29
CADERNO IEP/MPRJ, n. 2, out. 2018. A NOVA CONCEPÇÃO DE CRIANÇA E ADOLESCENTE COMO SUJEITO DE DIREITOS: DEPOIMENTO ESPECIAL EM PROCESSOS JUDICIAIS NO TJ/RJ Valéria Corrêa Tricano 1 RESUMO: Este artigo versa sobre a implantação e o funcionamento do Núcleo de Depoimento Especial de Crianças e Adolescentes NUDECA, projeto instituído em 2012 pelo Tribunal de Justiça do Estado do Rio de Janeiro para garantir a efetividade dos direitos e da proteção de crianças e adolescentes vítimas e testemunhas em processos judiciais, conforme estabelece o ordenamento jurídico brasileiro. Ao longo do desenvolvimento do tema, a autora acende reflexões sobre as transformações no paradigma de infância ao longo da história e sua influência no Direito. São apresentados os documentos internacionais que marcaram a história do reconhecimento e da ampliação dos direitos da criança e do adolescente e os avanços da legislação brasileira nesse sentido. Há ainda uma análise do papel da Constituição Federal de 1988 do Estatuto da Criança e do Adolescente ECA (Lei 8.069/90) nesse processo de garantia de direitos do público infanto-juvenil. Essas transformações sociais e jurídicas nos remetem ao Depoimento Especial, um modelo de escuta judicial diferenciada para crianças e adolescentes vítimas ou testemunhas de violência. A pesquisa foi desenvolvida com base no método indutivo, realizando um estudo exploratório, descritivo e explicativo do tema, priorizando a abordagem qualitativa, por meio de pesquisa bibliográfica, documental e de campo. Palavras chave: Criança. Adolescente. Depoimento Especial. NUDECA. ABSTRACT: This article talks about NUDECA (Child and Adolescents Special Center) based on testimonies. NUDECA is a project founded in 2012 by Court of Law of Rio de Janeiro in order to ensure the effectiviness of the Protective rights of Child and Adolescents, victims or eye-witnesses in law suits under the Brazilian Legal Order's determinations. Throughout the topic's development the author proposes reflections about transformations in the paradigma of Infancy through its history and influence to the Law environment. Presenting the international documents which set not only the history of recognition and the expansion of the rights of Child and Adolescents, but also the advances of Brazilian legislation about this topic. There is still an analysis of the role of 1988 Federal Constitution, the Child and Adolescent Statute and ECA (law 8069/90) in this process focusing on gensuring the rights of the Youth public. These social and legal transformations remit us to Special Testimony, a model of judicial wire differentiated to children and adolescents (victims or eye-witnesses of violence). This research was developed based on an inductive method, making an exploratory, descriptive and clarified study about the topic and prioritizing the qualitative approach by bibliographic, documental and field research. Keywords: Child. Adolescents. Special Testimony. NUDECA. 1 Comissária de Justiça da Infância, da Juventude e do Idoso do Tribunal de Justiça do Estado do Rio de Janeiro.

A NOVA CONCEPÇÃO DE CRIANÇA E ADOLESCENTE COMO …iep.mprj.mp.br/documents/221399/353479/valeriatri... · A publicação do livro de Phillipe Ariés, intitulado “A História

  • Upload
    others

  • View
    2

  • Download
    0

Embed Size (px)

Citation preview

CADERNO IEP/MPRJ, n. 2, out. 2018.

A NOVA CONCEPÇÃO DE CRIANÇA E ADOLESCENTE COMO SUJEITO DE

DIREITOS: DEPOIMENTO ESPECIAL EM PROCESSOS JUDICIAIS NO TJ/RJ

Valéria Corrêa Tricano

1

RESUMO: Este artigo versa sobre a implantação e o funcionamento do Núcleo de

Depoimento Especial de Crianças e Adolescentes – NUDECA, projeto instituído em 2012

pelo Tribunal de Justiça do Estado do Rio de Janeiro para garantir a efetividade dos direitos e

da proteção de crianças e adolescentes vítimas e testemunhas em processos judiciais,

conforme estabelece o ordenamento jurídico brasileiro. Ao longo do desenvolvimento do

tema, a autora acende reflexões sobre as transformações no paradigma de infância ao longo da

história e sua influência no Direito. São apresentados os documentos internacionais que

marcaram a história do reconhecimento e da ampliação dos direitos da criança e do

adolescente e os avanços da legislação brasileira nesse sentido. Há ainda uma análise do papel

da Constituição Federal de 1988 do Estatuto da Criança e do Adolescente – ECA (Lei 8.069/90) – nesse processo de garantia de direitos do público infanto-juvenil. Essas

transformações sociais e jurídicas nos remetem ao Depoimento Especial, um modelo de

escuta judicial diferenciada para crianças e adolescentes vítimas ou testemunhas de violência.

A pesquisa foi desenvolvida com base no método indutivo, realizando um estudo

exploratório, descritivo e explicativo do tema, priorizando a abordagem qualitativa, por meio

de pesquisa bibliográfica, documental e de campo.

Palavras chave: Criança. Adolescente. Depoimento Especial. NUDECA.

ABSTRACT: This article talks about NUDECA (Child and Adolescents Special Center)

based on testimonies. NUDECA is a project founded in 2012 by Court of Law of Rio de

Janeiro in order to ensure the effectiviness of the Protective rights of Child and Adolescents,

victims or eye-witnesses in law suits under the Brazilian Legal Order's determinations.

Throughout the topic's development the author proposes reflections about transformations in

the paradigma of Infancy through its history and influence to the Law

environment. Presenting the international documents which set not only the history of

recognition and the expansion of the rights of Child and Adolescents, but also the advances of

Brazilian legislation about this topic. There is still an analysis of the role of 1988 Federal

Constitution, the Child and Adolescent Statute and ECA (law 8069/90) in this process focusing on gensuring the rights of the Youth public. These social and legal transformations

remit us to Special Testimony, a model of judicial wire differentiated to children and

adolescents (victims or eye-witnesses of violence). This research was developed based on an

inductive method, making an exploratory, descriptive and clarified study about the topic and

prioritizing the qualitative approach by bibliographic, documental and field research.

Keywords: Child. Adolescents. Special Testimony. NUDECA. 1 Comissária de Justiça da Infância, da Juventude e do Idoso do Tribunal de Justiça do Estado do Rio de Janeiro.

CADERNO IEP/MPRJ, n. 2, out. 2018.

Sumário: 1 Introdução. 2 Concepções de infância da antiguidade à atualidade. 3 Aspectos normativos do direito da criança e do adolescente. 4 O depoimento especial e a escuta de

crianças vítimas de crimes sexuais no Poder Judiciário. 5 O Núcleo de Depoimento Especial

do Tribunal de Justiça do Estado do Rio de Janeiro. 6 Considerações finais. Referências

bibliográficas.

1 INTRODUÇÃO

O Poder Judiciário do Estado do Rio de Janeiro implantou, em 2012, o Núcleo de

Depoimento Especial de Crianças e Adolescentes - NUDECA, com o intuito de fazer uma

escuta diferenciada de crianças e adolescentes vítimas e testemunhas de violência. Uma das

questões que impulsionaram a elaboração deste trabalho é o fato de que a temática ainda não

foi largamente enfrentada.

O objetivo desse trabalho é analisar as circunstâncias que levaram à implantação do

depoimento especial, e conhecer a estrutura e o funcionamento do projeto no Tribunal de

Justiça do Rio de Janeiro. Para tal, é necessário compreender a evolução histórica da

concepção de infância ao longo do tempo, bem como as mudanças no ordenamento jurídico

com o reconhecimento da criança e do adolescente como sujeitos de direito.

Inicialmente, o artigo aborda o conceito de criança e adolescente, analisando o

processo histórico da construção da concepção moderna de infância. Posteriormente, analisa

os aspectos históricos e normativos do Direito da Criança e do Adolescente, chegando ao

papel desempenhado pelo Poder Judiciário no Sistema de Garantias e Direitos que visa

assegurar a efetivação dos direitos fundamentais garantidos pela Constituição Federal. Por

fim, considera a implantação do Depoimento Especial pelo Tribunal de Justiça do Estado do

Rio de Janeiro através dos Atos Executivos n° 4297/12 e 4298/12, instituindo o Núcleo de

Depoimento da Criança e do Adolescente – NUDECA, analisando sua estrutura e

funcionamento.

A pesquisa foi desenvolvida com base no método indutivo. O estudo realizado é

exploratório, descritivo e explicativo, na medida em que proporciona maior familiaridade com

o depoimento especial, descrevendo suas características e analisando os fatores que levaram à

adoção de tal prática pelo Poder Judiciário do Estado do Rio de Janeiro. A abordagem do

tema é qualitativa e desenvolvida com base em pesquisa bibliográfica e documental, além de

algumas considerações fundadas na observação realizada pela autora, tendo em vista

desempenhar a função de entrevistadora no NUDECA.

CADERNO IEP/MPRJ, n. 2, out. 2018.

2 CONCEPÇÕES DE INFÂNCIA DA ANTIGUIDADE À ATUALIDADE

Nas últimas décadas configurou-se um discurso no sentido de assegurar os direitos

fundamentais relacionados às crianças e adolescentes, impulsionando uma série de

implicações para sociedade contemporânea, mas esta concepção moderna de infância foi

sendo historicamente construída ao longo dos anos. Discorrendo sobre o tema, Andréa

Rodrigues Amin assevera que durante muito tempo “os filhos não eram sujeitos de direitos,

mas sim objeto de relações jurídicas sobre os quais o pai exercia direito de proprietário”2,

sendo conferido a este último o poder absoluto sobre sua prole.

A publicação do livro de Phillipe Ariés, intitulado “A História Social da Criança e da

Família”, na França em 1960 e nos Estados Unidos em 1962, marcou o início do processo de

construção da concepção de infância. A referida obra foi traduzida para a língua portuguesa e

nos permite entender melhor o processo de reconhecimento da infância. Segundo o autor, na

sociedade medieval não havia “sentimento de infância”3, ou seja, não eram consideradas as

peculiaridades da criança em relação aos adultos, e assim que o infante tinha condições de

viver sem depender fisicamente de sua mãe, se afastava da família e era incorporado ao

mundo dos adultos, partilhando seus trabalhos, festas e jogos. Ariés enfatiza ainda que tal

comportamento não significava negligência, abandono ou desprezo por parte dos adultos em

relação aos infantes.

Assim sendo, a transmissão de valores e de conhecimentos se dava a partir dessa

convivência da criança com os adultos. Tal cenário sofre uma mudança considerável a partir

do século XVII, ocasião em que a tarefa de educar foi atribuída à escola e a criança deixou de

ser misturada com os adultos, passando então, a adquirir conhecimento naquela instituição4.

Mary Del Priore, em seus estudos sobre a infância no Brasil, sustenta que o processo

de construção da concepção de infância e adolescência ocorreu de forma diferenciada na

Europa e no Brasil, em consequência de fatores sociais, culturais e econômicos, destacando

que diferente da Europa, no Brasil, a implantação do sistema de escolarização e da

industrialização foi tardio, impedindo a adaptação dos indivíduos a este cenário. Quanto à

escolarização, ela afirma que, desde a colonização até metade do século XVIII, as escolas

eram privilégio para poucas crianças. No século XIX, as crianças oriundas de famílias pobres

2 AMIN, Andréa Rodrigues. Doutrina da Proteção Integral. In: MACIEL, Katia Regina Ferreira Lobo Andrade.

(Coord.). Curso de Direito da Criança e do Adolescente. 9. ed. São Paulo: Saraiva, 2016. 3 ARIÉS, Philipe. História Social da Criança e da Família. 2. ed. Rio de Janeiro: Livros Técnicos e Científicos

Editora S. A., 1981. p. 156. 4 Ibid, p. 10-11.

CADERNO IEP/MPRJ, n. 2, out. 2018.

eram preparadas para o trabalho, essa atividade tinha prioridade em prejuízo da formação

escolar5.

Discorrendo ainda sobre a situação da população infantil na sociedade escravista no

Brasil, a autora sustenta que as crianças eram inseridas no trabalho infantil cedo, por volta dos

quatro anos de idade, e poucas sobreviviam até os dez anos. Além disso era comum a

separação dolorosa de pais e filhos. Mas, com base nos relatos de viajantes estrangeiros, ela

conclui que a realidade do Brasil colonial não impedia que o afeto dos pais para com seus

filhos permeasse as relações parentais. Segundo Mary Del Priore, a exploração da mão de

obra infantil nas fazendas continuou mesmo após a abolição da escravidão, enquanto nos

centros urbanos ocorreu a proliferação de cortiços e favelas (séc. XIX e XX). Esses fatores

também colocavam as crianças em situações de risco. Este cenário levou a sociedade a refletir

sobre sua relação de responsabilidade para com a população infanto-juvenil, originando uma

nova consciência sobre a infância6.

Em nosso tempo, as gerações vivem divididas em espaços exclusivos, sendo

facilmente perceptível a separação da existência do homem em faixas etárias expressas

através do desempenho de papéis sociais: crianças, adolescentes, adultos jovens e adultos

velhos. Benedito Rodrigues dos Santos reconheceu que as crianças possuem um mundo

distinto do mundo dos adultos, com instituições, bens e serviços voltados para elas nas

diversas áreas e que tal mudança se deu a partir de um modo diferente de se estruturar e de dar

significação às passagens da vida7. Ele observa que, enquanto nas sociedades medievais a

infância era vista como uma etapa natural de progressão que levava a criança a se tornar

adulto, atualmente, a infância e a adolescência são encaradas como fases de formação e

preparação para fase adulta, sendo a infância vinculada ao tempo de estudar, enquanto a

adolescência é o período de transição da infância para a fase adulta. Nesta fase, o ser humano

não é mais criança, no entanto, ainda não se transformou em adulto.

Passamos a analisar como essas transformações no paradigma de infância influenciou

o ordenamento jurídico.

5 PRIORE, Mary Del (Org.). História das Crianças no Brasil. 7. ed. São Paulo: Contexto, 2016. p. 10.

6 Ibid, p. 11-14.

7 SANTOS, Benedito Rodrigues dos. Por uma escuta da criança e do adolescente social e culturalmente

contextualizada: concepções de infância e de adolescência, universalidade de direitos e respeito às diversidades.

In: SANTOS, Benedito. Rodrigues dos et al. (Orgs.). Escuta de crianças e adolescentes em situação de violência

sexual: aspectos teóricos e metodológicos: guia para capacitação em Depoimento Especial de crianças e

adolescentes. Brasília: Editora da Universidade Católica de Brasília, 2014.

CADERNO IEP/MPRJ, n. 2, out. 2018.

3 ASPECTOS NORMATIVOS DO DIREITO DA CRIANÇA E DO ADOLESCENTE

A violação dos direitos de crianças e adolescentes ficou evidenciada ao longo da

história da humanidade. Foi somente no final do século XIX que o tema passou a ser alvo de

especial atenção. Embora a mudança no paradigma de infância tenha ocorrido de forma

mundial, a dinâmica da consolidação das normas de garantia dos direitos da criança e do

adolescente em cada país está diretamente ligada a aspectos econômicos e culturais.

Discorrendo sobre a necessidade de atenção aos direitos da criança e do adolescente,

Luciano Alves Rossato relata um caso emblemático ocorrido nos Estados Unidos em 1874,

que deu origem à Sociedade de Prevenção da Crueldade contra Crianças de Nova York e

ficou conhecido como o caso Mary Ellen. Uma assistente social, Etta Wheeler, teve

conhecimento de que uma menina de nove anos de idade chamada Mary Ellen era vítima de

maus tratos infrafamiliares. Comovida pela situação em que a criança se encontrava, a

assistente social buscou ajudá-la. O caso chegou até a Suprema Corte. Por falta de uma

legislação que garantisse os direitos da criança e do adolescente, foi invocada a condição da

criança como parte do reino animal e se utilizou a previsão legal que protegia os animais

conforme defendido pela Sociedade de Prevenção à Crueldade aos Animais de Nova York8.

Conforme fartamente abordado na literatura, o século XIX e o início do século XX

foram marcados pela Revolução Industrial, que mudou o desenho da economia mundial, e por

duas Guerras Mundiais. Esses eventos tiveram resultados danosos que atingiram diretamente

a população infantojuvenil. As indústrias, por exemplo, não se furtavam a utilizar a mão de

obra infantil em terríveis condições de trabalho, além disso, as duas grandes Guerras

Mundiais levaram ao abandono de muitas crianças em razão da morte de seus pais.

Segundo Rossato, diante das circunstâncias apresentadas à época, documentos

internacionais foram criados e aprovados com o intuito de garantir os direitos de todos os

seres humanos, sem, no entanto, deixar de mencionar em seus artigos o direito das crianças9.

Entre estes documentos podemos citar: Convenções da OIT (1919); Declaração Universal dos

Direitos do Homem (1948); Pacto Internacional sobre Direitos Econômicos, Sociais e

Culturais (1966); e Convenções Europeia, Americana e Africana de Direitos Humanos. Ainda

segundo o autor, diante do contexto apresentado, a comunidade internacional reconheceu que

as crianças necessitam de atenção especial que as defenda dos danos causados por situações

de risco e, consequentemente, passou a adotar documentos voltados para a proteção da

8 ROSSATO, Luciano Alves; LÉPORE, Paulo Eduardo; CUNHA Rogério Sanches. Estatuto da Criança e do

adolescente: Lei n. 8.069/90 comentado artigo por artigo. 8. ed. rev. São Paulo: Saraiva, 2016. 9 Ibid, p. 41-49.

CADERNO IEP/MPRJ, n. 2, out. 2018.

infância, reconhecendo sua vulnerabilidade e declarando-a detentora de direitos como pessoa

em desenvolvimento.

Outros documentos internacionais foram criados para tutelar os direitos de crianças e

adolescentes, e marcaram a história do reconhecimento e da ampliação desses direitos. Estes

documentos foram relacionados por Andréa Rodrigues Amin, entre os quais destacamos a

Declaração dos Direitos da Criança de Genebra (1924), a Declaração dos Direitos da Criança

(1959), as Regras Mínimas das Nações Unidas para administração da Justiça da Infância e

Juventude – Regras de Beijing ou Regras de Pequim (1985) e a Convenção dos Direitos da

Criança (1989)10

.

No Brasil, nos anos posteriores à sua Independência, a legislação do país já sinalizava

uma preocupação com a população infantojuvenil. Tal preocupação era limitada aos casos de

crianças órfãs e enjeitadas, com medidas de caráter essencialmente assistencialista. Na

segunda metade do século XIX, a legislação demonstra a preocupação do Imperador D. Pedro

II com a formação educacional das crianças, como, por exemplo, nos Decretos N. 630, de 17

de setembro de 1851 e N. 1331-A, de 17 de fevereiro de 185411

.

Descrevendo o cenário brasileiro durante os séculos XIX e XX, Irene Rizzini relata,

que houve um aumento da população do Rio de Janeiro e São Paulo causado, principalmente,

pelo fim da escravidão. Grande parte da população vivia em condições de pobreza e a

quantidade de crianças e adolescentes abandonados ou delinquentes cresceu, trazendo

preocupação para a sociedade como um todo. A população infantojuvenil passou a ser

considerada como uma categoria jurídica dos menores de idade, e alvo da intervenção

formadora e reformadora do Estado e outros setores da sociedade, como as instituições

filantrópicas e religiosas. Segundo a autora, o enlace das iniciativas educacionais com os

objetivos de assistência e controle social, representou um perigo para aquela população

infantojuvenil, pois nesse tipo de educação, o indivíduo vive em reclusão “na sua modalidade

mais perversa e autoritária”, na qual “o indivíduo é gerido no tempo e no espaço pelas normas

institucionais, sob relações de poder totalmente desiguais”12

.

Nessa perspectiva, em 1926, surgiu o primeiro Código de Menores do Brasil (Decreto

n°5.083), que cuidava dos infantes expostos e menores abandonados. Em 1927 essa norma foi

ampliada e ficou conhecida como Código Mello Mattos (Decreto n° 17.943-A). Referindo-se

10

AMIN, Andréa Rodrigues. Doutrina da Proteção Integral. In: MACIEL, Katia Regina Ferreira Lobo Andrade.

(Coord.). Curso de Direito da Criança e do Adolescente. 9. ed. São Paulo: Saraiva, 2016. 11

RIZZINI, Irene. A criança e a Lei no Brasil: revisitando a história (1822-2000). 2. ed. Rio de Janeiro: Editora

Universitária Santa Úrsula, 2002. 12

RIZZINI, Irene; RIZZINI, Irma. A Institucionalização de Crianças no Brasil: percurso histórico e desafios do

presente. Rio de Janeiro: PUC Rio, 2004.

CADERNO IEP/MPRJ, n. 2, out. 2018.

a este código, Irene Rizzini nos diz que, embora seu texto se diferenciasse das normas

existentes por ser mais extenso, seu conteúdo era essencialmente o mesmo, acrescentando que

“O que o impulsionava era “resolver” o problema dos menores, prevendo todos os possíveis

detalhes e exercendo todos os possíveis controles sobre os menores (...)”.13

Em 1979 foi promulgado um novo Código de Menores14

, que, segundo a doutrina em

geral, era direcionado aos menores (art. 1°) em situação irregular (art. 2°), condição

relacionada ao estado de abandono ou delinquência. A segregação parecia a melhor solução e

o recolhimento de crianças às instituições de reclusão foi o principal instrumento de

assistência à infância no país. Dessa forma, a legislação brasileira consolidou a Doutrina da

Situação Irregular e centralizou as decisões na figura do juiz da infância.

Em perfeita sintonia com as normas internacionais que estabeleciam um novo

paradigma da infância e ampliavam os direitos de crianças e adolescentes, o Brasil promulga,

em 1988, a sua Constituição Federal, que representa um marco na história do direito e da

justiça no país, priorizando a dignidade da pessoa humana e conferindo à população

infantojuvenil o status de sujeitos de direito e a titularidade de direitos fundamentais. Em seu

artigo 227 estabeleceu a proteção integral e a prioridade absoluta em favor da criança e ao

adolescente.

Andréa Rodrigues Amin ressalta que o princípio da prioridade absoluta, estabelecido,

no artigo acima estabelece a primazia em favor de crianças e adolescentes na concretização

dos direitos fundamentais ali enumerados, levando em conta a condição de pessoa em

desenvolvimento, condição que deixa essa população mais vulnerável do que os adultos15

. A

prioridade é garantida em todas as esferas de interesse e deve ser assegurada por todos:

família, comunidade, sociedade em geral e poder público, realizando a proteção integral e,

consequentemente, mantendo a criança e o adolescente a salvo de todas as formas que possam

afastá-los do desenvolvimento sadio.

A norma constitucional, prevista no artigo em destaque, “não é meramente

programática, tendo se tornado obrigatória desde a promulgação da Constituição”16

,

assegurando à criança e ao adolescente, atenção especial. Dessa forma, toda legislação

posterior à Constituição de 1988 observou os princípios estabelecidos por ela.

13

RIZZINI, Irene. A criança e a Lei no Brasil: revisitando a história (1822-2000). 2. ed. Rio de Janeiro: Editora

Universitária Santa Úrsula, 2002. 14

Conforme estabelecido pela Lei 6.697 de 10 de outubro de 1979. 15

Cf. AMIN, Andréa Rodrigues, op. cit., p. 63-64. 16 MACHADO, Antônio Cláudio da Costa (Org.); FERRAZ, Anna Candida da Cunha (Coord.). Constituição

Federal Interpretada: artigo por artigo, parágrafo por parágrafo. 4. ed. São Paulo: Manole, 2013.

CADERNO IEP/MPRJ, n. 2, out. 2018.

Em 13 de julho de 1990, foi promulgado o Estatuto da Criança e do Adolescente17

,

que ficou conhecido popularmente como ECA. O documento se alinhou à referida

Constituição, superando a cultura do revogado Código de Menores. Ele reproduziu, no artigo

3°, o princípio da proteção integral e, no artigo 4°, o dever de assegurar à criança e ao

adolescente a observância de seus direitos fundamentais, pondo-lhes a salvo de toda forma de

negligência, discriminação, exploração, violência, crueldade e opressão, com prioridade

absoluta, que é imposto à família, à sociedade e ao Estado pela Constituição Federal.

Segundo Andréa Rodrigues Amin, o Estatuto instituiu uma nova ordem jurídica e

social em relação à população infantojuvenil e, consequentemente, uma nova política de

atendimento. A referida lei assegura efetividade à doutrina da proteção integral,

implementando e regulamentando um complexo sistema denominado Sistema de Garantia de

Direitos - SGD18

. O novo sistema é voltado para todas as crianças e adolescentes,

indiscriminadamente, que venham a ser lesados em seus direitos fundamentais de pessoa em

desenvolvimento.

O Conselho Nacional dos Direitos da Criança e do Adolescente - CONANDA, em 19

de abril de 2006, expediu a Resolução 113, dispondo sobre os parâmetros para

institucionalização e fortalecimento do Sistema de Garantia dos Direitos da Criança e do

Adolescente19

. No artigo 1°, define a constituição do SGD como a articulação e integração

das instâncias públicas governamentais (Federal, Estadual, Distrital e Municipal) e da

sociedade civil na aplicação de instrumentos normativos e no funcionamento de mecanismos

de promoção, defesa e controle para efetivação dos direitos humanos da criança e do

adolescente. No artigo 5°, estabelece três eixos estratégicos de ação como parâmetro para

órgãos públicos e organizações da sociedade civil exerçam suas funções: Defesa dos Direitos

Humanos, Promoção dos Direitos Humanos, e Controle da Efetivação dos Direitos Humanos.

Na análise proposta daremos ênfase à atuação dos Tribunais de Justiça como órgão

judicial situado no eixo Defesa do Sistema de Garantias de Direito e sua atuação em

demandas que envolvam crianças e adolescentes vítimas ou testemunhas de violência.

17

Refere-se à Lei 8.069 de 13/07/1990. 18

Cf. AMIN, Andréa Rodrigues, op. cit., p. 52-53. 19

CONANDA. Resolução n° 113, de 19 de abril de 2006. Dispõe sobre os parâmetros para a institucionalização

e fortalecimento do Sistema de Garantia dos Direitos da Criança e do Adolescente. Disponível em:

<http://www.direitosdacrianca.gov.br/conanda/resolucoes/113-resolucao-113-de-19-de-abril-de-2006/view>.

Acesso em: 31 mar. 2017.

CADERNO IEP/MPRJ, n. 2, out. 2018.

4 O DEPOIMENTO ESPECIAL E A ESCUTA DE CRIANÇAS VÍTIMAS DE

CRIMES SEXUAIS NO PODER JUDICIÁRIO

Na sociedade brasileira, não raro, nos deparamos com crianças e adolescentes vítimas

de várias formas de violência, entre as quais destacaremos a violência sexual. Conforme

salientado por Marleci V. Hoffmeister, “a violência sexual perpetrada contra crianças e

adolescentes é uma das formas mais perversas de exclusão, haja vista, estarem estes privados

de segurança, respeito, liberdade, esperança. Privados de sua condição de sujeitos de

direitos”20

. A autora esclarece ainda que a dificuldade em combater essa violação de direitos

ocorre em consequência da falta de informações sobre o delito somada à dificuldade de

identificação para viabilizar a denúncia, pois tal crime ocorre na maioria das vezes dentro da

própria casa da vítima, na condição de clandestinidade.

Por outro lado, temos positivado o princípio da proteção integral, que prevê a efetiva

garantia de direitos de crianças e adolescentes, assegurando a estes todos os direitos humanos

reconhecidos aos adultos, e mais, considerando sua condição de pessoa em desenvolvimento e

a imposição da proteção integral como forma de asseverar um desenvolvimento sadio.

Nesse viés, as crianças e adolescentes que sofrem abuso sexual estão cada vez mais

sendo reconhecidas como vítimas, conforme elucida Eduardo Rezende Melo. Esse

reconhecimento, ainda segundo o autor, determina o direito de que haja uma resposta penal ao

ofensor, dando emergência ao modelo judicial de intervenção que tem sua origem na

Constituição Federal e nas declarações de direitos humanos, com foco na proteção do

indivíduo em relação aos abusos e ao poder arbitrário21

.

Luciana Potter chama a atenção para a questão da vitimização sofrida por crianças e

adolescentes em caso de violência sexual. Na sua abordagem a autora distingue a vitimização

primária da secundária, denominando como vitimização primária o processo de violência

contra a criança ou adolescente, e vitimização secundária a violência que ocorre em resultado

do processo penal instaurado, no qual o sistema de justiça viola outros direitos. Ainda

20

HOFFMEISTER, Marleci V. De seres inferiores a sujeitos de direito: a voz e a vez da criança/adolescente no

contexto forense. In: POTTER, Luciane; HOFFMEISTER, Marleci V. (Orgs.). Depoimento Especial de

Crianças e Adolescentes: quando a multidisciplinaridade aproxima os olhares. Porto Alegre: Livraria do

Advogado Editora, 2016. 21

MELO, Eduardo Rezende. Crianças e Adolescentes vítimas de abuso sexual: a emergência de sua

subjetividade jurídica no embate entre modelos jurídicos de intervenção e seus direitos. Uma análise crítica sob o

crivo histórico comparativo à luz do debate em torno do depoimento especial. In: SANTOS, Benedito Rodrigues

dos et al. (Orgs.). Escuta de crianças e adolescentes em situação de violência sexual: aspectos teóricos e

metodológicos: guia para capacitação em Depoimento Especial de Crianças e Adolescentes. Brasília: Editora da

Universidade Católica de Brasília, 2014.

CADERNO IEP/MPRJ, n. 2, out. 2018.

segundo a autora, a vitimização secundária ocorre quando é realizada uma abordagem

equivocada por parte dos operadores de direito, a partir de meios probatórios inquisitoriais

inerentes à estrutura processual penal, para comprovar o fato criminoso com o intuito de obter

a verdade, destacando que, na apuração de casos de violência sexual contra crianças e

adolescentes, o mais importante não é o resultado final, o mais importante é o processo em si,

pois “é durante o processo judicial que pode e deve se dar o „encontro ético‟, a compreensão

da vítima como sujeito de direitos e não como um objeto processual visto como meio de

prova a se atingir um fim, a condenação do acusado”22

.

A escuta judicial de crianças e adolescentes vítimas de violência por meio do

Depoimento Especial surge no Brasil acompanhada de obstáculos, entre eles, a resistência de

algumas entidades ao novo procedimento adotado pelos Tribunais. Embora não haja dúvida

de que a criança passou da condição de objeto para a condição de sujeito de direito,

divergências surgem sobre se ela deve ou não ser ouvida em processos judiciais, se outros

profissionais que não operadores do direito podem contribuir para a realização do ato de

forma adequada e segura para criança. Alguns segmentos, como por exemplo os Conselhos

Federais de Serviço Social e Psicologia, defendem que as vítimas sejam ouvidas por meio de

serviços técnicos que julgam mais adequado, como por exemplo, psicólogos ou psiquiatras, e

que em seguida tais profissionais traduzam ao sistema de justiça o que efetivamente teria

ocorrido. A resistência dos referidos Conselhos foi manifestada através da Resolução n° 554,

de 15 de setembro de 2009 (Conselho Federal de Serviço Social), e Resolução n° 10 de 29 de

junho de 2010 (Conselho Federal de Psicologia), que proibiu os profissionais de psicologia e

assistência social que atuassem no depoimento especial, com ameaça de punição para aqueles

que não aderissem às regras impostas23

.

A temática desse impasse entre os Tribunais de Justiça e os Conselhos acima

mencionados não será enfrentada nesse artigo, mas cabe ressaltar que a Resolução n°

554/2009 e a Resolução 10/2010 foram suspensas permanentemente em todo o território

nacional na decisão prolatada nos autos da Ação Civil Pública n° 0004766-50.2012.058100,

ajuizada pelo Ministério Público Federal no Estado do Ceará. No Estado do Rio de Janeiro, a

Resolução 10/2010 foi objeto da Ação Civil Pública n°0008692-96.2012.4.02.510, ajuizada

22

POTTER, Luciane. Violência, Vitimização e Políticas de Redução de Danos. In: POTTER, Luciane (Org.).

Depoimento sem Dano: uma política criminal de redução de danos. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2010. p. 17- 27. 23

CEZAR, José Antônio Daltoé. Depoimento sem Dano/Depoimento Especial – treze anos de uma prática

judicial. In: POTTER, Luciane; HOFFMEISTER, Marleci V. (Orgs.). Depoimento Especial de Crianças e

Adolescentes: quando a multidisciplinaridade aproxima os olhares. Porto Alegre: Livraria do Advogado Editora,

2016.

CADERNO IEP/MPRJ, n. 2, out. 2018.

pelo Ministério Público Federal e pela 1ª Promotoria da Infância e Juventude da Capital do

Rio de Janeiro, em face do Conselho Federal de Psicologia e Conselho Regional de Psicologia

do Rio de Janeiro, tendo sido determinado pelo Juiz, em sede de antecipação de tutela, a

suspensão da sua aplicação e dos seus efeitos em todo território nacional, bem como a

abstenção por parte dos réus de aplicar quaisquer penalidades aos Psicólogos que atuem, no

exercício profissional, em colaboração com o Ministério Público ou como auxiliar do Poder

Judiciário, intermediando a inquirição de crianças e adolescentes.

Em relação ao tema, o Desembargador José Antônio Daltoé Cezar afirma que esse

proceder, que aparentemente é protetor, “incorre em erro ao negar, à criança o direito de se

manifestar em juízo, em suas próprias palavras”24

, conforme disposto no artigo 12 da

Convenção Internacional dos Direitos da Criança, promulgada no Brasil pelo Decreto n°

99.710 de 1990, e o artigo 100, parágrafo único, do Estatuto da Criança e do Adolescente.

Ainda segundo o autor, essa medida transmite à criança falta de interesse em conhecer sua

experiência.

Diante dessas circunstâncias, alguns Tribunais do sistema de Justiça começam a

buscar novas práticas, nos remetendo ao Depoimento Especial.

A primeira experiência de escuta especial de criança no Brasil se deu no ano de 2003

em Porto Alegre, pela audiência do Projeto Depoimento sem Dano, introduzido naquele

Tribunal pelo Desembargador José Antônio Daltoé Cezar, que à época, era Juiz da comarca

de Santa Maria. Ele relata que sua busca por um novo modelo de audiência teve início

quando, ao ingressar na magistratura, teve que ouvir uma menina de sete anos de idade que

supostamente era abusada sexualmente por seu padrasto. Durante aquele depoimento, pouca

ou nenhuma informação foi obtida, pois a criança “balbuciava alguns sons que não eram

passíveis de serem entendidos”25

. Ainda segundo o Desembargador Daltoé, restou-lhe como

recordação daquele momento o desconforto, demonstrado pela criança naquele ambiente, e

após uma sucessão de experiências como esta, iniciou sua busca por alternativas de escuta

judicial, nas quais os depoimentos fossem colhidos de forma mais acolhedora e o resultado

24

CEZAR, José Antônio Daltoé. Atenção à criança e ao adolescente no judiciário: práticas tradicionais em

cotejo com práticas não revitimizante (depoimento especial). In: SANTOS, Benedito. Rodrigues dos et al

(Orgs.). Escuta de crianças e adolescentes em situação de violência sexual: aspectos teóricos e metodológicos:

Guia para capacitação em Depoimento Especial de crianças e adolescentes. Brasília: Editora da Universidade

Católica de Brasília, 2014. p. 260. 25

CEZAR, José Antônio Daltoé. Depoimento sem Dano/Depoimento Especial – treze anos de uma prática

judicial. In: POTTER, Luciane; HOFFMEISTER, Marleci V. (Orgs.). Depoimento Especial de Crianças e

Adolescentes: quando a multidisciplinaridade aproxima os olhares. Porto Alegre: Livraria do Advogado Editora,

2016.

CADERNO IEP/MPRJ, n. 2, out. 2018.

fosse mais satisfatório para o sistema de justiça.

O novo modelo que foi adotado por aquele Tribunal contava com a utilização de

videoconferência e teve como base, fontes acadêmicas já existentes, com o intuito de mudar a

forma tradicional de inquirição, incluindo-se nela o rapport, o relato livre, evitando a

possibilidade de perguntas diretas e valorizando, além da palavra, todas as formas de

expressão utilizadas pela criança para se comunicar, como por exemplo os gestos, os sinais e

o olhar. Era o início de uma mudança de paradigma no Brasil em relação ao depoimento de

crianças e adolescentes, vítimas e testemunhas. Em 2007, no dia 18 de maio, data simbólica

para o enfrentamento e o combate à violência sexual praticada contra crianças e adolescentes,

o Projeto Depoimento sem Dano estava sendo apresentado em Brasília por seu idealizador,

Juiz José Daltóe, quando ganhou uma parceira da ONG Childhood Brasil26 para participar do

seu desenvolvimento. Várias ações se seguiram nesse sentido, entre elas destacamos a

elaboração de um cronograma de viagens para o exterior a fim de que se conhecesse in loco as

práticas existentes em outros países e a vinda para o Brasil de profissionais com

reconhecimento internacional nessa matéria que apresentaram as experiências de seus países e

contribuíram para a capacitação de técnicos judiciários que trabalham no depoimento judicial

de crianças vítimas de violência e a publicação, em 2014, do livro Escuta de Crianças e

Adolescentes em Situação de Violência Sexual: Aspectos Teórico e Metodológicos27

.

O interesse do Poder Judiciário brasileiro na utilização de técnicas voltadas para o

depoimento de crianças vítimas ou testemunhas de violência ficou evidente com a aprovação,

pelo Conselho Nacional de Justiça – CNJ –, da Recomendação 33/201028

, determinando que

que todos os Tribunais de Justiça do país adotem serviços especializados para realização dessa

escuta judicial, por meio de uma metodologia cientificamente testada, objetivando preservar a

criança e o adolescente vítima ou testemunha da violência, minimizando sua revitimização e

contribuindo para fidedignidade do depoimento prestado. A Recomendação ressalta cuidados

a serem observados para realização do procedimento29

.

26

Instituição ligada à World Childhood Foundation, organização internacional criada em 1999 pela Rainha

Sílvia da Suécia para proteger a Infância. 27

Cf. CEZAR, José Antônio Daltoé, op. cit., p. 24-26. 28

CONSELHO NACIONAL DE JUSTIÇA. Resolução n° 33, de 23 de novembro de 2010. Recomenda aos

Tribunais a criação de serviços especializados para escuta de crianças e adolescentes vítimas ou testemunhas de

violência nos processos judiciais. Depoimento Especial. Disponível em: <http://www.cnj.jus.br/busca-atos-adm?

documento=1194>. Acesso em: 13 abr. 2017. 29

CONSELHO NACIONAL DE JUSTIÇA. CNJ Serviço: como funciona a sala de depoimento especial para

crianças? Disponível em:

<http://www.cnj.jus.br/noticias/cnj/80702-cnj-servico-como-funciona-a-sala-de-depoimento-especial-para-

criancas>. Acesso em: 18 maio 2017.

CADERNO IEP/MPRJ, n. 2, out. 2018.

Um artigo, escrito em agosto de 2016 pela Associação dos advogados de São Paulo,

sobre as salas de depoimento especial, apresenta um levantamento realizado pelo Conselho

Nacional de Justiça mostrando que 23 Tribunais de Justiça brasileiros já haviam, naquela data,

instalado espaços adaptados para escuta de crianças ou adolescentes vítimas ou testemunhas

de violência, contando com 124 salas de depoimento especial. Esse total indicava um aumento

de 285% desde 2011, quando um levantamento da ONG Childhood Brasil identificou 40

unidades em 16 estados, até a data da publicação do artigo. O escrito também cita o gerente da

ONG Childhood, Itamar Gonçalves, que, manifestando-se sobre a relação entre o número de

salas de depoimento especial implantadas e a Recomendação n° 33, do CNJ, disse: “O

número cresceu exponencialmente no ano seguinte à recomendação. Isso demonstra o quanto

o CNJ foi significativo. Até 2010, só tínhamos notícia de três salas”30

.

O investimento que vem sendo feito no país em torno do reconhecimento do

depoimento especial, como forma de garantir o direito de manifestação de crianças e

adolescentes em juízo sobre todas as questões referentes à sua vida, considerando as

peculiaridades de sua condição de sujeito em desenvolvimento, foi consagrado no dia 04 de

abril de 2017 com a sanção pelo Presidente da República do Brasil do Projeto de Lei da

Câmara PLC 21/2017, que passou então a vigorar como Lei Federal n° Lei 13.431 de 4 de

abril de 2017, que estabelece o sistema de garantia de direitos de crianças e adolescentes

vítimas e testemunhas de violência e consolida o depoimento especial como o meio a ser

utilizado na oitiva de criança ou adolescente vítima ou testemunha de violência perante

autoridade judiciária (art. 4°).

O artigo “Direitos das crianças e adolescentes são ampliados com nova Lei Federal”31

versa sobre a Lei 13.431/2017, e destaca que ela determina a escuta protegida, garantindo

maior proteção para crianças e adolescentes, ao estipular que o seu depoimento seja realizado

em um ambiente acolhedor e que seja gravado, evitando o processo de revitimização. A Lei,

diz o artigo, estabelece dois tipos de procedimentos: a escuta especializada, “quando ocorre

nos serviços de saúde e assistência social onde a criança será atendida”, e o depoimento

especial, “quando a criança então fala o que aconteceu, mas num ambiente acolhedor, por

profissional capacitado no protocolo de entrevista”. Fica então, através desta Lei, legitimada a

30

ASSOCIAÇÃO DOS ADVOGADOS DE SÃO PAULO. CNJ - Salas especiais para ouvir crianças e

adolescentes chegam a 23 tribunais. São Paulo, 2016. Disponível em:

<https://aasp.jusbrasil.com.br/noticias/368108847/cnj-salas-especiais-para-ouvir-criancas-e-adolescentes-

chegam-a-23-tribunais>. Acesso em: 13 abr. 2017. 31

CHILDHOOD BRASIL. Direitos das crianças e adolescentes são ampliados com nova Lei Federal.

Disponível em: <http://www.childhood.org.br/direitos-das-criancas-e-adolescentes- sao-ampliados-com-nova-

lei-federal>. Acesso em: 13 abr. 2017.

CADERNO IEP/MPRJ, n. 2, out. 2018.

prática de depoimento especial que já vem sendo utilizada por diversos Tribunais no Brasil,

trazendo ainda algumas inovações, como por exemplo, a possibilidade de que a escuta seja

realizada em sede de produção antecipada de prova judicial em determinados casos, e que em

regra não haja a tomada de novo depoimento (art. 11).

O Depoimento Especial é regido por diferentes protocolos, os quais já foram testados e

aprovados em diversos países, com pesquisa científica que garante a realização da entrevista

de maneira tranquila com a obtenção de dados sobre o evento que está sendo investigado com

informações de qualidade, informações com mais detalhes e fidedignidade. Segundo Vanea

Maria Visnievisky, entre os protocolos mais utilizados destacam-se a entrevista cognitiva, o

Protocolo de Entrevista Investigativa Estruturada do National Institute of Child Health and

Human Development (protocolo NICHD), o protocolo de Entrevista Forense da organização

não governamental Americana Corner House (protocolo RATAC) e protocolo forense do

National Children’s Advocacy Center (Entrevista Forense Estendida NCAC)32

. Vanea

Vnieviski explica ainda que os protocolos podem se diferenciar em alguns momentos na fase

de transição, da apresentação para iniciar na recuperação da memória, mas possuem pontos

em comum, como por exemplo, o rapport (estabelece empatia com o entrevistado), a narrativa

(baseada na evocação da memória), o fechamento da entrevista (momento importante para

que o entrevistado saia de maneira mais confortável do procedimento depois de ter falado

sobre um acontecimento que lhe foi tão dolorido), a utilização de perguntas abertas em

detrimento de perguntas fechadas ou múltiplas para evitar sugestionabilidade (informação

verbal).

Alguns cuidados devem ser observados para a realização da audiência especial para

oitiva da criança ou adolescente vítima ou testemunha de violência. Vanea Visnieviski

salienta a importância de se ter cuidado com o mandado de intimação, a intervenção do oficial

de justiça como representante do Poder Judiciário, a utilização de materiais, como cartilhas ou

folders com uma linguagem simples dirigida à criança ou ao adulto responsável com

orientações sobre o depoimento especial, a recepção da criança ou adolescente e de seu

responsável, a preparação para o depoimento e a coleta do depoimento33

. Em relação aos

profissionais que atuam no depoimento especial, a autora enfatiza a necessidade de possuírem

32

Tema abordado em aula ministrada por Vanea M. Visnieviski no Curso Depoimento Especial e a Escuta de

Crianças no Sistema de Justiça, realizado pelo Conselho Nacional de Justiça, de 25 de abril a 03 de junho de

2016, na modalidade EAD. 33

VISNIEVISKI, Vanea Maria. A preparação da criança e do adolescente para a entrevista na fase de instrução

processual. In: SANTOS, Benedito Rodrigues dos et al. (Orgs.). Escuta de crianças e adolescentes em situação

de violência sexual: aspectos teóricos e metodológicos: guia para capacitação em Depoimento Especial de

crianças e adolescentes. Brasília: Editora da Universidade Católica de Brasília, 2014.

CADERNO IEP/MPRJ, n. 2, out. 2018.

capacitação técnica e competências pessoais, relacionando competências técnicas com: a)

formação acadêmica em áreas que possibilitem conhecimento, por exemplo, acerca do

desenvolvimento geral de crianças e adolescentes e de dinâmica das situações de violência, b)

estar preparado para o trabalho interdisciplinar, c) treinamento específico para conduzir a

entrevista. Competências pessoais, ainda segundo a autora, compreendem capacidade de se

relacionar, se comunicar e apoiar a vítima ou testemunha bem como seu responsável. É

necessário que o profissional mantenha estabilidade emocional e que seja capaz de abordar,

ouvir e intervir em situações com histórias muito difíceis de sofrimento.

Como vimos neste capítulo, o primeiro Tribunal de Justiça no Brasil a instalar uma

sala para escuta especial de crianças e adolescentes vítimas de violência foi o Tribunal do Rio

Grande do Sul, em 2003. A partir de então, outros Tribunais implantaram o Depoimento

Especial em suas unidades judiciais, entre eles o Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro.

5 O NÚCLEO DE DEPOIMENTO ESPECIAL DO TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO

ESTADO DO RIO DE JANEIRO

Em 2015, conforme mostrado na estatistica oficial do Departamento de Informações

Gerenciais (DEIGE), o Judiciário fluminense recebeu 2.829 processos de crimes sexuais

contra crianças e adolescentes. Desse total, 588 foram distribuídos na Comarca da Capital.

Em 17 de outubro de 2012, o Tribunal de Justiça do Estado do Rio de Janeiro instituiu

o Núcleo de Depoimento Especial de Crianças e Adolescentes – NUDECA, através do Ato

Normativo 4297/201234

.

Conforme estabelecido no documento acima, o NUDECA tem por finalidade: auxiliar

os juízes da comarca da Capital em competência de família e infância e juventude, em

processos em que haja suspeita de violência contra criança e adolescente ou ainda alienação

parental; assessorar juízes da comarca da Capital, com competência criminal na colheita de

provas testemunhais em ações penais em que crianças e adolescentes sejam vítimas ou

testemunhas de violência; estabelecer com o Ministério Público, a Defensoria Pública, a

Polícia Civil, o Conselho Tutelar, as Secretarias de Saúde, e outros órgãos governamentais e

não governamentais, um fluxo coordenado de ações que evite a revitimização de crianças e

adolescentes. O Ato Normativo define ainda que o NUDECA esteja vinculado à Divisão de

34

TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DO RIO DE JANEIRO. Ato Executivo n° 4.297, de 17 out. 2012.

Institui o Núcleo de depoimento Especial de Crianças e Adolescentes – NUDECA, no âmbito do Poder

Judiciário, e dá outras providências. Diário da Justiça Eletrônico do Estado do Rio de Janeiro, 19 de out. 2012.

CADERNO IEP/MPRJ, n. 2, out. 2018.

Apoio Técnico Interdisciplinar da Corregedoria Geral de Justiça – DIATI35

–, que neste caso

possui a atribuição de analisar se os casos apresentados pelos Juízes solicitantes do

Depoimento Especial estão de acordo com a normativa, organizar as pautas de audiência das

salas de depoimento especial, comunicando aos Juízos solicitantes as datas designadas, dar

ciência aos profissionais que procederão à escuta informando a data, horário e a sala onde a

audiência será realizada, elaborar a minuta da revisão do protocolo, dirimir questões de cunho

administrativo e assegurar o encaminhamento do entrevistado e seus familiares aos programas

de apoio e proteção da rede municipal e estadual.

O sistema de depoimento especial de crianças e adolescentes vítimas e testemunhas de

violência no Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro foi regulamentado pelo Ato Normativo

Conjunto n° 09/2012, o qual estabelece suas rotinas administrativas e técnicas e designando o

Juiz Auxiliar da Corregedoria responsável pela Divisão de Apoio Técnico Interdisciplinar –

DIATI – para decidir os casos omissos na normatização36

.

Os procedimentos pelos quais o Núcleo de Depoimento Especial de Crianças e

Adolescentes “viabiliza o preparo e a execução do depoimento especial, assessora os Juízes

na oitiva de crianças e adolescentes e apoia os profissionais da equipe técnica interdisciplinar

na atuação como entrevistadores do Depoimento Especial”37 são estabelecidos pela Rotina

Administrativa (RAD) da Diretoria Geral de Administração do Tribunal de Justiça do Estado

do Rio de Janeiro, a qual se aplica não somente ao NUDECA. Ela também fornece

orientações para servidores das demais unidades organizacionais que tem interfaces com este

processo de trabalho.

O item 5 da Rotina Administrativa acima é denominado “Responsabilidades Gerais”, e

estabelece as funções que compõem o NUDECA, discriminando a responsabilidade de cada

uma delas. São as seguintes funções:

Diretor de Divisão de Apoio Técnico Interdisciplinar da Diretoria Geral de

Administração, responsável pelo planejamento, supervisão e orientação dos

procedimentos do NUDECA.

35

TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DO RIO DE JANEIRO. Ato Executivo Conjunto n° 49, de 24 set.

2013. Resolvem alterar os Artigos 2°, 3° e 4° do Ato Executivo n° 4297/2012. Diário da Justiça Eletrônico do

Estado do Rio de Janeiro, 26 de set. 2013. 36

TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DO RIO DE JANEIRO. Ato Normativo Conjunto n° 09, de 27 nov.

2012. Regulamenta o sistema de depoimento especial de crianças e adolescentes, a ser realizado em ambiente

separado da sala de audiências, com participação de profissional especializado para atuar nessa prática, e dá

outras providências. Diário da Justiça Eletrônico do Estado do Rio de Janeiro, 28 de nov. 2012. 37

TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DO RIO DE JANEIRO. RAD-DGADM-046. Preparar e Apoiar o

Depoimento Especial de 10 nov. 2014. Disponível em: <http://www.tjrj.jus.br/documents/10136/2080900/RAD-

DGADM-046-REV-0.pdf>. Acesso em: 28 abr. 2017.

CADERNO IEP/MPRJ, n. 2, out. 2018.

Chefe do Núcleo de Depoimento Especial de Crianças e Adolescentes, responsável: a)

pela análise das solicitações agendamento de Depoimento Especial com emissão de

parecer quanto à pertinência da realização; b) pela coordenação e apoio das atividades

necessárias à execução dos processos de trabalho do Núcleo de Depoimento Especial;

c) pelo levantamento e exame dos dados estatísticos e colaboração na proposição de

diretrizes de trabalho; d) pelo exame e avaliação da medição dos resultados dos

indicadores operacionais estabelecidos; e) pelo encaminhamento semestral à Direção

da Divisão da síntese dos dados estatísticos; f) pela elaboração de propostas de

formação continuada dos profissionais que atuem como entrevistadores junto ao

NUDECA, conforme as demandas e as diretrizes éticas e técnicas definidas; g) pela

busca junto à administração superior, à ESAJ (Escola de Administração Judiciária) e

outros agentes de capacitação dos meios para a execução da proposta de formação

continuada; h) pela manutenção dos arquivos do NUDECA.

Equipe de Apoio Administrativo é responsável: a) pelo apoio as atividades necessárias

ao agendamento e preparo dos depoimentos especiais; b) pela solicitação de material

de consumo específico, tais como DVD graváveis, capas de DVD, pilhas e baterias; c)

pela solicitação de reposição de lanche a ser fornecido, quando necessário, às crianças

e adolescentes atendidos; d) pelo cumprimento dos procedimentos de agendamento do

depoimento especial; e) por zelar para que as respostas do NUDECA sejam eficazes e

tempestivas; f) pelo apoio às atividades necessárias à realização do processo de

trabalho dos entrevistadores; e)pela manutenção dos arquivos físicos, eletrônicos e de

mídias eletrônicas do NUDECA (cópias dos DVD de gravação dos depoimentos

especiais); f)pelos equipamentos e instalações das salas de Depoimento Especial.

Entrevistador, é responsável: a) pela arrumação das salas, verificação da existência de

materiais a serem eventualmente utilizados e de que os equipamentos estão

funcionando; b) pela execução dos procedimentos de oitiva de crianças e adolescentes

no formato de Depoimento Especial, conforme diretrizes e etapas previstas nos Atos

Normativos Conjuntos nº 09/12 e 21/13; c) pela análise das demandas e problemáticas

apresentadas durante a realização do depoimento especial, comunicando a Chefia do

NUDECA; d) por sua participação do Grupo de Estudos do NUDECA, na revisão e

aperfeiçoamento do processo de trabalho.

As salas de escuta do NUDECA possuem a seguinte infraestrutura: um circuito interno

de TV (transmite o depoimento para sala de audiências), microfones, pontos de som ou

CADERNO IEP/MPRJ, n. 2, out. 2018.

telefones (fazem a interação com a sala de audiências), boa luminosidade e isolamento

acústico para obter boa qualidade nas gravações. Possui duas cadeiras tipo ferradura, que além

de auxiliar na contenção da criança, cria uma atmosfera mais aconchegante. As cadeiras são

dispostas em posição diagonal (posição de relógio tipo “dez para as duas”) permitindo um

contato frequente de olhar do entrevistador com a criança, mas evitando uma postura frente a

frente que pode causar uma intimidação e dificuldade para falar. É importante também dispor

água e lenço e um banheiro de fácil acesso. Não possui muitos brinquedos disponíveis, estes

ficam na sala onde é realizada a fase do depoimento chamada Recepção.

Com isso, passamos a descrever o funcionamento do NUDECA, conforme

estabelecido nos artigos do Ato Normativo Conjunto n° 09/2012, destacando alguns

procedimentos que são pormenorizados nos itens da RAD-DGADM-046.

A solicitação para utilização da sala de depoimento especial deve ser encaminhada ao

NUDECA, por malote digital, com antecedência mínima de dez dias. Na solicitação deve

constar telefone da serventia ou do gabinete para contato do NUDECA a fim de definir a data

da audiência, além de estar acompanhada de cópias digitalizadas da petição inicial) ou

denúncia, queixa, requerimento de produção antecipada de provas) e, quando presente nos

autos, registro de ocorrência, laudo do IML e estudos técnicos. A equipe técnica desse setor

emitirá um parecer38 a respeito da pertinência da oitiva da criança no formato do Depoimento

Especial levando em conta a idade da vítima, decurso do tempo entre a data do fato e a data

da audiência, eventuais oitivas anteriores sobre o mesmo fato, indícios ou notícias de

alienação parental. É realizada uma verificação no banco de dados do NUDECA sobre oitivas

anteriores no mesmo formato (Artigo 1°, caput e §§ 1° e 2°). Sobre a solicitação de

agendamento e elaboração de parecer, a RAD-DGADM-046, nos itens 7.1 e 7.2, determina

ainda que os documentos enviados pela vara solicitante sejam salvos no NUDECA, em pasta

virtual individual da criança ou adolescente e que o parecer deve ser elaborado tomando como

referência o Ato Executivo n° 4.297/12 e os Atos Normativos Conjuntos n° 09/12 e 21/13.

Cabe ressaltar que o Depoimento Especial não substitui as avaliações psicológicas e

sociais, sendo possível ouvir a criança e o adolescente no NUDECA e o núcleo familiar em

sede de avaliações requeridas pelo Juízo ao longo do processo judicial. Em alguns processos,

a avaliação se faz necessária, como por exemplo, quando há alienação parental. Nesses casos

a avaliação é importante, não somente para diagnosticar a alienação, mas para fornecer

38

TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DO RIO DE JANEIRO. Ato Normativo Conjunto n° 21, de 24 set.

2013. Resolvem alterar o Artigo 1° e seus parágrafos 4° e 6°; os parágrafos. 1° e 2° do artigo 2°; e os parágrafos

2°, 3° e 10° do artigo 3°; e 8° do Ato Normativo Conjunto 09/2012. Diário da Justiça Eletrônico do Estado do

Rio de Janeiro, 25 de set. 2013.

CADERNO IEP/MPRJ, n. 2, out. 2018.

subsídios ao magistrado visando a aplicação de medidas protetivas legais39

.

Em relação à solicitação, o item 7.3 da RAD-DGADM-046 salienta ainda que, caso

seja considerado pertinente tal ato, a Coordenação envia um e-mail ao Juiz solicitante com

cópia para a respectiva Vara, com a confirmação do agendamento. No entanto, se a realização

da audiência no formato depoimento especial for contraindicada, a Coordenação do

NUDECA encaminha um parecer à Vara solicitante com as devidas justificativas. Se o Juiz

aceitar o parecer contraindicando o ato, anota-se a desistência. Na hipótese de o Juiz

solicitante não aceitar o parecer, e a equipe do NUDECA “avalie como absolutamente

prejudicial à criança ou adolescente a participação no depoimento”, o fato é submetido ao Juiz

Auxiliar da Corregedoria que é responsável pela DIATI. Nesse caso, há duas possibilidades: o

Juiz Auxiliar da Corregedoria pode reiterar o parecer do NUDECA, informando à Vara

solicitante e arquivando o processo, ou o Juiz Auxiliar da Corregedoria determina a realização

do depoimento especial e é dado prosseguimento nos procedimentos de agendamento, sendo

esclarecido à Vara sobre a ênfase a ser dada pelo entrevistador na etapa denominada

Recepção.

Quanto ao agendamento, o item 8 da RAD-DGADM-046 esclarece que ele está

condicionado à disponibilidade da sala para o dia e o horário solicitado bem como à

disponibilidade dos profissionais que atuarão na entrevista40

. Assim, o NUDECA faz essa

verificação e solicita por e-mail ao Departamento de Apoio aos Núcleos Regionais da

Corregedoria Geral de Justiça a publicação em Diário Oficial dos profissionais designados

para a atuação, com cópia para o Juiz Auxiliar da Corregedoria, informando ainda à serventia

e ao serventuário designado para o cumprimento do expediente sobre a data e o local,

enviando a este último os documentos recebidos pela Vara solicitante e cópia do parecer sobre

a pertinência da oitiva. Na fase de agendamento o NUDECA solicita ao Departamento de

Segurança Eletrônica e Comunicações da Diretoria Geral de Segurança Institucional

(DGSEI/DETEL), através de e-mail, a disponibilização de técnico de Áudio e Vídeo para

testagem e manuseio dos equipamentos eletrônico durante o depoimento especial. Por fim,

confirma, também via e-mail, junto ao Juiz e ao Cartório da Vara solicitante o agendamento

39 RAMOS, Patrícia Pimentel de Oliveira Chambers. Poder familiar e Guarda Compartilhada: novos

paradigmas do Direito e da Família. 2. ed. São Paulo: Saraiva, 2016. 40

O entrevistador do NUDECA é um serventuário lotado em determinada Vara, na equipe técnica, que

desempenha as funções inerentes à sua lotação e, voluntariamente, atua no NUDECA. Dessa forma sua

disponibilidade está sujeita às funções de sua lotação. Em dezembro de 2016, a Corregedoria Geral de Justiça

expediu o AVISO CGJ Nº 1709 / 2016, convocando Analista Judiciário com especialidade (Assistente Social,

Psicólogo ou Comissário de Justiça, da Infância, da Juventude e do Idoso) para prestação de auxílio ao Núcleo

de Depoimento Especial de Crianças e Adolescentes – NUDECA, sem prejuízo de suas funções.

CADERNO IEP/MPRJ, n. 2, out. 2018.

do depoimento especial.

A criança ou adolescente é intimada através de seu responsável legal, por meio de

mandado de intimação, no qual deve constar que ambos devem comparecer para o ato uma

hora antes da audiência. Tal instrumento deve estar acompanhado de cartilha explicativa da

sala de depoimento especial, fornecida pelo NUDECA às Centrais de Mandado (Artigo 1°, §

5°). Conforme definido no item 3 da RAD-DGADM-046, a cartilha é uma publicação

destinada à criança e ao adolescente e informa sobre a dinâmica do depoimento especial.

Sobre a técnica utilizada e profissionais que conduzem o depoimento especial, os

parágrafos 1° e 2° do artigo 2° estabelecem que a oitiva da vítima ou testemunha é realizada

com uso da técnica de entrevista cognitiva, realizada por integrantes da equipe

interdisciplinar, integrantes do quadro de serventuários do Poder Judiciário que se

disponibilizam voluntariamente para atuação no NUDECA, capacitados na técnica de

entrevista forense e nominados Entrevistador I e Entrevistador II. O primeiro, Entrevistador I,

recepciona a criança ou adolescente com seus acompanhantes, avalia as condições da criança

ou adolescente para participação no depoimento, e esclarece as dúvidas sobre o protocolo do

depoimento especial aos presentes na sala de audiências, permanecendo no local até a etapa

denominada “Fechamento”. O Entrevistador II é o responsável pelo desenvolvimento da

entrevista cognitiva na sala de depoimento especial, local em que faz contato com o

entrevistado imediatamente antes do início da audiência. Acerca dos profissionais acima

descritos, o item 3 da RAD-DGADM relaciona os Analistas Judiciários nas especialidades

Psicólogo, Assistente Social e Comissário de Justiça, da Infância, da Juventude e do Idoso

como Entrevistadores do NUDECA. Esses profissionais necessariamente cursam a

capacitação específica em técnica de entrevista cognitiva/investigativa e participam

efetivamente do Grupo de Estudos do Depoimento Especial da Divisão de Apoio Técnico

Interdisciplinar - DIATI/CGJ. Segundo o Provimento 20/201441

, o servidor que exerce a

função de entrevistador cumprirá expediente até três dias ao mês junto ao NUDECA, sendo

necessário que O NUDECA envie com antecedência, por e-mail, à serventia e ao serventuário

designado, a data para o cumprimento do expediente supracitado. O comprovante de

comparecimento será expedido pelo NUDECA e deverá ser exibido no órgão de lotação do

Servidor Entrevistador.

As Etapas do Depoimento Especial estão elencadas ao longo de todo artigo 3° do Ato

41

CORREGEDORIA GERAL DE JUSTIÇA. Provimento n° 20, de 31 mar. 2014. Define o Servidor

Entrevistador e dispensa das suas atividades para cumprir expediente junto ao NUDECA três vezes ao mês.

Diário da Justiça Eletrônico do Estado do Rio de Janeiro, 14 de abril 2014.

CADERNO IEP/MPRJ, n. 2, out. 2018.

Normativo Conjunto n° 09/2012, quais sejam Planejamento, Preparação, Recepção, Rapport

ou Acolhimento Inicial, Apresentação do Protocolo, Recriação do Contexto, Questionamento,

Esclarecimento Final, Fechamento, Finalização.

Na etapa do Planejamento “os entrevistadores têm acesso aos autos a fim de obter as

informações prévias necessárias à coleta do depoimento” (Art. 3°, § 1°).

Na “Preparação”, os entrevistadores observam a arrumação das salas de escuta e de

audiência, se certificando da existência de materiais a serem eventualmente utilizados e do

funcionamento dos equipamentos. (Art. 3°, § 2°). Nessa etapa, eles se certificam também de

terem recebido o Termo de Consentimento de utilização do depoimento especial em

capacitações que deve ser apresentado à criança ou adolescente e seu responsável, o recibo da

cópia do DVD referente ao depoimento especial a ser assinado pelo serventuário da Vara que

o receba e as etiquetas das duas cópias do DVD em que fica gravado o depoimento especial.

Conforme descrito no item 9 da RAD-DGADM-046, estes três itens devem ser preparados e

impressos pela Equipe de apoio Administrativo do NUDECA.

A “Recepção” é realizada pelo entrevistador I e ocorre uma hora antes da audiência. É

o momento em que a criança ou adolescente e seu acompanhante são orientados sobre a

dinâmica do depoimento especial, abordando os direitos do entrevistado (ser ouvido, ser

ouvido em sala especial, ser esclarecido sobre os desdobramentos de seu relato, conhecer as

etapas deste procedimento, conhecer as pessoas que presenciarão a escuta). Nesta etapa ainda

é realizada a apresentação dos espaços e equipamentos que são utilizados, é prestada

informação sobre o sigilo das informações colhidas, o tempo de duração da escuta, e a não

permanência do responsável da criança ou adolescente na sala de escuta (exceto em hipóteses

excepcionais autorizadas pelo Juiz). Caso o entrevistador identifique alguma situação

especial, deve comunicar ao Juiz (Art.3°, §3°).

Com base em nossa experiência profissional, sempre que atuamos como

entrevistadores do NUDECA, observamos que a Recepção é um momento muito significativo

para a criança e o adolescente bem como para sua família. Ao chegarem ao setor demostram

ansiedade em relação à sua presença no Fórum e dúvidas em relação ao depoimento, mesmo

tendo recebido em casa a cartilha. A maioria quer saber de imediato se vai encontrar o

acusado naquele local. No início a conversa fica limitada aos esclarecimentos necessários,

mas em pouco tempo é comum que as crianças demonstrem estarem mais confortáveis,

direcionando seu interesse para outros assuntos neutros, como por exemplo, a decoração da

sala, o material de desenho e os livros e revistas que ficam à sua disposição na sala. Não raro,

eles se voluntariam a fazer um desenho para que seja fixado no painel que mantemos no local.

CADERNO IEP/MPRJ, n. 2, out. 2018.

Caso a audiência atrase, é disponibilizado um lanche para criança e seu acompanhante, assim

como água, caso sintam sede.

O “Acolhimento Inicial” ou “Rapport” é o primeiro contato do entrevistador II com a

criança ou adolescente realizado na sala de escuta. Nessa etapa os equipamentos de áudio e

vídeo estão desligados. O entrevistador utiliza perguntas abertas e não ligadas ao objeto da

entrevista com o intuito de conhecer a linguagem e a capacidade narrativa da criança ou

adolescente. Dessa forma, cria uma atmosfera satisfatória e engaja o depoente para o início do

depoimento. Concomitante a esta fase, ocorre a “Apresentação do Protocolo”, etapa em que o

Entrevistador I dirige-se à sala de audiências e esclarece os presentes sobre o protocolo

utilizado para colheita do depoimento, permanecendo naquele local até a etapa do

Fechamento (Art. 3°, §§4° e 5°).

Na prática, observamos que, algumas vezes, no início do Rapport, quando a criança

sai da sala de recepção e vai para sala de escuta, sua expressão facial demonstra uma certa

ansiedade. À medida em que iniciamos a conversa abordando um assunto neutro e do

interesse do depoente, a tensão diminui novamente e em pouco tempo a tensão inicial

diminui.

A etapa seguinte chama-se “Recriação do Contexto” e é o início propriamente dito do

depoimento, com os equipamentos de áudio e vídeo ligados. O Entrevistador II, com base nas

informações colhidas no Planejamento, procede à escuta, utilizando a técnica de entrevista

cognitiva, a qual consiste no relato livre do fato, sem interrupções. Dessa forma, além de se

respeitar a condição especial de sujeito em desenvolvimento do depoente, a este é permitido

exercer um papel ativo na entrevista. Cabe ressaltar que, em casos de crianças em idade pré-

escolar ou com limitação cognitiva, o entrevistador pode utilizar perguntas com múltiplas

opções (Art. 3°, § 6°).

Ao final da narrativa livre da criança, tem início o “Questionamento”. Caso

necessário, o Entrevistador II solicita informações adicionais sobre o relato a fim de retomar

aspectos que necessitam ser esclarecidos ou detalhados. O profissional não pode perder de

vista o respeito ao entrevistado, diante da situação peculiar em que se encontra. São utilizadas

ainda perguntas abertas ou de múltiplas opções (Art. 3°, § 7°).

Em seguida, o Entrevistador II sinaliza para sala de audiências, utilizando o telefone

ou posicionando o ponto eletrônico auricular, o início da etapa seguinte, o “Esclarecimento

Final”. Nessa fase, os presentes na sala de audiências formulam perguntas que são

transmitidas pelo Juiz ao Entrevistador II, através de ponto eletrônico auricular ou telefone. O

Entrevistador II adequa as perguntas à capacidade de entendimento da criança/adolescente,

CADERNO IEP/MPRJ, n. 2, out. 2018.

evitando constrangimento ou sofrimento (Art. 3°, § 8°).

A etapa seguinte é o “Fechamento”, quando o Entrevistador II encerra o depoimento

formal, direcionando a entrevista para assuntos neutros, assim como acontece no Rapport.

Nesse momento o equipamento de áudio e vídeo é desligado (Art. 3°, § 9°).

Na “Finalização”, o depoente e seu responsável são atendidos por um dos

entrevistadores ou pelos dois juntos. Nessa etapa, deve ser expressado à criança ou

adolescente compreensão pelo esforço durante o relato. Deve também ser verificado, junto ao

responsável, como a família vem administrando os conflitos decorrentes do fato noticiado.

Caso seja preciso, os profissionais efetuam encaminhamentos para órgãos governamentais e

não governamentais que se façam necessários, consoante o princípio da proteção integral. Ao

final do atendimento, os entrevistadores alimentam a planilha estatística elaborada pelo

NUDECA com os dados do depoimento (Art. 3°, § 10).

No desempenho da função de entrevistadores, durante a Finalização, é comum

recebermos elogios de crianças e adolescentes sobre a decoração da sala onde são recebidos,

sobre o material disponibilizado e as atividades realizadas enquanto aguardam o início do

depoimento. Todos com quem conversamos, que já haviam participado de uma audiência

tradicional, dizem que a experiência no NUDECA foi melhor, que se sentiram mais à vontade

para falar sobre a violência sofrida e o fato de não haver risco de encontrar com o acusado

lhes dá tranquilidade. Os acompanhantes dessas crianças e adolescentes, na maioria das vezes,

aproveitam o momento da Finalização para agradecer a atenção que receberam.

Os depoimentos colhidos na sala de depoimento especial são gravados em dois DVDs,

os quais entregues aos entrevistadores pelo Técnico de Áudio e Vídeo na própria audiência.

Nos itens 9.7 a 9.9 da RAD-DGADM-046 está estabelecido que os entrevistadores têm a

responsabilidade de anotar na mídia, dados de identificação do depoimento realizado, fixar a

etiqueta de identificação na Capa do DVD e realizar a entrega de uma cópia ao serventuário

da Vara, mediante assinatura do recibo. O DVD somente sai da Serventia por determinação de

Instância Superior, dando-se ciência ao Juiz. Advogados, Defensores Públicos e Promotores

de Justiça podem assistir o DVD na sala de audiência do Juízo, sendo necessário requerimento

com antecedência mínima que permita a disponibilização do equipamento (Art.6°).

O depoimento colhido na sala de depoimento especial servirá como prova emprestada,

mediante fornecimento de cópia do DVD pelo Juízo que participou da produção de prova,

com intuito de evitar a revitimização da criança ou adolescente. O Juízo que requisitou a

prova deve manter todas as cautelas estabelecidas para preservar a integridade do depoente

(Art. 7°).

CADERNO IEP/MPRJ, n. 2, out. 2018.

Ao final de todo procedimento, em atenção aos itens 9.10 a 9.12 da RAD-DGADM-

046, os entrevistadores entregam na sala administrativa do NUDECA o Termo de

Consentimento, a cópia do DVD, o recibo assinado pela Vara e a Ficha Individual de

depoimento realizado para arquivamento e preenchimento da planilha de registro e

sistematização dos depoimentos especiais.

A primeira sala de depoimento especial implantada pelo Poder Judiciário do Estado do

Rio de Janeiro – PJERJ – foi inaugurada em outubro de 201242 e está localizada no Fórum

Central da Capital. No dia 08 de novembro do mesmo ano outra sala foi inaugurada43

, pelo

Poder Judiciário do Rio de Janeiro, no Fórum Regional de Madureira. A terceira a ser

implantada foi no Fórum de Teresópolis em 07 de dezembro de 201644

. Esta nova sala de

Depoimento Especial é a primeira a ser instalada no interior e atenderá demandas de todas as

comarcas do 3º Núcleo Regional (3° NUR), que incluem as Varas de Petrópolis, Fórum

Regional de Itaipava, Paraíba do Sul, São José do Vale do Rio Preto, Teresópolis, Três Rios e

Sapucaia.

Em notícia publicada pela Assessoria de Imprensa do Tribunal de Justiça do Rio de

Janeiro, a Coordenadora do NUDECA apresentou os dados estatísticos em relação aos

atendimentos realizados naquele setor, contabilizando 232 depoimentos especiais realizados

no ano de 2015, e 132 realizados no primeiro semestre de 2016, destacando que “as

estatísticas de processos que envolvem abuso sexual, estupro de vulnerável e alienação

parental é muito maior que isso. Esses dados citados são referentes ao formato de Depoimento

Especial”45

, indicando a vital importância deste método de depoimento.

6 CONSIDERAÇÕES FINAIS

No decorrer deste trabalho, demonstramos que ao longo da história, o paradigma da

42

TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DO RIO DE JANEIRO. Tribunal de Justiça inaugura sala de

Depoimento Especial para crianças e adolescentes. Disponível em:

<http://www.tjrj.jus.br/web/informativo/informativos-pjerj/-/informativos/visualizar/38703>. Acesso em: 01

maio 2017. 43

Idem. Sala de Depoimento Especial de crianças e adolescentes é inaugurada no Fórum de Madureira.

Disponível em:

<http://www.tjrj.jus.br/web/guest/home/-/noticias/visualizar/104907?p_p_state=maximized>. Acesso em: 01

maio 2017. 44

Idem. Fórum de Teresópolis ganha sala para Depoimento Especial. Disponível em:

<http://www.tjrj.jus.br/ca/web/guest/home/-/noticias/visualizar/41025?p_p_state=maximized>. Acesso em: 01

maio 2017. 45

TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DO RIO DE JANEIRO. Corregedora fala sobre Depoimento

Especial em evento promovido pela Emerj. Disponível em: <http://www.tjrj.jus.br/ca_ES/web/guest/home/-

/noticias/visualizar/40507?p_p_state=maximized>. Acesso em: 05 maio 2017.

CADERNO IEP/MPRJ, n. 2, out. 2018.

infância sofreu mudanças bastante significativas. Na antiguidade, os filhos eram considerados

propriedade de seus pais, sendo conferido a estes poder absoluto sobre sua prole. Não eram

consideradas as peculiaridades da criança em relação ao adulto. Esse cenário começou a se

modificar quando a atribuição de educar os infantes passou a ser responsabilidade da escola.

No entanto, questões sociais impediam que todas as crianças tivessem a oportunidade de

ingressar e permanecer naquela instituição, como por exemplo, as crianças oriundas de

famílias pobres, na vida das quais o trabalho tinha prioridade em prejuízo de sua formação

escolar.

Entre os séculos XIX e XX dois eventos influenciaram a economia mundial com

efeitos desastrosos para a população infanto-juvenil, A Revolução Industrial e a Primeira

Guerra Mundial. No primeiro evento, as indústrias utilizavam a mão de obra infantil em

terríveis condições de trabalho. No segundo, muitas crianças ficaram abandonadas em razão

da morte de seus pais.

Aumentava cada vez mais a violação dos direitos de crianças e adolescentes no

mundo, levando a sociedade internacional a reconhecer que essa população necessitava de

atenção especial que as defendesse dos danos causados por situações de risco. Nessas

circunstâncias, vários documentos internacionais reconhecem e ampliam os direitos das

crianças e adolescentes. Nessa mesma sintonia, o Brasil inicia uma mudança de

posicionamento em relação ao direito da criança e do adolescente com a promulgação do

Código de Menores (1926), Código Mello Mattos (1927), Código de Menores (1979).

O grande marco no ordenamento jurídico brasileiro na garantia e ampliação de direitos

da população infantojuvenil é, sem dúvida alguma, a Constituição Federal de 1988, que

prioriza a dignidade da pessoa humana e confere à crianças e adolescentes o status de sujeitos

de direito, estabelecendo a Doutrina da Proteção Integral e a Prioridade Absoluta em favor de

crianças e adolescentes na concretização de direitos fundamentais. Estas garantias

constitucionais foram efetivadas através do Estatuto da Criança e Adolescente, promulgado

em 1990.

A nova condição da criança e do adolescente no Brasil resultou em vários direitos

antes ignorados, entre eles o direito de manifestação de crianças e adolescentes em juízo sobre

todas as questões referentes à sua vida, sem desconsiderar sua condição peculiar de pessoa em

desenvolvimento. Esse desafio levou os Tribunais de Justiça brasileiros a buscar uma forma

de escuta judicial em forma de entrevista, tendo por base protocolos testados cientificamente e

aprovados, realizadas por profissionais qualificados, em ambiente acolhedor, oferecendo

segurança, privacidade e conforto ao entrevistado, conforme Recomendação n° 33/2010 do

CADERNO IEP/MPRJ, n. 2, out. 2018.

CNJ. Esta recomendação se transformou em determinação por força da Lei n° 13.431/2017.

Nesse contexto, através do Ato Normativo n° 4.297/2012, o Tribunal de Justiça do

Estado do Rio de Janeiro implantou o Núcleo de Depoimento Especial pelo Poder Judiciário

do Estado do Rio de Janeiro, para atuar na escuta judicial de crianças e adolescentes vítimas

ou testemunhas de violência como forma de minimizar a revitimização da criança e contribuir

para que o depoimento seja o mais fidedigno possível.

Este trabalho, longe de esgotar o assunto, procura demonstrar a essencialidade do

Depoimento Especial e sua conformidade com o regramento constitucional e legal no que

tange à proteção da criança e do adolescente.

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

AMIN, Andréa Rodrigues. Doutrina da Proteção Integral. In: MACIEL, Katia Regina Ferreira

Lobo Andrade. (Coord.). Curso de Direito da Criança e do Adolescente. 9. ed. São Paulo:

Saraiva, 2016.

______. Evolução Histórica do Direito da Criança e do Adolescente. In: MACIEL, Katia Regina Ferreira Lobo Andrade (Coord.). Curso de Direito da Criança e do Adolescente. 9.

ed. São Paulo: Saraiva, 2016.

ARIÉS, Philipe. História Social da Criança e da Família. 2. ed. Rio de Janeiro: Livro

Técnicos e Científicos Editora S.A., 1981.

ASSOCIAÇÃO DOS ADVOGADOS DE SÃO PAULO. CNJ - Salas especiais para ouvir

crianças e adolescentes chegam a 23 tribunais. São Paulo, 2016. Disponível em:

<https://aasp.jusbrasil.com.br/noticias/368108847/cnj-salas-especiais-para-ouvir-criancas-e-

adolescentes-chegam-a-23-tribunais>. Acesso em: 13 abr. 2017.

CESAR, José Antônio Daltoé. Atenção à criança e ao adolescente no judiciário: práticas

tradicionais em cotejo com práticas não revitimizante (depoimento especial). In: SANTOS,

Benedito Rodrigues dos et al. (Orgs.). Escuta de crianças e adolescentes em situação de

violência sexual: aspectos teóricos e metodológicos: guia para capacitação em Depoimento

Especial de crianças e adolescentes. Brasília: Editora da Universidade Católica de Brasília, 2014.

______. Depoimento sem Dano/Depoimento Especial – treze anos de uma prática judicial. In:

POTTER, Luciane; HOFFMEISTER, Marleci V. (Orgs.). Depoimento Especial de Crianças

e Adolescentes: quando a multidisciplinaridade aproxima os olhares. Porto Alegre: Livraria

do Advogado Editora, 2016.

CHILDHOOD BRASIL. Direitos das crianças e adolescentes são ampliados com nova Lei

Federal. Disponível em: <http://www.childhood.org.br/direitos-das-criancas-e-adolescentes-

sao-ampliados-com-nova-lei-federal>. Acesso em: 13 abr. 2017.

CADERNO IEP/MPRJ, n. 2, out. 2018.

CONANDA. Resolução n° 113, de 19 de abril de 2006. Dispõe sobre os parâmetros para a

institucionalização e fortalecimento do Sistema de Garantia dos Direitos da Criança e do

Adolescente. Disponível em: <http://www.direitosdacrianca.gov.br/conanda/resolucoes/113-

resolucao-113-de-19-de-abril-de-2006/view>. Acesso em: 31 mar. 2017.

CONSELHO NACIONAL DE JUSTIÇA. CNJ Serviço: como funciona a sala de depoimento

especial para crianças? Disponível em: <http://www.cnj.jus.br/noticias/cnj/80702-cnj-servico-

como-funciona-a-sala-de-depoimento-especial-para-criancas>. Acesso em: 18 maio 2017.

______. Resolução n° 33, de 23 de novembro de 2010. Recomenda aos Tribunais a criação

de serviços especializados para escuta de crianças e adolescentes vítimas ou testemunhas de violência nos processos judiciais. Depoimento Especial. Disponível em:

<http://www.cnj.jus.br/busca-atos-adm?documento=1194>. Acesso em: 13 abr. 2017.

CORREGEDORIA GERAL DE JUSTIÇA. Provimento n° 20, de 31 mar. 2014. Define o

Servidor Entrevistador e dispensa das suas atividades para cumprir expediente junto ao

NUDECA três vezes ao mês. Diário da Justiça Eletrônico do Estado do Rio de Janeiro, 14

de abril 2014.

HOFFMEISTER. Marleci V. De seres inferiores a sujeitos de direito: a voz e a vez da

criança/adolescente no contexto forense. In: POTTER, Luciane; HOFFMEISTER, Marleci V.

(Orgs.). Depoimento Especial de Crianças e Adolescentes: quando a multidisciplinaridade

aproxima os olhares. Porto Alegre: Livraria do Advogado Editora, 2016.

MACHADO, Antônio Cláudio da Costa (Org.); FERRAZ, Anna Candida da Cunha (Coord.).

Constituição Federal Interpretada: artigo por artigo, parágrafo por parágrafo. 4. ed. São

Paulo: Manole, 2013.

MELO, Eduardo Rezende. Crianças e Adolescentes vítimas de abuso sexual: a emergência de

sua subjetividade jurídica no embate entre modelos jurídicos de intervenção e seus direitos.

Uma análise crítica sob o crivo histórico comparativo à luz do debate em torno do depoimento

especial. In: SANTOS, Benedito Rodrigues dos et al (Orgs.). Escuta de crianças e

adolescentes em situação de violência sexual: aspectos teóricos e metodológicos: guia para

capacitação em Depoimento Especial de Crianças e Adolescentes. Brasília: Editora da

Universidade Católica de Brasília, 2014.

POTTER, Luciane. Violência, Vitimização e Políticas de Redução de Danos. In: POTTER,

Luciane (Org.). Depoimento sem Dano: uma Política Criminal de Redução de Danos. Rio de

Janeiro: Lumen Juris, 2010.

PRIORE, Mary Del (Org.). História das Crianças no Brasil. 7. ed. São Paulo: Contexto,

2016.

RAMOS, Patrícia Pimentel de Oliveira Chambers. Poder familiar e Guarda

Compartilhada: novos paradigmas do Direito e da Família. 2. ed. São Paulo: Saraiva, 2016.

RIZZINI, Irene. A criança e a Lei no Brasil: revisitando a história (1822-2000). 2. ed. Rio

de Janeiro: Editora Universitária Santa Úrsula, 2002.

CADERNO IEP/MPRJ, n. 2, out. 2018.

RIZZINI, Irene; RIZZINI, Irma. A Institucionalização de Crianças no Brasil: percurso

Histórico e desafios do presente. Rio de Janeiro: PUC Rio, 2004.

ROSSATO, Luciano Alves; LÉPORE, Paulo Eduardo; CUNHA Rogério Sanches. Estatuto

da Criança e do adolescente: Lei n. 8.069/90 comentado artigo por artigo. 8. ed. rev. São

Paulo: Saraiva, 2016.

SANTOS, Benedito Rodrigues dos. Por uma escuta da criança e do adolescente social e

culturalmente contextualizada: concepções de infância e de adolescência, universalidade de

direitos e respeito às diversidades. In: SANTOS, Benedito. R. dos et al. (Orgs.). Escuta de

crianças e adolescentes em situação de violência sexual: aspectos teóricos e metodológicos: guia para capacitação em Depoimento Especial de crianças e adolescentes. Brasília: Editora

da Universidade Católica de Brasília, 2014.

TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DO RIO DE JANEIRO. Ato Executivo Conjunto

n° 49, de 24 set. 2013. Resolvem alterar os Artigos 2°, 3° e 4° do Ato Executivo n°

4297/2012. Diário da Justiça Eletrônico do Estado do Rio de Janeiro, 26 de set. 2013.

______. Ato Executivo n° 4.297, de 17 out. 2012. Institui o Núcleo de depoimento Especial

de Crianças e Adolescentes – NUDECA, no âmbito do Poder Judiciário, e dá outras

providências. Diário da Justiça Eletrônico do Estado do Rio de Janeiro, 19 de out. 2012.

______. Ato Normativo Conjunto n° 09, de 27 nov. 2012. Regulamentam o sistema de

depoimento especial de crianças e adolescentes, a ser realizado em ambiente separado da sala

de audiências, com participação de profissional especializado para atuar nessa prática, e dá

outras providências. Diário da Justiça Eletrônico do Estado do Rio de Janeiro, 28 de nov.

2012.

______. Ato Normativo Conjunto n° 21, de 24 set. 2013. Resolvem alterar o Artigo 1° e

seus parágrafos 4° e 6°; os parágrafos. 1° e 2° do artigo 2°; e os parágrafos 2°, 3° e 10° do

artigo 3°; e 8° do Ato Normativo Conjunto 09/2012. Diário da Justiça Eletrônico do Estado

do Rio de Janeiro, 25 de set. 2013.

______. Corregedora fala sobre Depoimento Especial em evento promovido pela Emerj.

Disponível em: <http://www.tjrj.jus.br/ca_ES/web/guest/home/-/noticias/visualizar/40507? p_p_state=maximized>. Acesso em: 05 maio 2017.

______. Fórum de Teresópolis ganha sala para Depoimento Especial. Disponível em:

<http://www.tjrj.jus.br/ca/web/guest/home/-

/noticias/visualizar/41025?p_p_state=maximized>. Acesso em: 1 maio 2017.

______. RAD-DGADM-046. Preparar e Apoiar o Depoimento Especial de 10 nov. 2014. Disponível em: <http://www.tjrj.jus.br/documents/10136/2080900/RAD-DGADM-046-REV-

0.pdf>. Acesso em: 28 abr. 2017.

______. Sala de Depoimento Especial de crianças e adolescentes é inaugurada no Fórum

de Madureira. Disponível em: <http://www.tjrj.jus.br/web/guest/home/-

/noticias/visualizar/104907?p_p_state=maximized>. Acesso em: 1 maio 2017.

CADERNO IEP/MPRJ, n. 2, out. 2018.

______. Tribunal de Justiça inaugura sala de Depoimento Especial para crianças e

adolescentes. Disponível em: <http://www.tjrj.jus.br/web/informativo/informativos- pjerj/-

/informativos/visualizar/38703>. Acesso em: 01 maio 2017.

VISNIEVISKI, Vanea Maria. A preparação da criança e do adolescente para a entrevista na

fase de instrução processual. In: SANTOS, Benedito Rodrigues dos et al (Orgs.). Escuta de

crianças e adolescentes em situação de violência sexual: aspectos teóricos e metodológicos:

guia para capacitação em Depoimento Especial de crianças e adolescentes. Brasília: Editora

da Universidade Católica de Brasília, 2014.