A musicoterapia no tratamento de crianças com perturbação do espectro do autismo

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  • Universidade da Beira Interior

    Faculdade de Cincias da Sade

    A Musicoterapia no Tratamento de

    Crianas com Perturbao do Espectro do Autismo

    Marisa do Carmo Prim Padilha

    Mestrado Integrado em Medicina

    Maio 2008

  • Universidade da Beira Interior

    Faculdade de Cincias da Sade

    A Musicoterapia no Tratamento de

    Crianas com Perturbao do Espectro do Autismo

    Marisa do Carmo Prim Padilha

    Dissertao para a obteno do grau de Mestre em Medicina

    Maio 2008

    Dissertao orientada pela Mestre Paula Cristina Correia

  • Todas as afirmaes efectuadas no presente documento so da exclusiva

    responsabilidade da sua autora, no cabendo qualquer responsabilidade

    Faculdade de Cincias da Sade da Universidade da Beira Interior pelos

    contedos nele apresentados.

    Esta dissertao no foi aceite em nenhuma outra instituio para qualquer

    grau nem est a ser apresentada para obteno de um outro grau para alm

    daquele a que diz respeito.

    O candidato,

    __________________________________________

    Covilh, 31 de Maio de 2008

  • II

    Agradecimentos

    Faculdade de Cincias da Sade da Universidade da Beira Interior, por me ter proporcionado a realizao deste trabalho.

    Sr. Dr. Paula Cristina Correia, por todo o apoio e orientao que sempre me deu, e por ter apostado e confiado nas minhas capacidades.

    A todos os meus colegas de trabalho, que cada um, sua maneira, tanto me ajudaram. Em especial ao Pedro Ferreira e Sara Rocha, pelos conselhos, pela ajuda a ultrapassar problemas, pelos momentos de diverso e pela amizade que demonstraram.

    Dr. Ana Barata, minha colega e amiga no Hospital do Esprito Santo em vora, pela ajuda na traduo e pela pacincia em ouvir as minhas lamentaes.

    Aos funcionrios da biblioteca do Centro Hospitalar Cova da Beira, pela disponibilidade e ajuda na recolha bibliogrfica.

    seco de informtica da Faculdade de Cincias da Sade, em especial ao Rui e ao Pedro, pela ajuda na resoluo dos problemas informticos.

    NovaForma, em especial D. Clotilde, ao seu esposo e ao Vitor pela ajuda na encadernao e pela disponibilidade demonstrada.

    Aos meus pais, sem eles nunca teria chegado at aqui. Pelo amor e pelo apoio incondicional que sempre me deram, por acreditarem e por me ajudarem a concretizar um sonho.

    minha irm Ana Isabel, por ser a amiga fantstica que , por estar sempre presente e me ajudar a suplantar as dificuldades.

    Ao Artur, por todo o amor e fora que me deu neste perodo, pela pacincia que sempre

    demonstrou, e por fazer com que a msica esteja sempre presente na minha vida e continue a

    ser uma das minhas paixes.

  • III

    ndice

    ndice................................................................................................................................III

    ndice de Tabelas ............................................................................................................ VI

    Prefcio .......................................................................................................................... VII

    Preface............................................................................................................................. IX

    Abreviaturas .................................................................................................................... XI

    CAPTULO I ..............................................................................................................................1

    1.1 Perturbao do Espectro do Autismo ...........................................................................2

    1.2 Conceito .......................................................................................................................3

    1.3 Dados Epidemiolgicos ...............................................................................................5

    1.4 Quadro Clnico .............................................................................................................7

    1.4.1 Espectro de Manifestaes Autsticas ................................................................8

    1.5 Precursores da Doena ...............................................................................................13

    1.5.1 Hiptese Gentica e Neurobiolgica ...............................................................14

    1.5.2 Hiptese Psicolgica ........................................................................................15

    1.6 Comorbilidade............................................................................................................18

    1.7 Diagnstico ................................................................................................................19

    1.7.1 Critrios Diagnsticos ......................................................................................20

  • IV

    1.7.2 Exames Complementares de Diagnstico ........................................................22

    1.8 Diagnstico Diferencial .............................................................................................23

    1.9 Tratamento .................................................................................................................31

    1.10 Evoluo ..................................................................................................................34

    CAPTULO II ...........................................................................................................................35

    2.1 Musicoterapia .............................................................................................................36

    2.2 Histria da Musicoterapia ..........................................................................................37

    2.2.1 Estado Actual do Desenvolvimento da Musicoterapia ....................................39

    2.3 Definio ....................................................................................................................39

    2.4 Principios Bsicos da Musicoterapia .........................................................................43

    2.5 O Potencial Reeducativo e Teraputico da Msica num Contexto

    Musicoteraputico...............................................................................................47

    2.6 A Funo da Msica ..................................................................................................49

    2.7 Organizao das Sesses de Musicoterapia ...............................................................57

    2.7.1 Metodologia .....................................................................................................58

    2.8 Musicoterapia e Educao Musical ...........................................................................58

    2.9 Efeitos e Qualidades da Msica .................................................................................59

    2.10 Orientaes Fundamentais da Musicoterapia ..........................................................65

  • V

    2.11 Musicoterapia e Deficincia Intelectual ...................................................................66

    2.12 Aplicao .................................................................................................................67

    2.13 Precaues e Contra-Indicaes. .............................................................................67

    CAPTULO III ..........................................................................................................................69

    3. A Musicoterapia no Tratamento de Crianas com Perurbao do Espectro

    do Autismo.....70

    CAPTULO IV..........................................................................................................................82

    4. Concluso e perspectivas futuras ...............................................................................83

    CAPTULO V ...........................................................................................................................86

    5. Glossrio Musical ......................................................................................................87

    CAPTULO VI..........................................................................................................................92

    6. Bibliografia ................................................................................................................93

  • VI

    ndice de Tabelas

    Tabela 1.1 Critrios Diagnsticos do DSM-IV para a

    Perturbao do Espectro do Autismo....................................... 21

    Tabela 1.2 Critrios Diagnsticos do DSM-IV para o Atraso Mental... 25

    Tabela 1.3 Critrios Diagnsticos do DSM-IV para a Sndrome de Rett.. 26

    Tabela 1.4 Comparao entre a Sndrome de Rett e a

    Perturbao do Espectro do Autismo... 27

    Tabela 1.5 Critrios Diagnsticos do DSM-IV para a Sndrome de Asperger.. 28

    Tabela 1.6 Critrios Diagnsticos do DSM-IV para a

    Perturbao Desintegrativa Infantil. 30

    Tabela 1.7 Psicofrmacos mais utilizados na Perturbao do Espectro do Autismo 32

    Tabela 2.1 Utilizao da msica em musicoterapia... 52

    Tabela 2.2 Caractersticas potenciais da msica excitante ou relaxante 55

    Tabela 2.3 Diferenas entre Educao Musical e Musicoterapia.. 58

  • VII

    Prefcio

    Ao longo deste caminho encontrei duas paixes, a Medicina e a Msica, e nesse sentido

    optei por realizar um trabalho onde pudesse conjugar estas duas artes. Assim nasceu esta

    dissertao a msica como opo teraputica nas crianas com perturbao do espectro do

    autismo

    A nossa sociedade costuma padronizar as pessoas como "normais", quando se

    comportam todas de forma igual, e muitas vezes evita as que parecerem "esquisitas" ou

    diferentes da maioria das pessoas conhecidas. As crianas com perturbao do espectro do

    autismo apresentam, desde cedo, um distrbio severo do desenvolvimento, principalmente,

    relacionado com a comunicao e a interaco social; contudo, podem apresentar incrveis

    habilidades motoras, musicais, de clculo matemtico complexo, de memria e outras.

    A msica, ao fazer parte da nossa Histria, que se vai construindo e que depois

    separamos no tempo passado e presente, faz parte do nosso processo dinmico de identidade;

    age sobre a cultura que lhe d forma e de onde ela deriva, ao mesmo tempo em que se insere na

    estrutura dinmica onde ela prpria se formou. A msica tem significado para cada pessoa na

    medida em que se vincula experincia vivida, passada e/ou presente. Os significados da

    msica so, ento, sociais e singulares, construdos, criados e recriados nas relaes e aces

    condizentes com o que vivido e experimentado.

    A msica, cujo efeito sobre a mente inegvel, e muito utilizada em tcnicas de

    relaxamento, apresenta a vantagem de ser muito apreciada pelas crianas com perturbao do

    espectro do autismo e por isso a musicoterapia a primeira tcnica de aproximao com estas

    crianas. As experincias musicais que permitem uma participao activa (ver, ouvir, tocar)

  • VIII

    favorecem o desenvolvimento dos sentidos das crianas. Ao trabalhar com os sons ela

    desenvolve a acuidade auditiva, ao acompanhar gestos ou danar ela trabalha a coordenao

    motora, o ritmo e a ateno, ao cantar ou imitar sons ela descobre as suas capacidades e

    estabelece relaes com o ambiente em que vive.

    Para a realizao desta dissertao foi necessria a leitura de numerosos artigos. A

    recolha bibliogrfica foi realizada atravs de pesquisa electrnica em vrios jornais e revistas

    de grande interesse na rea da medicina, nomeadamente nos seguintes: American Academy of

    Child and Adolescent Psychiatry, Journal of the American Academy of Child & Adolescent

    Psychiatry, Journal of Autism and other Developmental Disorders, Journal of Autism and other

    Developmental Disorders, The New England Journal of Medicine, American Academy of

    Paediatrics, Journal of Clinical Psychiatry, British Journal of Disorders of Communication,

    entre outros. Tambm foram utilizados vrios livros sobre o tema.

    Palavras-Chave: musicoterapia, autismo, perturbao do espectro do autismo, crianas

    autistas, medicina alternativa, interveno precoce.

  • IX

    Preface

    Along the way I have found two passions, Medicine and Music, and therefore I have

    chosen to write a dissertation which conjugated both arts. That was how the guidelines for this

    dissertation took form music as a therapeutic option for children with a disturbance on the

    autism spectrum

    Contemporary occidental society tends to discriminate and avoid people who are

    considered abnormal, that is, people who do not behave according to the accepted standards.

    From an early age, children with autism spectrum disorder are severally impaired in what

    regards self-expression and social interaction; Nevertheless, these children can be highly

    skilled in music and highly capable of performing fine motor movements or even solving

    complex mathematic calculations.

    Music, as an integrant part of our culture, influences the dynamic construction of our

    collective identity. It is a two-way process, that is, music acts upon the very same culture from

    which it arises .Music is connected to the lived experience, past or present and therefore it

    has a particular and different meaning for each person. One might say that musics meaning is

    singular, constructed, created and re-created in human relationships and in accordance with

    ones experience.

    Music, which has an undeniable effect on the mind and is therefore constantly applied

    in relaxation techniques, is very appreciated by autistic children which makes of music therapy

    the perfect approach to these children. By working with sound, the autistic child is able to

    develop hearing acuity; by accompanying gestures or dancing the child develops capabilities in

  • X

    the areas of motor coordination and attention; and finally, by singing or imitating sounds the

    child discovers her own capabilities and learns how to interact with the surrounding world.

    In order to write this paper the reading of numerous articles was imperative. The

    bibliographic research was made through relevant medical journals and magazines such as:

    American Academy of Child and Adolescent Psychiatry, Journal of the American Academy of

    Child & Adolescent Psychiatry, Journal of Autism and other Developmental Disorders, Journal

    of Autism and other Developmental Disorders, The New England Journal of Medicine,

    American Academy of Paediatrics, Journal of Clinical Psychiatry, British Journal of Disorders

    of Communication, amongst others. Also, relevant books were consulted.

    Key Words: music therapy, autism, autism spectrum disorder, autistic child, alternative

    medicine, precocious intervention.

  • XI

    Abreviaturas

    ABA Applied Behavior Analysis

    ASA Autism Society of America

    CHAT Checklist for Autism in Toddlers

    CID 10 Classificao Internacional de Doenas

    DSM-IV Diagnostic and Statistical Manual of Mental Disorders IV

    EUA Estados Unidos da Amrica

    GIM Guided Imaginery and Music

    5-HT 5- Hidroxitriptamina

    ISRS Inibidor Selectivo da Recaptao da Serotonina

    NAMT National Association for Music Therapy

    PECS Picture Exchange Communication System

    Q.I. Quociente de Inteligncia

    TEACCH Treatment and Education of Autistic and Related Communication

    Handicapped Children

  • O Autismo

    1

    CAPTULO I

  • O Autismo

    2

    1.1 Perturbao do Espectro do Autismo

    A perturbao do espectro do autismo a sombra que deixa no desenvolvimento uma dificuldade ou

    impossibilidade para construir certas funes psicolgicas cujo momento crtico se estende entre o ano e meio e

    os 5-6 anos. (Rivire, 1997)

    A perturbao do espectro do autismo um distrbio do desenvolvimento humano que

    vem sendo estudado pela cincia h mais de seis dcadas, mas sobre o qual ainda permanecem,

    dentro do prprio mbito da cincia, divergncias e grandes questes por responder.

    [9,40,46,47,48,49]

    Actualmente, embora a perturbao do espectro do autismo seja muito mais conhecida,

    tendo inclusiv sido tema de vrios filmes de sucesso, ela ainda surpreende pela diversidade de

    caractersticas que pode apresentar e pelo facto de, na maioria das vezes, a criana que tem esta

    perturbao ter uma aparncia totalmente normal.

    Ultimamente o nmero de diagnsticos tem aumentado e so concludos em idades

    cada vez mais precoces, dando a entender que, por detrs da beleza que uma criana com

    perturbao do espectro do autismo pode ter e do facto desta perturbao ser um problema de

    tantas faces, as suas questes fundamentais vm sendo cada vez reconhecidas com mais

    facilidade por um nmero maior de pessoas. Provavelmente por isto que a perturbao do

    espectro do autismo passou mundialmente de um fenmeno aparentemente raro para um muito

    mais comum do que se pensava. [32,40,47,49]

    A perturbao do espectro do autismo intriga e angustia as famlias nas quais se impe,

    pois a pessoa portadora desta patologia, geralmente, tem uma aparncia harmoniosa e ao

    mesmo tempo um perfil irregular de desenvolvimento, com bom funcionamento em algumas

    reas enquanto outras se encontram bastante comprometidas. [9,40]

  • O Autismo

    3

    1.2 Conceito

    A perturbao do espectro do autismo foi descrita pela primeira vez, em 1942, pelo Dr.

    Leo Kanner (mdico austraco), no seu histrico artigo escrito originalmente em ingls,

    Distrbios Autsticos do Contacto Afectivo, onde descreve onze casos, como um quadro

    caracterizado por autismo extremo, obcesso, estereotipias e ecollia. Esse conjunto de sinais

    foi por ele visualizado como uma doena especfica relacionada a fenmenos da linha

    esquizofrnica. [5,7,32,22,46,68]

    Em 1944, Hans Asperger, um mdico tambm austraco, escreve outro artigo com o

    ttulo Psicopatologia Autstica da Infncia, descrevendo crianas bastante semelhantes s

    descritas por Kanner [40]. Desde a sua definio por Kanner, a perturbao do espectro do

    autismo tem-se apresentado como um mundo distante, estranho e cheio de enigmas. Estes

    referem-se, por um lado, ao prprio conceito da perturbao do espectro do autismo, e s

    causas, explicaes e tratamento deste desvio do desenvolvimento humano normal. Apesar da

    enorme quantidade de investigaes realizadas durante mais de meio sculo, a perturbao do

    espectro do autismo continua a ocultar a sua origem e grande parte da sua natureza, e apresenta

    desafios difceis na sua interveno educativa e teraputica. [5,68]

    Num trabalho de 1956, Kanner continua a descrever o quadro como uma psicose,

    referindo que todos os exames clnicos e laboratoriais foram incapazes de fornecer dados

    consistentes no que se relacionava sua etiologia, diferenciando-o dos quadros deficitrios

    sensoriais, como a afasia congnita, e dos quadros ligados s oligofrenias, novamente

    considerando-o uma verdadeira psicose. Kanner definiu a perturbao do espectro do autismo

    como uma inata alterao autista do contacto afectivo. [5,68]

  • O Autismo

    4

    As primeiras alteraes desta concepo surgem a partir de Ritvo (1976), que relaciona

    a perturbao do espectro do autismo a um dfice cognitivo, considerando-o no uma psicose

    mas sim um distrbio do desenvolvimento. [5]

    A perturbao do espectro do autismo uma sndrome definida por alteraes presentes

    desde idades muito precoces, tipicamente antes dos trs anos de idade, e que se caracteriza

    sempre por desvios qualitativos na comunicao, integrao social e na capacidade para

    realizar o jogo simblico. [5,9,40,46] Estes trs desvios, que ao aparecerem juntos caracterizam

    esta perturbao, foram chamados por Lorna Wing e Judith Gould, no seu estudo realizado em

    1979, de Trade. A Trade responsvel por um padro de comportamento restrito e repetitivo,

    mas com condies de inteligncia que podem variar do atraso mental a nveis acima da mdia.

    [17,40,46] Desta maneira, a relao autismo-deficincia mental passa a ser cada vez mais

    considerada, levando-nos a uma situao dspar entre as classificaes francesa, americana e da

    Organizao Mundial de Sade. Assim, se as duas ltimas enquadram a perturbao do

    espectro do autismo dentro da categoria distrbios globais do desenvolvimento, enfatizando

    a relao autismo-cognio, de acordo com os trabalhos de Baron-Cohen; a primeira remete-

    nos ao conceito de defeito de organizao ou desorganizao da personalidade,

    caracterizando o conceito de psicose na sua expresso tradicional. [5,22,32,68]

    Outros autores, como Burack (1992), reforam a ideia do dfice cognitivo, frisando que

    a perturbao do espectro do autismo tem sido nos ltimos anos, focada sob uma ptica

    desenvolvimentista, sendo relacionada com a deficincia mental, uma vez que cerca de 70-86%

    dos indivduos com perturbao do espectro do autismo so deficientes mentais. [5]

    Para a National Society for Autistic Children, a perturbao do espectro do autismo

    uma sndrome comportamental e cujos achados essenciais implicam alteraes no

  • O Autismo

    5

    desenvolvimento, nas respostas a estmulos sensoriais, na fala, na linguagem, nas capacidades

    cognitivas e na capacidade para relacionar-se com pessoas ou objectos. [32,67]

    Ainda hoje vigente a controvrsia sobre se so factores cognitivos ou scio-afectivos

    os achados essenciais no diagnstico da perturbao do espectro do autismo, essa falta de

    acordo tornou notrio que esta perturbao afecta uma ampla gama de reas do

    desenvolvimento cognitivo para alm da afectiva. No DSM-IV o autismo considerado como

    uma perturbao global do desenvolvimento, com a finalidade terica de afast-lo

    definitivamente das psicoses. As perturbaes globais do desenvolvimento so compostas por

    um grupo heterogneo de processos; caracterizam-se pela presena de dfices em mltiplas

    reas funcionais: interaco social, comunicao verbal e gestual e presena de interesses,

    actividades e comportamentos restritivos, repetitivos e estereotipados. Um grande nmero

    apresenta atraso mental, tambm podem apresentar qualquer outro processo psiquitrico.

    [5,9,22,32,46,47,48,49,67,68]

    1.3 Dados Epidemiolgicos

    A incidncia da perturbao do espectro do autismo muda de acordo com o critrio

    utilizado. Bryson, no seu estudo conduzido no Canad em 1988, chegou a uma estimativa de

    1:1000, isto , em cada mil crianas nascidas uma teria perturbao do espectro do autismo.

    Segundo a mesma fonte, esta perturbao seria duas vezes e meia mais frequente em pessoas

    do sexo masculino do que em pessoas do sexo feminino. Segundo informaes encontradas no

    site da ASA Autism Society of Amrica, a incidncia seria de 1:500, ou dois casos em cada

    mil nascimentos. De acordo com o rgo norte-americano Centers for Disease Control and

    Prevention, a perturbao do espectro do autismo afectaria de duas at seis pessoas em cada

  • O Autismo

    6

    mil, isto , poderia afectar at uma pessoa em cada 166. Esta perturbao seria quatro vezes

    mais frequente em pessoas do sexo masculino. De acordo com Kaplan, a perturbao do

    espectro do autismo ocorre em 10 a 15 casos por 10.000 crianas, sendo que a proporo de

    homens para mulheres de 2 a 3:1. Observa-se assim uma predominncia do sexo masculino,

    embora quando so analisadas as etiologias provveis no se encontre grande nmero de

    patologias vinculadas especificamente ao cromossoma X, o que justificaria essa diversidade. [5,9,19,22,28,40,47,49,67,68]

    Cerca de 70% das crianas com perturbao do espectro do autismo tm Q.I. inferiores

    a 70 e 50% tm Q.I. inferior a 50-55. [9,28] Quando diferentes faixas de Q.I. so analisadas,

    verifica-se um predomnio ainda maior de indivduos do sexo masculino, chegando-se a razes

    de 15:1, contrariamente a quando so avaliadas populaes com Q.I. superior a 50. [5,9,47,68]

    A probabilidade de aparecimento de perturbao do espectro do autismo em familiares

    de primeiro grau de 50 a 100 vezes maior do que na populao em geral, ou seja uma

    frequncia de 3 a 6%. A concordncia em gmeos monozigticos mais alta que em gmeos

    dizigticos; pelo menos 2% dos irmos so afectados, e h um maior ndice de problemas de

    linguagem e aprendizagem em famlias de crianas com esta perturbao. [6,9,28,67]

    A perturbao do espectro do autismo incide igualmente em famlias de diferentes

    raas, credos ou classes sociais. [9,40,47,49,68]

  • O Autismo

    7

    1.4 Quadro Clnico

    A perturbao do espectro do autismo por definio, inicia-se antes dos 3 anos de idade,

    apesar de em muitas ocasies as crianas chegarem consulta muito mais tarde. Pode

    manifestar-se desde os primeiros dias de vida, mas comum os pais relatarem que a criana

    passou por um perodo de normalidade anteriormente manifestao dos sintomas.

    [7,9,32,40,47,67,68]

    Podemos distinguir dois grupos de crianas: um em que a sintomatologia precoce,

    desde o nascimento; e outro em que as crianas foram normais ao nascimento e comearam a

    apresentar sintomas caractersticos a partir dos 18 meses, acentuando-se a partir do ano e meio

    ou dois anos, que quando a criana deve evoluir rapidamente na aquisio da linguagem.

    precisamente o atraso ou a anomalia na aquisio da linguagem o motivo mais frequente de

    consulta das crianas que afinal so diagnosticadas com perturbao do espectro do autismo.

    [7,9,47]

    comum que os pais relacionem o desencadeamento do quadro de perturbao do

    espectro do autismo do filho a algum evento familiar. Este evento pode ser uma doena ou

    cirurgia sofrida pela criana ou uma mudana ou chegada de um membro novo na famlia, a

    partir do qual a criana apresentaria regresso. Em muitos casos constatou-se que na verdade a

    regresso no existiu e que o factor desencadeante na realidade despertou a ateno dos pais

    para o desenvolvimento anormal da criana, mas a suspeita de regresso importante e merece

    uma investigao mais profunda por parte do mdico. [9,22,32,40,47]

    Normalmente, o que chama a ateno dos pais, inicialmente, o facto de a criana ser

    excessivamente calma e sonolenta ou ento chorar sem consolo durante perodos prolongados

    de tempo. Uma queixa frequente dos pais que o beb no gosta do colo ou rejeita o

  • O Autismo

    8

    aconchego. Mais tarde os progenitores notaro que o beb no imita, no evolui no sentido de

    partilhar sentimentos ou sensaes e no aprende a comunicar com gestos vulgarmente

    observados na maioria dos bebs, como acenar com as mos para cumprimentar ou despedir-

    -se. Geralmente, estas crianas no procuram o contacto ocular ou mantm-no por um perodo

    de tempo muito curto. [9,40,47]

    Ocorre frequentemente o aparecimento de estereotipias, que podem ser movimentos

    repetitivos com as mos ou com o corpo, a fixao do olhar nas mos por perodos longos e

    hbitos como o de morder-se, morder as roupas ou puxar os cabelos. Os problemas de

    alimentao so habituais, podendo manifestar-se pela recusa alimentar ou gosto restringido a

    poucos alimentos. Problemas de sono tambm so comuns. [9,32,40,47,67]

    As manifestaes citadas so as mais comuns, mas no so condies necessrias ou

    suficientes para o diagnstico de perturbao do espectro do autismo.

    1.4.1 O espectro de manifestaes autsticas

    A perturbao do espectro do autismo no uma condio de tudo ou nada, mas

    vista como um contnuo que vai do grau leve ao severo. [5,6,9,49]

    Esta patologia um distrbio do comportamento que consiste numa trade de

    dificuldades: dificuldade de comunicao, dificuldade de socializao e dificuldade nos jogos

    imaginativos ou simblicos. [9,40,47,49,68]

    A dificuldade de comunicao/alterao da linguagem a causa mais frequente de

    consulta mdica nas crianas com perturbao do espectro do autismo. Vai desde a ausncia

    total de linguagem, numa criana de 2-3 anos, at alterao na compreenso e pragmtica da

  • O Autismo

    9

    linguagem, ou seja no seu uso social. caracterizada pela dificuldade em utilizar, com sentido,

    todos os aspectos da comunicao verbal e no verbal, isto inclui gestos, expresses faciais,

    linguagem corporal, ritmo e modulao na linguagem verbal. A comunicao intencional,

    activa e espontnea, que uma criana, com desenvolvimento normal, pode desenvolver desde

    os 8-9 meses de idade pode estar perturbada ou limitada nas crianas com esta perturbao. A

    falta de sorriso social, olhar as pessoas, gestos e vocalizaes comunicativas so vrias das

    caractersticas mais evidentes do seu comportamento; estas dificuldades tornam-se mais

    visveis a partir do ano e meio ou dois anos de idade. Dentro da grande variao possvel na

    severidade da perturbao do espectro do autismo, podemos encontrar uma criana sem

    linguagem verbal e com dificuldade na comunicao por qualquer outra via isto inclui

    ausncia de uso de gestos ou um uso muito precrio dos mesmos; ausncia de expresso facial

    ou expresso facial incompreensvel para os outros como podemos, igualmente, encontrar

    crianas que apresentam linguagem verbal, porm esta repetitiva e no comunicativa. Muitas

    das crianas que apresentam linguagem verbal repetem simplesmente o que lhes foi dito

    (ecollia imediata); outras repetem frases ouvidas h horas, ou at mesmo dias antes (ecollia

    tardia). comum que crianas que tm a perturbao do espectro do autismo e so inteligentes

    repitam frases ouvidas anteriormente e de forma perfeitamente adequada ao contexto, embora,

    geralmente nestes casos, o tom de voz soe estranho e teatralizado. Entre as alteraes

    lingusticas mais frequentes encontram-se a inverso pronominal e a ecollia, j referida

    anteriormente. Tambm mostram alteraes fonolgicas, semnticas, defeitos na articulao e

    monotonia e instabilidade no timbre e no tom de voz. Estas crianas apresentam alteraes na

    linguagem receptiva, nomeadamente alteraes para perceber a informao e baixo nvel de

    compreenso gestual. A linguagem expressiva ou no verbal (gestual) tambm se encontra

  • O Autismo

    10

    alterada (discrepncia entre a linguagem verbal e no verbal, tiques e estereotipias, alterao ou

    ausncia de contacto ocular). [22,32,40,49,68]

    A dificuldade de socializao/alterao do comportamento social, ponto crucial na

    perturbao do espectro do autismo, significa a dificuldade em relacionar-se com os outros, a

    incapacidade de partilhar sentimentos, gostos e emoes e a dificuldade na discriminao entre

    diferentes pessoas. O sintoma mais tpico da perturbao do espectro do autismo a falta de

    reciprocidade na relao social. O desenvolvimento do comportamento social vai ocorrendo

    com ausncia absoluta de reciprocidade social e resposta emocional; as chaves da empatia

    esto ausentes ou so rudimentares, com incapacidade para compartilhar as sensaes que

    experimenta com os seus semelhantes, pelo que a sua alegria ou tristeza podem parecer

    enigmticas. O dfice social mais evidente nos primeiros anos de vida. Muitas vezes a

    criana com perturbao do espectro do autismo aparenta ser muito afectiva, por aproximar-se

    das pessoas abraando-as e mexendo, por exemplo, no seu cabelo, ou mesmo beijando-as,

    quando na verdade ela adopta indiscriminadamente esta postura, sem diferenciar pessoas,

    lugares ou momentos. Esta aproximao usualmente segue um padro repetitivo e no contm

    nenhum tipo de troca ou partilha. A dificuldade de socializao, que faz com que a pessoa com

    perturbao do espectro do autismo tenha uma pobre conscincia da outra pessoa,

    responsvel, em muitos casos, pela falta ou diminuio da capacidade de imitar, que um dos

    pr-requisitos cruciais para a aprendizagem, e tambm pela dificuldade de se colocar no lugar

    do outro e de compreender os factos a partir da perspectiva do outro. Uma caracterstica destas

    crianas o seu olhar, que pode recorrer ao espao, prescindindo do olhar das outras pessoas; o

    contacto, que pode existir em alguns casos, frio e fugaz, sem contedo comunicativo; a forma

    de olhar dota a sua fcies de um aspecto inexpressivo ou enigmtico, impossibilitando o

    conhecimento do que ocorre no seu interior. Existe, na maioria dos casos, uma ausncia de

  • O Autismo

    11

    expresso facial, quer seja em situaes agradveis ou desagradveis. Destaca-se um completo

    desinteresse pelas pessoas ao seu redor, que so ignoradas ou tratadas como objectos. [22,32,40,49,68]

    A dificuldade no jogo imaginativo/simblico caracteriza-se por rigidez e

    inflexibilidade e estende-se s vrias reas do pensamento, linguagem e comportamento da

    criana. Isto pode ser exemplificado por comportamentos obcessivos e ritualistas, compreenso

    literal da linguagem, falta de aceitao das mudanas e dificuldades em processos criativos.

    Esta dificuldade pode ser percebida por uma forma de brincar destituda de criatividade e pela

    explorao peculiar de objectos e brinquedos. Uma criana com perturbao do espectro do

    autismo pode passar horas a fio explorando a textura de um brinquedo. Em crianas com esta

    perturbao e que tm a inteligncia mais desenvolvida, pode perceber-se a fixao em

    determinados assuntos, na maioria dos casos incomuns em crianas da mesma idade, como

    calendrios ou animais pr-histricos, o que confundido, algumas vezes, com nvel de

    inteligncia superior. [22,32,40,49,68]

    Para alm desta trade tambm ocorrem alteraes motoras e cognitivas.

    As alteraes motoras das crianas com perturbao do espectro do autismo, includas

    nos critrios de diagnstico, caracterizam-se por padres restritivos de comportamentos

    repetitivos e estereotipados. O comportamento estereotipado, tambm chamado

    comportamento auto-estimulador, reflecte um dfice criativo associado perturbao do

    espectro do autismo e foi descrito como um comportamento repetitivo, persistente e reiterado,

    cuja nica funo a retro-alimentao sensorial ou cinestsica. Os comportamentos auto-

    -agressivos so caractersticos das alteraes motoras que se observam nestas crianas, mas

    tambm so a alterao mais dramtica que elas apresentam. Contudo no so uma

  • O Autismo

    12

    caracterstica destas crianas, j que tambm se podem observar em crianas com atraso mental

    ou em adultos com esquizofrenia. O comportamento auto-agressivo implica outros prejuzos

    indirectos, nomeadamente constrio fsica e restrio do desenvolvimento psicolgico e

    educativo da criana. [22,32,40,49,68]

    Nos anos setenta admitiu-se uma nova concepo da perturbao do espectro do

    autismo, distanciando-se das primeiras conceitualizaes kannerianas, que enfatizam a

    natureza socio-afectiva da perturbao. Apesar da falta de acordo entre os autores, parece ficar

    claro que existe um dfice generalizado nas diferentes reas do desenvolvimento cognitivo

    (alteraes cognitivas). Os processos da ateno, sensoriais, perceptivos e intelectuais esto

    alterados. Dos processos cognitivos, os mais enfatizados so os processos perceptivos

    sensoriais e a capacidade intelectual. [22,40,68]

    Capacidade intelectual: Alguns estudos indicam que aproximadamente 60% das

    crianas com perturbao do espectro do autismo apresentam um Q.I. inferior a 50, cerca de

    20% entre 50 e 70 e aproximadamente 20% tm 70 ou mais. As suas qualidades nas

    habilidades manipulativas ou viso-espaciais e memria automtica so evidentes, mas tm um

    rendimento relativamente inferior nas tarefas que requerem um processamento sequencial. As

    crianas com a perturbao do espectro do autismo processam a informao de forma

    qualitativamente diferente das outras crianas. margem destas particularidades, a sua

    capacidade intelectual possui as mesmas caractersticas relativamente das restantes crianas.

    [22,32,40,67]

    Ateno e percepo sensorial: Uma caracterstica essencial da perturbao do espectro

    do autismo a resposta anormal que estas crianas tm perante a estimulao sensorial, isto

    parece ser mais uma consequncia dos processos da ateno que dos perceptivos. Diversos

  • O Autismo

    13

    estudos demonstraram que as crianas com perturbao do espectro do autismo respondem s a

    um componente da informao sensorial disponvel. [22,32,40,67]

    As mudanas de rotina, como mudana de casa, dos mveis, ou at mesmo de percurso,

    costumam perturbar muito algumas destas crianas, uma vez que elas tm a preocupao de

    preservar a invariabilidade do meio (so muito unidos aos rituais) [32,40]

    1.5 Precursores da Doena

    As causas da perturbao do espectro do autismo so desconhecidas. Acredita-se que a

    origem desta perturbao esteja em anormalidades nalguma parte do crebro ainda no

    definida de forma conclusiva e, provavelmente, de origem gentica. Alm disso, admite-se que

    possa ser causada por complicaes obsttricas, exposio a agentes txicos e infeces pr-

    -natais, perinatais e ps-natais. Algumas crianas desenvolvem a perturbao do espectro do

    autismo aps vacinao, incluindo inoculaes para sarampo, parotidite e rubola.

    [9,22,32,40,47,49,67]

    A perturbao do espectro do autismo uma alterao orgnica, contudo nenhum local

    de leso morfolgica especfico desta patologia. Anormalidades corticais, cerebelares, do

    tronco cerebral e imunolgicas tm sido implicadas, em razo dos achados no

    electroencefalograma, da tomografia computorizada, da imagem por ressonncia magntica, da

    tomografia por emisso de positres e da autpsia. Algumas crianas tm nveis anormais de

    neurotransmissores ou dos seus metabolitos no sangue e lquor. [9,20,21,22,25,28,67]

  • O Autismo

    14

    1.5.1 Hiptese gentica e neurobiolgica:

    Pretende-se identificar uma alterao gentica conhecida e estudar o padro

    comportamental anormal relacionado com essa determinada alterao gentica. Entre

    diferentes autores admite-se uma mutao em 10-20% dos casos. Apontam a existncia de

    diversas anomalias no caritipo de alguns indivduos com perturbao do espectro do autismo,

    nos quais se detectaram alteraes na maior parte dos pares cromossmicos. As alteraes

    genticas associadas incluem a Esclerose Tuberosa e a Sndrome do X-Frgil. Esta ltima a

    hiptese gentica que mais interesse tem suscitado. [9,16,28,47,49,67]

    Segundo a hiptese neurobiolgica, a perturbao do espectro do autismo uma

    sndrome comportamental com origem claramente biolgica. Contudo, as causas permanecem

    no anonimato, mas a importncia dos factores genticos, infecciosos, assim como os dfices no

    sistema imunolgico, evidente. Relativamente aos processos infecciosos e aos dfices no

    sistema imunolgico, levaram-se a cabo diversos projectos. Por exemplo, o vrus da rubola

    parece ser o processo infeccioso que mais se detectou em casos de perturbao do espectro do

    autismo. Estes resultados sugerem a hiptese de que as crianas com esta perturbao

    apresentem um sistema imunolgico alterado, possivelmente como consequncia de um defeito

    gentico dos linfcitos T. [5,9,32,67]

    Em relao s alteraes metablicas, so diversas as causas que se detectaram como

    possveis etiologias da perturbao do espectro do autismo. A doena metablica que teve

    maior confirmao foi a Fenilcetonria (alterao gentica metablica caracterizada pela

    incapacidade de transformar a fenilanina em tirosina; tem como consequncia o acmulo de

    resduos qumicos que interferem com o desenvolvimento cerebral), relacionada com a

    perturbao do espectro do autismo pela primeira vez por Friedman (1969), que encontrou

  • O Autismo

    15

    cerca de 92% dos casos com esta alterao metablica. Na actualidade o achado que mais

    interesse tem demonstrado a Hiperserotoninemia (alterao que consiste numa excessiva

    actividade da serotonina), detectada em mais de 25% dos casos. Contudo existe uma enorme

    controversa em torno desta questo, j que se encontrou hiperserotoninemia numa grande

    diversidade de perturbaes sem sintomatologia do espectro autista e este estado metablico

    pode variar ao tratar-se a doena subjacente; no se podendo concluir que a diminuio do

    nvel de 5-HT (metabolito da serotonina) plasmtico melhore o comportamento autista. No

    obstante, est claro que a alterao da 5-HT tem especial importncia na produo de

    alteraes do desenvolvimento, j que participa na neurognese dos primeiros meses da vida

    embrionria. [6,32,33,67]

    1.5.2 Hiptese psicolgica:

    Apesar da perturbao do espectro do autismo ter sido descrita pela primeira vez h

    mais de 50 anos, continua a haver um alto grau de debate, tanto no mbito clnico como no da

    investigao, sobre a sua classificao e as condies psicopatolgicas, que poderiam ser

    semelhantes. A expresso Perturbaes Globais do Desenvolvimento, que inclui o Autismo

    Clssico, a Sndrome de Asperger, a Sndrome de Rett, a Perturbao Desintegrativa e a

    Perturbao Global do Desenvolvimento No Especificada, utilizou-se para referir este amplo

    conjunto de alteraes neuroevolutivas que compartilham os mesmos sintomas bsicos

    prprios da perturbao do espectro do autismo, mas com diferentes intensidades. [16,22,32,46,56,67]

    A maioria dos autores concorda que a alterao se encontra no sistema nervoso das

    crianas e no no ambiente ou nos seus pais, e que existe uma ampla heterogeneidade biolgica

    que causa diferentes subtipos da perturbao do espectro do autismo. Tambm esto de acordo

  • O Autismo

    16

    nos dfices cognitivos que apresentam as crianas com esta perturbao, e que do lugar a

    outros dfices comportamentais e de relao social. [5,32,67] Trs teorias foram propostas:

    - A teoria socio-afectiva, inicialmente defendida por Kanner (1943) e retomada por

    Hobson (1984);

    - A teoria cognitiva defendida por Frith e colaboradores;

    - A teoria cognitivo-afectiva, proposta por Sigman (1968).

    TEORIA SOCIO-AFECTIVA:

    Hobson postula na sua teoria que as alteraes na comunicao que sofrem as crianas

    com perturbao do espectro do autismo so primariamente afectivas. Tambm sugere que esta

    capacidade de compreender as emoes das outras pessoas no ser humano, est orientada ao

    social. A capacidade da criana para compreender as emoes algo mais que cognio, pelo

    que esses estados mentais podem ser percebidos directamente a partir da linguagem no-verbal

    gestual. Esta percepo de estados mentais o que Hobson denomina empatia no inferencial,

    que se pode entender como um processo propugnado biologicamente para compreender as

    emoes. Por tanto, a criana aprende a conceber coisas ao modo dos adultos, mediante as

    relaes afectivas que trava com eles. [5,32,67] Esta teoria pode sintetizar-se em 4 axiomas:

    1) As crianas com perturbao do espectro do autismo carecem dos componentes

    constitucionais para interactuar emocionalmente com outras pessoas;

    2) Tais relaes pessoais so necessrias para a configurao de um mundo prprio e

    comum com os outros;

  • O Autismo

    17

    3) A carncia de participao das crianas com perturbao do espectro do autismo na

    experincia social tem duas consequncias relevantes: uma falta relativa para conhecer

    que os outros tm os seus prprios pensamentos, sentimentos, desejos, intenes, e

    uma severa alterao na capacidade para abstrair, sentir e pensar simbolicamente.

    4) A maior parte dos dfices cognitivos e da linguagem das crianas com perturbao do

    espectro do autismo secundria e mantm uma estreita relao com o desenvolvimento

    afectivo e social.

    TEORIA COGNITIVA:

    Proposta por Leslie e Frith (1989), postula que os problemas sociais e de comunicao

    das crianas com perturbao do espectro do autismo se devem a um dfice cognitivo

    especfico, em concreto a uma alterao no que estes autores denominam capacidade

    metarrepresentacional, com o que tentam explicar os processos subjacentes ao

    desenvolvimento normal que esto alterados na comunicao e nas relaes sociais destas

    crianas. A capacidade metarrepresentacional responsvel pelo desenvolvimento do jogo

    simblico e pela atribuio de estados mentais com contedos a outros pelas crianas com

    perturbao do espectro do autismo. [5,32,67]

    TEORIA COGNITIVO-AFECTIVA:

    Postula que as dificuldades comunicativas e sociais das crianas com perturbao do

    espectro do autismo tm a sua origem num dfice afectivo primrio, que se encontra

    estreitamente relacionado a um dfice cognitivo, tambm primrio. Estes dois dfices so os

    que causam as dificuldades na apreciao dos estados mentais (Teoria da mente) e emoes de

    outras pessoas, dificuldades que esto na base da alterao do processo de interaco, o que

  • O Autismo

    18

    explica as falhas que mostram estas crianas na comunicao, no comportamento social e no

    jogo simblico. [5,32,67]

    Em resumo, estas 3 hipteses tentam explicar o problema da comunicao e o

    comportamento social das crianas com perturbao do espectro do autismo. A hiptese

    afectiva considera primria a alterao no processo de vinculao afectiva nas primeiras fases

    do desenvolvimento. A hiptese cognitiva considera a capacidade metarrepresentacional como

    varivel primria. E a terceira hiptese, tenta conjugar as duas anteriores, ao considerar que a

    alterao reside tanto na capacidade cognitivo-social para reconhecer que o outro tem um

    estado mental prprio (teoria da mente), como a habilidade afectivo-emptica associada para

    compartilhar um interesse comum pelos objectos com outra pessoa.

    1.6 Comorbilidade

    A associao da perturbao do espectro do autismo com outras doenas com um forte

    componente gentico contribui para consolidar as teorias sobre a origem gentica desta

    perturbao. As doenas onde os sintomas da perturbao do espectro do autismo se

    apresentam com uma frequncia que ultrapassa a mera casualidade so a esclerose tuberosa, a

    neurofibromatose, a sndrome do X frgil, outras sndromes cromossmicas (XYY) e outras

    doenas congnitas, nomeadamente os espasmos infantis, fenilcetonria, rubola congnita,

    encefalite herptica, sarampo e varicela. Algumas investigaes afirmam que a probabilidade

    de sofrer de perturbao do espectro do autismo nos indivduos afectados pelas doenas

    anteriores 100 vezes maior que os indivduos da populao em geral. Em relao sndrome

    do X frgil aceita-se que cerca de 2 a 5% das crianas com perturbao do espectro do autismo

  • O Autismo

    19

    apresentam esta sndrome. O atraso mental est presente em aproximadamente 75% destas

    crianas. [6,16,22,32,67]

    Considera-se que em 30% dos casos de perturbao do espectro do autismo ocorra

    epilepsia. O aparecimento da epilepsia mais comum no comeo da vida da criana ou na

    adolescncia. [9,32,40]

    As crianas com perturbao do espectro do autismo tm um permetro ceflico

    superior ao das crianas com desenvolvimento normal. Os estudos ps-mortem tambm

    demonstraram que o peso cerebral maior nas crianas com perturbao do espectro do

    autismo, contudo s uma pequena proporo destas crianas tem uma franca macrocefalia. Este

    maior dimetro parece que no est presente ao nascimento mas apareceria na primeira

    infncia e portanto poderia dever-se a uma acelerao no crescimento cerebral. [20,25]

    Algumas crianas diagnosticadas com perturbao do espectro do autismo apresentam

    alergias e especificamente alergias alimentares. As substncias alimentares que foram

    implicadas so a casena, o glten, acares e aditivos alimentares. Vrios estudos

    demonstraram que na base destas intolerncias se encontrava um mau funcionamento

    enzimtico do intestino. [32,67]

    1.7 Diagnstico

    O diagnstico da perturbao do espectro do autismo feito atravs da avaliao do

    quadro clnico. No existem testes laboratoriais especficos para a deteco desta perturbao;

    por isso, diz-se que a perturbao do espectro do autismo no apresenta um marcador

    biolgico. Normalmente o mdico solicita exames para investigar condies (possveis de

  • O Autismo

    20

    doena) que tm causas identificveis e podem apresentar um quadro de perturbao do

    espectro do autismo, como a sndrome do X frgil, fenilcetonria, ou esclerose tuberosa.

    importante notar, contudo, que nenhuma das condies apresenta os sintomas da perturbao

    do espectro do autismo em todas as suas ocorrncias. [6,22,40,49,67]

    Embora s vezes surjam indcios bastantes fortes de perturbao do espectro do autismo

    por volta dos 18 meses, raramente o diagnstico conclusivo antes dos 24 meses, e a idade

    mdia mais frequente superior aos 30 meses. [40,46,67]

    Para melhor instrumentalizar e uniformizar o diagnstico, foram criadas escalas,

    critrios e questionrios. Existem vrios sistemas diagnsticos utilizados para a classificao

    da perturbao do espectro do autismo. Os mais comuns so a Classificao Internacional de

    Doenas da Organizao Mundial de Sade, ou CID-10, e o Manual de Diagnstico e

    Estatstica de Doenas Mentais da Academia Americana de Psiquiatria, ou DSM-IV. No Reino

    Unido, tambm bastante utilizado o CHAT (Checklist for Autism in Toddlers), que uma

    escala de investigao de perturbao do espectro do autismo aos 18 meses de idade; um

    conjunto de nove perguntas a serem propostas aos pais com respostas tipo sim/no. [9,40,67]

    O diagnstico precoce importante para se poder iniciar a interveno educativa

    especializada o mais rapidamente possvel.

    1.7.1 Critrios diagnsticos

    Desde a concepo da perturbao do espectro do autismo como uma psicose infantil,

    na que os critrios diagnsticos se centravam em comportamentos bizarros, at incluso desta

    perturbao dentro do termo genrico perturbaes globais do desenvolvimento, enfatizando os

    dfices cognitivos, chegando concluso que o critrio diferencial da perturbao do espectro

  • O Autismo

    21

    do autismo em relao s outras perturbaes generalizadas do desenvolvimento o desvio

    mais do que o atraso no desenvolvimento dos processos cognitivos. Por essa razo o DSM-IV

    reagrupa os critrios de diagnstico em trs comportamentais e um critrio cronolgico (Tabela

    1.1).

    CRITRIOS DIAGNSTICOS DO DSM-IV PARA PERTURBAO DO ESPECTRO DO AUTISMO

    A. Um total de seis (ou mais) itens de (1) (2) e (3), com pelo menos dois de (1), e um de (2) e de (3).

    1. Dfice qualitativo na interaco social, manifestado pelo menos por duas das seguintes caractersticas:

    a. Acentuado dfice no uso de mltiplos comportamentos no-verbais, tais como contacto ocular,

    expresso facial, postura corporal e gestos reguladores da interaco social;

    b. Incapacidade para desenvolver relaes com os companheiros, adequados ao nvel de

    desenvolvimento;

    c. Ausncia da tendncia espontnea para partilhar com os outros prazeres, interesses ou objectivos

    (por exemplo, no mostrar, trazer ou indicar objectos de interesse);

    d. Falta de reciprocidade social ou emocional.

    2. Dfices qualitativos na comunicao, manifestados pelo menos por uma das seguintes caractersticas:

    a. Atraso ou ausncia total de desenvolvimento da linguagem oral (no acompanhada de tentativas

    para compensar atravs de modos alternativos de comunicao, tais como gestos ou mmica);

    b. Nos sujeitos com um discurso adequado, uma acentuada incapacidade na competncia para iniciar

    ou manter uma conversao com os outros;

    c. Uso estereotipado ou repetitivo da linguagem ou linguagem idiossincrtica;

    d. Ausncia de jogo realista espontneo, variado, ou de jogo social imitativo adequado ao nvel de

    desenvolvimento.

    3. Padres de comportamento, interesses e actividades restritos, repetitivos e estereotipados, que se

    manifestam pelo menos por uma das seguintes caractersticas:

  • O Autismo

    22

    a. Preocupao absorvente por um ou mais padres estereotipados e restritivos de interesses que

    resultam anormais, quer na intensidade quer no seu objectivo;

    b. Adeso, aparentemente inflexvel, a rotinas ou rituais especficos, no funcionais;

    c. Maneirismos motores estereotipados e repetitivos (por exemplo, sacudir ou rodar as mos ou dedos,

    ou movimentos complexos de todo o corpo);

    d. Preocupao persistente por partes de objectos.

    B. Atraso ou funcionamento anormal em pelo menos uma das seguintes reas, com incio antes dos 3 anos de idade:

    (1) interaco social, (2) linguagem usada na comunicao social, ou (3) jogo imaginativo ou simblico.

    C. A perturbao no melhor explicada pela presena de uma Perturbao de Rett ou Perturbao Desintegrativa da

    Segunda Infncia.

    Tabela 1.1: Critrios Diagnsticos do DSM-IV para a Perturbao do Espectro do Autismo (Kaplan, H. & Sadock,

    B. 1998, Manual de Psiquiatria Clnica, 2 Edio, Artmed, Porto Alegre, pp. 247)

    1.7.2 Exames complementares de diagnstico

    O electroencefalograma deve ser realizado em todas as crianas com suspeita de

    perturbao do espectro do autismo. A maioria dos mesmos patolgica, observando-se uma

    alterao do ritmo com ondas agudas, principalmente durante o sono, mesmo que nunca

    tenham tido uma crise. Esta prtica fundamental para descartar a afasia adquirida de Landau-

    Kleffner, que consiste numa afasia global que pode instaurar-se numa criana de 3 a 8 anos

    com desenvolvimento lingustico previamente normal ou atrasado. [9,22]

    Os potenciais evocados auditivos so solicitados como prova audiolgica para descartar

    hipoacsias. [9,22]

  • O Autismo

    23

    Os exames de imagem do sistema nervoso central, nomeadamente a Ressonncia

    Magntica, so teis para descartar mal formaes ou patologias displsicas que se tm

    relacionado com a perturbao do espectro do autismo sem ser especficas da mesma. Entre

    estas encontram-se o maior volume dos hemisfrios cerebrais e displasias corticais. [9,22]

    A Tomografia por Emisso de Positres no tem um grande papel no diagnstico, mas

    sim para orientar possveis terapias, principalmente da linguagem. Nestas imagens observa-se

    uma diminuio da captao talmica, com alteraes hipometablicas nos lbulos frontal e

    temporal. [9,22]

    Os estudos genticos, nomeadamente o caritipo convencional e o estudo citogentico,

    so teis para descartar a sndrome do X frgil. [22]

    1.8 Diagnstico Diferencial

    O principal diagnstico diferencial feito com a surdez, mas tambm com outras

    perturbaes generalizadas do desenvolvimento de achado recente: a sndrome de Rett, a

    sndrome de Asperger, a perturbao desintegrativa infantil e quadros no especificados.

    [28,67,68]

    A heterogeneidade com que se apresentam os casos de perturbao do espectro do

    autismo provoca problemas no s quanto aos critrios diagnsticos, mas tambm em

    estabelecer um ponto de corte entre esta perturbao e outras perturbaes que partilham

    alguns sintomas, mas que no cumprem totalmente o conjunto de critrios diagnsticos. A

    perturbao do espectro do autismo pode diferenciar-se de: esquizofrenia infantil, disfasia

  • O Autismo

    24

    evolutiva, atraso mental, sndrome de Rett, sndrome de Asperger e perturbao desintegrativa

    da infncia (sndrome de Heller). [28,67,68]

    Esquizofrenia Infantil: A esquizofrenia infantil uma categoria diagnstica que

    agrupa uma grande diversidade de perturbaes mentais infantis, antigamente inclua

    pseudopsicopatias, alteraes orgnicas e inclusive alteraes da linguagem e da inteligncia.

    Kolvin estabelece que as crianas desenvolvem a psicose segundo duas modalidades. A

    primeira inicia-se antes dos 3 anos de idade, com caractersticas da perturbao do espectro do

    autismo. A segunda inicia a sintomatologia entre os 5 e os 15 anos, com uma grande similitude

    esquizofrenia adulta. Podemos concluir que a esquizofrenia infantil se diferencia da

    perturbao do espectro do autismo no incio que mais tardio (depois dos 5 anos), pela

    presena de histria familiar de psicose, alteraes de pensamento (delrios), alteraes da

    percepo (alucinaes), dfices psicomotores e alteraes da sade fsica. Por ltimo a

    esquizofrenia responde melhor ao tratamento farmacolgico e a perturbao do espectro do

    autismo responde melhor a tcnicas de modificao do comportamento. [7,17,28,67,68]

    Disfasia Evolutiva: A disfasia evolutiva pode definir-se como um atraso na aquisio

    da linguagem e da articulao. As crianas disfsicas compartilham com as crianas com

    perturbao do espectro do autismo diversa sintomatologia relacionada com a aquisio da

    linguagem. Entre as caractersticas comuns, cabe destacar a ecollia, a inverso pronominal, os

    dfices de sequncia e os dfices na compreenso do significado das palavras. Tambm podem

    surgir problemas sociais. As crianas disfsicas conservam a sua capacidade comunicativa,

    mediante o uso de linguagem no verbal, manifestam as emoes e so capazes de levar a cabo

    jogos simblicos. [67,68]

  • O Autismo

    25

    Atraso Mental: O denominador comum entre crianas com perturbao do espectro do

    autismo e crianas mentalmente atrasadas a capacidade intelectual. As crianas com atraso

    mental conservam a sua capacidade de interaco social e de comunicao, sendo em

    numerosos casos inclusive melhor que a das crianas normais. A segunda diferena

    significativa o desenvolvimento fsico, que permanece normal nas crianas com perturbao

    do espectro do autismo e afectado nas crianas com atraso mental (Sndrome de Down). A

    terceira diferena, as crianas com atraso mental mostram um pobre rendimento em todas as

    reas intelectuais, enquanto as crianas com perturbao do espectro do autismo podem ter

    conservadas ou potenciadas as habilidades no relacionadas com a linguagem, como a msica,

    a matemtica ou os trabalhos manuais. [17,28,67,68] A tabela 1.2 mostra os critrios diagnsticos

    do DSM-IV para o Atraso Mental:

    CRITRIOS DIAGNSTICOS DO DSM-IV PARA ATRASO MENTAL

    A. Funcionamento intelectual significativamente inferior mdia: um Q.I. de aproximadamente 70 ou abaixo, num

    teste de Q.I. individualmente administrado (para bebs, um julgamento clnico de funcionamento intelectual

    significativamente abaixo da mdia).

    B. Deficincia ou prejuzos concomitantes no funcionamento adaptativo actual (isto , a efectividade da pessoa para

    atender aos padres esperados para a sua idade pelo seu grupo cultural) em pelo menos duas das seguintes reas:

    comunicao, cuidados pessoais, vida domstica, habilidades sociais/interpessoais, uso de recursos comunitrios,

    independncia, capacidades acadmicas, trabalho, lazer, sade e segurana.

    C. Incio anterior aos 18 anos de idade.

    Tabela 1.2: Critrios Diagnsticos do DSM-IV para o Atraso Mental (Kaplan, H. & Sadock, B. 1998, Manual de

    Psiquiatria Clnica, 2 Edio, Artmed, Porto Alegre, pp. 242)

    A perturbao do espectro do autismo diferencia-se do atraso mental porque, enquanto

    no segundo a criana apresenta um desenvolvimento uniformemente desfasado, na perturbao

  • O Autismo

    26

    do espectro do autismo o perfil de desenvolvimento irregular, deixando os pais, e muitas

    vezes tambm alguns profissionais, perplexos. [40,67]

    Sndrome de Rett: uma perturbao de deteriorao progressiva associada a uma

    ausncia de expresso facial e de contacto interpessoal, com movimentos estereotipados, ataxia

    e perda do uso intencional das mos. Ocorre preferencialmente no sexo feminino, sendo

    reconhecido entre os 5 e os 30 meses, (Tabela 1.3). [5,7,17,28,49,67,68]

    CRITRIOS DIAGNSTICOS DO DSM-IV PARA SNDROME DE RETT

    A. Tm que ocorrer todas as caractersticas seguintes:

    1. Desenvolvimento pr-natal e peri-natal aparentemente normais;

    2. Desenvolvimento psicomotor aparentemente normal nos primeiros 5 meses de vida aps o nascimento;

    3. Permetro craniano normal ao nascimento.

    B. Aparecimento de todas caractersticas seguintes, aps um perodo normal de desenvolvimento:

    1. Desacelerao do crescimento entre os 5 e os 48 meses de idade;

    2. Perda de aptides manuais intencionais, previamente adquiridas, entre os 5 e os 30 meses de idade, com

    subsequente desenvolvimento de movimentos manuais estereotipados (por exemplo, escrever ou lavar as

    mos);

    3. Perda do envolvimento social no incio da perturbao (ainda que muitas vezes a interaco social se

    desenvolva mais tarde);

    4. Aparecimento de m coordenao da marcha ou dos movimentos do tronco;

    5. Incapacidade grave no desenvolvimento da linguagem receptiva-expressiva, com grave atraso

    psicomotor;

    Tabela 1.3: Critrios Diagnsticos do DSM-IV para a Sndrome de Rett (Kaplan, H. & Sadock, B. 1998, Manual de

    Psiquiatria Clnica, 2 Edio, Artmed, Porto Alegre, pp. 247)

  • O Autismo

    27

    A Tabela 1.4 apresenta a comparao entre a Perturbao do Espectro do Autismo e a

    Sndrome de Rett.

    SNDROME DE RETT PERTURBAO DO ESPECTRO DO AUTISMO

    Desenvolvimento normal at aos 6/8 meses Aparecimento na primeira infncia

    Perda progressiva da fala e da funo manual As habilidades previamente adquiridas mantm-se

    Profundo atraso mental em todas as reas funcionais As habilidades viso-espaciais e manipulativas

    parecem conservar-se melhor que as verbais

    Microcefalia adquirida, atraso no crescimento Desenvolvimento fsico normal na maioria

    Movimentos estereotipados sempre presentes Comportamentos estereotipados com manifestaes

    complexas

    Dificuldades progressivas na deambulao. Apraxia

    do tronco e coordenao corporal Funes motoras grossas normais na primeira dcada

    Ausncia de linguagem

    Em alguns casos, ausncia de linguagem. Se est

    presente tem padres peculiares. Perturbaes

    comunicativas no verbais.

    Contacto ocular presente, por vezes muito intenso Contacto ocular inadequado

    Pouco interesse pela manipulao de objectos

    Comportamentos ritualistas estereotipados.

    Manipulao de objectos ou auto-estimulao

    sensorial

    Crise durante a infncia em pelo menos 70% dos

    casos

    Crise em 25% dos casos durante a adolescncia e a

    idade adulta.

    Bruxismo, hiperventilao com reteno/expulso de

    ar

    No tpico o bruxismo nem a hiperventilao

  • O Autismo

    28

    Podem ocorrer movimentos coreiformes e distonias No existem movimentos coreiformes nem distonias

    Tabela 1.4: Comparao entre a Sndrome de Rett e a Perturbao do Espectro do Autismo

    Sndrome de Asperger: Os quadros de Sndrome de Asperger so reconhecidos antes

    dos 24 meses, apresentando tambm maior ocorrncia no sexo masculino, inteligncia prxima

    da normalidade, dfice na sociabilidade, interesses especficos e circunscritos com histria

    familiar de problemas similares e baixa associao com quadros convulsivos. [5,17,28,67,68] A

    tabela 1.5 mostra os critrios diagnsticos da Sndrome de Asperger.

    CRITRIOS DIAGNSTICOS DO DSM-IV PARA SNDROME DE ASPERGER

    A. Dfice qualitativo na interaco social, manifestado por pelo menos duas das seguintes caractersticas:

    1. Acentuado dfice no uso de mltiplos comportamentos no-verbais, tais como contacto olhos nos olhos,

    postura corporal e gestos reguladores da interaco social;

    2. Incapacidade para desenvolver relaes com os companheiros, adequadas ao nvel do desenvolvimento;

    3. Ausncia da tendncia espontnea para partilhar com os outros prazeres, interesses ou objectivos (por

    exemplo, no mostrar, trazer ou indicar objectos de interesse);

    4. Falta de reciprocidade social ou emocional.

    B. Padres restritos, repetitivos e estereotipados de comportamentos, interesses e actividades, que se manifestam,

    pelo menos por uma das seguintes manifestaes:

    1. Preocupao absorvente por um ou mais padres estereotipados e restritivos de interesses que resultam

    anormais, quer na intensidade quer no objectivo;

    2. Adeso, aparentemente inflexvel, a rotinas ou rituais especficos e no-funcionais;

    3. Maneirismos motores estereotipados e repetitivos (por exemplo, sacudir ou rodar as mos ou dedos, ou

    movimentos complexos de todo o corpo);

    4. Preocupao persistente com partes de objectos.

  • O Autismo

    29

    C. A perturbao produz um dfice clinicamente significativo da actividade social, laboral ou de outras reas

    importantes de funcionamento.

    D. No h um atraso geral clinicamente significativo da linguagem (por exemplo, uso de palavras simples aos 2 anos

    de idade, frases comunicativas aos 3 anos).

    E. No h atraso clinicamente significativo no desenvolvimento cognitivo ou no desenvolvimento das aptides de

    auto-ajuda apropriadas da idade, no comportamento adaptativo (distinto da interaco social) e na curiosidade

    acerca do meio ambiente durante a infncia.

    F. No preenche os critrios para outra Perturbao Global do Desenvolvimento ou Esquizofrenia.

    Tabela 1.5: Critrios Diagnsticos do DSM-IV para a Sndrome de Asperger (Kaplan, H. & Sadock, B. 1998, Manual

    de Psiquiatria Clnica, 2 Edio, Artmed, Porto Alegre, pp. 248)

    Perturbao Desintegrativa Infantil (Sndrome de Heller): Com esta perturbao

    necessrio fazer o diagnstico diferencial de forma prioritria. a manifestao de uma

    regresso profunda e uma desintegrao comportamental aps 3 ou 4 anos de um

    desenvolvimento aparentemente normal, apesar das classificaes nosolgicas indicarem a

    idade at aos 2 anos ou menos. Com frequncia observa-se um perodo prodrmico ao que se

    associa a presena de irritabilidade, inquietude, ansiedade e relativa hiperactividade; perodo ao

    que se segue a perda da fala e da linguagem e das habilidades sociais, evidente a

    sobreposio com a perturbao do espectro do autismo. As diferenas entre esta perturbao e

    a perturbao do espectro do autismo so: a primeira enfatiza que o perodo de

    desenvolvimento normal significativamente mais longo do que usualmente se d na

    perturbao do espectro do autismo; e a segunda sublinha que o padro de regresso

    diferente, j que habitualmente implica a perda de outras habilidades alm da comunicao e

    relaes sociais, Tabela 1.6. [17,28,67]

  • O Autismo

    30

    CRITRIOS DIAGNSTICOS DO DSM-IV PARA PERTURBAO DESINTEGRATIVA INFANTIL

    A. Desenvolvimento aparentemente normal, pelo menos durante os 2 primeiros anos aps o nascimento, manifestado

    pela presena de comunicao verbal e no-verbal, relao social, jogo e comportamento adaptativo adequados

    idade.

    B. Perda clinicamente significativa de aptides previamente adquiridas (antes dos 10 anos de idade) em pelo menos

    duas das seguintes reas:

    1. Linguagem expressiva ou receptiva;

    2. Competncias sociais ou comportamento adaptativo;

    3. Controle intestinal ou vesical;

    4. Jogo;

    5. Competncias motoras.

    C. Anomalias no funcionamento em pelo menos duas das seguintes reas:

    1. Dfice qualitativo da interaco social (por exemplo, dfice dos comportamentos no-verbais,

    incapacidade para desenvolver relaes com os companheiros, ausncia de reciprocidade social ou

    emocional);

    2. Incapacidades qualitativas na comunicao (por exemplo, atraso ou perda da linguagem falada,

    incapacidade para iniciar ou manter uma conversa, uso estereotipado ou repetitivo da linguagem,

    ausncia de jogo simblico variado);

    3. Padres restritivos, repetitivos e estereotipados de comportamento, interesse e actividades, incluindo

    estereotipias motoras e maneirismos.

    D. A perturbao no melhor explicada pela presena de outra Perturbao Global do Desenvolvimento ou pela

    Esquizofrenia.

    Tabela 1.6: Critrios Diagnsticos do DSM-IV para a Perturbao Desintegrativa Infantil (Kaplan, H. & Sadock,

    B. 1998, Manual de Psiquiatria Clnica, 2 Edio, Artmed, Porto Alegre, pp. 248)

  • O Autismo

    31

    1.9 Tratamento

    O tratamento complexo, centra-se em intervenes intensivas individuais, incluindo o

    componente comportamental, educacional e psicolgico; e numa abordagem farmacolgica

    destinada reduo de sintomas-alvo, representados principalmente por agitao,

    agressividade e irritabilidade. No existe nenhum tratamento farmacolgico especfico para a

    perturbao do espectro do autismo. [5,6,9,22,47,49,67]

    Sob o ponto de vista psicofarmacolgico, so utilizados os neurolpticos, a combinao

    vitamina B6 magnsio, fenfluramina, carbamazepina, cido valprico e ltio, visando-se

    sempre a remisso dos sintomas alvo. [5,18,32,47,67]

    Psicofrmacos: deve-se comear sempre pela dose mnima e ir aumentando

    progressivamente at encontrar a dose mnima eficaz. Aps alguns meses de tratamento deve-

    -se efectuar a retirada do medicamento para avaliar a resposta ao tratamento e esta deve

    realizar-se sempre de forma gradual. As indicaes para a administrao de psicofrmacos so

    os comportamentos perseverativos (comparveis aos sintomas obcessivos-compulsivos, como

    so a presena de rotinas ou rituais especficos, no funcionais), os comportamentos

    disruptivos (agitao, negativismo, impulsividade, auto-heteroagresso), perturbao de dfice

    de ateno com ou sem hiperactividade, tiques, sndrome Gilles de La Tourette, as

    perturbaes do humor (depresso, doena bipolar), pica e perturbao da ansiedade. [6,18,32,47]

    Na tabela 1.7 resumem-se os psicofrmacos mais utilizados na perturbao do espectro do

    autismo.

  • O Autismo

    32

    PSICOFRMACO INDICAES

    Neurolpticos: Haloperidol, Levopromazina,

    Clorpromazina, Tioridazina, Properiazina, Risperidona,

    Zuclopentixol, Olanzapina

    Antidepressivos: Imipramina, Clomipramina, ISRS

    (Fluoxetina, Fluvoxamina)

    Benzodiazepinas: Diazepan, Alprazolan, Lorazepam,

    Clorazepato

    Estimulantes: Metilfenidato, Pemolina, Fenfluramina

    Anti-epilpticos: Valproato, Carbamazepina, Gabapentina

    Outros: Naltrexona, Carbonato de ltio, Propanolol,

    Clonidina

    Doses baixas: promover a aprendizagem, excessiva

    actividade, auto e hetero-agressividade

    Mudanas de humor, sintomatologia obcessivo-compulsiva

    Perturbaes do sono

    Hiperactividade

    Mudanas cclicas do humor, agressividade, doena bipolar

    Comportamentos auto-agressivos, ansiedade,

    hiperactividade

    Tabela 1.7: Psicofrmacos mais utilizados na perturbao do espectro do autismo (Atienza, F.D. 2001, Bases

    Biolgicas del Autismo y Tratamientos Farmacolgicos. Revista de Psiquiatra y Psicologa Nio Adolescente)

    Os neurolpticos mais utilizados so a tiaprida e a risperidona. A tiaprida um

    neurolptico menor atpico da famlia das benzamidas. um antagonista selectivo dos

    receptores dopaminrgicos D2 pelo que facilita a aco da dopamina. Est indicada

    inicialmente nos problemas de comportamento e da ateno como primeira medida, com

    melhoria, na maioria das vezes, da inquietude motora que apresentam estas crianas. A

    risperidona um neurolptico antagonista monoaminrgico com alta afinidade pelos receptores

    5-HT2 serotoninrgicos e D2 dopaminrgicos. Est indicada nos problemas graves de

    comportamento. [18,22,32,33,68]

    Os psico-estimulantes estimulam o sistema reticular, o sistema lmbico, o ncleo

    estriado e outras regies do crebro relacionadas com a ateno, a actividade e os processos de

  • O Autismo

    33

    inibio. Utiliza-se o metilfenidato, que um estimulante leve do sistema nervoso central com

    propriedades similares s anfetaminas, com actividade predominantemente central e mnimo

    efeito sobre o sistema cardiovascular. O mecanismo de aco, pelo qual o metilfenidato exerce

    efeito no comportamento das crianas autistas no bem conhecido. Geralmente s se

    administra nos dias com actividades escolares, descansando nos fins-de-semana e nas frias.

    No est indicado no caso de existir epilepsia, excepto se j no ocorrerem crises e se

    mantenha o tratamento anticonvulsivante de base. [22,32,68]

    Relativamente aos anti-epilpticos, os mais utilizados dentro dos clssicos so o

    valproato de sdio e a carbamazepina, e dos mais recentes a lamotrigina e o topiramato. A

    escolha do frmaco anti-epilptico depende da idade da criana, do tipo de crise que apresenta

    e da existncia ou no de patologia estrutural no sistema nervoso central. No h estudos que

    informem que frmacos anti-epilpticos esto mais indicados no caso da perturbao do

    espectro do autismo. Nos casos em que existem alteraes na actividade elctrica cerebral sem

    crises epilpticas, pode-se fazer um tratamento com frmacos anti-epilpticos se existem

    problemas na linguagem ou alteraes graves do comportamento. Nestes casos pode-se utilizar

    o valproato de sdio observando-se uma melhoria da criana medida que melhora o traado

    do electroencefalograma. [22,32,45,68]

    Existem evidncias de que a interveno educacional precoce, intensiva e especial a

    mais benfica. Destacam-se os programas comportamentais estruturados, o treino de aptides

    sociais e das actividades da vida diria e a balneoterapia. Em todos os programas

    fundamental o apoio e participao da famlia. [3, 28, 45, 67, 68]

  • O Autismo

    34

    1.10 Evoluo

    A evoluo da perturbao do espectro do autismo contnua. Um prognstico

    favorvel est relacionado com a ausncia de patologia neurolgica concreta, um nvel normal

    de inteligncia, o desenvolvimento da linguagem antes dos 5 anos, as capacidades, a ausncia

    de crises epilpticas e o ambiente onde a criana se desenvolve. [9,22,32,67]

    A esperana de vida dos indivduos com perturbao do espectro do autismo

    directamente proporcional ao Q.I. desses indivduos, ou seja, indivduos com perturbao do

    espectro do autismo e limitaes intelectuais tm pior prognstico. Autistas com profundo

    atraso mental requerem cuidados constantes. [9,32,67]

    Algumas crianas com perturbao do espectro do autismo podem integrar-se em

    escolas normais e, inclusive, desenvolver certas actividades profissionais, contudo a maioria

    necessita de cuidados especiais na idade adulta. Raramente chegam a ser totalmente

    independentes e necessitam de um ambiente que continue com a ordem estabelecia na etapa

    escolar. [32,40,67]

  • A Musicoterapia

    35

    CAPTULO II

  • A musicoterapia

    36

    2.1 Musicoterapia

    O meio ambiente preenchido com som, o qual est presente desde o nascimento do

    homem at ao fim dos seus dias.

    A msica tem importncia na vida do homem, proporciona-lhe momentos de beleza,

    suscita emoes, inspiraes, trata, traz recordaes conscincia e embala sonhos.

    Todos ns sabemos reconhecer quando uma cano nos parece alegre ou triste.

    Geralmente associamos o nosso estado de nimo a uma melodia de numerosas obras de todo o

    tipo. A musicoterapia recorre a estas melodias como mtodo para prevenir, curar ou reduzir

    diversos problemas de sade.

    A musicoterapia conhecida desde a antiguidade, mas desde os anos 40 do sculo XX

    utilizada como ramo da medicina. O esquema bsico desta disciplina contempla trs aspectos:

    a interaco positiva do paciente com outros seres, a auto-estima e a utilizao do ritmo como

    elemento causador de energia e ordem. A musicoterapia actua como motivao para o

    desenvolvimento de auto-estima, com tcnicas que provocam no indivduo sentimentos de

    auto-realizao, autoconfiana, auto-satisfao e muita segurana em si mesmo. O ritmo,

    elemento bsico, dinmico e potente na msica, o estmulo orientador de processos

    psicomotores que promovem a execuo de movimentos controlados. [54]

    Aceitamos como boa uma determinada msica como consequncia da nossa

    aprendizagem e da experincia. Por isso, as teorias gregas dos modos ou os modos musicais da

    nossa civilizao ocidental actual (modos maiores e menores) tm efeitos psicolgicos sobre

    ns, no pela estrutura em si, mas pela aprendizagem (seja porque os escutmos muitas vezes,

    seja porque nos transmitido pelos nossos antepassados). [54]

  • A musicoterapia

    37

    O passado muito importante; cada msica que nos chega de geraes passadas f-lo

    impregnada com as vivncias (positivas ou negativas) do passado de quem as cantou,

    interpretou ou danou.

    2.2 Histria da Musicoterapia

    Desde a mais antiga das nossas razes o som tem acompanhado o homem na sua viagem

    pela histria. Mas se certo que o som acompanha a Histria do homem como colectividade,

    tambm acompanha a sua prpria histria como homem, j que parte da realidade da mesma se

    constri desde o som, desde a primeira percepo sonora intra-uterina at morte, tudo est

    rodeado de som.

    A utilizao da msica como um agente teraputico no nada de novo. Na Sumria e

    Babilnia utilizavam instrumentos de sopro nos ritos de cura e nas celebraes no templo. Na

    Babilnia, flautas e assobios foram utilizados pelos sacerdotes msicos para estimular a cura

    dos doentes mentais. No Egipto, comea a emergir um modo mais racional de utilizao da

    msica como agente curativo. A finalidade era o restabelecimento e a reabilitao de

    problemas tanto fsicos como psquicos ou emocionais. O Edwin Smith Surgical Papyrus, o

    papiro Hent tani e o Ebers Medical Papyrus revelam o nascimento de atitudes racionais

    sofisticadas e inquestionveis acerca de vrios aspectos da medicina e da msica como

    teraputica. A msica foi utilizada como terapia nos programas de tratamento hospitalar do

    Egipto, para curar o corpo, acalmar a mente e purificar o esprito. O povo Hebreu utilizava a

    msica em casos de problemas fsicos e mentais. Mas na Antiga Grcia que se encontram os

    fundamentos cientficos da Musicoterapia. Pitgoras desenvolveu conceitos matemticos para

    explicar a harmonia na msica, no universo e na alma humana A doena mental era o

  • A musicoterapia

    38

    resultado de uma desordem harmnica dentro da alma, e msica era reconhecido o poder de

    restaurar esta harmonia perdida. Plato acreditava no carcter divino da msica. A msica

    podia proporcionar prazer ou sedar. [25,26,54]

    A msica foi considerada como a harmonia e o ritmo da vida. A desarmonia e a

    arritmia das pessoas doentes mentais precisavam normalizar-se para recuperar a sade. [54]

    Aristteles foi, segundo alguns autores, o primeiro que teorizou sobre a grande influncia da

    msica sobre os seres humanos. A ele devemos a Teoria dos ethos da msica (a palavras

    grega ethos pode ser traduzida por a msica como provocadora de estados de nimo). Esta

    teoria baseada na ideia segundo a qual existe uma estreita relao entre os movimentos

    fsicos do ser humano e os da msica. Esta relao faz com que seja possvel que a msica

    possa exercer uma influncia determinada sobre o carcter do homem, no s sobre as suas

    emoes. Por isso cada melodia era composta com a finalidade definida de criar um estado de

    nimo ou ethos. [25,26,54]

    Aristides Quintiliano descreveu trs grupos de composies j existentes:

    1. A systaltik: as composies musicais que produzem um efeito depressivo ou que

    despertam sentimentos penosos.

    2. A diastaltik: as que elevam o esprito.

    3. A hesikastik: aquelas que acalmam o esprito. [26,54]

    Para a Musicoterapia fundamental a Teoria Modal dos gregos. Esta teoria considera

    que cada um dos trs elementos bsicos da msica: melodia, harmonia e ritmo exercem

    determinados efeitos sobre a parte fisiolgica, emocional, espiritual e sobre a fora de vontade

    do homem. [25,54]

  • A musicoterapia

    39

    2.2.1 Estado actual do desenvolvimento da musicoterapia

    A musicoterapia como tcnica de tratamento j vem sendo utilizada h milhares de

    anos, porm com o aparecimento dos frmacos foi deixada de lado pela sociedade moderna e

    s voltou a ser levada a srio como factor teraputico no final dos anos 70. [51]

    Foram os EUA o pas que contou com a primeira associao para impulsionar este ramo

    da cincia com a National Society for Musical Therapeutics (New York, 1903), fundada pela

    pioneira da musicoterapia, Eva Augusta Vescelius. Em 1950 foi fundada a National

    Association for Music Therapy. [25,26]

    Na actualidade existem em todo o mundo mais de 66 associaes de profissionais

    musicoterapeutas. Uma World Federation for Music Therapy que agrupa todas as

    associaes existentes. A International Society for Music in Medicine (Alemanha - EUA)

    que agrupa mdicos e musicoterapeutas. Na Europa foi fundada a European Music Therapy

    Confederation, que desde 2004 a nica associao europeia reconhecida pela Unio Europeia

    para trabalhar sobre o reconhecimento e desenvolvimento dos musicoterapeutas europeus. [25,26]

    Em Portugal existe a Associao Portuguesa de Musicoterapia, fundada em Janeiro

    de 1996.

    2.3 Definio

    A Musicoterapia uma tcnica te