A onça pintada vai à escola

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  • 8/2/2019 A ona pintada vai escola

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    A ona pintada vai escola

    Silvio Marchini

    01 de Fevereiro de 2012

    Aps aes do projeto, conservao da ona-pintada passou a ser apoiada por filhos de produtores rurais de AltaFloresta, no Mato Grosso. (Crdito: Divulgao)

    Crianas na sala de aula de uma escola rural na fronteira de desmatamento da Amaznia no costumam ser

    vistas como potenciais aliadas na conservao da biodiversidade. Elas ainda no tomam decises sobre o uso

    dos recursos naturais. Isso quem faz so seus pais. S o que normalmente se espera delas que algum dia

    se tornem adultos que ajam de forma mais ambientalmente correta. Neste cenrio, muitos educadores

    ambientais esperam que seus esforos em sala de aula no presente se traduzam em benefcios para a

    biodiversidade apenas na prxima gerao de tomadores de deciso.

    O Projeto Conviver Gente e Onas, no entanto, mostra que a educao pode trazer resultados imediatos. Ele foi

    desenvolvido em Alta Floresta, no Mato Grosso, e surgiu em resposta ao abate de onas pintadas, o que,

    juntamente com o desmatamento, uma grave ameaa a esta espcie de nossa fauna que desperta interesse e

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    emoes tanto em crianas quanto em adultos - da Amaznia rural aos grandes centros urbanos, o primeiro

    animal que vem cabea quando se pensa em floresta. Alm disso, todos tm algum sentimento por ela:

    admirao, fascnio, medo ou raiva, ou tudo isso ao mesmo tempo.

    O projeto faz uma contribuio relevante para o tema da aprendizagem entre geraes, revelando o potencial

    das crianas como interlocutores entre os conservacionistas e as comunidades rurais na fronteira de

    desmatamento da Amaznia. Os resultados - cujos dados foram obtidos em um experimento cientfico

    rigorosamente elaborado e conduzido - sugerem que crianas podem transferir para seus pais certas mudanas

    de atitudes obtidas em sala de aula e, dessa forma, modificar a curto prazo os comportamentos que atualmente

    ameaam a biodiversidade na Amaznia.

    Motivaes para o abate

    Entrevistas com mais de 600 produtores rurais na Amaznia e no Pantanal revelaram que, alm da realidade

    objetiva do prejuzo econmico, a subjetividade de sentimentos e percepes tambm pode estar por trs do

    abate de onas pintadas. Especificamente entre produtores rurais no municpio de Alta Floresta, o medo de ona

    e a crena de que mat-las uma prtica comum entre os vizinhos, alm da ameaa pecuria, so as

    principais motivaes para seu abate. Foi com esses produtores rurais e seus filhos que o Projeto Conviver

    Gente e Onas realizou um experimento que avaliou a efetividade de diferentes abordagens de educao e

    comunicao dentro e fora da sala de aula para melhorar os sentimentos e as percepes acerca das onas

    e, consequentemente, inibir o comportamento de mat-las.

    Silvio Marchini palestra em sala de aula em um dos experimentos do projeto. (Crdito: Divulgao)

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    O experimento em questo teve duas partes. A primeira avaliou o efeito de estratgias de aprendizagem passiva

    versus ativa em sala de aula sobre os conhecimentos, sentimentos e percepes dos alunos em relao s

    onas. A segunda examinou o grau no qual essas aes realizadas na escola influenciam tambm as

    percepes dos pais. O experimento envolveu seis escolas rurais e 150 alunos com idade mdia de 12 anos.

    Para uma descrio mais detalhada do experimento,veja minha a tese de doutorado.

    Impacto entre os pais

    Os alunos pediram, com o apoio de uma carta oficial da escola, que seus pais revisassem os captulos da

    apostila usada nas atividades em sala de aula e assinassem as tarefas de casa. Alm disso, os pais receberam

    informao impressa por meio do Guia de Convivncia Gente e Onas, um livro ilustrado, colorido, atraente e

    fcil de entender at por quem no sabe ler. Um outro grupo de adultos, na mesma comunidade rural, recebeu o

    livro atravs dos pesquisadores do projeto, identificados como representantes de uma organizao

    ambientalista.

    O impacto foi maior entre os pais que receberam o livro atravs da escola, das mos do prprio filho ou filha: ao

    final do experimento, eles estavam menos convencidos de que matar onas uma prtica comum e socialmente

    aceitvel. Supe-se que a distribuio dos livros atravs das escolas rurais seja uma maneira mais efetiva de

    prevenir o abate de onas do que sua distribuio por outros meios. Os pais foram influenciados no apenas

    pela informao comunicada pelo contedo, mas tambm pela mensagem implcita de que a conservao da

    ona pintada apoiada por seus filhos, por uma instituio comunitria que eles reconhecem e respeitam a

    escola local e supostamente tambm por outros membros da comunidade.

    A escola como aliada

    Educadores e comunicadores ambientais devem estar cientes das oportunidades de se beneficiar desse efeito

    maria-vai-com-as-outras e buscar maneiras de fazer com que suas mensagens paream partir de dentro da

    prpria comunidade que se pretende atingir; mensagens que chegam horizontalmente de outros membros da

    comunidade (por exemplo amigos, vizinhos e parentes) podem ser mais facilmente aceitas do que aquelas que

    parecem chegar de cima para baixo, impostas por pessoas ou instituies de fora.

    Talvez os conservacionistas possam usar as escolas para atingir simultaneamente dezenas de crianas em sala

    de aula que podero, por sua vez, influenciar seus pais e outros membros da comunidade. Considerando os

    desafios, estratgias de educao e comunicao para a conservao com foco na escola podem ter uma

    relao custo-benefcio particularmente atraente na regio, desde que as crianas transmitam efetivamente aos

    pais a mensagem de conservao.