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A NATUREZA DA CRISE NA EDUCAÇÃO COMO OPORTUNIDADE DO ENSINO DE FILOSOFIA: UMA PROPOSTA A PARTIR DE HANNAH ARENDT WAGNER DE MORAES PINHEIRO Dissertação apresentada ao programa de pós- graduação em Filosofia e ensino, do Centro Federal de Educação Tecnológica Celso Suckow da Fonseca, CEFET/ RJ, como parte dos requisitos necessários para obtenção do título de mestre em Filosofia e Ensino. Orientador(a): Professora Dra Taís Silva Pereira Rio de Janeiro Fevereiro de 2017

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A NATUREZA DA CRISE NA EDUCAÇÃO COMO OPORTUNIDADE DO ENSINO DE FILOSOFIA: UMA PROPOSTA A PARTIR DE HANNAH ARENDT

WAGNER DE MORAES PINHEIRO

Dissertação apresentada ao programa de pós-graduação em Filosofia e ensino, do Centro Federal de Educação Tecnológica Celso Suckow da Fonseca, CEFET/ RJ, como parte dos requisitos necessários para obtenção do título de mestre em Filosofia e Ensino.

Orientador(a): Professora Dra Taís Silva Pereira

Rio de Janeiro Fevereiro de 2017

A NATUREZA DA CRISE NA EDUCAÇÃO COMO OPORTUNIDADE DO ENSINO DE

FILOSOFIA: UMA PROPOSTA A PARTIR DE HANNAH ARENDT

Dissertação apresentada ao programa de pós-graduação em Filosofia e Ensino, do Centro Federal de Educação Tecnológica Celso Suckow da Fonseca, CEFET/ RJ, como parte dos requisitos necessários para obtenção do título de mestre em Filosofia e Ensino.

_____________________________________________________________________

Professora Dra. Taís Silva Pereira (CEFET/RJ) (Orientador)

_____________________________________________________________________

Professor Dr. Maurício Castanheira (CEFET/RJ)

_____________________________________________________________________

Professor Dr. Marcelo Araújo (UERJ)

SUPLENTES

_____________________________________________________________________

Professor Dr. Edgar Lyra (PUC-Rio e CEFET/RJ)

_____________________________________________________________________

Professor Dr. Antonio Saturnino (UFRJ)

Rio de janeiro

Fevereiro 2017

Ficha catalográfica elaborada pela Biblioteca Central do CEFET/RJ

P654 Pinheiro, Wagner de Moraes A natureza da crise na educação como oportunidade do ensino

de filosofia : uma proposta a partir de Hannah Arendt / Wagner de Moraes Pinheiro.—2017.

101f. + apêndice e anexo ; enc. Dissertação (Mestrado) Centro Federal de Educação

Tecnológica Celso Suckow da Fonseca , 2017. Bibliografia : f. 99-101 Orientadora : Taís Silva Pereira 1. Filosofia – Estudo e ensino. 2. Arendt, Hannah, 1906-1975. 3.

Crise (Filosofia). 4. Professores de filosofia. I. Pereira, Taís Silva (Orient.). II. Título.

CDD 107

DEDICATÓRIA

à minha família,

que cresça mais a cada dia, como um só corpo.

AGRADECIMENTOS

A brasa, fora do braseiro, perde gradativamente sua combustão, esfriando até

tornar-se um carvão frio. Por isso, agradeço a todos que não deixaram que isso

acontecesse comigo ao longo dessa jornada.

Agradeço primeiramente a Deus, o doador da vida, a chama inicial;

À minha esposa, por me suportar e motivar nos momentos difíceis. Se essa

chama continua acesa é porque acredita em mim;

Aos meus pais, pelo apoio incondicional e instrução, que me mantiveram aceso

apesar de dificuldades e crises ao longo desse percurso. Dedico meus abraços,

pensamentos, sorrisos e lágrimas emocionadas para vocês;

Ao meu tio Aluizio, tia Louisiana e tia Thelma, por participarem sempre de

maneira positiva da vida dos que os cercam, se doando, mesmo nas horas difíceis. Essa

lenha foi a que deu o calor e aumentou o fogo ao longo dos anos com sua sabedoria,

exemplo e carinho.

Quero agradecer também, à minha orientadora Taís, que com muita dedicação,

destreza e paciência, releu e discutimos textos, de modo a chegarmos aos melhores

resultados. Sua fala precisa e clareza foram importantes para eu chegar até aqui.

Quero agradecer também ao professor Maurício, que, desde 2013, insiste em

acreditar, e me fazer acreditar, que sou um professor de filosofia. Bom, se ele acredita,

é real.

EPÍGRAFE

“E como quereis vencer a crise se, como diria

Epícteto, como maus atores, só quereis um papel

no coro”

Mario Ferreira dos Santos

RESUMO

O trabalho apresenta a crise na educação como oportunidade para o ensino de filosofia enquanto uma resposta crítica do indivíduo. Apresenta-se a resposta crítica com base em três elementos: a reflexão como um diálogo compreensivo que atualiza as questões do pensamento para o lugar da crise; o diálogo com a tradição numa crítica à crise e a oportunidade do surgimento de uma ação refletida como resposta crítica à crise. O caminho argumentativo tem como base o artigo de Arendt “A crise na educação”, voltado para o tema da crise. Tem-se como motor da resposta crítica à crise o exercício da compreensão. Tal exercício opõe-se à resposta preconceituosa e servil, que possuem o domínio e a doutrinação ideológica como seus principais participantes dessa resposta. Como produto da reflexão, desenvolve-se um manual de instrução programada que pretende apresentar uma alternativa para auxiliar no ensino filosófico, de modo a mediar a problematização da crise no diálogo com o texto e no debate filosófico com os outros alunos.

PALAVRAS-CHAVE: Crise; Hannah Arendt; Ensino de Filosofia.

ABSTRACT

The work presents crisis in education as an opportunity to teaching philosophy as a reflected answer by the individual. It is presented based on three elements: the reflection as a philosophical dialogue with crisis that grasps to presentify it; the dialogue with tradition in a critique of crisis and opportunity of the uprising of an reflected action and critical answer to crisis. The argumentative path to defend has it´s guide on the text “Crisis in education” from Hannah Arendt. The work has as his engine of the critical answer the concept of comprehension. This concept opposes itself to the prejudiced answer, having the domination and the ideology indoctrination as maining participants of that answer. As a fruit of the study, it is developed a programmed instruction that propose to be an alternative to help in teaching philosophy, in a way that the programmed can mediated the problematization of crisis in the dialogue with the text and in the philosophical dialogue with others students

KEYWORDS : Crisis; Hannah Arendt; Philosophy teaching

SUMÁRIO

Introdução 012

1 A crise na educação em Hannah Arendt 016

1.1 Introdução ao conceito de crise 016

1.1.1 Krisis como racionalidade 016

1.1.2 A necessidade de novas respostas 020

1.2 A crise na educação: como lidar com a crise na educação 047

1.2.1 A origem da crise na educação 047

1.2.2 Consequências da resposta crítica – crise, oportunidade e

arbitrariedade. 058

1.2.3 Consequências da resposta preconceituosa – bons alunos

aguçando a crise. 062

1.3 O papel da compreensão na crise na educação 062

1.4 A importância do julgamento na superação da crise 065

2 A crise na educação: o caso da prática docente em

filosofia para uma turma de administração no CEFET/RJ 068

2.1 O papel do professor de filosofia a partir do diagnóstico de

Hannah Arendt 068

2.1.1 O professor de filosofia enquanto guardador da tradição e

seus problemas 068

2.2 Um material que introduza o problema de um filósofo

para a turma de administração 080

2.2.1 Filosofia para a graduação de administração do CEFET/RJ

Maracanã 080

3 Material didático e o diagnóstico de Arendt: uma

Aproximação. 085

3.1 O que é um manual de instrução programada? 085

3.1.1 Sobre a aplicação no processo educacional 085

3.2 Arendt e o manual de instrução programada 086

3.2.1 Qual o uso desse manual no processo educacional à luz

Arendt? 088

Considerações finais 096

Referências 099

Apêndice 1: Manual de instrução programada 110

Anexo A: Ementa do curso de Filosofia para a graduação de

Administração no CEFET/RJ 113

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INTRODUÇÃO

O trabalho levanta a questão de se a crise na educação é uma oportunidade

para o ensino de filosofia numa turma de alunos do curso de administração do

CEFET/RJ, a partir do acompanhamento da prática de oficinas e do curso de

administração dessa instituição.

Será argumentado, a partir da filosofia de Hannah Arendt, que a crise pode ser

respondida de maneira crítica ou preconceituosa. Sobre a crise na educação, defenderá

que é uma oportunidade para o ensino de filosofia se a resposta se basear em três

elementos fundamentais que giram em torno de um quarto, sendo eles, 1) a reflexão a

partir do lugar que o indivíduo encontra-se na crise, sendo necessária para

compreensão da mesma, sua contextualização; 2) o diálogo com a tradição,

abandonado pela crise, de modo que, ao compreender a tradição ela será presentificada

e 3) uma ação refletida, que tem em si um novo início na criatividade. Esta surge da

convivência entre pessoas diferentes e na reflexão sobre esse espaço, se permitindo

valorizar ao máximo a criatividade de cada ser humano e a sua originalidade na sua

resposta à crise. Entende-se ainda que a compreensão 4) é o elemento central numa

resposta crítica do indivíduo. Ela fará com que o indivíduo entre em diálogo permanente

com a crise.

OBJETIVO GERAL

Levantar o conceito de crise na educação como uma alternativa para se ensinar

filosofia no curso de administração, a partir da elaboração de um programa de instrução

programada.

OBJETIVOS ESPECÍFICOS

Desenvolver um estudo sobre o conceito de crise a partir do diagnóstico de

Arendt sobre a crise na educação.

Expor a crise como um momento oportunidades para a reflexão e novos

começos.

Apontar a relação entre os conceitos principais que desenham a estrutura da

crise na educação, possibilitando nesta uma oportunidade para o ensino de filosofia, a

saber: A reflexão, tradição e ação.

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Desenvolver um material didático que apresente o problema da crise em Hannah

Arendt sobre uma perspectiva filosófica, sendo capaz de introduzir o debate à turma.

PROBLEMA

O trabalho tem como problema se é possível responder à crise de uma maneira

crítica numa sociedade que impõe que se aja a esta de maneira servil, irrefletida e

preconceituosa. Para se pensar esta questão, a obra de Hannah Arendt, principalmente,

do texto “A crise na educação”, de 1954, é usada de referência. O problema está em

compreender como pode a crise ser uma oportunidade para o ensino de filosofia numa

turma de administração, ou seja, pensar a crise a partir desse lugar específico, usando

a filosofia de Arendt e as consequências desse pensamento. Pergunta-se se a filosofia

pode ter um caráter performático, de interferir na atitude de um estudante de

administração perante a crise e, portanto, ser um estudo necessário para o futuro

administrador por seu caráter ético e político indispensável.

Assim, o problema gira em torno das consequências de se pensar a natureza da

crise numa turma de administração do CEFET/RJ. Estas apontam para o modo

adequado no processo de ensino-aprendizagem, as barreiras encontradas ao longo do

caminho, a conciliação do método de trabalho do tema com a teoria, ou seja, a teoria de

se pensar a natureza da crise com a parte prática do papel do professor de filosofia a

partir do diagnóstico de Arendt sobre a crise.

JUSTIFICATIVA

O trabalho e a reflexão nele contida se apresentam como uma alternativa para

professores de filosofia para administração, podendo também ser usado por professores

de filosofia para outras graduações, professores de filosofia do ensino básico e que

pesquisam o assunto. Os alunos de administração, que se multiplicam, e que estudam

filosofia, muitas vezes no início da graduação, não possuem uma familiaridade com a

disciplina, facilidade com os textos filosóficos ou no diálogo filosófico. Assim, o trabalho

apresenta-se como uma possibilidade para aqueles que, no desafio do ensino de

filosofia para outras graduações, estejam em diálogo, em conjunto com a turma, com o

futuro fazer dos estudantes em administração, numa reflexão que oportunize ao aluno

de administração pensar seu agir – oportunizando uma ação refletida para os futuros

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administradores.

METODOLOGIA

O trabalho apresenta a crise a partir do texto base “A crise na educação”, tendo

como apoio, os textos de Arendt “A condição humana” e dois ensaios de Arendt que se

voltam para o exercício da “Compreensão e política (As dificuldades da compreensão)”

e “Sobre a natureza do totalitarismo: uma tentativa de compreensão”.

Para defender a crise na educação como oportunidade para o ensino de filosofia,

será apresentado antes o conceito de crise para Arendt, e depois se apresentará a crise

na educação. A partir dessas duas partes do primeiro capítulo será problematizado o

papel do professor e a necessidade de um material didático para cumprir a tarefa de

legar a reflexão e a ação em um curso de filosofia para administração.

ESTRUTURA DO TRABALHO

O capítulo 1 apresenta uma introdução sobre o conceito de crise e a crise na

educação. No primeiro momento, apresenta-se o conceito de krisis como racionalidade

a partir do ensaio “A crise da ideia de Crise”, de Gerd Bornheim. Após isso, apresenta-

se o conceito de crise especificamente no pensamento de Arendt. Para tal, serão

analisadas as origens da crise da modernidade, apontadas por Jardim em “Hannah

Arendt – pensadora da crise e novo início” e serão buscadas em “A condição humana”

e em trechos de “Entre o passado e o Futuro”, a compreensão de Arendt do que é o

conceito de Crise. Em seguida, se apresentará a crise na educação para Arendt,

mostrando a crise na modernidade a partir de sua relação com os meios de produção,

a perspectiva do ensino desta crise, e a sociedade de massas. Nesse momento será

utilizado o texto “A crise na educação”.

Ao final do segundo capítulo, então, será mostrada a necessidade de se pensar

o ensino para filosofia para administração. Para essa tarefa, será apresentada a turma

de filosofia para administração do CEFET/RJ em seus aspectos presentes, possíveis e

suas necessidades em relação ao ensino de filosofia, que se expressam na dificuldade

de interpretar o texto filosófico, em ser um curso introdutório e na diversidade de alunos,

vindos de colégios diversos. É neste contexto que se insere o desafio de se ensinar

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filosofia para futuros administradores. Busca-se defender que a tarefa do professor de

filosofia é de abrir um ambiente propício para o pensar, apesar dos desafios. Neste

sentido, será apresentado o manual de instrução programada, como proposta

pedagógica para o professor de filosofia. A expectativa/o objetivo é que esse possa ver

o material como um caminho para uma introdução ao debate de problemas e um modo

de se construir um ambiente propício para que o estudante de administração exercite o

pensamento sobre suas próprias decisões. Para isso, se expõe o problema da prática

docente de filosofia para administração, apontando um possível caminho a partir da

filosofia de Arendt para o professor de filosofia. Apresenta-se, assim, o método de

ensino ministrado para administradores por meio de diálogo com textos de Arendt sobre

Eichmann, de modo que o manual possa surgir não como um reprodutor de novos

“Eichmanns,” mas para repensar esse sistema em que eles estão inseridos, e até aquele

que os multiplica, a saber, as graduações de administração.

O capítulo 3 desenvolve uma introdução ao material didático, iniciando com uma

introdução ao conceito de manual de instrução programada, apresentando a versão que

será usada como material didático e, por fim, um diagnóstico a partir de Arendt sobre o

manual, apresentando os prós e contras de se usá-lo no ensino de filosofia.

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CAPÍTULO 1. A CRISE NA EDUCAÇÃO EM HANNAH ARENDT

1.1 Introdução ao conceito de crise:

Para analisar a crise na educação em Hannah Arendt, este tópico dedica-se ao

conceito de crise a partir de três pontos. São eles: A crise como racionalidade, a crise

como surgimento do espaço da política e do julgamento, e a crise como o momento que

rompe com parâmetros e estruturas, exigindo novas respostas.

1.1.1 Krisis como racionalidade.

No artigo “A crise da ideia de crise” (BORNHEIM, 1996), a razão é aproximada

do conceito de crise por uma via da compreensão etimológica da palavra e da

compreensão do que é a racionalidade. Ao se questionar pelo sentido e uso da palavra

no grego ático e antigo em geral, Bornheim está propondo um deslocamento cultural da

vivência da crise – por isso a proposta de uma “crise da ideia de crise”.

O ponto de partida é a palavra crise em seu estado atual. A tese principal e inicial

do filósofo é que para nós, ocidentais, essa palavra 'crise' indica coisas negativas, como

uma crise existencial, crise econômica, crise política, crise democrática e até a famosa

crise da adolescência. A denúncia de Bornheim é que o sentido antigo da palavra parece

ter se perdido. Isso, pois ao buscar a origem da palavra, Bornheim aponta que o sentido

da palavra crise deve ser ampliado para outras direções, principalmente se a

experienciarmos por meio de krisis, como era na Grécia antiga. A palavra grega krisis,

segundo o filósofo, não possuía conotação negativa, mas na maioria de seu uso possuía

uma conotação de estabelecimento de relações analíticas e sintéticas, ou de sentenças

jurídicas e até médicas e clínicas – num sentido neutro. Assim, a proposta de Bornheim

é mostrar como a krisis, em todas as variações da palavra, e usos do grego em sua

origem, pode ser uma alternativa ao uso limitado atual da palavra. Alternativa que se

encontra numa passagem que ele mesmo dirá no texto como a crise da razão. Ora,

talvez, o que se espere é que crise e razão sejam palavras desassociadas, mas para o

filósofo, é necessário estarem coladas, uma vez que a maioria dos significados da

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palavra grega krisis envolve uma atividade racional. Segundo Bornheim:

Convém desde logo chamar a atenção para um aspecto do tema que só

permanece esquecido pela generalidade dos manipuladores da palavra

crise: é que ela passa a ostentar uma dimensão essencialmente

negativa – toda crise seria em si mesma negativa... É ao menos curioso

observar que a origem grega da palavra crise e de seus derivados –

como crítica, crítico, critério – nada tem de negativo. O verbo de origem

é krino, e apresenta os seguintes significados: 1)”escolher”, “separar”;

“discernir entre verdadeiro do falso”; 2) “julgar”, “pronunciar julgamento”;

3) “julgar”, “decidir”, “pronunciar”. 4) julgar, “pôr em julgamento”. Na voz

média significa: 1) escolher para si, 2) decidir, julgar, explicar 3) “estar

em luta”, disputar, combater. A palavra krisis quer dizer: escolha,

julgamento, sentença e também debate, disputa. Nisso tudo não parece

haver rastro de negatividade – ao contrário: há a força de escolher,

discernir, debater; são palavras ligadas à força do pensamento e,

portanto, à criação da filosofia e da ciência”. (BORNHEIM, 1996 p.49)

Como aparece no trecho, a crise, apesar de seu uso cotidiano a maioria deles,

possui uma série de significados associados à razão. O diálogo, debate, é aderido como

parte do movimento da krisis da razão. Pois julgar, explicar, são tarefas que dependem

da escolha dentre opiniões diferentes para que esse exercício seja posto em ação e

diferentes opiniões se encontrem em diálogos, debates. E para o surgimento de novas

opiniões, novas ideias, principalmente no âmbito da política, é preciso a liberdade de

escolher e necessário o espaço para discernir, julgar e proferir julgamentos diferentes.

A crise é esse espaço – o espaço para o surgimento do novo1. Em relação ao significado

da krisis no espaço entre os homens, seria como se “explicar” ou dar conta da palavra,

do pensamento e das decisões; não há como explicar, se não for a outrem, por meio do

diálogo, num debate, ou numa conversa2. O espaço público, entre os homens, é um

espaço de krisis, no qual há constante disputa, julgamento, discernimento e outras

atividades concernentes à racionalidade que é a própria, afirma Bornheim, crise da

razão.

A apropriação do conceito de crise pelo autor emerge, então, para o ponto que

este deseja chegar, pois a krisis deve ser enxergada como o próprio pensamento

1 Como se verá mais tarde, a questão de um “novo início”, principalmente na política, tem a ver com o conceito de

ação em Hannah Arendt. É necessário compreender que a crise é o lugar de diálogo e reflexão onde esse novo início só surge a partir de uma resposta crítica.

2 Nesse momento, este estudo analisa o artigo de Bornheim para argumentar o valor da crise no espaço da política.

Para maior entendimento dessa ideia, ir para o ponto 1.1.2.

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filosófico e científico, o exercício de discernir, julgar ou explicar o mundo, em busca da

verdade. Ao apontar para o “Mito da Caverna” de Platão como aquele que apresenta a

krisis, como representante dessa nova forma de pensamento, Bornheim argumenta que

Platão está substituindo a forma antiga de pensamento que não possuía a mesma noção

de verdade, nem buscava conhecer a natureza e o mundo numa perspectiva de

distanciamento (BORNHEIM, 1996 p 40). A krisis exige uma consciência crítica, uma

análise fria e rígida dos elementos como objetos e, por fim, a capacidade de decidir e

julgar sobre eles como bons e maus, feios e belos, certos e errados – e a verdade toma

um novo sentido. Para Bornheim, ao partir da “República”, mais especificamente no

“Mito da Caverna”, Platão apresenta a verdade associada à ideia de Bem, e este, a um

critério universal de julgar – uma forma, ou eidos. Essa ideia de Bem, no entanto, é

conquistada apenas pelo filósofo, que possui o acesso ao mundo separado das

sensações humanas. O exercício de se chegar à verdade divide-se em fases, desde

conhecer as sombras, os objetos que fazem as sombras, o fogo que projeta as sombras,

até conhecer o mundo que transcende os limites do sensível, e de tudo que representa

a ilusão dos sentidos, opinião, ou mesmo uma mera representação do real de fato – o

conhecimento da realidade fora da caverna, e o acesso à luz do 'sol', a verdade. As

alusões desenhadas por Platão na alegoria também nos mostram como essas verdades

do filósofo libertam das próprias ilusões da razão. O que Kant chama de antinomias, as

limitações do julgar e as sínteses impossíveis estão ligadas à origem da krisis da razão

em sua capacidade de olhar para o espelho e julgar a si mesma. Assim, a proposta de

Platão, segundo a interpretação de Bornheim, de uma nova forma de pensamento,

coloca-se como o exercício de crise, ou seja, de separar, discernir os elementos que se

põem diante das percepções sensíveis do homem até que se alcance o conhecimento

sobre a verdade do conhecimento de si, a saber, sobre a provocação socrática

“conhece-te a ti mesmo”. A krisis, no entanto, não é apenas uma atividade solitária, ou

volta-se para o próprio homem, mas em seu uso, como destaca Bornheim, na maioria

das vezes envolve um diálogo com o outro e, necessariamente diferente, como no caso

de seus significados (“debate”, “disputa”, “pronunciar julgamento” e “julgar” e “discernir”),

que acompanham a discordância e a busca consensual por meio de uma atividade

puramente humana, do discurso.

Essas ações notadas envolvem o homem no convívio do espaço público, através

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da crise. E assim, no momento em que o pensamento tomou a forma de conhecimento,

que nasce alcançado pelas ideias, de um saber filosófico ou científico, que discerne,

julga e separa a partir da própria razão, o mundo, propiciando uma nova noção de

verdade, a partir desse marco histórico, a saber, o pensamento platônico a respeito da

verdade, a própria razão está em crise, e ela é a própria crise da razão. A razão, por

esse mesmo motivo, está em crise, desde seu nascimento. Vive nesse estado de crise

e movimenta-se por meio dela.

Então, para Bornheim, a necessidade da noção da verdade como aletheia, que

será importante para Arendt, urge para compreender a separação entre krisis e

pensamento. Contrariando uma posição antiga de não se opor ao mundo dado e a

natureza do modo como lhe é entregue, a Platão contraria não só o pensamento mítico,

mas a escola pré-socrática, a mesma posição de que o homem não discerne o mundo

por meio de discurso filosófico, lógico, científico. Capaz de alcançar por meio de

relações e sínteses um julgamento objetivo sobre a natureza e si mesmo. Então, a

distância da crise e o pensamento antigo se aguça, por Bornheim, acredita-se, apontar

para o caminho da palavra crise como a liberdade – e prisão – ao homem de distanciar-

se de uma vez do mundo e de si mesmo por meio do julgamento claro e distinto, e até

por meio de faculdades universais. Assim como o fragmento de Heráclito, que diz que

não se pode entrar duas vezes no mesmo rio e permanecer o mesmo. Em textos como

esses, como diz o filósofo, fazendo referência à interpretação de Heidegger, afastam-

se da noção de uma razão universal, que compreende e alcança as verdades através

da filosofia e ciência. A poética, mística, sabedoria, ciência e filosofia entrelaçam-se

quando o homem simplesmente pergunta pelas coisas – por si mesmo e pela natureza.

A palavra aletheia – desvelamento – é então uma noção do pensamento pré-crítico, na

noção de estar antes dessa proposta de racionalidade pela krisis. Assim também é a

ideia de que antes, esta noção interferiu na proposta do discurso, sendo este, antes um

discurso sagrado, de uma palavra que guarda a verdade e a revelação que esta traz

consigo. Além disso, no espaço de convivência entre os homens, que se permitia haver

a pergunta, era também do diálogo por meio do pensamento, para os que conversam e

pensam. Após a transição da krisis, o projeto de Platão passa a valorizar o diálogo no

espaço público como o discurso entre os homens como o mais elevado, ao trocar a

revelação da palavra pela verdade como krisis. Entretanto, o filósofo transforma sua

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visão num projeto de dominação da verdade e de seu detentor – vide a proposta de

Platão de um “rei filósofo” (PLATÃO, 2006 p. 212).

1.1.2 A necessidade de novas respostas

Para Arendt, a pergunta sobre “O que é política?” tornou-se necessária após os

atos indescritíveis feitos por regimes totalitários e democráticos. Ao usarem violência

como instrumento para alcançar seus objetivos, doutrinação ideológica, mentira e outros

instrumentos houve a necessidade de novas perguntas, e assim, de novas respostas. A

pergunta “O que é política?” com as ações desses governos retorna de uma nova

maneira, por meio de estruturas diferentes, novas tecnologias, modelos de governos

inéditos, e o terror global com eventos radicais e extremos ao longo o século XX. É

nesse sentido que Arendt buscará novos significados para as palavras e as atitudes

compreendidas como o autoritarismo e, principalmente, como aquilo que se entende

como política, tema do debate sobre os esquemas dos terrores das guerras e atitudes

violentas dos governos autoritários.

À pergunta e resposta sobre “O que é política?”, para Arendt, estão ligadas

diretamente com as crises políticas de seu tempo. Como nota Jardim (2011), é

necessário reconhecer que os textos de Hobbes – e o cunhar de um Leviatã – não se

clarificam por completo sem olhar para a crise de uma fragmentada Itália de sua época,

assim também é com Platão, com a crise democrática em Atenas do século IV a.C., de

modo a compreender sua República. Com o pensamento de Arendt não poderia ser

diferente, afirma Jardim, que não pode ser compreendido fora do contexto de um mundo

entre guerras e revoluções, dividido em governos totalitários e democracias mentirosas.

Portanto, a reflexão de Arendt sobre a crise é atual, assim como a de Platão e Hobbes,

mas deve ser pensada em diálogo com a perspectiva de seu contexto. (JARDIM, 2011,

p.2).

O diagnóstico sobre a crise do século XX, de sua natureza, e de como reagir a

ela pode ser tomado como o tema e problema de Hannah Arendt, sem distorcer o

trabalho da autora que, mesmo tocando em temas variados, ocupa-se com a crise que

envolve a modernidade a partir de três grandes problemas. Ficaria a cargo de um grupo

ou do indivíduo solucioná-los? E na apresentação da crise para aquele que está diante

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dela, quantos caminhos podem ser tomados? Qual escolher? A problemática de Arendt

gira em torno das origens, o que se perdeu, ou o que se desestruturou. Em outras

palavras, qual o “ponto de crise” que deve ser reconhecido – afirmado posteriormente,

por Arendt, como “siuações-limite”, ou em “entre o passado e o futuro” como “a crise de

nosso tempo” decorrente da “superação do homo faber sobre a ação” e do “animal

laborans” pela sociedade de consumo e novos modos de produção.

Ao partir de uma reflexão sobre os pontos de cisão da crise, como cultura, poder,

liberdade, estes que são identificados por Arendt tanto como espaço da teoria quando

encontrados na vida prática. E este é o grande trunfo de Arendt em relação à crise.

Pensar a crise não se dá apenas de modo teórico, no âmbito das “grandes questões da

filosofia”, mas para a filósofa, a crise se enxerga principalmente nos acontecimentos

inéditos que ocorrem no mundo, e que para nossa limitada capacidade de julgar, não

encontramos critérios que se estabeleçam ou igualem para lidar com alguma situação.

Essas situações-limite são as que exigiram uma reavaliação, parcial ou total por parte

daqueles que a vivenciam. Ao pensar as questões que dirigiam a crise de seu tempo,

Arendt viu a necessidade de dialogar com os diferentes temas do pensamento humano,

concedendo a sua filosofia um caráter de resgate de critério, de modo que, por meio da

crítica da crise na cultura, crise na educação, política, âmbitos diversos, vê-se um

exercício constante de crítica que busca resgatar os critérios perdidos pela própria crise,

reaprendendo a mover-se no meio desta. É neste sentido – de critérios perdidos – que

Arendt diz que vivemos entre um “passado esquecido e um futuro incerto”. Reconhecer

o que fez desse passado “esquecido” e o que tornou o futuro “incerto” é o tema da

filosofia de Arendt, que a direciona, naturalmente para a política, numa busca de

compreender a crise de seu tempo, uma crise agudamente política.

Até mesmo o reconhecimento antecipado da crise tornou-se agora familiar. Ao regressar do novo mundo, que com tanta mestria soube descrever e analisa a ponto de sua obra ter se tornado um clássico, sobrevivendo a mais de um século de mudança radical, Tocqueville estava bem cônscio de que aquilo que Char chamara de “acabamento” do ato e do acontecimento, se esquivara também de si; o “nossa herança nos foi deixada sem testamento algum” de Char, soa qual uma variante desde que o passado deixou de lançar sua luz sobre o futuro, a mente do homem vagueia nas trevas (ARENDT, 2011 p. 30)

As trevas, no trecho, representam os tempos de crise em que o homem se

encontra. Espremido entre esse passado e futuro, passado esquecido e futuro incerto,

22

que faz com que o homem encontre-se na solidão e necessite, assim, aprender a mover-

se nesse espaço limitado. Essas trevas, novamente apontando as características da

crise como problema e oportunidade, são um grande problema, de início, pois são elas

que colocam o homem a perder-se no espaço, mas, são elas mesmas, no seu momento

de maior intensidade, que possibilitarão ao homem “aprender a mover-se entre o

passado e o futuro”. Arendt comenta a parábola de Kafka, na qual um homem luta contra

outros dois: um representa o passado e outro o futuro.

O primeiro acossa-o por trás, da origem. O segundo bloqueia-lhe o caminho à frente. Ele luta com ambos. Na verdade o primeiro ajuda-o na luta com o segundo, pois quer empurrá-lo para frente, e, do mesmo modo, o segundo o auxilia na luta contra o primeiro, uma vez que o empurra para trás. Mas isso é assim apenas teoricamente. Pois, não há ali apenas os dois adversários, mas também ele mesmo, e quem sabe realmente de suas intenções? Seu sonho, porém é em alguma ocasião, num momento imprevisto – e isso exigiria uma noite mais escura do que jamais o foi nenhuma noite – saltar fora da linha de combate e ser alcançado, por conta de sua experiência de luta, à posição de juiz sobre os adversários que lutam entre si (ARENDT, 2011 p.31)

Dessa forma, a crise colocaria o homem nesse momento de perder-se de suas

capacidades mais básicas de critério, mas de poder colocar-se nesse momento único,

na “hora mais escura”, que o permite observar ao mesmo tempo o “passado” e o “futuro”

como juiz e se debruçar sobre a crise de maneira crítica. Esse momento, como se

repara, não é uma experiência teórica do tempo, mas, novamente, que envolve um olhar

prático sobre a crise, no qual o combatente se vê necessariamente envolvido por sua

“experiência de luta”, o que permitiria torná-lo juiz. Essa relação é essencial para Arendt,

na crítica da crise, de modo que o critério da teoria é determinado pela prática e pela

vivência. A limitação da experiência humana, em sua mortalidade e temporalidade, pode

apenas saltar para a eternidade e o não lugar do pensamento, após experienciar o

momentâneo, e viver no espaço da convivência entre os homens, e do privado, estar

sozinho e perceber o mundo ao seu redor (ARENDT, 2000).

O diagnóstico de Arendt é único, pois a possibilita enxergar nos maus momentos,

acontecimentos de sua época, a possibilidade de perdão e a promessa de novas

respostas, ou seja, Arendt não é uma pessimista que vê na crise uma mera catástrofe

e destruição, mas também não é uma otimista que enxerga nesta um momento

estreitamente de alegrias e renovações. De maneira clara e precisa, a autora busca na

crise uma relação entre os pensamentos e acontecimentos contemporâneos a ela com

23

a finalidade de dar um novo significado a fatos lúgubres e característicos de tempos de

escuridão e trevas por meio da compreensão e do exercício do pensamento.

Segundo o autor Eduardo Jardim em “Hannah Arendt, pensadora da crise e novo

início” (2011), o pensamento de Arendt possibilita visualizar as catástrofes ocorridas no

século XX de uma nova maneira, e esta nova maneira é a esperança proposta por

Arendt pelo conceito de compreensão e ação. Segundo o artigo “O que é política?”

(ARENDT, 2011), a crise ética e política, decorrentes do totalitarismo, levam-nos a

levantar perguntas tais como se “Tem a política algum sentido?”, e até, “O que é

política?”. Essas questões são decorrentes de acontecimentos que o mundo jamais viu

antes. Violências e atrocidades ocorridas na Alemanha nazista e na URSS são

novidades para as quais o mundo não estava preparado. Auschwitz fez parte não

apenas dos problemas na teoria política de Arendt, mas antes, dos acontecimentos reais

que marcaram a história da humanidade e até nem estavam previstos na constituição

alemã ou na de Jerusalém (JARDIM, 2011 p.14).

A dor e os milhões de mortos pelo nazismo, judeus, ciganos, deficientes, negros,

homossexuais, na busca de uma limpeza racial, levantou para Arendt necessidade de

um olhar diferente para a política que partiu de questionamentos sobre a crise. Neste

sentido, a crise é um ponto de apoio para o desenvolvimento de seu pensamento, num

movimento centrífugo a partir do qual a autora pensa novas respostas para problemas

que surgem constantemente, na realidade de modo arbitrário, como se dá de modo

característico no momento da crise. E para isso, a compreensão é entendida como o

diálogo com a crise, o interminável diálogo que constrói perguntas e respostas por suas

respostas críticas, refletidas e suas consequências, uma ação refletida, uma

possibilidade para o novo início.

É certo que o nazismo e os outros governos totalitários não trouxeram nenhum

conceito novo, mas o que fizeram foi de tal modo terrível que não houve antes nenhum

critério para medir o que estava a acontecer:

No campo da pura teoria e dos conceitos isolados, não pode existir nada de novo sob o sol; mas essas semelhanças desaparecem por completo quando deixamos as formulações teóricas e nos concentramos em suas aplicações práticas. A originalidade do totalitarismo é atroz, não porque surgiu alguma nova ideia no mundo, mas porque suas ações constituem uma ruptura com todas as nossas tradições; elas demoliram indiscutivelmente nossas categorias de pensamento político e nossos critérios de julgamento moral. (ARENDT, 2008 p.360)

24

As perguntas de Arendt sobre os fatos, não se referem, então, à novidade de

seu pensamento, mas à crise que se levantou, às vidas que sofreram e ao silêncio que

ficou sem resposta após o terrível ocorrido do holocausto (ARENDT, 2007 p. 23), às

mentiras do governo americano em Watergate (ARENDT, 2013 p.18)3, ao caso Dreyfus

e de Oscar Wilde (ARENDT, 2011 p.134)4. E o que ela afirma, nesse momento é que, a

partir do diagnóstico dessas ações, da reflexão exaustiva da crise em suas

possibilidades, há uma nova resposta (JARDIM, 2011 p.120).

Como no conceito de crise apresentado por Bornheim, que se vê a ideia de um

espaço público, de debate, o espaço entre os homens, em Arendt, se vê a necessidade

de novas respostas. (ARENDT, 2011). Arendt tem como matéria de seu pensamento a

crise do mundo moderno e seu ineditismo e, como uma pensadora livre, não se limita a

enxergar essa crise sob uma perspectiva que lhe imputou um ou outro. Antes, constrói

ela mesma uma reflexão constante em diálogo com a crise, buscando, cada vez novas

respostas. Como afirma em “A vida do Espírito”, publicado em 1978, o intelecto, o querer

e o julgar formam uma tríade que se relacionam com a crise na busca por construir um

diálogo com essa. O pensar na atualidade e potencialidade do pensamento tornam o

enfrentamento da crise numa performance passível de transformação do cenário que

esta apresenta, numa oportunidade de superação para a crise. Embora, Arendt encare

a vida meditativa em seu sentido do puro pensar, ou seja, de se inserir no reino do

pensamento, o exercício do pensar também está imbuído num contexto prático e atual

quando se encontra em diálogo com a crise – e esta é a chave para o exercício da

compreensão. O querer está ligado à originalidade de cada homem, e seu querer

diretamente ligado à liberdade de negar a proposta de uma racionalidade universal e

comportamento e moral homogêneos. Assim, pensar o querer incita-nos pensar a nossa

capacidade de julgar. O julgar, por sua vez está ligado à atividade racional, como falado

3 No escândalo de Watergate, um dos criticados em “Crises da República”, Arendt desenvolve uma crítica dos

documentos do Pentágono, afirmando que houve a construção de uma realidade a partir da mentira e ação, de modo a criar uma imagem de propaganda em cima da guerra do Vietnã.

4 Os casos citados por Arendt servem como exemplo do preconceito brutal, que no final do século XIX e início do

século XX incitou o ódio de nações inteiras contra povos, sem razão aparente. A prisão de Dreyfus, como judeu, e a morte de Wilde, como homossexual, não foram produto senão de uma resposta preconceituosa à crise. Consequências dessa resposta foram, por um lado, o j´acuse público ao governo e até aos jovens franceses, numa carta pública, pelo autor Émile Zola, e por outro lado, o crescente preconceito aos judeus, homossexuais, que culminou numa perseguição legitimada pelo Estado, legitimado por meio de leis e da violência exercida pelos governos nazista e americano no século XX.

25

anteriormente. Essas respostas e perguntas levantadas por Arendt sobre a crise de seu

tempo, não se limitam a sua época, mas devem presentificadas à crise de cada qualquer

pessoa que se ponha em diálogo ainda hoje com a autora, buscando novas respostas

para crises atuais, que se colocam para nós como enigmas, tal qual a esfinge de

Sófocles.

O ano de 1933, segundo afirma Arendt para Gauss em sua entrevista (KOHN,

2008)5, é um ano de boas e más lembranças. O partido alemão chega ao poder. Nesse

mesmo ano, milhares de judeus fogem da Alemanha, sabendo o futuro que lhes estaria

proposto. Entre eles estava Hannah Arendt. Ao fugir da Alemanha, a filósofa estava

decepcionada com intelectuais e, por extensão, com o próprio exercício do pensamento,

que aparentemente vendeu-se aos benefícios de cargos políticos e acadêmicos,

escolhendo ficar numa Alemanha nazista por um bom cargo em vez de fugir e começar

uma nova vida em outro país. Após fugir da Alemanha, Arendt passou um breve período

na França, indo posteriormente para os EUA. Lá, ela possui um contato distante, mas

constante e presente com a guerra e o sofrimento do povo judeu com o nazismo. O auge

deste contato está nos livros “As origens do totalitarismo”, de 1941, e em sua cobertura

do julgamento de Eichmann que rendeu o livro “Eichmann em Jerusalém – um relato

sobre a banalidade do mal”, publicado em 1963.

Os atos anti-políticos e anti-éticos do totalitarismo são uma crise, no que cria-se

que podem estender as relações humanas de poder e política, quando na verdade eram

uso da violência e do autoritarismo para a dominação totalitária. O axioma de René

Char, dito no início de “Entre o passado e o futuro”, de 1961, representa o

questionamento da perda da liberdade nesses governos. A liberdade e política, que

antes eram idênticos, nos governos totalitários passaram a ser irreconciliáveis. E essa

crise é a questão de Arendt. Para isso ela volta para a questão “O que é liberdade?”

(ARENDT, 2011), que intitula um dos primeiros capítulos do livro, sinalizando que há

instrumentos para dominar esse conceito filosófico quase indomável, um dos últimos

remanescentes da metafísica. Mas, por outro lado, mostrando a importância de estudar

a crise da liberdade por seu lado prático, a filósofa defende como o desaparecimento da

liberdade no espaço daquilo que hoje entendemos como política tem relação com os

5 A entrevista de Arendt para Gunter Gauss, que pode ser vista no YouTube, foi transcrita no livro “Compreender

Hannah Arendt”(2008), cf. https://www.youtube.com/watch?v=dsoImQfVsO4

26

inéditos acontecimentos na sociedade moderna. E, para relacioná-los com outros ou

agir de acordo com algum ideal, é necessário compreender que a liberdade está

associada com a crise que é posta a essa sociedade que a está perdendo, e a perde de

maneira voluntária. Exemplos de que aquela geração viu coisas como outra nenhuma,

são os testemunhos de homens que estiveram naquela época, tais como o poeta Paul

Valéry, que reconheceu que “Nós (ocidentais), agora, sabemos que somos mortais”

(NOVAES, 1996 p.10), se referindo às guerras e os males que causaram aos homens.

Em relação aos avanços tecnológicos e científicos que prometiam progresso e

benefícios para a sociedade, esses eram os mesmos que traziam destruição. Os

homens que pregavam a paz e avanço científico para trazer uma unidade final entre os

diferentes povos foram usados, com sua ciência, para trazer a morte de milhares de

pessoas. Por isso, disse o mesmo poeta que “tamanho mal não poderia vir, senão de

tamanha virtude”. Os aforismos de tais poetas denunciavam a transformação moderna,

que usa do avanço tecnológico e científico como violência. Os testemunhos de outros

também foram usados em um livro que Arendt também se dedicou pensar a crise, a

saber, “Homens em tempos sombrios” (ARENDT, 2008). No livro, Arendt dedica-se a

uma série de ensaios biográficos que testemunham sobre a crise, de modo que aqueles

que possuem a “experiência de luta” contra essa, em seu querer, possam servir em sua

maneira única de sermos admirados por Arendt por virtudes únicas tais como o “amor

ao mundo”. E que, de algum modo, possam servir para se pensar a crise por meio de

seus erros e acertos. A crise, proposta nesse livro de Arendt, alcança um nível ainda

mais amplo, daquele que cada homem enfrenta em sua vida, assim como a que aparece

para nossa sociedade em momentos de difícil conivência e tolerância entre os homens

– em que há apenas poucos, aqueles que valorizam o diálogo como forma de discurso.

Essa definição parece mais “comum” que a crise da modernidade, de modo que, é

necessário aprender a lidar com essas crises particulares e coletivas, a partir de seus

próprios erros e acertos, mas também com os dos outros. Pensar a crise é estar em

constante diálogo com o mundo. Consigo e com os outros, numa construção de si. Por

isso, Arendt nesse livro escolhe homens e mulheres que acredita dar boas lições para

se pensar a crise.

Os tempos sombrios no sentido mais amplo que aqui proponho, não são em si idênticos às monstruosidades desse século, que de fato constituem uma horrível novidade. Os tempos sombrios, pelo contrário, não só não são novos, como não constituem uma raridade na história, embora talvez fossem desconhecidos na

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história americana, que por outro lado tem a sua bela parcela de crimes e catástrofes. (ARENDT, 2008 p.9)

Interessante notar como Arendt vê esses tempos sombrios, apesar de não ser o

mesmo do que Arendt chama de a “crise dos nossos tempos”, também como uma

oportunidade – a esperança é um conceito chave para Arendt que nunca se perde na

crise. E continua:

Que mesmo no tempo mais sombrio temos o direito de esperar alguma iluminação, e que tal iluminação pode bem provir menos das teorias e conceitos e mais da luz incerta, bruxuleante e frequente, fraca, que alguns homens e mulheres, nas suas vidas e obras, farão brilhar em quase todas as circunstâncias e irradiarão pelo tempo que lhes foi dado na Terra. (ARENDT, 2008 p.9)

Não é que esses homens e mulheres fossem superiores, tais como diz o trecho

“homens dos quais o mundo não era digno”, mas, se tratavam de pessoas que em suas

vidas e obras iluminaram os assuntos mais humanos e públicos. E, como exemplos

vivos, como chamas, ou até, como sóis, como afirma Arendt, passaram e ofuscaram

esses tempos de trevas.

Os governos totalitários, até as grandes democracias, tinham exércitos e usavam

dos avanços tecnológicos ao seu favor, sendo a ciência uma aliada da guerra. A grande

crise denunciada por Arendt era marcada, então, como um tempo sombrio, e também

de monstruosidades decorrentes dessas deturpações descabidas. E o militarismo é uma

das principais causas dos tempos sombrios. A grande marca disso no século XX foram

as bombas de Hiroshima e Nagasaki. A ciência de homens que pregavam a paz, como

Albert Einstein6, foi usada para matar cidades inteiras.

A servidão de centenas de milhares de homens, que participaram da guerra

apenas obedecendo ordens marca o terror da guerra, da violência usada por tais países

e, principalmente, da servidão voluntária dos homens que decidiam matar uns aos

outros. Assim como a morte dos japoneses de Hiroshima e Nagasaki, a frase que o

presidente americano teria dito aos soldados que participaram do bombardeamento das

cidades japonesas ecoa no pensamento de Arendt como um chamado para a reflexão.

6 Albert Einstein, além de ser conhecidamente um pacifista e ter ganhado um Nobel da Paz por seu envolvimento

com causas sociais, em seu livro “Como vejo o mundo” (EINSTEIN,1981) posiciona-se pela paz. Em contrapartida, o presidente Truman, em seu discurso após as bombas atômicas afirmou que foi um feito que salvou a guerra além de ter sido o “maior feito científico de toda a história”. A associação entre instrumentação da ciência estando a serviço do militarismo foi um dos maiores problemas para Arendt, o que ela chamou, evocando Brecht, de “tempos sombrios” - outra tradução atual para tempos de crise.

28

Ele disse “não percam o sono por terem cumprido essa missão; a decisão foi minha,

vocês não podiam escolher” (ARENDT, 2008). Os grandes líderes, inclusive os que

supostamente lutaram em nome da democracia e da liberdade, atraíram a

responsabilidade dos atos de guerra para si, isentando os soldados que lutaram no

campo de batalha, e aqueles que cometeram os grandes males nas guerras. Como

Eichmann, os pilotos dos aviões que jogaram as bombas atômicas nas cidades

japonesas não se sentiram culpados por seus erros, por limitar seus atos a simples

ordens dadas por seus líderes, que deveriam ser obedecidas a qualquer custo.

A crise coloca o indivíduo num espaço apertado que limita a ação e tenta eliminar

a possibilidade de pensamento, no qual o homem não pode deslocar-se se não

conseguir adaptar outros espaços para este mesmo de alguma forma quase miraculosa.

E desse encontro com o privado e público, uma destruição dos paradigmas

estabelecidos pelos governos vigentes, busca-se respostas alternativas àquelas

impostas por quem tentava impor um caminho único, ou limitar os caminhos desse

momento. Surge a oportunidade para um novo início e uma ação refletida em resposta

à crise.

O esquecimento do passado é uma característica da crise que deve ser

superada com o resgate de um diálogo com a própria crise, através da tradição.

Entretanto, o horror da crise é que, muitas vezes, esta não é superada, mas apenas

aguçada. Isto ocorre, pois o protagonismo da crise é conduzido por homens e mulheres

que não agem de maneira refletida diante ela, ou com boas intenções, mas buscando

aprofundá-la. E diante desta atitude, esses homens levantam um exército de seguidores

que obedece sua ideologia de maneira irrefletida, meramente obedecendo ordens.

A prática no diagnóstico da natureza da crise está diretamente associada ao

pensamento e em “Hannah Arendt – pensadora da crise e do novo início” (2011).

Eduardo Jardim coloca a importância de associar esses dois aspectos por três pontos

principais. Nos pontos da crise política vista no totalitarismo, notados pelo autor, vemos:

O primeiro se refere ao imperialismo: o projeto imperialista resume-se na frase

do grande representante sul-africano do império britânico que disse que “se pudesse

uniria os planetas”. O anseio por um pangermanismo é, para Arendt um elemento de

crise na política que impossibilita o surgimento do pluralismo cultural, partidário e

ideológico, em uma busca de unidade ideológica, religiosa, comportamental de todos

29

que participam daquele grupo. O segundo se refere à imposição de um domínio por

meio da força. O imperialismo não era apenas uma imposição mercantil, mas possuía o

poder de anular toda forma diferente de pensamento por meio da força bélica, política e

econômica que um país dominador impunha sobre os outros – concentrando o poder,

por mais paradoxal que a proposta de uma “unidade entre diferentes países”, ou povos.

E a concentração de poder, como afirma Arendt em diferentes momentos de sua obra,

é uma manifestação ilegítima da política. Como será mostrado posteriormente, a polis,

como na definição aristotélica, um lugar para a manifestação de iguais e o Estado é a

coisa-pública. A revolução americana e francesa mostram, para Arendt, a importância

de uma coisa pública e Estado-Nação. A proposta imperialista deforma o ideal

republicano e o sentido de um espaço público, uma vez que esse não é pelos interesses

de todos, mas é compartilhado pelos interesses dos que dominam os outros países.

Assim, a frase do representante do império britânico na África do Sul pode ser

compreendida de maneira que o imperialismo é o desejo pela máxima concentração de

poder, e, assim, influência sobre os espaços de contato entre os homens. O Estado não

é o representante do povo, não é para o povo, ou pelo povo. É uma concentração do

interesse privado daqueles que

Em segundo lugar, Jardim sublinha a questão da Ideologia e do terror: A

ideologia que esconde uma verdade atrás de uma aparência é, para Arendt, um

elemento essencial do totalitarismo. A ideologia é escrita por meio do mal que se

propaga na irreflexão, na resposta oposta àquele regime político. Nos regimes

totalitários há sempre o elemento de controle e de dissimulação da verdade e de sua

aparência em favor do Estado. Limitar os espaços públicos, e controlar convivência

entre os diferentes homens por meio do militarismo e da propaganda ideológica, molda

a convivência, as ideias e os discursos em apenas um, e limitam a resposta à crise em

uma só, eliminando aquelas que se opõem a essa.

O uso da tragédia pós-guerra e desolação, de alterações radicais (crises) no

cenário político da Alemanha e países da URSS, segundo Jardim “foi essa população

de homens solitários e comprimidos uns contra os outros, sem um lugar no mundo, isto

é, desprovidos da proteção da vida privada, construiu o alvo principal da doutrinação

ideológica empreendida pelos movimentos totalitários” (JARDIM, 2011 p.36). A lógica

do totalitarismo, fria e calculista, exerce uma ideologia de dominação e terror sobre

30

povos que estão contra sua ideologia, ou apenas são alvos de seus preconceitos. E

aqueles que são contrários a essa opinião, não podem sequer conceber que há uma

resposta diferente daquela do Estado. Há uma presença constante do Estado por meio

da força militar e da propaganda. A diminuição do espaço de ação pela repressão vinda

do Estado faz com que os indivíduos percam o espaço de compreensão e tornem suas

vidas nas respostas ditadas pelo Estado. O domínio por parte do totalitarismo é uma

nova forma de presença do Estado, que busca anular um grupo, expatriá-lo, tornar este

um número, matá-lo. Por meio de ideologia, propaganda, terror, o totalitarismo torna as

pessoas em números:

A eliminação da individualidade e destruição de toda a capacidade de reação começavam com o transporte dos prisioneiros nos trens de carga, passavam pela uniformização do tratamento nos campos de concentração, e tinham seu desfecho no assassinato em massa nas câmaras de gás.(JARDIM, 2011 p.16)

Por fim, tem-se a crise da autoridade e da tradição: A crise da tradição e da

autoridade não é apenas uma cisão com as ideias que estavam anteriormente

colocadas. Como aponta Arendt em diferentes textos de sua obra, como em “A condição

humana” e em “Entre o passado e o futuro”, há em diferentes momentos da história da

filosofia e da ciência há manifestações científicas, como a experiência de Galileu dos

objetos que caem (ARENDT, 2011), que poderiam ser feitas independentemente de

época ou localização. Em contraposição a isso, as experiências feitas por cientistas do

século XIX, em sua maioria, dependem de instrumentos, e avanços tecnológicos, ou

seja, de uma contextualização histórica e que já se passou. As transformações trazidas

pela modernidade, na metafísica, tecnologia, ciências sociais, naturais e psicologia,

colocaram em prova as certezas mais fundamentais do homem. A dúvida moderna, com

sua origem em Descartes, com a dúvida hiperbólica, ou com Colombo ao descobrir um

mundo novo punha em dúvida a origem do antigo. A dúvida moderna é proveniente de

abandonar o velho e ir em direção do novo. O novo mundo, novas ideias, novas

certezas, ou apenas novas dúvidas. Como coloca Arendt em “A condição humana”, esse

mundo moderno perdeu-se na rapidez de suas transformações, de velozes, perdeu-se

a importância de saber contra quê lutavam, mas somente por que estavam lutando.

A rebelião contra a tradição no século XIX permaneceu estritamente no interior de um mero quadro de referência tradicional; e, ao nível de mero pensamento, que dificilmente poderia se preocupar, então com mais que as experiências essencialmente negativas da previsão, da apreensão e do silêncio ominoso,

31

somente a radicalização, e não um novo início e reconsideração do passado, era possível. (ARENDT, 2011 p.55)

As transições na política dependem de discordâncias mais do que de

concordâncias, e considerando-as insuficientes ou incorretas em suas descrições do

homem e do mundo. Esta crise, no entanto, não considera a discordância para a

construção da política, mas a destruição da tradição e o abandono da própria ideia de

tradição, de modo que envolve o surgimento do novo partindo do nada.

O conceito de crise a ser notado na filosofia de Arendt neste estudo, está

principalmente no texto “A crise na educação”, de 1973. Entretanto, é em “A condição

humana”, de 1958, que Arendt mostra a passagem de como a crise da modernidade é

responsável pela degradação na atividade humana em relação ao mundo. Arendt

mostra o modo como os acontecimentos da modernidade fizeram com que o espaço

para o pensamento e ação se perdessem para o espaço do trabalho. A apropriação do

animal laborans – que consome7 – em novos modos de produção pela indústria e pelos

escritórios modernos, distorceu o caminho do que se compreendia como homem que

produz, que cria, e também do que o homem compreendia, pensava, através de si, como

mundo. O legado do artefato, da ação, que se encontram no início de algo novo e no

discurso, guarda a morada da sabedoria humana e sua relação com a natureza. Tudo

isso se fragmentou em pedaços com a crise da modernidade.

O trabalho faz parte do que Arendt chama de “vida ativa”. Essa é contraposta

com a “vida meditativa”. Ambos tirados da filosofia de Aristóteles e Tomás de Aquino:

Politicamente falando, se morrer é o mesmo que “deixar de estar entre os homens”, a experiência do eterno é uma espécie de morte, a única coisa que a separa da morte real é que não é final porque nenhuma criatura viva pode suportá-la durante muito tempo. E é isto precisamente que separa a vita contemplativa da vita activa no pensamento medieval. (ARENDT, 2007 p.29)

O trabalho une o homem ao resto da natureza. O homem encontra-se como

pertencente à Terra em suas necessidades mais básicas, e o trabalho, como aos demais

animais, está relacionado com a busca de suprir essas necessidades básicas da vida –

beber, comer, necessidades fisiológicas e o desejo sexual. Essa vontade de vida, de

manutenção da vida, que sustenta o trabalho. Naturalmente, a política não se encontra

7 O animal laborans pode ser descrito pela fase mais básica de sobrevivência da natureza, o círculo que gira entre

trabalho e consumo, ou uma busca cíclica de vontades fisiológicas, desejo, satisfação das mesmas – e aquilo que se faz para conquistar esses desejos.

32

ainda nesse espaço.

Sabe-se que há algo no homem que quebra essa unidade. A busca por algo que

perdurasse, de modo que o fizesse lembrado. O trabalho, no entanto, a busca pela

sobrevivência e manutenção da vida, não se encontra nessa duração, uma vez que a

vida humana é curta – e a busca é exatamente por ultrapassar o seu sentido limitado da

vida para alcançar a imortalidade, a duração. O homem, então passa a buscar na obra

a eternização de sua vida, como na frase dita por Arendt “para os mortais o eterno e o

definitivo começa apenas após a morte” (ARENDT, 2008 p. 332). Dessa maneira, o

artesão torna-se imortal através de sua obra. Esta produção poderia ser uma cadeira de

madeira, que um marceneiro, talhando os troncos da árvore, fizesse perdurar.

A terceira manifestação da vida ativa é a ação. A liberdade e o espaço da

diferença e convivência entre diferentes permite que se propicie a liberdade num

convívio capaz de gerar novas respostas à crise por meio da originalidade radical de

cada homem. Nessa manifestação, as diferenças entre os homens tornam-se

fundamentais para que se surjam, a partir de uma compreensão da crise, novas

respostas, até que essa seja superada, de uma ação refletida. Como citado

anteriormente, uma das características da ação é iniciar algo novo. Entretanto, trata-se

de remover o velho e instituir o novo, seja por uma ação violenta ou por uma ação

política. Sobre a ação e crise, Arendt afirma que:

Tal mudança seria impossível se não pudéssemos nos mover mentalmente de onde estamos fisicamente colocados e imaginar que as coisas poderiam ser diferentes do que elas realmente são. Em outras palavras, a negação deliberada da verdade dos fatos – isto é, a capacidade de mentir – e a faculdade de mudar os fatos – a capacidade de agir – estão interligadas (ARENDT, 2013, p.15)

A ação é a possibilidade de renegar toda uma realidade que se enxerga, se vive,

mas, que na verdade é permitido o abraçar da novidade por meio de uma revolução, de

criar uma realidade apesar de crer e saber dos fatos e verdades. De poder ir numa

direção diferente a essa por meio de um discurso ou atitude, reformando através de seu

próprio discurso e decisões, um novo mundo.

A crise denunciada por Arendt acontece quando, na modernidade, se invertem

a vida ativa e a vida contemplativa; e se invertem os elementos dentro da vida ativa, e

a ação perde espaço para a contemplação, uma contemplação espiritual moderna que

passou a focar cada vez mais no eu, na natureza e na técnica.

Talvez a mais grave consequência espiritual das descobertas da era moderna, e, ao mesmo tempo, a única que não podia ser evitada, uma vez que seguiu

33

muito de perto a descoberta do ponto de vista arquimediano e o resultante advento da dúvida cartesiana, foi a inversão da ordem hierárquica entre a vita activa e a vita contemplativa (ARENDT, 2007 p.302)

Essa inversão, ilustrada por Arendt como um relógio que é construído por um

relojoeiro, é a superação da técnica sobre o homem em seus meios de produção, o

homo faber.

A crise vinda da filosofia moderna e dos pensadores e cientistas que levaram o

pensamento e a ciência a uma experiência radical, como afirma Arendt (2007 p.307),

pois foi pela filosofia que o conceito de verdade foi dirimido na modernidade por meio

de filósofos de escolas diversas, e, como afirma Arendt:

Obviamente, a filosofia sofreu mais com a modernidade que qualquer outro campo de ocupação humana; e é difícil dizer se sofreu mais em decorrência da quase automática elevação da atividade a uma dignidade completamente inesperada e sem precedentes ou da perda da verdade tradicional, ou seja, do conceito de verdade que havia por trás de toda a nossa tradição. (ARENDT, 2007 p.307)

A inversão não tratou de novos conceitos filosóficos, mas de um novo modo de

ser que rompeu com a tradição. Entretanto a perda da verdade tradicional foi um baque

para aqueles que criam em uma certeza universal metafísica para um mundo, uma

verdade filosófica, como o Belo, Deus, a Verdade, e conceitos que seguem da

metafísica. A morte da metafísica, a morte de Deus e a morte da filosofia, como afirma

Arendt em “Entre o passado e o futuro” são um dos maiores baques que a modernidade

colocou sobre o mundo, de modo que as verdades eternas que consolidavam a

sociedade ocidental não estavam mais certas sobre suas bases que antes as

sustentavam.

Outro problema advindo dessa inversão é que a ação científica afasta a

contemplação, levando a problemas na convivência humana que nunca foram vistos

anteriormente. Arendt comenta em uma nota do texto “A condição humana” (ARENDT,

2007 p.298 – nota 47), que a esperança de Ernst Cassirer, de que a compreensão

científica libertaria o homem não se realizou. Ao contrário, o “antropomorfismo”, ao

modo como se faz medições empíricas e científicas, afastou o homem, não da

legitimidade dos dados, mas de sua inteligibilidade. A verdade da ciência em seu

progresso prometido se concretizou, em parte, mas apenas na sua descrição cada vez

mais exata e positiva da natureza – isolando-se de um caráter humano, ou de uma

34

busca de participar de direitos fundamentais ao homem.

A perda das verdades fundamentais para o sujeito, a inversão e complexificação

de ciências que se afastavam de um caráter humanista, num avanço mais rápido que

se pode dar conta, o imperialismo, terror e ideologia insurgentes no final do século XIX,

e outros elementos, estavam preparando o terreno para o totalitarismo.

Além dessa inversão, da ação com a contemplação, a crise da modernidade

envolve outra, que são os novos modelos de trabalho, na forma de indústria, que

abandonam o modelo do artesão, de modo que o homem volte ao seu estado de

trabalhar para sobreviver. Com esses elementos abre-se o espaço para formas de

relações que não podem ser concebidas pelo conceito de autoridade, autoritarismo, ou

mesmo como ditaduras. O totalitarismo é uma nova forma, com a qual o mundo nunca

lidou antes, e tentar usar de abordagens antigas para compreendê-lo, afirma Arendt, é

uma tentativa inútil de compreender a crise política que do século XX.

A crise para Arendt possui dois lados complementares. No artigo “A crise na

educação” (ARENDT, 2011), assim como em “Compreensão e totalitarismo (a

dificuldade da compreensão)” (ARENDT, 2008), “A vida do Espírito” (ARENDT, 2000),

“Homens em tempos sombrios” (ARENDT, 2008) e outros textos ainda, a crise é posta

como um momento de possibilidades para o homem. É uma abertura para a política, na

qual o agir do homem em relação ao outro homem pode se tornar vivo, ativo, uma vez

que cada homem pode unir-se ao outro numa crítica aos tempos vigentes. E unir-se

para responder a crise não quer dizer concordar nas respostas, mas, ao contrário, quer

dizer que haverá a possibilidade e espaço para o surgimento de respostas divergentes.

Entretanto, nesta possibilidade, há também aquela de anular-se perante a crise, e é

nesse momento que surgem as duas faces da crise para Arendt. A face de ser

destruidora, uma ruptura de um modo de ser, pensar é motivo de desespero para o

homem. A perda da esperança é um momento crucial que está ligado com a resposta

que se anula perante a crise. Essa é ainda uma oportunidade para compreensão política

deixada num ambiente aberto para um novo início, que é onde se encontra a força do

pensamento de Arendt. E a compreensão, torna-se uma ação política refletida, uma vez

que essa busca “compreender a crise até extingui-la” (ARENDT, 2008).

A crise é o motor para novas ideias, novos modos de ser e novos espaços para

o mundo – aquele que está fora do espaço e dentro dele. A perda de todas as estruturas

35

que dominavam sobre um indivíduo torna-o sujeito a doutrinações por parte de

instituições ou indivíduos com interesses de domínio autoritário sobre este, de modo

que a doutrina substitua o vazio deixado pela crise. Entretanto, cabe à própria pessoa,

e grupo, decidirem por sua submissão ou liberdade. Compreender a crise é um diálogo

que entra numa rebeldia com as respostas que são impostas ou com aquelas que são

escondidas, anuladas pela maioria da sociedade e pelos que, instrumentalizando a

política, “ditam” que há maneiras corretas e erradas, instruindo como se deve responder

à crise. Ser rebelde, nesse sentido, é ter coragem de abandonar as forças impostas

pelas instituições e pelas origens políticas em direção a um novo início. É como Jardim

fala, sobre Arendt, acerca dos regimes que a autora testemunhava “Um abismo parecia

separar política e liberdade. No entanto Hannah Arendt continuava a crer que o sentido

da política é a liberdade.” (JARDIM, 2011 p.73). A própria proposta do que é liberdade

será subvertida por Arendt, vendo, novamente a crise como uma oportunidade para

reconsiderar os próprios valores, pensamentos e atitudes para com o mundo, e ao

encarar a crise com um olhar crítico. Em “A dignidade da política” (2002), Arendt faz a

pergunta se tem política algum sentido, após os horríveis acontecimentos ocorridos em

meados do século XX. A resposta de Arendt é que o sentido da política é liberdade. E

que, por isso, devido à busca por um novo início, é necessário reconciliar política e

liberdade que estão distantes, devido à crise dos nossos tempos.

A crise para Arendt é um momento de subverter a resposta ditada, ou alcançar

aquela escondida, por uma espécie de rebeldia aos ditames do que pode ser e o que

não pode ser feito numa crise. O poder, descrito em “A condição humana” é o

surgimento de um espaço político de quando os homens estão de fato juntos, diferente

da concentração do poder em uma só pessoa. O poder em seu significado autêntico

ocorre quando esse se desdobra na atividade de muitos, numa “ação coletiva”, de tal

modo que essa ação possibilite um novo início para aqueles que fazem parte desse

grupo.

É o poder que mantém a existência da esfera pública, o espaço potencial da aparência entre homens que agem e falam. A própria palavra, como o seu equivalente grego dynamis, o latino, potentia, com seus vários derivados modernos, ou o alemão Macht (que vem de mögen e möglich, e não machen). Indicam seu caráter de potencialidade (ARENDT, 2004 p.212).

A violência, por outro lado, instrumentaliza a força para conseguir alcançar os

36

objetivos. Essa ação coletiva é o que Arendt coloca como sendo a possibilidade de

demonstrar que a política não precisa estar presa apenas ao gabinete do parlamento,

mas pode ser feita constantemente em diferentes lugares por pessoas comuns. O novo

início na política é fruto desses choques e da convivência, da discordância natural entre

os homens que é sadia para o espaço público, e que produz mais poder como o fazer

de muitos em suas diferenças. A decisão é um movimento pragmático, mas está aliada

ao julgamento por este ter a função de determinar a decisão por algo que seja bom para

o grupo e para o indivíduo que está na crise, buscando uma resposta alternativa àquelas

que lhe estão impostas. Não há como surgirem os homens8 se os próprios não

adentrarem no mundo do pensamento e da ousadia de preservar o diálogo uns com os

outros.

A reflexão sobre a crise constrói, progressivamente, um eu que julga de maneira

refinada entre aquilo que é bom e mal, belo e feio. Por meio da reflexão, há a

oportunidade de uma revisão de juízos prontos, o senso comum. Assim, permite-se que

se desenvolva a atividade de discernimento, juízo, aguçado pelo diálogo com a crise. E

a reflexão sobre a crise envolve também a reflexão sobre a convivência com o outro,

uma vez que a política é o centro da crise, ao modo que refletir sobre a crise envolve

refletir sobre como debatemos sobre esse fato. Isso é um ponto essencial para a

convivência com o outro, que pode se tornar crítica, exigindo um poder de julgamento

do indivíduo que não surge, como afirma Arendt, de “uma ciência exata”. Pois, a política,

essa ciência inexata, arbitrária e imprevisível não pode ser medida de acordo com a

exclusão de uma ou duas possibilidades, mas lidando com a condição humana. E julgar,

nesse sentido, torna-se ainda mais complexo do que se envolvesse apenas variáveis

lógicas visto que a existência humana é caótica e abstrata. E julgar, nesse sentido,

torna-se ainda mais complexo do que se envolvesse apenas variáveis lógicas visto que

a existência humana é caótica e abstrata. E mesmo que se possa tentar objetivá-la por

meio de cálculos de máquinas, o homem e a maneira que este se relaciona, sua

condição existencial. Sua limitação ontológica e a convivência humana também são

imprevisíveis e não podem ser limitados a um cálculo exato.

8 A máxima de Mario Ferreira dos Santos “Deixai surgir os homens” é a resposta dada por ele para a crise em seu

livro “Filosofia da crise” (1959). A única maneira de surgirem os homens é em suas diferenças. Mario Ferreira reconhece isso, assim como Arendt. É necessário, então, deixar surgir os homens, a partir de suas diferenças, de modo que esses venham a surgir, a partir de suas características “originais” - o que Arendt chama de natalidade – articular com novas respostas.

37

Como afirma Jardim no prefácio à edição brasileira de “A vida do Espírito”, a

obra de Arendt está embebida por conceitos e relações que pretendem dar conta do

que chama de “situações de crise”. Jardim define esses momentos como “Rupturas e

descontinuidades (…) sempre explorados em profundidade por nossa autora.”

(ARENDT, 2004 p.vi). E, para Jardim, nessas rupturas e descontinuidades que se

encontra a força do pensamento de Arendt (JARDIM, 2011). O conceito de crise

proposto pela autora está relacionado a uma crise da tradição e de autoridade, uma vez

que só nos perdemos no nosso caminho, não porque não temos mais para onde ir à

frente, mas porque não sabemos mais de onde viemos.

A crise na tradição – na metafísica, na filosofia e na ciência, tais como

conhecemos – não é uma crise de se romper apenas com a tradição passada, mas com

a própria ideia de tradição. Aquilo que precedeu o pensamento, teoria, prática, deve ser

rechaçado. Como citado acima, no tópico “A crise ética e política com o totalitarismo”,

no aforismo de René Char, citada mais de uma vez na obra da pensadora, de que

“Nenhum testamento precedeu nossa herança”, ilustra mais de uma vez nos textos de

Arendt o sentimento de crise por meio de um desnorteio, ou seja, a perda da tradição

como o diálogo com a condição do homem. A crise econômica que abateu a Alemanha

após a Primeira Guerra Mundial é um exemplo de crise para o homem. Esse elemento,

no entanto, o aspecto econômico, apenas compõe um fragmento do desespero do

homem alemão do início do século XX. Após a primeira guerra havia um sentimento de

falta de esperança, abalo em relação ao fundamento das estruturas que davam base às

relações humanas. O abandono do fundamento das ciências naturais e humanas como

certas e universais e da racionalidade tal como o homem tinha conhecido desde o cogito

cartesiano abalou aos poucos as estruturas do que o homem conhecia como o mundo

moderno e até como ele conhecia enquanto ser humano, dirimindo, aos poucos, os

espaços convencionais como este se relacionava. A proposta de certos autores de

colocar ainda métodos e resultados das ciências da natureza sobre as ciências do

espírito trouxe ainda mais frustração e desespero. A desilusão estava, na morte de

Deus, da Metafísica e da filosofia. A falta de esperança foi gerada pela perda dos

sustentáculos que por milênios deram ao homem uma verdade firme e inabalável. A

economia abalou-se, mas o que faltou, além dela, foi a esperança de um futuro, uma

firme verdade, um passado para que se pudesse olhar e direcionar. A ideologia do

38

nazismo que tomou conta da Alemanha desde o início do século XX não foi um aspecto

menor da crise, mas um importante elemento que diminuiu o espaço entre os homens

para que esses não pudessem respirar a razão, a política. O domínio da propaganda

militar, com a ascensão do partido nazista, fez o resto do papel. A esperança foi

comprimida pela irracionalidade e obediência servil, pela doutrinação ideológica.

A crise é um composto de esquecer-se de si mesmo, pelo abandono dos

contatos que havia em si com o mundo, comprimindo o espaço entre os homens para

uma vida cada vez menos ativa e, não por isso, permitindo-se ser meditativa; com um

sentimento de falta de esperança em resgatar este sujeito perdido, por não haver mais

contato com aquilo que dava ao homem um parâmetro. O sentimento de autoridade

para a comparação entre o que é a verdade e sua aparência desaparece com Nietzsche,

Heidegger e Jaspers.

O que está em jogo é a tentativa de localizar essa predominância última da aparência (aletheia) em uma posição de ascendência sobre o domínio metafísico da verdade. Como resultado, doxa converte-se no próprio domínio da verdade, ontologicamente construída na pluralidade das aparências reveladas, isto é, aletheia no modo da opinião (ASSY, 2005 p.28).

Com isso, não só desaparece a Verdade, mas a própria relação tradicional entre

os dois elementos. Assim, toda a percepção tradicional de mundo entre sujeito e objeto

é abalada. O abandono da relação entre a ideia e o mundo sensível que a alcança é

rechaçada com uma nova proposta de homem, verdade e pensamento. E o desespero,

o elemento negativo da crise, gera a diminuição do espaço do pensamento e ação. Este

é fruto da perda da certeza destes elementos e está também na incerteza sobre as

novas ideias que chegavam.

A aparência estava descolada da coisa como objeto, de modo que estava mais

associada a este como aquilo que aparecia, ou seja, o fenômeno – suas imagens. A

propaganda nazista e do governo americano está encrustada num modelo de verdade

que se sustenta na aparência equivalendo-se ao ser. A possibilidade de manipular a

realidade, de usar a imagem por meio da criatividade, fundando uma realidade própria

do discurso e da ação são características da política e de um novo início. A ação política

funda essa nova realidade por meio de uma revolução, negando aquele ditame político

imposto. Como descreve Arendt em “Da revolução” (ARENDT, 1985) sobre as

revoluções Americana e Francesa. Entretanto, não é assim com os governos americano

39

e nazista, que usam da propaganda como modo de doutrinação ideológica e para criar

um conformismo no indivíduo em relação às suas questões com a crise, de modo que

esse aceite se submeter ao domínio do Estado e a seus projetos privados para saciar

em detrimento do querer público.

A aparência e o ser não são distintos, como num “sujeito” e “objeto”, mas são

co-pertencentes. Esse contato de Arendt com a filosofia existencial de Heidegger e

Jaspers, com a oportunidade de ter acompanhado regimes totalitários que marcaram o

século XX, lhe permitiu enxergar uma nova possibilidade para a política. Diferentemente

de uma solução utilitária e pragmática para problemas, e sim um lugar em que o reino

do pensamento e da compreensão surgem como um diálogo com a crise e

monstruosidade do mundo para abandono do próprio sujeito. Não como uma atividade

de homens profissionais eleitos para decidir as questões do governo ou pensar e

solucionar problemas da nação, ou mesmo metafísicos sobre ética e gerenciamento de

conflitos e relações internacionais. Antes, sobre a possibilidade, ou não, da liberdade, e

como essas possibilidades são experiências das entre os homens, de modo que a

política surja como o espaço de diálogo com a crise para liberdade do sujeito e

reconciliação do mundo.

Uma maneira nova de enxergar a política surge a partir da lida com a crise, ética

e moral, nos regimes totalitários e com a crise da modernidade, a partir das ciências e

da filosofia de autores como Heidegger. Assim, lidar com a crise é lidar com extremos,

do “agora” - que reside na eternidade do pensamento – e no “agora” das “situações-

limite” em que se vive a humanidade:

Seu critério de ação não será das regras usuais, reconhecidas pelas multidões e acordadas pela sociedade, mas a possibilidade de eu viver ou não em paz comigo mesmo quando chegar a hora de pensar sobre meus atos e palavras. A consciência moral é a antecipação do sujeito que aguarda quando eu voltar para casa. O efeito moral colateral é, para o pensador, um tanto marginal. E o pensamento como tal traz bem poucos benefícios à sociedade, muito menores do que a sede de conhecimento, que usa o pensamento como um instrumento para outros fins. Ele não cria valores; ele encontrará o que é “o bem” de uma vez por todas; ele não confirma regras de conduta; ao contrário, ele dissolve-as. E ele não tem relevância política, a não ser em situações de emergência. A consideração de que eu tenho que poder conviver comigo mesmo não tem nenhum aspecto político, exceto em “situações-limite” (ARENDT, 2000, p.144)

As situações-limite, a que se refere Arendt, entendem-se como a crise. A crise

exige do sujeito uma resposta que vá de encontro, ou ao encontro, com um momento

40

inédito, arbitrário, e de violenta transformação. Ao mesmo tempo em que tira do sujeito

todas as ferramentas que poderiam dar a este o poder de compreender a crise,

estabelece uma oportunidade para novas pontes para diferentes pensamentos. No

entanto, ergueu apenas massas de escravos voluntários com uma forma única de

pensar – isso devido à propaganda, doutrinação e do domínio pela força, usados pelos

governos da época de Arendt.

Para compreender a crise, propõe-se uma alegoria no texto de Sófocles9, no

qual uma esfinge é enviada dos deuses para castigar o povo de Tebas, e qualquer que

não soubesse responder o enigma desta era devorado pela esfinge. A praga

estabelecida na cidade estava diretamente ligada com o enigma, e só cessaria se

alguém oferecesse a resposta correta. Entretanto, o povo não sabia o que fazer e o rei

tampouco. Alguém poderia se levantar e erguer uma resposta para o povo,

convencendo que a estratégia seria adorar, ou combater a esfinge em vez de responder

sua pergunta, e qualquer que pensasse diferentemente seria abatido, pois tornaria a

praga da esfinge pior para todos. Independentemente de qual lado, se um ou outro, o

problema estaria em anular a possibilidade de manifestação de outros pensamentos,

como, por exemplo, de responder à esfinge – o que ela anseia.

No momento que a esfinge propôs o dilema para Édipo, houve um exercício de

krisis, no sentido de racionalidade, julgar e discernir, por parte deste para buscar uma

resposta própria para o dilema da esfinge. O futuro rei não deu a outro a tarefa

intransferível de pensar, não respondendo à esfinge de pronto, mas meditou até que a

encontrasse. Por isso, entende-se, a esfinge jogou-se no abismo10.

A esfinge pode ser compreendida como uma representação da crise que se

instaura na vida do homem e de um conjunto de pessoas por sua dualidade de mal

trágico que causa em indivíduos e grupos, além de sua oportunidade para a reflexão,

debate e, principalmente, um novo início. A crise é um paradoxo perigoso, tal qual a

esfinge de Sófocles, e deve ser decifrada, senão ela mesma há de devorar aqueles que

9 Versão digitalizada da edição clássicos Jackson em 2005, domínio público. Link:

http://www.uesb.br/editais/2015/01/edital-008-15-textos/Edipo-Rei-Sofocles.pdf – acessado em 08/08/2016, às 13:00.

10 Cabe ressaltar a noção de crise dada por Mario Ferreira dos Santos de crise como abismo, de modo que a crise,

deparada consigo, por meio do exercício da reflexão e do julgamento, gera uma resposta inédita, e é superada. Entretanto, Sófocles, como um bom entendedor do tema crise, aponta que, essa mesma, a crise, não nos deixa por muito tempo, pois após Édipo ter superado esse abismo, descobriria que matou seu pai e que a rainha que conseguiu a mão como rei era sua mãe. Outra crise estava colocada para Édipo, e agora, também, para sua família.

41

se colocam diante dela. Nesse sentido, as pragas são respostas da crise para aquele

que não busca compreendê-la, confrontá-la de frente, por meio de uma ação que

transforme a realidade em crise, debatendo com outros que possuem diferentes

discursos e argumentos, até que se encontrem novas respostas para ela, e como

resposta disso, um novo trono, um novo início, ou seja, a crise dá a possibilidade para

aquele que buscou compreendê-la de modo político. Significa dizer que a compreensão

e a ação, na superação real da crise, devem estar aliadas. Arendt não diz que com a

compreensão da crise haverá a certa e imediata superação desta, mas que só por meio

da compreensão é possível superar a crise. O que quer dizer que a crise deve ser

combatida como um enigma. Entretanto, este enigma não é só intelectual, ou apenas

prático, mas é o mundo em crise. Então, como pode o indivíduo conciliar-se com ele?

Esse não é um exercício puramente prático ou intelectual, mas que envolve uma

investigação de uma vida inteira, e por isso, a compreensão é o diálogo constante com

a crise, na busca de reconciliar esse indivíduo com o mundo em crise. Ora, o sentido da

política, para Arendt, é a liberdade. Portanto, para compreender a crise de modo político

é necessário abrir espaço para que os homens sejam livres para agir, debater, refletir

de acordo com suas diferentes ideias, permitindo que surjam os diferentes discursos, e

assim, propiciar que a crise seja uma oportunidade para o nascimento de novas

respostas. Neste sentido, a compreensão da crise afasta o indivíduo da perspectiva de

um momento de desastres para surgimento de mais ideologias totalitárias e

homogenizadoras do pensamento humano. Assim, a luta pelo surgimento e manutenção

da multiplicidade, dando conta ao juízo pessoal e alternativo como responsabilidade

para que surjam diferentes vozes no espaço discursivo, é um valor chave na política

para se responder à crise.

O maior mal, afirma Arendt em seu relato sobre a banalidade do mal, não é o

que eu sofro, ou mesmo o que é feito por aqueles que possuem uma intenção maligna

em seu coração, mas sim o que fazemos sem pensar – ou de maneira irrefletida.

Aqueles que apenas obedecem a ordens irracionalmente, sem pensar em suas

consequências e reproduzem o mal, esses são os que executam o pior mal. Com essa

primeira face, a crise se apresenta como um grande problema. Entretanto, a crise

também possui outra face, como uma oportunidade para a compreensão e ação. A

oportunidade para a compreensão e política deixada por um ambiente aberto para um

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novo início é a força do pensamento de Arendt. A capacidade de que o pensamento

possa vencer a irracionalidade num ambiente totalitário, de sociedade de consumo, ou

outro ambiente de doutrinação e domínio. Dessa maneira, o rompimento com as

estruturas permite que o homem, em conjunto com outros homens, permita-se à criação

de um novo início.

A crise é a ruptura com o velho, o antigo, e oportunidade, por meio da natalidade

e da criatividade de cada indivíduo participante do momento de crise, de algo novo, e

que só surgirá se houver a atitude de compreensão em relação à crise. Compreender a

crise é necessário para uma atitude ética, de responsabilidade com o mundo e que não

se deixa ser levado pelas regras das massas. O exercício das ações reflexivas – como

o pensar, querer, julgar – não são restritos a momentos como essas situações de “crise”,

mas, especificamente o pensamento deve estar em diálogo constante com a crise, para

que no momento necessário, seja aproveitado para “prevenir catástrofes” para o eu:

A manifestação do vento do pensamento não é o conhecimento, é a habilidade de distinguir o certo e o errado, belo e o feio. E isso, nos raros momentos em que as cartas estão postas sobre a mesa, pode, sem dúvida, prevenir catástrofes, ao menos para o eu. (ARENDT, 2000 p.145)

Essa “utilidade” do pensamento não funciona como um escudo contra a crise,

uma espécie de remédio, ou autoajuda, mas de um modo de estar em diálogo com ela

em vez de negar sua existência. Isso e, como consequência, ser engolido por seus

aspectos mais sombrios. Como dito anteriormente, o pensamento não possui uma

função prática de derrotar a crise, mas se for coadunado com o debate e a ação – uma

ação refletida – numa compreensão exaustiva, o pensamento torna-se de utilidade para

responder a crise até sua última cartada. Talvez isso tenha um significado existencial,

até a morte, ou até que se supere a crise por esta geração, ou mesmo até que a sua

comunidade termine. Assim, a crise, como a política, não é um desespero coletivo, mas

um lugar de reconstrução de si, como uma oportunidade de construção do eu, e a partir

de onde este deve encontrar, a partir da compreensão da crise, a conciliação com o

mundo. O mundo do indivíduo e, no caso, do futuro administrador, deve estar embebido

na capacidade de tomar decisões por si. E, que essas decisões sejam, sob pressão,

medidas na intuição, conhecimento, e na formação do eu, aptas a prevenir as

catástrofes surgidas na crise. Ainda mais, possam gerar novas soluções para as

problemáticas nas relações humanas e em seus meios. Ser capaz de aniquilar uma

43

crise, organizacional, por exemplo, a tal ponto, que essa vitória dure até o fim da

organização, é uma superação completa contra a crise.

Em “A crise na educação” Arendt declara que a crise é uma “oportunidade”. Ora,

a dualidade de crise e oportunidade é notória em outras correntes de estudo da crise,

inclusive da teoria dos jogos e ficou famosa com o matemático John Nash, e com o

“Equilíbrio de Nash” (SPANIEL, 2011; FIANI, 2004). Esta teoria busca depreender da

crise sua possibilidade de melhor desempenho a partir de uma visão de expectativas e

de um ganho máximo e mais seguro em relação a um competidor, outros jogadores.

Entretanto, embora a busca pela conciliação entre as palavras “perigo” e “oportunidade”

– que compõem a palavra “crise” no ideograma chinês – esteja patente em ambas

teorias, a similaridade termina neste momento. Arendt não vê a compreensão da crise

com uma oportunidade utilitária, de usar a oportunidade da crise como um meio para

um fim, de um ganho, enquanto, para ganho maximamente seguro ou, poder-se-ia dizer,

o mais feliz.

Entretanto, para que a crise seja uma oportunidade para Arendt, o eu pensante

e a disputa e debate dos grupos estão em seu centro, de modo que é necessária uma

conciliação entre o não lugar do pensamento e o contexto da crise para que haja

compreensão. Em outras palavras, a germinação e choque necessários a partir de

diferentes pensamentos. Essa conciliação se dá através do diálogo com a tradição a

partir do momento em que está se dando o problema – questão que será tratada com

maior profundidade no próximo tópico.

Para encarar o abismo da crise, o perigo e oportunidade trazidos por um

momento único que nos causa vertigem de perder o chão, não é necessário jogar-se

em situações inusitadas ou viajar para países em que há crises econômicas, políticas

de maneiras tão extremas. Cada homem possui um lugar único que parte de si mesmo

e encarar a crise é uma possibilidade, antes de qualquer coisa, por esse lugar de si,

pois do nascimento vem a originalidade e a possibilidade de criatividade individual do

homem e de enfrentamento do abismo da crise.

Como diz Arendt, “a pluralidade é a lei da Terra”, e essa pluralidade está

embebida na crise, de modo que cabe a cada um decidir por ater-se sobre o “perigo”

colocado pela crise ou abraçar a “oportunidade” dada pela mesma. Esse perigo está

registrado em nossa tradição, pela arte, literatura, entre outros meios, e nos foi ensinado

44

por aqueles que guardam a responsabilidade de passar essa tradição adiante, a saber,

os professores. E nesse sentido, de preservar a tradição, um professor não é apenas o

que coloca o conteúdo para o aluno. Antes, é aquele que, por meio das novas faces das

crises que se apresentam para seus alunos de outras maneiras que para aqueles

autores, possa vir a renovar o diálogo com a tradição de uma maneira a trazer novas

respostas à crise a partir da reflexão de cada aluno.

Como há de se ver, há duas formas de se ver a crise. Uma resposta irrefletida e

preconceituosa, ou uma reação buscando um diálogo de compreensão da crise, e com

uma ação refletida. Na segunda possibilidade, se aproveita a “oportunidade” contida na

crise. Assim como propõe a dualidade crise = perigo + oportunidade, a oportunidade da

crise é para cada um em sua individualidade, mas também para cada grupo. A outra

resposta é a preconceituosa e servil, que desperdiça a oportunidade dada pela crise,

tornando o perigo numa catástrofe.

E, desta maneira, no pensamento de Arendt, a crise não é apenas um fato

material, econômico, político, a ser lidado e resolvido, ou seja, um conflito no mundo

exterior que devemos aprender, da maneira mais eficiente, a lidar. A crise, para Arendt,

é uma oportunidade para o pensar, e neste pensar para o surgimento de algo novo a

partir da própria individualidade do sujeito, que é própria a cada um pelo que Arendt

chama de natalidade. Pensar a partir do lugar da crise é pensar o lugar da crise a partir

de quem o pensa, mas saindo do lugar de crise e permitindo-se ir ao reino do

pensamento, ao lugar nenhum, ao lugar onde estamos quando pensamos. Embora a

busca da compreensão da crise seja de única serventia para quem está pensando, as

consequências do pensamento vão muito além, pois a ação daqueles que estão no

momento de crise permitem aos homens superar a si e a própria crise por meio da

compreensão. Importante lembrar que relação do pensamento com a crise não se

estabelece “ex nihil”, ou “ab ovo”, mas é sempre em diálogo com a tradição. Essa

tradição é um fio condutor, mesmo que para destruição, ou embate, um passado, que é

necessário ter como ponto de referência.

Pensar é libertador para si e para o mundo. A compreensão leva o indivíduo a

desconstruir dogmas, preconceitos e estigmas a respeito de si, do outro e de suas

relações, de modo que o pensamento é uma abertura para a conciliação do indivíduo

com o mundo, e a tradição.

45

Mesmo que a compreensão venha a colidir com o mundo perdido, como uma

tradição que se presentifica na crise, a compreensão não é um aspecto de reflexão

sobre a tradição, mas de reflexão sobre a crise em conjunto com a tradição. A

conciliação do indivíduo com o mundo é marcada por um dos aspectos que dinamizam

o pensamento de Arendt, o Amor Mundi. A responsabilidade com o mundo, e a noção

de que há uma origem comum, um amor comum pelo homem a partir da lei da

pluralidade surge da compreensão, um exercício solitário de diálogo com a crise, mas

também da compreensão da crise do outro, do aspecto do outro. Esse amor está ligado

a uma responsabilidade comum com tudo que é humano, uma noção de comunidade

da Terra. Pela origem comum existem os homens, apesar das diferenças. E suas

diferenças ressaltam como a dinâmica do amor, e da política, no cuidado com o outro,

uma vez que sem a diferença do outro eu não existiria e cuidar para a manutenção dos

direitos dessas diferenças é parte do cuidado com o mundo (enquanto comunidade dos

homens). A perda das estruturas é algo que se coloca para o homem no momento de

solidão. Este é um sentimento característico dos regimes totalitários, nos quais os

homens em meio a tantos outros, não podiam sentir-se diferentes, mas simplesmente

faziam parte de uma massa homogênea e obediente ao sistema.

A originalidade de sua reflexão política residia no seguinte: o que se revela como fenômeno novo e sem precedentes estava realmente acontecendo agora, no mundo normal que, até então, pouca importância tivera em sua vida reflexiva. Assim, o político adquiriu realidade para ela, não apenas como a arena da “política” em que os políticos cuidam de governar, de controlar o poder, de determinar objetivos, de formular e implementar os meios de atingi-los, mas também como o âmbito em que, bem ou mal, pode surgir a novidade e em que são moldadas as condições de liberdade e não-liberdade. A partir daí, a realidade política iria orientar, de uma ou outra maneira, todas as suas tentativas de compreender – mesmo quando, ao final da vida ela tomou como fontes dessa compreensão as atividades reflexivas do pensar, querer e julgar. (MASCARELLO, 2015)

No artigo “Compreensão e política (A dificuldade da compreensão)”, Arendt

indica como a tarefa da compreensão deve ser contextualizada, diferenciada do

exercício do intelecto – que busca o conhecimento. A compreensão está marcada pela

procura e diálogo infindável com a crise e, neste sentido que, a crise é, desde seu início,

a oportunidade para compreensão. (ARENDT, 2008). Talvez, nesse sentido, possa ser

afirmado que sem crise seja impossível a compreensão, uma vez que a compreensão

é uma tarefa, necessariamente, interminável. Desde os níveis mais preliminares, a crise

46

coloca-se para o homem exigindo dele respostas teóricas e práticas, respostas

completas.

O homem deve pensar sobre perda de seus parâmetros, estar sempre pensando

em diálogo com outros, mas buscando a inovação. O novo, lembra Arendt em “A

condição humana”, é marcado pela ideia de que não há momento melhor para se pensar

do que o agora. O ineditismo da atualidade deve ser valorizado no exercício da

compreensão e da busca da reflexão, de modo a contextualizar-se a partir deste lugar.

O lugar em que se está vivenciando a crise é o lugar da resposta. O pensamento não

pode isentar-se de colocar-se a pensar os lugares específicos da crise vivenciados pelo

indivíduo. Fazer da crise um problema presente é o primeiro passo para possibilitar

nesta um ambiente de inovação. Ao comparar historicamente os momentos, Arendt

percebeu o ineditismo de seu período histórico, e passou a buscar a compreensão

daquilo que marcava esse ineditismo, da crise com os períodos anteriores. Esse espaço

leva o pensamento a um diálogo com o mundo em vez de estar no mundo. Estar em

diálogo com a crise, em vez de estar na crise.

Essa crise, no entanto, não está ligada apenas ao período de Arendt, uma vez

que o exercício de compreensão é atemporal e pode ser exercido ainda hoje, pensando

as crises atuais em diálogo com a questão de Arendt. Como afirma na introdução de “A

vida do Espírito”, Arendt não está buscando um pensamento que limite-se aos

“pensadores profissionais”, ou para poucos, mas sim um exercício que está ao alcance

de qualquer que seja são, e que é exigido de qualquer um destes. A compreensão não

é uma prática mecânica ou automática, treinada. Para Arendt, pensar é uma tarefa da

razão, diferentemente daquela do intelecto, que se ocupa em buscar o conhecimento.

Qualquer são deve pensar. O filósofo com doutorado e o analfabeto pensam. Não é uma

questão de intelectualidade, mas, afirma Arendt, que, se o homem é são, exige-se dele

que exerça o pensar. Como na noção de aletheia proposta no capítulo 1, os homens

que se perguntam pelas coisas, por si e pela natureza, não possuem títulos, mas são

homens e dialogam no reino do pensamento. O intelectual ocupa-se de um pensar por

profissão, para produzir textos, papéis sobre problemas fundamentais que envolvem o

mundo e o homem e em deixar uma herança como tal. Entretanto, o problema é que

muitos dos “pensadores profissionais”, dos quais se mais exige o pensamento, na época

de Arendt, ficaram calados ou se posicionaram a favor dos regimes totalitários.

47

1.2. A crise na educação: como lidar com a crise na educação

Após tratar do conceito de crise, é necessário buscar quais são as possíveis

respostas para a crise na educação, bem como as consequências para tais respostas.

Ademais, se observará a importância do julgamento e da compreensão na crise em vista

de uma resposta crítica, aproveitando a oportunidade para a reflexão dada por essa.

1.2.1. A origem da crise na educação:

Ora, a crise, como visto, é tomada neste estudo como um conceito central na

filosofia de Arendt, a partir do qual ela constrói sua crítica a respeito do diagnóstico de

seu tempo. E ainda, concomitantemente a essa tarefa, desenvolve um pensamento

sobre problemas perenes da filosofia – como o problema da liberdade.

Na educação, segundo o que nos aponta Arendt no texto “A crise na educação”,

a crítica coloca-se com uma dupla face, de catástrofe e oportunidade para a reflexão e

um novo início, e pode ser respondida com uma resposta preconceituosa ou uma

resposta crítica (ARENDT, 2011 p. 274). A resposta preconceituosa é dirigida por uma

irreflexão e pela doutrinação ideológica. A outra resposta é a crítica, a qual é movida

pela compreensão.

Segundo o artigo “A crise na educação”, de Arendt, três pontos firmam a crise

na educação e são a base de sua crítica, a saber 1) a abnegação da autoridade do

professor, 2) a divisão do ensino por habilidades e 3) a crise política que envolve ambos.

Esses formam os três grandes paradoxos da crise na educação, a serem mostrados a

seguir.

A crise na educação é fruto da crise da modernidade. Arendt critica a postura

dos EUA e das escolas americanas, mas reconhece que no futuro podem ser outros

colégios em outros países, por ser uma crise que está envolvendo não apenas a

América. Antes, ela está levando o Ocidente a reavaliar seus velhos conceitos, e nessas

rupturas e descontinuidades a crise na educação encontra-se como um modo de

surgimento de novas possibilidades. A crítica de Arendt no texto tem como alvo um

ensino que se volta mais para formar profissionais e adultos especializados em afazeres

48

técnicos. No caso analisado por Arendt, trata-se de uma América que aceitou “rápido

demais” nas palavras da autora, uma reforma pedagógica que poderia trazer grandes

catástrofes para o sistema educacional americano. A reavaliação política é natural como

parte da crise da modernidade, mas deve, como alerta Arendt, vir acompanhada da

resposta crítica, ou será uma catástrofe.

Arendt afirma que é tentador considerar a crise na educação um fenômeno local

dos EUA, mas que é necessário reconhecer sua relação com as experiências políticas

inéditas da modernidade, que trouxeram a necessidade da reavaliação sobre o homem

de seu mundo. Crer que era possível uma pedagogia sem parâmetros, um ensino do

zero, do nada, foi um problema para esses que buscavam avanços no ensino dos EUA.

Essa pedagogia que ia contra o ensino tradicional, criticando o ensino do conteúdo

petrificado, buscava que o ensino pudesse chegar aos alunos em sua forma bruta, em

num processo de construção, de modo que esses construíssem o conhecimento em

conjunto. Essa, no entanto, não foi a questão da proposta para Arendt, mas que essa

construção seria conduzida pelas crianças. Desta maneira, nessa nova proposta se

envolveram questões relacionadas com a crise na autoridade, a crise na tradição e a

crise política da modernidade. E, por mais que a escola não possua uma função política,

mas de intermediador entre o privado – no círculo família – com o público – o convívio

da cidadania, a crise na educação, especialmente a denunciada por Arendt em seu

artigo, possui uma forte implicação política, e negar isso apenas tornará a crise pior

(ARENDT, 2011 p.223).

O primeiro ponto criticado por Arendt na crise da educação foi a medida tomada

em relação à autoridade. A pedagogia criticada por Arendt tinha como proposta entregar

a autoridade para as crianças. Assim, uma das ideias que rege a crise na educação é a

de que o professor renegue sua autoridade como responsável pela tradição e com isso,

abra mão de sua responsabilidade pelo mundo. Ora, como dito anteriormente, Arendt

não vê na escola um espaço dedicado à política, mas de um choque entre o novo que

estes alunos representam com o velho que é carregado pelos professores. E, para

educar as crianças para a responsabilidade com o mundo e com a tradição (ARENDT,

2011 p.243), é necessário o choque entre o novo e o velho, reconhecendo-se a

responsabilidade do professor pelo velho. Então, a consequência da busca por uma

revolução na América é que, ao buscar um ensino de tal modo revolucionário, não se

49

usou o ensino para uma revolução, mas essa suposta revolução pedagógica gerou

alunos revoltados e turmas tiranas e sem controle sobre suas próprias vontades. Sobre

a autoridade neste tipo de proposta, Arendt afirma que:

O primeiro é o de que existe um mundo da criança e uma sociedade formada entre crianças, autônomas e que se deve, na medida do possível, permitir que se governem. Os adultos estão aí apenas para auxiliar esse governo... Quanto à criança no grupo, a situação, naturalmente, é bem pior que antes. A autoridade de um grupo, mesmo que este seja um grupo de crianças é sempre consideravelmente mais forte e tirânica do que a mais severa autoridade de um indivíduo isolado... Assim, ao emancipar-se da autoridade dos adultos, a criança não foi libertada, e sim sujeita uma autoridade muito mais terrível e verdadeiramente tirânica, que é a tirania da maioria (ARENDT, 2011 p.230).

Como pode se notar na citação, autoridade é um conceito fundamental para a

política e também para o ensino. Entretanto, quando há a falta de autoridade por parte

de um professor, um aluno toma autoridade. Sem estar pronto para a vida política, a

criança torna-se um pequeno tirano, buscando governar por suas vontades. Assim,

permitir que o grupo de alunos, imaturos e com pouco conhecimento do mundo,

governem por suas próprias vontades, é mais nocivo do que se se concentrasse poder

em uma criança só, ou ainda, em um adulto, como é no caso do professor. Ainda mais,

é necessário o professor atentar para o perigo de enxergar como a crise está propondo

criar “adultos infantis”, rendidos a suas próprias vontades, tiranos sobre tudo e todos,

como se o mundo fosse ainda aquela antiga sala de aula, governada por eles. A

consequência disso é que a autoridade perde o seu significado, pois é em consequência

da crise da modernidade que:

na vida pública e política, a autoridade ou não representa mais nada – pois o terror exercidos pelos países totalitários evidentemente nada têm a ver com autoridade –, ou, no máximo, desempenha um papel altamente contestado. (ARENDT, 2011 p.240).

A crise moderna coloca ao lado um problema grave sobre essa perda, pois, nos

governos totalitários, a autoridade não era vista, mas era uma forma de violência, de

força e dominação, doutrinação, constantemente usados sobre o povo. Nos EUA, a

autoridade vinha sendo removida da vida política. Não apenas lá, mas por toda a

modernidade, por meio de uma decepção moderna com os horrores do totalitarismo.

Ao removermos a autoridade da vida política e pública, pode ser que isso signifique que, de agora em diante, se exija de todos uma igual responsabilidade pelo rumo do mundo. Mas isso pode também significar que as exigências do mundo e seus reclamos de ordem estejam sendo consciente ou

50

inconscientemente repudiados; toda e qualquer responsabilidade pelo mundo está sendo rejeitada, seja a responsabilidade de dar ordens, seja a de obedecê-las. Não resta dúvida de que, na perda moderna da autoridade, ambas as intenções desempenham um papel e têm muitas vezes simultânea e inextricavelmente, trabalhado juntas (ARENDT, 2011 p.57)

Assim, a crise da autoridade coloca de lado uma responsabilidade essencial para

o homem como co-pertencente a um espaço comum, requerendo a responsabilidade

pelo mundo. O professor que possui, na autoridade, a responsabilidade de ensinar,

também possui no seu referencial, na tradição, o cuidado pelo mundo. Com a crise na

autoridade, esse cuidado pelo mundo, e, consequentemente da tradição, tomou um

choque. Perdeu-se o critério de como lidar com essa tradição no presente, ou mesmo,

se os critérios não foram perdidos, ou abandonados.

A crise na educação veio com outros pressupostos, além da crise na autoridade,

e o segundo deles envolve justamente a tradição. Sobre esse pressuposto, trata-se de

um problema, aparentemente, psicopedagógico, o qual defende que é melhor setorizar

os alunos por habilidades para otimizar o aprendizado. Entretanto, a crítica de Arendt

está num passo anterior a isso, pois a divisão dos alunos por habilidades envolve dois

problemas, que o ensino está moldado para as massas buscando uma postura crítica

do indivíduo, e que o abandono da tradição por parte dos professores e do ensino

reafirmam a postura de que a educação não possui um referencial, tornando o ensino

como um potencial instrumento ideológico, assim como foi no nazismo:

O segundo pressuposto básico que veio à tona tem a ver com o ensino (...) a Pedagogia transformou-se em uma ciência do ensino em geral a ponto de se emancipar inteiramente da matéria efetiva a ser ensinada. Um professor pensava-se, é um homem que pode simplesmente ensinar qualquer coisa; sua formação é no ensino e não no domínio de qualquer assunto particular... Como o professor não precisa conhecer sua própria matéria, não raro acontecer encontrar-se apenas um passo à frente de sua classe em conhecimento. Isso quer dizer, por sua vez, que não apenas os estudantes são, efetivamente abandonados a seus próprios recursos, mas também que a fonte mais legítima da autoridade do professor, como a pessoa que seja, dada a isso a forma que se queira, sabe mais e pode fazer mais que nós mesmos, não é mais eficaz. Dessa forma o professor não-autoritário, que gostaria de se abster de todos os métodos de compulsão por ser capaz de confiar apenas em sua própria autoridade, não pode mais existir. (ARENDT, 2011 p.231)

A crise na tradição, na educação, fez com que o professor de uma disciplina não

possuísse mais a obrigação de ter o domínio dessa disciplina, mas apenas saber sobre

o ensino. E isso tira sobre ele outra responsabilidade – a de conservar a tradição. O

51

professor não é mais aquele que guarda a tradição, o velho em confronto com – os

alunos – o novo. Esse ponto de referência está tanto no senso comum, no sentido das

ideias não científicas ou intelectuais, e também nas cadeiras dos acadêmicos. Ora, a

tradição é a herança que deixa ao homem a noção de passado pela memória e, também,

por meio desse legado, permite que o homem lance mão de novos parâmetros. Essa

herança, como dito, é construída por um conjunto de pessoas, e mesmo que o papel de

cada uma delas perante o mundo possa ser diferente, estão no mesmo movimento de

constante reorganização da tradição.

Com a perda na tradição, perdemos o fio que nos guiou com segurança através dos vastos domínios do passado; esse fio, porém, foi também a cadeia que aguilhou cada sucessiva geração a um aspecto determinado do passado (...). Mas não se pode negar que, sem uma tradição firmemente ancorada – e a perda dessa firmeza aconteceu há muitos séculos atrás –, toda a dimensão do passado foi também posta em perigo (ARENDT, 2011p. 130).

A maneira como esse trecho se segue, é uma séria denúncia à crise da tradição,

afirmando que o esquecimento é uma ameaça para o homem moderno, uma vez que

não possui mais certeza em sua memória. A memória e profundidade são o mesmo,

afirma Arendt, e a profundidade não pode ser alcançada, a não ser através dessa

memória (ARENDT, 2011 p.131). A memória a que se refere a filósofa, e que o homem

deve recordar, não é a sua, mas a memória da tradição. Ao professor trazer para a sala

de aula a tradição, é possível alcançar a profundidade na compreensão. Entretanto, ao

se negar a tradição o professor não só perde a profundidade, a memória, como o ensino

fica à mercê da manipulação de governantes mal intencionados. O que leva ao segundo

problema detectado por Arendt nesse pressuposto.

Em parte alguma os problemas educacionais de uma sociedade de massas se

tornaram tão agudos, e em nenhum outro lugar as teorias mais modernas no campo da

Pedagogia foram aceitas tão servil e indiscriminadamente. Desse modo, a crise na

educação americana, de um lado, anuncia a bancarrota da educação progressista e, de

outro, apresenta um problema imensamente difícil por ter surgido sob as condições de

uma sociedade de massas e em respostas às suas exigências (ARENDT, 2011 pp. 227,

228).

Assim, a crise na educação, na sociedade de massas, possui uma peculiaridade

de buscar, em seu paradoxo, a individualidade do aluno, enquanto “peleja para igualar

ou apagar tanto o quanto possível as diferenças entre jovens e velhos, entre dotados e,

52

particularmente, entre alunos e professores” (ARENDT, 2011 p.229). Homogeneizando

todas as diferenças, mesmo entre professores e alunos, e buscando dar a mesma

oportunidade para todos, acaba-se eliminando a particularidade de todos – ou, ao

menos, essa é a proposta.

Por fim, no terceiro pressuposto, Arendt coloca sobre a crise política envolvendo

a educação, e afirma que a autoridade e a tradição estão relacionadas com um paradoxo

de uma proposta que se pretende democrática, mas que, falhando, torna-se um

instrumento ideológico e aparato de exclusão.

O papel desempenhado pela educação em todas as utopias políticas, a partir dos tempos antigos, mostra quanto parece natural iniciar um novo mundo com aqueles que são, por nascimento, novos. No que toca à política, isso implica obviamente um grave equívoco: ao invés de juntar-se aos seus iguais, assumindo o esforço de persuasão e correndo o risco do fracasso, há a intervenção ditatorial (...). Por esse motivo na Europa, a crença de que se deve começar das crianças, se se quer produzir novas condições permaneceu sendo principalmente o monopólio dos movimentos revolucionários de feito tirânico que, ao chegarem ao poder, subtraem as crianças a seus pais e simplesmente as doutrinam. (ARENDT, 2011 p.224)

No trecho, assim como do artigo analisado, Arendt defende que é necessário

reconhecer que a política está atrelada ao problema da crise na educação. E ainda mais,

que a origem esta está inserida numa crise política. E, além disso, a crise na educação

possui um papel de implantar ou de alterar as relações políticas por meio de suas já

apontadas consequências. Assim, o terceiro grande paradoxo da crise na educação

refere-se a sua proposta de um ensino universal, que alcançasse a todos, fosse de todos

e para todos.

América sempre foi uma terra de imigrantes; como é óbvio, a fusão extremamente difícil dos grupos étnicos mais diversos – nunca completamente lograda, mas superando continuamente as expectativas – só pode ser cumprida mediante a instrução, educação e americanização dos filhos de imigrantes. Como para a maior parte dessas crianças o inglês não é a língua natal, mas tem que ser aprendida na escola, esta obviamente tem que ser aprendida na escola, esta obviamente deve assumir funções que, em uma nação-estado, seriam desempenhadas normalmente no lar (...). A América não é simplesmente um país colonial recebendo imigrantes para repovoar a terra, embora independa deles em sua estrutura política. (ARENDT, 2011 p.227)

A crise na educação é vista no trecho como o paradoxo político da educação.

Os EUA, o país formado por imigrantes, requer que os imigrantes em suas escolas

aprendam sua língua. Essas e outras formas retornam para o problema da educação

53

para as massas. Um dos grandes problemas para Arendt é que a educação dos EUA

era voltada para as massas – tema que será tradado mais adiante, no capítulo 2. A

consequência desse modelo de ensino está em ensinar para uma finalidade puramente

prática, hábil, dividindo-se entre aqueles que são bons nos esportes, em matemática,

música, etc. Essa divisão não é o ponto da crítica de Arendt, mas sim o porquê de ser

feita. Os alunos estavam sendo educados puramente para especializarem-se em seus

setores, esquecendo-se, ou não dando importância para aquilo que girava em torno do

resto da educação. Assim, a crise na educação envolve um problema complexo e sem

solução final – tal como a política, ou seja, não há uma fórmula mágica que faça dar

uma solução final à crise na educação, mas sim um caminho possível para entrar em

diálogo com essa crise e aproveitar a oportunidade da crítica deixada por essa.

Sobre a resposta preconceituosa à crise na educação, é uma mera reprodução

dos sistemas que deram origem à crise, ou imposição desta, de modo que se aceita a

crise irrefletidamente. A resposta preconceituosa, assim, nada mais é do que dar

continuidade a crise, sem pensar em suas consequências.

Por outro lado, a mera e irrefletida perseverança, seja pressionando para gente a crise, seja aderindo à rotina que acrescida bonachonamente que a crise não engolfará sua esfera particular de vida, só pode, visto que se rende ao curso do tempo, conduzir à ruína; para ser mais precisa, ela só pode aumentar o estranhamento do mundo pelo qual já somos ameaçados de todos os flancos (ARENDT, 2011 p.245)

Nesse sentido, a irreflexão não está envolvida com um currículo, uma escola,

com a instituição, com o ensino, pois não reflete sobre aquilo que reproduz na esfera do

ensino. O professor que entra na rotina do ensino de massas criticado por Arendt como

parte de um modelo imóvel, sem questionar seus métodos ou consequências, ou

mesmo aqueles que aceitaram a proposta sem pensar sobre ela, e a imputaram, de uma

vez só, sobre todo o país, agiram também, de maneira preconceituosa. Sobre isso,

Arendt diz que nossas verdades e mentiras, ações, que se tornam triviais e vazias, são

fruto da irreflexão, ou seja, da resposta preconceituosa. Sobre isso há que se ter o

entendimento de que a repetição de meras verdades – vendidas como uma resposta

para a crise, a serem consumidas como um bem de consumo, ou um ideal de resposta

para a crise – não podem dar conta do cotidiano do professor ou de seu ensino.

É óbvio que isso requer reflexão; e a irreflexão – a imprudência temerária ou a irremediável confusão ou a repetição complacente de “verdades” que se tornaram triviais e vazias – parece ser uma das principais características do

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nosso tempo. O que suponho, portanto, é muito simples: trata-se apenas de refletir sobre o que estamos fazendo. (ARENDT, 2007 p.13)

Assim, a repetição das verdades torna-se o maior mal dos sistemas

educacionais. O professor e os profissionais da educação que se tornam reprodutores

do sistema da educação pública, como mais um “bom profissional”, aquele que segue

as ordens do patrão sem questionar ou sequer refletir sobre o que está ensinando, ou

sobre seu papel como educador, como pregador de um “evangelho para salvar da crise”

(ARENDT, 2011), propõe que a filosofia de um filósofo, ou mesmo tal método científico

é o mais eficaz para se combater a crise. E que, se se seguir por este, será necessária

a superação da crise. Ou, no caso dos alunos de graduação em administração, que em

vez de serem ensinados a questionar sobre realidade, inteligência, levando o aluno a

pensar sua futura profissão, professores reproduzem respostas prontas para a crise,

dizendo que “esse é o jeito certo de lidar com a crise”, ou que “esse é o errado”. Lidar

com a crise de uma maneira instrumental pode ser um caminho possível para o futuro

administrador que, em seu trabalho, majoritariamente burocrático, tende a se esconder

por trás da obediência ao seu chefe para isentar-se da difícil tarefa de compreender a

crise.

Pensar, então, as alternativas para a crise faz-se urgente e três elementos

surgem na filosofia de Arendt para determinar o que define uma resposta crítica à crise.

São os conceitos de: 1) Reflexão, 2) Tradição e 3) Ação refletida.

A reflexão é o oposto da irreflexão. Em “A condição humana” encontramos uma

divisão que nos é importante para compreender o que é a reflexão. A divisão que Arendt

faz entre a “vita activa” e a “vita meditativa”. A vida meditativa é o espaço que não tem

lugar, o pensamento. Qualquer um pode ter acesso a este, bastando ter razão para tal.

De sorte que a contemplação (bio theorikos, traduzido como vida contemplativa) era o único modo de vida realmente livre (...). É como a diferença entre a guerra e paz; tal como a guerra ocorre em benefício da paz, também todo tipo de atividade, até mesmo o processo do mero pensamento, deve culminar na absoluta quietude da contemplação (...). O primado da contemplação sobre a atividade baseia-se na convicção de que nenhum trabalho de mãos humanas pode igualar em beleza e verdade no kosmos físico, que revolve em torno de si mesmo, em imutável eternidade, sem qualquer interferência ou assistência externa, seja humana ou divina. Esta eternidade só se revela a olhos mortais quando todos os movimentos e atividades humanas estão em completo repouso. (ARENDT, 2007 p.24 grifo nosso)

A reflexão para Arendt – está nesse exercício intelectual da razão que exige do

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homem que esse esteja numa situação oposta à da vida ativa, ou seja, é necessário

não estar em trabalho, cessar as atividades de ação, ou qualquer atividade humana. A

reflexão é uma espécie de solidão que, diferentemente da solidão vivida pelos cidadãos

dos países totalitários, se tem no silêncio e repouso a oportunidade de torna-se um juiz

da crise. Sair do tempo como uma “experiência de morte”, dá a possibilidade de se

enxergar a crise pela perspectiva da eternidade. Na resposta crítica para a crise na

educação, o professor não se submete aos sistemas estabelecidos, mas por meio de

uma autoavaliação, reflexão, este questiona os acontecimentos.

Para Arendt, a reflexão, deve vir acompanhada da tradição. Portanto, é

necessário que haja, mesmo nos questionamentos do professor sobre a crise, e em sua

resposta crítica para a crise, um critério. Como visto, essa tradição é o ponto de

referência que deve estar em diálogo com a tradição perdida. É importante lembrar que

Arendt afirma que “com a perda da tradição, perdemos o fio que nos guiou com

segurança através dos vastos domínios do passado” (ARENDT, 2011 p.130),

associando constantemente tradição com memória e um passado que deve ser

guardado. E a tradição, essa bússola para o pensamento, também deve estar na

reflexão sobre a crise, de modo a auxiliar na resposta crítica como um enfrentamento

possível às verdades e respostas colocadas como presentes e certas para a crise.

Importante ressaltar que a tradição não é apenas o conteúdo repassado pelo professor

para o aluno, como uma espécie de corrida de revezamento que se passa o mesmo

bastão, sem alteração no material passado de um primeiro a carregar o canudo para o

segundo. O professor é aquele que repete o que os autores disseram num conteúdo

inalterado, mas que é aquele que diz algo a partir de um lugar – da sua reflexão sobre

a crise e de seu espaço de ação. Para Arendt um discurso, uma fala, completa-se por

seu contexto e este contexto envolve o mundo, o espaço que une os homens em suas

diferenças e igualdades. Pensar este conceito, de mundo, o espaço entre os homens, é

pensar o que constitui o espaço “entre os homens”, e isto inclui reflexão e a ação. A

reflexão, pois é por meio desta que o homem constrói sua própria visão a respeito do

mundo em sua contemplação a respeito deste – por seu pensamento. A ação é o espaço

discursivo que funda o mundo humano.

O terceiro conceito que envolve uma resposta crítica para a crise é a ação. Os

homens de ação podem superar a crise sem compreendê-la (ARENDT, 2008).

56

Entretanto, para responder uma crise de forma crítica é necessário ir ao encontro desta

com uma ação refletida. Como dito anteriormente, o que funda o mundo humano é o

espaço entre os homens, da ação. E a ação refletida oportuniza que esse espaço não

esteja limitado a apenas um julgamento ou uma ideia sobre o mundo – o que seria a

raiz do mal para Arendt, como descreve em “A vida do Espírito” (ARENDT, 2000). A

ação refletida é fruto da compreensão, o exercício intelectual do pensamento em diálogo

com a tradição. A crítica da crise, no entanto, não pode permanecer, como tem sido a

reflexão, uma tarefa solitária. A ação tem como sua característica uma atividade que

gera espaço político, para preservação da produção humana. E como isso seria feito,

essa atividade política, se não houver uma interação entre os homens sobre a

necessidade de um novo início, e mais, o debate sobre esse novo início. Assim, a ação

refletida surge exatamente no espaço da diferença entre os pensamentos e de se refletir

sobre esses, se manifestar sobre esse pensamento, e nesse ciclo contínuo se continuar

até que surja uma ação que se oponha à crise de um modo refletido.

Ora, nas três atividades da vida activa, a ação tem a função de conservar a vida

humana, assim como o labor e o trabalho. Entretanto, sua função não é a mesma, na

medida em que o trabalho está relacionado com a permanência básica da existência,

no nível da vontade da vida, de consumir para sobreviver; o labor busca a durabilidade

da existência além da vida mortal, ou seja, construir algo que dure mais que o tempo de

sua existência; a ação, diferente desses dois, cumpre um papel de surgir com novos

inícios, e preservá-los, para dar ao produto do labor e da própria ação, a durabilidade

devida. A ação, em relação à criação de uma tradição, e de preservação desta, está

diretamente associada à memória, que guarda o mundo feito pelo homem que, por meio

de sua obra, tornou-se parte dessa. A ação é o espaço do discurso e das relações

humanas. O espaço entre os homens que funda o mundo e estabelece, nas diferenças:

As três atividades e suas respectivas condições têm íntima relação com as condições mais gerais da existência humana: o nascimento humano e a morte, a natalidade e a mortalidade. O labor assegura o trabalho e seu produto, o artefato humano, emprestam certa permanência e durabilidade da vida mortal e ao caráter efêmero do tempo humano. A ação, na medida em que se empenha em fundar e preservar corpos políticos, cria a condição para a lembrança, ou seja, para a história. O labor e o trabalho, bem como a ação, têm também raízes na natalidade, na medida em que sua tarefa é produzir e preservar o mundo para o constante influxo de recém-chegados que vêm a este mundo na qualidade de estranhos, além de prevê-los e levá-los em conta. Não obstante, das três atividades, a ação é a mais intimamente relacionada com a condição humana de natalidade; o novo começo inerente a cada nascimento pode fazer-se sentir

57

no mundo somente porque o recém-chegado possui a capacidade de iniciar algo novo, isto é, de agir. Neste sentido de iniciativa, todas as atividades humanas possuem um elemento de ação e, portanto, de natalidade. Além disto, como a ação é a atividade política por excelência, a natalidade, e ação a mortalidade, pode construir a categoria central do pensamento político, em contraposição ao pensamento metafísico. (ARENDT, 2007 p. 273)

A ação coloca-se como a portadora do novo início. Por isso é importante notar

que Arendt dá o destaque à natalidade para a ação em contraposição à mortalidade no

pensamento. Quando Arendt diferencia a imortalidade da eternidade em “A condição

humana” tem o objetivo de ressaltar a importância da experiência de “morrer” para as

coisas do mundo, para poder entrar no reino do pensamento. Entretanto, esse novo

início não é universal, mas daqueles que participam da crise e como a encaram. Assim,

o espaço da ação é o lugar necessário de se destacar as diferenças, reconhecer que “a

pluralidade humana é a paradoxal pluralidade de seres singulares” e que “Essa distinção

singular vem à tona no discurso e na ação” (ARENDT, 2007 p.184). Dessa maneira,

para alcançar a ação refletida, é necessário se acrescer esses dois elementos, e neles,

buscar valorizar a pluralidade dos singulares.

1.2.2 Consequências da resposta crítica – crise, oportunidade e arbitrariedade

Após descrever o que é necessário para uma resposta crítica e para uma

resposta preconceituosa, há de se analisar as consequências de cada uma.

Na oportunidade dada pela crise é necessário conciliar dois mundos, o lugar do

ineditismo e ruptura que possibilita a crise no pensamento, e o não lugar do pensamento

que possibilita o eu pensante distanciar-se do lugar da crise. Em outras palavras, sair

do lugar da crise para compreendê-la. No exercício de compreensão da crise, o

pensamento é o que permite o deslocamento do eu para diálogo com o conceito.

Primeiramente, ao aproveitar a oportunidade para a reflexão dada pela crise,

permite-se ressignificar o seu cenário e a própria crise, que apesar de ser algo que está

no cotidiano do homem, é uma palavra que pertence ao reino do pensamento por

remeter ao exercício da racionalidade, como já mostrado anteriormente em Bornheim

pela análise da palavra krisis. Entretanto, a crise é também uma palavra da atividade, e

está na preservação dos espaços de ação e da tradição. E aqueles que aproveitam a

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oportunidade dada pela crise de compreendê-la por esse sentido assumem a sua

responsabilidade pelo mundo, seu protagonismo no mundo e diante da crise − não

apenas como homens de ação, mas como parte de uma ação coletiva e refletida que

vai ao encontro da crise.

O resultado desse esforço, desse exercício, é um novo início, como já falado. A

superação da crise, no entanto, não é necessária, e o sucesso na ação refletida

tampouco. Por mais que uma ação refletida possa diferenciar-se em “estar em diálogo

com a crise” e buscar reavaliar os parâmetros usados para confrontá-la, o grande trunfo

da crise diante do homem, que está na inexatidão da política e da própria ação, é sua

arbitrariedade. Como a esfinge de Sófocles, a crise pode reaparecer com novos

enigmas em uma nova face, cabendo ao homem reconstruir todos os seus parâmetros

novamente, e o exercício da compreensão permanecerá, então – interminável. O

processo de enfrentamento da crise, para aqueles que são corajosos em dar uma

resposta crítica – de reflexão em diálogo com a tradição e uma ação refletida – devem

ter em mente, então, que essa resposta não é pronta ou acabada, mas está, como as

faces da crise, em constante mudança.

A crise é o momento do “entre o passado e o futuro” de Arendt, do “Não há

testamento que precedeu nossa herança” de René Char, e do “De fato, vivemos em

tempos Sombrios” de Bertolt Brecht. Entretanto, também é o momento de Mario Ferreira

dos Santos que, em sua filosofia da crise, afirmou que se não assumíssemos o

protagonismo no lugar de onde estamos, nunca venceríamos a crise. Sobre isso Arendt

fala que

com a perda da tradição, contudo, a dúvida geral da época moderna invadiu também o domínio político, no qual as coisas assumem não apenas uma expressão mais radical como se tornam investidas de uma realidade peculiar ao domínio político (...) com a perda da tradição, perdemos o fio que nos guiou com segurança através dos vastos domínios do passado; esse fio porém, foi também a cadeia que aguilhou cada sucessiva geração a um aspecto predeterminado do passado (ARENDT, 2011 p.130).

A tradição é o ponto de referência para o eu. Os dois pontos que a crise dá ao

homem parecem ser positivo ou negativo. O primeiro, positivo, é libertar o homem da

“cadeia” que limitou suas possibilidades, como um “predeterminado passado”. O

segundo, negativo, é apenas uma aparente negativa, por perder o ponto de segurança

que guiou o homem, nos vastos domínios. Entretanto, a perda dessa mesma segurança

59

não deve ser encarada como algo simplesmente negativo. Pois a oportunidade da crise

está exatamente ao se chocar o novo com o velho, na perda dos velhos parâmetros,

para se aproveitar os aspectos negativos da crise como espaço para novos inícios.

Quando um professor entra na sala, ele está carregado com a tradição que representa

o velho que entrará, naturalmente com o novo que o aluno carrega. Esse choque é

constante e o professor deve estar aberto à crise, assim como para pensá-la de modo

a propiciar momentos de uma ação refletida em sala de aula, propiciar que o próprio

aluno possa agir de tal modo.

Como a compreensão é um trabalho interminável de diálogo com a crise, assim

também é a construção de um ponto de referencial do sujeito – aquele perdido com a

crise. O resgate da tradição é um trabalho interminável. Pode se abandonar a

compreensão de um fato sob o olhar de um autor ou autora, mas os problemas práticos

continuam em sua relação com o pensamento e precisam de novos olhares para

repensar as novas faces da crise. O papel do professor de conservar a tradição e de

apresentá-la sob um olhar crítico está ligado ao diálogo com a crise, refletindo com a

turma sobre a tradição a partir de seu contexto.

Um dos trechos centrais do artigo “A crise na educação” associa o conceito de

crise ao conceito de reflexão, e contrapõe-na ao preconceito. A crise é um momento

que pode ser respondido de duas formas, e a reflexão – que não está estabelecida por

um dom divino, ou capacidade intelectual – é a viva resposta que a natureza da crise

exige, uma pergunta àquilo que estava dado como certo e acertado, de modo que, a

reflexão é o momento em que novas perguntas, ou velhas, são levantadas na crise, para

pô-la em xeque. Isso é incômodo para aqueles que estão vivenciando a crise, pois suas

certezas já estão abaladas. Entretanto, cabe desconfiar dos juízos indubitáveis e das

respostas prontas para a crise, com a finalidade de construir um juízo mais amplo e que

não oportunize preconceitos. Na crítica de Arendt, há o problema de que o ensino

Americano teve de se tornar um ensino para as massas. É um desafio se pensar numa

escola de massas, pois essa escola tende a setorizar os alunos em tipos de habilidades

e tende a apagar as diferenças entre os indivíduos com a finalidade de que se as

habilidades sobressaiam e, assim, a escola possa se especializar em fornecê-las ao

mercado de trabalho. Com isso, o aluno tende a escolher por estudar aquilo pelo que já

tem “aptidão”, ou uma espécie de facilidade, por exemplo, alunos que decidem pelos

60

grupos de estudos de ciências e cálculos.11 Entretanto, mesmo o ensino de massas

sendo, aparentemente catastrófico, é uma oportunidade para o ensino de filosofia como

o lugar da crise. Neste sentido, a crise é uma oportunidade, pois é sobre essas mesmas

questões que se deve pensar o lugar onde se está, ou seja, as questões atuais são

quando o tempo e lugar do próprio professor entra em choque com o tempo e lugar dos

alunos. Segundo Arendt:

Uma crise nos obriga a voltar às questões mesmas e exige respostas novas ou velhas mas se torna um desastre quando respondemos a ela com juízos pré-formados, isto é, com preconceitos. Uma atitude dessas não apenas aguça a crise, como nos priva da experiência da realidade e da oportunidade por ela proporcionada à reflexão (ARENDT, 2011 p.223)

Nesse mesmo trecho, Arendt reconhece que é da natureza da crise obliterar

preconceitos e instaurar novos inícios. Em outros termos, para os que não acreditam

que a crise é uma oportunidade para a reflexão, permanecendo com o velho, é papel

daqueles que refletem sobre a crise mostrar que se deve olhar para esta sob novos

olhares. Ao remover, ou destruir o velho, a crise propõe que aquele que a está

vivenciando tenha a oportunidade de protagonizar novos inícios. E dessa maneira, a

oportunidade para a crise insiste em ser colocada para o homem, mesmo que esse siga,

respondendo a essa de uma maneira preconceituosa. Em meio à crise, e mesmo à

catástrofe, há a oportunidade para a reflexão, e para se pensar a possibilidade de um

novo início, de voltar atrás, em vez de se seguir com a resposta preconceituosa.

A catástrofe, por mais aguda que seja, não pode deixar de ser humana, e, por

isso, a crise torna-se cada vez mais um objeto da política. Os monstros e as atrocidades

e os terrores da própria humanidade não deixam de ser humanos. As catástrofes

políticas, econômicas, educacionais; as crises planejadas por governos para enriquecer

a poucos, e os que participam desses projetos por obediência a um ideal, a uma

instituição ou mesmo a um nome, devem ser encarados por um olhar problematizador.

Qual é o papel da política? Tem ela algum papel, após tantas atrocidades? Essas

questões se renovam após atrocidades tais como o holocausto na Segunda Guerra em

11 Notou-se que crítica de Arendt sobre essa proposta é colocada pela Reforma do Ensino Médio do governo

brasileiro proposta na medida provisória No 746/2016. A proposta do governo recebeu críticas por diferentes motivos, dentre eles, uma falência discursiva, que aproxima-se da reforma do sistema educacional americano. Isto, pois ambas propõem uma reforma drástica no modelo da escolhas das disciplinas por meio da não obrigatoriedade de matérias como Filosofia, Sociologia, inserindo-as em grupos que o aluno pode escolher para estudar segundo suas aptidões. Disponível em: www.planalto.gov.br/ccivil_03/_Ato2015-2018/2016/Mpv/mpv746.htm

61

meados do século XX ou a crise dos refugiados no início do século XXI. E ao se

renovarem, exigem novas respostas, ou velhas – as respostas preconceituosas.

1.2.3 Consequências da resposta preconceituosa – bons alunos aguçando a crise

A resposta preconceituosa não mede as consequências dos atos, não reflete ou

questiona sobre os acontecimentos que envolvem o outro ou mesmo sua comunidade

como um todo. O papel do professor nessa resposta preconceituosa pode se colocar

exatamente como um transmissor de uma doutrinação e de um emissário da crise. A

crise, nesse caso, se torna como um vírus contagioso que por meio daqueles que não

se vacinam ou não tomam as medidas necessárias – embora no caso da crise prática

não haja medidas exatas – eles podem não apenas ser contaminados, mas tornarem-

se vetores do vírus. Por isso, a resposta preconceituosa à crise na educação, como

denuncia Arendt, aguça a crise. Pois não enxerga suas consequências, apenas segue

as regras que lhes são impostas.

A intenção consciente não era de ensinar conhecimentos, mas sim de inculcar uma habilidade, e o resultado foi uma espécie de transformação de instituições de ensino em instituições vocacionais, que tiveram tanto êxito em ensinar a dirigir um automóvel, ou a utilizar uma máquina de escrever, ou, o que é importante para a “arte” de viver, como ter “êxito” com outras pessoas e ser popular, quanto foram incapazes de fazer com que a criança adquirisse os pré-requisitos normais de um currículo padrão (ARENDT, 2011 p.284)

Assim, a crise na educação, muitas vezes é mais um projeto de poderosos que

desejam usá-la como um instrumento ideológico, do que um acidente. A resposta

preconceituosa, não acompanha esse movimento consciente de transformar a crise, de

maneira jeitosa, para os desejos privados de governantes, mas sim de, por “ações

vazias” e impensadas, transformar o ensino e a escola em uma instituição em que não

há espaço para manifestações pessoais. As consequências disso não são só

desperdiçar a oportunidade valiosa da reflexão dada pela crise – e conjuntamente a

essa, todas as outras respostas para a crise provenientes de uma reflexão, como uma

ação refletida –, mas de reproduzir em suas mais diversas possibilidades a crise, sendo,

cada vez mais engolido pelo sistema que a moldou e estabeleceu.

1.3. O papel da compreensão na crise na educação

62

A compreensão, como mostra Arendt, no artigo, “Sobre a natureza do

totalitarismo – uma tentativa de compreensão”12, é um exercício que não termina e,

depara-se, constantemente com a crise. A crise, como parece mostrar esse ensaio, é o

motor da compreensão, e a compreensão o motor de uma viva resposta que constrói o

“eu” numa forma autêntica, crítica. Encarar a crise como se fosse inabalável aos

choques recebidos pela realidade é um sonho impossível, ou como se fosse possível

ignorar os desequilíbrios sociais, econômicos, e de outras ordens, advindos de tais

choques – internos e externos.

Para vencer a crise se estabeleceu um discurso de que essa deveria ser

superada como um fantasma, e vencida por um herói. A mistificação da crise é usada

pela doutrinação ideológica e pela resposta preconceituosa, de modo que essa não

procura compreender a crise, mas por um prejulgamento que estabelece uma resposta

pronta e acabada para essa por meio de um preconceito, por juízos preestabelecidos.

Para fazer parte do heroísmo proposto pelo partido nazista estava a adesão de sua

resposta preconceituosa em relação à crise. Aqueles que quisessem fazer parte do

heroísmo do governo nazista ao enfrentar a crise e, principalmente, de Hitler, no

movimento de superar o fantasma da crise precisariam entregar o seu próprio heroísmo,

e sua moral para o governo nazista – e seu ideal preconceituoso da crise. Assim, o herói

que vence a crise é idealizado nas propagandas nazistas e no ensino como um mito,

um herói, uma raça superior. Essa raça seria aquela capaz de vencer a crise. Com essa

solução pronta, o governo nazista foi capaz de radicalizar a resposta à crise por meio

de seus preconceitos no que ficou chamado “solução final”13. Ao contrário disso, a

compreensão trata-se de desmistificar a crise. Ir de encontro do que se entende por

sagrado para as velhas respostas, mesmo que isso signifique ir contra as velhas

respostas.

O primeiro sentido da compreensão – em seu diálogo com a crise – não vai

contra homens, grupos, mas contra o próprio discurso que está posto por aqueles que

12 O artigo se encontra no livro com uma coleção de ensaios de Arendt, escritos entre 1930-1945, chamado

“Compreender Hannah Arendt”. (ARENDT, 2008) 13 A solução final se refere ao plano de higienização da Alemanha, expulsa aqueles que não se enquadravam na

resposta preconceituosa nazista da crise – voltando-se mais para os judeus. Nesse projeto, essas pessoas forram expulsas do país ou levadas para os campos de concentração. Esse processo culminou no genocídio de mais de 6milhões de judeus – um terço da população mundial do povo judeu na época e dois terços dos que viviam na Europa. (ASSY, 2005)

63

tentam fazer perseverar a crise de modo preconceituoso. E o exercício dessa

compreensão deve ser o contrário do movimento da resposta preconceituosa,

mostrando que a crise é fruto, principalmente, de ações vazias de pessoas banais que

não refletem sobre aquilo que estão cometendo. A compreensão é um exercício

fundamental aos homens, estabelecida pelo senso comum – mas esta é, e deve ser

posta à prova pela crise. Então, a compreensão movimenta-se constantemente na

reorganização e sustentação desses pontos de referência que estão no intelecto, mas

interferem diretamente na política por formar e reorganizar a peculiaridade de cada

discurso.

A compreensão é, em si, um empreendimento estranho. No fim das contas, talvez apenas expresse e confirme aquilo que a compreensão preliminar, que sempre está diretamente envolvida na ação, de maneira consciente ou inconsciente, sentiu como ponto inicial para agir. Ela não escapará a esse círculo, mas, pelo contrário, estará ciente de que qualquer outro resultado estaria tão distante da ação, cuja outra face é a compreensão, que nem poderia ser verdadeiro. E esse processo tão pouco evitará o círculo que os lógicos qualificam como vicioso; sob esse aspecto, ele até pode se assemelhar um pouco à filosofia, em que os grandes pensamentos sempre giram em círculo, envolvido o espírito humano num interminável diálogo entre si e a essência de tudo o que existe. (ARENDT, 2008 p.344 grifo nosso)

Como se pode entender a citação, os dois ensaios de Arendt sobre a

compreensão (ARENDT, 2008 pp.330-346; 347-380) possuem um papel de formação

da consciência do eu. O passado, a memória, que se perdeu, tornou as transformações,

cada vez mais rápidas, pois não há um referencial. A compreensão é a chave para

resgatar esse eu: o motor para resposta da crise.

A crise da tradição, que se perdeu, deve ser construída numa busca por sua

presentificação a partir da compreensão da crise. E, em cada crise que se põe, se exige

novas respostas, a compreensão é exercida naturalmente como questionamento de seu

tempo e, como resultado, se dará novas respostas. Deste modo, construindo-se

construirá um presente a partir daquilo que se perdeu – tarefa essencial para todo

aquele que deseja assumir o protagonismo de sua própria vida.

Sem esse tipo de imaginação, que de fato é a compreensão, nunca seríamos capazes de marcar nossas referências no mundo. É a única bússola interna de que dispomos. Somos contemporâneos na exata medida do alcance de nossa compreensão. Se quisermos superar o estranhamento e ter uma moradia neste mundo, mesmo ao preço de adotar como lar este nosso século, temos de tentar participar do interminável diálogo com a essência do totalitarismo. (ARENDT, 2008 p.334)

64

Esse trecho final do texto “Compreensão e política (as dificuldades da

compreensão)” (ARENDT, 2008) mostra como o exercício da compreensão deve

manter-se atual e constante, inclusive no professor de filosofia. Não há uma

atemporalidade nem um término na apresentação da tradição, como se se houvesse

alcançado a resposta final. A compreensão é estar em constante embate com “nossas

referências no mundo”, e por meio delas, entrar num embate ainda maior, com “o

alcance da nossa compreensão”. O mundo ao nosso redor está em constante mudança

e é maior do que podemos medir ou nosso entendimento possa alcançar. Compreendê-

lo com uma resposta lógica ou utilitária sempre limita a resposta para a crise, na qual o

fim e os meios tornam-se conteúdos vazios e voltam-se um ao outro, sem ter uma

origem real. Assim, esse importante ponto de referência, deve estar sendo construído

constantemente por aqueles que têm a responsabilidade de preservá-lo – e de reformá-

lo.

1.4 A importância do julgamento na superação da crise

A natureza crítica do pensamento nasce dessa forma, pois é como antes referido

à razão como crise, uma forma de separação e discernimento de si mesmo como se

fosse outro, e do diálogo com a atual crise no espaço do pensamento.

Em seus estudos sobre a filosofia política de Kant, Arendt compreende o julgar

por elos que existem nas primeira e segunda partes da terceira crítica, e conclui que,

nesse sentido, o julgamento possui três características peculiares que devem ser

destacadas: 1) que a lei moral na primeira parte da Crítica do Juízo é válida para todos

os seres inteligíveis, enquanto na segunda parte da Crítica, tem uma validade

“rigorosamente limitada aos homens da Terra”. Assim, as relações de síntese a partir

de uma validação do julgar não seria posto pelo senso comum apenas, mas esse juízo

poderia ser construído pela convivência entre os homens. E isto, na medida em que

estes se permitem repensar e conservar a herança rompida pela crise. Ao expor esses

pontos a si e aos outros, a pessoa obriga-se a depurar seu julgamento sobre as coisas,

numa luta contra seus próprios preconceitos – ou as verdades dadas que muitas vezes

regem seus julgamentos. 2) o belo, que na primeira parte lida com juízo a partir de

65

particulares já buscando uma noção universal nestes, enquanto na segunda parte é a

“impossibilidade humana de derivar qualquer produto particular da natureza de causas

gerais”(ARENDT, 2007 p.371). Isso quer dizer que o juízo humano parte de critérios

subjetivos, por isso deve estar em constante diálogo com a crise e com outros juízos. 3)

É a possibilidade de se perguntar pelo belo em sua universalidade que divide as

questões de “por quê razão há simplesmente capim, e não há essa folha particular de

capim”(ARENDT, 2007 p.371). A capacidade de tomar decisões e fazer conexões a

partir da imaginação está diretamente ligada ao julgar, que parte de critérios subjetivos

ao universalmente belo. O questionamento sobre se o capim é importante ou não, está

referindo-se ao contraste entre a folha e a capacidade do homem de julgá-la como

simplesmente capim, apesar de ser apenas um particular – folha. Através desse

princípio, o julgamento serve-se da capacidade do homem de pensar por meio de

relações objetivas, coletando informações e fazendo conexões entre elas

constantemente.

O julgamento, assim ganha três características que são essenciais para a

condição humana, e especialmente para na política, mantendo-se como um critério para

suas relações, permitindo ao homem definir critérios para essa faculdade – o juízo – por

noções humanas, particulares em suas diferenças. Entretanto, o maior ganho dessa

faculdade, é que permite ao homem que o julgamento esteja a serviço deste na crise.

Muitas vezes, Hannah Arendt se referiu à natureza crítica depuradora do pensamento, ao seu poder de pôr em evidência e de destruir as opiniões, doutrinas e convicções aceitas sem exame. Para ela, esse questionamento tem um efeito libertador sobre outra faculdade – a de julgar. Ao liquidar com sua força corrosiva, os preconceitos e hábitos mentais – como a feitiçaria e a magia mencionados por Goethe –, a atividade de pensar possibilita ao juízo apreender de forma desimpedida, o aspecto singular de cada coisa. (JARDIM, 2011 p.104)

O julgamento possui a mesma força da reflexão como um exercício crítico.

Entretanto, é necessário que este esteja acompanhado de um depurar do julgamento,

acompanhando o julgar com diferentes opiniões e, principalmente, com uma resposta

crítica à crise. Arendt, em “Entre o passado e o Futuro”, ao falar sobre o julgar, remete

a homens com poder, que contratam pessoas com opiniões divergentes, mas que

tomam as decisões segundo o seu julgamento. E esse julgamento é essencial no papel

da crise. Pois, no confronto de diferentes ideias há a possibilidades do surgimento de

uma resposta que não seja servil à crise. Por meio do confrontamento de diferentes

66

opiniões pode se desenvolver uma resposta crítica à crise, ou o julgamento decidir por

uma resposta preconceituosa, devido a uma série de fatores que estão envolvidos na

arbitrariedade da política.

Todas as atividades do espírito – o pensar, o querer e o julgar – pressupõem a suspensão da vida prática. Elas ocorrem em uma espécie de estado de quietude, que contrasta tanto com as paixões que movem a alma. Em um primeiro momento, o pensamento efetua essa retirada. Em seguida, a atividade espiritual concentra-se na consideração dos eventos singulares. O juízo é a expressão da capacidade humana de discriminar e de avaliar as situações que se apresentam a cada momento. Pode-se afirmar, em uma formulação ainda imprecisa que a atividade do espírito retira-se do mundo pelo pensamento e, em

seguida, retorna a ele pelo juízo. (JARDIM, 2011 p.105 grifo nosso)

Assim, o juízo na crise está presente em momentos-chave, no poder da decisão,

assim como também está discernindo e avaliando situações a todo instante, e tomando

decisões de acordo com nossa capacidade de processar as informações ao nosso

redor. O poder do julgamento na crise é de conectar o exercício da compreensão aos

fatos que estão ao redor do sujeito. O julgar é o reconhecer este lugar, o lugar da crise,

e discernir ele em sua atualidade, trazendo a atualidade da crise para o mundo da

compreensão e vice-versa. Assim, o critério do pensamento, com o diálogo com a

tradição, faz com que o pensamento retorne constantemente para o novo e o velho em

busca de uma reconciliação com o passado perdido, mas também em dar conta da

atualidade da crise.

67

CAPÍTULO 2. A CRISE NA EDUCAÇÃO: O CASO DA PRÁTICA DOCENTE EM

FILOSOFIA PARA UMA TURMA DE ADMINISTRAÇÃO NO CEFET/RJ

2.1 O papel do professor de filosofia a partir do diagnóstico de Hannah Arendt

No capítulo um, expôs-se uma visão majoritariamente teórica da crise e da crise

na educação. Neste capítulo se apresentará uma visão prática da crise na educação.

Busca-se apontar qual o papel do professor de filosofia nessa crise, quais os desafios a

serem enfrentados, especificamente, numa turma de filosofia para administração de

uma instituição técnica federal.

2.1.1 O professor de filosofia enquanto guardador da tradição e seus problemas

A crise, como dito no capítulo um, é um momento único que deve ser aproveitado

pelo indivíduo e pelo grupo para que se torne uma oportunidade para a reflexão e

surgimento do novo. Revisitar a tradição é necessário para se resgatar um parâmetro

que foi tirado pela crise. A resposta crítica aproveita a oportunidade deixada para a

reflexão e para uma ação refletida, entrando em diálogo com a crise até se reconciliar

com o mundo – este em crise. Sabendo que a crise é uma “esfinge de mil faces”, que

reaparece para o homem numa miríade de formas, também foi falado que essa tarefa

de reconciliar o homem ao mundo é infindável, de modo que a compreensão, em seu

diálogo com a crise, começa com o nascimento e termina com a morte.

A tarefa do professor de filosofia está em resgatar, e preservar os parâmetros

perdidos, bem como a tradição, que se rompeu com a crise. Igualmente, deve refletir

sobre a crise, em diálogo com a tradição e de propiciar na sala de aula um ambiente de

intermediação entre o espaço privado e o público.

Em “A condição humana” Arendt descreve a família, como falado no capítulo

dois, é o âmbito do privado, que circunda de uma maneira limitada mais de propriedade

definida, uma primeira noção de propriedade para o indivíduo. Ora, são os membros da

família que “assumem na educação a responsabilidade ao mesmo tempo, pela vida e

desenvolvimento da criança” (ARENDT, 2011 p. 235). Essa responsabilidade, no

68

entanto, por tão privada, volta-se muitas vezes, como afirma Arendt, contra o mundo.

Assim, a família cuida para que o mundo não destrua o novo que chega a este que o

recebe, nem que o novo também destrua o mundo que o recebe. Na escola, é onde o

aluno tem o contato com o mundo pela primeira vez e aprende a ter responsabilidade

com ele.

Normalmente a criança é introduzida ao mundo pela primeira vez através da escola. No entanto, a escola não é de modo algum o mundo e não deve fingir sê-lo; ela é, em vez disso, a instituição que interpomos entre o domínio privado do lar e o mundo com o fito de fazer com que seja possível a transição, de alguma forma, da família para o mundo (…). Na medida em que a criança não tem familiaridade com o mundo, deve-se introduzi-la aos poucos a ele; na medida em que ela é nova, deve-se cuidar para que essa coisa nova chegue à fruição ao mundo como ele é. Em todo caso, todavia, o educador está aqui em relação ao jovem como representante de um mundo pelo qual deve assumir a responsabilidade, embora não tenha feito e ainda que secreta ou abertamente (ARENDT, 2011 p.240)

A questão da autoridade está inserida como uma dos grandes conflitos,

causadores da crise na educação. No caso da América é como se não houvesse

autoridade, uma vez que a autoridade dos professores foi negligenciada. A autoridade,

delegada para as crianças, tornou-se numa ditadura, num totalitarismo de vontades, e

as próprias crianças ficam infelizes, pois estão sem direção em sua educação. A

autoridade esvaiu-se buscando uma superação pedagógica e a referência de Arendt é

a do totalitarismo, que buscou uma superação ideológica e também desequilibrou, ou

abriu mão da autoridade. Nos regimes totalitários, o uso da educação era voltado para

a doutrinação ideológica e propaganda do governo. A instrumentalização do ensino a

favor das vontades privadas de governantes, afirma Arendt, não é autoridade, mas

exercício de força – e às vezes violência. Então, em ambos os casos, a autoridade vinha

sendo renunciada. Seja pelo caminho da força, ou pelo caminho da especialização.

Pois bem: sabemos todos como as coisas andam hoje em dia com respeito à autoridade. Qualquer que seja nossa atitude pessoal face a este problema, é óbvio que, na vida pública e política, a autoridade ou não representa mais nada – pois a violência e o terror exercidos pelos países totalitários evidentemente nada tem a ver com autoridade –, ou, no máximo desempenha um papel altamente contestado. (ARENDT, 2011 p.34)

As questões apresentadas pela crise devem ser problematizados pelo professor

de filosofia – ele não pode ficar indiferente à crise. Isso por sua responsabilidade de

desenvolver um pensamento crítico e sua responsabilidade de levantar os fatos e

discussões sob uma perspectiva filosófica. Assim, tradição e autoridade estão ligadas.

69

A autoridade do professor está ligada com a responsabilidade deste de guardar os

problemas fundamentais da história da filosofia, e do pensamento humano e de

apresentá-los em sala sob uma perspectiva filosófica para seus alunos, de modo atual,

e possibilitando a estes estar em diálogo com a própria realidade. O julgamento do

professor difere daquele dos alunos em relação aos fatos. Alguns julgam melhor 'a' ou

'b', mas ao professor cabe a responsabilidade de estabelecer um juízo comum, ou

oportunizar este juízo. Isso acontece com o choque entre o velho da tradição com o

novo. Se apenas aparecerem novas ideias, novos julgamentos, os alunos

permanecerão perdidos, sem critérios diante da crise.

Entende-se, a partir do parágrafo anterior, o papel do professor de filosofia como

guardador da tradição – e dos problemas fundamentais do pensamento humano – e que

é essencial para a prática do ensino que se proponha dar uma resposta crítica à crise.

Pois, é a partir da reflexão sobre os problemas da tradição, por meio da leitura de textos,

do debate sobre esses apresentados numa perspectiva filosófica, e ao se trabalharem

simulações e jogos que reflitam sobre a atividade pública e desenvolvam nos alunos

responsabilidade pelo mundo, que se terá uma oportunidade para que se enriqueça a

verdadeira função da reflexão em Arendt. Ora, a reflexão da reflexão, para Arendt está

oposta a uma visão solipsista – “de si para si mesmo” (ASSY, 2015 p.78) –, mas deve

ser vista como um diálogo deste com um outro, propondo opiniões distintas daquelas

que ele mesmo possui. Arendt enxerga, propondo a visão socrática como base para

esse pensamento, que o diálogo é a mais alta função do discurso, e dessa forma, no

pensamento, o sujeito coloca-se também numa forma de diálogo de si para um outro.

No pensamento ele: “Torna-se uma alteridade para si mesmo – um self reflexivo –

sugere uma comunicabilidade que envolve tanto a si mesmos quanto aos outros”

(ASSY, 2015 p.78). Assim, trabalhar o diálogo em sala de aula é essencial para se

depurar a reflexão de forma a se propiciar uma visão crítica da crise – e um diálogo com

essa – por meio de uma perspectiva filosófica da tradição do pensamento humano e da

crise.

É certo que o rompimento da tradição exige que o professor traga um novo

significado. Esse “resgatar sob uma nova perspectiva” é o que cabe aos professores,

que possuem a tarefa, segundo Arendt, de “contar a história do mundo” (ARENDT, 2011

p. 284). Entretanto, o dever de guardar essa tradição, para o professor de filosofia,

70

também para aquele que se insere numa graduação de cursos alheios à filosofia, leva

em consideração um método para se trazer a tradição até o aluno e para que esse aluno

entenda o que está sendo trazido. No caso do presente estudo, adota-se o texto de

Mario Porta “A filosofia a partir de seus problemas – didática e metodologia do estudo

filosófico” (PORTA, 2014) para auxiliar como aporte teórico no exercício da crítica da

educação sob a ótica do professor de filosofia.

O livro de Porta apresenta que a tradição do pensamento humano está ligada a

grandes problemas que não são os problemas de autores, mas antes, problemas

concernentes ao pensamento humano. Acredita-se que pensar esses problemas pode

funcionar como uma espécie de deslocamento de método – desviando-se em direção à

crise, sem deixar a história da filosofia ou os temas – ou seja, seriam os problemas, que

envolvem o ensino de filosofia. Outra característica apresentada nesta obra é ser um

livro voltado, principalmente, para graduações, tendo uma ideia do ensino para adultos

que leem outros tipos de textos – e não das aulas de ensino médio. A aula e a seleção

de textos de filosofia para o aluno de graduação deve ser diferente daquela preparada

para o aluno que está no ensino médio. O ensino médio carrega, dentre tantas

possibilidades, como o ensino médio técnico, regular, voltado para jovens e adultos, e

nas escolas particulares e públicas. Nas possibilidades apresentadas, há ainda os

alunos que não veem no ensino médio como um momento de preparo para o vestibular,

e alguns nem pensam em tentar o ENEM. Estão apenas atrás do diploma para um

emprego. Por outro lado, há os que estão no ensino médio motivados por causa do

vestibular e para entrar em uma boa faculdade, e essas dividem-se entre áreas distintas

que, a princípio, para os alunos, muitas vezes não devem conversar uma com a outra.

Com um público de objetivos diversos, o ensino médio torna-se uma proposta

desafiadora e diversa daquela da graduação.

O aluno da graduação de um curso de administração está lá por motivos

específicos, por exemplo, por ter escolhido um curso que “gostava”. Para esse aluno, a

matéria de filosofia, especialmente se fizer parte do ciclo básico obrigatório, apresenta-

se como apenas um resquício do velho ensino médio, ou uma oportunidade de ver a

nova graduação chegando. Nesse caso, será o professor que trará a novidade da

graduação, do pensamento atual e aplicado à profissão, numa reflexão ética sobre o

fazer do administrador. Por isso, a importância do ensino de filosofia para graduações

71

que não sejam de filosofia está nessa transição do velho para o novo. Do velho

significado de ética para o contato com o novo, do velho significado de administração

para o novo, como será tratado adiante. Contudo, deve-se afirmar que para se entrar

em diálogo com a crise por meio de um autor é necessário o choque entre o novo e o

velho, por exemplo – usar o problema da natureza da crise em Arendt para se pensar a

democracia brasileira no início do século XXI. Interessante, antes, notar qual era a crise

de Arendt, com que crise eles estavam em diálogo em seus textos, como Arendt estava

em diálogo com o antissemitismo do século XX e final do século XIX na Europa em “As

origens do totalitarismo”. Por fim, trazer esse tema filosófico para a crítica do professor

e da turma, por meio de suas observações a respeito de sua crise atual. Por isso, é

interessante para esse estudo, trazer a ideia de revisitar a tradição para entrar em

diálogo com um novo entendimento dela – que seja atual de acordo com a crise e

traduzido segundo o julgamento da turma.14

Segundo Porta, a filosofia está sempre relacionada a problemas. Ele chega a

falar que “os grandes filósofos são grandes problematizadores, eles descobrem um

problema decisivo ali onde não se percebia nenhum.” (PORTA, 2014 p.19). Esse

primeiro pressuposto é essencial, que a filosofia, e seu ensino, devem ser feitos a partir

dos seus problemas. Descobrir problemas atuais, e até pessoais, no entanto, não é uma

tarefa pronta e acabada, mas é um exercício de construção, de levantar problemas a

partir daqueles já conhecidos e encontrados. Por isso, é necessário compreender que

estes problemas não são dados, mas são construídos.

A construção de problemas envolve o diálogo com a tradição: “a explicitação de

supostos (e não apenas de tese, mas também do problema anterior) é o que conduz ao

novo problema” (PORTA, 2014 p.20). Por isso, para se construir um problema, é

necessário, antes confrontar questões velhas. Porta dá um exemplo, da construção do

conceito de substância, desenvolvido pela tradição.

Descartes muda o conceito aristotélico de substância. Uma vez estabelecido seu novo conceito, ele se pergunta que substância há no mundo. Responde dizendo que há duas substâncias que são absolutamente heterogêneas: alma e corpo e, coloca assim a ulterior dificuldade de explicar como se relacionam. Tentar superar a mencionada dificuldade será o próximo movimento. Spinoza, radicalizando, o conceito cartesiano, afirmará que só há uma substância e que

14 Notou-se que no caminho percorrido por Porta havia trechos de discordância com a filosofia de Arendt. Assim,

ideias principais do autor foram consideradas em virtude da temática da dissertação. Delas, são usadas a defesa de uma “filosofia a partir de problemas”, os conceitos essenciais sobre como entender de um texto filosófico – capítulo 4 do livro [p.60]– e como a aula de filosofia está relacionada à escrita e à leitura.

72

a alma e corpo não são mais que dois de seus atributos, entre outros; Malebranche, por sua vez dirá que Deus cria permanentemente o mundo e, nesse sentido, a cada instante coloca de modo direto as substâncias em relação (PORTA 2014 p. 49).

Apresentar apenas a história dos conceitos, ou a história da filosofia numa

perspectiva temática, não é a proposta de Porta. Os problemas, vistos em todas as

áreas do conhecimento humano, são vistos como uma produção – discurso, obra – do

homem, que deve ser preservado pelo professor de filosofia numa perspectiva filosófica,

por meio da reflexão. No sentido do exemplo apresentado, “visto retrospectivamente, é

uma exploração sistemática de possíveis soluções às dificuldades do dualismo

cartesiano” (PORTA, 2014 p.49). Explorar a tradição filosófica, no entanto, não é uma

proposta com fim. Por isso, após esses autores, outros lidaram com a substância sob

uma perspectiva que abandonou a de Descartes, e também o próprio conceito de

substância. Hume, Natorp, Cassirer, Ernst Mach, etc. E ainda esses não esgotam o

problema na tradição, que, como bem afirma Porta, “Na Filosofia nunca chega ao

momento de dizer “e viveram felizes (…)”; para o trabalho reflexivo não há redenção”

(PORTA, 2014 p.50). Esse infindável exercício da reflexão é a prática diária de debruçar-

se sobre os grandes problemas da história do conhecimento humano e pô-los em

choque com dilemas práticos da ética, moral, do conhecimento, que estejam

relacionados aos problemas da tradição. E, por mais que busquemos conhecer mais

sobre a tradição, e pensar esses problemas, a conclusão de Porta é que nenhum desses

problemas tem uma resposta certa. Por isso que é importante lembrar que não há ordem

ou fórmula única para se levantar os problemas no seu diálogo com aqueles da turma.

Pois os problemas da turma podem surgir a partir da apresentação da tradição, ou do

debate de um tema filosófico que traga problemas comuns, é uma porta para a inserção

do texto sobre o problema do autor.

A proposta de Porta enxerga o ensino de filosofia como um problema filosófico,

e por esse tratamento, às vezes algumas questões, como as questões perenes da

filosofia, ficam sem uma aparente resposta final (como a questão da verdade, realidade,

do sujeito, da liberdade, etc.). A ousadia de se perguntar sobre o ensino de filosofia

volta-se para um campo que também ficará muitos momentos em aberto, pois toca

constantemente nessas questões perenes que são alvo de uma problematização da

tradição e de cada professor e aluno. Qual a maneira certa de se ensinar filosofia? Seria

73

a partir de seus problemas? Se assim for, qual método usar? Porta diz que mais

importante que responder os problemas é levantá-los (PORTA, 2014 p.14). Ao longo do

processo de construção de um problema e de solução do mesmo, muitas perguntas

ficam sem resposta, o que é muito saudável para a filosofia, pois é o que nos motiva a

continuar perguntando. Estar atento para as dúvidas sobre o próprio ensino de filosofia

e as próprias questões não respondidas na prática é um passo importante para

prosseguir investigando e, principalmente, propondo soluções criativas para suas

próprias crises dentro da sala de aula. Por mais aflitivo que possa parecer, oferecer

problemas filosóficos, com uma série de soluções – e às vezes nenhuma resposta – na

verdade traz o propósito de construir uma compreensão textual no aluno, de que ele

possa debater o texto e também possa criticá-lo. No final, está associado a uma noção

de uma atividade filosófica. E se a filosofia é uma atividade, o pensamento é apenas,

para Porta, parte dessa atividade. Porta acredita que a ideia de uma filosofia a partir dos

seus problemas está tanto no pensamento – que estaria na ideia de compreensão dos

problemas – quanto na parte prática que está associada à solução destes, seja ao

debate, ou um momento que complemente a este.

Assim, o professor não é apenas o guardador dos problemas fundamentais da

tradição do pensamento humano, mas é responsável por apresentar esses sobre uma

perspectiva filosófica, sendo aquele traz a oportunidade de se refletir sobre esses

problemas para a sala de aula, – e isso quer dizer – apresentar a tradição a partir de

seus problemas. Essa tarefa, naturalmente, é própria do professor de filosofia, mas para

Porta, sempre que alguém estiver pensando estes temas por esta perspectiva, dará um

passo importante em direção ao exercício do que ele chama de philosophycal way of

thinking. Essa perspectiva guarda uma peculiaridade, pois uma ação refletida (voltando

para Arendt) exige – se entendemos que a reflexão está em diálogo com os problemas

da tradição numa perspectiva filosófica – um modo filosófico de se pensar.

Assim como o professor é o responsável por guardar e manter esses problemas

fundamentais, apresentando-os numa perspectiva filosófica, ele deve colocar em xeque

a tradição, sendo um agente de crises para os parâmetros do sujeito e oportunidades

para reflexão dentro de sua própria sala de aula. Ora, a perspectiva filosófica não é outra

senão problematizar essa tradição em diálogo com a crise em seus problemas mais

atuais. Como fazê-lo? O novo está no aluno e nas crises enfrentadas por ele, assim

74

como nas “crises do nosso tempo” (ARENDT, 2011). A atualidade da crise é aquela que

está nos jornais, que é vista pela janela de casa ou pode ser ouvida nos corredores do

trabalho. É a crise do homem médio que não pensa em reavaliar suas relações em seus

diversos níveis, mas continua a reproduzir a crise em todas elas. O futuro administrador

possui diferenças fundamentais em relação às crianças, sendo estas o principal objeto

do texto de Arendt. Por serem de mais idade e terem mais vivência de vida, são em sua

grande maioria maduros emocionalmente para participar na aula em certos momentos

por meio de seminários, oficinas e outros métodos, por uma transmissão de autoridade.

Além disso, talvez a diferença fundamental, é que os alunos de administração já

participam do espaço público15. A reflexão sobre o reino das perguntas e, mesmo não

sendo o todo do que Porta chama de “atividade filosófica”, é a capacidade de fazer

perguntas, e até o perguntar sobre as próprias perguntas – o que porta chama de “teoria

de interrogação” – que aparece como a chave da reflexão sobre o problema estudado.

Sobre apresentar a tradição, Porta afirma que a aula começa na escrita, no

preparo da aula, e transforma-se em uma tradução desta escrita em várias formas

possíveis, mas o referencial é sempre a de escrita e leitura. Para este autor, uma

diferenciação primária entre o exercício da escrita e o exercício da leitura é que na

escrita se elabora um discurso lógico a partir de parâmetros construídos ao longo do

texto, enquanto na leitura se está construindo um discurso lógico com parâmetros

lógicos preestabelecidos. Entretanto, essa mesma diferenciação, para Porta, é

considerada insuficiente, e o autor vê a necessidade de enxergar a leitura de um texto

filosófico de um modo mais próprio. Ora, quando se está lendo um autor, é necessário

compreender o que o texto diz. E a respeito disso, se refere não só às teses principais,

mas à estrutura argumentativa lógica do texto, de modo a poder traduzir o texto com

suas próprias palavras para qualquer pessoa. O conceito de tradução16, referido por

15 É importante lembrar que o professor não deve renunciar sua autoridade por completo, mesmo reconhecendo que

os alunos são mais maduros – pois essa autoridade está associada com sua responsabilidade de ensinar os alunos sobre o mundo e sobre a responsabilidade sobre esse – sobre o amor ao mundo. Entretanto, reconhece-se que há a possibilidade de alunos, como jovens adultos, cooperarem com o professor na função de ensinar aos colegas, por meio de pesquisa, seminários e resenhas. Uma coisa que se nota, é que essa autoridade no aprendizado pode ser gradativamente dividida com mais liberdade com os estudantes dos cursos, na medida em que se desenvolve um degrau no aprendizado maior ao longo de um curso ou disciplina. O aprendizado relaciona-se tanto ao domínio dos problemas da tradição quanto à capacidade de relacioná-los com a atualidade de sua história, sendo capaz de repensar valores pessoais e coletivos e propor novos inícios.

16 O conceito de tradução em Porta envolve a “retradução lógica” por parte do aluno, que seria o que ele chama de

“modalização veritativa” da tradução anterior. Para compreensão desse conceito ver: (PORTA, 2014 pp.70, 71.)

75

Porta, é a ideia de que um texto, uma vez entendido pode ser explicado de n maneiras

para aquele que o queira entender (PORTA, 2014 p. 57). Portanto, a tradução envolve,

a necessidade de se compreender o texto.

Sobre checar se se compreendeu o texto, o aluno pode ter a ideia de que

entendeu o texto filosófico, se: revisar a parte linguística, ou seja, se tem certeza que

eliminou qualquer dúvida em relação a qualquer palavra que não entendia no texto: se

compreendeu alguma frase de modo errado por considerar sua estrutura linguística –

para Porta é preciso reler o texto, também, porque muitas vezes há falta de atenção;

revisar a parte técnica, o aluno deve buscar contradições dentro do texto em sua

interpretação, para explicar o texto usa muitos dos próprios pressupostos para dar conta

da explicação do texto: se já esgotou os recursos hermenêuticos de compreensão do

texto – a leitura do círculo hermenêutico da parte-todo deve ser “esgotado” –, e se

houver alguma passagem difícil, o aluno não deve se acovardar, pois deve ter a certeza

que, como qualquer um, pode entender o texto filosófico. Para Porta, compreender um

texto filosófico não é um exercício para gênios. É certo que alguns textos estão

carregados de mais pressupostos que outros, e por isso exigem, talvez, leituras

anteriores. Mesmo assim, nenhum texto filosófico é escrito para ser ininteligível.

Entretanto há passagens mais difíceis, e o não entender tem um rico papel no

aprendizado filosófico. Embora, o círculo hermenêutico da interpretação descarte uma

infinidade de possibilidades na leitura desses filósofos, há um importante papel em

buscar uma compreensão dessas passagens. Pois, são essas “passagens difíceis” que

nos dão o acesso às diversas possibilidades do labirinto dos problemas envolvidos nas

suas obras, dos pensadores da tradição.

O não entender é uma fonte inesgotável de problemas, e, por tal razão, parte essencial da própria filosofia, e não apenas de seu estudo. A única atitude filosoficamente possível de certas colocações confusas, vagas ou absurdas é não entendê-las. Nem tudo em um texto filosófico é compreensível (PORTA, 2014 p.60 grifo nosso).

Assim, além de compreender um texto, ao refletir sobre ele, é importante,

também poder tomar posição diante do texto. Ter a coragem de perguntar ao autor, de

colocar-se “de pé”, de ir ao encontro do problema construído pelo autor e dizer algo

próprio sobre ele. Entender é importante, pois é por entender que o aluno é capaz de

“explicitar o sentido de um texto”, mas é necessário interpretar, o texto, que se entende

76

como “completar tal sentido em alguma direção” (PORTA, 2014 p.60). Esse completar

envolve o posicionamento do aluno que é trabalhado pela pergunta e a pergunta-

resposta está não só no aluno consigo, mas no debate. Nesse ponto, a capacidade de

distinguir onde está o problema do autor se sobressai em meio ao debate, e o texto

torna-se um retorno para o professor – nos momentos necessários. Seus principais

argumentos, sua atualidade e relevância, podem enfim, pronunciar julgamentos através

do diálogo com problemas atuais.

A filosofia, nesse momento, deve ser capaz de fazer continuidades entre autores,

problemas sem dificuldades, independentemente de época ou circunstância. Seja uma

continuidade entre Frege e Husserl, ou Nietzsche e Aristóteles, as continuidades são

necessariamente parte da filosofia e os problemas estão na tradição filosófica assim

como, uma vez apropriados pelos alunos, também são parte do seu cotidiano. O círculo

hermenêutico está não apenas numa atividade textual, mas a atividade filosófica é,

talvez, principalmente, não textual.

A reflexão sobre o texto e sua leitura não são sinônimos. A primeira supõe atividades que não são stricto sensu de leitura: deixamos de “ler” para passar a “dialogar com ele”. Este diálogo, justamente porque é diálogo com o texto, não o abandona, porém o transcende (PORTA 2014 p.74).

Um aspecto importante sobre a interpretação é, que, apesar de transcender o

texto, e se posicionar sobre o texto, ela não é uma violência com o mesmo, e sempre

volta-se em diálogo com ele, buscando desenvolver suas ideias. “A aparência de

arbitrariedade que ela possui é mera aparência. Interpretação só é possível a partir de

uma significação dada e como complemento que esta exige” (PORTA. 2014 p. 99).

Assim, a interpretação nunca tira do texto original seu significado, seu sentido, mas está

sempre agregando a este mais leituras possíveis. E, para que isso se concretize na sala

de aula, de modo crítico e atual, o debate cumpre um importante papel. E então, neste

ponto que talvez represente o principal papel do professor, de desenvolver em sala, o

aprendizado em forma de diálogo, à medida que oportuniza a tradução e retradução por

meio de diferentes compreensões de um texto, através de leitura de textos e debate. A

clareza no pensamento, expressão, articulação, segundo Porta, são pontos esquecidos

pelos professores, mas que exercem grande impacto nesses momentos:

O diálogo é a condição essencial tanto na produção de filosofia quanto no seu aprendizado. A filosofia se produz e se aprende no diálogo, e não na leitura solitária de textos. É por isso que ele não pode estar subordinado ao texto e ser

77

um mero auxílio ao serviço de sua leitura, mas sim ter um valor autossuficiente. Se alguma redução tem sentido é que a leitura do texto é uma modalidade de diálogo e não o diálogo uma modalidade de texto. (PORTA, 2014 pp. 99, 100)

Um professor de filosofia deve abrir espaço para que crises como essas possam

ser alvo de crítica de seus alunos e para as respostas inesperadas. O novo surge a

partir da quebra entre uma geração e outra. Em suma, tentar anular a voz da nova

geração na sala de aula é o método que se opõe ao ensino crítico, dar a esta a única

voz é propiciar à crise uma resposta preconceituosa.

Porta critica aqueles que elaboram suas aulas previamente pensando que ela

começa com uma escrita, e então se segue com uma leitura – o que se faz numa

conferência, porque os alunos não participam em nada da aula. Ele também critica os

professores da academia que tomam essa postura pedagógica, dizendo que

Dar conferências significa, de fato, ler um escrito em público de forma tal que inclusive o possível diálogo ou as possíveis perguntas terminam sendo subordinadas a ele (...) em suma, a onipotência do texto produz um empobrecimento do trabalho intelectual, pois já não se obtém um benefício adequado das suas diferentes modalidades. Nisso a filosofia tem muito a aprender da relação teatro-literatura. (PORTA, 2014 p.45)

Como apontado no trecho acima, a onipotência do texto limita as possibilidades

de interpretação e apropriação pela turma, e ainda por cada estudante que se depara

com este. Assim, transpor a onipotência do texto é uma exigência do ensino de filosofia

para que esse se encontre como ensino crítico, que se estende em seu caminho além

da compreensão lógica, mas também para uma retradução pessoal e original e profunda

do texto. O texto deve voltar para a turma em diferentes formatos. Embora critique meios

alternativos para acessar o aluno, buscando métodos puramente intelectuais, Porta

acredita que a modalidade textual e não-textual pode ainda ser acrescida de muitas

interpretações. Neste sentido, acredita-se que, por meio de debates, ensaios, oficinas

filosóficas voltadas para problemas da área estudada pelos alunos, entre outros, o

mesmo possa enxergar uma possibilidade de reflexão do problema filosófico e de uma

verdadeira interpretação e posicionamento sobre o texto, que busquem compreendê-lo

com o rigor necessário.

Essa tarefa, entende-se, é voltada para alunos de no mínimo 17 anos, que, em

sua maioria, possuem participação no espaço público. Nesse caso, é necessário voltar-

78

se para o conceito da ação refletida – a finalidade da “atividade filosófica”. Porta não é

um filósofo arendtiano, nem defende que a finalidade “última” de que uma atividade

filosófica seja uma ação refletida, mas cabe defender que é aplicável para atividade

filosófica, num momento de debates, o que vêm sido chamado repetidas vezes neste

estudo de propiciar ao aluno a oportunidade de uma resposta crítica à crise. E, como

dito anteriormente, que entrar em diálogo com a crise propicia a oportunidade de uma

ação refletida. E essa resposta crítica possibilita um novo início por meio do conceito de

ação – no caso uma ação refletida. Por isso, cabe dizer que o professor de filosofia

estimula essa atividade nos alunos. Ora, em Porta, essa atividade filosófica é tratada

como intelectual, assim como para Arendt, mas envolve um espaço de liberdade do

aluno, do qual o professor não pode se apropriar.

Ninguém frequenta uma academia acreditando poder “definir” o abdome apenas por observar o professor fazer abdominais (…). Ninguém pode esperar que somente pela mera presença física a sala de aula consiga um crescimento intelectual significativo. Ainda que possa receber vários subsídios para melhorar o resultado, há algo que só ele pode realizar. O momento da atividade é absolutamente insubstituível; sem ela não há apropriação. (PORTA, 2014 p.97 grifo nosso)

Dessa maneira, o objetivo do professor de filosofia à luz de Arendt, segundo o

nosso estudo, não é pensar pelos alunos. Não é estabelecer os problemas para que

esses estejam colocados como que existindo desde sempre para os alunos; mas o papel

do professor é apresentar esses problemas numa análise crítica da atualidade, de modo

que se possa oportunizar, como vem falando o estudo, um novo início. Cabe ao aluno

aproveitar esse espaço para a reflexão, debate e reconstrução de espaços por caminhos

coletivos e de diálogos.

Para porta o professor é, ele mesmo, uma ponte. Dos 4 “mandamentos”17

deixados para o professor de filosofia por Porta (2014 p.102), o último, o único que não

se refere a fazer, mas a ser, afirma que o professor, em sua maturidade intelectual, e

acrescentamos não é um muro para dividir a opinião, ou um molde para se conformar,

17 Sobre esses princípios indispensáveis para o professor de filosofia para Porta, estão o seu “Ensinar de maneira

única e irrepetível; talvez não muito mais que a suspeita de um problema decisivo, ou aquela originalidade do exemplo feliz ou da metáfora definitiva; talvez aquilo que sempre “soube” mas que só um dia, ao olhar pela janela, pôde compreender em seu núcleo verdadeiramente existencial. Existe, finalmente, uma quarta e paradoxalmente decisiva tarefa pois ele de forma alguma pode propôr a si, pois não diz respeito a um fazer, mas a um ser (...) o que poderíamos chamar “sua personalidade intelectual amadurecida”, é uma ponte pela qual outros ingressam na tradição.” (PORTA, 2014 p.102)

79

mas, “uma ponte pela qual outros ingressam na tradição.”(PORTA, 2014 p.102). Dessa

maneira, deve partir do professor as atualizações dos problemas, os espaços de

diálogos, para que suas turmas tenham a oportunidade de dialogar com a tradição e

enxergar a filosofia de modo próprio e original.

2.2 Um material que introduza o problema de um filósofo para a turma de administração

Até agora se tem desenhado prescrições sobre o professor de filosofia e para

aquele que trabalhará com os administradores. Sobre a disciplina filosofia para

administração do CEFET/RJ – Maracanã, se percebeu questões a serem colocadas no

seguinte tópico.

2.2.1 Filosofia para administração do CEFET / RJ maracanã

As turmas de administração têm sido observadas periodicamente desde o

primeiro semestre de 2013. A ementa da primeira turma (Ver anexo A) aponta para a

busca do professor de filosofia da turma, Maurício Castanheira, de desenvolver um

curso temático e que aproxime os problemas da tradição do pensamento humano com

os fatos atuais e presentes na vida do administrador. Assim, se propiciam espaços de

diálogo para que o estudante possa tornar a crise um problema factível, e refletir sobre

ele por meio dos diferentes materiais fornecidos pelo professor. O professor Castanheira

usa ainda de materiais didáticos diversos para o diálogo com o texto filosófico, com o

objetivo de: enriquecer o diálogo com o texto no espaço textual e não-textual e para que

o diálogo filosófico mantenha o rigor e finalidade inicial. Assim, usam-se, analogamente

aos textos principais, textos auxiliares, quadrinhos, vídeos e esquemas mentais, que

sirvam de leituras complementares para o aluno no desenvolvimento de sua reflexão do

tema.

A capacidade de dizer sim ou não de uma maneira refletida irá se seguir por uma

oportunidade de uma ação refletida, uma decisão que gera um novo início. Essa série

de “se”, “talvez”, arbitrariedades que compõem a crise e o próprio mundo da

administração, são colocadas pelo professor Castanheira através do mito da caverna

(PLATÃO, 2006), numa releitura da alegoria com a questão – “O que é realidade?” A

80

frase “se ele acredita, é real”, e fica patente no discurso de uns alunos, que buscam não

acreditar, e patente no discurso de outros, que problematizam o conceito e trazem para

si a questão da convicção nos processos decisórios no cotidiano da administração e no

cotidiano da vida humana – perspectiva constantemente abordada por Castanheira.

“Ele”, o homem acorrentado, enganado ou não, acredita que as imagens projetadas em

sua parede são a realidade. Ele nunca saiu da caverna e crê que isso é a realidade, e

se ele acredita que é real – para ele – é real. A pergunta permanece na turma, as

imagens projetadas nas paredes são reais? E a resposta continua – para ele é. Então

se começa a trabalhar o Problema de Platão acerca da realidade, numa perspectiva do

curso de administração de como é relevante para o administrador colocar em questão

essas ideias. Com essas questões trabalhadas em sala, identificou-se no professor

Maurício Castanheira, três “fazeres” identificados por Porta em seu livro de ensino de

filosofia (2014 p.102): 1) estimular o philosophycal way of thinking na turma por meio de

um constante diálogo entre si em todas as aulas); 2) ensinar a parte propedêutica, ou

seja, voltada para a leitura, escrita de textos filosóficos, como lê-los, praticar em todas

as aulas a escrita de um ensaio filosófico (esse objetivo está inclusive na ementa do

curso: ver anexo A); 3) ser capaz de decantar décadas de estudo voltadas para diversos

temas para que não se aprofundem demais, de modo que esses se aproximem do

problema necessário do aluno. Viu-se de forma ativa esses três fazeres na turma de

filosofia para administração do CEFET/RJ.

Na turma há a constante proposta de debate da função do administrador na

sociedade, e uma dessas formas de debate é por meio da vivência de um dilema através

da oficina baseada no dilema do prisioneiro chamada “Ganhe o máximo que puder”, ou

“Maximize seu ganho”. Nesse dia, os alunos vivenciam um dilema que os leva a

problematizar a ética nas organizações e, ao final da atividade, como o usual, há a

obrigatoriedade de um ensaio, com um debate sobre ética organizacional.

A disciplina de filosofia faz parte das matérias obrigatórias do primeiro semestre,

portanto há muitos alunos novos18 que terminaram há pouco o ensino médio, ou outros

que estão sem estudar filosofia há muito tempo. Muitos deles não têm uma noção clara

do que é filosofia e alguns ainda não têm certeza sobre a dinâmica do curso. As turmas,

18 Notou-se uma grande variedade em relação ao contato dos alunos com a filosofia. Pretende-se, em outra ocasião,

tratar desse tema de forma adequada.

81

de 2013 até a de 2016 têm, em média, 50 alunos. Esses possuem 1 hora/aula (em torno

de 1 hora e 30 minutos) semanalmente, totalizando 360h em um semestre.

As aulas são, geralmente, dadas no terceiro andar do bloco E. Para acessar o

terceiro andar há as escadas, ou os elevadores, que muitas vezes estão em

manutenção ou quebrados. Em todas as salas há ar-condicionado, projetor, cadeiras

em bom estado e há uma boa sala de estudos para os alunos com computadores e Wi-

Fi. Há um espaço de convivência aproveitado pelos alunos de administração, além da

sala de estudos. Também há um jardim central de convivência e, logo na entrada, um

restaurante e uma cantina. Esses espaços são saudáveis para atividades de

encubadoras, empresas juniores, grêmios estudantis, movimentos de estudantes em

geral e para a convivência entre os homens, que é um valor indispensável para a

política.

A turma de filosofia para administração é participativa e possui uma variedade

de alunos, com personalidades, grupos, idades e tribos diferentes. É uma turma

participativa em sua maioria, que entrega, também em sua maioria, os seus ensaios

pedidos pelo professor nos prazos combinados19. Viu-se também que os resultados

diante dos temas variaram também para cada turma, com exceção da dinâmica do

dilema do prisioneiro – cujo resultado geralmente é o mesmo – terminando com algum

traidor tentando se aproveitar da situação. Com isso, concluiu-se que o professor da

turma também trata da crise para os administradores, perpassando a crise por meio de

problemas como a “realidade”, “identidade”, “inteligência”, “ética” e outros que são entre

as crises cotidianas enfrentadas, e evitadas, pelo administrador médio. Mesmo assim,

acredita-se que há a necessidade de tratar-se da natureza da crise, como se tem

defendido nesse estudo, de olhar para o próprio conceito de crise sob uma perspectiva

filosófica para, nessa reflexão, oportunizar um tratamento diferente para a mesma.

Apesar de considerar essa proposta viável, foram identificadas duas

necessidades para se tratar a questão da natureza da crise nessa turma, que foram

consideradas por serem turmas de administração do primeiro período de uma instituição

técnica federal como outras tantas, e não de um instituto específico. A primeira

necessidade é que os alunos que ingressam nessa matéria estão, como já dito, no ciclo

19 Uma aula é sempre tema de um ensaio de 20-40 linhas para a aula seguinte. Aqueles que não conseguiam

entregar por algum motivo, por falta, por exemplo, poderiam entregar os ensaios atrasados no dia da prova 2. A coleção de ensaios tem peso na avaliação (ANEXO – A).

82

obrigatório, e mais, no primeiro semestre. Com pouca bagagem sobre o que é sua

própria disciplina, a administração, esses ainda estão sendo iniciados na tradição da

Administração e até estão, alguns inseguros sobre a própria escolha pelo curso. A leitura

dos textos para esses alunos, do início do curso de administração, não é ainda tão

fluente quanto para os que estão no final do curso. Isso se refere não apenas para os

textos da área de administração, mas aos textos que estão inseridos na grade do curso

– como referentes partes ao grande tema da Administração. Assim, o aluno que está no

seu início de leituras terá mais dificuldade que aquele que já é iniciado nas leituras dos

textos de administração. O segundo ponto é que os alunos da sala da filosofia para

administração pertenceram a colégios diversos no ensino médio, e há modos diversos

de se lidar com a filosofia por partes destes.

Assim, é de se assumir que os alunos do curso de filosofia para administração,

naturalmente, estão ainda com uma base de leitura incipiente de textos, bem como em

suas experiências na área, de modo que ainda há dificuldades para estabelecer

continuidades entre a administração e filosofia. Por isso, muitos alunos possuem

dificuldade com o texto filosófico. Sobre isso, Porta afirma que é comum aqueles que

leem o texto filosófico como se devesse ser algo místico, ou algo já tido como

ininteligível. Por isso, há os que desistem na primeira barreira da leitura.

Independentemente de qual perfil os alunos se encontram, o artigo “A crise na

educação”, considerando esses fatores, pode tornar-se um texto desinteressante, e a

interpretação de seu texto pode falhar. Por isso, se decidiu estabelecer um material

didático ligado ao texto. Observa-se que um material pode auxiliar no aprendizado em

relação ao diálogo com o texto filosófico, assim como no diálogo filosófico, na parte de

debates – que se entende como sendo a principal parte da aula.

Segundo se percebeu na turma, há a necessidade de um material para cumprir a

mediação na introdução ao diálogo com o texto e, posteriormente, retornar para a

turma no diálogo filosófico através dos debates – articulando-se os conceitos do

primeiro momento de modo a revisitar a tradição com uma finalidade de atualizar a

crise em meio aos debates.

83

CAPÍTULO 3. MATERIAL DIDÁTICO E O DIAGNÓSTICO DE

HANNAH ARENDT: UMA APROXIMAÇÃO

3.1 O que é um manual de instrução programada?

No final do segundo capítulo, concluiu-se que um material didático oportunizaria

o auxílio no aprendizado nas partes estratégicas do aprendizado filosófico. Assim, este

capítulo se dedica a apresentar o material didático escolhido para promover o auxílio na

interpretação do texto de filosofia e no diálogo filosófico – funções centrais do

aprendizado em filosofia. O material escolhido foi o manual de instrução programada. E

se defenderá que ele cumpre a dupla função necessária para o diálogo no ensino de

filosofia.

3.1.1 Sobre a aplicação no processo educacional

No início de seu artigo, Glória della Mônica (1977) aponta que o primeiro a usar

o método do programa de instrução não foi Skinner, ou Pressey, ou mesmo os militares

americanos na Segunda Guerra, mas Sócrates. A noção de um diálogo com apenas

perguntas e a busca de um autoconhecimento está, segundo o artigo, no método

maiêutico de Sócrates. No momento em que um interlocutor de Sócrates, por exemplo,

o escravo de Mênon, chega à conclusão do teorema de Pitágoras apenas com a ajuda

das perguntas de Sócrates. (PLATÃO, 2007). Com base nesse princípio, se estabelece

o manual de instrução programada. O aluno aprende sozinho apenas com as perguntas

do programa. Além disso, o ritmo de aprendizado é próprio.

A "instrução-aprendizagem programa", um dos mais modernos métodos pedagógicos, destina-se a aumentar a eficiência do processo de ensino-aprendizagem, tendo em vista a proficiência dos educandos e levando em conta, principalmente, o ritmo de aprendizado de cada um, relativo aos diferentes ramos do conhecimento humano.

Admite-se, em geral, que o método socrático tenha sido o primeiro exemplo de instrução programada, pois consistia essencialmente num diálogo baseado em perguntas e respostas. Também o método preceptoral, como intercâmbio contínuo de perguntas e respostas entre professor e aluno, utilizando a técnica de desdobramento de informações, pode ser considerado um precursor da instrução programada. Mas foi realmente em 1926 que se iniciou a forma moderna do método, com a invenção da primeira "máquina de

84

ensinar", por Sidney L. Pressey, psicólogo da Universidade do Estado de Ohio, nos EUA. Posteriormente, em 1950, com a elaboração por Skinner da teoria da aprendizagem, criou-se, por assim dizer, um desenvolvimento do método (MÔNICA,1977 p.1).

O método de Skinner, da teoria da aprendizagem por reforço, foi colocado em

uma máquina. Essa máquina era desenhada de tal maneira que cobria o papel com as

questões a serem lidas e preenchidas pelo aluno. Havia na máquina apenas dois

espaços. Um para a questão que o aluno estava lendo e, ao lado, outro espaço para

preencher uma resposta. Ao terminar de responder uma questão, o aluno virava uma

alavanca, e a máquina mostrava a resposta para a questão anterior, uma nova pergunta

e o espaço para preencher a presente pergunta. Nesse processo, o aluno seguia, no

seu ritmo, até terminar o programa.

Skinner acreditava que, dessa maneira, conseguia elaborar os cartões com

passos tão pequenos que seria impossível os alunos errarem, pois estariam

condicionados a acertar.

3.2 Arendt e o manual de instrução programada

Após a breve introdução do conceito de programa de instrução, cabe apresentar

uma crítica na perspectiva de Arendt ao manual. A crítica de Arendt para o manual, na

medida em que se apresentaria na crítica da crise na educação em seu uso instrumental

do ensino. Encarada nesse sentido, a crítica de Arendt à crise na educação, enxerga o

manual – aquele criado por Skinner em suas máquinas de aprender, como um produto

da crise na educação, ou seja, o manual de instrução é uma representação do paradoxo

na crise na educação crise nos Estados Unidos, como um símbolo da crise na educação

que se estabelecia como um dos mais modernos métodos de ensino e, ao mesmo

tempo, permanecendo como um atraso no sentido humano, pois em busca de

resultados, índices, se abriu mão de buscar a resposta que o aluno tem para dar num

diálogo reflexivo do tema com a tradição – o ensino crítico. As máquinas de ensinar

tinham o objetivo de tornar os alunos “máquinas” de aprender e o problema é que

máquinas não pensam, não questionam. A proposta de educação criticada por Arendt,

em “A crise na educação”, buscava materiais e métodos dos mais avançados para

revolucionar seu ensino como o mais avançado e competitivo, tornando seus alunos

85

melhores, mais rápidos, mais especializados, ou mesmo, como denuncia Arendt,

ensinando-os na “arte de viver”, que se resumiria a habilidades setorizadas (ARENDT,

2011 p.281).

As respostas prontas formaram uma geração alinhada num pensamento

dogmático e que estava se preparando para estar submetida ao mercado e ao seu

sistema de horários estabelecidos, comandos diretos e uma obediência irrefletida. Ora,

as chamadas “máquinas de ensinar” de B. F. Skinner representam, ou são um bom

exemplo do avanço buscado e do retrocesso na educação que se prega como um

progresso, o paradoxo da crise na educação. Os chamados manuais de instrução

programada treinam os alunos de modo individual e irrefletido, ao ponto que esses

assimilam o conteúdo sem mesmo precisarem questionar aquilo que estão aprendendo.

E o aprendizado é automático ao ponto de Skinner desenvolver uma máquina para

ensinar os alunos. Aqueles que desejassem ser soldados poderiam fazer um treino

numa dessas máquinas, voltadas especificamente para serem soldados,

administradores, ou para outras funções práticas exigidas pela sociedade.

Entretanto, entregar-se a essa resposta, pronta, sem questionar, e ressignificar

o papel do manual de instrução programada, seria agir como tais, os que não enfrentam

a crise de frente, com a ousadia do filósofo. Por isso, mesmo na época de Skinner,

professores de matérias diferentes, como geografia, história e psicologia

experimentaram lecionar usando o programa de instrução. E para usá-lo em cada

disciplina, naturalmente, é necessário adaptá-lo à necessidade de cada qual.

Para subverter esse material, com o objetivo do ensino de filosofia, é necessário

pontuar a importância dos dois elementos notados no capítulo 2 sobre o ensino de

filosofia e que são centrais a respeito desse, a saber: o diálogo com o texto e o diálogo

filosófico. A necessidade de um material que oportunizasse o auxílio no diálogo com o

texto se viu na turma de filosofia para administração como uma boa chance para otimizar

a filosofia, uma vez que sua participação na aula com os debates já está boa, e a leitura

textual ainda é incipiente, como notado no final do capítulo anterior. Assim, como se

nota o diálogo com o texto, o entender, interpretar, e por fim, o posicionamento sobre o

texto, a reflexão é um aspecto fundamental, assim como o espaço para o debate que,

como também visto, enriquecerá a hermenêutica do diálogo com o texto, e

proporcionará novas formas de compreensão filosófica do problema nele contido. Então,

86

neste sentido, surge o primeiro, e grande problema deste manual. Como um material

programado para ensinar, de modo tão eficiente, para se assimilar o conteúdo, pode ser

usado para a reflexão da crise, e ainda abrir o espaço para o debate?

A resposta é que nesse manual se coloca com uma dupla função. A primeira é

a de efetuar a mediação no entendimento e reflexão sobre o problema da natureza da

crise em Arendt sob uma perspectiva filosófica. O segundo é introduzir o momento de

debates que permanecerá no enriquecimento do diálogo filosófico numa constante

troca, não de opiniões sobre o texto, mas de interpretações com base e entendimento

mínimo sobre teses, hipóteses e construção lógica e argumentativa do texto (PORTA,

2014).

3.2.1 Qual o uso desse manual no processo educacional à luz de Arendt?

O manual de instrução programada deve ter seu papel como um mediador no

processo de ensino. Ele é elaborado para complementar o ensino de um professor,

podendo alcançar matérias diversas do conhecimento em seu propósito pedagógico.

Especificamente, acredita-se que este pode ser utilizado de uma maneira proveitosa

para aulas de filosofia, inclusive para pensar a crise na educação – da qual ele próprio

pode ser visto como uma representação.

Segundo o papel do professor de filosofia a partir do pensamento de Arendt –

ver capítulo 2 – acredita-se que este material deve auxiliar o professor em 1) guardar os

problemas da tradição do pensamento humano, 2) apresentá-los sobre uma perspectiva

filosófica e 3) propiciar à turma um espaço de transição entre o privado e público. Essa

transição será feita ao levantar momentos de debates e reflexão sobre as diferenças

essenciais entre os homens na resposta diante da crise.

Portanto, o manual de instrução programada, ao apresentar o problema da crise

para Arendt, na turma de filosofia para administração, cumpre a função de efetuador

introdutório ao problema da crise e de reflexão deste. Isso é feito por meio de perguntas

e respostas que introduzem os conceitos centrais que constroem o problema da

natureza da crise para Arendt. Desta forma, por meio da construção de uma base

conceitual e da capacidade de traduzir os conceitos com suas próprias palavras, e de

refletir sobre eles, os alunos estão aptos a debatê-los com os outros. Esse será o

87

segundo momento, ou seja, a função do manual como introdutor de um momento de

debates. Nesse oposto, o professor, conforme a necessidade, pode inserir novos textos

auxiliares que possam contribuir para o diálogo filosófico e até retornar com o manual.

Assim, a proposta do manual “filosófico” não é de um treinamento, como o é o manual

de instrução programada em sua proposta original, mas de conduzir os alunos num

processo de aprendizado filosófico rico e com oportunidades múltiplas que podem surgir

do professor e alunos.

O manual possui como principal proposta o acompanhamento do ritmo do

aprendizado de cada aluno por meio de um sistema simples de perguntas e respostas.

Por isso é comum assumir que “o método socrático tenha sido o primeiro exemplo de

instrução programada” (MONICA, 1977), como um caminho maiêutico que se

desenvolve em pequenos passos até Sócrates, como uma parteira, tire a verdade de

daquele que está em diálogo com ele. A afirmação ilustra a proposta do manual, mas o

método está encontrado de maneira mais clara na psicologia de Skinner, que aponta

que o indivíduo modifica um comportamento, ao observar as consequências das suas

ações, e que isto está relacionado e que sofreu um reforço. Quando uma execução é

satisfatória, a sua consequência (êxito ou recompensa) é denominada reforço; o reforço

fortalece a possibilidade de repetição de um ato; quanto mais rapidamente o reforço

sucede à execução desejada, tanto maior é a probabilidade de que o comportamento

desejado se repita, e quanto mais frequentemente ocorre o reforço, tanto maior é a

probabilidade de que o estudante repita o ato. Em outras palavras, mesmo que sejam

em pequenos passos, a intenção é precisamente ensinar, aos poucos, a ideia de se

acostumar a acertar, em relação a algum conceito, ou seja, o reforço leva à assimilação

do conceito. A ideia de que o reforço seria um condicionamento, como dito

anteriormente, é uma limitação do conceito, mas neste material que subverteu o

“original” de Skinner com a finalidade do ensino de filosofia, ele é a busca, por meio de

perguntas e respostas filosóficas, alcançar um processo educacional que vise a

familiarização, e ainda a posterior problematização, do conceito de crise sob uma

perspectiva filosófica.

Sem se prender à teoria de um ou outro autor da área da psicologia

comportamental, podemos dizer que o manual ajuda o aluno a aprender, na medida em

que o reforço, de modo individual, mostra o prazer dos estudos em seu resultado.

88

Naturalmente que a conquista do resultado não está senão em uma melhor

compreensão do problema do texto, na capacidade de debater o tema em sala de aula

com a turma, expressando com suas próprias palavras, sua posição a respeito do tema,

entre outras possibilidades. Assim, o manual é um forte aliado para desenvolver um

método crítico no ensino de filosofia, tanto para servir como por uma via de que se

compreenda, pelo reforço positivo, de que estudar é bom, quanto pela busca necessária

de compreensão dos conceitos. Em suma, que ler é interessante, e que refletir sobre o

sentido do texto traz bons resultados para os debates. Esses pontos ajudam a

reconhecer a contribuição oportunizada pelo manual num aprendizado filosófico a nível

individual e coletivo.

No segundo caso falado por Skinner, da relação com o reforço, há a ausência

ou o retardamento do reforço, que após uma ação enfraquece a probabilidade da

repetição de um ato; o reforço intermitente de um ato aumenta o tempo na execução

desse ato; o reforço tem efeitos motivacionais. Ademais, há aqueles que aprendem mais

rápido e outros que demoram mais para aprender, isso pode ser bom para se ajustarem,

mas em alguns momentos pode ser um fracasso para ambos, no qual um acelerará de

mais os que trabalham mais devagar e os outros diminuirão demais o ritmo dos que

trabalham depressa. Por isso, o manual trabalha de maneira individualizada. Pois, no

programa, cada um desenvolve seu ritmo e pode terminar a seu tempo. E como o

aprendizado se torna natural, é instintivo que o ritmo também não seja algo motivado

por um relógio, mas pelo movimento do aprendizado do indivíduo construído em seu

progresso no programa. Em relação à Arendt, o não lugar da contemplação é visitado

pelo aluno, no momento em que ele está aprendendo sozinho. E, como referido no

capítulo anterior, o momento do diálogo com o texto é, primeiramente, de uma

compreensão pessoal do mesmo, de modo que o papel da leitura do texto e de

posicionamento do aluno diante dele não podem ser dados como papel a outrem. A

reflexão e o pensamento são oportunizados por questões construídas por meio de um

diálogo com o manual, questões que o aluno só pode compreender por si só, até estar

apto a debatê-las.

Acredita-se que o programa de instrução programada não é um instrumento que

esgota o processo educacional, e é isso que se defende nesse estudo, pois nenhum

material didático o é, nem há em nenhum curso ou filósofo a compreensão total da crise.

89

Os problemas retornam de novas formas do nascimento até a morte (ARENDT, 2008).

Entretanto, a tentativa do manual de instrução transpôs as barreiras de ser um mero

programa de treinamento, usado na Segunda Guerra para treinar militares por meio de

cartilhas e filmes, para tornar-se um material de ensino. Essas origens do material, como

a de treinamento militar, e a exposta nos vídeos de Skinner em suas “teaching

machines” podem trazer uma impressão de que o programa de instrução não pode ser

usado para ensino, mas é destinado para treino. Ora uma distinção clara entre os dois

termos levaria ainda muito tempo, mas para compreender que mesmo sendo um

manual, ou seja, um roteiro com perguntas e respostas pré-formados, o material didático

continua possuindo um potencial no ensino de filosofia, e para o ensino crítico, parabém

como o desenvolvimento do debate da política e ética nas organizações. Questionar o

exercício diário de um aluno e de um administrador e negá-lo como um exercício

burocrático de preencher “manuais” de modo irrefletido, ou refletindo sobre sua

realidade e sobre sua condição, pode trazer um debate saudável para a turma. Essas e

outras atividades agregam valor ao material, possibilitando que este retorne para a

turma num aproveitamento do professor em relação à turma20.

Há dois tipos de manual de instrução programada. O primeiro é linear, podendo

o estudante respondê-lo do início ao fim sem retornar. O segundo modelo é não-linear,

ou seja, o indivíduo pode, se achar necessário, voltar atrás em tópicos anteriores para

melhor compreensão. No segundo modelo, para se estabelecer o diferencial dessas

voltas, é necessário se definir os pontos de mobilidade, ou seja, os pontos estratégicos

do manual que serão revisitados ou voltados, ou até pulados, caso o aluno demonstre

uma resposta específica diante de tal ou tal circunstância. Esse modelo possui um

grande potencial, pois pode tornar o manual num modelo interacionista, ou seja, num

puzzle. Entretanto, essa interação não ainda é do sujeito com o próprio manual, como

um labirinto que desafia gradualmente seu cérebro. A diferença entre um puzzle e um

jogo é que o puzzle não é sociointeracionista21, e, então, novamente, o modelo do

20 O material foi testado em turmas de Administração do CEFET e com professores e alunos do PPFEN – num

método qualiquantitativo. Por falta de espaço e tempo, este trabalho não se dedicou a este estudo de forma pormenorizada. Ao longo dos testes, concluiu-se que o retorno do material didático pelos debates agrega à turma o valor devido no processo educacional. A maioria dos que fizeram o manual de instrução programada respondeu ao questionário dizendo-se prontos a debater, a partir do que aprenderam, e que seriam capazes de traduzir com suas próprias palavras o trecho de Arendt e os conceitos trabalhados no manual para relacioná-los num debate.

21 A patente do “puzzle” descreve como a palavra não envolve uma interação social, como, por exemplo, o famoso

“puzzle” de palavras ou o “cubo mágico” de Ridick. No caso do manual, apesar de se tratar de um puzzle, a interação será jogada para um segundo momento, como preâmbulo. Cf.

90

manual como um aprendizado individual se torna um desafio para a condução de um

aprendizado interacionista. Um jogo tem a capacidade de interagirmos com outras

pessoas, dando a possibilidade de uma interação social. No puzzle, no entanto,

permanece este desafio.

Em ambos os modelos o manual segue um desenvolvimento conceitual de

aprofundamento e especificidade, de modo que, aos poucos e a cada questão

respondida, o conceito se esclarece mais para o aluno. A ideia de um “coração

compreensivo” (ARENDT, 2008 p.340), que está relacionada com o conhecimento, mas

não o é. Que “dissolve o conhecido no desconhecido” (ARENDT, 2008 p. 340), e busca

pensar sobre problemas colocam-se como mistério na vida. Esse exercício de buscar o

conhecimento para trabalhar a compreensão deve se desenvolver como um hábito nos

alunos, sem medo de buscar na tradição do pensamento humano um aparato para

debates, e ao buscar compreender o problema encarado por estes, refletir sobre o

aspecto atual da crise em que se está vivendo.

Talvez um dos primeiros avaliadores a ter desconfiança em relação a manuais

de instrução programada para ensinar filosofia política seria Hannah Arendt. As

questões políticas para Arendt não se resumem a soluções lógicas universais, como:

eliminando-se A e B, fica-se com C e então chegamos a uma solução interessante. O

que Arendt chama de exercício da compreensão é interminável e exige um confronto

com situações reais que, no stress da decisão nos obrigam a julgar entre o certo e o

errado, belo e feio, e a compreender a crise que se abate sobre nós mesmos e sobre o

mundo de modo arbitrário e imprevisível. As decisões que tomamos em coletivo e

individualmente são encaradas no interior do conflito enquanto o próprio conflito. A

simulação dessas decisões busca que o estudante de administração, em ambos os

níveis, possua uma resposta crítica à crise. Mesmo em uma simulação, acredita-se, este

é o primeiro passo para que se desenvolva um ambiente propício para a atitude

autenticamente política nos estudantes de filosofia. A simulação de situações aponta

para a relação entre crise e compreensão, que cada indivíduo alcança se entrar em

diálogo com as crises de sua existência. A partir disso, tem-se no manual, assim como

em qualquer método, o desafio do professor de filosofia para administração (ou outros

cursos de graduação que não os de filosofia), isto é, motivar os alunos a pensarem, indo

https://www.google.com/patents/US5921864

91

além de apenas assimilarem o conteúdo.

O manual de instrução programada a ser desenvolvido simula a tomada de

decisões em situações de crise, buscando levar o estudante de administração a pensar

essas decisões a nível individual e em grupo. Por ser uma simulação respondida, a

princípio individualmente, o manual possui a tendência de ter a dificuldade de resolver

a questão de um debate sobre questões éticas e políticas – que também podem ficar

para outro momento.

Na graduação de administração, como criticado no capítulo 2, o aluno é treinado

para um mundo burocrático e servil, no qual serão obedecidas as ordens de seus chefes

e a liderança precisa aprender a entrar no padrão do mercado. A lei do mercado é

eliminar o que não é bom produto ou comprador. Assim, tudo que está fora do padrão

do mercado, estipulado pela propaganda, deve ser, ou lapidado, ou reprogramado

(ARENDT, 2007 p.288).

O ensino de filosofia é um desafio por buscar oportunizar o desenvolvimento do

pensamento crítico e atividade política em cada um dos 50 indivíduos distintos em sala

de aula – estes que já estão todos, ou grande maioria, atuando no espaço público. Com

indivíduos distintos, com opiniões diferentes, num período de 1 hora/aula, o professor

de filosofia se propõe a dar uma aula que propicie o diálogo filosófico e desenvolva –

numa sociedade de consumo que busca homogeneizar os mais diferentes tipos de

pensamentos – valorizar as mais diferentes respostas para o surgimento de novos

inícios para a crise. Se isso é importante para o aluno ou não, se ele alcança a reflexão?

Isso, no final cabe ao próprio aluno. O professor não usa de violência ou força, pois o

ensino filosófico não se trata de uma doutrinação e o exercício de pensar não pode ser

dado a outro. Assim, o desafio não está apenas em planejar, mas também de executar

a aula de um modo interessante – que propicie o diálogo filosófico –, que leva ao último

desafio, que é, enfim, do aprendizado filosófico acontecer.

Nesse sentido, o manual serve como um piso firme, no qual os sujeitos devem

se colocar num ambiente propício para o pensamento. Partir de um ambiente sólido, do

qual cada indivíduo possa imaginar e discutir desse âmbito a política, é um exercício

sadio que se desenvolve para que, posteriormente, se amadureça em cada um destes

o sentido próprio da política em Arendt, a saber, a liberdade. Ora, para alcançar a

liberdade não é necessário apenas fazer parte de um país que seja uma “democracia”,

92

ou seja, estar fora de uma ditadura. Mas há, mesmo em democracias, formas de

cerceamento da liberdade e debater, primariamente a compreensão da crise, para

buscar um entendimento mais profundo sobre como a política trabalha pela liberdade22,

a partir deste mesmo exercício pode ser papel do ensino de filosofia.

Desta forma, o exercício, embora tenha um método incomum, se propõe como

uma alternativa ao professor de filosofia para debate de política e ética dentro da sala

de aula, na perspectiva da autora Hannah Arendt, como objetivo final que cada

participante do estudo venha a desenvolver o diálogo com suas próprias crises. Assim,

a principal proposta do manual é apresentar a relação entre os conceitos de crise e

compreensão em Hannah Arendt, de modo que esse conceito oportuniza uma resposta

crítica à crise. Assim, se diferencia a resposta crítica da resposta preconceituosa,

buscando apresentar as possíveis posturas diante da crise.

Por compreensão entende-se o diálogo constante e interminável com a crise, e

a crise como uma oportunidade para a reflexão e para o novo, que só pode ser

aproveitada, uma vez que se use do diálogo com a crise, a saber, a compreensão. O

oposto do diálogo com a crise é permitir-se uma resposta pronta, ou seja, a resposta

preconceituosa. Essa resposta mostra aquela postura que despreza a oportunidade

dada pela crise e que, além disso, aguça-a ainda mais.

Visto o que foi apresentado até então, o programa de instrução deve ser

subvertido segundo a necessidade de uma nova forma, que gira em torno de questões,

que conduzam o próprio aluno a refletir sobre aquilo que está a aprender.

Pensar a natureza da crise é uma questão importante para que o futuro

administrador reflita e se oportunize outra resposta, um novo início para a resposta para

a crise, para que este não reaja à esta de forma servil e preconceituosa.

A construção do problema da natureza da crise para Arendt está no texto “A crise

na educação”. Para se trabalhar o problema contido nesse texto, como visto no capítulo

2, buscou-se suprir as necessidades da turma, que se acreditou estarem mais

relacionados com o diálogo com o texto do que com o diálogo filosófico propriamente

dito. Assim, o material efetua sua principal função como um mediador de interpretação

e problematização de leituras textuais, tendo como consequência, ou efeitos

secundários num momento de debates. À medida que se introduza o debate, ou uma

22 Ver: 2.2, sobre a crise em Arendt.

93

oficina ou outra leitura de textos, com a inserção de um arcabouço teórico o

esclarecimento dos alunos sobre o tema e sua capacidade de debatê-lo é enriquecido.

Em relação à mediação de interpretação textual, ou dos problemas guardados

pelo texto, o programa não deve levantar tantos passos quantos aqueles, que diz

Skinner, para a preparação do aluno. Pelo contrário, devem ser elaborados poucos

passos que, aos olhos do professor, pontuam o problema apresentado numa primeira

visão do texto. Então, posteriormente, pode haver um momento de debate e os alunos

leiam os textos, e ainda outros, buscando uma preparação de como será o agir ético e

político nas empresas e organizações, por meio de oficinas, leitura de mais textos e

debates.

O manual de instrução com a finalidade de ensino para uma turma de

administração, buscando tratar o problema da natureza da crise em Hannah Arendt,

distanciou-se daquele projetado por Skinner, no sentido de seu projeto de

condicionamento. Mas, permanece em sua essência, no projeto do ensino pelas

perguntas que ensinam de um modo pessoal e eticamente legítimo, como foi o método

socrático.

O manual de instrução para a turma de filosofia para administração do

CEFET/RJ Maracanã propicia a problematização da tradição sob a perspectiva da crise.

Em diálogo com o atual dilema do aluno de administração, ele oferece subsídios para a

crise ética e moral que este enfrentará no dia-a-dia das organizações.

Diferentemente de um condicionamento, como se estivesse o manual

persuadindo o aluno, ou por uma espécie de força argumentativa ou uma resposta

pronta para a crise, nele se encontra o exercício individual e conjunto de se pensar a

crise. E, pela prática, o estudante possa ser motivado a, futuramente, agir de tal modo

em situações de crise. A ação do futuro administrador não surge sob um

condicionamento, mas pela oportunidade que o diálogo filosófico – a compreensão da

crise – possibilita que este encare a crise de uma nova maneira, possibilitando assim,

uma ação refletida.

94

CONSIDERAÇÕES FINAIS

O estudo apresentou a crise, e a natureza da crise na educação, como

oportunidade para o ensino de filosofia a partir da filosofia de Hannah Arendt, em uma

turma de administração do CEFET/RJ – campus Maracanã. Para isto, foi feito um estudo

breve sobre Hannah Arendt em parte de sua obra, explorando a crise em seu aspecto

político e sua natureza no campo da educação. Buscou-se aprofundar a ideia de crise

a partir de conceitos entendidos como centrais para construir a ideia de crise no

pensamento de Hannah Arendt, assim como a ideia de uma crise na educação para

este fim. O objetivo final do estudo foi de pensar a crise, problematizando o ensino de

filosofia por meio da ideia de que é possível o seu ensino para a administração

colocando a crise como uma oportunidade para a reflexão, uma vez que enxergamos

esta sobre uma perspectiva filosófica. O estudo teve como consequência a produção de

um material didático, que propõe a mediação do aprendizado, tendo sido fruto da

reflexão proposta ao longo da dissertação.

No primeiro capítulo, dedicado à parte teórica, dividiu-se o conceito de crise entre

a crise de um modo mais genérico, como “a crise dos nossos tempos”, a que se refere

Arendt, (ARENDT, 2011 p.23) e a crise na educação. Desse modo, foi exposto o

conceito de crise na perspectiva de Bornheim, segundo o artigo “Crise da ideia de crise”

(BORNHEIM, 2006). Em seguida, foi analisada a ideia da crise em Arendt como perda

dos parâmetros e da tradição que dão base ao sujeito. Além disso, foram analisados os

pontos que se constituem como centrais na caracterização do que é a crise para Arendt,

a saber: os governos totalitários diagnosticados pela autora em sua época como algo

nunca acontecido antes; a crise da modernidade e a perda das verdades mais

fundamentais por meio da crise da autoridade e crise da tradição. Após apontar esses

aspectos da crise, se tratou da crise na educação, a partir do artigo “A crise na

educação” de Arendt e das inversões da modernidade, denunciadas ao final de “A

condição humana” (2007).

O segundo capítulo dedicou-se ao desafio da parte prática do ensino. Para tratar

do tema do professor de filosofia, se fez uma digressão sobre o papel do ensino e da

performatividade da disciplina filosófica como guardadora dos problemas da tradição do

95

pensamento humano. Viu-se que na filosofia é necessário expor esses problemas sobre

uma perspectiva filosófica e trabalhá-los num espaço que valorize as diferentes opiniões

sobre os temas e ainda reflita sobre o aspecto de haver diferentes opiniões. Assim o

professor, na sala de aula tem o dever de abrir o espaço para novas respostas para a

crise, mas isso por meio de leituras e debates de textos, para que os alunos estejam em

contato com a tradição. Além disso, se denunciou do perigo da educação tornar os

jovens administradores em futuros “Eichmanns” devido a um sistema educacional que

tende a multiplicar o número daqueles que entram no mercado de trabalho apenas para

receber ordens sem questioná-las, alienados de suas próprias ações. Nesse sentido, o

ensino de administração foi questionado, em sua generalidade, apontando, a partir daí

a necessidade de se tratar o conceito de crise na sala de aula de filosofia para

administração, uma vez que a filosofia conduz a uma atitude diferente perante a crise –

e deve trazer essa ação para o administrador. Entretanto, encontrou-se, ainda uma

barreira para tratar esse conceito na turma de filosofia para administração. Por se tratar

de alunos de primeiro período e de origens de colégios diferentes, notou-se um

diferenciado contato com a filosofia e, portanto, com a interpretação textual. Essa não é

uma barreira de uma turma específica, mas que foi identificada genericamente por

abdução, ou seja, por sintomas latentes na atual época de crise, da era digital, em que

menos se lê e, quando se lê, menos se entende. Por isso, viu-se a necessidade de um

material didático que se associasse ao trabalho de introdução ao debate da crise.

No terceiro capítulo, desenvolveu-se a ideia do material didático que auxilia o

professor na tarefa do ensino de filosofia como um manual de instrução programada.

Para defender o manual de instrução como auxiliador do ensino de filosofia para

administração, apresentou-se a ideia do manual de instrução em sua ideia desenvolvida

por Skinner. A partir dessa, em seguida, buscou-se, na peculiaridade do ensino de

filosofia apresentado no segundo capítulo, como seria necessário mudar esse manual

para a uma aula de filosofia para administração que tem como objetivo, especialmente,

a tarefa de problematização do conceito de crise.

A partir da defesa posta ao longo do estudo, não se conclui que a

problematização da crise na turma de administração deve partir de um texto ou de um

debate, mas que deve conter ambos num único processo educacional de ensino-

aprendizagem. E que neste sentido, o ensino de filosofia, assim como a própria

96

disciplina de filosofia, possui uma visão própria sobre a natureza da crise.

Além disso, ficam algumas questões a partir do estudo, que se ainda não há

como respondê-las, pelo menos há espaço para levantar breves questões que

permanecem a partir deste trabalho. A primeira é se é possível a crise ser uma

oportunidade de reorganização da ética e da política nas organizações, usando-se

textos mais relacionados com a literatura. A segunda pergunta versa sobre a crise pode

ser uma oportunidade para a inovação, no sentido tecnológico, a partir do conceito de

natalidade de Hannah Arendt, considerando-se que a reflexão sobre as diferenças,

advindas da originalidade radical de cada homem, podem valorizar as diferenças e a

partir dessas, surgirem novas respostas. A respeito destas e outras questões, resta a

certeza sobre a continuidade a pesquisa da natureza filosófica da

crise seja nesta ou outra perspectiva.

97

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100 Programa de Pós-graduação em Filosofia e Ensino – Wagner de Moraes Pinheiro

1. PARA O USUÁRIO – DESCRIÇÃO DO MATERIAL DIDÁTICO:

MANUAL DE INSTRUÇÃO PROGRAMADA – A CRISE NA EDUCAÇÃO, EM HANNAH

ARENDT

O presente manual tem sua origem num estudo que acompanhou a turma de

graduação em administração do CEFET-RJ Maracanã, sendo fruto de uma dissertação

de mestrado profissional em ensino e filosofia. Por ser direcionado para um curso de

filosofia para administração, buscou-se inspiração para subverter segundo o modelo

original de manual instrução programada, como os citados nos artigos de Gloria della

Monica, intitulado “instrução programada” (1977), com a finalidade de moldá-lo ao

ensino de filosofia. Além disso, é importante notar que a presente proposta,

prioritariamente, dirige-se para alunos de administração, contendo dilemas e questões

voltados para o futuro administrador. Entretanto, o mesmo material pode ser adaptado,

ou mesmo aplicado para outros cursos de graduação e também para o ensino médio,

segundo o interesse do professor.

O manual tem, como principais objetivos e ganhos, atuar como um facilitador no

processo educacional para o professor que, numa turma de administração, busque

desenvolver o costume da leitura dos textos filosóficos, a problematização desses e

introduzir o pensar crítico dentro e fora de aula a partir da leitura textual.

Para entender quais são as possibilidades de atuação numa disciplina de ensino

que tem como característica essencial buscar o pensamento crítico, apresenta-se,

antes, aquilo que é o manual de instrução programada. E para descrever seus atributos,

é necessário definir que o programa de instrução não é.

Para usar o manual é necessário compreender que esse é um programa de

instrução que ensina, ou seja, não é uma prova, ou uma tentativa de testar o

conhecimento dos alunos. Eles podem ocorrer como consequência do programa que os

alunos se autoavaliem. É importante diferenciar, que apesar de seu nome, o manual de

instrução não se segue como uma limitada maneira de doutrinar o aluno por meio de

questões que ditem que apenas esta é a correta verdade, como se buscasse, em

pequenos passos, a construção de um único conhecimento. Apesar de levantar um

espaço para o aprendizado individual do aluno, no qual este possa desenvolver um

101 Programa de Pós-graduação em Filosofia e Ensino – Wagner de Moraes Pinheiro

esquema mental a partir de conceitos principais do tema trabalhado, deve-se

compreender que essa problematização deixa um espaço para a reflexão do aluno e do

grupo. Esse espaço permite colocar o manual de uma maneira ampla e individual, sendo

apropriado de modo diferente pelos estudantes desde o primeiro momento, na leitura

de texto e no momento de debates. Compreendido isto, deve-se enxergar o manual

como uma ferramenta que possui um grande potencial, inclusive em relação às

disciplinas que possibilitam ao aluno a abertura para um pensamento crítico e o espaço

para o debate, como o faz a filosofia.

No que consiste ao ensino de filosofia, o programa tem um potencial em duas

direções principais: no aprendizado individual, como efetuador, e no aprendizado

coletivo, como introdutor.

Sobre o aprendizado individual, o manual coloca-se como um método efetivo de

desenvolver nos alunos o hábito da leitura e contato com textos filosóficos, além de

estabelecer alternativas para que estes possam buscar compreender o texto e buscar

nele subsídios para a reflexão, assim, se desenvolvendo, por meio do manual uma

metodologia própria de aprendizado e de problematização textual. Para os alunos que

não possuem o hábito de estudo, leitura e familiaridade com textos filosóficos, o manual

serve como um bom estímulo de introdução ao assunto e estabelecimento de novos

hábitos e até de metodologias de estudo. Desenvolver um hábito básico para o

estudante de filosofia, o hábito de estudo e de leitura, também está nos objetivos do

programa, e que acompanha a ideia de ter um pensamento crítico, na busca de

problematizar os textos lidos e entendidos. Acostumar-se com o momento de solidão e

concentração faz parte do processo de aprendizado e de construir uma noção completa

de que há uma recompensa valiosa na leitura e nos estudos que não podem ser medidas

em notas ou pontuação, mas no valor do próprio conhecimento. Esse primeiro momento

é valioso para a reflexão, o diálogo com o texto filosófico, e buscar entender o texto e

se posicionar diante do texto com argumentos sólidos. Para construir esse valor por

completo, é necessário que o professor dê ao manual o seu devido uso, seguindo da

aplicação, um debate, que se compreende como o exercício do diálogo filosófico

propriamente dito.

Segundo entende-se nesse estudo, o manual só será completo, assim como

qualquer material didático, se bem aproveitado, ou seja, esse programa é uma parte de

102 Programa de Pós-graduação em Filosofia e Ensino – Wagner de Moraes Pinheiro

um maior processo educacional. Assim, usar o manual sem cumprir junto dele o

complemento que surgirá um aprendizado coletivo será dirimir a proposta que o próprio

manual possui numa sala de ensino de filosofia – de introdutor do aprendizado coletivo.

Como dito anteriormente, o manual pode cumprir bem a função de efetuador e

introdutor de diálogo com textos e com outras pessoas. O manual pode dar ao aluno o

subsídio para que este esteja mais confortável para entrar numa discussão filosófica,

principalmente aqueles que não estão acostumados com a leitura de textos filosóficos,

como os alunos do ensino médio do primeiro ano, e os alunos de graduações não

filosóficas, especialmente de cursos tradicionalmente não amistosos à filosofia23.

Como se testou24, os alunos que fizeram o manual ficam mais desenvoltos para

o debate, compreendem melhor o texto e possuem uma melhor compreensão do

problema levantado por Arendt a respeito do tema debatido, ou seja, o programa é um

elemento-chave para inserir qualquer texto que se pense ser inadequado para uma

turma de iniciantes, que não possui facilidade com textos, ou com a qual o próprio

professor não se veja à vontade para passar, em outras palavras, textos que exijam um

rigor filosófico e maior dificuldade em sua compreensão textual. Destrinchar um texto

como “a crise na educação” de Hannah Arendt, ou o capítulo II da “República” de Platão,

o parágrafo 6 de “Ser e Tempo” de Heidegger, o último capítulo de “A condição humana”

de Arendt e colocá-los em um manual pode ser proveitoso para uma discussão com

alguma turma possa ter pouco contato com textos filosóficos, esteja com uma incipiente

familiaridade com a filosofia e no trabalho do diálogo filosófico. Esses e outros exemplos

podem ser aproveitados em sala para debate e trazer como uma aplicação prática para

aqueles que, talvez nunca mais terão um contato com a filosofia – como pode ser o caso

de alunos da graduação de administração, engenharia, entre outros.

Desse modo, apresentar o texto filosófico, mesmo no momento de debate, por

meio de um caminho que seja palatável traz possibilidades de transformações ainda

maiores do que se envolvermos o aluno simplesmente com o debate numa linguagem

23 Outras possibilidades ainda podem ser aplicadas usando o retorno do manual ao longo do processo de

aprendizado, como por meio de uma busca coletiva de construção de um manual melhor, por meio de debates e sugestões, ou preenchendo formulários, ou por meio de uma autoavaliação, podendo se elaborar, por exemplo, um questionário que analise a evolução da turma e de cada estudante em períodos diferentes do curso.

24 O material foi testado na turma de administração do CEFET e na turma de mestrado de Ensino e Filosofia. Para

metodologia, usou-se de uma pesquisa qualiquantitativa. Além disso, deu-se valor aos participantes que percorreram caminhos diferentes, para buscar no aprendizado individualizado um potencial para apresentar modos diferentes de aprendizado.

103 Programa de Pós-graduação em Filosofia e Ensino – Wagner de Moraes Pinheiro

tradicionalmente expositiva, ou por meio de estratégias que podem trazer o aluno a

gostar do debate, como a inserção de um filme, por exemplo. Ainda assim, faltará a

aproximação dos conceitos num caminho individual do aluno, por um exercício dele,

num aprendizado da solidão, elemento citado como próprio da filosofia25 por autores

diversos. Então, no momento em que usar este manual, tenha a certeza de seu potencial

e busque caminhos, alternativas próprias, além das apontadas, que partam de um

diagnóstico preliminar da turma e mesmo um conhecimento de suas próprias

ferramentas para reaproveitar esse manual de diferentes maneiras de acordo com a

necessidade de cada turma.

O manual de instrução programada, talvez alguém aponte, com razão, não é o

material didático “ideal” para o professor que busque numa sala um espaço aberto para

diferentes discursos, por ser de tal modo individualizado, que não há, durante o

aprendizado diálogo algum. Entretanto, por ter essa imperfeição, pode ser, esse mesmo,

abertura para um novo espaço, e ainda, de espaços que se comparam com o anterior,

do aprendizado individualizado, de modo que o debate, ou o aprendizado coletivo em

qualquer forma, tem um novo valor com a utilização do manual.

COMO USAR O MANUAL?

Para apresentar um método, ou possibilidades de acesso para se utilizar o

manual de instrução programada, problematizando a crise numa turma de

administração, é necessário antes reconhecer que este não é um material didático

completo, no sentido de que ele não dá conta do processo educacional como um todo.

Entender o processo educacional envolve reconhecer como não há menor ou

maior parte no processo, mas que cada parte específica deve ser desenvolvida em

busca de um retorno por parte dos alunos ao longo de todo o percurso acadêmico. Em

outros termos, uma atividade, avaliação, etc. não limita ao seu momento, mas deve ser

25 Autores como Heidegger, Arendt, Nietzsche, Sartre, apontam a importância da solidão para a filosofia. No caso de

Arendt, resgatando, a dualidade vita activa e victa meditativa, a autora aponta que a vida meditativa possui um caráter de solidão e pensamento, e a filosofia, a leitura e o estudo em geral, devem aprender a ser valorizados. Neste sentido, o manual tem um importante papel no desenvolvimento da vida meditativa; a vida ativa possui o seu auge na ação, o espaço entre os homens de liberdade e ação política, de novos inícios, que também podem surgir “gestados” numa meditação, mas estão sempre num ambiente coletivo. Assim, o manual, nesses dois momentos, é poderoso para que a introdução à filosofia torne-se um aprendizado completo, como o desenvolvimento do hábito da leitura, do estudo e da metodologia filosófica, mas também um espaço crítico e político.

104 Programa de Pós-graduação em Filosofia e Ensino – Wagner de Moraes Pinheiro

revivida ao longo do processo educacional.

No primeiro momento, deve-se deixar claro o propósito do estudo, e da

introdução do manual no processo educacional. Ao final desse momento, de

compreensão textual, e problematização pessoal dos conceitos, o aluno deve ser capaz

de traduzir os conceitos com suas próprias palavras, e, de maneira organizada, traçar

um método próprio para uma crítica textual, ou seja, que ele mesmo possa estar apto a

criticar o manual e o texto que leu, baseado em seu percurso próprio, não alheio26.

Por isso, o programa não deve servir apenas para a apreensão do texto, mas

sugere-se que se inclua, após este, um debate, ou um momento de problematização do

programa. Esse momento pode ser seguido de leitura de textos que retornem ao tema,

de modo que, posteriormente, o manual possa ser refeito em sala ao longo do curso

como modo de retomar o debate.

No segundo momento27, não siga com o mesmo método do manual, mas busque

problematizar a ideia de uma crítica textual individual, mesmo que este método seja

aprofundado, buscando um choque com as diferentes ideias, diferentes opiniões.

Esse momento deve ser aproveitado para que, do amadurecimento da lida com

o manual possa surgir uma turma que consiga tanto se colocar, buscando um rigor em

seus debates, num espaço aberto para diferentes discursos, quanto desenvolver apreço

pelo conhecimento e pelo saber.

A ESTRUTURA DO MANUAL

A divisão geral do manual é dada por seu esqueleto que foi estabelecido por 10

perguntas a respeito da construção da problemática da crise em Arendt. Essas

perguntas se levantam com o objetivo de subverter o conceito inicial do programa de

instrução, buscando uma via mais reflexiva como motor do aprendizado, visto que está

26 Uma maneira de estimular o percurso próprio do aluno em sua crítica pessoal do programa é pedir com que eles

elaborem seus próprios questionários para os manuais e, na segunda vez que o fizerem, embaralhar, de modo que um preencha o questionário que o outro fez; outra sugestão é pedir que desenvolvam uma crítica pessoal e coletiva do manual em dois momentos do curso. Os critérios para a crítica do manual podem ser estabelecidos pelo professor anteriormente, ou podem ser estabelecidos conjuntamente em sala.

27 O primeiro momento no trabalho do manual de instrução programada pode durar mais tempo com uma turma e

menos com outras. Cabe ao professor testar e discernir se a turma já assimilou a metodologia filosófica, de estudos e leitura e está madura para entrar no espaço de debates. O uso do manual pode ser seguido de uma leitura de texto e outro manual, ou uma aula predominantemente expositiva antes de uma aula dedicada a debates, oficinas ou crítica textual.

105 Programa de Pós-graduação em Filosofia e Ensino – Wagner de Moraes Pinheiro

sendo aplicado para a disciplina de filosofia.

O desdobramento das questões constrói os demais pontos do manual. Nesses

desdobramentos, há questões que exigem que se complete a frase com a palavra mais

adequada, de alternativas, “a”, “b” ou “c” e questões que não exigem respostas.

É natural haver, em alguns alunos, uma confusão inicial, de “reconhecimento de

terreno”, mas ao longo do preenchimento do manual essas dificuldades serão sanadas.

Isso pode ser problematizado posteriormente, principalmente em turmas em que se nota

uma disparidade grande no contato com a filosofia no ensino médio.

Os passos para o manual são:

1. Apresentar um trecho-chave do texto “A crise na educação” de Arendt, que

estabelece os conceitos a serem problematizados ao longo do manual por meio

das questões. O trecho será lido duas vezes. Antes e depois do manual.

2. Propor uma “situação-limite”, um problema real para um administrador e o

conceito que se relacionará constantemente o problema de Arendt da crise. O

dilema também só será lido após o manual.

3. Definir Crise:

a) Ruptura com todas as estruturas que dão base ao sujeito e com a tradição

b) Oportunidade de crítica e do surgimento de algo novo

4. Definir crise como:

a) Oportunidade para reflexão.

b) Oportunidade para o surgimento para o novo

5. Apresentar as duas respostas para a crise:

a) A crítica

b) A preconceituosa

6. Compreensão:

a) O motor para uma resposta crítica, pois é o diálogo com a crise

b) A compreensão não tem fim, é um exercício constante que se põe sob a crise.

7. Apontar as consequências de ambas as respostas para a crise: a preconceituosa

e a crítica

8. Mostrar a resposta preconceituosa como desastrosa e desperdiçando a

oportunidade deixada pela crise.

106 Programa de Pós-graduação em Filosofia e Ensino – Wagner de Moraes Pinheiro

9. Apontar a necessidade de reflexão e de resgate da tradição por parte da

resposta crítica para se alcançar a uma crítica tanto atual quanto preservada do

que a crise perdeu – o passado esquecido, numa presentificação por meio da

crítica à crise.

10. Inserir a reflexão da crise, o diálogo com a tradição e a ação como uma resposta

crítica à crise. A ação refletida como o resultado da resposta crítica à crise.

11. Apresentar a ação como o novo início que parte de uma resposta crítica à crise

e surge de um espaço de diálogo, debate e diferença entre os homens.

12. O ensino crítico como o oposto da doutrinação ideológica, que possui o papel de

produzir o espaço do diálogo, de debate e das diferenças entre os homens.

13. Oposição entre o conceito de compreensão e os conceitos “ideologia”,

“doutrinação ideológica” e “preconceito”.

14. Propor a compreensão como o motor da relação entre compreensão e a resposta

crítica à crise.

15. Questionar a relação universal entre crítica e crise: há apenas uma crise ou é

possível haver a crítica das crises vividas em seu cotidiano?

16. Argumentar a importância de estar em contínuo exercício de compreensão por

meio de uma resposta crítica à crise em seus múltiplos âmbitos.

17. Retomar o conceito de crise por meio de um aprofundamento prático do dilema

com a finalidade de problematizar o percurso do programa. Além disso,

individualizar o modo do aluno se apropriar do conceito de crise, assim como da

ideia do debate, sendo o programa, cada vez mais, um preparo para um segundo

momento.

18. Seguir com um questionário para que sirva como continuidade para o primeiro

momento, de desenvolvimento de estudo textual, e preâmbulo para o segundo

momento.

OBJETIVO GERAL:

1. Tratar dos conceitos de crise e compreensão em Arendt

OBJETIVOS ESPECÍFICOS. Após cumprir o programa, o aluno deve estar apto a:

1. Entender os conceitos de crise e os três conceitos que definem a resposta crítica

107 Programa de Pós-graduação em Filosofia e Ensino – Wagner de Moraes Pinheiro

a esta.

2. Estar apto a buscar um caminho próprio para explicar o que é a reflexão a partir

da crise, diálogo com a tradição e ação.

3. Definir o exercício de compreensão como o motor da relação entre esses três

conceitos como resposta crítica à crise.

4. Reconhecer os múltiplos âmbitos da crise e a necessidade de se estar em

diálogo com esta de modo crítico em seus diversos espaços.

5. Defender sua visão num debate de modo crítico, e, especificamente, sobre o

tema da crise em Hannah Arendt, sem buscar um caminho de outrem, mas, sem

se perder do esquema conceitual de Arendt. Ser capaz de defender sua

apropriação da autora e relacioná-la com sua opinião a respeito do debate28.

28 Sugere-se que o debate seja temático, dividindo-se grupos e representantes e, então, se reserve momentos para

que todos falem. Há modelos de debates competitivos, debates abertos, e esses podem ser aproveitados em suas riquezas em momentos diferentes e também podem ser misturados para que a turma sinta como a fragilidade nas relações humanas é tantas vezes transformada rapidamente, de lideranças autoritárias, anárquicas, e democráticas. Essas relações encontram-se facilmente dentro dos debates usando o manual, com conceitos como os de doutrinação ideológica, reflexão, nas duas respostas à crise e outros possíveis.

108 Programa de Pós-graduação em Filosofia e Ensino – Wagner de Moraes Pinheiro

MANUAL DE INSTRUÇÃO PROGRAMADA – A CRISE NA

EDUCAÇÃO EM HANNAH ARENDT

INSTRUÇÕES PARA O MANUAL:

1. Esse manual não é uma prova, é um instrumento de aprendizado, por isto é

escrito de maneira incomum.

2. Cada página é formada por quadros.

3. Cada quadro apresenta uma informação solicitando, geralmente, uma ou várias

respostas.

4. Leia cada quadro cuidadosamente, cobrindo a coluna da esquerda de alguma

forma.

5. Não havendo pergunta, leia atentamente o texto e siga em frente para o próximo

quadro.

6. Caso houver pergunta, escreva-a no lugar correspondente, ou marque a letra,

conforme for o caso.

7. Após ter escrito sua resposta, você poderá tirar o anteparo para conferir a

resposta.

8. As respostas que não corresponderem ao gabarito serão problematizadas ao

final do exercício.

9. Há palavras que estão entre colchetes. São palavras-chave. Uma sugestão é

montar um esquema mental com essas palavras para guiar seu aprendizado ao

longo do manual.

10. Neste programa, o aprendizado é individual. Portanto, o modo como a lógica do

texto se apresenta pode ganhar sentido gradativamente, ou rapidamente se

apresentar um entendimento do texto.

11. Termine o manual no tempo que precisar.

109 Programa de Pós-graduação em Filosofia e Ensino – Wagner de Moraes Pinheiro

Leia atentamente o texto abaixo:

Uma crise nos obriga a voltar às questões mesmas e exige respostas novas ou

velhas, mas, de qualquer modo julgamentos diretos. Uma crise só se torna um

desastre quando respondemos a ela com juízos pré-formados, isto é, com

preconceitos. Uma atitude dessas não apenas aguça a crise como nos priva da

experiência da realidade e da oportunidade por ela proporcionada à reflexão

(ARENDT, 2011 p.223)29.

[Agora que você leu o texto não deve voltar para ele enquanto preenche o manual]

Dilema Moral

Segundo instituto de pesquisa, 80% dos funcionários assumiram que

agiriam de forma antiética em ambiente de trabalho, dependendo das

condições30. Se a corrupção ocorresse dentro da sua empresa de forma

sistemática e supondo que você seja um funcionário de uma grande

empresa. Aos poucos, você percebe que o comportamento nos setores

ao seu redor na empresa, é generalizado, há uma abertura para que seu

proceder seja antiético.

Ao saber que sua equipe está desmotivada, seu chefe oferece para a

equipe benefícios com o objetivo de alcançarem metas mais rápido. Seus

colegas saem na frente e já apresentam metas alcançadas ao chefe. Em

resposta, você:

ir para 2.1 ( ) Aceita a proposta

ir para 1.1 ( ) Não aceita

ir para 2.1 ( ) Preciso pensar mais a

respeito

29 Hannah Arendt : Entre o passado e o futuro, Ed. Perspectiva. 2011 p. 223/ “A crise na educação”

30 Cf. http://jornalggn.com.br/blog/luisnassif/pesquisa-revela-falta-de-etica-entre-funcionarios-no-pais

110 Programa de Pós-graduação em Filosofia e Ensino – Wagner de Moraes Pinheiro

1.1

Não precisa responder

1.:O que é crise?

1.1 Para Hannah Arendt, a crise é a [Perda] das

estruturas que dão base ao sujeito e [ruptura]

daquilo que liga ele com a tradição.

1.2

Crise

Futuro

1.2 A tradição é abandonada pela

______, pois vive-se, como diz Hannah Arendt

entre um passado esquecido e um _____

incerto. Assim, a crise nos deixa sem critérios

para compreender nosso tempo.

1.3

oportunidade

bases

1.3 Para um olhar [compreensivo] desse

momento, devemos aproveitar a crise como

uma ___________ para a reflexão. De modo

que, apesar de tirar as ______ que sustentam

as certezas do indivíduo, a crise mostra-se

como um momento fértil para transformações.

1.4

reflexão

novo

1.4 A [oportunidade] para _______ e surgimento

do [novo] é um lado positivo da [crise], e para

aproveitar esse lado é preciso dar a resposta

exigida pela crise, ou seja, uma resposta crítica.

2.1: críticas crise preconceituosa

2.: Quais as possíveis respostas à crise?

2.1 As repostas [preconceituosas] e as _____

são alternativas para se responder à

___________. A resposta __________

desperdiça a oportunidade deixada pela crise. A

resposta crítica aproveita esta.

Entendeu o conceito de crise em Hannah

Arendt?

111 Programa de Pós-graduação em Filosofia e Ensino – Wagner de Moraes Pinheiro

2.3

Reflexão

tradição

crise

2.3[Compreensão] é o diálogo com a crise.

Parte de uma __________ que resgata a

_______ que foi esquecida pela _________

2.4

passado.

2.4 [Refletir] sobre a tradição, em diálogo com a

crise é importante para tornar presente aquilo

que ficou no __________.

3.1

Compreensão

Tradição

3: Como dar uma resposta crítica à crise?

3.1 A reflexão sobre a crise é uma resposta que

parte do indivíduo ou do grupo. Assim, a

___________ é o diálogo constante e

interminável de um grupo, ou indivíduo, com a

crise. A busca de novas respostas que não

podem partir de outro, mas são construídas por

uma presentificação da ____________ por meio

de novas reflexões e o embate de diferentes

ideias.

4.1

Crítica

refletir

debater

crise

4:Como estabelecer um diálogo com a crise?

4.1 A compreensão é o diálogo com a crise. E

se estabelece pela resposta _________ à crise.

Essa resposta parte de uma iniciativa do

indivíduo, de não terceirizar suas respostas, ao

___________ sobre elas e também __________

com pessoas de diferentes ideias em busca de

uma resposta para a _______.

114

4.2

tradição

reflexão

4.2 Na crise da ______ perdemos os critérios

que moldam de onde vimos e nos permitem

projetar para onde vamos. É preciso [Resgatar]

o diálogo com esta, para tornar o passado

presente no contexto da crise pela ________.

Portanto, pensar traz a possibilidade de um

novo presente, e, assim, um novo início.

4.3

Oportunidade

Novo

Reflexão

4.3 [Diferentes] opiniões surgem numa crise.

Para aproveitar a _________ para um novo

início e para _______ deixada pela crise deve

se usar o espaço da política, onde há

multiplicidade de discursos e diálogo.

5.

preconceituosa

oportunidade

5. As consequências das respostas à crise:

5.1 A resposta ___________ desperdiça a

__________ dada pela crise, e apenas aguça os

problemas deixados por ela.

5.2

(não precisa responder nada)

5.2 A reflexão está em diálogo com a tradição,

movida pelo diálogo com a crise. O espaço da

reflexão permite diferentes discursos e

oportuniza novos inícios

5.3

(Não precisa responder nada)

Ação é toda decisão, discurso, atitude, que é

inaugural no âmbito humano. Em suas relações

e produções, individuais e coletivas. A ação

propicia novas possibilidades de existir e se

relacionar.

5.4

diálogo com a crise

oportunidade

preconceituosas

Por um lado, a compreensão é

o_____________, que aproveita a________

para a reflexão deixada por esta. Por outro lado,

a doutrinação ideológica produz respostas

______, e aguça a crise.

115 Programa de Pós-graduação em Filosofia e Ensino – Wagner de Moraes Pinheiro

6.1

reflexão

crítica

6. O que são respostas preconceituosas?

6.1 O preconceito é eximir-se do exercício

da ________, ou seja, quando não há uma

resposta _______para a crise.

7.1

doutrinação ideológica

debate

7: O que faz a doutrinação ideológica?

7.1: A _______________ terceiriza a

resposta à crise com respostas prontas,

não havendo espaço para _________ e

multiplicidade de opiniões, prevalecendo,

assim, um pensamento único.

8.1

pensar/refletir

crise

novas

tradição

8: o que produz um novo início

8.1 A resposta deve partir da autonomia

de _______ a crise. A educação crítica

propõe que a pessoa assuma sua

responsabilidade de fazê-lo. Isso é

positivo, pois numa ______, a resposta de

cada um é importante por suas

individualidades, buscando ______

respostas. Essas surgem do diálogo com

a crise e a ______. Em suma, os outros.

8.2

Não precisa responder nada

O novo início oportunizado pela crise é

visto por Arendt como o momento original

e criativo desta. A [ação] é o que indica o

novo início. Se teve dificuldade em

compreender o conceito de ação, volte em

5.2 e 5.3

9.

letra b)

9. reconhece-se a crise de diferentes

formas nas empresas. Como reagir a

elas? a) de forma preconceituosa e de

forma acrítica b) em diálogo com a crise c)

de forma esclarecida e antiética

116 Programa de Pós-graduação em Filosofia e Ensino – Wagner de Moraes Pinheiro

a)____(resposta)____________

b)____(resposta)____________

10: Volte ao dilema. Coloque-se no lugar

do funcionário da empresa que está

numa crise ética e moral. Qual seria o

posicionamento, segundo Arendt, que

aprofundaria a crise? E qual aproveitaria

a oportunidade trazida por ela?

117 Programa de Pós-graduação em Filosofia e Ensino – Wagner de Moraes Pinheiro

PESQUISA QUALI-QUANTITATIVA (marque a opção desejada):

1. Agora que você terminou o manual, releia o trecho do texto de Arendt. A sua

percepção a respeito do texto mudou? Se sim, quanto?

(sim)

(não)

(não sei)

-----------

(muito)

(pouco)

Obs.:_________________________________________________________________

2. Você teve dificuldade em alguma questão?

Qual?________________________________________________________________

_____________________________________________

3. Você acredita que esse manual pode ser melhorado? Em que

aspecto?______________________________________________________________

_______________________________________________

4. Você acredita que esse programa ajudou você a compreender o problema levantado

por Arendt na discussão do tema da crise?

_____________________________________________________________________

________________________________________

5. O que você acha desse tipo de material numa aula de filosofia para futuros

administradores?

(útil)

(inviável)

Por quê?: _____________________________________________________________

_____________________________________________________________________

118 Programa de Pós-graduação em Filosofia e Ensino – Wagner de Moraes Pinheiro

ANEXO A – EMENTAS DO CURSO DE FILOSOFIA PARA

ADMINISTRAÇÃO

CENTRO FEDERAL DE EDUCAÇÃO TECNOLÓGICA CELSO SUCKOW DA FONSECA / RJ

DEPARTAMENTO DE ADMINISTRAÇÃO (DEPEA)

Filosofia para Administração - GADM 7703 - (2.0.0) 2

Cronograma de aulas - 2014-1

CURSO GADM

Cód GADM7703

Turma 800004

PERÍODO 1º Semestre

Nome da disciplina FILOSOFIA NA ADMINISTRAÇÃO

Ano 2014

Vagas 60

Dia 5ª

Hr_início/fim 13:35 – 17:20

TIPO_AULA Teórica

Professor Responsável: Maurício Castanheira

Ementa Oficial: Introdução à Filosofia, Lógica; Filosofia da Linguagem, teoria do Conhecimento; Estética

Objetivos

.Desenvolver hábitos e atitudes intelectuais: profundidade, clareza e rigor do pensamento.

.Introduzir no vocabulário técnico, na terminologia filosófica, qualificando para ler textos e obras filosóficas,

.Apreensão de conceitos-chave para a interpretação filosófica, desenvolvendo um método de estudo adequado à filosofia.

.Possibilitar a expressão adequada do pensamento, na redação e argumentação.

Bibliografia Básica:

ARANHA, M. L. A.; MARTINS, M. H. P. Filosofando: introdução à

119 Programa de Pós-graduação em Filosofia e Ensino – Wagner de Moraes Pinheiro

filosofia. 2.aed. Rev. atual. São Paulo: Moderna, 2002.

GAARDER, Jostein. O mundo de Sofia. Romance da historia da filosofia. Ed.: Companhia das letras / SP. 1991. (Livro texto)

MONDIN, B. Introdução à Filosofia: problemas, sistemas, autores, obras. 12.ed.São Paulo: Paulus, 2001.

Bibliografia Complementar:

BORNHEIM, G. Introdução ao filosofar. 9. ed. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 1998.

CHAUÍ, M. Convite à Filosofia. São Paulo: Ática. 12.ed, 2001

JOLIVET, R. Curso de Filosofia. Rio de Janeiro: Agir. 20.ed, 2001

LUCKESI, C. PASSOS, E. S. Introdução à Filosofia: aprendendo a pensar. São Paulo: Cortez, 2002

MORENTE, M. G. 1980 Fundamentos da Filosofia: lições preliminares. 8. ed. São Paulo: Mestre Jou, 2008

PAIVA, V. Filosofia, encantamento e caminho: introdução ao exercício do filosofar. São Paulo: Paulus, 2002

REALE, M. Introdução à Filosofia. 4. ed. São Paulo: Saraiva, 2002

Bibliografia de Referência

ABBAGNANO, N. Dicionário de Filosofia. São Paulo: Martins Fontes. 1998

BACKBURN, S. Dicionário Oxford de Filosofia. Rio de Janeiro: Jorge Zahar. 1997

JAPIASSÚ, H. & MARCONDES, D. Dicionário Básico de Filosofia. Rio de Janeiro; Jorge Zahar. 1996

LALANDE, A. Vocabulário Técnico e Crítico da Filosofia. São Paulo: Martins Fontes. 1999

MORA, J. F. Dicionário de Filosofia. São Paulo: Loyola. 2000

Avaliação: Além de 75% de freqüência obrigatória, pretende-se que os estudantes construam ensaios (aproximadamente 8) ao longo dos encontros para debate em sala e, uma apresentação por escrito de um tema filosófico aplicado à Administração Contemporânea, uma prova escrita e um trabalho em grupo englobando etapas da disciplina, mesmo que enfatizando um determinado enfoque.

Metodologia: Aulas expositivas e Discussão de textos propostos para leitura prévia

Sistema de Avaliação: Duas provas bimestrais escritas e participação dos alunos em atividades propostas, além de 75% de frequência.

120 Programa de Pós-graduação em Filosofia e Ensino – Wagner de Moraes Pinheiro

CENTRO FEDERAL DE EDUCAÇÃO TECNOLÓGICA CELSO

SUCKOW DA FONSECA / RJ

DEPARTAMENTO DE ADMINISTRAÇÃO (DEPEA)

CURSO GADM

Cód GADM7703 (2.0.0) 2

Turma 800004

PERÍODO 1º Semestre

Nome da disciplina FILOSOFIA NA ADMINISTRAÇÃO

Ano 2016.2

Vagas 60

Dia Qui

Hr_início/fim 12:40:00 - 14:20:00

TIPO_AULA Teórica

Professor Responsável: Maurício Castanheira – mailto:

[email protected]

Ementa Oficial:

Introdução à Filosofia, Lógica; Filosofia da Linguagem, Teoria do

Conhecimento; Estética

Objetivos:

Desenvolver hábitos e atitudes intelectuais: profundidade, clareza e

rigor do pensamento.

Introduzir no vocabulário técnico a terminologia filosófica, qualificando

para ler textos e obras filosóficas,

Apreensão de conceitos-chave para a interpretação filosófica,

desenvolvendo um método de estudo adequado à filosofia.

Possibilitar a expressão adequada do pensamento, na redação e

argumentação.

Bibliografia Complementar:

121 Programa de Pós-graduação em Filosofia e Ensino – Wagner de Moraes Pinheiro

BORNHEIM, G. Introdução ao filosofar. 9. ed. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 1998.

CHAUÍ, M. Convite à Filosofia. São Paulo: Ática. 12.ed, 2001

JOLIVET, R. Curso de Filosofia. Rio de Janeiro: Agir. 20.ed. 2001

LUCKESI, C. PASSOS, E. S. Introdução à Filosofia: aprendendo a pensar. São Paulo: Cortez. 2002

MORENTE, M. G. Fundamentos da Filosofia: lições preliminares. 8. ed. São Paulo: Mestre Jou. 1980

PAIVA, V. Filosofia, encantamento e caminho: introdução ao exercício do filosofar. São Paulo: Paulus. 2002

REALE, M. Introdução à Filosofia. 4. ed. São Paulo: Saraiva, 2002.

Bibliografia de Referência

ABBAGNANO, N. 1998 Dicionário de Filosofia. São Paulo: Martins Fontes.

BACKBURN, S. 1997 Dicionário Oxford de Filosofia. Rio de Janeiro: Jorge Zahar.

JAPIASSÚ, H. & MARCONDES, D. 1996 Dicionário Básico de Filosofia. Rio de Janeiro; Jorge Zahar.

LALANDE, A. 1999 Vocabulário Técnico e Crítico da Filosofia. São Paulo: Martins Fontes.

MORA, J. F. 2000 Dicionário de Filosofia. São Paulo: Loyola.

Avaliação: Além de 75% de freqüência obrigatória, pretende-se que os estudantes construam ensaios (aproximadamente 8) ao longo dos encontros para debate em sala e, uma apresentação por escrito de um tema filosófico aplicado à Administração Contemporânea, uma prova escrita e um trabalho em grupo englobando etapas da disciplina, mesmo que enfatizando um determinado enfoque.

Metodologia: Aulas expositivas e Discussão de textos propostos para leitura prévia

Sistema de Avaliação: Duas provas bimestrais escritas e

participação dos alunos em atividades propostas, além de 75% de

frequência.