibilidade de faz-lo. Vamos esperar maisquanto tempo para nos unirmos em definitivo?

    Alemanha: um exemplo a ser seguido?

    Durante os ltimos vinte anos houve profundasmudanas na sociedade alem. A unificao dasduas Alemanhas e a criao da ComunidadeEuropia trouxeram importantes conseqnciaseconmicas e socia is. A anexao e areconstruo da Alemanha comunista produziugigantescos dficits no fechamento das contasgovernamentais. A aceitao do euro como valorde troca e a base de converso escolhida para talimputaram aumentos de preo generalizados quetiveram de ser suportados pela sociedade comoum todo. A abertura completa do pas ao mercadoeuropeu acirrou a concorrncia empresarial,gerando um movimento crescente de fechamentode empresas e trazendo hordas de imigrantes quedisputam o mercado de trabalho, aumentandoassustadoramente o ndice de desemprego. Comoconseqncia, o aumento das despesasgovernamentais com seguros sociais atingiramndices respeitveis. Os sucessivos governos vmimpondo medidas drsticas de conteno dedespesas e incremento de receitas na tentativade reequilibrar suas contas correntes.

    Um leitor mais crtico poderia indagar: penseiestar lendo um artigo sobre os rumos da msicaerudita na Alemanha. Se eu estivesse interessadoem receber informaes econmicas teriaassinado alguma publicao da Fundao GetlioVargas. Infelizmente, porm, os assuntos estobastante interligados nessa nova lgica econmicae social que est sendo desenhada pelaglobalizao das economias e das sociedades.

    A viso romntica sobre a msica erudita, quepredominou durante vrias dcadas do sculoXX, est virtualmente sepultada. O velho jargo

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    Isso assim porque Karajan deseja morreucom o inesquecvel maestro.

    A msica erudita na Alemanha de hoje, comoqualquer outra manifestao do intelecto humano,encontra-se subordinada a uma lgica econmica.A tradio europia de brindar com generosossubsdios pblicos a maioria de suas orquestras eteatros de pera est na raiz de todo o problemaatual. As economias passaram por sucessivastransformaes, e a volatilidade de recursosinternacionais no permite que esses subsdiossejam mantidos com as mesmas pungentes basesde outrora. Por outro lado, a mesma regra podeser aplicada aos patrocnios e doaes privados.

    Se a economia vai bem, obrigado, as conquistas eos valores so mantidos. Se o movimento econmicovai mal, nem a mais arraigada das tradies consegueimpedir que as artes em geral sejam vistas comoalgo suprfluo a ser cortado. E, como tal, acontece.

    Em praticamente todas as casas de pera eorquestras alems, a figura do maestro principal por dcadas o eminente diretor-artstico aquem tudo e todos estavam subordinados foisubst i tu da por d i re to res execut ivos efinanceiros, funcionrios pblicos nomeados quedevem responder ao Estado e sociedade a cadacentavo gasto, respeitando um oramento pr-estabelecido pelo poder pblico. A viso atualna Alemanha de que toda deciso artsticarepresenta conseqncias financeiras. Osantigos regentes, que subordinavam tudo adecises artsticas, criaram prejuzos imensosaos cofres pblicos, prejuzos invariavelmentecobertos com suplementos oramentrios empocas de expanso creditcia.

    Com o atual contingenciamento financeiro, osnovos regentes tiveram de se adaptar aos novostempos. Altos salrios so discutidos publicamente;despesas com montagens de espetculos soavaliadas uma a uma; perodos de trabalho ededicao exclusiva foram estabelecidos, assimcomo se ajustaram planos de carreira,apresentaes, viagens, gravaes... Tudo controlado de maneira extremamente profissional.

    Nem um centavo no oramento ultrapassado.As antigas geraes, acostumadas ao modeloanterior, patrocinaram movimentos contra a novaordem das coisas. Nada adiantou. As sucessivas

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    crises mundiais a partir do incio da dcada de1990 s anteciparam aquilo que aconteceria dequalquer forma. Puritanos de planto investiramna idia de que a arte no pode ser produzidacom amarras e que a runa da msica erudita seriaiminente. Toda mudana traumtica, e o inciocausou muito barulho. Orquestras inteiras eteatros foram fechados, rgos foram fundidos,muitos empregos foram suprimidos. Houve umperodo de adaptao, e, atualmente, o musicale o executivo convivem em harmonia. Narealidade, esse movimento foi a salvao e noa runa da msica. Se o modelo anterior notivesse sofrido essas adaptaes, provavelmentea maioria das casas de espetculos e orquestrasna Alemanha estaria quebrada, e o Estado noteria condies de reergu-las.

    Naturalmente tais ajustes ocorreram em todas asreas. A educao tambm no escapou. E nessequesito a msica foi extremamente prejudicada.Durante longo perodo a escola manteve acontinuidade da tradio musical familiar. Oensino da msica nas escolas pblicas, antesobrigatrio, foi suprimido. As crianas passarama no ter mais contato com a arte erudita. Issocriou uma gerao jovem praticamente dissociadadessa cultura, para quem a msica erudita e suapompa so coisas ultrapassadas.

    Nas salas de concerto e pera alems, o objetivoprimordial atrair um pblico mais jovem egarantir sua renovao. Simon Rattle vistodiante do pdio da Orquestra Filarmnica deBerlim falando sobre msica e conversando como pblico. Isso seria impensvel no tempo deKarajan. O conjunto tem levado numerosocontingente de crianas e jovens a ouvir a msicados grandes mestres. Todos sabem que no bastapromover alguns projetos para o pblico maisjuvenil para criar o verdadeiro gosto. Iniciar ajuventude na msica erudita um trabalho demuito flego, conquistado ao longo de geraes.Mas algo tem de ser feito para recomear arecuperar o tempo e o pblico perdidos.

    A composio de msica erudita vem declinandonas ltimas dcadas. As experimentaesacsticas e eletrnicas levaram a um beco semsada. Obras incrveis foram compostas para odeleite dos prprios msicos. E o pblico? Aesmagadora maioria no se interessa por esse tipode manifestao e clama por programas mais

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    conservadores com msica que possaverdadeiramente emocionar o ouvinte. Estamosassistindo a um incremento da cultura barrocaretornando com toda a fora ao pblico germnico.

    A verdade sempre a mesma: no esgotamento deum modelo e na procura incessante por algoinovador, a nova estrutura acaba sendo erguidasobre os pilares tradicionais da segurana do algoj efetivamente realizado e aprovado.Por toda a Alemanha vm surgindo conjuntos novosque se dedicam exclusivamente releitura da msicabarroca e camerstica ao lado dos j tradicionais.

    Aqui tambm o vis econmico aparece. Do pontode vista financeiro, o custo de sustentao dessesconjuntos e suas manifestaes menor. Asorquestras iniciaram um movimento de encomendade novas obras sinfnicas aos compositores locais,privilegiando o atendimento ao gosto musical doatual pblico freqentador das sries. No existemais a possibilidade de preparao de programassem que se leve em considerao seu pblico-alvo.Pesquisas so realizadas, fracassos e sucessos soanalisados, intrpretes e compositores soconstantemente testados. Tudo num nico e mesmoobjetivo: aumentar e manter o pblico ouvinte.

    As grandes gravadoras internacionais queoperam na Alemanha j perceberam essareal idade. Por mais que possam parecerestranhas ao pblico mais tradicional, h novascapas de CDs com fotos do maestro Von Karajansurfando, andando de motocicleta ou praticandoalgum esporte menos radical; isso j faz partede um agressivo movimento em direo renovao do pblico na preocupao com ofuturo comprador de msica erudita. A maioriados jovens passa ao largo dos clssicos: Bach,Beethoven e companhia so considerados forade moda. Mas as gravadoras esto tentandoreverter essa situao, diz Maren Borchers, daEMI. H uma franca tentativa de fazer com queos jovens voltem a se interessar pelo nossocatlogo de clssicos. Estamos apostando numanova linguagem de comunicao. Estamosapostando em artistas como Nigel Kennedy, que,com suas roupas largadas e o cabelo punk,provoca verdade i ras ac lamaes comapresentaes nada convencionais, diz Borchers.

    A Universal Classics optou por levar a msicaerudita at onde esto os jovens, se num primeiro

    momento eles no esto freqentando ostradicionais concertos. Em Berlim surgiram osprimeiros DJs de msica erudita. Verdadeirosconcertos clssicos com centenas de convidadosesto acontecendo nos barzinhos em Munique,Hamburgo e Leipzig, enquanto as pessoas seafundam em sofs e saboreiam variados coquetis.De acordo com a Confederao Nacional daIndstria Fonogrfica, que representa 93% domercado alemo, a msica erudita vemencolhendo h anos. Hoje ela representa 7,5%do total de unidades vendidas no pas. Nascidades principais, os pontos de venda de msicaerudita ficaram restritos a pouqussimas lojascom pequenos espaos dentro delas.

    Entretanto, o processo de encolhimento domercado de msica para artistas e compositoresalemes pode estar chegando ao fim. Foi criadoem Berlim, em dezembro de 2003, o primeiroEscritrio de Exportao de Msica Alem(German Music Export Office). A iniciativa unea Confederao das Empresas Fonogrficas, aFederao das Gravadoras e Ed i torasIndependentes, a feira de msica Popkomm e oConselho Alemo de Msica. Os escritrios ded i re i tos autora is Gema e GVL tambmparticiparo de seu financiamento, assim comoo governo federal, numa fase inicial de atividades.

    A divulgao da Alemanha como centroprodutivo musical, a conquista de novosmercados externos e a consolidao e ocrescimento do mercado interno so osobjetivos principais dessa associao. Todos osmovimentos musicais encontram-se presentes,desde o erudito at o rock pesado. Entre asmed idas que esto sendo estudadas ebrevemente devero ser implementadas esto:a) A regulamentao do mercado interno,bloqueando o processo de excluso da msicanacional nas apresentaes ao vivo.b) A imposio de quotas que garantam aexecuo de msica nacional nas rdios.c) O reconhecimento de singles e lbuns demsica como bens culturais, assim como livros,e no ma is como produtos meramentecomerciais, baixando o Imposto Sobre ValorAgregado, cobrado na venda dos CDs, de 16%para 7%, desonerando assim o consumidor final.d) A melhora da legislao sobre renncia fiscal,aumentando o nmero de contr ibuintesparticipantes do sistema.

  • revistaDART

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    Denis Wagner Molitsas empresrio artstico epresidente do selo Masterclass.

    DO MERCADO. DA CULTURA DE MERCADO

    e) A criao de um fundo promocional parapublicidade da msica alem junto aos principaismercados do mundo.F) Criao de uma efetiva legislao de controle sobrea comercializao de msica virtual na Alemanha,protegendo os direitos autorais e conexos, estendendoessas diretrizes para todos os mercados mundiais.

    As discusses so muitas. Existem prs e contras,mas a Alemanha decidiu atacar de frente oproblema na tentativa de revert-lo. Vrias

    alternativas esto sendo implementadas de umas vez, desde a preocupao com a formao denovos pblicos para a msica erudita at adiminuio da carga tributria do setor.

    Na atual crise, em maior ou menor escala,todos so prejudicados. A Alemanha nosmostra que necessria a unio para oencontro de solues capazes de resolver oupelo menos amenizar o problema comum, noimportando qual o segmento musical.