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Lngua portuguesa: ultrapassar fronteiras, juntar culturas (Eds.) M Joo Maralo & M Clia Lima-Hernandes, Elisa Esteves, M do Cu Fonseca, Olga Gonalves, Ana LusaVilela, Ana Alexandra Silva Copyright 2010 by Universidade de vora ISBN: 978-972-99292-4-3 SLG 31 Oralidade no Portugus: possibilidades de investigao sobr a lngua falada.
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A ORALIDADE EM ADLIA LOPES: UM FALSO PACTO DE INTIMIDADE
Giuliana Capistrano Cunha Mendes de ANDRADE1
RESUMO: A poetisa portuguesa Adlia Lopes desconstroi a lrica tradicional ao incorporar inovaes formais e temticas em seus poemas O estranhamento causado pelos textos de Adlia Lopes alcana at mesmo as crticas moderna e ps-moderna, que se ressentem com a ausncia de objetos suficientemente delimitados e no reconhecem em sua escrita as mediaes da linguagem potica. O objetivo deste trabalho investigar como as marcas orais presentes nos escritos da poetisa contribuem para a recriao das possibilidades expressivas do eu lrico ao construir estratgias conversacionais cujos efeitos so, ao mesmo tempo, de distanciamento e de aproximao com seus interlocutores. Para a deteco destes movimentos, aspectos gerais da teoria sero abordados, seguidos da anlise do corpus, composto de excertos dos escritos de Adlia Lopes.
PALAVRAS-CHAVE: oralidade; narratividade; texto potico; Adlia Lopes
Consideraes iniciais
Neste artigo, temos como objetivo investigar as marcas da oralidade em alguns
poemas de Adlia Lopes com o intuito de perceber como so construdas as estratgias
conversacionais e quais os efeitos de sentido produzidos.
1 UNIVERSITAS, Faculdade de Letras / Instituto de Cincias Humanas. Rua Joaquim Severino de Paiva, 16, apto 202, bairro Oriente, Itajub MG, Brasil, CEP 37500-268. [email protected].
Lngua portuguesa: ultrapassar fronteiras, juntar culturas (Eds.) M Joo Maralo & M Clia Lima-Hernandes, Elisa Esteves, M do Cu Fonseca, Olga Gonalves, Ana LusaVilela, Ana Alexandra Silva Copyright 2010 by Universidade de vora ISBN: 978-972-99292-4-3 SLG 31 Oralidade no Portugus: possibilidades de investigao sobr a lngua falada.
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Como ponto de partida, algumas caractersticas recorrentes da obra da poetisa
so apresentadas para contextualizar Adlia Lopes, uma vez que seus escritos no so de
vasto conhecimento pblico. Imprescindvel, portanto, que alguns de seus traos sejam
evidenciados a servio do melhor entendimento de sua produo e, conseqentemente,
da anlise aqui proposta.
A teoria baseia-se na perspectiva sociointeracionista, que defende o conjunto da
lngua, em que fala e escrita no podem ser consideradas de maneira estanque, mas sim
pertencentes a um continuum. Para a melhor compreenso dessa perspectiva, realizamos
uma breve explanao sobre a relao entre fala e escrita.
Sequencialmente, apresentamos a metodologia adotada para a anlise. As
ferramentas analticas baseiam-se nas estratgias estabelecidas pela Anlise da
Conversao, como a construo de um foco comum, a demonstrao de conhecimentos
compartilhados e a existncia e diversidade de expectativas, por exemplo. A
investigao da oralidade no discurso da poesia de Adlia Lopes a prxima e ltima
parte do texto.
Com isso, buscamos mostrar que as marcas orais presentes nos escritos da
poetisa contribuem para a recriao das possibilidades expressivas do enunciador ao
construir estratgias conversacionais cujos efeitos so, ao mesmo tempo, de
distanciamento e de aproximao com seus interlocutores.
Lngua portuguesa: ultrapassar fronteiras, juntar culturas (Eds.) M Joo Maralo & M Clia Lima-Hernandes, Elisa Esteves, M do Cu Fonseca, Olga Gonalves, Ana LusaVilela, Ana Alexandra Silva Copyright 2010 by Universidade de vora ISBN: 978-972-99292-4-3 SLG 31 Oralidade no Portugus: possibilidades de investigao sobr a lngua falada.
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A poesia de Adlia Lopes
Adlia Lopes publicou seu primeiro livro de poemas em 1985 e em 2000 teve os
quinze primeiros ttulos reunidos no volume Obra2. Aps o lanamento da coletnea, a
poesia de Adlia Lopes adquiriu vulto e importncia, tanto pela quantidade quanto pela
singularidade de seus escritos. Adlia Lopes uma escritora contempornea e seus
escritos encontram-se em um momento em que se intensificam os questionamentos
sobre o significado da poesia e seus desdobramentos, podendo-se afirmar que revolvem
as poucas certezas do perodo.
Quase um sculo aps o incio da modernidade3 na literatura, Adlia Lopes
apropria-se de alguns dos procedimentos que marcaram a inaugurao do perodo, como
ironia, ambigidade e oralidade, e reflete sobre o fazer potico. Situar a poesia de Adlia
Lopes em relao s tradies poticas anteriores no tarefa fcil. Alm da fora da
contemporaneidade, que ainda no permite uma distino muito clara das linhas da
poesia, os escritos de Adlia caracterizam-se pela pluralidade das mscaras do
enunciador de seus textos, bem como pela profuso de citaes e referncias de outras
obras, em um constante dialogismo com a lrica tradicional, desconstruda pelo
hibridismo incomum, e por vezes desconcertante, das formas discursivas escolhidas.
Comum poesia publicada a partir da segunda metade do sculo XX, a poesia
de Adlia tem a forte presena do cotidiano, que se caracteriza pelo uso de qualquer
palavra ou qualquer assunto, desde que sejam necessrios ao poema. No h temtica ou
2 Obra foi publicado em 2000 pela editora Mariposa Azual. Depois foram editados mais cinco livros de poemas, todos pela editora lisboeta &etc.: A mulher-a-dias (2002), Csar a Csar (2003), Poemas novos (2004), Le vitrail la nuit * A rvore cortada, (2006) e Caderno (2007). 3 Para um estudo mais profundo sobre a modernidade fundamental a leitura da obra de Octvio Ianni, Enigmas da Modernidade-mundo. Rio de Janeiro: Civilizao Brasileira, 2003.
Lngua portuguesa: ultrapassar fronteiras, juntar culturas (Eds.) M Joo Maralo & M Clia Lima-Hernandes, Elisa Esteves, M do Cu Fonseca, Olga Gonalves, Ana LusaVilela, Ana Alexandra Silva Copyright 2010 by Universidade de vora ISBN: 978-972-99292-4-3 SLG 31 Oralidade no Portugus: possibilidades de investigao sobr a lngua falada.
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linguagem imprprias poesia adiliana. Expoente do texto moderno, a transfigurao
do cotidiano tem intensa fora potica na produo do perodo e imprime uma poesia de
aproximao entre enunciador e enunciatrio. A aparente intimidade entre os sujeitos se
d movida pela crena de que a poesia no feita somente para iniciados. Ao tratar de
temas comuns, usando uma linguagem de todos os dias, o enunciador aproxima-se do
enunciatrio, descendo do pedestal em que havia sido posto ainda na Grcia Antiga,
quando se acreditava ser o poeta um homem superior, inspirado pelas musas.
Ao incorporar o cotidiano em seus escritos, Adlia Lopes utiliza-se de
enunciados oriundos de diversas e inusitadas fontes: desde contos tradicionais como A
Bela Adormecida, passando por anedotas e provrbios, at propagandas de produtos
comerciais. No poema batizado de No more tears (LOPES, 2000, p. 139), Adlia
apropria-se do slogan publicitrio do xampu da marca Johnsons e confirma a tendncia
moderna da incorporao dos temas comuns do cotidiano ao mundo potico. O mesmo
fez Carlos Drummond de Andrade em Dentaduras Duplas e Manuel Bandeira na
Balada das trs mulheres do sabonete Arax.
Com uma escrita marcada pela presena excessiva da infncia, as memrias de
Adlia nos remetem sempre a um universo familiar, com a presena do cotidiano
domstico e de todos os seus personagens, como me, av, tia, vizinhos e amigas. O uso
constante de nomes prprios e pronomes possessivos permite a criao de um universo
particular da poetisa, como apontado por Sssekind (2002, p.208) em posfcio
antologia de poemas de Adlia, reforado por alguns comentrios autobiogrficos
diretos (Tenho 32 anos | nunca fui a um enterro; Tenho 41 anos. No me acho velha.
Acho-me feia e gorda).
Lngua portuguesa: ultrapassar fronteiras, juntar culturas (Eds.) M Joo Maralo & M Clia Lima-Hernandes, Elisa Esteves, M do Cu Fonseca, Olga Gonalves, Ana LusaVilela, Ana Alexandra Silva Copyright 2010 by Universidade de vora ISBN: 978-972-99292-4-3 SLG 31 Oralidade no Portugus: possibilidades de investigao sobr a lngua falada.
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Alm da exposio desse mundo ntimo, sob aparncia identicamente
domstica, h a presena de rplicas transficcionais de situaes e figuras pertencentes a
outras obras, outras histrias, convertidas, porm, em mscaras identitrias,
interlocutores ou personagens nos seus poemas (SSSEKIND, 2002, p.208). A
identidade de Adlia se multiplica no processo de desdobramento em inmeras
figuraes, verdadeiras ou fictcias, mas todas ficcionalizadas e incorporadas ao mundo
da poetisa.
Junto s mscaras identitrias utilizadas pelo enunciador, a poesia de Adlia
apresenta estratgias conversacionais incomuns, marcadas pela desconstruo de formas
discursivas tradicionais e incorporao de enunciado misto, instvel, entre a figurao
potica e a narrao, o lrico e o pico, entre forma enunciativa e estrutura ficcional
(SSSEKIND, 2002, p.207).
Sendo assim, no um contra-senso afirmar que a enunciao da poesia da
escritora se estrutura, quase sempre, por meio da narrao. A maioria de seus poemas
so verdadeiras narrativas, em que podemos perceber o enunciador dialogando com
aquele que