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A Outra Face Elizabeth Turner América do Norte, 1880 Sonhos secretos... Desejos proibidos! Cole Garret vive atormentado pelos segredos que envolvem seu casamento, e ao ser acusado da morte da esposa, ele tem pouco tempo para limpar seu nome e sua reputação. Apesar de Cole ser um entre vários suspeitos, a única pessoa que acredita em sua inocência é Claire Sorenson, a jovem que cuida de sua filhinha, e por quem ele nutre uma paixão secreta. Cole sabe que pode contar com o apoio de Claire, mas recusa-se a sobrecarregá-la com o estigma de amar um homem de futuro incerto. Mas os esforços de Cole para proteger Claire de um perigo traiçoeiro são insuficientes para deter a determinação de uma mulher apaixonada em sua incansável busca pela verdade! Disponibilização: Marisa Helena Digitalização: Marina Revisão / Formatação: Vania Siqueira Create PDF files without this message by purchasing novaPDF printer (http://www.novapdf.com)

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A Outra Face Elizabeth Turner

América do Norte, 1880 Sonhos secretos... Desejos proibidos!

Cole Garret vive atormentado pelos segredos que envolvem seu casamento, e ao ser acusado da morte da esposa, ele tem pouco tempo para limpar seu nome e sua reputação. Apesar de Cole ser um entre vários suspeitos, a única pessoa que acredita em sua inocência é Claire Sorenson, a jovem que cuida de sua filhinha, e por quem ele nutre uma paixão secreta. Cole sabe que pode contar com o apoio de Claire, mas recusa-se a sobrecarregá-la com o estigma de amar um homem de futuro incerto. Mas os esforços de Cole para proteger Claire de um perigo

traiçoeiro são insuficientes para deter a determinação de uma mulher apaixonada em sua incansável busca pela verdade! Disponibilização: Marisa Helena

Digitalização: Marina Revisão / Formatação: Vania Siqueira

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Copyright © 2002 by Gail Oust Originalmente publicado em 2002 pela Kensington Publishing Corp. PUBLICADO SOB ACORDO COM KENSINGTON PUBLISHING CORP. NY, NY - USA Todos os direitos reservados. TÍTULO ORIGINAL: Just Before Daybreak© 2006 Editora Nova Cultural Ltda.

Capítulo I

Brockton, Michigan, Março de 1880

Certamente, madame, a senhora não fala sério? Não vejo outra saída. — Mas, Sra. Garrett, ela não serve... — Pelos céus, Alma! Deixe de confusão. Você está fazendo tempestade

em copo d'água — Priscilla Brock Garrett retrucou. — Quão complicado pode

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ser tomar conta de um bebe de cinco meses? Afinal, será apenas por algumas horas.

Não serve? Claire Sorenson se encolheu contra a parede do quarto do bebê. A

humilhação tingiu suas faces de púrpura. Será que Alma Dobbs, a governanta dos Garrett, realmente a julgava incapaz de cuidar de um bebezinho? Honestamente acreditava que Claire não poderia fazer nada além de esfregar assoalhos e limpar janelas?

Pelo vão da porta entreaberta do quarto de Priscilla, Claire viu Alma levantar as mãos em agonia.

— O que o patrão dirá? — Não estou preocupada com isso. — Priscilla prendeu o brinco em uma

das orelhas, levantando o espelho para ver o efeito antes de colocar o segundo. — Cole Garrett pode ser meu marido, mas não é meu dono. Posso ir e vir quando quiser, e posso fazer o que me der na cabeça sem pedir permissão. Está se esquecendo de que sou uma Brock? Foi a minha família que fundou esta cidade. Ele, por sua vez, não passa de um lenhador que deu sorte.

Claire desejou poder interromper a conversa entre as duas mulheres. Aquilo a incomodava. O desdém na voz de Priscilla, sempre que se referia ao marido, era cruel.

— Mas, madame... — Alma Dobbs tentou novamente, com ar determinado.

— Basta! — Priscilla interrompeu. — Estou decidida. Estou esperando ansiosa pela festa dos Howard a semana toda. Não vou perdê-la só porque ele prefere ficar naquele escritório velho e embolorado. — Ela ajeitou os cachos castanhos e brilhantes. — Além do mais, não é minha culpa se a babá resolveu escolher justamente hoje para ir embora.

— A senhora sabe que eu ficaria se pudesse... — um tom defensivo surgiu na voz da governanta. — Mas meu Harold espera que a comida esteja na mesa quando ele chega em casa. Fica uma fera se precisar esperar.

— Nem uma palavra a mais, Alma. Claro que se essa moça pode esfregar um assoalho é capaz de trocar uma fralda. Agora, se não me apressar, acabarei me atrasando.

Claire ouviu o fecho da bolsa sendo fechado e o seqüente farfalhar da seda. Do quarto do bebê viu quando Priscilla Garrett passou em um traje azul-safira que deixava boa parte do colo exposto, seguida de perto por Alma Dobbs em seu avental branco.

Priscilla podia não admitir, mas numa coisa a governanta tinha razão. Claire não podia deixar de se preocupar com a reação de Cole Garrett quando chegasse em casa e visse seu bebê sob os cuidados da filha do bêbado da cidade.

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O ruído da porta abrindo e fechando atravessou os corredores e, por uma fresta da cortina, Claire viu quando a carruagem da família virou na Rua Elm.

Após alguns momentos, era Alma quem lutava contra o vento de março, caminhando na direção oposta, em passos rápidos.

Sem dúvida, a mulher parecia ansiosa para preparar a refeição de seu Harold, que, pela descrição dela, parecia ser um tirano.

Isso porque Alma não conhecia Lud Sorenson, pai de Claire. Um resmungo a fez soltar a cortina e ir até o berço. Não pôde deixar de

sorrir ao ver os olhos grandes e azuis que a fitavam dali. Bem desperta após a soneca, a menininha agitava os bracinhos e

perninhas. — Olá, Daisy... Parece que somos apenas nós duas esta noite. — E

pegou-a no colo. Por um longo instante ficaram ambas em silêncio. Uma criança perfeita, ponderou Claire. De repente um nó apertou-lhe a garganta. Uma criança perfeita, uma família perfeita. Uma vida encantadora.

Será? Ao menos era essa a opinião de Claire até pouco tempo atrás. Agora já

não tinha tanta certeza. Admirava os Garrett de longe desde muito. Usava qualquer pretexto só para passar na Rua Elm e espiar os progressos do novo palacete do barão da madeira, Cole Garrett.

Tinha três andares, janelas sobre o telhado de ardósia. Sem falar na torre imponente da entrada, encimada por janelas com vistas para as quatro direções. Diziam que dali se avistava o lago Michigan.

Quando a casa fora concluída, Cole surpreendeu a todos fugindo com Priscilla Brock.

Ambos altos e morenos, faziam um casal e tanto. Rei e rainha de conto de fadas. A filha deles, Daisy, completou o quadro ao nascer.

Só depois de empregada na casa foi que Claire começou a entender que a família, aparentemente perfeita, não era tão perfeita assim. Como fogo sem calor...

A garotinha levou a mão à boca e passou a sugar vigorosamente. — O que foi queridinha? Está na hora da mamadeira? — perguntou

Claire. O tempo passou rapidamente. Para se distrair Claire se deixou levar por

um inocente joguinho de faz-de-conta... Que mal poderia haver em brincar, por algumas horas, que ela era a dona daquela casa maravilhosa e mãe de Daisy? Tinha a amarga consciência de que dificilmente viria a ter um filho seu. O gênio terrível e inconstante de seu pai desencorajava possíveis pretendentes. Sem falar no seu irmão que era famoso por bater primeiro e perguntar depois. Em geral, os homens preferiam evitar moças de famílias

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problemáticas. A perspectiva de vir a ter um marido, filhos e uma vida decente cada

vez parecia mais distante. Mas, mesmo assim, insistia em sonhar. Muito depois de ter trocado e alimentado a pequena, que já dormia,

Claire ainda velava por seu sono, sentada numa cadeira de balanço no escuro do quarto.

O carrilhão da sala já batera onze badaladas e nenhum dos Garrett havia retornado a casa. Certamente, pensou ela, Cole Garrett não podia estar ainda em seu escritório. Talvez tivesse ido se juntar à esposa no jantar.

Algum tempo depois, o bebê resmungou e começou a se agitar no sono. Claire correu para o berço para tentar acalmá-la, massageando-lhe as costas até que o bebê finalmente se acalmou.

Estava ajeitando o cobertor sobre os ombros do bebê quando ouviu uma porta abrindo e fechando em seguida, escada abaixo. Em seguida ouviu passos abafados nos degraus. Tudo pareceu muito sorrateiro, como se a pessoa não quisesse ser notada.

Um vulto parou diante da porta entreaberta do quarto. — Quem é você? — inquiriu uma voz masculina. — E que diabos está

fazendo aqui? A fúria represada naquela voz penetrou na mente de Claire. Paralisada,

não conseguia largar o cobertor nem falar. — Bem... O pavor tomou conta de si por alguns segundos, até se dar conta que

era Cole Garrett quem a inquiria. Os ombros largos ocupavam toda a porta. Mas foi a ira, e não a

presença física do homem que intimidou Claire. Racionalmente, não havia motivo para tanto medo, mas, mesmo assim,

ela o sentia. Crescera ouvindo desaforos dos homens em sua própria casa, o que a deixara imune. Ou quase... Mas o tom arrogante de Garrett deixava clara a sua posição inferior. Fazendo-a sentir-se culpada por ter ousado sonhar com aquilo tudo. Como se fosse uma intrusa na casa dele.

— Fale logo, menina. Diga logo o que faz aqui antes que eu chame a polícia.

— Po...polícia...? — gaguejou ela. Por Deus, será que pensava que era uma ladra? Ou pior ainda, que fizera mal ao bebê?! — Sou Claire — explicou com voz trêmula. — Claire Sorenson.

O quarto pareceu encolher conforme ele avançava. Alto, quase dois metros e com a compleição musculosa do seu antigo ofício, lenhador. Sua masculinidade se acentuava ainda mais em contraste com a decoração feminina do aposento.

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Depois de relancear a vista em direção ao berço e certificar-se de que a pequena dormia intacta, voltou sua atenção a Claire. Ele abriu a boca para dizer algo, mas a moça levou o dedo aos lábios pedindo silêncio.

— Shhh — sussurrou. As sobrancelhas escuras dele se arquearam, num sinal mudo de

reprovação. Por um instante pareceu que a ordem seria desobedecida, mas o sono da filha o fez mudar de idéia.

Tomando Claire pelo braço, disse: — Venha comigo. — E quase que a arrastando, levou-a até o corredor.

— De uma vez por todas, explique-me o que está fazendo aqui, com minha filha.

Ela se desvencilhou da mão que a prendia e respondeu: — Não há necessidade de me segurar, sr. Garrett. — Sorenson? — Ele a olhou longamente, e então seu cenho se

desfranziu. — Agora a reconheço. Você é a irmã caçula de Nils Sorenson. — Exato. — Claire alisou a saia de algodão grosseiro e falou: — O

senhor foi um dos homens que trouxe Nils para casa, depois do acidente. — Pelo qual seu irmão me culpa. Ele me odeia desde então. — Uma súbita suspeita brilhou em seus olhos. — Nils colocou você aqui

por isso? Não era nenhum segredo. Todo mundo na cidade sabia que Nils culpava

Cole pelo acidente que o deixara aleijado. Pela pergunta de Cole, ela descobriu que ninguém o havia informado quando a contrataram como faxineira. Não era à toa que a governanta objetara tanto em deixá-la como babá de Daisy.

— Meu irmão não tem nada a ver com a minha presença aqui Cole passou a mão na nuca e cerrou os olhos por um instante. — Meu dia foi longo, Srta. Sorenson. Apenas me diga por que está

tomando conta de Daisy no lugar da babá. — A Srta. Bartlesby partiu... inesperadamente. — Ela é a terceira que abandona o emprego em cinco meses— ele

resmungou. Claire notou a frustração na voz de Cole. — Sua esposa queria ir à festa dos Howard, e a Sra. Dobbs precisava ir

para casa, então me pediram para ficar. — Mas por que justamente você? — Fui contratada para a faxina, encerar assoalhos, essas coisas e,

bem... venho duas vezes por semana. — Então por que nunca a vi antes? O olhar curioso a punha cada vez mais nervosa: — Geralmente, quando chego para o trabalho, o senhor já saiu para o

escritório, e quando o senhor volta, eu já estou na minha casa.

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— O que a qualifica para ser babá da minha filha? — Não havia ninguém mais disponível — ela respondeu com um

suspiro. — Ultima opção, não é? E Priscilla jamais perderia uma reunião social

para tomar conta da própria filha. Insegura sobre o que dizer, Claire ficou em silêncio. Aproveitou a

ocasião para analisá-lo, como ele fizera com ela minutos antes. Seus cabelos eram castanho-escuros, quase negros, curtos e repartidos

de lado. Os olhos tinham uma tonalidade acinzentada. Suas feições refletiam sua personalidade. O queixo quadrado revelava determinação, sensualidade.

A idéia era ao mesmo tempo inesperada e incômoda. A despeito do paletó bem-feito, os ombros quase estouravam as costuras. Grande demais, musculoso demais, para os padrões convencionais de beleza masculina, era, sem dúvida, uma presença marcante.

E muito atraente. — Seu irmão sabe que você trabalha para mim? — Cole perguntou

abruptamente. — Não — respondeu Claire, desviando o olhar. — Acho que ele não vai ficar muito contente se descobrir. — Enquanto eu der dinheiro para Nils beber ele não perguntará onde eu

trabalho. — Seu irmão não tem direito de gastar em bares o que você trabalha

duro para ganhar. Deixe-o conseguir seu próprio sustento. Ela levantou a cabeça com altivez. — O que eu escolho fazer com meu dinheiro não é da sua conta, Sr.

Garrett. — Ao menos Nils deveria compensá-la — retrucou Cole ignorando a

indignação da moça. — De acordo com o que o doutor Wetherbury me disse, seu irmão teria perdido a perna por infecção, se não fossem os seus cuidados.

Isso fez Claire se lembrar dos dias intermináveis em que temera pela amputação da perna do irmão. Das longas vigílias ao lado de sua cama, rezando e esperando.

Dias, semanas, meses, em que ele parecia perder a vontade de estar vivo. Depois a longa e dolorosa convalescença. Limpou a garganta, banindo as lembranças amargas.

— Se não precisa mais de mim, vou embora, senhor. — Pelo que me recordo, você mora há quilômetros da cidade. Como

planeja voltar para casa? Já no meio das escadas, ela respondeu: — Andando, claro. Tenho dois pés. — É quase meia-noite. Muito tarde para uma jovem desacompanhada.

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— Muito gentil de sua parte, Sr. Cole. Mas sou perfeitamente capaz de cuidar de mim mesma.

— Gentil não é uma palavra muito usada para me descrever — ironizou ele. — Mas me sentirei responsável se algo lhe acontecer.

— Ficarei bem, senhor. Brockton é segura como uma igreja. — Gostei da piada, sita. Sorenson. — Tirando do bolso um dólar de

prata entregou à moça. — Meu cocheiro, Tim 0'Brien, deve trazer minha esposa logo. Dê isso a ele e diga que eu mandei que a levasse em casa.

Por um segundo, Claire titubeou, mas a idéia de voltar para casa à pé no frio da noite perdeu para o conforto do coche. Colocando a moeda no bolso, disse.

— Está bem, já que o senhor insiste... — Eu insisto. Pode esperar por Tim na cozinha. Os primeiros raios de luz entravam pela cozinha, enchendo-a com uma

claridade difusa. Claire esfregou os olhos que ardiam pela falta de sono. Sua garganta estava seca e seus pensamentos confusos. Virou-se na cadeira dura, tentando se acomodar. A casa estava silenciosa exceto pelo tique-taque do relógio da sala.

Mal conseguia distinguir o contorno do fogão de ferro, da caixa de gelo, da pia e das prateleiras.

Lutara para se manter acordada à espera da chegada de Tim e da Sra. Garrett.

Mas já não tinha certeza se conseguiria, sua última recordação era ter ouvido o relógio batendo duas horas, e talvez tivesse cochilado e perdido sua carona.

Logo Alma Dobbs chegaria para começar seu dia de trabalho. Claire se sentia uma idiota de ter que explicar por que passara a noite sentada na cozinha.

Seria ainda mais embaraçoso se Cole Garrett acordasse mais cedo e a encontrasse ainda ali. Essa idéia a fez tomar uma decisão, e, mais que depressa, se levantou.

Pegou seu casaco e, saindo pela porta dos fundos, começou a longa jornada rumo à sua casa.

Finalmente chegou à casa que dividia com o pai e o irmão. Já estava na varanda quando avistou o irmão no depósito dos fundos. Por que Nils estaria de pé tão cedo?

Devagar se aproximou com cuidado para não alertar o irmão. Mas não era necessário, visto que parecia tão absorto em sua tarefa que não notaria nada a seu redor.

Apesar do frio, o irmão de Claire estava sem agasalho e, segurando uma pá com ambas a mão, enchia de terra um buraco. Enterrava algo. Mas o

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quê? — Nils? Assustado, ele mal teve tempo de largar a pá antes de olhar para a

irmã. — Q-que...? Claire conhecia seu irmão o bastante para ver a culpa em seus olhos.

Sua curiosidade deu lugar a apreensão, especialmente ao notar o suor escorrendo em seu peito, apesar do vento gelado.

— Nils, você está bem? — Estou ótimo. Volte para dentro. Ignorando a ordem, ela aproximou-

se. — Mal amanheceu, o que você faz aqui fora? — Não é da sua conta — respondeu ele, enchendo o buraco. — Você

não tem o direito de me espionar. Todos os instintos de Claire lhe gritavam que havia algo de muito

errado ali. — Nils, se você está em algum tipo de encrenca... — Saia daqui!!! — Com mais força, ele jogou a última pá de terra. Ela ainda tentou tocar no irmão, mas recuou horrorizada ao notar o

sangue que manchava a manga de sua camisa. — Eu o amo, Nils — sussurrou Claire. — Você é meu irmão, e eu faria

qualquer coisa para ajudá-lo. O rosto dele se transformou numa máscara assassina, e, sem dizer uma

palavra, retirou-se, deixando Claire estarrecida. Cole acordou cedo, cheio de propósitos e antecipação. Ele teria uma

temporada bastante ocupada pela frente. Não era apenas a mais trabalhosa, mas também a mais perigosa. Era a época de que ele mais gostava. Assim que o gelo derretesse nos rios e riachos, começaria a rolagem das toras pelo rio. Mas, primeiro, ele pretendia visitar pessoalmente os acampamentos. Ele queria rever as estimativas e assegurar-se de que as toras, conforme a legislação vigente, levavam a marca de sua empresa. A madeira seria separada no final da rolagem e enviada para a serraria correspondente.

Ele já antevia o aborrecimento que teria quando contasse seu plano a Priscilla. Ela não ficaria satisfeita com a perspectiva de sua ausência. Não que fosse sentir sua falta, isso ele sabia, mas sim porque ela achava que estas não eram tarefas para um homem em sua posição, que havia chegado a barão da madeira. Especialmente sendo seu marido o barão da madeira em questão.

Ele estava terminando de colocar as abotoaduras de ouro nos punhos engomados, quando ouviu o choro vindo do quarto de Daisy.

Praguejou baixinho. Onde estaria a Sra. Barflesby? Logo se lembrou do que Claire Sorenson lhe havia contado. Ele não entendia a capacidade de

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Priscilla de afastar os empregados. Daisy continuava gritando. Frustrado, Cole suspirou. Onde estaria

Priscilla? Ela não seria capaz, pelo menos uma vez, de cuidar de sua filha? Não lhe parecia natural para uma mulher ser tão pouco interessada em sua própria prole.

Provavelmente, ela voltara tarde da festa dos Howard e planejara dormir até mais tarde.

A governanta só chegaria vinte ou trinta minutos mais tarde. Sua fugaz esperança de que o choro de Daisy despertasse a mãe não aconteceu.

Aborrecido e frustrado, abriu a porta que levava ao quarto contíguo da esposa. Porta que havia aberto apenas uma vez antes, logo depois de seu casamento, quando havia sido tolamente otimista a respeito das coisas darem certo entre eles. Ele se surpreendeu ao ver que a porta estava destrancada. Não que uma simples fechadura o teria deixado do lado de fora caso estivesse determinado a entrar. Palavras duras e silêncios constrangedores formavam uma barreira tão eficiente quanto uma boa tranca. Deus sabia, aquelas eram as coisas que representavam a totalidade do que dividira com ela durante aquele horrível ano em que haviam passado juntos.

Cole parou na soleira da porta do quarto de Priscilla e procurou acostumar a vista à penumbra. Uma leve nesga de luz brilhava através de uma estreita abertura no meio das pesadas cortinas. Sem nem mesmo olhar para a cama, ele atravessou o quarto e escancarou o cortinado, e deu meia-volta, já preparado para a inevitável raiva de Priscilla.

Foi o silêncio que o acolheu. E uma cama vazia. Cole franziu a testa. A cama estava intocada, os lençóis de linho sem

uma ruga e a colcha de seda completamente lisa. Ela teria cumprido a ameaça de deixá-lo? Era bem próprio de Priscilla

pensar apenas em si mesma e abandonar a filha. Ela jamais tentara disfarçar que era infeliz. Que detestava a presença

dele. Ele não tinha nenhuma das qualidades que ela admirava nos homens. Ela o considerava um bruto, sem cultura, nada mais do que um lenhador. O casamento havia sido um desastre desde o principio. E ele não tinha a quem culpar, a não ser a si mesmo.

A ambição cega o havia conduzido a uma união sem amor. Ele sofria de uma necessidade premente de provar seu valor. Desde menino vinha tentando erguer-se para além de sua origem humilde, apenas para mostrar ao mundo que era competente, que poderia ter sucesso na vida. Não havia dias longos demais ou tarefa muito difícil. Aceitava missões que ninguém tinha a coragem de aceitar. Casar-se com a filha de Leonard Brock, o prefeito da cidade e seu mais proeminente cidadão, solidificara sua posição social. Juntar-se com

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Priscilla havia acrescentado respeitabilidade a sua reputação sem brilho. Gra-ças à generosidade de Leonard Brock, a união lhe trouxe títulos de propriedade de terras ricas em madeira, além do necessário suporte financeiro para ampliar sua serraria.

Curiosamente, ou talvez nem tanto, a deserção de Priscilla não lhe provocava nenhum sentimento de perda. Pelo contrário, Cole sentia uma estranha sensação de alívio.

O choro agudo de Daisy, intercalado ao som de seus soluços, o trouxe de volta ao presente. Ele teria que lidar com a ausência de Priscilla mais tarde. Havia questões mais urgentes a tratar.

Ao entrar no quarto da criança, ele sentiu um forte odor de amoníaco. Seu nariz se retraiu automaticamente. Um sentimento de derrota tomava conta dele. Ele se perguntava por que considerava mais fácil derrubar uma árvore do que encarar a pequenina Daisy. Entrou no quarto, sentindo-se como um gigante fora-da-lei invadindo uma casinha de boneca.

Quando o viu, Daisy parou imediatamente de chorar. Cole sorriu. Era impossível resistir àquela recepção entusiasmada.

— Como pode uma garotinha tão doce ser a origem deste cheiro? — ponderou em voz alta.

Daisy respondeu com um gritinho alegre. Ela balançou as perninhas e aquele movimento espalhava o ar e enfatizava a necessidade de uma fralda limpa.

Cole não sabia o que fazer. Consultou o relógio novamente, mas os ponteiros não haviam avançado significativamente desde que olhara por último. Certamente aquela tarefa desagradável poderia esperar até a chagada da Sra. Dobbs. A mulher não poderia se recusar. Ou poderia? Ele não acreditava naquela possibilidade. Se ela fizesse objeções, ele simplesmente lhe ofereceria um bom aumento de salário. Ora, ela provavelmente ficaria feliz de assumir também a função de babá até que outra fosse contratada.

Enquanto isso, ele faria com que sua secretária mantivesse contatos com agências de empregos em Detroit e Chicago. Sentindo-se orgulhoso por ter controlado a situação, ele se afastou um pouco do berço.

Daisy sinalizou seu desprazer com um grito que ecoou por toda casa. Resignado, Cole inclinou-se sobre o berço. — Tudo bem, tudo bem — ele sussurrou. — Você não precisa ser tão

autoritária. Daisy soluçou, uma, duas vezes, acalmou-se e olhou para o pai com os

olhos azuis cheios de confiança. — Qual pode ser a dificuldade em trocar uma fralda? As mulheres fazem

isso o tempo todo. Ignorando os protestos de Daisy, ele começou a examinar o quarto,

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vasculhando gavetas. Deu-se por satisfeito quando encontrou uma pilha de retângulos de tecido macio, cuidadosamente dobrados. Sua satisfação durou pouco. Apanhou um dos retângulos e olhou para ele com incerteza.

— Muito bem, não deve ser mais difícil do que cortar uma árvore. Mais uma vez ao lado do berço, tirou a manta de flanela e olhou

confuso para aquele pequeno embrulho. A parte inferior do corpo do bebê estava enfiada no que parecia ser uma calcinha de borracha. Mas nem aquela invenção impermeável havia contido o volume de umidade que a criança havia conseguido produzir durante a noite. Além da manta molhada, o forro do berço estava ensopado. Os dois teriam que ser trocados, mas a Sra. Dobbs poderia cuidar daquilo depois.

Respirando pela boca, ele despiu o bebê. — Sem querer ofender, Minduin, mas você não me lembra em nada,

nada, aquela minha florzinha cheirosa. Sem parecer nem um pouco ofendida, Daisy sorriu. Cole se

surpreendeu devolvendo-lhe o mesmo sorriso inocente. Ele ergueu a criança, de forma a poder posicionar a fralda limpa sobre a parte seca do berço. Seu sorriso desapareceu, quando percebeu o erro tático.

Apressado, ele colocou Daisy sobre o retângulo de pano dobrado. Tudo o que faltava fazer agora era fixar a fralda, e a missão poderia então ser considerada um sucesso. Cada vez mais confiante, ele pegou um dos alfinetes, juntou duas das pontas laterais da fralda e quase conseguiu prender aquele la-do, mais Daisy esticou-se, retorceu-se e virou-se de braços.

— Calma aí, sua minhoquinha — Cole advertiu, virando a criança novamente. Alinhou mais uma vez as bordas da fralda, mas Daisy mudou de posição de novo. A ponta afiada do alfinete espetou o polegar de Cole.

— Ui! A exclamação surpreendeu a ambos. Daisy parou de se retorcer e olhou

para ele com os olhinhos azuis cheios de reprovação. — Desculpe, florzinha — murmurou, pensando em quanto os bebês

entenderiam da língua dos adultos. Admoestou-se para, no futuro, tomar cuidado com o que dizia perto dela. Não podia aceitar a idéia de sua delicada garotinha usar o vocabulário de lenhadores.

Apertando os maxilares com renovada determinação, Cole esforçou-se para vencer o dilema da fralda. Aquilo definitivamente não era tarefa para amadores. Seu respeito pelas babás aumentou.

Ao terminar, afastou-se para admirar sua obra. Apesar de tudo, a fralda estava trocada.

Daisy recomeçou sua movimentação. Cole gemeu e olhou para o teto. Não bastava estar seca? Agora tinha

fome? Ele não tinha a menor idéia do que bebês sem dentes tomavam pela

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manhã. Daisy não sabia que ele tinha negócios para tocar? Como que do nada, ouviu a porta traseira da casa abrir e fechar. Graças

a Deus! Finalmente, Alma Dobbs havia chegado. Alma havia tirado o casaco pesado e alimentava o fogão a lenha com

pedaços de madeira. Seus olhos se arregalaram de surpresa, quando viu Cole com Daisy a tiracolo.

— O que houve, Sr. Garrett? — Preciso que cuide dela — avisou, sem qualquer preâmbulo. — M-mas, Sr. Garrett... — ela balbuciou. — Não sou babá e nem gosto

de crianças. — Terei o maior prazer em lhe pagar o que pedir. Mas, por favor, cuide

dela até eu voltar. — Antes que ela pudesse retrucar, Cole colocou o bebê em seus braços.

Durante a transferência do pai para o colo de Alma, a fralda, que já estava meio solta, escorregou para o chão da cozinha.

— O que você quer dizer, garoto, com não voltou para casa ontem à noite? — Esbravejou Leonard Brock. Os dois homens se encaravam por cima do tampo de mogno encerado da mesa.

Cole apertou os maxilares com tanta força que sentiu dor. Ele havia priorizado aquela visita a seu sogro. Teria sido covardia não fazê-lo. Mesmo assim, diante do olhar acusador de Brock, ele se sentia tão irrequieto quanto um bebê.

— Se ela não está em casa, onde diabos pode estar? — O crescente rubor no rosto de Brock era uma clara indicação de seu desprazer.

Cole cruzou as pernas. — Ela não voltou da festa dos Howard. Sua cama estava intacta quando

verifiquei esta manhã. — Se ela fugiu, garoto, a culpa é sua. Cole controlou sua impaciência. Naturalmente, Brock o culparia pelo

desaparecimento de Priscilla. — Eu deveria ter tido consciência de que você não saberia como tratar

uma dama. Priscilla tentou me fazer ver que você não era melhor do que um lenhador comum. Eu deveria tê-la ouvido. — Brock esmurrou a mesa com seu punho gordo, com tanta força que uma caneta saltou para o chão.

— Eu pensei que, talvez, o senhor... — Cole procurava manter o tom de voz mais calmo possível — soubesse onde ela estaria.

— Como você sabe muito bem, Priscilla não tem o hábito de me contar as coisas. Ela é determinada, sempre foi, mesmo quando pequena. Neste particular, puxou ao pai. — Sua voz tinha o inconfundível som do orgulho.

— O fato, senhor, é que Priscilla desapareceu. As pessoas vão acabar descobrindo e começar a fazer perguntas. Eu só pensei que o senhor talvez

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pudesse saber o paradeiro dela. Brock ergueu o corpanzil da cadeira. Com as mãos cruzadas nas costas,

a cabeça inclinada em pensamento, ele andou de um lado para outro. — Precisamos de um plano, garoto, ou seremos alvo da chacota de

todos. — Sim, senhor. — Pelo menos daquela vez, os dois concordavam. — Eu

queria saber como o senhor pretendia lidar com a situação. — Por enquanto, apenas mantenha a sua maldita boca fechada. Não diga uma palavra a ninguém sobre o desaparecimento de sua mulher. Entendeu, não é? Tudo isto vai refletir mal sobre você.

Com a expressão gelada, Cole removeu um fiapo da manga do paletó. Ele estava tentado a dizer ao velho que sua filha havia desaparecido, provavelmente com outro homem. Toda aquela situação era de responsabilidade dela, não dele.

— A notícia vai vazar. — Brock continuava a caminhar pela sala. — Quem mais sabe disso, além de nós dois?

— Não falei com absolutamente ninguém, mas Alma Dobbs, a governanta, vai dar com a língua nos dentes quando perceber que não há sinal de Priscilla.

— Diga-lhe qualquer coisa, mas faça com que fique quieta. E quando o fizer, é melhor que seja convincente, aquela mulher trabalha para a nossa família há dez anos. Diga a ela que Priscilla foi visitar uma amiga. Que ela decidiu de repente. Se tudo mais falhar, compre o seu silêncio.

Cole resmungou. — O dinheiro parece ser a sua forma favorita de lidar com problemas. — Funcionou com você, não foi, garoto? — Brock pressionava Cole com

seu olhar gélido. — Não ouvi nenhuma reclamação sua, quando cumpri a minha parte de nossa barganha.

Aquela lembrança fez com que Cole sentisse o calor da ira nas faces. Uma barganha com o demônio. E o maior erro da minha vida. Apesar dos pensamentos que o assaltavam, Cole manteve a expressão cuidadosamente firme.

— Caso não se lembre, também mantive a minha parte no acordo — lembrou, levantando-se.

Brock voltou à escrivaninha. — Vou procurar saber, vou ver o que consigo descobrir. Enquanto isso,

não diga ou faça nada até ter notícias minhas. Mantenha a boca fechada, se sabe o que é bom para você. Entendeu, garoto? Não há ingrediente melhor para fofocas do que um marido traído.

Depois que chegou ao escritório da serraria, Cole procurou manter-se ocupado. Já escurecia quando terminou de somar números em uma planilha

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contábil. Ele confiava em seus homens para lhe dar uma estimativa correta da madeira acumulada, mas gostava de verificar os cálculos pessoalmente.

Recostando-se na poltrona, ele esfregou os olhos cansados. Estava ansioso para visitar os acampamentos dos lenhadores. Havia ocasiões em que realmente sentia falta do trabalho físico. O uso dos músculos quando usava a serra. Aquela dor surda, no final do dia gasto carregando as toras no percurso até as margens do rio.

A visita aos acampamentos também serviria para um outro propósito: faria com que se lembrasse do que havia conseguido alcançar. Quando menino, havia começado como ajudante de cozinheiro. Hoje, fazia parte da casta dos barões da madeira. Após recolher os papéis, ele os guardou em um cofre, vestiu o casaco, apagou a luz e deixou o prédio. Raros flocos de neve voavam pelo céu cinzento quando montou em seu cavalo e seguiu para casa.

Durante a maior parte do dia, ele conseguira esquecer de Priscilla e de seu desaparecimento. Agora, entretanto, ela voltava para assombrar sua alma. Era estranho, ele pensava, que não tivesse recebido notícias do sogro. Mas, se Priscilla tivesse ido embora com um amante, talvez não quisesse ser encontrada.

Por outro lado, pensou, era possível que já tivesse retornado. Naquele exato momento, ela poderia estar em casa, vestindo-se para o jantar. Como explicaria ou justificaria sua ausência? E o que ele diria a ela? Que estava feliz em vê-la? Se fosse honesto, lhe diria que sentia muito por ela ter se dado ao trabalho de voltar.

Que uma parte secreta dele tinha a esperança de que ela tivesse partido para sempre.

Olhando para o céu escuro, ele percebeu que já era tarde. Mais uma vez, as horas haviam passado sem que notasse, um hábito que havia adquirido depois do casamento. Quanto mais tempo ficasse na serraria, menos tempo teria que agüentar a ladainha de reclamações de Priscilla. Quando entrou na Rua Elm, viu que as janelas de sua casa estavam todas iluminadas. O receio tomou conta dele.

— Boa noite, Sr. Garrett — cumprimentou Tim 0'Brien, saindo da cocheira, no fundo da propriedade, para guardar o cavalo.

— Boa noite, Tim — respondeu Cole distraído. — Parece que vamos ter neve antes do amanhecer. — É o clima típico do Michigan. — Sem disposição para conversa fiada,

Cole apeou do cavalo, começou a andar na direção da casa, mas parou, no meio do caminho, com uma pergunta meio que formada na cabeça.

— Algo errado, Sr. Garrett? Acabara de ocorrer a Cole que Tim havia levado Priscilla à casa dos

Howard, na noite anterior. Ela teria ido mesmo para lá? Ou ele a teria levado

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para se encontrar com um amante? Se este fosse o caso, Cole estava certo de que não queria saber dos detalhes sórdidos.

— Não — ele murmurou, consciente da curiosidade velada do cocheiro. — Não, nada errado.

Deixando o cavalo nas mãos hábeis do cocheiro, ele se dirigiu para a cozinha, esperando encontrar Alma Dobbs. Parou de repente quando encontrou Claire Sorenson.

— Você de novo? Onde diabos está a Sra. Dobbs? Claire parou de dar comida a Daisy e olhou para Cole:

— Está deixando entrar friagem. E era isso mesmo o que fazia. Cole percebeu que estava ali parado,

como um idiota, com a porta escancarada. Fechou a porta com mais força do que necessário e observou Claire encolher-se com o ruído repentino. Ele pensou em desculpar-se mas não o fez. Estava de mau humor e não pretendia fingir. Afinal estava na sua casa e podia fazer o que bem entendesse.

Claire continuou alimentando a criança, revelando uma expressão cuidadosamente segura. Ele arrancou as luvas e as jogou sob a mesa com violência. Em seguida, tirou o cachecol e o enfiou no bolso do casaco.

— Encontrar você em minha casa me surpreende. Correndo o risco de repetir a nossa conversa da noite passada, o que está fazendo aqui?

— Estou alimentando Daisy. — Como se quisesse demonstrar o óbvio, ela colocou uma colherada de papinha na pequenina boca da criança, que se abriu como a de um pássaro faminto.

Cole mal conseguia manter o controle. — Eu deixei instruções claras a Sra. Dobbs para que ficasse e cuidasse

do bebê até que eu pudesse encontrar uma solução mais adequada. — A Sra. Dobbs não pode ficar. — Claire limpou a boca da criança. —

Ela disse que seu marido exige um jantar quentinho na mesa às seis horas em ponto. Sabendo que o senhor freqüentemente trabalha até bem mais tarde, ela mandou o Sr. 0'Brien ir me buscar para cuidar da Daisy até a sua volta.

Cole tirou o casaco e o jogou sobre o encosto de uma cadeira. — Alma Dobbs não tinha o direito de fazer isto sem antes pedir a minha

permissão. — Talvez ela tenha imaginado que o senhor não ia se incomodar. Ela

sabe o quanto eu gosto da Daisy. Eu, ah, ficaria feliz de poder cuidar dela, pelo menos até o senhor encontrar outra pessoa.

— Isto não será necessário — ele respondeu. — Já telegrafei para agências em Chicago e Detroit solicitando uma babá experiente. A Sra. Dobbs pode assumir até que uma substituta seja encontrada.

Ela virou-se para olhar para ele, com o rosto iluminado e ansioso. — Tenho bastante experiência com bebês e crianças pequenas.

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—- Não me diga... — ele ironizou. Pela primeira vez Cole percebeu que ela era bem bonita, especialmente

quando estava animada, como naquele momento. Claire assentiu com um gesto de cabeça. — Quando nós morávamos em Saginaw, cuidei dos filhos do capataz da

serraria durante o período em que a mulher dele ficou doente. Tenho certeza de que o Sr. Johnson me daria boas referências se eu lhe pedisse.

— Não é esse o problema... — Mas... — Veja, Srta. Sorenson, uma babá profissional precisa preencher

determinados pré-requisitos. — Entendi. — Ela cuidadosamente oferecia colheradas do cereal para

Daisy. — Exatamente quais qualificações o senhor está procurando? Eu terminei entre os melhores da minha classe. Posso lhe trazer o meu diploma se não acredita em mim.

O fio de esperança na voz de Claire mexeu com a consciência de Garrett. Ele lembrou a si mesmo que não tinha qualquer restrição pessoal contra ela. Ela parecia decente, trabalhadora, mas aquilo não anulava o tipo de família de que vinha. Limpando a garganta ele prosseguiu:

— Além da experiência e da educação, a mulher contratada tem que ter fortes valores morais. Ela precisa ser de uma família de boa reputação, guiada pelos mais altos princípios.

Ela levantou-se vagarosamente, com o rosto empalidecido, mas de cabeça erguida e determinada.

— Muito obrigada pela explicação. Posso ver agora que não sou o tipo que procura.

— Eu também sinto muito, mas você me forçou a ser direto. — É verdade, talvez. Como fui tola. — Atravessando a cozinha, ela

apanhou um velho suéter, com remendos nos cotovelos, que estava pendurado atrás da porta. — Ninguém pode culpá-lo por querer oferecer o melhor a sua filha.

Cole a observava preparar-se para ir embora, com uma sensação pesada no coração. Naquele momento, não gostava muito de si mesmo. Quando havia se transformado no pior tipo de esnobe? Ele se sentiu ainda mais miserável, quando percebeu o brilho das lágrimas nos olhos azuis de Claire. Enfiou as mãos nos bolsos.

— Srta. Sorenson... Claire... — ele hesitou. — Não precisa se desculpar, Sr. Garrett. Eu entendo que ultrapassei o

meu limite, mas — ela prosseguiu com um encolher de ombros —, o que se pode esperar da filha ignorante do bêbado da cidade?

Cole estudava o chão a seus pés. Havia conduzido muito mal a situação.

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Ele se considerava direto, até mesmo um pouco brusco, às vezes, mas nunca deliberadamente cruel. Mesmo assim, ele não poderia oferecer a alguém com a história dela uma posição importante dentro de sua própria casa. Pensou, por um momento, em Tim 0'Brien e ignorou o que sua consciência lhe dizia sobre a hipocrisia.

Uma coisa era contratar gente como os Sorenson em sua serraria, ou mesmo em sua casa, para ajudar com as tarefas pesadas, mas, diabos, ele se recusava a baixar seus critérios, apenas porque uma jovenzinha o encarava com reprovação em seus brilhantes olhos azuis.

Daisy observara a conversa entre os dois adultos com o seu olhar de inocência espantada. Infeliz por ter tido seu jantar interrompido, seu rostinho de querubim enrubesceu e ela começou a chorar.

— Talvez o senhor deva lhe dar um pouco de maçã raspadinha, depois que terminar o cereal — Claire sugeriu, enquanto abotoava o casaco.

Daisy ainda precisava de comida? O olhar espantado de Cole alternava-se entre Claire e a filhinha, no exato momento em que a criança esfregou a pequena mãozinha sobre a boca, espalhando papinha pelo rosto e pelos cachos dourados.

A mão de Claire estava na maçaneta, quando ela parou para olhar na direção dele, por sobre os ombros.

Cole preparou-se para enfrentar uma reação irada. Afinal, não poderia culpá-la se ela desejasse lhe dizer poucas e boas. — Há algo mais que você queira dizer?

Ela olhou firme para ele. — Quando terminar de lhe dar comida, vai precisar trocar a fralda. Com a expressão vazia, ele virou-se e olhou para a criança, infeliz e

lambuzada de papinha. Um cheiro distintamente pungente vinha do cadeirão. Cole percebeu o seu erro. Mas, era tarde demais. Claire Sorenson já havia ido embora.

A neve começava a se acumular novamente, à medida que Claire caminhava pela estradinha de terra. Um vento forte e gelado soprava do norte. Levantando a gola do casaco, ela protegeu o rosto e a garganta com o cachecol e apressou o passo. Se andasse rápido, talvez quando chegasse em casa já tivesse se esquecido da conversa humilhante com Garrett.

Ela havia sido tola de oferecer seus serviços, mesmo que em caráter temporário. Devia ter sabido que Cole não aceitaria, e estar preparada para a dor aguda da rejeição. Não devia ter ficado surpresa, não devia ter se magoado. Mas tudo aquilo acontecera. Ela havia passado toda a vida sentindo-se inferior aos outros. A respeitabilidade sempre lhe fugia. Por mais que tentasse, por mais que trabalhasse, nunca parecia ser suficiente. As pessoas a julgavam pelas ações de seu pai e, algumas vezes, pelas de seu irmão. Parecia

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que Cole não era a exceção. Sua família havia passado a vida mudando-se de cidade para cidade.

Ludvig "Lud" Sorenson encontrava trabalho em um dos muitos acampamentos de lenhadores espalhados pelo Estado. O resto da família encontrava algum lugar para morar na periferia da cidade mais próxima. As encrencas logo co-meçavam, geralmente na forma de brigas entre bêbados. Quando isso acontecia, faziam as malas e recomeçavam em outro lugar.

Claire havia freqüentado meia dúzia de escolas diferentes e conseguira formar-se por pura perseverança. Os Sorenson nunca haviam permanecido em qualquer cidade o tempo suficiente para fazer parte dela, para fazer amigos, ou para serem aceitos. Sua mãe havia falecido, mas a rotina já havia há muito se estabelecido.

Até que Cole recusasse sua oferta, ela não havia percebido o quanto precisava da aprovação dele. Desde que chegara a Brockton, ela o admirava a distância. Como ela, Cole também vinha de origens humildes, mas havia feito algo com sua vida. Havia prosperado, tido sucesso, era respeitado na comunidade. Não era o tipo de homem que dependia da sorte. Cole Garrett fazia sua própria sorte. Ela o havia colocado em um pedestal, só para descobrir que ele era apenas humano.

Ela parou abruptamente na beira da estrada e respirou fundo. Em pouco mais de um momento, Garrett havia destruído sua calma. Raramente perdia a compostura. Ao longo dos anos havia aprendido a não se aborrecer com coisas sobre as quais não tinha controle. Mesmo assim, naquele momento, tinha vontade de gritar de frustração.

Ao chegar ao rancho, ela se surpreendeu com a luz acesa na cozinha. Como era sexta-feira, imaginara que seu pai e irmão estariam nos botecos próximos ao cais do rio. Depois de limpar a neve do casaco, abriu a porta da cozinha e entrou.

Nils estava sentado à mesa, inclinado sobre um copo quase vazio. Havia ainda uma garrafa de uísque. Ele não olhou para ela.

Claire observou o irmão, preocupada. Não havia se esquecido da última vez em que estivera com ele, ou da camisa manchada de sangue.

— Não esperava encontrar ninguém em casa. Nils rosnou algo, esvaziou o copo e o encheu novamente. Claire olhava para o irmão de soslaio, enquanto tirava o casaco. Uma

sensação fria de desconforto lhe descia pela espinha, fazendo-a tremer. Nils preferia beber na companhia de outros, e não à mesa do rancho longe da cidade.

— Você está com fome? — ela perguntou, rompendo o silêncio. — Não — ele respondeu com rispidez. — Deixe-me preparar-lhe o jantar.

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— Não! Quantas vezes preciso dizer que não estou com fome? — Levantando o copo, ele tomou um longo gole. — Isto aqui é o único jantar de que preciso.

Claire sentou-se ao lado do irmão. Preocupada, mordeu o lábio inferior. A luz fraca de um lampião a querosene fazia com que a pele dele parecesse cinzenta, encerada. Nils fora sempre considerado o mais bonito deles. Sua origem nórdica estava patente nos cabelos loiro-claros e em seus vividos olhos azuis. Ela, por sua vez, puxava mais sua mãe inglesa. Seus cabelos, apesar de serem loiros, eram de tom mais escuro, assim como seus olhos eram de um azul mais profundo. No tocante às personalidades, eles também eram diferentes. Nils, pelo menos antes do acidente, sempre fora confiante, expansivo, enquanto Claire era quieta e reservada. Mas, mesmo com suas diferenças, haviam sido muito próximos. Naquele momento, entretanto, eram estranhos um para o outro.

— Nils... — Claire começou a falar, tentando estabelecer contato. Ela não podia deixar de pensar que algo estava errado, terrivelmente errado.

— O quê? — Levantando a cabeça, ele a observava com os olhos injetados de sangue.

— Você está com uma aparência horrível! Antes do acidente do ano anterior, ele fazia com que as mulheres se

virassem por onde passasse. Aquele seu sorriso jovial do passado havia se transformado em uma expressão dolorida.

— Obrigado, mana. — Ele levantou o copo, fingindo um brinde. — É isto mesmo que eu precisava ouvir.

— Nils, é óbvio que alguma coisa está incomodando você. — O desconforto de Claire aumentava. — Tem alguma coisa a ver com o que você estava enterrando lá atrás?

— Pare de se preocupar. Sei me cuidar. Ele tentou alcançar a garrafa, mas Claire a afastou. — Havia sangue na manga de sua camisa. E não tente me convencer do

contrário. Evitando olhar para ela, Nils brincava com o copo nas mãos. — Tinha? Eu não havia percebido. — Não minta para mim. — Por que você está fazendo tempestade em copo d'água? — Por que está evitando minhas perguntas? — retrucou Claire. Antes que ela pudesse evitar, ele agarrou a garrafa e serviu-se de mais

uma dose com mãos visivelmente trêmulas. — Eu e meus amigos caçamos um veado ontem à noite. Enterrei as

vísceras, para evitar os animais selvagens. Pronto, está satisfeita? Claire suspirou. A explicação parecia plausível. Havia muitos veados em

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Michigan. As pessoas freqüentemente estocavam sua carne e gordura. Apesar de tudo, seu desconforto permanecia.

— Ótimo. Não há nada de que o papai goste mais do que um assado de veado. Onde você guardou a carne?

A expressão de Nils se esvaziou. — Não há carne. — Sei... — Claire manteve a voz firme. — E por que não? Nils levantou-

se tão abruptamente que sua cadeira quase virou. — Qual o motivo das malditas perguntas? — Porque eu me preocupo com você. A resposta de Claire pareceu desinflar o irmão. Ele passou uma mão

impaciente pelos cabelos e depois olhou para o teto. — Eu devia dinheiro aos meus amigos e deixei que levassem toda a

carne. E agora, maninha, acabou a inquisição? — Nils, eu nunca pretendi... Ele não lhe deu chance de terminar a sentença. Agarrando a garrafa de

uísque, pegou seu casaco e saiu. Claire olhou através da janela coberta por uma leve camada de gelo. A

neve que caíra na noite anterior havia criado um parque de inverno. Uma fina camada de algo parecido com algodão doce cobria cada galho. Tomando sua caneca de café, Claire mergulhou na beleza e serenidade de um novo dia.

— Você vai passar todo o dia parada aí, ou vai preparar meu desjejum? — Bocejando, Lud Sorenson entrou na cozinha, reclamando.

Com seu isolamento rompido, Claire afastou-se da janela e serviu café ao pai.

— Bom dia, papai. Lud afundou em sua cadeira habitual, com uma pesada xícara de café

entre as mãos calejadas e marcadas por uma vida inteira de lenhador. Na juventude, Lud Sorenson havia sido uma bela figura de homem, mas os anos de consumo de álcool haviam derrubado aquela estrutura outrora rígida.

Claire fritou ovos, com cuidado para não quebrar as gemas. Um molho grosso borbulhava em outro recipiente próximo. Usando um pano de pratos dobrado para formar uma luva protetora, ela retirou uma bandeja de biscoitos do forno. Todos os dias da semana, com a exceção dos domingos, Lud Sorenson insistia em ser servido de um farto café da manhã. Aquele hábito, sem dúvida, vinha de seus tempos de lenhador nos acampamentos, onde bons cozinheiros eram considerados reis. Ela desconfiava que, na maioria das vezes, aquela era a sua única refeição decente.

— A comida está quase pronta — disse ela. Nils surgiu logo depois, com a camisa mal abotoada e os cabelos

emaranhados como tufos de palha.

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— Diabos, Claire. Você precisa ficar batendo panelas? A minha cabeça está a ponto de explodir.

— Desculpe, Nils serviu-se de café, sentou-se ao lado do pai, e colocou a cabeça

entre as mãos. — Ressaca, hein? Lud tomou um gole de café e depois sorriu sarcástico,

quando Nils fez uma careta de dor. — Bem feito por ter tomado a garrafa inteira e não ter dividido com seu velho.

Nils fechou os olhos por um momento. — Eu precisava mais do que você. Enquanto Claire servia generosas porções de presunto, ela ficava

tentando imaginar por que Nils precisara de uma garrafa inteira de uísque para amortecer os sentidos. Em que tipo de encrenca estaria metido? Ou ainda estaria sofrendo por conta do acidente que o deixara aleijado? Fora naquela época que começara a beber, mas o problema parecia ter piorado.

— Rápido, garota. Estou morrendo de fome. — Desculpe, pai. Em seguida, colocou a comida na mesa e os dois homens se serviram

sem esperar por ela. Com o desjejum terminado, Lud empurrou o prato e fez um sinal para

que Claire enchesse sua caneca mais uma vez. — Houve o maior tumulto na cidade, ontem. A pequena e pacata

Brockton, nunca mais será a mesma. Pena que você perdeu. Claire olhou com expectativa para o pai. Alguma coisa em sua voz lhe

chamara a atenção. — Que tipo de tumulto? — Sim, senhorita, foi um tremendo espetáculo. — Lud se espichou na

cadeira e limpou os dentes com uma unha. — Eu não teria acreditado, se não tivesse visto com meus próprios olhos.

Claire inclinou-se, curiosa. — O que o senhor viu, pai? — Não fui o único, menina. Metade da cidade viu o Cole Garrett ser

arrastado algemado pela rua principal. Algemado? Claire sentia-se como se tivesse sido transformada em uma

estátua de gelo. Até seu coração parecia ter congelado dentro de seu peito. Pensar estava difícil, falar impossível.

Nils levantou a cabeça. — O que aconteceu? — perguntou com voz embargada. — É terrível para um homem ser arrastado pelo centro da cidade, como

um criminoso comum. Algo assim representa um golpe para o orgulho do sujeito — Lud continuou, cocando a cabeçorra. — E isso não é nem metade da

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história. Um dia que havia começado sereno e cheio de paz, repentinamente

fervia de agitação. Claire limpou a garganta, já detestando a resposta para a pergunta que ia fazer.

— Por que o Sr. Garrett foi preso? O que ele fez? — Assassinato. — Lud sorriu para os filhos, sobre a borda da caneca

esmaltada. Seus olhos cinzentos e desbotados brilhavam de malícia. — Assassinato? — Claire repetiu, sem poder conter o horror em sua

voz. Nils ficou de pé, movimentando-se com dificuldade. Ele mancou até a

janela, cora as mãos cruzadas nas costas, e olhou para a paisagem coberta de neve.

— Quem ele matou? Lud balançava-se na cadeira. — A mulher dele. — Priscilla Garrett? — Os olhos de Claire se esbugalharam de espanto.

— Assassinada? Assentindo com um movimento de cabeça, Lud cruzou os braços sobre

o peito. — O que vocês acham disso? Ouvi dizer que o Leonard Brock quase

enlouqueceu com a notícia. Ameaçou matá-lo ele mesmo, caso o delegado Tanner não o prendesse.

Claire esforçava-se para esconder como estava tão profundamente abalada.

— Sabe o que aconteceu, pai? — ela perguntou, mantendo a voz neutra com dificuldade.

— Não conheço todos os detalhes, mas pode apostar que os fofoqueiros estão agitados como abelhas em torno da colméia. Ouvi alguém dizer que ela foi baleada. Outro jura que foi estrangulada.

Claire estava quieta, digerindo aquela horrível tragédia. Ela não havia pensado duas vezes quando a chamaram para cuidar do bebê dos Garrett. Simplesmente pensara que a Sra. Garrett tivera algum compromisso social inadiável e precisara de alguém para cuidar da criança até que voltasse. Será que a Sra. Garrett havia voltado para casa depois de sua partida e o casal tivera uma discussão? Mesmo assim, Cole lhe parecia uma pessoa controlada demais para ter um acesso de raiva e matar alguém.

— Por que estão todos tão certos de que Garrett matou sua esposa? — Nils fez a pergunta que Claire estava a ponto de esboçar.

— Diabos, quem mais poderia ter sido? Todos sabiam que ele e a madame não gostavam nada um do outro. — Lud terminou o café, pôs a caneca sobre a mesa e arrotou. — Um dos sujeitos que ajudaram a levar o seu

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corpo para o doutor disse que ela estava usando um chique vestido azul de festa. Acho que a única festa para onde ela vai agora será o seu próprio enterro.

Do canto dos olhos, Claire observou o irmão crispar os punhos e, depois, deixar os braços caírem para os lados e sair da cozinha sem dizer mais nada.

Lud empurrou a cadeira para trás e levantou-se. — Parece que o poderoso Sr. Garrett escorregou alguns degraus. Não

posso dizer que estou triste com isso. Depois que os homens se retiraram, Claire manteve-se à mesa, olhando

sem ver a parede manchada a sua frente. Não conseguia energia suficiente para limpar a mesa.

Cole, acusado de assassinar sua esposa, a mãe de sua filha? Impossível! Sua mente se recusava a aceitar a possibilidade daquilo ter acontecido. Certamente havia algum equívoco naquilo.

Alguma coisa martelava sua consciência, algum pequeno detalhe. Ela franziu o cenho tentando lembrar as palavras exatas de seu pai. O que mesmo ele tinha dito? Ela repassou toda a conversa recente várias vezes.

...chique vestido azul de festa. Seu pai havia mencionado que Priscilla estava usando um chique

vestido azul de festa quando seu corpo fora encontrado. Oh, meu Deus! Claire sentou-se ereta, com uma das mãos pressionando o coração. Ela

se lembrava claramente do suave som da seda, quando Priscilla desceu as escadas como uma rainha. Naquele instante, Claire teve consciência de que Priscilla Garrett não havia morrido naquela noite, mas sim na noite anterior.

Na noite da festa dos Howard. Claire havia passado toda aquela noite na residência dos Garrett. A não

ser que Cole tivesse matado Priscilla antes de chegar em casa, ele não teria como cometer o crime. Nada em sua aparência ou comportamento indicava que tivesse tido um encontro violento. Ela precisava saber a que horas o assassinato havia ocorrido. Se houvesse acontecido a qualquer momento depois das onze da noite, ela era a única que podia provar a inocência de Cole.

Na delegacia, o policial Homer Bailey conduziu Claire por um longo corredor. Esta era a sua primeira visita àquele imponente prédio cinzento, que também abrigava outros departamentos da prefeitura. Tentando não bisbilhotar, olhou através de uma porta à sua direita. Mal conteve um gesto assustado. Cole estava sentado em um banco de madeira com as mãos algemadas. Uma bochecha estava arranhada e ensangüentada. A barba por fazer cobria seu queixo. Os cabelos estavam despenteados. Mas era a sua atitude que havia mudado da forma mais radical. Parecia vestir um manto

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invisível de derrota e desespero. Terminando a conversa, Homer Bailey pediu que ela o seguisse. Ainda

olhando na direção de Cole, ela acompanhou o policial. Mais adiante, ele bateu na porta da sala do delegado de polícia.

— É melhor que seja importante — vibrou uma voz grosseira do lado de dentro.

Bailey enfiou a cabeça por um pequeno vão da porta. — Tem uma mulher aqui, chefe, que disse que precisa falar com o

senhor. Não me disse do que se trata, mas falou que é sobre o caso do Garrett.

— Mande-a entrar. Claire sentiu a palma das mãos se umedecer ao entrar na sala. Edward

Tanner estava sentado atrás de uma mesa de madeira escura maciça, diante de duas janelas com vista para a Rua Main. Ele tinha a aparência despojada e austera, com olhos profundos e intensos. Enquanto os cabelos grisalhos no alto de sua cabeça estavam rareando, o grosso bigode que cobria seu lábio superior era escuro e farto. Ele se reportava a apenas uma pessoa na cidade: o prefeito, Leonard Brock.

— Sente-se, por favor — ele comandou sem tirar os olhos de uma pilha de papéis.

Claire sentou-se. Depois do que pareceu uma pequena eternidade, ele a encarou com

olhos de aço. — Já vou logo lhe dizendo, é melhor que isto não seja uma perda de

tempo para mim. O que você sabe sobre o caso Garrett? Ela balbuciou: — Cole Garrett não matou sua mulher.

Capítulo II

Você tem certeza disso? Ela assentiu. — Sim, senhor, eu tenho. O delegado Tanner estalou os dedos e a observou friamente. — Você é a menina do Lud Sorenson, certo? — Sim, mas o que isso tem a ver com a inocência do Sr. Garrett? — Eu farei as perguntas, senhorita, se não se incomoda. Há quanto

tempo você e sua família vivem em Brockton? — Perto de dois anos, por quê?

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— Vocês estão morando no velho rancho do Johnson, na estrada Beck. Por se tratar mais de uma afirmação do que de uma pergunta, Claire

simplesmente anuiu com um movimento da cabeça. — O seu pai adquiriu grande notoriedade, desde que chegaram aqui. —

Ele brincou com um peso de papel. — O seu irmão também. Ele parece ter saído da mesma forma que o velho. Gosta de beber quase tanto quanto o pai.

— Meu pai e meu irmão não têm nada a ver com a razão de eu estar aqui — Claire retrucou com irritação.

— Nenhum dos dois tem emprego fixo. O uísque fica caro, noite após noite. — O olhar de Tanner não abandonou o rosto de Claire por um segundo. — Quando a conta fica muito alta, os taberneiros cortam o crédito.

— O que está insinuando? — Talvez Lud, ou o Nils, tenham feito você vir aqui esta manhã. Garrett

é um homem rico. Ele ficaria extremamente agradecido de sair desta enrascada. Você poderia fazer seu próprio preço.

Claire levantou-se, numa fúria flamejante. — Desgraçado! — gritou. — Eu deveria ter sabido, e não ter esperado

que me ouvisse. Tanner empertigou-se, diante da acusação. — Talvez o editor da Gazeta seja mais receptivo. — Ela virou-se e

marchou em direção à porta. — Volte aqui, imediatamente, senhorita! — ordenou Tanner. Cabeça

erguida, Claire encarou o delegado, sem a mínima consciência da imponente figura que demonstrava, apesar das roupas gastas.

Por um rápido momento, Edward Tanner pareceu quase envergonhado. — Sente-se... por favor. — Ele indicou a mesma cadeira que ela havia

acabado de desocupar. — Eu quero saber por que tem tanta certeza de que Garrett não matou a esposa.

Ela sentou-se. — É verdade que a Sra. Garrett foi assassinada depois da meia-noite? — Sim — admitiu Tanner. — Temos bons motivos para crer que Priscilla

Garrett morreu por volta da meia-noite e quinze, depois de ter deixado uma festa.

— Então, o Sr. Garrett não poderia tê-la matado. — E o que faz com que tenha tanta certeza? Claire, ansiosa, inclinou-se

na direção do policial. — Eu passei à noite, toda a noite do crime, na residência dos Garrett. O

Sr. Garrett chegou em casa antes da meia-noite e não saiu mais naquela noite. — E por que eu deveria acreditar em você? — Porque estou falando a verdade. Pelo que lhe pareceu horas, Claire enfrentou o interrogatório de Tanner.

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Ele considerava a sua história com evidente ceticismo, mas, como Claire observara, pelo menos ele a ouvira. Claramente, o homem não estava nada feliz com a possibilidade de que ela pudesse fornecer um álibi ao seu principal suspeito! E, por tudo o que sabia, Leonard Brock ficaria ainda menos feliz.

— Alguém pode corroborar a sua história? Aquela pergunta a pegou de guarda baixa. O espanto tomou conta dela,

ao perceber como fora tola. Ela nunca havia parado para pensar que sua descrição daquela noite pudesse ser contestada. — Eu... eu não sei.

A boca de Tanner se contorceu em um pequeno sorriso de triunfo. — A senhorita entende, é claro, que não posso soltar um suspeito de

assassinato antes de verificar a veracidade de sua história. Claire se recusava a perder as esperanças. Se Tanner esperava que ela

mudasse seu depoimento, estava enganado. — Fui para casa um pouco antes de amanhecer e não me lembro de ter

visto alguém no caminho. A Sra. Dobbs, entretanto, pode confirmar que me foi solicitado cuidar do bebê dos Garrett, Daisy, depois da partida inesperada da babá. O meu irmão, Nils, sabe que não cheguei em casa antes da manhã seguinte.

— Fique aqui, até eu voltar — instruiu Tanner, levantando-se. Ele parou à porta e olhou duramente para Claire. — E, Srta. Sorenson, se eu descobrir que mentiu para mim, as conseqüências serão sérias.

Cole estava acomodado no banco de madeira, na sala anexa à do delegado.

Assassinato? Deus, teria aquele horrível ano em que estivera casado com ela culminado naquele momento? Com Priscilla morta e ele preso? Ainda não acreditava que ela estivesse morta. Não mentiria a si mesmo, nem aos outros, quanto a ter perdido o grande amor de sua vida. A verdade era que ele nem gostava muito dela. Mesmo assim, velara sua morte. Sentira profundamente pela filha que cresceria sem nunca ter conhecido a própria mãe. Priscilla fora uma jovem vibrante, com toda a vida pela frente. Terminar de forma tão violenta era impensável. Ele sentia calafrios ao imaginar final tão trágico. Quem poderia ter cometido tamanha barbaridade?

Da mesma forma como estava indefeso naquele instante. Nem mesmo James Lamont, seu advogado, se mostrara otimista. James o aconselhara a cooperar. Sentindo-se próximo do desespero, ele admitia que não podia fazer quase nada.

Nem se preocupou em abrir os olhos, quando ouviu a porta abrir e passos se aproximarem.

— Você é um cara de sorte, Garrett — rosnou Tanner. — Tudo indica que vai sair livre daqui, esta manhã.

Cole levantou a cabeça bruscamente. Ele piscou, receando não ter

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entendido direito o que o delegado dissera. Tanner enfiou a mão em um dos bolsos e retirou uma chave, que usou

para destravar as algemas que prendiam Cole. — Não pense em sair da cidade no futuro próximo. Preciso de você por

perto para responder a eventuais perguntas que possam surgir a respeito de sua falecida esposa.

Cole levantou-se, lentamente, esfregando os pulsos, de forma ausente, nos lugares feridos pelo metal.

— Eu não entendo... Você encontrou o assassino? — Ainda não, mas vou achar — respondeu Tanner, com o rosto

fechado. — Você pode agradecer pela sua liberdade àquela jovem que está esperando lá fora.

Apanhando o casaco, Cole tentou desamassar um pouco a peça de roupa, em estado deplorável, depois de ter sido usada como travesseiro.

Tanner começou a sair, mas voltou e disse: — Eu tomaria cuidado, se fosse você, Garrett. O Brock enfiou na cabeça

que você matou sua filhinha. Conhecendo o homem, pode contar que não vai sossegar até ver você apodrecendo na cadeia.

E o que aconteceria com Daisy, se ele fosse mandado para a prisão? Cole se perguntava, enquanto ajeitava o paletó no corpo. Brock nunca havia expressado qualquer interesse por sua única neta. Havia sido ainda mais indiferente com a neta do que com Priscilla, enquanto estivera viva.

— Obrigado pelo conselho, delegado. Não vou me esquecer. Cole não podia esperar até chegar em casa e tomar um banho, para

livrar-se do mau cheiro da cadeia. Alisando o cabelo com as mãos, ele saiu para o corredor e congelou.

Claire Sorenson, ansiosa e frágil, esperava do lado de fora da porta. Tardiamente, ele acabara de registrar que Tanner havia dito algo sobre uma jovem a quem deveria agradecer por ter sido solto.

— Você? — ele indagou, franzindo a testa. Transferindo o peso do corpo de uma perna para a outra,

Claire sorriu timidamente. — Eu apenas lhes contei a verdade. — Desculpe-me se estou um pouco confuso, mas qual é a verdade? — Que não teria sido possível o senhor matar sua esposa. Ele tentou

sorrir, mas conseguiu apenas torcer a boca em um gesto desprovido de humor. — Não sei como agradecer a alguém que acabou de salvar a minha

vida. — Eu não quero a sua gratidão. — O quê você quer, então? — a pergunta foi articulada antes que ele

conseguisse impedir. No momento em que disse aquelas palavras, desejou

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poder engoli-las de volta. A sombra da dor se estampou no semblante expressivo de Claire Sorenson.

Silenciosamente, ele se julgou um idiota. No que dizia respeito àquela jovem, parecia ter o talento divino de sempre dizer o que não devia. Ele suspirou profundamente.

— Desculpe-me, Claire. — Não quero nem suas desculpas nem sua gratidão, Sr. Garrett — ela

devolveu, com absoluta dignidade. — Pode ser que ache isso difícil de acreditar, mas não quero nada do senhor. Absolutamente nada.

Sua cabeça parecia que ia se partir ao meio. A noção de que poderia ser acusado de assassinato o aterrorizava. Apesar de tudo, não tinha qualquer motivo para ter sido ríspido justamente com a única pessoa que havia se proposto a resgatá-lo.

— Srta. Sorenson... Claire... espere. Correu atrás dela, mas ela não diminuiu o passo. Cole a alcançou na

escadaria dos fundos, entre o primeiro e o segundo andares do prédio. Agarrou-a pela manga da blusa, antes que ela conseguisse descer para a rua.

Claire olhou atentamente para a mão que a retinha e depois para o rosto de seu dono. Cole a soltou de imediato, mas pôde perceber naqueles instantes que a pele dela era muito macia.

Irritado consigo mesmo, enfiou ambas as mãos nos bolsos do paletó. — Queira ou não, você merece um pedido de desculpas. Eu não tinha

motivo para dizer o que disse. — Não tinha mesmo — ela concordou. Cole cerrou os olhos por um instante. Quando os abriu, viu que Claire

ainda o observava com aquela mesma calma. Ele buscava desesperadamente uma maneira para explicar sua rudeza.

— Ao longo dos anos, aprendi que a maioria das pessoas espera alguma compensação pelos favores que fazem. Invariavelmente, toda boa ação tem um preço. Quanto maior a boa ação, maior o prêmio a ser pago por ela. Admito que suspeitei de seus motivos.

— Eu não sou a maioria das pessoas, Sr. Garrett. — Ela inclinou a cabeça para um lado e estudou a fisionomia de Cole. — O senhor sempre foi cínico assim?

— Sim... quer dizer, não, nem sempre. — A pergunta de Claire o pegara de surpresa. — Algumas lições, Srta. Sorenson, são mais bem aprendidas em suas formas mais duras. É assim que a gente aprende a se proteger.

— Suponho que tenha razão. Em outras partes do prédio, portas eram abertas e fechadas, vozes

eram ouvidas em conversas, mas a escadaria oferecia uma certa proteção contra os curiosos. — Se não se importa de explicar, eu gostaria de saber

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como convenceu o delegado de que não matei Priscilla. — Eu lhe dei um álibi. Um álibi? Claire já havia descido vários degraus, até que Cole a

alcançou novamente. — Mas como isso foi possível? Buscando no fundo do bolso de seu casaco gasto, ela retirou um dólar

de prata e o levantou. —- O senhor me deu isto, na noite em que sua mulher foi assassinada. Disse que deveria dá-lo a Tim 0'Brien como pagamento para que ele me levasse para casa. Eu esperei, esperei, mas nunca o ouvi chegar com a Sra. Garrett. Mesmo tendo cochilado, o meu sono é leve. Então, um pouco antes do sol nascer, saí e fui andando até a minha casa. Não havia como o senhor sair de casa sem que eu soubesse.

— Mas, e se eu tivesse matado Priscilla antes de voltar para casa? — O delegado está seguro que a Sra. Garrett foi morta depois da meia-

noite. O senhor chegou em casa bem antes,. Cole tentava assimilar tudo que Claire dizia, mas era difícil pensar de

forma lógica, no estado próximo da exaustão, tanto física como mental, em que se encontrava.

— O que faz com que o delegado tenha tanta certeza do horário? — fez a pergunta mais em benefício próprio, do que esperando uma resposta.

Ela balançou a cabeça. — Receio que terá de perguntar a ele. Cole passou a mão sobre o rosto e fez uma careta, quando atingiu o

ferimento na bochecha. — Quem bateu no senhor? Ele fez outra careta, ao se lembrar. — Leonard Brock veio até a cadeia depois da minha prisão. Seu anel me

cortou o rosto, quando ele me deu um soco. — Mas o senhor estava algemado! — Claire parecia atônita. — O

delegado não tentou impedir que ele o atacasse? — Acho que o Tanner esperava que ele me desse uma bela surra. — Cole! Aí está você. — Um homem alto, de cabelos castanho-claros, se

dirigia a eles. — Acabei de saber que você havia sido solto. — James! — Os dois homens apertaram-se as mãos. — Graças a Srta.

Sorenson, não vou precisar dos serviços de um advogado, afinal. — Virando-se para Claire, Cole rapidamente cumpriu o ritual de apresentações entre ela e seu advogado e amigo, James Lamont.

Lamont examinou Claire rapidamente e, depois de descartá-la como insignificante, voltou sua atenção para Cole.

— Você sabe, é claro, que eu nunca acreditei que fosse culpado, nem por um minuto.

— Você certamente me enganou, ontem à noite, quando recomendou

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que eu confessasse. James sorriu, exibindo covinhas pronunciadas. — Eu estava apenas procurando defender seus interesses. Cole ergueu

as sobrancelhas. — Defender meus interesses não deveria incluir que eu confessasse um

crime que não cometi. — Touché, meu amigo. Independentemente de como possa ter

parecido, eu agi com base em minha genuína preocupação com o seu bem-estar. Tanner tem reputação de ser violento. — Ele deu um tapa afetuoso nas costas de Cole. — Que tal irmos até o meu escritório. Você parece estar precisando de uma boa bebida forte. Eu tenho um conhaque bem antigo guardado lá.

— Talvez numa outra hora. Tudo o que quero agora é um banho quente e uma cama macia.

— Tudo bem. Mas, lembre-se, o meu convite fica valendo. Cole olhou ao seu redor, esperando encontrar Claire esperando, mas

não havia sinal dela na escadaria. Deixando James para trás, Cole desceu as escadas correndo e saiu para a rua. Parou uns segundos na calçada, deixando os olhos se ajustarem à forte luz solar, e, depois, buscou sinal de Claire, nos dois sentidos da rua. Mas ela havia desaparecido.

Ele não tinha certeza sobre o que diria, se a alcançasse novamente. Pediria desculpas novamente? O que se poderia dizer para alguém que acabara de salvá-lo de uma vida na prisão? Palavras não seriam suficientes para expressar a gratidão que ele sentia. Se Claire não tivesse se prontificado, ele provavelmente passaria o resto de seus dias em uma penitenciária. Assim que estivesse limpo e dormisse algumas horas, faria uma visita a Brock. Havia um funeral para ser preparado.

Depois de se separar de Cole, Claire decidira, já que estava por perto, passar pelo Empório Cavanaugh, para pegar alguns itens de que precisava, antes da longa caminhada até sua casa. O Empório Cavanaugh era o único estabelecimento da cidade que lhe permitia comprar a crédito. Suspeitava que o motivo era o fato de ela pagar religiosamente tudo o que devia.

Ao virar a esquina e entrar na Rua Main, Claire não pode deixar de notar que a rua estava fervilhando de atividade. Os sábados sempre traziam as pessoas ao centro para suas compras semanais, mas, naquele dia em particular, Brockton parecia ter movimento acima do normal. As pessoas se juntavam em pequenos grupos no calçadão, mais para falar da vida alheia do que para compras nos muitos empórios e lojas. Especulações e rumores enchiam a atmosfera. À medida que avançava em direção ao empório, Claire ia captando trechos de conversas.

— Foi um choque!

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— Eu mal pude acreditar no que ouvi. — Imagine! Matar a esposa, a mãe de sua filha. — Deviam prendê-lo e jogar a chave no rio. — A prisão é boa demais para gente como ele. Deviam enforcá-lo. Os comentários faziam com que Claire secretamente festejasse o fato

de que o delegado havia encontrado não uma, mas duas testemunhas que podiam confirmar sua história. Tanto Tim 0'Brien, o cocheiro dos Garrett, e Karl Detmeijer, um leiteiro fazendo suas entregas matinais, afirmaram ter visto Claire saindo da residência dos Garrett. Ela estava para passar por mais um grupo de cidadãos de Brockton, quando o que ouviu a fez parar de repente.

— Alguém deveria mostrar ao Garrett como é ter um gancho de lenhador enfiado nas costas — dizia com convicção um homem de rosto vermelho.

Um gancho de lenhador? Claire sentiu um gosto amargo na garganta. Teria sido aquilo que matara Priscilla? Claire reagia fisicamente à idéia daquela ferramenta pontiaguda sendo enterrada no corpo de um ser humano.

— Aquela pobre mulher... — acrescentou a companheira do homem. — Seria de se imaginar que ele teria um pouco mais de bom senso e

não deixasse o corpo em um lugar onde qualquer um poderia encontrá-lo. Fingindo-se interessada nos produtos expostos na vitrine de uma loja

próxima, Claire ouvia a conversa. Apesar de sentir-se chocada com o próprio comportamento, estava tão ansiosa para saber dos detalhes quanto qualquer outra pessoa.

— O meu açougueiro me disse que o padeiro lhe contou que o corpo da Sra. Garrett foi escondido em um armário de ferramentas, na parte de trás da serraria, e coberto com uma lona — acrescentou uma mulher gorda.

— Eu ouvi dizer que seu corpo foi encontrado meio coberto pela neve, perto da represa — contribuiu seu companheiro.

O sujeito de rosto vermelho falou de novo: — Pode ser que alguém tenha aparecido e assustado o assassino.

Talvez ele pretendesse voltar mais tarde e dar fim no corpo, de modo que não fosse encontrado.

Claire tinha calafrios. A idéia de um assassino cruel em meio à população daquela próspera comunidade a assustava. Ao mesmo tempo em que tinha certeza de que Cole não havia assassinado Priscilla, alguém fora responsável pelo crime. Seu assassino seria um dos tantos homens que perambulavam de um acampamento de lenhadores para outro, de uma serraria para a próxima? Ou seria um morador de Brockton? Ou alguém que, naquele exato instante, estivesse ali mesmo, na Rua Main, participando daquelas conversas?

Claire se assustou ao sentir alguém cutucando seu ombro. Deu meia-

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volta e encontrou o irmão atrás de si. — Nils... o que está fazendo na cidade? Ele se apoiava com força sobre a bengala. — Eu poderia lhe fazer a mesma pergunta. Sabendo o quanto Nils

detestava Cole, ela disfarçou. — Está faltando farinha em casa e eu... — Não me enrole, Claire — ele retrucou, com maus modos. — Você está aqui pela mesma razão que eu. Admita, está tão curiosa

como todo mundo. Ela não podia negar. Ao ver sua expressão, Nils soltou uma sonora gargalhada. — Por Deus, mana! Não aja como se fosse um crime ser humano. Você

tenta tanto ser perfeita, procura mostrar para todos que não é igual ao velho, e o que ganha com isso? Nada.

— Ele acrescentou, antes que Claire pudesse responder. — Esta é uma lição que aprendi há muito tempo.

Claire sentia o bafo de bebida no hálito do irmão. — Não é cedo demais para já estar bebendo? Ele ignorou a pergunta, a

censura. — Eu odeio o Garrett. Gostaria que enforcassem o desgraçado. Eu

estaria sentado na primeira fila. Se tivesse uma chance, eu seria voluntário para ser o carrasco.

— Nils! Você precisa parar de culpá-lo por seu acidente. Foi apenas isto... não passou de um acidente. Você sabe melhor do que eu que o negócio da madeira é perigoso. Todos os anos, centenas se acidentam, se ferem, alguns até morrem.

Com a expressão retorcida e amarga, ele perguntou: — Alguém disse quem encontrou o corpo de Priscilla? — Não, eu não ouvi nada concreto. Tem gente dizendo que a

encontraram em um depósito de ferramentas atrás da serraria do Garrett. Claire estava de pé em uma pequena elevação do terreno, a poucos

passos do restante do grupo principal que acompanhava o enterro. Tinha a seu lado Alma Dobbs e Tim 0'Brien, um de cada lado. Nuvens brancas de algodão flutuavam no céu de azul puro. Aqui e ali podiam ser vistos tufos de grama amarelada em meio à leve camada de neve que cobria o solo. Era um daqueles raros dias de clima ameno de março, prelúdio da primavera que se aproximava.

Uma manhã linda demais para um funeral. — Uma jovem mulher na flor da juventude, ceifada antes do tempo... —

a voz do reverendo Calvin Anderson ecoava pelo cemitério de Oak Lawn. Um nó de culpa instalou-se na garganta de Claire. Ela sempre havia

invejado Priscilla Brock. Sempre lhe parecera que Priscilla tinha tudo que uma

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mulher poderia possivelmente desejar. Beleza, riqueza, um belo marido, uma filha adorável. Entretanto, nem todas aquelas dádivas haviam sido suficientes para fazê-la feliz. Não haviam sido suficientes para garantir uma vida longa.

— Uma mãe carinhosa — elogiou o reverendo. Pobre Daisy. Claire não conseguia deixar de se preocupar com a

pequenina. Era verdade que Priscilla parecera sempre ansiosa para deixá-la aos cuidados de alguma outra pessoa, mas, boa, má ou indiferente, uma criança precisava de sua mãe.

— ...e uma filha devotada. O olhar de Claire pousou em Leonard Brock. Ele estava ao lado da cova,

com a cabeça abaixada e os ombros maciços arqueados. Parecia realmente desolado. Ela sentia muita pena daquele homem. Não tivera a proteção nem de seu poder nem de sua fortuna para seu bem mais precioso: sua filha. Alma lhe contara que Priscilla fora filha única, nascida depois de muitos anos de matrimônio. Quando pequena, seu pai a mimara. Diziam que os dois eram muito parecidos. Se houvesse nascido menino, Priscilla certamente haveria tomado as rédeas do crescente império do pai.

Ela percebeu que o reverendo Anderson não se referiu à que tipo de esposa Priscilla havia sido e ficou imaginando se mais alguém havia notado aquela omissão. Poderia ter sido um esquecimento do clérigo, mas ela duvidava. Disfarçadamente, ela olhou para Cole. Ele estava sisudo, mas com os olhos secos, a pelo menos um metro de distância do sogro. Apesar da pequena multidão ao seu redor, a sua figura parecia isolada, solitária.

— Da terra para a terra. Das cinzas para as cinzas. Um choro incontrolável pontuava as palavras do pastor. Esticando o

pescoço. Claire viu o advogado de Cole, James Lamont, consolando uma mulher que ela imaginou fosse sua esposa.

— Do pó para o pó. Quando Claire virou-se para ir embora, vislumbrou uma figura familiar

sozinha perto de uns arbustos à direita. Nils? O que fizera seu irmão ir ao funeral de uma mulher que não conhecera? Ele estava parado com o chapéu na mão, com o sol da manhã brilhando em seus cabelos claros. Ela não se lembrava de jamais ter visto o irmão tão quieto e sério... ou tão triste.

Engolindo as lágrimas, Alma enfiou o lenço encharcado na bolsa. — Amigos e familiares estão convidados à casa do Sr. Brock para

refrescos depois do serviço. Imagino que isso não inclua os empregados. — Não — murmurou Claire. — Eu não acho que seríamos bem-vindos

entre os convidados. — Agora que o serviço fúnebre havia terminado, ela sentia-se exausta. Odiava enterros, desde que, aos doze anos de idade, ela tinha enterrado a mãe. A vida prosseguira, mas nada fora como antes, nunca mais. — O que ele vai fazer agora?

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— Você quer dizer o Sr. Garrett? — Alma mediu Claire, da cabeça aos pés.

Claire fez que sim com a cabeça, envergonhada. Esperava que seu interesse em Cole não parecesse tão óbvio.

Virando o rosto para que Alma não percebesse o seu segredo e torcendo para que o assunto parecesse casual, perguntou:

— Ele já conseguiu uma babá para cuidar do bebê? — Aquela agência de Chicago está mandando duas mulheres. Eu ouvi o

Sr. Garrett mandar o Tim ir esperar o trem do meio-dia da quarta-feira. — Você não gosta muito de criança, não é? — Para falar a verdade, eu não tenho paciência com crianças. Eu me

empreguei como governanta, não como babá... e é assim que quero continuar. — Você nunca quis ter filhos? — Eu e o meu Harold estamos felizes como duas ostras sem pérolas. — Como o Sr. Garrett está conseguindo? Alma deu de ombros, com

indiferença. — Isso não me interessa. Eu concordei de cuidar da criança durante o

dia, até ele arrumar uma substituta para a Sra. Bartlesby, mas, quando chega o meu horário, eu caio fora. O Harold me quer em casa, com o jantar na mesa.

— Eu achei que talvez o avô fosse querer cuidar da neta — Claire comentou, ao passarem pelos portões de ferro do cemitério.

Alma enxugou o nariz. — Pelo que já vi, o velho não quer nada com a criança. As duas mulheres se mantinham na beira da estrada. Estranho, pensou

Claire, que Leonard Brock se eximisse de responsabilidade pela única neta. Talvez Cole se recusasse a abrir mão da custódia de sua filha. Se aquilo fosse verdade, ela o admirava ainda mais. Claire aprendera de primeira mão como ele era protetor com Daisy. Ele a queria rodeada apenas pelo melhor. Infelizmente, Claire não estava incluída. Na estimativa dele, a filha do bêbado da cidade não era uma babá adequada.

Elas chegaram a uma bifurcação na estrada, onde se separariam. — No fim de semana, mando o Tim buscar você — Alma falou. — Não precisa. Eu vou a pé — Claire afirmou, afastando uma mecha de

cabelo loiro dos olhos. — Besteira. — Alma desaprovou, com um aceno de mão. — Você vai

precisar de toda a sua força para o trabalho que tenho planejado. A casa precisa de uma faxina completa, de cima a baixo. Com aquele monte de fraldas sujas e uma criança irrequieta, não tenho tido tempo para quase nada mais.

Sem perceber o canto dos pássaros, Claire caminhou devagar para casa. Seus pensamentos estavam absortos na tragédia que acontecera àquela

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que ela considerara a família perfeita. Priscilla brutalmente assassinada, Daisy órfã, e Cole lutando contra as suspeitas de todos e tendo que conseguir ser o pai de uma criança sem mãe.

As esperanças haviam se transformado em cinza. Os sonhos em pó. — Garrett é culpado! — Como se estivesse brotando de seu colarinho

engomado, Brock sentiu o sangue lhe invadir o pescoço. — Ele matou a minha garotinha.

— Não temos qualquer prova de que ele tenha cometido o crime. Aquela Sorenson jura que estava na casa de Garrett o tempo todo. Tanto o Detmeijer como o 0'Brien viram quando ela saiu de lá, de manhãzinha. E nós sabemos que Priscilla morreu à meia noite e quinze. Aquele reloginho de ouro que ela sempre usava preso no vestido quebrou com a força do golpe que ela recebeu.

Ao ser lembrado do violento fim que sua filha tivera, Brock tomou um longo gole de conhaque. Sua mão tremia, visivelmente.

— Não quero saber o que a Sorenson diz, o maldito Garrett é culpado. — Você já parou para pensar que pode estar errado? — Eu nunca estou errado. — Mas... e se estivesse? Os olhos azuis de Brock se apertaram. — Onde você pretende chegar? Tanner estudou a brasa na ponta de seu charuto. — Isso significaria que o verdadeiro assassino está solto pela cidade,

provavelmente morrendo de rir por ter cometido um assassinato e se safado. — Maldito seja, Tanner, tanto você como eu sabemos que não estou

errado. — Por que Garrett mataria a própria esposa? O que ganharia com isso? — Não chamei você aqui para ficar filosofando. — A expressão pesada

do rosto de Brock se transformara em uma máscara obstinada. — Não se esqueça de que sou o prefeito desta cidade. Se não fosse por mim, você ainda estaria patrulhando as ruas a pé e não sentado em seu escritório grande e confortável.

Tanner tomou metade de seu conhaque de uma só vez. — O que você quer que eu faça? — Eu quero que pare com estas desculpas idiotas — rugiu Brock. — O

Garrett matou a minha Priscilla. Quero vê-lo arruinado. Não vou sossegar até que esteja atrás das grades. Enquanto isso não acontece, quero vê-lo perder cada centavo que tem.

— Mas, Leonard... — Continue investigando Garrett. Não lhe dê um minuto de paz. E não

pare até encontrar alguma coisa.

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O inverno se encolhia diante da chegada da primavera, cada dia mais longo do que o anterior. Claire olhava distraída pela janela da cozinha, enquanto esperava a água ferver na chaleira. O tempo havia ficado cinzento e sombrio nos dias após o funeral de Priscilla Garrett.

Sombria é como descrevia a disposição das pessoas à sua volta. Nils havia lhe dirigido não mais do que meia dúzia de palavras, desde que descobrira que ela havia sido responsável por Cole ter sido solto. Ela se preocupava com ele. Seu tempo era cada vez mais gasto freqüentando bares, geralmente na companhia de seu pai. O velho, por sua vez, havia deixado claro que não estava nada feliz por ela ter corrido em auxílio de Garrett. Ele irracionalmente culpava Cole pelo acidente de Nils.

Ela prestou mais atenção, quando ouviu o ruído de rodas na frente da casa. Inclinando-se para ver melhor, vislumbrou uma carruagem verde-escura chegando. Imediatamente reconheceu o brasão dos Garrett. Alma havia dito, depois do enterro, que mandaria Tim buscá-la para ajudar com a limpeza da casa. Claire estranhou que ele viesse àquela hora do dia. A não ser, é claro, que estivesse vindo para avisá-la que sua ajuda não era mais necessária. Esperava que não fosse o caso. O dinheiro que ganhava punha comida na mesa dos Sorenson. Removendo o avental, Claire ajeitou os cabelos e foi atender a porta. Ela abriu a porta da frente e a surpresa deixou-a imóvel.

Em vez de Tim 0'Brien, quem estava ali era Cole Garrett. Sem chapéu e vestindo um elegante sobretudo cinza, ele tinha uma aparência encantadora.

— Vejo que está chocada com minha visita. — Um pequeno sorriso despontava em seus lábios. — Sinto por vir a esta hora. Espero não estar interrompendo nada.

— Não... eu... Ah, eu reconheci a carruagem. Imaginei que fosse o Sr. 0'Brien com um recado da sra. Dobbs.

Ele olhou por sobre os ombros de Claire. — Está sozinha? — Sim. O papai e Nils saíram. Não tenho idéia quando voltarão. — Posso entrar? — É claro. Desculpe... — ela balbuciou, saindo do caminho. Ele entrou

e, rapidamente, examinou o pequeno recinto que servia de sala de visitas. Claire fechou a porta e, depois, encostou-se nela, observando-o. Seu corpo maciço diminuía o tamanho do recinto. Além disso, a aparência elegante dele tornava a saleta ainda mais humilde.

Ele indicou com a mão uma série de bordados emoldurados em uma das paredes.

— As bem-aventuranças. Se não me falha a memória, está em Mateus, capítulo 5, versículos 3 a 11. Foi você quem bordou?

— Não, foi minha mãe — respondeu, surpresa com o conhecimento que

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ele tinha da Bíblia. O inventário silencioso havia lhe dado tempo para fazer o cérebro funcionar novamente. — Eu ia tomar chá. Gostaria de me acompanhar?

— Sim, obrigado. Se não for incômodo. — Posso pendurar seu casaco, Sr. Garrett? — Ela lhe indicou uma

poltrona surrada. — Por favor, sente-se. Volto em um minuto. Desculpando-se, escapou para a cozinha. Uma vez longe dele, ela

respirou aliviada. O que haveria trazido Cole Garrett a sua sala de visitas? Teria mudado de idéia quanto a querer que ela cuidasse de Daisy?

Enquanto o chá ficava pronto, Claire ficou na ponta dos pés e esticou os braços para pegar a louça de domingo, na prateleira mais alta.

— Deixe-me ajudá-la. — Cole estava atrás dela e, depois de gentilmente afastá-la para um lado, pegou as xícaras e os pires.

— Imagino que são estes. — Sim, obrigada. Cole colocou a louça sobre a mesa. — Você deveria deixar isto onde é mais fácil de pegar. — Eu gostaria, mas logo estariam quebrados. O papai e Nils têm pouco

respeito por louça fina. Este jogo de chá era o tesouro de minha mãe. Ela trouxe da Inglaterra.

— Não é preciso usar a porcelana de sua mãe por minha causa. — Não estou. — A negação saiu antes que ela pudesse contê-la. A

consternação tomou conta de seu semblante. — Desculpe, não tive a intenção de ser rude.

Ela riu e foi premiada com o sorriso suave de Cole, antes que ficasse sério novamente.

Cole passou os dedos pelos cabelos lisos e, depois, massageou a nuca. — Faz bastante tempo que não ouço o riso de uma mulher. Na verdade,

não consigo nem me lembrar da última vez. — Segundo minha mãe — ela continuou, acrescentando dois

guardanapos puídos, mas rigorosamente engomados, à bandeja — o melhor lugar para o chá da tarde é a sala de visitas.

— Então é para lá que iremos. — Antes que ela pudesse adivinhar a intenção dele, Cole pegou a bandeja, carregou-a para a saleta e a colocou sobre uma mesinha de centro.

Claire sentou-se em uma cadeira comum, com postura perfeita. — Açúcar? Cole acomodou-se na poltrona. — Sim. Por favor. — Sinto não ter creme ou limão para lhe oferecer. — Ela lhe passou

uma xícara, pires e guardanapo. Cole a estudava por sobre a borda da xícara.

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— Você domina uma mesa de chá como se já tivesse feito isto antes muitas vezes.

— Minha mãe insistia na preservação da tradição que trouxe com ela da Inglaterra. — Sua voz denotava uma ponta de tristeza. — Toda tarde, enquanto papai e Nils estavam fora, nós fingíamos que éramos as senhoras do castelo. Algumas vezes, mamãe preparava outras delícias típicas da Inglaterra para servir com o nosso chá. No verão ela fazia delicados sanduíches de pepino e, no inverno, os meus favoritos, finas fatias de pão com queijo derretido.

— Ela parece ter sido uma mãe maravilhosa. — Era mais do que isso — Claire saboreava seu chá, torcendo para que

passasse pelo nó que sentia na garganta. — Mamãe morreu quando eu tinha só doze anos, mas ainda sinto sua falta.

Cole aceitou uma das bolachas e deu uma mordida. — Ah, uma delícia! Ela não suportava mais o suspense, precisava descobrir o motivo

daquela visita. Cuidadosamente colocou a xícara sobre o pires e cruzou as mãos sobre o colo.

— O senhor não veio até aqui para elogiar os meus biscoitos caseiros, Sr. Garrett.

Ele descansou sua xícara, também. — Eu trouxe comigo uma generosa porção de torta de humildade para

servir com seu chá. — Torta de humildade? — repetiu Claire. — Não tenho certeza se estou

entendendo o que quer dizer. Cole olhou novamente para Claire, que esperava pacientemente por sua

explicação. Depois que se humilhasse, ele pensou aborrecido, Claire Sorenson tinha todo o direito de mandá-lo embora.

Cole limpou a garganta e prosseguiu: — Estou aqui para lhe fazer uma oferta. Uma oferta bem generosa —

acrescentou. — Não é necessário, Sr. Garrett. O senhor não me deve nada. — Claire

pegou sua xícara e mexeu o chá com tanto vigor que acabou criando um pequeno redemoinho. — Eu simplesmente contei ao delegado a verdade, quando lhe disse que o senhor estava em casa quando sua mulher foi morta. Ela parou de mexer com fúria o chá e fitou Cole com sincera curiosidade.

— Perdoe-me se estou confusa. O que foi então que o trouxe aqui? — Eu vim lhe pedir um favor. — Que tipo de favor? — Eu entendo, é uma audácia de minha parte até mesmo mencionar o

assunto, mas... — Mas?

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Claire não estava facilitando nada para ele, mas, é claro, por que deveria? Ele levantou-se e andou de um lado para outro. Estava acostumado a dar ordens, a controlar as coisas. Agora, a mesa estava virada. Claire detinha o poder.

— Se você se lembra, você se ofereceu para cuidar de Daisy temporariamente.

— Uma oferta que o senhor não aceitou — ela o lembrou calmamente. — Bem, sim, mas que tive a chance de reconsiderar. — Isto quer dizer que já não me faltam as qualificações necessárias? Apertando os lábios, olhando para os bordados pendurados na parede,

ele resolveu usar de franqueza. — Escute, Claire, se você ainda está disposta a trabalhar como babá da

Daisy, terei o maior prazer em contratá-la. Em vez de Claire ficar feliz e aceitar, como ele esperara, a moça

calmamente serviu-se de mais chá. Tomando-lhe o pires e xícara das mãos, Cole os colocou na bandeja

com tanta força, que as porcelanas quase quebraram. — Veja, Claire, eu preciso da sua ajuda. Eu tenho um negócio para

tocar, mas não consigo, quando sou obrigado a chegar cedo em casa. Diga quanto quer ganhar.

— Então sou sua última opção — ela desafiou, olhando-o no fundo dos olhos.

Última opção? Ele quase gargalhou. Ela era a única opção. — Me diga o que posso fazer para que me perdoe pelas coisas estúpidas

que lhe disse. Estou preparado para ficar de joelhos e implorar, se necessário. — Tudo bem, eu aceito. O que eu quis dizer é que estou disposta a

cuidar de Daisy pelo tempo que precisar de mim. Cole soltou um longo suspiro. — Você pode começar imediatamente? — Quer dizer esta noite? — Foi por isso que trouxe a carruagem. — Você trouxe a carruagem? — Claire levantou-se e terminou de

recolher a louça. — E eu aqui, o tempo todo pensando que o coitado do Tim estava esperando lá fora, no frio.

Cole acrescentou sua louça à bandeja, esperando levá-la embora, antes que mudasse de idéia. Ou antes de sua família voltar. Ele não estava disposto a ter de lidar com Nils ou Lud.

— Tim está em casa, olhando a Daisy. Na semana que se seguiu a sua chegada à casa de Garrett, uma espécie

de rotina se demonstrou. Cole saía cedo para a serraria e voltava tarde todas as noites. Durante o dia, Alma cuidava com afinco das tarefas da casa:

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limpeza, compras e preparo do jantar, que era mantido em banho-maria até a chegada de Cole. A única responsabilidade de Claire resumia-se a cuidar de Daisy, tarefa que adorava. E, inconscientemente, temia o momento em que teria de partir.

Capítulo III

Os passos de Claire eram tão leves que ela parecia estar flutuando na calçada da Rua Main. O peso do envelope de pagamento, enfiado no fundo do bolso do casaco, servia para ancorá-la ao chão. Depois de muito tempo ia se dar ao luxo de comprar roupas novas. Após alguma argumentação, Cole a convencera da necessidade de roupas adequadas.

— Claire, isso não é motivo para sentir vergonha — Cole lhe dissera, quando ela hesitou em aceitar a bonificação. — Eu sei, de primeira mão, que não se compram roupas novas quando a despensa está vazia.

Quando uma governanta qualificada fosse encontrada para ocupar seu lugar, ele lhe havia prometido referências elogiosas. Munida disto e com roupas elegantes, apesar de modestas, poderia ir para Chicago, onde ninguém conhecia a reputação de sua família, e procurar uma agência de empregos.

Ela parou na calçada para observar as vitrines das lojas de roupas. Tudo que vira até aquele momento parecia caro demais, ou muito sofisticado. Ela parou diante da loja de Mildred Mason, o Empório da Roupa. Uma placa na vitrine anunciava grande estoque de roupas prontas, com preços ao alcance de qualquer um.

— Perfeito — Claire disse a si mesma, enquanto entrava. — Posso ajudá-la? — Uma mulher corpulenta perguntou. — Eu gostaria de ver alguns vestidos e, talvez, um casaco, também. — Bem... venha por aqui. — Mildred a levou até uma prateleira no

fundo da loja. — Você é magra. Talvez encontre algo aqui de que goste. Eu comprei estas peças de uma loja, em Grand Rapids, que faliu. Apesar de ter feito um bom negócio, quando cheguei aqui, me dei conta de que são todas de números pequenos.

Claire ficou excitada diante de tanta coisa bonita. Examinando discretamente as etiquetas de preços, ela suspirou de alívio, ao se dar conta que a maioria estava dentro do que pretendia gastar, mas quase no limite.

— Onde fica o provador? — Claire perguntou para a lojista. Mildred

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indicou uma porta à esquerda. — Me chame, se precisar de ajuda. Claire passou a meia hora seguinte provando uma variedade de

vestidos e saias, até escolher dois vestidos, um na cor azul-claro e outro rosa-escuro, com uma fileira de pequenos botões no meio da parte superior, além de uma saia escura e várias blusas brancas simples. O último item acrescentado a sua seleção foi um casaco, tipo dólmã, de lã cinza grossa. As novas roupas tomariam até o último centavo do bônus que Cole lhe dera, além da maior parte de seu pagamento, mas ela lembrou-se do conselho de Cole de que um guarda-roupa melhorado representava um investimento no futuro. Totalizando os preços mais uma vez, mentalmente, ela nem percebeu o silêncio que se fez quando se dirigiu ao caixa da loja.

Só depois, se deu conta de que Mildred Mason estava cercada de clientes. Sem dizer nada, Mildred pegou as compras de Claire e somou a conta.

— Imagino que vá levar tudo consigo? Assentindo com um movimento de cabeça, Claire contou o dinheiro,

consciente de que a mulher a examinava. — Vou vestir o casaco, mas pode embrulhar o restante. — Muito bem. — Eficientemente, Mildred dobrou as roupas, embrulhou

tudo em papel marrom e amarrou o pacote com barbante. — Caso tenha interesse, a minha coleção de primavera deve chegar nas próximas semanas.

— Vou me lembrar. — Claire sorriu educadamente para a dona da loja, cumprimentou as freguesas e dirigiu-se à saída.

No momento em que Claire ia abrir a porta, uma das mulheres comentou:

— A prima Charlotte ouviu dizer que ela deixou um testamento. — Testamento?! — outra mulher exclamou. — Não me diga! As vozes se transformaram em murmúrios, impedindo que Claire

ouvisse o resto da conversa. Um testamento? A respeito de quem estariam mexericando aquelas mulheres? Ela ficou imaginando, ao fazer o caminho de volta pela Rua Main.

Seus olhos se arregalaram ao depararem com seu irmão vindo em sua direção, mancando mais do que o habitual. Com a cabeça baixa, ele nem notou a irmã, o que proporcionou a Claire a oportunidade de observá-lo. Ela estava chocada com sua aparência desleixada. Os cabelos estavam sebosos, sujos, e precisando urgentemente de corte, e a roupa manchada e amarrotada. Poderia ter passado direto por ela, se ela não tivesse puxado a manga de seu casaco.

— Nils! — chamou-o. — Você está horrível. Está doente? Ele soltou a manga, com um puxão.

— O que lhe importa? Ela recuou, ao sentir o cheiro azedo de álcool em seu hálito.

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— Você andou bebendo. Por que não está trabalhando? — Por que me demiti. — Talvez eu possa falar com o Sr. Garrett... — Eu não aceitaria um emprego de Garrett nem que sua serraria fosse

a última do Estado de Michigan. — Seus olhos vermelhos se encolheram quando percebeu que ela estava de casaco novo. — Tenho que dar crédito ao homem. Parece que ele não perdeu tempo e está cuidando bem da minha irmãzinha.

O rosto de Claire inflamou-se. — Estou empregada como babá. Como decido gastar o que eu ganho

não é da sua conta. — Você está sempre me enchendo, falando que eu bebo demais. — Só faço isto por que é verdade. Nils, é muito cedo para começar a

beber. — Na minha opinião, qualquer hora é hora. Claire suspirou, sabendo que qualquer conversa adicional iria terminar

em discussão. — Como está o papai? — perguntou, mudando de assunto. — Como você pensa que ele está? — Nils resmungou. — Está muito

bravo por você estar trabalhando para Garrett. — Você não precisa ser grosseiro. — Claire olhou a sua volta, sub-

repticiamente, na esperança de que não houvesse ninguém perto o suficiente para ouvir. Na próxima vez que eu receber, mandarei dinheiro para o papai, isso deverá fazer com que ele fique um pouco menos infeliz. Se não puder ir eu mesma, pedirei a Tim 0'Brien para entregar.

Nils deu de ombros, demonstrando que não estava interessado. Inclinando-se, ele massageou sua perna machucada.

— Dizem que seu amigo Garrett está tendo dificuldades para encontrar gente para a rolagem da madeira pelo rio.

Esta era a primeira vez que Claire ouvia falar de qualquer dificuldade. Ela não conseguiu deixar de pensar na possibilidade de que era por isto que Cole andava tão preocupado, ultimamente.

— Você ouviu alguma coisa sobre por que ele não está conseguindo? Os lábios de Nils se curvaram, formando um pequeno sorriso. — Pergunte ao Garrett. — Cansado da conversa, ele a deixou parada ali

e entrou no primeiro botequim que encontrou. Pelo resto do caminho de volta, Claire foi ponderando sobre tudo que

ouvira. Ao chegar em casa, o prazer com as roupas novas havia desaparecido,

tendo sido substituído por um repentino pressentimento de problemas no horizonte. Ao abrir a porta da cozinha, Claire encontrou Alma Dobbs sentada à

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mesa, com um pedaço de papel nas mãos. Aparentemente, Daisy ainda não havia acordado de sua soneca.

— Já era hora de você voltar — Alma resmungou, levantando os olhos de um documento que estivera lendo. — Demorou bastante.

— Desculpe. — Colocando seu pacote no balcão, Claire tirou o casaco novo e o pendurou cuidadosamente em um gancho perto da porta. — Encontrei com meu irmão na cidade. Não falava com ele desde que comecei a trabalhar aqui.

A empregada falou algo inaudível. — Nils mencionou que Cole, quero dizer o Sr. Garrett — Claire se

corrigiu rapidamente —, está tendo problemas para conseguir trabalhadores para a rolagem das toras. E verdade?

— Ouvi algo parecido. — Alma dobrou o papel que estivera estudando e o colocou em um envelope. — Parece que, assim que ele os contrata, surge uma oferta melhor, com outro patrão.

— Outra coisa... — Claire continuou, sentando-se na cadeira em frente à de Alma. — Ouvi umas mulheres na loja de roupas falando sobre alguém ter deixado um testamento.

Alma tamborilou sobre o envelope com seus dedos gordos, fazendo barulho com o papel.

— É sobre isto aqui que elas estavam falando. Claire olhou para o retângulo de papel branco, como se este fosse se

levantar e mordê-la. Parecia algo oficial, importante... e ligeiramente ameaçador.

— O que é isso? — Um tipo de intimação. — O rosto comum de Alma tinha uma

expressão abobalhada. — Veio do Sr. Lamont, o advogado. Devo comparecer a seu escritório amanhã, às quatro da tarde, para a leitura do testamento de Priscilla Garrett. O Sr. Garrett também recebeu um. Eu deixei o dele na mesinha do corredor.

A mente de Claire examinava as possibilidades. Priscilla Garrett, afinal, era uma mulher rica. Era absolutamente natural para alguém em sua posição deixar um testamento.

— Fazia tempo que trabalhava para ela? — Claire perguntou em voz baixa, tentando demonstrar simpatia.

— No verão, ia fazer dez anos. — Alma enxugou os olhos com a aba do avental. — Eu trabalhava para o Sr. Brock, mas quando ela se casou, insistiu para que eu viesse para cá.

— Então, vocês eram muito próximas mesmo. A expressão de Alma mudou, fechou-se. Antes que Claire pudesse fazer

qualquer outra pergunta, as duas foram interrompidas por uma batida na porta

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dos fundos. Alma levantou-se, com fisionomia decidida. — Deve ser o Tim. Abra a porta. Claire atendeu a porta. — Entre — convidou Claire, dando-lhe espaço para passar. — A Sra.

Dobbs volta em um minuto. — Obrigado, moça. Aqui fora está bom. — Bobagem — disse Claire, abrindo mais a porta. — Não há motivo

para ficar no frio, quando pode esperar na cozinha quentinha. Com óbvia relutância, ele entrou. Claire percebia que Tim não era

homem de muitas conversas, nem de iniciá-las. Ela não sabia nada sobre ele, a não ser que era empregado de confiança da casa de Garrett. Ele mantinha a carruagem brilhando e os cavalos escovados e elegantes. Além destes poucos fatos, Claire desconhecia outros detalhes pessoais.

Ela se esforçava para encontrar um meio de quebrar o desconfortável silêncio.

— Belas botas, Tim. Tim olhou para os próprios pés. — Obrigado, moça. Ela não tinha certeza, mas pensou que havia lhe arrancado um sorriso. — Não precisa ser tão formal. Pode me chamar de Claire. Tim

concordou com um gesto de cabeça. Encorajada, Claire aproveitou a oportunidade para dizer o que queria já há uma semana. Rapidamente, antes que Alma voltasse, ela disse:

— Não tive chance de lhe agradecer antes, mas lhe agradeço por ter dito ao chefe Tanner que me viu sair da casa naquela manhã do assassinato da Sra. Garrett.

— Apenas contei ao homem o que vi, só isso. — Mesmo assim, se você não tivesse confirmado a minha história, não

acho que teriam acreditado. — O Sr. Garrett é muito bom. Eu faria qualquer coisa por ele. Eu lhe

devo isso. Alma entrou na cozinha, com a lista na mão. Qualquer outra conversa

com Tim teria de ser adiada. Cole esperava no escritório de James Lamont. Com a expressão

deliberadamente neutra, tirou um fiapo de linha de sua calça e desejou estar em outro lugar.

Na noite anterior, depois de voltar para casa, ele havia encontrado um pesado envelope branco encostado em um vaso chinês, sobre a mesinha da sala. Se retirara para a biblioteca, onde acendera a lareira e servira-se de uma dose generosa de uísque bourbon. Só então, abrira o envelope e lera o seu conteúdo. Nele, Lamont o informava que deveria estar presente para a leitura do testamento de Priscilla, na tarde seguinte.

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O convite era um tanto inesperado. Até aquele momento, nem tivera conhecimento de que a mulher tinha um testamento.

Certamente, ela nunca havia mencionado o fato a ele. Nem James o fizera. Sabendo como a mulher o detestara, perguntava-se o que ela poderia ter lhe deixado.

Sem perceber, seus pensamentos voltaram-se para Claire. Linda, dedicada, carinhosa... Como seria tê-la entre os braços?

Cole mexeu-se na poltrona, desconfortável com seus próprios pensamentos. Resolveu culpar sua indesejada preocupação com Claire ao fato de ter passado tanto tempo sem mulher. Franzindo o cenho, tentou se lembrar exatamente quanto tempo. Não desde antes de se casar, nem depois tampouco. Priscilla havia deixado claro a ele, desde o princípio, que não queria nada dele, além de seu nome.

Cole suspirou, impaciente consigo mesmo. Este não era o lugar, ou hora, para tais pensamentos, mas, naquele momento, ele agradecia por qualquer distração.

Alma Dobbs, com sua figura compacta vestida com roupa de domingo, foi a próxima pessoa a chegar ao escritório do advogado. Depois de cumprimentar Cole, ela sentou-se ao lado dele e, muito empertigada, cruzou as mãos sobre o colo.

Cole olhou em direção à porta quando ela se abriu uma segunda vez. Foi a vez de Leonard Brock entrar, trazendo consigo os odores de fumaça de charuto, gomalina e colônia masculina. Lançando sobre Cole nada mais do que uma olhadela por cima do ombro, seu ex-sogro foi ocupar a poltrona mais distante dele, obviamente desejando manter o maior espaço possível entre os dois.

O som abafado de vozes, com os tons mais profundos de uma voz masculina mesclado aos agudos de uma mulher, precedeu os últimos a chegarem. Sophie Lamont, vestida de cinza, dos pés à cabeça, entrou de braço dado ao marido. Cole sabia que Sophie havia sido a melhor amiga de Priscilla, talvez, até, sua única amiga, dentre dúzias de conhecidos. Na superfície, sua amizade parecia altamente improvável, mas juntas deveriam ter descoberto uma variedade de interesses comuns. Ele sentia-se grato que Priscilla havia se preocupado em deixar alguma coisa para a única pessoa que sinceramente havia chorado a sua morte. Sorrindo, sem grande convicção, para os presentes, Sophie sentou-se na poltrona restante, entre Leonard e Alma.

James tomou seu assento por trás da mesa de trabalho, colocou seus óculos de aros finos de metal e limpou a garganta.

— Todos vocês sabem por que foram convidados a vir aqui, nesta tarde — ele começou, olhando para todos, um de cada vez. — Um pouco antes de sua morte, Priscilla veio a mim para que eu preparasse seu testamento. Tentei

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dissuadi-la, convencê-la de que era muito jovem. Mas, como todos sabem, Priscilla era muito determinada quando desejava algo.

Sophie assoou o nariz com estardalhaço, sem considerar o ar de censura de Leonard Brock.

— Sophie, querida — James admoestou, gentilmente. — Procure controlar suas emoções.

— Sinto muito, James, de verdade, mas Priscilla era minha amiga mais querida. — Ela enxugou as lágrimas que lhe brotavam dos olhos com um fino lenço de linho bordado.

James voltou ao objeto da reunião, com expressão solene. — Independentemente de minha argumentação em contrário, Priscilla

estava decidida. Ela me garantiu que assim que o testamento estivesse assinado e registrado em cartório, ela não pensaria mais no assunto, até estar perto de seu fim.

Ao ouvir o comentário, Sophie teve outro ataque de choro. Esticando o braço, Alma acariciou-lhe a mão, confortando-a. James

olhou sério para a esposa, por sobre os aros dos óculos, e impacientemente esperou que ela parasse de chorar.

Cole analisava o desenho do tapete. Os arabescos cor de vinho e azul-marinho do padrão florido pareciam-lhe símbolos de como sua vida andava, dando voltas e voltas, sem destino definido no horizonte. Apenas um emaranhado desesperado de confusão e imprevistos. Ele não desejava um centavo de Priscilla, tudo o que desejava era retomar o controle da própria vida.

— Podemos continuar? — perguntou Leonard, bruscamente. — Sim, senhor, certamente. — James Lamont admoestou a mulher com

o olhar e, mais uma vez, concentrou sua atenção nos documentos a sua frente. Depois de ler uma introdução, na qual atestava que Priscilla estava em perfeito controle de suas faculdades mentais, ele passou para as especificidades. — A primeira decisão da Sra. Garrett foi quanto a sua leal e querida empregada, a Sra. Alma Dobbs.

Alma inclinou-se para frente, em antecipação, com fisionomia esperançosa. Cole ouvia tudo, sem demonstrar qualquer emoção, enquanto o advogado mencionava uma soma generosa em dinheiro. Um sorriso de satisfação iluminou o rosto gorducho da mulher.

Em seguida, James informou a própria esposa que ela receberia diversas jóias caras que Priscilla havia lhe deixado, como demonstração de sua amizade. Sophie, também, parecia satisfeita com o presente, enxugando outro punhado de lágrimas, enquanto murmurava palavras de gratidão.

— Para meu pai, Leonard Brock — continuou James, com voz ponderada e respeitosa — deixo as ações e certificados bancários que me deu,

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desde a infância. Por meio de sua sabedoria e orientação financeira, estes papéis deverão ter acumulado valores substanciais.

Leonard assentiu, com expressão sombria. A julgar pela sua reação, Cole presumiu que o homem esperara nada menos do que aquilo da filha. Ele não conseguia parar de se perguntar por que havia sido convidado para a leitura do testamento de Priscilla. Considerada a natureza de seu relacionamento, estava surpreso que ela o quisesse presente. Ou teria sido o convite planejado para deixá-lo constrangido e humilhado? Talvez Priscilla tivesse desejado anunciar o fato de que não havia lhe deixado nada. E Daisy? A garotinha não merecia alguma coisa da mãe? Não que Priscilla tivesse tido muito de mãe, entretanto...

James tossiu, polidamente. — E agora, o último item do documento: o fundo. Cole endireitou-se na poltrona. Até aquele momento, ele desconhecia o

fato de que Priscilla possuía um fundo. Tinha uma vaga consciência de que as outras pessoas na sala estavam esperando a fala do advogado.

James lançou um longo olhar na direção de Cole e, em seguida fitou os papéis sobre a mesa.

— Deixo o restante de minhas posses, incluindo o fundo estabelecido por minha avó materna, Louisa Abernathy, para ser dividido em partes iguais entre quaisquer descendentes que me sobrevivam. Neste ato, designo meu marido, Cole Townsend Garrett, como administrador do fundo, até o momento em que os mencionados descendentes se casem ou atinjam a maioridade.

Leonard Brock foi o primeiro a se recuperar da surpresa. — Insensata! — gritou, ao levantar-se abruptamente, com o rosto

perturbado e injetado de sangue. — Este fundo da minha filha representa uma pequena fortuna.

— Leonard, por favor. — O tom de James pretendia aplacá-lo. — Acalme-se. Não é boa idéia ficar tão aborrecido.

Ignorando o conselho, Brock apontou para Cole. — Em que diabos estava Priscilla pensando para lhe dar a administração

de seu fundo? Por Deus, ela deveria ter me designado, sou seu pai. Ora, a criança não passa de um bebê. Até chegar à idade de se casar, você terá liquidado com toda a sua herança.

Cole encarou friamente o ex-sogro. — Eu nunca tive o habito de liquidar o que quer que fosse, Leonard.

Duvido que comece agora. Seja lá por qual motivo, Priscilla teve confiança de que eu cuidaria dos interesses de Daisy da melhor forma.

As mãos de Leonard se fecharam ameaçadoramente, enquanto ele se aproximava de Cole, em atitude agressiva.

— Está querendo dizer que eu não cuidaria?

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— Senhores, senhores! — Alarmado, James olhava de um para o outro. — Este tipo de conversa é um insulto aos últimos desejos de minha cliente.

Leonard disparou um olhar de tamanho ódio que o advogado pareceu literalmente encolher na poltrona. Ele calou-se e Brock dirigiu seu veneno novamente contra Cole.

— Seu desgraçado! Todo este tempo você esteve de olho na conta bancária de minha garotinha. Não sei como conseguiu, mas você a convenceu a fazer esse maldito testamento. Mesmo que seja a última coisa que eu faça, eu vou provar que você matou Priscilla pelo dinheiro. Maldito seja, se eu deixar você se safar desta!

Ele disparou para fora do escritório. Obviamente perturbado pela cena, James limpou a garganta mais uma

vez. — Você vai ter de desculpar a reação de Leonard, Cole. Ele está

dominado pela dor. Tenho certeza de que ele não quis dizer nada daquilo. Cole gostaria de ter tanta certeza. ... Uma pequena fortuna. Você matou Priscilla pelo dinheiro. As

acusações do ex-sogro ecoaram em seus ouvidos até muito tempo depois de deixar o escritório do advogado.

Com os nervos em frangalhos, Claire pulou da cadeira ao ouvir o ruído forte de uma porta sendo batida. Finalmente, Cole havia retornado.

— Está tudo bem, querida. — A criança estivera manhosa à tarde toda, cochilando agitada e mordiscando tudo que conseguia levar à boca. Claire havia usado de todos os seus recursos para distraí-la. Mesmo assim ela estava grata por qualquer coisa que a fizesse esquecer da reunião no escritório do advogado, James Lamont.

Alma, vestida com sua melhor roupa de domingo, estivera anormalmente alegre e tagarela antes de sair para a reunião. Ela obviamente esperava ser generosamente compensada por ter sido a leal e querida empregada de Priscilla Garrett.

Claire não conseguia parar de ficar imaginando como Cole havia se saído com o testamento da mulher. Apesar do fato do casal ter vivido sob o mesmo teto, eles não pareciam sentir qualquer afeição genuína um pelo outro.

Com Daisy apoiada em um dos quadris, Claire saiu da cozinha e dirigiu-se para a escadaria. Parou bem em frente à biblioteca. A porta estava escancarada. Ela viu Cole, de costas, apoiado na lareira, de frente para o fogo fraco que queimava. Havia alguma coisa que a intrigava em sua postura, talvez a inclinação, pouco característica, de seus fortes ombros, o que despertou a imediata simpatia e a preocupação de Claire.

— Sr. Garrett? Cole? Ele não olhou. Alarmes internos começaram a soar. Dando um passo cuidadoso

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adiante, ela perguntou: — Cole, o que há de errado? — O que há de errado? — Ele sorriu sem humor. — O que faz você

pensar que há algo errado? Sem ser detida por seu tom, Claire chegou mais perto. A biblioteca

estava envolta em sombras, com a única iluminação vindo da lareira. Sem ter certeza de que teria tato para abordar o assunto, resolveu ir direto ao cerne da questão.

— Seja lá o que for que o chateou, deve ter algo a ver com o testamento da Sra. Garrett. Foi ruim?

— Ora, essa é uma forma modesta demais de descrever o que houve. Virando-se, ele atravessou o cômodo, e serviu-se de uma bebida.

Daisy agarrou uma mecha do cabelo de Claire. Ignorando a ação da criança, Claire avançou.

— Ficou despontado com o que a sua mulher lhe deixou? — Desapontado? — Cole apoiou o peso do corpo na borda da pesada

mesa de mogno. — Eu teria ficado maravilhado se ela tivesse omitido completamente o meu nome. E outra coisa, Claire — ele disse, com a frieza do aço no olhar —, no futuro, por favor, não se refira a Priscilla como minha esposa. Ela é uma parte da minha vida que eu gostaria de esquecer.

Claire ficou parada com a criança no colo, indecisa entre deixar Cole enfrentar seus demônios pessoais sozinho e a vontade de ficar. Se deu conta de que desejava oferecer a Cole conforto e suporte. E carinho? Dar carinho a um homem como ele iria lhe trazer problemas. Estaria disposta a arriscar seu coração por um homem que mal conhecia? Um homem que, muito provavelmente, jamais retribuiria seus sentimentos.

— Desculpe-me por ter invadido a sua privacidade. Mas me pareceu que precisava de um amigo — sussurrou já de saída.

— Claire, espere! Não vá. — Deixando o copo de lado, ele se afastou da mesa e se aproximou dela. — Eu não tinha o direito de descontar minha frustração em você. Mas, acontece que estou tão irado...

— O que aconteceu no escritório do Sr. Lamont? — Brock não ficará satisfeito até me ver por trás das grades. — Como ele pode culpá-lo pelo aconteceu com a filha dele? — Melhor que ninguém, ele sabe que nosso casamento foi uma farsa.

Acha que matei Priscilla para sair de uma situação intolerável. Claire balançou Daisy que estava começando a ficar irrequieta. — Por que ele pensaria isso? — Por causa do dinheiro envolvido. — A expressão de Cole ficou ainda

mais sombria. Claire olhou para ele, sem entender.

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— Dinheiro que Priscilla deixou para você? — Exatamente. Claire ficou calada. — Deus sabe que há poucos segredos aqui em Brockton. É melhor você

ouvir a verdade de mim do que uma versão distorcida do açougueiro ou do padeiro. Em seu testamento, Priscilla me designou como responsável pelo fundo que ela deixou para Daisy. — Cole rapidamente descreveu os detalhes do testamento, contando que ele poderia usar o dinheiro da forma que quisesse, até Daisy se casar ou chegar à maioridade.

— Imagino que seja uma quantia considerável... Caso contrário, Leonard Brock não ficaria tão irado.

— O nosso estimado prefeito não perdeu tempo para manifestar o seu desprazer. Retirou-se do escritório de Lamont, depois de me acusar de assassinato, e provavelmente foi direto para a delegacia para falar com o Tanner.

— Mas, certamente, o Sr. Tanner vai tentar fazê-lo raciocinar. Como chefe de polícia, ele sabe que não é possível que você tenha matado a Sra. Garrett.

— Uma das primeiras coisas que aprendi do negócio da madeira foi que nunca se deve subestimar o poder do dinheiro. O Brock é um sujeito muito influente. Ele não vai desistir sem brigar.

— Mas eu expliquei ao delegado Tanner que você estava em casa na noite que a Sra. Garrett morreu. Ele até encontrou testemunhas que me viram sair daqui, na manhã seguinte.

Cole olhou-a significativamente. — Quem você acha que nomeou o Tanner? — O prefeito... — Claire arregalou os olhos ao entender a implicação. — Edward Tanner deve o seu emprego como delegado de polícia ao

prefeito. Se Tanner não cumprir com suas obrigações conforme Brock espera, ele pode facilmente ser despedido.

— Infelizmente, não vivemos em um mundo perfeito, no qual as coisas são sempre justas e corretas. Um sorriso dolorido passou rapidamente pelos lábios de Cole e desapareceu.

— Da maneira como as coisas ficaram, é como se Priscilla estivesse do além apontando o dedo para mim.

Depois de ter colocado Daisy, adormecida, no berço, Claire desceu para preparar o jantar.

De repente o som da campainha tirou-a de seus pensamentos. Retirando o avental, que usava para proteger seu vestido, Claire apressou-se para atender a porta antes que a insistente campainha acabasse acordando Daisy, e pusesse fim à perspectiva de jantar com o pai da garotinha.

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— Sr. Lamont! — Claire exclamou, surpresa de encontrar o advogado à porta. Ele estava elegantemente vestido com um grosso casaco de lã Chesterfieid e carregava uma bengala de bambu Malacca envernizado com empunhadura de ouro.

— E você deve ser Claire. — Ele tirou o chapéu de feltro e disse: — Então, você é de quem estão falando tanto. — O olhar do homem passeou por ela, indo de seus cabelos dourados até seus sapatos já muito usados e sem brilho.

Ela começou imediatamente a não gostar do sujeito. Além de achá-lo arrogante, seu comportamento condescendente estava minando sua confiança em si mesma.

— O Sr. Garrett está indisposto. Receio que não está recebendo visitas esta noite.

— Oh, mas ele me receberá, sim... — disse James Lamont, cheio de certeza. — Por favor, informe-o de que estou aqui. Diga-lhe que não vou embora até que me receba.

— Talvez fosse melhor o senhor voltar uma outra hora. — Claire mantinha sua posição com determinação. Esticando o corpo para cima, ela o encarou desafiadoramente. O endurecimento do belo semblante do homem demonstrava que seus esforços apenas o irritavam.

— Deixe-me passar, Srta. Sorenson. Duvido que seu patrão fique satisfeito, quando souber de sua teimosia.

— Tudo bem, Claire — a voz de Cole vinha de trás dela. — Por favor, deixe o Sr. Lamont entrar.

Claire recuou para o lado, enquanto James Lamont passou triunfante por ela. O advogado não escondia o sarcástico sorriso vitorioso.

Ignorando Claire, James dirigiu-se a Cole. — Temos importantes detalhes para discutir a respeito do fundo. Achei

que seria melhor tratar deste assunto na privacidade de seu lar, em vez do escritório.

Cole suspirou, com ar cansado. — Como você achar melhor. Vamos até a biblioteca. Com Cole

indicando o caminho, os dois atravessaram o corredor na direção da biblioteca. Antes de chegar ao corredor, Cole parou e virou-se:

— Claire, ainda pretendo conversar com você, conforme combinamos. Claire sentiu o calor invadir sua face. Apesar de estar aliviada por Cole

não ter mudado de idéia, ela estava feliz pelo fato de James Lamont desconhecer que iriam jantar juntos. Suspeitava que, por algum motivo, ele não aprovaria.

James fechou a porta atrás de si. — Eu não quero ficar acrescentando nada aos boatos que já estão

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fervendo. Deus sabe que já há motivos suficientes para o falatório. — Se está se referindo a Claire, não tem com o que se preocupar.

Confio que ela guardará segredo sobre qualquer coisa que possa por acaso ouvir.

— Claire, hein? — James ergueu as sobrancelhas, inquisitivamente. — Há quanto tempo você e essa tal Sorenson estão se tratando pelo primeiro nome?

Cole esforçou-se para não se ofender com o comentário do advogado, lembrando a si mesmo que a curiosidade de James era uma das qualidades que o tornavam tão competente naquilo que fazia.

— Toma um conhaque comigo? James desabotoou o caro casaco e o colocou sobre o espaldar de uma

poltrona próxima à lareira. — Só uma pequena dose. Já que vamos discutir negócios, preciso de

clareza. — Sente-se, então. — Cole indicou duas poltronas estofadas de couro

verde-escuro à direita da lareira. Depois de servir duas doses de conhaque, ele serviu uma ao advogado e sentou-se na outra poltrona.

Tomando um gole, James cruzou uma perna elegantemente vestida sobre a outra.

— Você acha que é uma boa idéia essa mulherzinha morar aqui? — Essa mulherzinha, como você a chama, tem um nome. — Ela é filha de Lud Sorenson, não é? — A pergunta era apenas retórica

— Pelo que tenho conhecimento, seu pai pode ser habitualmente encontrado em uma das tavernas na margem do rio.

— Não é justo julgar os méritos de Claire com base nos seus familiares. — Por mais que não gostasse de admitir, não era muito melhor do que o sujeito a sua frente. Também havia sido preconceituoso quando assumira que o caráter da moça provaria ser um reflexo do pai.

— Entretanto — James prosseguiu —, o irmão também é outro encrenqueiro.

— Nils mudou depois de seu acidente. — O que fez com que você chamasse Claire Sorenson para cuidar da

criança? — O que fez com que a chamasse? — Cole perguntou com um sorriso

amargo. — Eu estava pronto para fazer mais do que chamá-la. Estava preparado para ficar de joelhos e implorar, se necessário.

Surpreso, James franziu o cenho. — Que diabos queria que eu fizesse? — Cole argumentou, irritado. —

Você tem idéia do trabalho que cuidar de um bebê dá? Você alguma vez trocou uma fralda de um bebê se esgoelando? A Sra. Bartlesby saiu voando daqui

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depois da primeira desavença com Priscilla. Alma Dobbs não esconde o fato de que detesta crianças. Ninguém na cidade parece disposto a estar na mesma casa que um homem suspeito de ter matado sua mulher.

James assentiu com um gesto de cabeça. — Mas, certamente, deve haver alguém melhor qualificado. O único

treinamento que a Sorenson possui é para lavar o chão e roupas. — Acontece que a Claire é bastante competente no que diz respeito a

cuidar de crianças. — Eu devo admitir, a sua Claire é um colírio para os olhos.— James

alisou o bigode castanho com um dos indicadores.— Ela é muito mais atraente do que eu imaginava.

— Sério? Eu não havia notado. — Cole meio que esperava ser atingido por um raio por aquela mentida descarada.

O sorriso de James era de cinismo. — A mulher é de uma beleza serena, tranqüila, que a gente tende a não

perceber num primeiro momento, mas, de perto, ela é muito linda. Incomodava a Cole descobrir que James considerava Claire atraente.

Em alguns círculos, James tinha a reputação de ser mulherengo. Os boatos eram de que ele estava sempre no meio de um caso com esta ou aquela mulher. O fato de ter uma esposa não perturbava em nada sua consciência. Houve uma época em que Cole suspeitava de que James e Priscilla tivessem um envolvimento. Mas ele não se preocupara em descobrir.

— O que o traz aqui, James? — Cole fazia movimentos circulares com o seu cálice de conhaque. — Imagino que não tenha vindo aqui para discutir o atributos físicos da Srta. Sorenson.

— Antes de começarmos a discutir a administração da herança deixada por Priscilla, eu, tanto como seu amigo como na qualidade de advogado, sinto-me obrigado a lhe dar um conselho sensato.

— Conselho sobre o quê? — Ouça o que eu tenho a dizer, Cole. Um dos motivos para eu ter vindo

aqui esta noite tem a ver com a sua escolha de babá. — Com seu bonito rosto transmitindo preocupação, James inclinou-se para à frente. — Claire Sorenson não só é jovem e bonita, mas também lhe proporcionou um álibi na noite do assassinato de sua esposa. Pense na impressão que passa o fato de ela estar vivendo sob o mesmo teto que você. Cole estava a ponto de perder a paciência.

— Vá direto ao assunto, James. — Conhecendo o povo desta cidade como conheço, não vai demorar

muito para que comecem a especular que há alguma coisa entre vocês dois. Cole saltou da poltrona, irado. — Isto é ridículo! O fato de ela trabalhar na minha casa não significa

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que somos amantes. — É claro que não — James concordou, tentando acalmá-lo. — Acalme-

se, meu amigo. Você sabe, estou lhe dizendo isso porque estou preocupado com os seus interesses. Você tem passado por maus bocados recentemente, e isso pode ter afetado sua capacidade de julgamento. Receio que, quando Brock descobrir quem está cuidando de sua neta, ele usará isso contra você. Ele colocará em dúvida a credibilidade dela. As pessoas vão se perguntar se a moça inventou toda a história apenas porque gosta de você.

Cole dirigiu-se até o bar e colocou mais conhaque na taça da qual ainda não havia nem bebido.

— Brock pode distorcer aquilo que bem entender. Testemunhas que viram Claire sair naquela manhã podem comprovar sua história.

James alisou a lapela do casaco. — Qualquer advogado recém-formado, com a tinta ainda fresca no

diploma, faria uma festa com as suas assim chamadas testemunhas, quando o caso chagasse a um tribunal.

Cole sentia o medo calar fundo em seu estômago. — Como assim? — perguntou, com a expressão fria. — Tim 0'Brien e Karl Detmeijer — resmungou James. — 0'Brien é seu

empregado. Você deu trabalho ao sujeito quando ninguém o faria. A acusação alegaria que ele lhe deve e mentiria se preciso.

— E o Karl, ele me deve também? — Você já notou a grossura das lentes dos óculos de Detmeijer? Ele é

praticamente cego. Qualquer advogado minimamente competente detonaria seu testemunho num piscar de olhos.

Uma densa bruma de desespero invadiu Cole, obscurecendo suas esperanças de justiça. Apesar de Claire ter dito a verdade, ele ainda não estava livre de suspeitas.

James terminou o conhaque e levantou-se. — Posso ver que você tem muito na cabeça. Podemos discutir os

detalhes do fundo em outro momento. Só mais uma coisa, antes de ir — ele disse, vestindo o sobretudo. — Você já pensou na posição constrangedora em que está colocando a Srta. Sorenson?

Cole balançou a cabeça. — Não estou entendendo o que você está dizendo. — Se as pessoas o vêem como o assassino, podem facilmente vê-la

como sua cúmplice. Vocês dois estarão melhor quando ela estiver fora da situação. Quanto mais depressa substituí-la, melhor.

— Imagino que tenha razão — Cole concordou em voz baixa. — Vou procurar uma agência de empregos.

Depois de abotoar o sobretudo. James colocou o chapéu e pegou a

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bengala. — Conversaremos em breve. Você está encrencado, meu amigo,

desculpe por ter sido explícito, mas estou apenas preocupado com o seu bem-estar.

Cole o acompanhou até a porta da casa. — Fico agradecido por seus esforços a meu favor. James sorriu

repentinamente. — Acabo de ter uma idéia. Porque não deixar que Sophie entreviste as

candidatas? Ela não apenas tem experiência com empregados domésticos, mas também, se houver alguma duvida da parte das candidatas, ela poderá tranqüilizá-las quanto ao seu caráter, Cole.

— Tudo bem — Cole concordou. — Como você disse, quanto mais cedo melhor. Só depois de fechar a porta após a saída do advogado, ele notou que Claire estava de pé no topo da escadaria. Pela expressão no rosto da moça, Cole não conseguia perceber quanto da conversa ela havia ouvido. Mas por que aquilo o incomodava? Perguntou-se irritado. Havia sido honesto com ela desde o começo. Havia lhe dito que aquele emprego não era permanente.

Ela desceu as escadas devagar. — A Sra. Dobbs fez uma carne assada antes de ir embora. Em um

minuto sirvo o jantar. Depois da visita do advogado, a perspectiva de uma noite tranqüila em

companhia dela era mais atraente do que nunca. A análise de James sobre Claire estava correta. Infelizmente, James também estava correto com relação ao fato de que qualquer associação com ele seria desastrosa. De forma que teria de negar a si mesmo, o que mais desejava.

— Sinto que vou ter que adiar o jantar para depois. — É claro — ela respondeu com um belo sorriso. — Gostaria que eu lhe

preparasse um prato? — Não precisa, muito obrigado. Parece que perdi o apetite. — Então, boa noite. — Boa noite, Claire. Enquanto observava a moça subindo a escada, ele se perguntava se o

sorriso dela fora forçado ou se apenas o havia imaginado.

Capítulo IV

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Sua majestade está aqui para vê-la — Alma avisou ao entrar na cozinha. — Não apenas a madame Lamont chega sem avisar, mas agora também quer que eu lhe sirva chá. Será que ela pensa que eu não tenho mais o que fazer?

— Deixe-me ajudar. — Claire colocou a chaleira para ferver e em seguida foi preparando a bandeja. Ela não se surpreendeu quando Alma anunciou que Sophie Lamont estava lá. Na verdade, já estava esperando a sua visita.

— Me dando ordens como se fosse a dona da casa. Quem ela pensa que é? Essa Sophie sempre teve o nariz empinado. — Alma descontava sua irritação com o rolo sobre a massa de torta. Sobre o ombro direito, ela lançou um olhar dúbio sobre Claire. — Você tem certeza de que sabe o que está fazendo?

— Absoluta. Além disso — Claire acrescentou para tranqüilizar ainda mais a empregada —, a minha mãe era inglesa.

— Oh! — Alma exclamou, concordando com a cabeça. — Isto explica tudo, então. Os ingleses não ficam sem seu chá com bolachas.

Os lábios de Claire formavam um sorriso divertido. — Biscoitos, Alma. O rosto da empregada ficou ainda mais vermelho quando ela empregou

ainda maior vigor com o rolo na massa a sua frente. — Foi o que eu disse. — Se você quiser, uma tarde desta, farei os biscoitos do jeito que a

minha mãe fazia. Alma pareceu contente com a oferta. Na verdade Claire não tinha idéia

de como fazer os tais biscoitos, mas faria qualquer coisa para dissipar a tensão no ar.

— A Sra. Lamont e a Sra. Garrett eram muito amigas, não eram? — Amigas desde pequenas. Claire abriu uma embalagem de chá e disse: — Então, devem ter sido muito parecidas em muitas coisas. — Oh, por Deus, não! — Alma afastou uma mecha de cabelos grisalhos

da testa, que ficou suja de farinha. — Sophie sempre foi uma jovem quieta, um tanto tímida. Nada como a minha Priscilla. Aquela sim, era agitada. Sempre indo daqui pra lá, de lá pra cá. Sem medo de arriscar.

— Se eram tão diferentes, como ficaram tão amigas? — Seus pais tinham sido parceiros de negócios. — Com mãos hábeis,

Alma espalhou a massa de torta em uma forma. — As meninas, da mesma idade e tudo o mais, faziam as mesmas coisas: aulas de dança, aulas de piano e canto.

— A Sra. Lamont foi a primeira a se casar, não foi? Alma concordou.

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— Priscilla não estava tão disposta a se acomodar. Gostava de sua liberdade, e como.

Claire colocou bolinhos em uma travessa de louça fina que estava sobre a bandeja.

— Foi amor à primeira vista para o Sr. e Sra. Lamont? — Hum! — Alma resmungou. — Se quer saber, foi mais amor à primeira

vista pela conta bancária dela. Quando o Sr. Lamont chegou a cidade, ele dividia a sua atenção entre as duas garotas. Logo depois, o pai de Sophie faleceu e lhe deixou uma fortuna. Desnecessário dizer, a atenção dele foi para Sophie.

— Como a Sra. Garrett reagiu? — Vou lhe contar, não ficou nada feliz. Ela e a Sra. Lamont ficaram sem

se falar por um bom tempo. Só muito depois que Priscilla se casou com o Sr. Garrett, elas voltaram a ser falar.

Claire pegou a bandeja do chá e ergueu-a, quando um pensamento repentino lhe ocorreu.

— A Sra. Lamont tem filhos? — perguntou. — É uma pena, mas não. Nariz empinado ou não, acho que Sophie

daria uma boa mãe. Ouvi dizer que está tentando ter um bebê há anos, mas sem sorte. Priscilla, pelo contrário, engravidou num piscar de olhos. Na minha opinião, acho que a Sra. Lamont teve sempre um pouco de ciúme.

Claire ainda estava pensando sobre os comentários de Alma, ao entrar na sala de visitas.

Sophie Lamont estava de pé, diante da lareira examinando uma coleção de fotos em molduras douradas que mostravam Priscilla em várias idades. Ela voltou-se quando Claire entrou. Claire não podia deixar de pensar como a moda daquela época, com espartilhos apertados, combinavam com a figura esbelta e angular da mulher. Ela estava elegante, em seu tailleur azul, com listras na parte superior, e saia plissada. Para combinar, usava um chapéu com detalhes em veludo preto. Uma mecha ondulada de cabelos castanhos caía sobre sua testa.

— Como está? — a mulher perguntou depois de examinar Claire cuidadosamente. — Não creio que nos conheçamos.

— Não creio — Claire respondeu educadamente, sabendo muito bem que qualquer encontro entre as duas seria altamente improvável. — Eu sou Claire Sorenson. Muito prazer em conhecê-la, Sra. Lamont.

Sophie sentou-se em uma poltrona e graciosamente ajeitou a saia. — Vejo que trouxe o chá que pedi. Põe aqui — ela pediu, indicando uma

mesinha. Claire colocou a bandeja onde Sophie havia indicado. — Como gosta de seu chá Sra. Lamont? — indagou, tomando iniciativa.

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Enquanto Sophie Lamont observava, com um mal-disfarçado divertimento, Claire desempenhava impecavelmente o ritual que havia aprendido quando criança.

— Bem, devo admitir — Sophie comentou, aceitando a xícara de chá que Claire lhe oferecia —, você faz isso muito bem.

Claire agradeceu o cumprimento com um leve aceno de cabeça. — Pelo que pude entender, a senhora veio até aqui para falar comigo. — Sim, tenho certeza de que não imagina porque estou aqui. — Ela

tomou um pequeno gole de chá. — Eu sinto que devo, a minha querida amiga que partiu, cuidar da filhinha dela.

— E muita gentileza sua ficar tão preocupada. Mas posso garantir para a senhora que o pai da menina tem sempre os interesses e o bem-estar de Daisy na mente e no coração. Sophie sorriu, com ar conspiratório, para Claire.

— Não se pode esperar que os homens estejam atentos às necessidades das mulheres de suas famílias, não é verdade? E claro que não! — ela retrucou antes que Claire tivesse oportunidade de responder. — Eles estão sempre muito ocupados com seus negócios. Foi exatamente por isso que James pediu minha ajuda para encontrar uma substituta para a Srta. Bartlesby.

Claire adoçou o seu chá. — É muito generoso estar oferecendo o seu tempo. — Eu adoro a pequena Daisy quase como se ela fosse minha própria

filha. Acredito que seja minha responsabilidade garantir que seja bem cuidada. Sophie pegou um bolinho, quando se deu conta de como deve ter soado seu comentário. — Oh, querida, mas que falta de tato da minha parte. Eu não quis dizer que a pequena Daisy não está sendo bem cuidada sob sua responsabilidade. Espero que não tenha ficado ofendida.

Claire analisou a outra mulher por um longo momento, mas não conseguiu achar qualquer traço de malícia naquele rosto comprido e sem graça.

— Não estou ofendida, Sra. Lamont. Eu entendi o que quis dizer. Sophie inclinou a cabeça para um lado. — Você não é exatamente quem eu imaginava encontrar, Srta.

Sorenson. — É mesmo? — Claire manteve uma expressão impassível. —

Exatamente, o que a Sra. esperava? Sophie balançou a cabeça delicadamente. — Alguém mais rude. Não tão articulada ou tão educada. — Ela colocou

a mão no peito. — Oh, querida! Lá vou eu de novo. Insultei você outra vez. Mil perdões.

Claire fez um gesto que dispensava o pedido de desculpas.

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— A maioria das pessoas pensa do mesmo jeito. Eu freqüentemente me vejo julgada de acordo com os defeitos de meu pai. Por mais que eu gostaria, é impossível fazê-lo mudar, ou fazer o meu irmão mudar.

A atitude de Sophie mudou. — Minha pobre querida... — Ela parecia estar cantando, com tanta

simpatia. — Como isto é injusto. Se houver alguma coisa que eu possa fazer no futuro...

— Muito obrigada, é muito gentil. — Claire se viu respondendo aquela repentina e inesperada manifestação de calor humano.

— O Sr. Garrett tem sido muito sincero desde o início. Ele já deixou bem claro que este meu emprego é temporário, até que uma substituta seja encontrada.

— O que vai fazer quando outra babá for encontrada? — Sophie serviu-se de mais um bolinho.

— Pretendo deixar Brockton para sempre. — Aliviada pela compreensão e simpatia que via nos olhos de Sophie, Claire pela primeira vez falava de seu plano em voz alta. — Quando o momento chegar, o Sr. Garrett já me prometeu uma carta de recomendação. Vou comprar um bilhete de trem para uma cidade grande, quem sabe Grand Rapids, Chicago ou, talvez, Detroit. Algum lugar onde ninguém conheça minha família. Uma vez lá, espero conseguir um emprego de babá.

— Você merece elogios, Srta. Sorenson. Admiro sua coragem. Eu mesma, por outro lado, — ela confessou em voz baixa — nunca tive a coragem de me afastar muito de Brockton. Depois que papai morreu, eu estava aterrorizada com a possibilidade de ficar sozinha. Felizmente, James estava lá para mim.

— Tenho certeza de que, mesmo sem o Sr. Lamont, a Sra. teria encontrado forças para encarar a vida — Claire falou gentilmente.

Sophie sorriu e, depois, ficou pensativa. — Estou muito feliz de termos tido esta chance de nos conhecermos

melhor. Depois de conversar com você cheguei a uma conclusão totalmente diferente do que esperava ter.

— E qual seria? — O coração de Claire acelerou-se diante da esperança que começava a sentir.

— Creio que você é exatamente a pessoa de quem a pequena Daisy precisa neste momento. A última coisa que a pobre criança precisa é levantar os olhos e encontrar ainda mais um rosto estranho na beirada de seu berço.

Claire sentiu um medo repentino de estar ouvindo apenas o que queria ouvir.

— A senhora quer dizer, que pensa que eu deveria ficar? — Eu sei que fiz uma promessa solene ao James, mas ele nunca vai

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notar a diferença. Eu concordei em entrevistar as candidatas. Posso ter culpa se acidentalmente disser alguma coisa que não deveria e assustá-las?

Claire estava profundamente tocada pela oferta. — A senhora faria mesmo isso por mim, Sra. Lamont? — Eu estou fazendo isto pela pequena Daisy. Ela é minha afilhada, caso

não saiba. Nada mais natural do que querer o melhor para ela. — Eu não sei como lhe agradecer. — Bobagem, não precisa agradecer. — Ela se inclinou e deu um tapinha

sobre as mãos cruzadas de Claire. — Outra coisa, Claire, por favor, me chame Sophie. Estou sentindo que ficaremos amigas.

Antes que Claire conseguisse pensar em uma resposta adequada, Cole entrou na sala e parou de repente. Seu rosto estava vermelho de frio. Seus cabelos escuros estavam desalinhados, soprados pelo vento.

— Sophie! — ele exclamou. — Alma me disse que você estava aqui. Sorrindo Sophie estendeu-lhe a mão. — Cole, que surpresa agradável! Eu não esperava vê-lo esta tarde.

Pensei que estaria trabalhando. — É exatamente onde estaria se não tivesse esquecido uns cálculos

aqui em casa. — Ele olhou desconfortável para Claire. — Imagino que tenha explicado para a Srta. Sorenson que você estará entrevistando as candidatas à babá de Daisy.

— Você sabe que Priscilla e eu éramos como irmãs. Certamente farei o que puder de melhor para a garotinha.

Claire notou que Sophie espertamente evitou a afirmação de Cole. Claire deitou-se muito cansada até para trançar o cabelo. Mal fechou os

olhos e o berreiro de Daisy chegou até ela. Vestindo o roupão, ela desceu pela escura e estreita escada dos aposentos dos empregados.

Com receio de que o choro da pequenina fosse acordar Cole, ela correu para o quarto da criança.

—0 que foi, pequenina? — cantarolou para a criança, que estava infeliz e com o rosto vermelho.

Daisy soluçava e chorava ao mesmo tempo, quando viu Claire sorrindo para ela. Sem parar de falar, Claire mudou a fralda da menina e a apegou no colo, tentando niná-la. Deu um beijo de leve sobre a testa de Daisy e ficou ligeiramente alarmada ao notar que a pele da criança estava um pouco mais quente do que o habitual. Teria cometido um engano em não ter chamado o médico? Ou teria sido correta a sua intuição a respeito do dentinho? Desde que começara a trabalhar na casa, Daisy babava copiosamente, além de colocar na boca tudo que tinha nas mãozinhas.

Pensando que um quarto escuro seria mais apropriado para o sono, Claire não acendeu nenhuma luz. A lua cheia do lado de fora da janela

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proporcionava a única iluminação. Ela andava de um lado para o outro. Ninava. Cantarolava. Recitava rimas infantis. Por duas vezes acreditou ter conseguido fazer a criança dormir, apenas para vê-la abrir os olhos no momento em que a punha no berço. Alternadamente, Daisy cochilava e soluçava chorosa. Claire bocejava, andando de um lado para o outro do quarto. Sentia que seus braços pesavam como chumbo quando, parando um momento, ela pegou um chocalho de prata da cômoda e o ofereceu à menina inquieta. Imediatamente, Daisy o agarrou e o levou à boca. Seu rostinho se fechou, com um espasmo de dor, quando mordeu.

— Shhh, Daisy. Você vai acordar o papai. — Tarde demais — murmurou Cole. Claire virou-se e o encontrou, apoiando-se no batente da porta. Tufos

de pêlos escuros escapavam por sobre a abertura frontal do roupão de seda de Cole. Envergonhada por seu interesse explícito, ela abaixou o olhar e viu as pernas musculosas e pés descalços.

— A Daisy está dando trabalho? Claire lutava para se livrar da aura de sensualidade que a possuía.

Lutava para se concentrar naquilo que ele estava dizendo. — Eu tentei fazê-la ficar quietinha. Me desculpe se ela o acordou. Ele avançou pelo quarto escuro com a elegância de uma pantera na

espreita. Poderoso, perigoso, ágil. Um predador. Hipnotizada, com a garganta seca, ela o observava aproximar-se. A boca de Cole formou um sorriso preguiçoso que fez com que o coração dela acelerasse.

— Parece que eu não sou o único que a Daisy está mantendo acordado. Claire recuou um passo. Ela subitamente tomou consciência de como

estava também tão pouco vestida. Seu roupão de algodão já tinha a espessura do papel, depois de tantas lavagens, sua camisola, igualmente gasta, igualmente diáfana. Apesar de estar envolta pelas roupas e abotoada até o pescoço, ela não podia deixar de sentir que o que vestia era transparente.

— O que parece ser o problema com a nossa princesinha? — Cole esticou o braço e acariciou a bochecha corada de Daisy.

Claire apertou a criança contra si, usando-a como se fosse um escudo. Daisy havia temporariamente parado de chorar e olhava para o pai como possível salvador para tirá-la de sua miséria.

Claire limpou a garganta e falou: — Não acho que seja algo sério. São os dentinhos. — Você quer dizer que isto pode durar semanas? Ele parecia tão alarmado diante daquela hipótese que Claire sorriu. — Cada bebê é diferente — ela advertiu. — Por que não volta para a

cama? Eu vou tentar niná-la mais um pouco. — Mais um pouco? — Cole ergueu as sobrancelhas. — Pelo que estou

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entendendo, você já tentou este método antes e falhou. Claire assentiu com a cabeça. Fadiga, ela disse a si mesma, era a

responsável por sua dificuldade com as palavras. O estado de quase nudismo de Cole não tinha nada, absolutamente nada, a ver com a baixa velocidade de seu cérebro.

Sem tais preocupações, Daisy balbuciou uma seqüência de sons de bebê:

— Da-da-da-da. — Você ouviu isto? — Cole inchou o peito. — Ela acabou de me chamar. Ele estava tão orgulhoso que Claire não teve coragem de discordar. Ainda sorrindo, Cole estendeu a mão na direção da filha. Daisy

imediatamente agarrou seu indicador, o levou à boca e o mordeu com força. Aquilo fez com que Cole se aproximasse ainda mais, fazendo Claire sentir-se cercada, em um abraço invisível. Seus sentidos se aguçaram. Ela sentiu o conforto do calor gerado pelo corpo dele.

Ela precisava desesperadamente de se distanciar. — Talvez alguma coisa fria para chupar fizesse Daisy sentir-se melhor

— sugeriu, aliviada por sua voz parecer quase normal. — Boa idéia — ele concordou, pegando a filha no colo. — Enquanto isso, Daisy vai ouvir a história de Paul Bunyan e de Babe,

seu touro azul. Ainda sorrindo, Claire saiu do quarto. Quando se permitia relaxar, Cole

Garrett era extremamente atraente. Ela não esperara encontrar senso de humor debaixo de sua armadura de executivo. Se não se cuidasse, podia se imaginar apaixonada por ele muito facilmente.

Depois de advertir a si mesma sobre os perigos de se apaixonar por Cole Garrett, Claire voltou ao quarto da criança, levando um pano embebecido em água fria.

Ao vê-la se aproximar, Cole, aliviado, passou Daisy, que se debatia, para o colo de Claire.

— Aqui, queridinha — Claire sussurrou, oferecendo o pano à criança. Depois de tentar morder o pano repetidamente, Daisy desistiu. Cole ajeitou os cabelos com os dedos. — Não há nada que a gente possa fazer? Dar-lhe algum remédio? Aquela pergunta fez com que Claire se lembrasse de algo que havia

ouvido em uma conversa entre duas jovens mães sobre seus filhos. — Você tem algum licor doce? — Eu entendo que você esteja cansada, Claire, mas você acha que

álcool é a solução? Surpresa com a reação, Claire olhou para ele, mas logo percebeu, por

sua expressão, que Cole não havia entendido. Antes que pudesse evitar, ela

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riu. — O licor não é para mim — disse, se esforçando para não gargalhar. —

É para Daisy. Cole ficou de queixo caído, ao ouvir aquilo. — Você enlouqueceu? Está querendo dar licor para uma criança de cinco

meses? Frustrada, Claire balançou a cabeça. — Certamente, eu duvido que o que estou pensando em fazer

transformará Daisy em uma alcoólatra irreparável. — Ao ver que Cole continuava olhando espantado para ela. Claire explicou: — Estou apenas pensando em esfregar uma ou duas gotinhas em suas gengivas, para diminuir a dor.

— Entendi. Enquanto ele desceu para procurar o licor, Claire continuou andando de

um lado para outro, massageando gentilmente as costas de Daisy e murmurando palavras reconfortantes.

Cinco minutos depois, Cole voltou. Parou na soleira da porta, com o copinho de licor esquecido na mão. Aproveitou a oportunidade para observar Claire sem que ela percebesse. Deus, ela era linda! Seus brilhantes cabelos dourados lhe caíam até a cintura, como uma cascata de seda.

Algum ruído deve ter chamado a atenção de Claire, pois ela parou de andar e olhou na direção dele.

— Cole, achou o licor? — Sim. Ele saiu das sombras, controlando-se para não tocá-la. Seria sua pele

tão macia e doce como parecia? Ao toque, daria a sensação fria do mármore, ou a sensação morna de um pêssego maduro? A tentação o empurrava na busca das respostas. Seus dedos apertaram o copinho e ele enfiou a mão no bolso do roupão.

Como se tivesse percebido a mudança em seu comportamento, Claire, incerta, sorriu, embebeu a ponta do dedo indicador no licor e massageou a gengiva do bebê. — Pobre anjo — ela murmurou. — Eu sei que dói.

Quando Claire terminou, Daisy agarrou uma das pontas de sua manta e, segurando-a com força, começou a chupar o polegar. Dez minutos mais tarde, enquanto Claire e Cole observavam, seus olhos começaram a piscar, ficaram pesados, e se fecharam em seguida.

Os olhos de Claire encontraram os dele e, em silêncio, partilharam um sorriso de vitória.

Fazendo figa, Claire esperou enquanto colocava Daisy no berço. Ele respirou aliviado, ao ver que a criança não reagiu.

Sem palavras, com os movimentos sincronizados, os dois deixaram o

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aposento. Nenhum dos dois disse nada até chegar ao final do corredor, do lado de

fora da porta do quarto de Cole. — Muito obrigada por sua ajuda — Claire falou, evitando encará-lo. — Você fez todo o trabalho. — Cole estava, agora, completamente

acordado e estranhamente relutante em terminar a noite. — Eu apenas segui suas instruções.

Nervosamente, ela passou a ponta da língua sobre o lábio inferior, em um gesto que era tanto inocente como provocativo.

— Daisy tem sorte de ter um pai como você. — Eu acho que quem tem sorte sou eu. Incapaz de resistir, Cole colocou o dedo sobre o seu queixo e levantou o

rosto de Claire na direção do seu. Ela o fitou. Seus lindos olhos azuis espelhavam confiança e desejo.

Além de algo desconhecido que ele não conseguia definir. Necessidade? Desejo? Sem deixar de fitá-la, ele vagarosamente abaixou a cabeça, dando a Claire tempo suficiente para recuar... para fugir. Mas ela não fez nenhuma das duas coisas. Em vez disso, sua boca se entreabriu, em um convite tão antigo quanto a humanidade. Gentilmente, Cole acariciou o rosto suave de Claire com a ponta dos dedos. A pele dela tinha a textura do cetim, sob seus dedos calejados. Fascinado, ele observava os olhos dela ficarem da cor do azul do céu da meia-noite. Escuros e misteriosos, eles eram como ímãs.

E ele estava perdido. Apenas um gostinho, ele disse para si mesmo. Apenas um. Seus lábios

roçaram os dela. Um toque leve como penas, o contato explosivo como pólvora. Uma vez, duas vezes, de novo, Cole voltava para mais um pouco. Ele curvou os lábios sobre os dela e aprofundou o beijo. Uma satisfação primitiva invadiu suas veias, quando sentiu o corpo dela tremer sob sua investida.

Claire respondia com seu próprio desejo ardente. Seus lábios amoleciam, buscavam, colavam-se. Seus braços ergueram-se da cintura para as lapelas do roupão de Cole. O sussurro que escapou dela parecia-se muito com o ronronar de uma gatinha.

— Claire, doce Claire... — ele sussurrou. Mergulhando as duas mãos na rica abundância de seus cabelos, ele acariciou-lhe a nuca. E sua boca devorava a dela.

Apenas um gostinho. Um gole delicado. Esta havia sido a sua intenção. Mas um único gole, havia se transformado em uma sede insaciável. A sua língua escorregou para dentro da boca de Claire, buscando chegar à fonte profunda daquele néctar que era exclusivamente dela. Sua boca brincava com a dela, com todo o talento a seu comando. Alisando, saboreando. Acariciando. Quando a língua de Claire timidamente encontrou a dele, Cole teve medo de

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que a força de seu desejo o fizesse explodir. Foi naquele momento que o ultimo fiapo de razão se impôs. Perigo, perigo, perigo! A mente de Cole soou o alarme. Sua respiração se acelerou, seu senso

de alto controle não ia além da espessura de um fio de cabelo, pronto para arrebentar. Ele recuou. Claire ergueu os olhos para ele e pestanejou, com os lábios rosados e inchados pelos beijos dele. Ela seria dele, se ele quisesse.

Evitando seu olhar, Cole disfarçou passando os dedos pelos cabelos. Deus, o que havia feito? Claire era doce, generosa e inocente. Ela não sabia, não podia perceber que ele não tinha nada a lhe oferecer em retorno? Seu futuro era incerto. Qualquer associação com ele, só poderia levar ao desastre. Ela merecia muito mais, algo muito melhor, do que uma única noite de paixão desenfreada. Ele, no mínimo, poderia protegê-la de um erro que poderia destruí-la.

Capítulo V

Alma, você se importaria de cuidar da Daisy por alguns minutos? — Sem dar atenção à cara feia da empregada, Claire prosseguiu. — Ela está tirando sua soneca da tarde e não deve incomodar em nada.

— Alguns minutos para você parecem mais uma hora para mim. — Pedaços de casca de batata voavam das mãos de Alma como se fossem flocos de neve.

— Não vou demorar, prometo. — Para onde vai? Fazer compras de novo? Claire pegou o casaco. — Só vou até a cocheira. Preciso pedir um favor ao Tim e pensei em

levar uns biscoitos. — Acho que está tentando subornar o sujeito. Clare encheu um prato com biscoitos — Você e seus biscoitos. Alma afastou uma mecha de cabelo da fronte,

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com impaciência. — Deste jeito vou ter de reabastecer a despensa.... —Sinto muito, eu... Alma a interrompeu — Vá, vá ver o Tim. Ele não é o único que gosta de

docinhos. O meu Harold é do mesmo jeito. Pensei em lhe levar uns biscoitos para o chá desta noite.

Claire saiu antes que Alma pudesse mudar de idéia sobre Daisy. Ela ficou parada na varanda dos fundos da casa por um momento e respirou fundo. Seu humor sombrio parecia se refletir no clima. O ar era frio e úmido. O céu estava totalmente encoberto. Mais um dia horrível em uma série de dias horríveis. Com exceção da manhã do funeral de Priscilla Garrett, o sol havia praticamente desaparecido. Apesar do calendário, parecia que faltavam séculos para a chegada da primavera.

Suspirando, ela cruzou o pátio recheado de montes de neve endurecida e suja de barro. Ela sentia-se bem por estar ao ar livre.

Ao chegar à cocheira, no fundo da propriedade, ela empurrou a pesada porta e entrou. Luz difusa penetrava pelas janelas no alto das paredes.

— Sr. O'Brien, o senhor está aqui? Ela parou e procurou se acostumar com a pouca luz do ambiente. Um

conglomerado de odores lhe assaltou as narinas: o cheiro característico dos animais, o aroma agradável do sabão usado para lavar os cavalos, o doce odor do feno.

— Sr. O'Brien? Ainda nenhuma resposta. Claire vagarosamente desceu o corredor central. As amplas baias da

instalação poderiam facilmente acomodar meia dúzia de cavalos. A carruagem dos Garrett, impecável e lustrosa, estava encostada em uma das paredes. Um par de potros ruminavam seu feno, com ar contente. O cavalo de Cole estava ausente. Sabia que ele preferia cavalgar de ida e de volta à serraria, em vez de usar a carruagem.

Estava passando por uma baia vazia, quando um miado manso lhe chamou a atenção. Ela parou, inclinou a cabeça para o lado e estudou a penumbra. Bem no fundo, no canto, havia uma gata mãe e sua cria de seis gatinhos recém-nascidos.

— Oh... — Claire murmurou deliciada. Com os problemas momentaneamente esquecidos, colocou o prato de biscoitos em uma bancada e dirigiu-se para a gata mãe. A bichinha rajada olhou para Claire com interesse preguiçoso, quando ela se ajoelhou a sua frente. — Mas que lindinhos.

Sem poder resistir à tentação, ela pegou uma das bolinhas de pelo na palma da mão. Era todo preto, com exceção do focinho branco e da ponta do rabo, que parecia ter sido mergulhado em um prato de leite. Encantada com o gatinho, Claire o segurou à altura dos olhos e o acariciou de leve com o dedo indicador ao longo da coluna. Não conteve o sorriso quando sentiu o seu

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ronronar vibrar como um motor em miniatura. — Você gosta de gatos, hein? Surpreendida, olhou para cima e viu Tim O'Brien, que a observava na

penumbra. Sentindo-se em desvantagem, levantou-se rapidamente, sem soltar o filhote.

— Sim — respondeu depressa — gosto muito deles. Tim encostou o arado em uma baia próxima e chegou mais perto.

— Essa aí é a Gertie — ele disse indicando a mãe com um movimento de cabeça — é a minha melhor caçadora de camundongos.

— Eu nunca tive um animal de estimação — Claire deixou escapar, sem ter certeza do que havia provocado aquela confissão.

— Por que não? — O'Brien resmungou — Parece que já tem uma bem das boas.

Claire acariciou o pêlo macio do filhote tentando disfarçar a vergonha que estava sentindo.

— É muita gentileza sua, Sr. O'Brien... — Tim — ele a interrompeu. — Todo mundo me chama de Tim, ou

apenas O'Brien, o que preferir. — Bem, Tim, não se pode criticar o Sr. Garrett por querer somente o

melhor quando se trata de quem vai cuidar de sua filha. — Claire depositou o filhote ao lado da mãe. Antes de se levantar, gentilmente fez um carinho na orelha de um gatinho caramelo. — Tenho certeza de que deve conhecer a reputação que meu pai e meu irmão construíram para eles mesmos.

— Sim — Tim cocou uma das orelhas. — Ouvi dizer que gostam de uma bebida. As pessoas fuxicam. É difícil manter algo assim escondido em um lugar pequeno como esse.

— Na verdade, meu pai e meu irmão são a razão de eu ter vindo lhe falar. — Claire enfiou as mãos no bolso do avental. — Eu gostaria de lhe pedir um favor.

— Que tipo de favor? — ele perguntou, com a suspeita substituindo sua afabilidade anterior.

— Não quero lhe impor nada. — Nervosamente, Claire manuseou o envelope em seu bolso. — Se não quiser fazer, não hesite e diga que não. Eu vou entender.

— Acredite, dona, se for alguma coisa que não quero fazer, eu aviso você.

Claire sacou o envelope. — Você poderia entregar isto para meu pai ou para meu irmão? Antes de aceitar o envelope, Tim olhou para ele com suspeita. — O que tem aí? — Algumas pequenas economias que consegui juntar.

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— Você está abrindo mão de seu suado dinheirinho? — Nem meu pai nem meu irmão têm empregos regulares. No passado,

o dinheiro que eu ganhava ia para a comida. Estou preocupada que podem não ter o suficiente para sobreviver.

— Você está querendo me dizer que dois marmanjos dependem de você para comer?

— Eles fazem o que podem. — Subitamente, Claire saiu em defesa da família. — Se não quiser me fazer o favor, peço para outra pessoa.

— Não, não. Pode deixar... eu levo. — Tim aceitou o envelope a contragosto e o enfiou no bolso traseiro.

— Muito obrigada — Claire respondeu, aliviada por Tim não ter desafiado seu blefe. Não tinha idéia a quem pedir, caso ele tivesse se recusado. — Eu mesma levaria, mas não posso deixar Daisy sozinha.

— Não se preocupe. Ela ensaiou um sorriso e ficou feliz quando Tim retribuiu. — Espero que goste destes biscoitos de aveia com passas. Eu lhe trouxe

um pouco. Está em cima daquela bancada. Os olhos de O'Brien brilharam de antecipação. — Você mesma fez? Ela brincava com o feno, mexendo nele com a ponta dos dedos do pé. — Receio que seja uma de minhas manias. Toda vez que algo me

preocupa, a primeira coisa que faço é acender o forno. E a Alma reclama que eu esvazio a despensa.

— Bom, pode deixar que eu como todos os que não couberem no pote. Ela começou a sair, mas deu meia-volta. — Se importaria se eu trouxesse Daisy para ver os gatinhos, numa

tarde destas? Ele pareceu feliz com o pedido. — Quando quiser. Antes de ir, uma outra pergunta, dúvida que a incomodava há semanas,

finalmente foi expressa: — Naquela noite do assassinato de Priscilla Garrett, por que você a

levou à casa dos Howard mas não a trouxe de volta? Tim apertou os lábios. — Ela mandou não esperar. Disse que os amigos a trariam para casa. — Ela costumava fazer isso com freqüência? — Por que está tão curiosa, de repente? Claire começou a ficar nervosa

com Tim — Por nenhuma razão em particular. Apenas achei estranho que ela

fosse parar na serraria tão tarde da noite... e sozinha. Tim cruzou as mãos sobre o cabo do rastelo e a estudou com os olhos

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apertados. — A Sra. Garrett gostava de ir e vir sem ter que dar explicações. Nem

mesmo ao Sr. Garrett. — Parece que você não gostava muito dela... — Eu não gostava — Tim declarou, categórico. — Nunca fingi o

contrário. — Mas você foi ao enterro dela... — Eu ter ido não teve nada a ver com ela. Só fui por respeito ao patrão. Tomando o rastelo com ambas as mãos, ele o espetou em um monte de

feno e o atirou para dentro da baia mais próxima. Claire sabia que não tiraria mais nada dele.

— Oh, querida! — exclamou Sophie. — Espero que não seja um mau momento para aparecer.

— Não, é claro que não. — Claire deu-lhe passagem para dentro do hall principal. Sophie estava vestida para uma noite de gala, com um vestido longo de seda vinho, com casaco de cor combinando. Uma pena de pavão se projetava de um elegante arranjo de cachos no alto de sua cabeça. Apesar de obviamente caro, a cor do vestido dava a sua compleição uma aparência pouco saudável, de desagradável tom amarelado. — Por que não vamos para a sala?

— Só posso ficar um minuto. Os Brandfords estão promovendo uma festa em honra da cunhada da Catherine, que está de visita.

— Posso lhe oferecer um chá? — É muita gentileza sua, querida, mas receio que não tenho tempo. —

Os olhos castanhos de Sophie focalizaram a porta da sala. — Por acaso, Cole está em casa?

— Não — respondeu Claire sentando-se diante da visitante. — Como o seu marido, ele freqüentemente também trabalha até mais tarde.

— Eu só queria que ele soubesse que recebi uma resposta da agência de empregos de Chicago. Na próxima semana virá uma candidata para ser entrevistada. A gerente, a Sra. Abercrombie, me garantiu que a mulher é altamente qualificada para cuidar da pequena Daisy.

Aquela notícia, comunicada de forma tão casual por Sophie, destruiu a já frágil autoconfiança de Claire. Ela mordeu o lábio inferior e rezou para não se desfazer em lágrimas.

— Entendi — murmurou. — Tenho certeza de que o Sr. Garrett ficará feliz quando souber disso.

Vendo a expressão tristonha de Claire, Sophie esticou o braço e lhe deu uma palmadinha de conforto nas costas da mão.

— Não, querida, não se preocupe. Como eu lhe disse antes, farei todo possível para ajudá-la. Não tenho a menor intenção de deixar de cumprir a promessa que lhe fiz.

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Claire cruzava os dedos nervosamente. — É muita gentileza sua, mas e se essa mulher for tão qualificada

quanto diz a agência... e quiser o emprego? Sophie mostrou um sorriso matreiro. — Duvido que ela fique mais animada do que as outras que entrevistei,

quando ficar sabendo dos rumores a respeito de seu possível patrão. — Mas, Sra. Lamont... Sophie — Claire se corrigiu. — Não é correto

levantar suspeitas sobre a reputação do Sr. Garrett. — É claro que não — respondeu Sophie, estalando a língua. — Nunca. Eu jamais faria tal coisa ao Cole. É do interesse de todos que

as candidatas sejam bem informadas. Mesmo que ela venha aceitar o emprego, certamente ouvirá os fuxicos. Suas malas estariam prontas em um piscar de olhos, e ela embarcaria no primeiro trem para fora da cidade. O pobre Cole, então, só teria o mesmo problema mais uma vez.

Sophie conseguiu fazer com que sua explicação soasse razoável. Ou talvez fosse porque era aquilo que Claire desejava ouvir. De qualquer forma, ela não fez objeções ao plano.

— Eu agradeço por sua ajuda. Eu gosto muito de Daisy e ficaria muito triste se outra pessoa viesse cuidar dela.

Sorrindo, Sophie levantou-se. — Bem, agora tenho que ir. A Catherine fica absolutamente furiosa

quando alguém se atrasa para uma de suas reuniões. Por favor, avise o Cole que eu estive aqui.

Depois de acompanhar Sophie até a porta, Claire encostou-se no batente, de olhos fechados. O plano de Sophie daria certo? Mesmo que desse certo desta vez, daria certo na próxima vez? Ou na seguinte?

Dolorosamente, Claire reconhecia que se tinha de ser substituída, melhor seria antes do que depois. A cada dia que ficava na casa, mais difícil lhe era contemplar a hipótese da partida. Havia dito a verdade, quando dissera a Sophie que ficaria muito triste se não pudesse ver Daisy nunca mais. O que ela havia deixado de dizer, entretanto, era que deixar Cole também deixaria um espaço vazio dentro de si.

Cole voltou tarde da serraria e encontrou Claire no meio de um mar de apetrechos de forno e fogão. Naqueles dias a casa transmitia um calor e um ar de boas-vindas que nunca existira quando Priscilla estava viva. Surpreendentemente, ele ansiava por chegar em casa e encontrar Claire à sua espera.

— O pote de biscoitos ainda está cheio com a última fornada — ele disse com um sorriso.

Um rubor culpado invadiu as bochechas de Claire. — Estou indecisa entre um bolo e uma torta.

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Cole tirou as luvas e pendurou o sobretudo. Naquele curto período em que Claire estava morando em sua casa, ele havia tomado conhecimento das características de sua personalidade, inclusive aquela, de estar sempre assando alguma coisa. Infelizmente, ele havia notado outras virtudes também. Seus pensamentos flutuavam na direção dela com crescente regularidade. E achava aquela descoberta desconcertante.

— Receio que Alma tenha começado a reclamar. — E, durante todo o tempo em que reclama, ela está levando as suas

delícias para o maridinho. — Cole esfregava as mãos, para aquecê-las. — Me surpreende que você não seja tão redondinha quanto ela — comentou, enquanto a observava amarrar um avental em sua cintura esbelta.

— Felizmente, eu gosto muito mais de preparar do que de comer o que faço.

Cole examinou a figura esguia com olhos ávidos. Mesmo sem a constrição de cintas e espartilhos, ela tinha formas bem torneadas e sem excessos. Ele se pilhou imaginando como Claire ficaria sem nenhuma roupa. Com os cabelos soltos, em cascata sobre seus ombros.

Seu corpo sentiu um choque de desejo, um sentimento que o deixava espantado. Que tipo de amante ela seria? Carinhosa e generosa, ou tímida e passiva? Haveria uma fagulha de aventura sob aquele exterior bem-comportado? Queria descobrir as respostas.

Desconhecendo aqueles pensamentos, Claire estudava uma lista de ingredientes escrita em uma folha de papel.

— Se tivesse noz-moscada, eu faria aquela torta de maçã que era uma das favoritas de minha mãe.

Com um esforço supremo, Cole abandonou os pensamentos desordenados e se concentrou no presente.

— O que a chateou? — Nada. Cole a conhecia o suficiente para saber que aquela negação havia saído

um pouco rápida demais. O suficiente para saber, pela sua expressão fechada, que ela não desejava lhe fazer confidencias. Ele sentiu frustração e impaciência borbulhando dentro de si. Decidiu que, por enquanto, o melhor seria mudar de assunto. Inclinando a cabeça, aspirou o aroma dominante.

— Hum, alguma coisa está com cheiro muito bom. Ela levantou a cabeça da receita.

— Você jantou? Alma fez uma sopa. — Estou com fome. Na verdade estou morrendo de fome. — Coloco o jantar na mesa em um minuto. — Só se for com uma condição. — Ignorando seu ar de surpresa, ele

continuou, suavemente: — Eu insisto que você jante comigo.

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— Eu... — Estou com vontade de ter companhia esta noite e não quero comer

sozinho. Corando, Claire mordeu o lábio inferior. — Tudo bem... Se você insiste. — Eu insisto. — Ele sorriu em aprovação. — Outra coisa, para variar, eu

gostaria de jantar na sala de jantar. Algum tempo depois, os dois se encontravam sentados à uma mesa de

mogno lustroso que brilhava sob uma grossa camada de óleo de peroba. As cortinas, da cor do vinho tinto, haviam sido fechadas para bloquear a noite. Chamas dançavam no topo de velas que descansaram em belos castiçais de prata. Além de uma cumbuca de sopa fumegante, Claire servira fatias de rosbife frio e queijo em uma travessa com desenhos de flores. Um filão de pão completava a refeição.

Enquanto aquela refeição estava sendo preparada, ele havia aberto uma garrafa de vinho e o serviu em cálices com longas hastes. O clima conseguia ser formal e, entretanto, ao mesmo tempo, curiosamente íntimo.

Cole pegou um pedaço de pão, enquanto fazia um inventário da sala. A cristaleira de madeira maciça esculpida, com louça importada e copos de cristal fino por trás de uma lâmina de cristal mais grosso, a imponente mesa, grande o suficiente para acomodar doze pessoas, as cortinas de seda, o tapete oriental. Tudo cheirava a riqueza.

— Todo o tempo em que a casa estava sendo construída, eu me imaginava jantando aqui todas as noites. Talheres de prata, toalha de mesa e guardanapos de linho engomado, pratos finos. Uma esposa. Família. Mas, na verdade, a não ser quando Priscilla recebia visitas, esta sala nunca era usada. Nas raras ocasiões em que jantava em casa, Priscilla preferia comer em seu quarto, servida em uma bandeja.

Curioso a respeito da reação de Claire a essa sua confissão repentina, Cole, disfarçadamente, olhou para ela, que, apesar de parecer estar ouvindo e simpatizando com o que ele dizia, não ofereceu nenhum comentário.

Cole se perguntou se deveria ou não continuar aquela conversa. Mas uma vez retirada a tampa de sua caixa de memórias, toda a amargura extravasou.

— Eu estava orgulhoso, estupidamente orgulhoso, de possuir uma ótima casa nova, de estar contratando serviçais. Orgulhoso pelo fato de que um garoto que havia começado como ajudante de cozinheiro havia atingido a condição de barão da madeira. O casamento com a filha do cidadão mais importante do Brockton me parecia a cobertura ideal para aquele bolo de fantasia.

Brincando com a haste de seu cálice, ele fitava sem ver o vinho cor de

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sangue. — Talvez Deus tenha me recompensado por minha soberba. Cimento e

tijolos não constroem um lar. Descobri que a casa da qual tanto me orgulhara não passava de apenas mais uma construção. E o meu casamento... — sua boca se contorceu com um sorriso sem humor — ...existia apenas em um pedaço de papel.

Cole desviou seu olhar da taça de vinho para a mulher silenciosa sentada do lado oposto da mesa. Ela ainda não havia dito nada desde o início da refeição. Era impossível saber o que pensava. Talvez achasse suas maneiras à mesa tão revoltantes quanto Priscilla havia achado.

A esposa logo lhe apontara seus defeitos. Ele comia muito depressa. Comia demais. Seus modos à mesa eram os de um lenhador. Ele começou a sentir-se um idiota, por ter insistido em partilhar a refeição com Claire. E ainda mais idiota por ter sugerido a sala de jantar.

O que o havia levado a escancarar a alma? E que tipo de reação havia ele esperado dela? Simpatia, compreensão? Sim, diabos! Empurrou a terrina intocada de sopa para um lado. Era exatamente o que ele queria: a simpatia dela, como um bálsamo para o seu ego ferido.

O silêncio entre eles crescia assustadoramente. Um elástico pronto para arrebentar.

Frustrado e mal-humorado, desabafou: — Se você se opunha à idéia de jantarmos juntos, poderia ter recusado.

Eu não sou nenhum monstro. Pousando a colher sobre a mesa, Claire olhou para ele, com angústia

estampada no rosto delicado. Mesmo assim, continuou em silêncio. — Vamos, Claire fale comigo. Não se comporte como se fossemos

estranhos. Por Deus, não se comporte como Priscilla! — Sinto muito — Claire disse, em voz baixa. — Sente muito o quê? — Eu não sabia o que você esperava de mim. — Ela levantou os ombros

e os deixou despencar. — Eu fui educada para nunca conversar durante as refeições. Meu pai exigia absoluto silêncio.

— O mesmo silêncio imposto pelos cozinheiros nos acampamentos dos lenhadores. Agora tudo fazia sentido. Cole soltou um longo suspiro, à medida que a tensão se dissipava.

— Já tive refeições silenciosas em número suficiente para o resto da vida. Fale comigo, Claire, deixe-me ouvir o som de sua voz.

— Tudo bem — ela sorriu. — Mas apenas se você terminar de comer. Você mal experimentou sua sopa.

— Ah, já esta dando ordens, não é? — ele falou em tom brincalhão, sem reprovação, mas obedeceu, voltando para a sopa.

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Claire observou com satisfação o renovado interesse de Cole por aquela saborosa e nutritiva mistura de legumes e carne.

— Se eu ou Nils nos esquecíamos e o papai estava de bom humor, éramos expulsos da mesa sem comer. Quando não estava, tinha também o chicote. Só que meu pai raramente fazia exceções a sua regra.

— Seu pai parece ser um homem duro. — Depois de terminar a sopa, Cole fez um sanduíche. — Jamais poderia imaginar despachar Daisy da mesa com fome, quanto mais usar um chicote nela.

Claire preferiu não comentar a respeito do caráter de seu pai. — Sempre admirei esta casa de longe. Eu costumava arrumar desculpas

para passar por aqui, quando estava sendo construída. Neste momento, para você, há muitas lembranças tristes associadas a ela, mas, com o tempo desaparecerão e você se sentirá diferente.

— Espero que tenha razão. — Ele ergueu o copo de vinho e o esvaziou. — Se os negócios não melhorarem, eu posso perder tudo para o que trabalhei. Posso até ser forçado a declarar falência.

Pensativa, Claire analisava Cole. As tremulantes velas banhavam seu rosto com retalhos alternados de luz e sombra, iluminando planos, obscurecendo reentrâncias. Ele estava preocupado, com problemas e... vulnerável?

— Me fale de seus negócios — ela pediu. Depois de encher novamente a taça com vinho, Cole se acomodou mais

confortavelmente na cadeira. — A maior parte da madeira já está cortada e empilhada nas margens

do rio, mas não conseguirei cumprir meus contratos, se não conseguir rolar as toras rio abaixo até a serraria.

— Estas rolagens das toras rio abaixo são eventos anuais. Por que a deste ano está apresentando tantas dificuldades?

— Basta conseguir uma equipe completa de trabalhadores experientes para que comecem a debandar e aceitar trabalho em outros lugares.

— Você tem idéia do motivo para isso? — Claire tomou um minúsculo gole de vinho enquanto esperava pela resposta.

Torcendo o nariz ao gosto pouco familiar do vinho, ela logo abandonou a taça.

Ao ver sua reação, um pequeno sorriso iluminou o rosto de Cole, antes que ficasse sério novamente.

— Eu suspeito que o meu ex-sogro esteja por trás desta repentina deserção, mas não tenho como provar. Mesmo que tivesse, não sei se faria diferença. Ninguém enfrenta o Leonard Brock. Seria a minha palavra contra a dele.

— O que você vai fazer?

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— É o que eu gostaria de saber. Idéias meio concluídas rolavam na mente de Claire, como folhas secas

de outono ao vento. — Você já pensou em anunciar suas ofertas de emprego em outras

partes do Estado? — Não — ele admitiu. Seu olhar ficou aguçado ao fitá-la. — Até agora,

eu limitei a minha busca à parte oeste do Estado. Por que você acha que terei mais sucesso em outras partes?

— Leonard Brock não é conhecido por eles. Talvez os trabalhadores não sejam tão facilmente intimidados se encontrarem uma razão ainda mais forte para ficar.

— Que tipo de razão? — Cole endireitou-se na cadeira. Claire tinha toda a sua atenção agora.

— Você é o empresário. — Um leve sorriso matreiro brotou em seus lábios. — Certamente, você tem como imaginar algum tipo de incentivo, um prêmio ou um bônus. Talvez uma porcentagem dos lucros.

— Porcentagem dos lucros? — Ele fez eco, não acreditando no que estava ouvindo. — Isso vai drenar dinheiro diretamente da minha conta bancária.

— A não ser que você consiga trazer a madeira rio abaixo, não haverá lucro nenhum — ela enfatizou.

Com os olhos cinzentos iluminados por um raio de esperança, Cole empurrou a cadeira para trás e ficou de pé.

— Me perdoe se pareço rude, mas tenho alguns cálculos que precisam ser feitos imediatamente.

Sorrindo, Claire também se levantou e começou a recolher a louça do jantar.

— Vou fazer um café fresquinho. — Traga alguns biscoitos também — Cole falou, já do outro lado da

sala. Quando chegou à porta, ele parou e voltou na direção contrária.

Tomando o rosto delicado nas mãos, deu-lhe um rápido e impulsivo beijo. — Obrigado.

Claire observou Cole se afastar, com um sorriso de surpresa e felicidade.

— Tim está lá em baixo. Claire olhou para cima, sentada no acolchoado estendido no chão do

quarto, onde brincava de esconde-esconde com Daisy. — Ele disse o que queria? Alma estava de pé na soleira da porta do quarto, com os braços

cruzados.

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— Eu perguntei, mas ele não quis falar. Claire levantou-se, pegou Daisy no colo, saiu rapidamente do quarto e

desceu as escadas. Alma a seguiu, reclamando o tempo todo. — Se quiser a minha opinião, o O'Brien é muito misterioso. Eu já havia

dito várias vezes à Príscilla que o sujeito é cheio de segredos e de truques. Ele está escondendo alguma coisa, eu disse. Mas ela apenas riu e se recusou a ouvir a voz da razão.

Claire não deu muita atenção às queixas da empregada. Sua cabeça estava muito ocupada imaginando vários cenários envolvendo seu pai ou seu irmão, todos eles desagradáveis. Não importava o que tivessem feito, ela sabia que faria o que pudesse para ajudar.

Tim a esperava, parado na porta traseira, aparentando receio de desgrudar os pés do tapete e sujar o piso limpo de Alma.

— Alma disse que você queria falar comigo. Daisy cantarolava, com um sorriso feliz nos lábios de querubim. As mãos de Tim reviravam nervosamente na aba do boné que

segurava. Ele lançou um olhar inquisidor para Alma, que espiava sem a mínima vergonha.

— O que eu tenho a lhe dizer será melhor em particular. — Bem, então, com licença — Alma resmungou. — Caso não se

lembrem, esta aqui é a minha cozinha. Eu tenho todo o direito de estar aqui. — Alma, por favor. Tenho certeza que Tim não quis ofender. — Claire

sorriu para a empregada, na tentativa de acalmá-la. — Se nos der apenas alguns minutos, tenho certeza de que isto não vai demorar.

Resmungando, Alma disparou para fora da cozinha. Daisy fez outra tentativa de chamar a atenção do estranho. O ruído fez com que Tim notasse a criança pela primeira vez. Ele examinou o bebê com as sobrancelhas franzidas em interrogação, o que logo se tornou constrangedor. Ligeiramente incomodada pelo escrutínio, Claire mudou a criança de um braço para o outro.

— O que era mesmo que você queria me dizer? — ela perguntou em um tom mais ácido do que pretendera.

Tim transferiu rapidamente seu olhar do bebê para Claire. — Desculpe — resmungou. — Eu estava observando como ela não se

parece com os pais. Claire não comentou. O mesmo pensamento havia lhe ocorrido. — A razão de você estar aqui tem algo a ver com o meu pai, ou com

Nils? Tim parecia querer estar em algum outro lugar. — Ouvi umas fofocas quando fui à mercearia hoje à tarde. — Que tipo de fofoca? — Claire gostaria de esconder o tremor em sua

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voz. — Gaa-gaa! — Daisy soltava gritinhos, enquanto seus dedinhos se

enganchavam em uma mecha do cabelo de Claire. A garotinha mais uma vez desviava a atenção de Tim. — Eu não entendo muito de crianças, mas ela não é muito nova para já

estar falando? — Você não veio aqui para discutir as habilidades verbais da Daisy. —

Pacientemente, ela tirou o cabelo dos dedos apertados da criança. Tim mexeu os pés com desconforto. — É o seu irmão. — Nils? — A sua mão involuntariamente apertou os dedos de Daisy,

fazendo com que a criança encolhesse em seu colo. — Está tudo bem com ele? Ele não se machucou, certo?

— Tanner o prendeu. — Ele está na cadeia? — Os olhos de Claire se arregalaram com

espanto. Quando Nils iria aprender a ficar longe de encrencas? — Parece que houve uma briga ontem à noite, no bar do Mulligan.

Estão dizendo que seu irmão começou tudo. Quebraram móveis e a polícia foi chamada. Seu irmão foi preso e levado para a delegacia.

Com os pensamentos em alta velocidade, Claire colocou Daisy em seu cadeirão.

— Eu tenho algumas economias guardadas, não é muito, mas deve ajudar. Apesar de não ter dito claramente, era todo o dinheiro que tinha no mundo. Dinheiro que havia guardado para sair de Brockton, caso o plano de Sophie não desse certo.

— Seu irmão não tem mais ninguém que possa ajudá-lo? E o seu pai? — O papai sempre avisou o Nils que, se algum dia fosse para a cadeia,

não deveria procurá-lo. E ele estava falando sério. — Claire tirou uma lata da despensa, pegou um biscoito e o quebrou em pequenos pedaços sobre a bandeja do cadeirão. — Se eu não ajudar o Nils, ninguém o fará.

Tim beliscou uma orelha. — De repente, a cadeia pode não ser tão má idéia. Pode ensinar ao seu

irmão uma lição que ele precisa aprender. — Você não entende. — Ela tirou o avental e alisou o cabelo. — Quando

minha mãe morreu, Nils e eu prometemos cuidar um do outro. Eu não posso lhe dar as costas quando precisa de mim. Nunca mais teria coragem de me olhar no espelho.

— Bem, se já decidiu... Tim olhou para ela com um misto de pena e de admiração. A polícia talvez o solte se você pagar a multa e acertar com o Mulligan para cobrir os prejuízos.

Impulsivamente, ela esticou o braço e colocou a mão na manga do

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casaco dele. — Tim, não sei como lhe agradecer. Eu lhe sou grata por me avisar

sobre meu irmão. Pobre Nils, já deve estar desesperado. Com a boca retorcida, os olhos de Tim encontraram os dela. — Seu irmão precisa de você, é verdade, mas será que ele merece? Foram suas últimas palavras. Claire não tinha tempo para considerar o que ele dissera. Precisava

pegar o dinheiro guardado no esconderijo, no terceiro andar. Precisava encontrar Alma e lhe pedir, pedir não, insistir, para que cuidasse de Daisy até a sua volta.

Quando desceu as escadas correndo, com as economias enfiadas no bolso do casaco, Claire encontrou a governanta espanando móveis.

— Sinto muito, Alma, mas surgiu uma emergência familiar. Você vai ter de cuidar da Daisy até eu voltar para casa.

— Eu? — A expressão no rosto de Alma era de horror. Claire brigava com os botões do casaco.

— Não há outra saída. Meu irmão precisa de mim. As bochechas de Alma ficaram vermelhas e seus enormes seios

pulsavam com indignação. — Quantas vezes eu tenho que lhe dizer? Eu detesto crianças. — Daisy é um anjo. Eu prometo que ela não vai criar problemas. Só

precisa lhe dar comida, se tiver fome e trocar a fralda, se estiver molhada. — Quanto tempo vai demorar? — Alma resmungou, enquanto Claire se

dirigia para a porta. — Não vou demorar. — Por via das dúvidas, ela cruzou os dedos em

forma de figa. — Estou aqui para falar com o delegado Tanner. Homer Bailey parou de

limpar as unhas encardidas com um canivete e levantou os olhos. — O seu irmão arrumou um monte de encrenca lá no Mulligan. — O senhor me faz a gentileza de avisar o delegado que preciso falar

com ele? — Ele está em reunião e disse para não ser incomodado. — O senhor tem idéia de quanto tempo vai demorar? Homer sacudiu os

ombros. — Vai terminar quando acabar. A respiração de Claire traduzia sua impaciência. A estas alturas, Alma já

deveria estar tendo um ataque de nervos. Já estava quase na hora de ela ir para casa e para o seu Harold. Mas Claire não tinha outra escolha. Nils estava encrencado. Ela não podia abandoná-lo naquele momento.

— Eu espero — disse a Homer. — Como quiser.

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Claire sentou-se junto à parede, pronta para suportar a espera. Sombras começavam a invadir o corredor mais adiante, testemunhas mudas de que o dia estava acabando. O prédio estava tranqüilo, seus funcionários já a caminho de suas casas confortáveis e jantares quentes. O único ruído ocasional era de uma irada voz masculina que se ouvia através da porta fechada.

Incapaz de ficar quieta, Claire ficou de pé e impaciente, começou a andar pelo corredor, indo e voltando. Como Nils estaria agüentando estar preso? Ele deveria estar assustado, sentindo-se abandonando pela família. Quando será que perceberia o que estava fazendo consigo mesmo? A sua vida estava fugindo ao controle. Quando iria parar com este comportamento destrutivo? Claire massageou a testa, que latejava. Estava ficando cada vez mais difícil lembrar-se da pessoa que ele já havia sido.

Ao pensar em sua precária situação financeira, Claire sentiu a cabeça pulsar ainda mais. A perspectiva de encontrar outro emprego como babá parecia remota. Mesmo assim, ela estava agradecida pelo fato de Mulligan ter se disposto a aceitar sua palavra quanto ao pagamento da divida de Nils. Uma promessa que ela pretendia honrar, mesmo que tivesse de trabalhar no Bar do Mulligan.

Ela parou de andar para lá e para cá ao ouvir a porta do escritório do delegado abrir-se, fechando-se em seguida, e virou-se em tempo para ver Leonard Brock saindo. Ele interrompeu o ato de colocar seu chapéu quando a viu. Franziu a testa e a encarou por um longo momento. Homer parou de limpar as unhas para assistir ao espetáculo com ávido interesse. Seus olhos pulavam de Claire para Leonard e vice-versa.

— Eu deveria conhecê-la? — Ela é aquela parenta dos Sorenson — adiantou-se Homer antes de

Claire poder falar. — Seu pai ou seu irmão já devem ter trabalhado com o senhor alguma vez.

— Ah... — A expressão de Leonard Brock relaxou. — Dois bêbados, tanto um como o outro.

O rosto de Claire enrubesceu violentamente. Ofendida pela grosseria de Leonard, ficou paralisada enquanto ele se aproximava dela. Ele usava seu corpo enorme como uma arma certeira para intimidar os menos audaciosos. Claire manteve sua posição e resistiu ao desejo de recuar.

— O senhor também goza de certa reputação, não é verdade, Sr. Brock? — ela finalmente recobrara a capacidade de falar.

Ele interrompeu sua aproximação. Surpresa e depois irritação tingiram seus olhos verdes claros.

— O que é que está querendo dizer, menina? — Sem gracinhas, mocinha — advertiu Homer. — Como prefeito da

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cidade, o Sr. Brock merece respeito. Ignorando o assistente do delegado, Claire dirigiu-se a Brock: — Eu estava me referindo a sua reputação de ser extremamente franco.

Não acredito que tenhamos sido apresentados de forma adequada. O meu nome é Claire Sorenson.

— Então é você. — O Sr. Brock olhou-a como se fosse uma barata que tivesse acabado de sair do esconderijo. — Se não fosse por você, o assassino de minha filha não estaria solto por aí, todo à vontade.

Ele se aproximou o suficiente para que Claire conseguisse sentir o cheiro de charuto grudado ao tecido de seu casaco.

— Com todo o respeito, Sr. Brock, se não fosse por mim, um homem inocente teria sido acusado de um crime que não cometeu.

— Quanto ele lhe pagou para ficar fora da cadeia? — Ele não me pagou nenhum centavo. — Balela! — Ele a examinou com desdenho calculado. — Todo mundo

está à venda. Basta oferecer o preço certo. Pelo tom de sua voz e pelo brilho de seu olhar, o que estava implícito

ficou claro para Claire. Ele estava oferecendo suborno para que ela mudasse de idéia.

— Eu peço desculpas, mas discordo, Sr. Brock. Nem todos têm preço. Sua expressão rude ficou ainda mais dura. A força da ira fez com que

suas costeletas tremessem. — Se mudar de idéia, garota, sabe onde me achar. Claire observou as

costas do homem se retirando. Apesar de toda a sua riqueza e poder, Claire sentia pena dele. Consumido pela dor e impulsionado pela raiva, Leonard Brock não valorizava seu maior tesouro, sua própria neta. Em nenhum momento ele havia perguntado sobre como estava a criança. Jamais havia tentado vê-la.

Atrás dela, Homer Bailey pigarreou ruidosamente. — Vou ver se o delegado pode vê-la agora. Claire respirou fundo. O encontro com o pai de Priscilla havia sido

preocupante, para dizer o mínimo. Estava claro que ele odiava Cole e faria de tudo para colocá-lo atrás das grades. Ela tinha medo daquela obsessão avassaladora.

Homer havia desaparecido para dentro da sala de Tanner, reaparecendo logo em seguida.

— O chefe mandou você entrar. Transferindo sua preocupação sobre Cole para a retaguarda de sua

mente, Claire procurou concentrar-se no problema imediato: Nils. O delegado Tanner não tirou os olhos do maço de papéis em suas

mãos. Não lhe deu a cortesia de lhe oferecer uma cadeira, fazendo-a ficar de

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pé a sua frente, como se estivesse mendigando. — Imagino que esteja aqui por causa de seu irmão. Diga logo o que

quer. Tenho muito que fazer. — Não vou tomar seu precioso tempo, delegado. Estou aqui para lhe

pedir para soltar meu irmão. A cabeça de Tanner quase saltou do corpo e sua fisionomia esculpida a

machado não acreditava no que ouvia. — Assim simples, não é? — Ele estalou os dedos. — Você é ingênua

demais, garota, se pensa que pode entrar assim aqui, valsando, e soltar o seu irmão, fácil assim.

— Não sou tão ingênua como pareço. — Claire tirou do bolso um maço de notas amassadas e moedas de valores diversos, e, de maneira triunfante, colocou-as na mesa diante do chefe de polícia. — Isto deve ser suficiente para pagar a multa por bebedeira.

O policial batucou com os dedos sobre a pilha de papéis a sua frente. — Mesmo que fosse, há ainda a questão dos prejuízos consideráveis

que seu irmão causou à propriedade de Paddy Mulligan. Segundo me consta, ele não está nada feliz.

— Eu acabei de falar com o Sr. Mulligan. Ele gentilmente concordou com a retirada da queixa contra o Nils. Está mais interessado em ser ressarcido pelos custos e sabe que o meu irmão não poderá fazer isto, se estiver preso.

Por trás de seus grossos bigodes, os lábios do delegado se encolheram em uma curta linha reta.

— Vou ter de falar com o Mulligan pessoalmente, para saber se o que está dizendo é verdade. Espere aqui.

Capítulo VI

Seus pés pareciam blocos de gelo. Claire sapateava para restabelecer a circulação. Quase uma hora havia se passado desde que Homer Bailey lhe dissera para esperar por Nils atrás do prédio da Prefeitura, onde ficava a cadeia. Nem mesmo as estrelas espalhadas pelo céu diminuíam a escuridão pegajosa. Um vento ardido amontoava a neve solta em pequenas colinas pelo

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chão congelado. Desde que havia saído da casa de Garrett, a temperatura havia despencado. O frio inclemente se enfiava pelo casaco de lã e entrava em seus ossos.

Ela sabia que Alma estaria furiosa com ela quando voltasse. Ela havia ficado fora muito mais tempo do que imaginara. Suas mãos estavam duras e amortecidas dentro de suas luvas finas.

Finalmente a porta atrás dela se abriu e seu irmão saiu. — Nils! — Claire correu em sua direção, ansiosamente examinando o

irmão para ver se estava ferido. Além de um olho roxo e de um lábio inchado, ele não parecia ter sofrido muito com sua provação. — Fiquei tão preocupada com você.

— Eu posso cuidar de mim mesmo. — Ele ergueu o colarinho do casaco em volta do pescoço.

— Eu vim assim que soube. Você está bem? — Garrett não agüentou esperar, não é, para lhe contar que seu irmão

estava preso. Deve ter pensado que era um bom destino para o lixo. — Isto não tem nada a ver com Cole — ela retorquiu, magoada por seu

tom. — Cole? — ele cuspiu. — Desde quando ele virou Cole? — Tim O'Brien me contou sobre a briga no Bar do Mulligan. — Grande diferença. — Nils manteve a cabeça abaixada contra o vento.

— Pelo que tenho ouvido, O'Brien beija o chão por onde Garrett anda. — Qual é o seu problema? — Claire agarrou sua manga e fez com que

ele se virasse para encará-la. — Por que está agindo assim? O vento espalhava-lhe os cabelos claros pelo rosto. — Eu não pedi a sua ajuda. Não quero a sua ajuda. Você deveria ter me

deixado apodrecer na cadeia. Claire batalhava para entender o irmão. Havia esperado gratidão e

alívio pelo fato de haver interferido a seu favor. Ele, ao contrário, parecia ressentido.

— Eu amo você, Nils. Não poderia ter ficado alheia, sem tentar ajudar. Em vez de agradecido, você está com raiva.

Ele arrancou o braço da mão de Claire. — Como você bem sabe, irmãzinha, eu odeio o sujeito. O fato de saber

que o dinheiro que me tirou da cadeia esteve um dia na conta dele me dá nojo. Nils caminhava o mais rápido possível que sua perna machucada lhe

permitia. Magoada e confusa, Claire o observou virar a esquina e desaparecer. Seu sacrifício fora em vão. De bom grado, havia dissipado todas as suas parcas economias por ele, apenas para vê-lo jogar sua generosidade na cara. Tinha sido tola de esperar mais do que isso. Uma sensação de vazio tomou conta de si.

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Com o coração pesado, Claire tomou o caminho oposto ao do irmão. Claire entrou na pequena cozinha em meio a uma rajada de vento

ártico. Ao vê-la, Daisy soltou um gritinho alegre do alto de seu cadeirão. Pela cara fechada de Cole, ela percebeu que o pai não partilhava do entusiasmo de sua filha. Ela notou que não havia sinal de Alma.

— Está nevando — foi a única coisa boba que conseguiu articular, enquanto limpava desajeitadamente os flocos de neve dos ombros.

— É mesmo? — A voz de Cole estava carregada de sarcasmo. Claire olhava para ele apreensiva, enquanto tirava as luvas. As mangas

da camisa dele, enroladas até os cotovelos, revelavam um par de braços fortes e bem torneados. As manchas de comida que decoravam a frente de sua camisa, entretanto, não tinham nada de masculino. De forma suspeita, combinavam com as cores espalhadas pelo rostinho de Daisy. Verde-ervilha e cor de cenoura.

— Você tem idéia da hora? — Retirando um relógio de ouro do bolso do colete, ele deliberadamente verificou o horário.

Claire sentiu-se gelada, apesar do calor da cozinha. Ela esticou as mãos na direção do fogão de ferro, no fundo do qual estava um bule de café.

— Me desculpe, eu sei que é tarde, mas não pude fazei nada. Daisy soltava seus gritinhos característicos, enquanto esfregava as

mãos cheias de purê de legumes nos cachos dourados Cole bufava frustrado ao ver a bagunça que a filha havia feito. — A Alma não esconde o fato de que não se dá bem com crianças...

Você desapareceu durante horas, em alguma missão misteriosa! — Eu não pude fazer nada... — Claire tirou o casaco e o dobrou

cuidadosamente, e o colocou sobre o descanso de uma cadeira, antes de vestir um avental. — Vamos, deixe que eu termino de lhe dar a comida.

Cole soltou a colher com alívio mal disfarçado. — A pobre criança poderia ter morrido de fome, graças a você. Sem se importar com a tensão entre os dois adultos, Daisy abriu a

boca, com sua antecipação infantil por mais comida. Cole encostou-se na mesa, com os braços cruzados e a cara amarrada. — Cheguei em casa mais tarde do que planejava e encontrei Daisy

chorando. Fico surpreso que Tim não a tivesse ouvido lá de fora. — Onde estava Alma? — O peso do sentimento de culpa se instalava em

sua consciência. — Sentada aqui, à mesa da cozinha, já com seu casaco, pronta para ir

embora. "Eu não cuido de bebês", ela foi logo me dizendo, antes mesmo de eu abrir a boca. Com certeza ela provou isso nesta noite.

— E onde estava Daisy? — Lá em cima, no berço. Sua fralda estava ensopada e ainda não havia

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comido. Ela ficou tão feliz de ver um rosto amigo que o seu sorriso poderia ter derretido uma pedra.

Claire engoliu um caroço de culpa, que ameaçava fazê-la engasgar. — Eu sinto muito. Mesmo sabendo que Alma não gosta de bebês, nem

por um segundo pensei que fosse negligenciar a Daisy. — Pois foi o que ela fez. — Sinto muito, muito, mesmo. Pode contar com a minha palavra: nunca

mais deixarei Daisy sozinha. — Você me desapontou, Claire. — Ele lhe deu as costas e serviu-se de

uma xícara do café sobre o fogão. — Eu pensei que você fosse mais responsável. Você foi contratada para cuidar de minha filha, não para ignorá-la.

Apesar de seus esforços para se manter calma, suas mãos tremiam ao limpar as mãos e o rostinho de Daisy.

— O senhor está me mandando embora? Ele olhou por cima dos ombros e a fuzilou com seus frios olhos cinza-

metálicos. — Como já perdi uma governanta, não estou disposto a perder outra

empregada. — Alma se demitiu? — Ela congelou no ato de tirar Daisy do cadeirão.

De repente, a dor de cabeça que começava a sentir por trás dos olhos ficou mais forte.

— Ela pediu demissão, apenas segundos antes de eu mandá-la embora. — Com a xícara na mão, ele olhava fixamente para determinado lugar no chão da cozinha. — Ninguém, mas ninguém mesmo, trata a minha filha como ela tratou.

Claire balançava Daisy em um dos joelhos. — Eu não pensei que fosse demorar tanto — ela murmurou. — Simplesmente não pensou em nada, é o que fez. — Eu assumo toda a responsabilidade. — Ela queria desaparecer de

tanta vergonha. Cole sempre fora bom, gentil e generoso, e ela lhe havia falhado. Pior do que isso, Daisy havia sofrido como resultado de sua decisão precipitada. — A culpa é totalmente minha. Se eu estivesse aqui, nada disto teria acontecido.

— Por que diabos não estava, então? Ela hesitou, lembrando-se da inimizade entre Cole e seu irmão. — Esqueça — ele grunhiu. — Guarde seus motivos para si mesma. Não

acho que quero saber. Quando Cole voltou a subir as escadas, uma hora mais tarde, seu

humor estava consideravelmente melhor. Apesar de continuar irritado, ele já não estava tão furioso.

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Ele parou na frente do quarto da criança, inclinou a cabeça e ficou ouvindo. Sem fazer barulho, ele chegou mais perto e espiou. Claire estava sentada em uma cadeira de balanço, e Daisy, no colo, sugava morosamente uma mamadeira. Com sua doce voz de soprano, Claire cantava para a criança, que já estava quase dormindo.

Dorme, dorme, não chore, Adormece, meu bebê, Quando acordar, você vai mamar, E brincar com os lindos cavalinhos.

Seu peito tremeu quando viu aquilo. Uma linda mulher, uma criança adorável, uma residência elegante. Era por isso que ele havia trabalhado toda a sua vida. Só que a mulher a sua frente não era sua esposa.

— O senhor a ama muito, não é? — Claire perguntou, murmurando. — Sim — ele respondeu. — Muito. — O carinho que sentia por aquela

pequena criatura o surpreendia. Nada em sua experiência anterior o preparara para tamanho turbilhão de emoções. A ternura avassaladora. Tudo aquilo era como um soco no estômago. Um golpe bem no meio dos olhos. E tudo acon-tecera em um instante.

Ele se lembrava daquele exato momento com impressionante clareza. Daisy berrava naquele tom característico e agudo dos recém-nascidos. Priscilla ignorara solenemente o sofrimento da filha, enquanto a babá se mantinha fechada em seu quarto, emburrada por algum desentendimento sem im-portância. Sentindo-se desajeitado e incomodado, Cole havia pegado a criança no colo. Tão confiante e tão vulnerável. Naquele segundo, Daisy havia se tornado a criança de sua alma, se não era de sua carne.

— Ela é uma criança doce. Vou sentir sua falta quando partir — Claire murmurou.

Silenciosamente, saíram juntos do quarto de Daisy. Ele estava começando a sentir-se um pouco envergonhado de sua

reação anterior. Toda a força de sua raiva para com Alma Dobbs havia sobrado para Claire. Ele nem sequer lhe havia dado a oportunidade de explicar sua ausência. Apesar de não estar disposto a admitir, ele ficara extremamente preocupado quando chegara em casa e descobrira que Claire não estava. Receara que ela tivesse ido embora de vez. Daisy sentiria sua falta, e ele também.

— Precisamos conversar. Venha até a biblioteca quando terminar suas tarefas.

Ela esfregou as mãos nas laterais de seu avental. — Como quiser — respondeu. Sua voz era calma, quase resignada. Claire encontrou Cole à sua espera, de costas, olhando pela janela,

observando o vazio. Labaredas fortes, da cor de laranja, lambiam as toras na lareira. O ruído das chamas se mesclava ao de partículas de gelo contra o vidro da janela. Talvez fosse apenas a imaginação de Claire, um efeito da

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iluminação, mas, com os ombros abaixados e a cabeça inclinada, ele parecia um homem forte enfrentando um peso grande demais.

— Queria falar comigo? Ele fechou a pesada cortina e virou-se para ela. — Me ocorreu que você ainda não me explicou por que deixou Daisy

com Alma, esta tarde. Eu acho que, como seu patrão, mereço uma explicação. Claire avançou para o interior do cômodo. A expressão dele era difícil de

interpretar na penumbra da sala, uma mistura de sombra, mistério e masculinidade explícita. Atraente. Potencialmente perigoso. Ela passou a ponta da língua pelo lábio inferior. Ao longo dos anos, aprendera que os homens podem ser imprevisíveis, até cruéis, quando provocados.

Aparentemente a sua hesitação o incomodava, pois ele a advertiu: — Pelo amor de Deus, Claire! Pare de me olhar como se eu mordesse. Indo cautelosamente na direção dele, ela parou atrás de uma cadeira e

colocou as mãos em seu espaldar. — Meu irmão precisou de minha ajuda. — Nils? O que foi desta vez? As mãos de Claire apertavam a cadeira. — Ele foi preso. — Não posso dizer que me surpreendo. — Ele serviu-se de uma bebida.

— O que exatamente ele fez para acabar na cadeia? O queixo dela se ergueu, em reação ao tom da pergunta. — Nils se meteu em uma briga no bar do Mulligan, e acabou causando

um belo prejuízo. Foi preso por bebedeira e desordem. — E implorou à irmã para salvá-lo. — Não, está errado. Nils não pediu a minha ajuda. — Muito pelo

contrário, pensou Claire. Ele a analisou por cima da borda do copo e deu de ombros. — O seu irmão já está nessa trilha há algum tempo. Você não deve ter

ficado surpresa. — Assim como não me surpreendo de ouvir o que está dizendo. Tenho

plena consciência de que vocês dois se detestam. — Detestando ou não, não pode sair correndo toda vez que ele se mete

em encrencas. Chega uma hora em que o sujeito tem que ficar de pé com as próprias pernas.

— Isto tudo é muito fácil de dizer. — Havia sido um dia difícil e, de repente, ela estava farta. — O senhor é um madeireiro rico. Não precisa se preocupar como pagar por um espelho quebrado. Ou como não ter dinheiro para um advogado. É um homem forte, de corpo são, com duas pernas perfeitas. Não tem limitações físicas como o Nils. — Seu peito arfava com a explosão de raiva. — É muito fácil criticar alguém menos afortunado.

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A reação irada de Claire serviu de combustível para Cole. — Pare de tratar seu irmão como uma criança. Nils já está bem

crescido. É hora de começar a agir como tal. Já vi outros homens se machucarem muito mais do que ele, sem que se sentissem no direito de ficar com pena de si mesmos.

Claire se irritava com o fato de que as palavras de Cole correspondiam à verdade. Mesmo assim, seu senso de lealdade lhe fervia nas veias.

— O que o Nils faz, ou deixa de fazer, não é da sua conta. — É claro que é. — Pousando o copo em um canto, ele diminuiu a

distância entre eles, até que apenas a cadeira os separava. — Passa a ser da minha conta, no momento em que você negligencia suas obrigações e sai correndo para resolver as encrencas dele. Diga-me, Claire: O que você fez? Pagou a fiança dele?

— O dinheiro que eu ganho é meu para fazer dele o que quiser. — E os prejuízos que ele causou? Pelo que ouvi, Padraig Mulligan é duro

de negociar. Ela ergueu o queixo ainda mais. — Eu achei que ele é tanto justo como razoável. — Engraçado — Cole riu alto, com sarcasmo — mas estas não são as

palavras que usam para descrevê-lo. Um dos meus homens me disse que Mulligan tem uma máquina registradora no lugar do coração. — Seus olhos ficaram apertados quando lhe ocorreu um pensamento. — Você se ofereceu para pagar o prejuízo causado por Nils?

Incomodada pela inquisição que sofria, ela mudou de posição, mas continuou calada.

— Foi este o motivo para que Mulligan retirasse a queixa? Por que você prometeu pagar a dívida de seu irmão?

— Quando Nils encontrar um trabalho fixo, ele ficará feliz de pagar o que deve. — Ela abaixou os olhos e desenhou uma linha imaginária em torno da cadeira a sua frente. A verdade era que não tinha a mínima certeza se Nils daria um tostão para cobrir as despesas. Claire esperava que quando seu humor melhorasse, Nils fosse mais racional.

— Quando será que você vai tirar as viseiras dos olhos, Claire? A sua família usa você, e vai continuar usando, mas não lhe dão nada em retorno. Basta mencionar o nome Sorenson e gente decente vira a cara. Ninguém quer nada com você ou sua família.

— Já ouvi o bastante. Estou cansada de ouvi-lo criticar minha família. — Ela virou-se para ir embora, mas Cole foi mais rápido e bloqueou sua fuga. Suas mãos agarraram os braços de Claire, que sentiu a força, o calor, queimando através das mangas de seu vestido.

— Seu pai arruinou qualquer hipótese de você vir a ter uma vida

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normal. A maioria dos homens, mesmo que tenham interesse em abordar você, pensa duas vezes em ter de confrontá-lo. Com o Nils é a mesma coisa. A não ser que alguma coisa mude no futuro próximo, você vai acabar ficando uma solteirona e passar o resto da vida cuidando dos dois.

— O que pretendo fazer da minha vida não é assunto seu. — Ela tentou escapar de suas mãos quentes e de suas palavras odiosas. Palavras que eram flechas apontadas para o seu coração. O aperto das mãos de Cole, mesmo não machucando, era inexorável. — Eu já pedi desculpas por ter deixado Daisy com Alma. Não sei o que mais posso dizer, a não ser que, se tivesse de fazer de novo, não faria diferente.

— Vá dormir, Claire — disse Cole, com a voz calma e controlada. Apenas seus olhos ainda brilhavam com ira represada, lembrando a ela a consistência de aço liquido. — Já falei muito mais do que pretendia.

Claire desembaçou a janela e ficou observando a tempestade em andamento. Do lado de fora, o vento uivava, balançando as janelas.

Ela passou pelo segundo andar para dar uma olhada em Daisy, que dormia sem qualquer interferência daquela tempestade de começo de primavera.

— Sabe de uma coisa, Daisy? Você é uma garotinha muito sortuda de ter um papai como o seu.

Saindo do quarto, ela se encaminhou para a escada da área de serviço, em direção à cozinha. Pouco tempo depois, equilibrando um prato de biscoitos sobre uma caneca com leite fumegante, ela entrou na biblioteca. Um livro talvez fosse a coisa certa para ajudá-la a pegar no sono. Parou por um mo-mento na soleira da porta, forçando olhos e ouvidos para detectar algum sinal da presença de Cole. Mas tudo estava quieto.

— O que está fazendo aqui? Assustada pelo tom sombrio da voz de Cole diretamente atrás dela,

Claire girou subitamente nos calcanhares. A caneca de leite quente e o prato de biscoitos voaram de suas mãos. A caneca aterrissou com tal força que lançou o seu conteúdo para cima como um jato de mangueira.

— Oh...! — ela exclamou, ao sentir o liquido escaldante em contato com seus pés descalços.

Cole examinou a aflição de Claire com uma olhadela. Pegando-a nos braços, ele cruzou a sala com passos largos.

— Eu deveria ter sabido que não podia ter chegado assim, por trás de você.

A preocupação mudou seu tom de voz. — Eu pensei que você tivesse subido para dormir — ela sussurrou. — Eu cochilei na frente do fogo. — Cole a depositou no sofá à frente da

lareira. Depois, ajoelhando-se, examinou as queimaduras em seus pés, muito

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gentilmente. — Isto deve estar doendo muito. — Um pouco — ela admitiu. O choque inicial do susto estava

diminuindo, mas ela tentava resistir às lágrimas, à medida que a dor aumentava.

— Claire, eu sinto muito mesmo. É tudo culpa minha. Com a ponta do polegar secou uma lágrima perdida que rolava pelo rosto dela, apesar de seus esforços para controlar o choro.

— Eu não conseguia dormir — ela admitiu timidamente. — Shhh. — Cole impediu qualquer conversa adicional ao apertar o

indicador sobre seus lábios. — Eu sei exatamente o que fazer. Volto já. A dor a agulhava, queimando, ardendo, afastando todo o restante de

sua mente. Cole voltou minutos depois, despido da cintura para cima. Segurava sua camisa amarrotada, agora recheada de neve, em um dos punhos. Ajoelhando-se ao lado do sofá, ele dobrou a camisa cheia de neve, como se fosse uma bandagem gigante e a colocou sobre seus pés escaldados.

— Este é um remédio que aprendi quando era garoto. A respiração dela silvou ao primeiro toque da compressa gelada. — Acredite, Claire. Isto vai ajudar, mas tenha paciência. — Quanto tempo? — ela perguntou de forma dúbia, por entre os

dentes, que começavam a bater depois da seqüência de choque, dor e frio. — Não muito, eu prometo. Claire tremia violentamente, à medida que uma reação tardia se

instalava em seu corpo. — Meu Deus! Sou tão desajeitado. Só falta você pegar uma pneumonia,

graças a minha falta de cuidado. — Pegando o xale que estava caído no chão, ele cobriu os ombros dela. — Melhorou?

— Estou bem. — ela insistiu, mas não conseguiu fazer os dentes pararem de bater. — Não deve se preocupar comigo.

— Bobagem. Todos precisamos de alguém que se preocupe com a gente de vez em quando.

Sorriu para ela na forma geralmente reservada apenas para Daisy. Um sorriso que irradiava ternura, afeição. Um sorriso que acendia uma luz reconfortante por dentro.

Distraidamente, ele tomou uma das mãos de Claire e a envolveu com a sua, muito maior.

— Você está sempre ocupada cuidando de alguém. Desta vez, deixe alguém cuidar de você.

Incrível! Cole queria cuidar dela! Suas palavras faziam com que o peito de Claire doesse. Fazia muito tempo desde que alguém se oferecera para cuidar dela. — Tudo bem — ela concordou, relaxando o corpo nas almofadas. — Só um pouquinho, se não se importa.

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— O prazer é todo meu — Cole murmurou, com o olhar fixo no dela. Hipnotizada, Claire olhava para aqueles olhos cinzentos transformados em sombras.

Ele se levantou abruptamente. — O fogo apagou — disse, com a voz estranhamente rouca. — Acho que

é hora de colocar outra tora na lareira. Claire ficou observando o jogo de músculos e tendões por baixo da pele

bronzeada quando Cole se inclinou e colocou mais lenha na lareira. Ele cutucou a madeira com um espeto, provocando uma chuva de faíscas alaranjadas. As chamas gulosamente devoravam os pedaços de carvalho, com pequenas explosões, à medida que a madeira se expandia. Claire apoiou-se em um dos cotovelos, vagamente consciente de que seu olhar era tão guloso como as labaredas da lareira.

— Eu conheço outro remédio que pode ajudar a diminuir a dor. — Cole cruzou o aposento e parou diante de um armário. Claire ouviu o tilintar de cristal quando ele destampou uma garrafa e serviu uma generosa quantidade de um líquido de cor âmbar em um cálice enorme. Dirigiu-se a ela, vagarosa-mente, girando o cálice entre a palma das mãos e depois serviu a bebida. — Nada melhor do que uma boa dose de conhaque em uma noite fria.

— Não! — Claire protestou, balançando a cabeça de um lado para o outro, com vigor. — Eu nunca bebo...

— Abstêmia, hein? — Ele retorceu o lábio superior. — Não vai fazer mal, se, apenas uma vez, você fizer uma exceção a sua regra.

Ela olhava para a bebida em sua mão, com a fisionomia aterrorizada. Sabendo da fraqueza do pai e do irmão pelo álcool, alimentava o receio de que também tivesse herdado o mesmo problema.

O sorriso de Cole murchou, quando se deu conta da verdadeira razão de hesitação de Claire. Com o semblante sério, ele sentou-se na beirada do sofá.

— Você não é nada parecida com sua família. Acredite, Claire, você é tão diferente como o dia da noite.

— Eu sei que é tolice — ela confessou — mas me preocupa do mesmo jeito.

— Pense nisto como se fosse um remédio, se não se importa. Por favor, Claire — ele gentilmente insistiu. — Vou me sentir menos vilão.

Dessa vez, Claire aceitou. — Boa menina — aplaudiu, quando ela tomou um gole cauteloso. — Me

deixe contente e tome mais um pouco, antes que eu verifique as suas queimaduras.

— Afinal, isto não é tão ruim. — O que não é ruim? — Ele ergueu as sobrancelhas. — Dois pés

tostados?

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A dor diminuía, com as queimaduras latejando de forma constante, mas fraca. Em vez de dor, Claire sentia um torpor que lhe dava um sentimento de bem-estar.

— Não. Eu quis dizer o conhaque, assim como estar aqui quentinha e confortável em frente à lareira, com o frio e a tempestade bem longe, lá fora.

Cautelosamente, ela retirou a bandagem que Cole havia improvisado com a própria camisa. Ele tomou um dos pés de Claire pela parte inferior e, ignorando a respiração hesitante da jovem, o levantou para inspeção. Satisfeito com o que viu, repetiu a ação com o outro pé.

Acomodando-se no sofá, Claire inclinou-se para ver os próprios pés. — Obrigado por ter pensado rápido. Não acho que vai formar bolha. — Eu odiaria ver estes belos pézinhos com cicatrizes. — Olhando para

cima, o olhar de Cole fixou-se no dela. Seus olhos eram escuros e seu olhar misterioso e intenso. A emoção,

quente e selvagem, se agitava sob uma fina camada de civilidade. Sem palavras, Claire acariciou o lábio inferior com a ponta da língua. Aquele movimento desviou o olhar de Cole para sua boca.

Distraidamente, ele esticou o braço e puxou para o lado o denso cacho de cabelos loiros que cobriam parte do rosto dela. Demorou-se um instante para acariciar a suave curva de seu rosto.

— Sua pele é macia e suave como seda. Aquele toque mexeu fundo com ela.

— Eu... eu deveria ir para o meu quarto... — balbuciou Claire. Mas ela queria ficar, queria ser tocada. Queria ouvir elogios extravagantes.

Ele alisou toda a extensão do lábio inferior da moça com a ponta do polegar.

— Certo ou errado, eu quero você, Claire. Eu preciso de você. Nem imagina quanto.

Quer? Precisa? Aquelas palavras eram estranhas para ela. Assim como o desejo sem disfarce, que ele não se esforçava para esconder. Primitivo e cru. O desejo brotava nela também, agudo, repentino e violento. Naquele instante, Claire queria que Cole precisasse dela. Precisava ser querida. Tão básico, tão complexo.

Tão irresistível. — Sim — murmurou, inclinando-se para ele. — Sim — suspirou quando

os lábios de Cole subjugaram os dela. Provocou uma série de gemidos, à medida que seus lábios desciam pelo

contorno elegante de seu pescoço. Claire aconchegou-se ainda mais. Encorajado, Cole enlaçou sua cintura com os braços e a puxou para si, deixando-a sem equilíbrio. Juntos, os dois caíram para o tapete diante da lareira, com o peso dele amparando Claire.

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Os cachos dourados da jovem formavam cascatas sobre os dois, criando uma aura de intimidade. Com as mãos abertas, ele emoldurou o rosto dela.

— Não me lembro de jamais ter precisado tanto de uma mulher, como eu estou...

— Shhh... — Claire o silenciou com um beijo. — Sem promessas. Ele franziu a testa. — Mas, você... — Sem promessas — Claire repetiu suavemente. — E sem

arrependimentos. — Você tem certeza? Os olhos dela brilhavam, como se alimentados por uma luz interior.

Sorrindo, ela envolveu seus braços no pescoço de Cole. — Tenho certeza. O corpo de Cole tremeu quando a tomou em seus braços. A doce,

adorável Claire decidira entregar-se a ele livremente, sem falsas promessas ou mentiras entre eles. Não sabia o que havia feito para merecer presente tão maravilhoso, mas não tinha forças suficientes para recusar. Colocando a boca sobre a dela, beijou-a profundamente, com paixão.

— Cole — Claire gemeu, receptiva às carícias. — Calma, meu bem — ele a tranqüilizou. Ela abriu os olhos enfumaçados, sem foco e com as pálpebras pesadas. — Eu quero agradar você, mas não sei como. — Você faz com que eu me sinta como um adolescente. — Cole descansou a testa sobre a dela, esforçando-se para reaver um

mínimo de controle. Seria mais fácil segurar uma manada em disparada sobre uma ladeira cheia de neve do que conter aquela necessidade incontida que havia possuído seu corpo.

Ela acariciou os fortes músculos das costas de Cole. — Me diga o que fazer. — Não faça nada, meu bem. Voe comigo. — Me tome, Cole — ela murmurou, roçando seus lábios. — Me faça voar. E juntos decolaram. Sonolenta, Claire abriu os olhos e sorriu, repleta. Cole lhe devolveu o

sorriso com outro, preguiçoso, de sua parte. Sua mão descansava possessivamente sobre a curva da cintura dela. Estavam deitados, encarando um ao outro, diante do fogo reduzido a umas poucas brasas. Assim como as chamas da lareira, a paixão entre eles já não queimava intensa e brilhante, mas ainda irradiava calor.

Ele pegou sua mão e lhe beijou a palma. Diante daquele gesto inesperado, as sensações a fizeram pulsar novamente.

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— Pelo som, parece que a tempestade está piorando. Imagino que deve durar até mais tarde amanhã. — Repentinamente, seu ar de brincadeira ficou sério. — O que você acha, Claire? Vamos aproveitar esse tempo?

Claire o fitou, silenciosa e surpresa. Alegrou-se ao perceber que, assim como ela, Cole não pretendia terminar aquele interlúdio. Ele ainda a queria.

Cole devia ter notado a resposta refletida nos olhos dela, pois a tomou nos braços e dirigiu-se para a escadaria. Claire envolveu seu pescoço com os braços, curtindo a textura áspera de seu cabelo na nuca. Suspirando de contentamento, encaixou a cabeça no ombro dele.

Chegaram à porta do quarto dele, quando a bolha de otimismo que a sustentava estourou.

— Cole... As sobrancelhas escuras franziram-se levemente. — O que foi, meu bem? Não me diga que mudou de idéia. Você sabe

que não a forçaria a fazer nada que não queira. — Não, não. Não é isso — ela se apressou em responder. — É só que... Ele esperou, enquanto Claire tentava explicar sua repentina relutância. — Por algum motivo, me parece errado fazer amor na mesma cama que

dividiu com sua mulher. Suas palavras se atropelavam, na pressa de serem ditas.

O semblante de Cole relaxou. — Priscilla e eu dormíamos em quartos separados. Nunca dividimos a

mesma cama. Carregando-a para dentro do quarto, ele a depositou sobre a cama e

deitou-se, envolvendo-a em seus braços. As dúvidas e preocupações de Claire se espalharam como os flocos de neve que o vento jogava contra as janelas.

Capítulo VII

Claire flutuava em uma corrente de contentamento. Em suspensão entre o sono e o estado consciente, sua mente reencenava um episódio ocorrido nas horas entre a meia-noite e a manhã.

Em algum momento no meio da noite, a respiração quente de Cole soprou em seu rosto.

— Acordada? — Hum — ela murmurou, enquanto seu sangue começava a esquentar.

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Da escuridão, ouvia a sinfonia da natureza: o assobio do vento por entre galhos sem folhas, a bateria de partículas de gelo contra a janela. Por dentro. Entretanto, ela sentia o incrível calor do corpo forte de Cole envolvendo-a, como uma colher.

Ele havia acomodado a cabeça perto do pescoço de Claire, sentira seu pulsar acelerado na base da garganta, brincara com ela, a provocara e atormentara, até que a paixão se reascendesse e ganhasse força. Suspiros e juras sussurradas faziam contraponto à fúria da tempestade. Dessa vez, quando a penetrou, não houve dor ou desconforto, apenas uma explosão de prazer intenso.

Mesmo agora, horas depois, seu corpo estremecia com a lembrança de como a havia possuído.

Virando e deitando-se de costas, Claire espreguiçou. Abriu os olhos e examinou o quarto, com uma vaga sensação de desorientação. Saber que havia sido a única mulher a dividir a cama com ele lhe provocava uma sensação infantil de satisfação. Tentou se lembrar das palavras de Cole, na noite anterior. Príscilla e eu nunca partilhamos a mesma cama. A idéia a fascinava, mas, de repente, ela caiu em si. O fato de não partilharem a mesma cama não significava que não haviam dormido juntos. Afinal, a união dos dois havia produzido uma criança.

Os olhos de Claire localizaram o relógio esmaltado sobre o criado-mudo. Oito e meia! Ela ficou completamente alerta. Deveria ter se levantado antes. Daisy raramente continuava dormindo depois das sete horas. Pulando da cama, freneticamente procurou algo para vestir. Sua camisola havia desapa-recido. O desespero a fez pegar uma das camisas de Cole de uma gaveta da cômoda. As mangas se estendiam para muito além da ponta de seus dedos, e a barra até seus joelhos, mas a preocupação com Daisy era maior do que sua modéstia.

Descalça, disparou pelo corredor, em direção ao quarto. O berço estava vazio. A sua preocupação se transformou em pânico. Ela rodopiou e desceu rapidamente as escadas, ficando cada vez com mais raiva de si mesma. Havia negligenciado Daisy, novamente. Definitivamente não merecia ser chamada de babá.

Ela parou, quase caindo, quando chegou à cozinha. Cole estava ao fogão de ferro, fritando bacon, Daisy estava no cadeirão, sorrindo contente.

Cole virou-se, com um sorriso. — Bom dia. Um arrepio percorreu-lhe o corpo, quando o viu. Recém-barbeado, ele

vestia uma camisa branca engomada, com as mangas enroladas até os cotovelos, o colarinho desabotoado, revelando pêlos escuros. Apesar de não ter dormido muito, parecia descansado. E muito bonito.

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— Eu... — Claire ensaiou uma fútil tentativa de dominar o emaranhado de cabelos que lhe caíam sobre os ombros.

O sorriso de Cole diminuiu ao examinar o que ela vestia. Ele assobiou baixinho, em aprovação, enquanto passeava os olhos sobre suas bochechas coradas, seus cabelos, parando sobre as partes expostas das pernas de Claire.

— Você está apetitosa. — Desculpe, mas não consegui achar minha camisola. Por isso, peguei a

camisa emprestada. — Ela nervosamente tentava esticar a barra da camisa. Procurava se convencer de que estava sem fôlego por causa da correria pela casa, e não devido ao desejo estampado no olhar de Cole. — Eu raramente perco a hora. Geralmente, me levanto bem cedo. — Estava divagando, sem conseguir se controlar. — Nem posso imaginar o que deve estar pensando.

Um sorriso maroto brotou no rosto dele. — Meu bem, provavelmente eu poderia ser preso pelo que estou

pensando agora. As faces de Claire ficaram ainda mais vermelhas, tanto por vergonha,

como por prazer, principalmente pelo último. — Eu vou me vestir. — Não se apresse. Gosto de vê-la com minha camisa. Daísy, cansada

de ser ignorada, bateu com a colher na bandeja do cadeirão. — Está vendo? Até Daisy aprova a sua roupa. — Cole indicou a porta

dos fundos com a cabeça, com a voz em tom bajulador. — Estamos apenas nós três aqui hoje. O mundo é todo nosso.

Claire virou-se para a janela. Nem mesmo o estábulo podia ser visto através da pesada cortina de neve que caia, rápida e furiosa. Eles estavam envolvidos por um grosso casulo branco, nada tinha cor. Cole tinha razão. Ninguém sairia em um dia como aquele. O mundo era só deles. A idéia era muito tentadora.

— Já deve ter pelo menos meio metro de neve — ela se maravilhou. — E não parece que vai parar tão cedo. — Cole parecia sentir um prazer

incomum diante daquela perspectiva. Daisy sorria feliz, mostrando seu único dentinho. — Sente-se — ele ordenou, voltando ao fogão. — O café da manhã já

está quase pronto. Imagino que goste de ovos com bacon. Ela afundou na cadeira mais próxima. — Você fez mesmo a comida? — E fiz café. — Ele lhe serviu uma caneca do líquido fumegante. —

Tome. Por falar nisso, como estão seus pés? — Quase não sinto mais nada, graças a você. Devo admitir que isso é

uma novidade. O senhor é um homem de muitos talentos, Sr. Garrett. — Não me acreditou, não é, quando lhe disse que fui aprendiz de

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cozinheiro em um acampamento de lenhadores? — Ele mexeu o bacon na frigideira.

— Esta demonstração acabou com as minhas dúvidas. — Levantando uma das mãos, ela brincou com a auréola de cachos dourados na cabeça de Daisy. A criança parecia contente e livre de odores desagradáveis. Mesmo assim, o dever lhe agulhava a consciência. — Eu deveria estar cuidando de Daisy. Ela gosta de comer logo cedo.

— Sem querer me gabar, já lhe dei de comer e troquei sua fralda. — Cole lançou-lhe um olhar irônico, por cima do ombro. — Eu admito que tenho orgulho do que consigo fazer, mas confesso que aprendi alguns truques, observando você. As refeições de Daisy ainda são muito mais bagunçadas, quando sou eu quem lhe dá a comida.

— Eu percebi. — Claire riu, ao se lembrar da camisa multicolorida, manchada de legumes, de Cole.

Cole a observava por cima do ombro, com expressão cativa. — Você deveria fazer isso mais vezes. — Fazer o quê? — ela sorriu, por cima da xícara de café. — Eu acabei de me dar conta de como é raro ver você rir. Claire

desviou o olhar. Ultimamente, refletiu, com a vida mais cheia de problemas, ouvir Cole

estava lhe dando uma perspectiva totalmente nova. — Eu segui o seu conselho — ele disse, casualmente, servindo-se da

última fatia de bacon. — Meu conselho? — A idéia lhe agradava. — Eu anunciei por toda parte, até em Bay City e Saginaw, procurando

trabalhadores. Estou disposto a pagar vinte e cinco centavos a mais por hora do que a média.

— Acho que vão aparecer muitos interessados. — Nunca subestime o poder de Leonard Brock. Ele tem conexões em

todo o Estado e até o governador Croswell ouve, quando ele tem algo a dizer. — O que vai acontecer, se não conseguir homens suficientes? — Este inverno foi bastante produtivo. Tenho muita madeira estocada,

em toda a extensão das margens do rio, mas se não conseguir levá-la até a serraria em tempo, vou deixar de ganhar. Tampouco vou poder pagar o banco. Poderia me ver forçado a arranjar um sócio, ou, na pior das hipóteses, pedir falência.

Claire beliscou um pedaço de torrada. — Você vai conseguir. Tenho certeza. — Engraçado. Eu costumava ter toda a confiança do mundo. Nunca

duvidei que, se trabalhasse duro, se me mantivesse focado no objetivo, teria sucesso. Por algum tempo, acreditei que realmente havia conseguido realizar

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tudo que havia pretendido alcançar. De aprendiz de cozinheiro a madeireiro bem-sucedido. Agora — ele abriu os braços —, eu posso perder tudo. Isto me fez ver as coisas de um modo diferente. Fez com que coisas que já foram importantes parecerem inconsequências.

Ela se curvou e pôs a mão sobre a dele. — Você vai sair desta mais forte, Cole. Eu acredito em você. Enquanto Cole respondia cartas e fazia anotações em um caderno,

Claire brincava com Daisy sobre um cobertor no chão da biblioteca. Quando terminou seu trabalho, ele também se sentou no cobertor. Por acordo tácito, nenhum dos dois mencionava os problemas que se acumulavam do lado de fora das janelas congeladas.

Depois que Daisy tomou banho e adormeceu, os dois partilharam uma ceia tardia. Claire se estendia com a sobremesa, relutante em ver um dia tão perfeito terminar. Quando Cole foi buscar mais lenha, ela foi até a janela da sala de jantar e abriu as pesadas cortinas.

Absorvida em sua fantasia, não viu Cole esgueirar-se por trás dela para envolver sua cintura com os braços. Suspirando, ela se inclinou na direção dele. Não queria que isto terminasse jamais.

— Eu gostaria que tudo ficasse assim, como está — murmurou Cole, com seus pensamentos inconscientemente espelhando os dela.

Claire virou-se no abrigo de seu abraço e pôs o indicador sobre os lábios dele.

— Shhh... Não vamos estragar nossa última noite. O café estava amargo. Cole afastou a caneca, enojado. Provavelmente

era o fundo de um bule passado horas antes. O jantar não fora melhor. A refeição que seu secretário, Arthur Bowman, havia lhe trazido, antes de ir para casa, consistira de uma manta de molho frio sobre rosbife descongelado e pão velho. Mas ele não tinha a quem culpar pelo péssimo cardápio a não ser a si mesmo.

Aborrecido, atirou a caneta longe. Naquela altura, daria a mão direita por uma xícara do delicioso café de Claire. Ela havia até oferecido esperá-lo com uma refeição quente e ele também havia recusado. Burrice de sua parte. Claire cozinhava muito bem, tinha talento com crianças e era uma ótima companhia.

O comentário de Tim, naquela manhã, sobre como Claire seria uma ótima esposa, havia ficado gravado nele. Ele não gostava nada da idéia de Claire com outro homem.

Pegou a caneta e a colocou no tinteiro. Não havia conseguido terminar nem metade do trabalho a que se propusera. Durante todo o dia, seus pensamentos acabaram voltando para Claire. O sentimento de culpa lhe parecera um belo chute no traseiro, quando lembrara a fisionomia magoada

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que ela mostrara pela manhã, antes de conseguir dissimulá-la. Havia lidado mal com a situação. Tinha sido áspero quase a ponto de mostrar-se cruel. Em circunstâncias semelhantes, outras mulheres teriam feito cenas, ficado histéricas, mas não Claire. Ela tinha lidado com a situação com elegância.

Surpreendido por uma batida na porta do escritório, Cole praguejou quando uma bolota de tinta caiu em cima da caprichada carreira de números no papel a sua frente.

— Entre. O humor de Cole ficou ainda mais azedo quando viu Edward Tanner

entrar em sua sala. — Está fazendo hora extra, hein? — Tanner sentou-se sem esperar o

convite. — O que você quer, Tanner? Como pode ver, estou ocupado. Tanner cruzou uma perna sobre a outra. — Passei pela sua casa e a Srta. Sorenson me disse que talvez o

encontrasse aqui. — Bem, agora que me encontrou, diga a que veio. Tanner ignorou a

atitude rude. — Depois de nossa última conversa, fiquei com a impressão que

preferia trabalhar em casa. Cole recostou-se na cadeira e estudou o homem sentado a sua frente.

Os olhos profundos de Tanner eram escuros e astuciosos. E desconfiados. — Tenho certeza de que você não veio aqui para discutir meus hábitos

de trabalho. O que você quer? — A minha presença deixa você nervoso? Um homem inocente não

precisa esconder nada. — Não estou nervoso. Estou irritado. Há uma enorme diferença. — Fiquei imaginando se você se lembrou de alguma coisa, algum

pequeno detalhe, talvez, que possa esclarecer o assassinato de sua esposa. — Já falamos sobre isso antes. Já lhe contei tudo o que sei. — Na minha linha de trabalho, não é inédito que alguém se lembre de

um ou dois fatos pertinentes mais tarde. — Se eu me lembrar de alguma coisa de interesse, sei o caminho até a

delegacia — Cole lhe disse. A atitude condescendente de Edward Tanner nunca deixava de colocá-lo na defensiva. Resolvendo dar tempo para que sua raiva esfriasse, ele tomou um gole de café. Mas logo cuspiu de volta na xícara, fazendo uma careta.

O luxuriante bigode de Tanner retorceu-se, escondendo-lhe o sorriso. — Café assim tão ruim pode fazer mal. — Oh, vou me lembrar disso. — Por falar nisso, Garrett, sem Alma Dobbs por perto, imagino que você

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e a Srta. Sorenson ficaram com aquela casa enorme toda para vocês. O instinto de detecção de perigo acendeu-se em Cole. — Não vejo como isto seja de sua conta. — Comecei a pensar, é só isto. Ela é uma jovem atraente. Qualquer

homem que se preze pode ver isto. — Não estou gostando do que está dizendo, Tanner. — Cole ficou de pé,

com a rapidez de um raio. — Você tem uma mente suja. — Caso você tenha se esquecido, eu tenho um assassinato para

resolver: o da sua esposa. E minha obrigação ver o caso sob todos os ângulos. Pode ser que a tal Sorenson esteja gostando de você, talvez se imagine como a próxima Sra. Cole Garrett. Seria um belo golpe, se considerarmos de onde ela saiu. — Espremendo os olhos, ele fez um movimento amplo com as mãos. Posso ver as manchetes: Filha do bêbado da cidade se casa com o milionário da madeira.

— Isto é ridículo! — Cole cruzou os braços atrás das costas, para não agarrar Tanner pelo pescoço.

— É mesmo? — O rosto delgado do chefe de polícia continuava impassível. — Isto explicaria por que ela está disposta a fazer, digamos, qualquer coisa para salvar sua pele.

— Você está se agarrando a quimeras, e sabe muito bem disso. Cole sentia a raiva tomar conta de si, mas junto com ela, havia também

nuances de medo. O delegado estava tentando desacreditar a capacidade de Claire lhe fornecer um álibi, questionando seus motivos. O que viria depois? Será que ele sugeriria que os dois haviam conspirado para matar Priscilla? Aquele pensamento lhe gelava o sangue.

— Quando, e se, eu decidir me casar de novo, não será com Claire Sorenson.

— O que há de errado com ela? É bonita, de uma maneira discreta. Parece educada, fala corretamente. Você poderia achar coisa pior.

Era verdade, ele concordava em silêncio, Claire era tudo aquilo e mais ainda. Mas jamais admitiria abertamente que Edward Tanner tinha razão.

— Não tenho nada contra ela, pessoalmente, é claro — esclareceu, tentando fazer o sujeito parar de pensar em Claire. — Ela apenas não é o tipo que imagino como uma esposa. Um homem na minha posição procura certas qualificações em uma mulher, coisas como cultura, educação, e origem familiar.

— Falando mais claramente: outra como sua finada, mas não lamentada, esposa?

— Exatamente — Cole concordou. E, assim como havia sido com Priscilla, qualquer casamento daquele tipo seria sem dúvida um desastre colossal.

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— Sorenson é suficientemente boa para a cama, mas não para o altar? — Tanner levantou-se. — Acho que acertei a seu respeito, desde o princípio. Você gosta apenas de usar as pessoas.

A acusação de Tanner trouxe um rubor ao rosto de Cole. Ele sentiu os ombros tensos. Mas, mesmo com a raiva que sentia, era muito melhor que Tanner pensasse o pior dele, do que ficasse imaginando os motivos de Claire para tornar-se suspeita. — Não me entenda errado, delegado. Claire é uma ótima jovem. Tudo o que quis dizer é que somos de mundos diferentes.

— É verdade — Tanner grunhiu. — Você é rico e ela é pobre. — Já ouvi insultos suficientes para uma única noite. — Cole saiu de trás

da escrivaninha. — Prenda-me, Tanner, ou caia fora do meu escritório. Tanner parou à porta, e, com a mão na maçaneta, virou-se. — Por falar nisso, como foi que conseguiu se livrar de Alma Dobbs? — Se quiser saber, terá de perguntar a ela. — Talvez eu pergunte. — Com um sorriso sarcástico nos lábios, Tanner

se foi. Precisando descontar sua frustração, Cole chutou a porta atrás do delegado. O homem era como um perdigueiro perseguindo um cheiro. Ele iria revirar tudo, até encontrar um meio de culpá-lo pela morte de Priscilla. Depois, como um cão de caça bem treinado, ele iria direto para seu dono, neste caso Leonard Brock, balançando o rabo em busca de um afago distraído.

Cole abaixou a cabeça entre as mãos, sobre a mesa. Com esforço concentrado, fez seus músculos tensos relaxarem. Foi então que se deu conta do erro que cometera. Tanner, esperto que era, o havia conduzido a uma armadilha bem montada. Pensando na conversa que tiveram, Cole percebia que deixara de contestar a acusação do delegado de que havia dormido com Claire. Ele soltou um grunhido alto, ao dar-se conta de sua própria estupidez. No afã de protegê-la, ele a havia colocado em situação pior.

— Eu pude sentir o cheiro de algo assando, lá de fora. — Estou quase acabando. — Claire forçou um sorriso para esconder sua

consternação. Ela havia esperado terminar de lavar as últimas panelas e louças antes da chegada de Cole.

Era difícil agir como se nada tivesse acontecido, depois do dia anterior, em que ele lhe roubara o coração.

Ele viu os pães esfriando em uma bandeja. — Pão de banana? Claire voltou sua atenção para a pia. — Era usar as bananas ou jogá-las fora. Eu detesto desperdícios. Cole tirou as luvas e o cachecol de lã, arrancou o casaco e o jogou em

uma cadeira. — Está com um cheiro delicioso. Importa-se de eu provar um pedaço?

— É claro que não. Até parece que precisa da minha permissão.

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Se Cole detectou algo em seu tom de voz, não deu qualquer indicação. Com um sorriso, pegou um prato na prateleira e serviu-se de um generoso pedaço. O vapor subia do pão doce ainda quente e a fragrância predominante no ar era de frutas e nozes.

— Eu achei a versão do que meu secretário considera um jantar muito menos do que satisfatória.

— Você quer café, ou prefere chá? — Obrigado por oferecer, mas não se preocupe. — Ele sentou-se à

mesa, mas, em vez de comer, empurrou o prato para o lado. — Pare de esfregar panelas por um minuto. Precisamos conversar.

— Eu consigo fazer as duas coisas ao mesmo tempo. — Sente-se, Claire. Ela não podia se enganar sobre seu tom de voz. Não se tratava de um

pedido, mas de uma ordem. Sentada na beirada de uma cadeira, ela retorcia o pano de prato entre suas mãos.

— Nós já discutimos sobre nossa... situação. Se é isso que o está preocupando...

— Não faça isso! — Cole interrompeu-a, ríspido. Mas ao ver o choque no rosto delicado, abrandou o tom. — Eu não tenho a menor dúvida de que você cumprirá o nosso... acordo. Não é disso que quero falar.

Ela enganchou uma mecha de cabelo por trás de uma das orelhas com mão trêmula. O embaraço lhe coloria o rosto.

— Desculpe se me antecipei. Sobre o que você quer discutir? — São vários assuntos, na verdade. Em primeiro lugar, eu vou para os

acampamentos de lenhadores, depois de amanhã. Quero ver se já será possível fazer a rolagem da madeira pelo rio. As probabilidades são de que não voltarei até que tudo termine.

— Mas, a descida do rio... — Não se preocupe, eu sei me cuidar — Cole afirmou, cortando no ar as

objeções de Claire. — Já fiz este tipo de trabalho antes. Até já fui o líder de um grupo.

Ela mordiscou o lábio inferior. Não tinha direito de objetar, mas não conseguia deixar de se preocupar. Todos sabiam que trazer a madeira rio abaixo era a parte mais perigosa do negócio madeireiro. Muitas coisas podiam não dar certo...

Procurando tranqüilizar seus receios, pelo menos por aquele momento, ela lembrou:

— Você disse que tinha vários assuntos para discutir. Ele batucou na mesa com os dedos, limpou a garganta e evitou olhá-la nos olhos.

— Passei na casa de Alma Dobbs, no caminho para casa. — Sei — Claire murmurou, apesar de não entender nada. Afinal, sempre

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pensara que Cole não queria mais saber da tal mulher. — Ela volta amanhã para cuidar da casa. — O quê? Cole levantou uma das mãos para interromper seu protesto. — A única função de Alma será limpar a casa. Eu não quero que tenha

qualquer coisa a ver com cuidar de Daisy, sob nenhuma circunstância. Isso ficará totalmente em suas mãos. Se tiver que ir a algum lugar, poderá levá-la com você ou a deixará sob os cuidados de outra pessoa, entendeu?

— Não! Eu não entendo. — Claire colocou o pano de prato na mesa e perguntou: — Por que você a chamou de volta, depois que foi tão irresponsável com Daisy?

O queixo dele se comprimiu de maneira obstinada. — Porque... — Por quê? — Ela cortou. — E claro que Daisy é sua filha e que não me

deve nenhuma explicação, mas não posso deixar de imaginar o que o fez mudar de idéia.

Ele ficou de pé e andou de um lado para o outro da cozinha. — Não tenho outra pessoa a agradecer por mudar de idéia do que o

próprio chefe de polícia de Brockton, Edward Tanner. — Tanner... — Claire murmurou, e estremeceu com uma onda de medo.

— O que ele tem a ver com tudo isto? — Puxa vida, Claire! — Cole mudou o foco do assunto, de repente. —

Você não percebe que é a única coisa razoável a ser feita? As pessoas estão começando a mexericar sobre o fato de que estamos morando aqui sozinhos. Não quero que tenham a idéia errada. Alma vai servir de proteção, dar a im-pressão de respeitabilidade...

Ela sentou-se ereta e ficou observando Cole andar de um lado para o outro.

— Somos ambos adultos. Acho que podemos agüentar uns mexericos. — Chega, Claire. Não quero mais discutir esse assunto. Cole a

observava do outro lado da cozinha. — Há mais uma coisa que você precisa saber. Depois que deixei Alma,

passei pela casa dos Lamont. Claire esperou, enquanto seu futuro estava na balança. — Eu instruí Sophie a esperar até depois de trazer a madeira pelo rio,

antes de continuar com as entrevistas de babás. Eu também lhe disse que quero ter a oportunidade de falar pessoalmente com a mulher.

Cole saiu da cozinha, resmungando por entre os dentes. Claire não podia ter certeza, mas ela achava que havia ouvido ele dizer alguma coisa sobre cabelos brancos e quadris caídos.

Bem depois de ter lavado as formas de pão e de guardá-las, Claire

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ficara sentada na cozinha em penumbra. Ela não podia se livrar da insistente suspeita de que Cole não havia sido totalmente sincero a respeito de suas razões para chamar Alma Dobbs de volta. Ele não parecia ser do tipo que se preocuparia com fofocas. Por mais que tentasse, ela não conseguia se livrar da noção de que ele lhe estava escondendo alguma coisa. E aquela coisa tinha a ver com a visita de Edward Tanner.

— O rio está pronto para a madeira. Esta era uma frase que Claire já ouvira muitas vezes enquanto

empurrava o carrinho de bebê. Todo o gelo havia derretido e os rios e riachos estavam inchados de água, que corria forte e alta. O característico ruído das toras anunciava a chegada da rolagem da madeira pelo rio. Ao ouvi-lo, homens, mulheres, crianças, velhos e jovens, ricos e pobres, deixavam o que estavam fazendo e se congregavam nas margens do rio Brockton para apreciar o espetáculo. Em comunidades de lenhadores, como Brockton, o evento era equivalente à chegada do circo na cidade. Drama, aventura, atos de bravura que desafiavam a morte, e até a própria morte, eram oferecidos à platéia.

— Garrett está liderando — disse um homem com costeletas peludas, vestindo uma camisa xadrez e macacão.

À menção do nome de Cole, Claire parou para bisbilhotar, sem disfarçar. Inclinando-se sobre o carrinho, ela ajeitou o cobertor da criança.

— Não me diga... Garrett sempre foi o melhor homem na água que já vi. Ele consegue se equilibrar em cima das toras através das corredeiras como ninguém.

Equilibrando-se sobre os calcanhares, o homem das costeletas balançou a cabeça.

— Com todo o dinheiro que tem, era de se imaginar que ele ficaria em casa e deixaria os outros arriscarem a vida.

Claire distanciou-se. Ouvir aquilo só aumentava a sua apreensão. O que havia feito com que Cole se apresentasse como voluntário para liderar a rolagem?

Uma vanguarda de toras de pinheiro passou boiando, carregada pela forte correnteza. Logo um exército de toras viria atrás, a maioria delas medindo três metros de comprimento e algumas com mais de um metro e meio de largura. Protegendo os olhos do sol, Claire observou vários dos trabalhadores, armados com longos ganchos, agilmente direcionando a madeira pela água. Ela esperara ver Cole, mas ficou desapontada.

Claire manobrava o carrinho pelo terreno irregular e uma das rodas dianteiras ficou presa em uma raiz exposta.

Padraig Mulligan afastou-se do grupo de amigos com quem estava e foi ajudá-la. Tirando o chapéu, ele lhe dirigiu um largo sorriso.

— Devo dizer que você está em boa forma, Srta. Sorenson.

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— Sr. Mulligan — ela respondeu educadamente. Segurando o carrinho com maior firmeza, tentando soltar a roda da raiz, ao mesmo tempo que procurava não perturbar a criança.

— Me chame de Padraig. Espere, deixe-me ajudá-la. — Sem esperar pela resposta, ele levantou o carrinho e o colocou em terreno desobstruído.

A gratidão brigava com uma leve sensação de incômodo, mas finalmente venceu.

— Muito obrigada. Ele deu uma olhadela na criança. — Bonitinha. Claire tentou seguir seu caminho, mas ele bloqueava sua passagem. Ao

vê-lo, se lembrou de sua dívida com ele. Ou melhor, da dívida de Nils. O ar especulativo estampado nos olhos azuis de Padraig Mulligan a estava deixando desconfortável. Ele a olhava como um homem olha para uma mulher que considera atraente. Teria ele adivinhado a natureza de seu relacionamento com Cole Garrett?

— Tim O'Brien, empregado do Garrett, passou no meu bar e entregou o seu primeiro pagamento. — Ele tirou um grosso charuto do bolso do paletó, acendeu um fósforo na unha do polegar e baforou. — O seu irmão, por outro lado, não me pagou nenhum centavo, até agora.

Claire sentiu-se mal, ao pensar na possibilidade de ter de pagar o débito de Nils como garçonete.

— Tenho certeza que Nils vai encontrar emprego logo, e quando conseguir...

Padraig a interrompeu com um aceno de mão. — Pessoalmente, espero que não consiga. Suas palavras fizeram com que Claire franzisse o cenho. — Por que diz isso? — Simples, querida. — Padraig sorriu através de uma nuvem pungente

de fumaça. — Estou entusiasmado com a idéia de você vir trabalhar no meu bar. Daria um toque de classe ao local.

Piscando maliciosamente, ele voltou à companhia de seus amigos, deixando Claire olhando espantada para ele. Sem olhar para onde ia, quase atropelou duas senhoras bem vestidas.

— Hilda, querida, olhe o bebê. Claire reconheceu uma das mulheres, Hilda Schmidt. Em várias

ocasiões, ela tinha sido chamada para trabalhar em festas na casa dos Schmidt. A outra mulher, Martha Sims, estava envolvida em vários eventos beneficentes. As duas mulheres olhavam a criança. Daisy mostrou um de seus sorrisos de querubim para as duas.

— Que anjo! — Hilda exclamou.

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— Ela não é lindinha? — Martha deu uma leve beliscada na bochecha da criança.

As duas mulheres ignoravam a presença de Claire. — Se não me engano, ela é filha de Priscilla Brock. Ouvi dizer que a

batizou de... deixe-me pensar... — Ela bateu com uma luva na testa. — Sim, agora me lembro. Daisy. Este é o nome, Daisy.

— Nossa, mas que nome comum, você não acha, Martha? — É verdade. — Ela balançou a cabeça enfaticamente. — Eu pensaria

que a Priscilla escolheria um nome mais adequado para sua filha. — Estranho, não é? Esta criança não se parece nem com o pai, nem

com a mãe. Mesmo que Claire soubesse que era impossível que Daisy entendesse o

que as duas mulheres diziam, queria levá-la para longe daqueles comentários maliciosos. Desviando-se das duas, calada, ainda ouviu Hilda Schmidt comentar:

— Se não me falha a memória, esta criança não nasceu prematura?! Martha concordou com um gesto de cabeça. — Apenas com relação ao tempo que estavam casados. — Bem, querida, todas sabemos que bebês levam nove meses para

nascer. Menos o primeiro — Hilda retrucou, maliciosa. Furiosa, Claire empurrou o carrinho. Ninguém teria arriscado tais

insultos na presença de Cole, ou, por falar nisso, do avô de Daisy. Ela esperava que a criança não tivesse que enfrentar tais crueldades enquanto crescesse.

Quando chegou ao topo do morro, ela buscou um bom lugar para observar o que ocorria. As toras enchiam o rio, cada vez em maior número, retorcendo-se e apertando-se em busca de espaço na violência das águas.

Surpresa, ela avistou Nils debaixo da sombra de uma árvore alta, ali perto. Ele levantou a cabeça, quando ouviu o ruído do carrinho da criança. Apesar de não sorrir quando viu a irmã, também não recuou.

Outra surpresa logo aconteceu acompanhando a primeira, quando ela percebeu que o irmão estava sóbrio. Seus olhos estavam desanuviados, suas roupas não estavam amarrotadas e seus cabelos claros, apesar de compridos, estavam limpos e penteados.

— Você está com boa aparência, Nils. — Não posso reclamar. — Ele balançou os ombros estreitos. — O Garrett está tratando você bem? Ela imitou o gesto do irmão. — Assim como você, não tenho do que reclamar. Claire se aproveitou

da trégua instável para dar uma olhada em sua protegida. Não precisava ter se preocupado. Daisy estava dormindo profundamente.

— Ouvi dizer que Garrett está na frente da rolagem das toras. Se quiser a minha opinião, ele faz qualquer coisa para aparecer no meio da multidão.

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— Como está o papai? — Claire perguntou, decidida a não entrar em uma conversa que terminaria em discussão.

— O mesmo de sempre. O velho nunca vai mudar. — Talvez, Nils, mas ainda não é tarde demais para você. — Não me venha com mais um de seus sermões. — Você ainda é jovem — ela advertiu. — Você ainda pode transformar a

sua vida em algo que valha a pena. — Um aleijado não tem muitas opções. — Essa é uma desculpa esfarrapada para se tornar um bêbado

inveterado. A sua cabeça funciona perfeitamente. Ele olhou, sem graça, para a massa de madeira flutuante. — O velho está chateado por você não aparecer mais em casa. Nunca

tem comida e o lugar parece um chiqueiro, além da falta de dinheiro. — Você quer dizer que não há dinheiro para bebida. — Suas mãos

agarraram com força a barra do carrinho de Daisy. Claire respirou fundo. Era hora para Nils encarar a realidade. Estava

cansada de resolver as encrencas dele, de arrumar desculpas. — A verdade, meu querido irmão, é que não está sobrando dinheiro. — Por quê? O Garrett parou de pagar? A paciência dela se esgotava. Nils se tornara um parasita, um

sanguessuga, igual ao pai. Ambos se achavam no direito de serem adulados, cuidados... sempre tomando, nunca dando nada em troca. Nem mesmo carinho ou gratidão.

— Você nunca se perguntou por que Padraig Mulligan não manteve a queixa pelos estragos que você causou? — A voz de Claire tremia, com indignação mal reprimida.

— O Mulligan exagerou. Não passou de uma simples briga. — Bem, eu não consideraria simples o custo de repor um espelho de

quase dois metros de altura, que teve de ser comprado em Chicago. Nem o valor das garrafas de bebida que ficavam na frente do tal espelho. Isto sem mencionar a mesa e as cadeiras que foram destruídas. O total do prejuízo foi considerável.

Foi preciso que ela fizesse um tremendo esforço para manter a voz baixa, de forma que ninguém ouvisse.

— Você é tão idiota aponto de imaginar que o Sr. Mulligan perdoaria uma dívida deste tamanho, só por que ele é bonzinho de coração?

O rosto bonito de Nils se contraiu. — O Mulligan tem mais dinheiro do que precisa. Ele ainda deve ter

guardado o primeiro dólar que ganhou na vida. — Padraig Mulligan é um comerciante. Se eu não lhe tivesse garantido

que pagaria toda a conta, você ainda estaria dormindo em uma cela suja de

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cadeia. Ao ouvir a irada admoestação da irmã, Nils corou. — Você prometeu pagá-lo, não eu. Até onde me interessa, o problema é

seu. Sua raiva evaporou-se, deixando-a com o estômago embrulhado. A

dívida era só dela mesmo. Nils não tinha qualquer intenção de pagar Mulligan. Nem agora, nem nunca. Mas ela havia dado sua palavra ao sujeito e se recusava a voltar atrás. Por uma questão de orgulho pessoal, pretendia mostrar que era diferente do resto de sua família.

— Brigas acontecem o tempo todo nos bares. É um dos riscos do negócio. Sete anos de azar! — Nils riu, sem entusiasmo. — Eu é que deveria estar reclamando, e não o irlandês. Siga o meu conselho, mana. Ignore esse desgraçado, como eu. O que ele pode fazer?

O resmungo de Daisy foi uma distração bem-vinda. Claire deu a volta pela frente do carrinho e ajeitou o ângulo da cobertura que protegia a criança do sol.

— Está melhor, meu amor? — Claire perguntou à criança, que já acordara.

— Então, essa é a mimadinha do Garrett, hein? — O nome dela é Daisy — disse Claire, secamente. De seu ninho de rendas cor-de-rosa, Daisy devolveu o olhar de Nils com

outro olhar solene. Nils limpou a garganta. — Ela se parece com uma rosa. Em relação àquilo, Claire concordava com o irmão. A menina parecia

mesmo como um botão de rosa, fresco e perfumado. Cachos dourados brotavam por debaixo de um gorro tricotado que emoldurava o rostinho da criança. Suas bochechas redondas estavam coradas pelo sono, mas seus lindos olhos azuis estavam brilhando de curiosidade.

— Qual é a idade dela? — Nils perguntou, enquanto aproximava a mão, inseguro, para fazer um carinho em Daisy e ela agarrou-lhe um dedo.

— Ela acabou de fazer seis meses. Ele piscou. — Seis meses, é? Teria o vento empurrado as copas das árvores acima deles, fazendo

com que o sol ficasse bloqueado momentaneamente? Ou teria a cor sumido do rosto de seu irmão?

— Nils... — Preocupada, ela colocou as mãos nos ombros dele. — Você está bem?

— E estranho — ele resmungou. — Eu sempre achei que ela teria cabelos escuros, como a mãe... ou como o Garrett.

— As crianças nem sempre se parecem com os pais. Às vezes se parecem mais com um parente distante, como uma tia ou uma avó.

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Nils estava muito interessado em observar Daisy para responder. Claire riu quando Daisy tomou o dedo de Nils em sua boca e mordiscou,

fazendo-o sorrir. — Eu deveria ter avisado... Ela prefere dedos e não chupetas. Ainda com o olhar fixo na criança, ele sorriu amarelo, diante daquela

tentativa de bom humor. — Eu não entendo muito de bebês, mas ela é uma gracinha, não é? — É. Lindinha e bem geniosa também, não acha? Nils vagarosamente retirou o dedo da boca da criança e recuou. — Preciso ir embora. Claire olhou-o, surpresa. — Você não vai ficar para ver a madeira descer o rio? — Vou tomar uma cerveja. De repente, fiquei com sede. Claire

observou o irmão distanciando-se, em meio à multidão. — O que você acha que deu nele, pequenina? Parece que não conheço

mais o meu próprio irmão.

Capítulo VIII

Claire ainda estava pensando sobre o estranho comportamento do irmão, quando Sophie e James apareceram.

— Ótimo ponto de observação! — exclamou Sophie. — Vamos assistir daqui. Uma de suas mãos enluvadas segurava, possessiva, o braço do marido, enquanto a outra girava uma sombrinha de seda.

— Como quiser, querida. Apesar de gostar muito de Sophie, Claire honestamente admitia que, do

casal, quem mais chamava a atenção era James. Alto, em boa forma física, elegante, ele vestia casaco e colete de pele de camelo e calça de lã quadriculada, em tom mais escuro. O gosto de Sophie favorecia mais babados e pregas, nas cores vivas e chapadas que estavam tão na moda. Ao se comparar com Sophie, Claire sentia-se deselegante, com sua simples blusa branca, saia cinza e xale xadrez.

— Srta. Sorenson — disse James, tocando o chapéu em saudação. — Sr. Lamont — Claire cumprimentou. — Oh, James, olhe só para a pequena Daisy! — Sophie acariciou o

braço do marido, em uma demonstração de carinho. — Está vendo? Eu não lhe disse que ela é adorável?

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James olhou para a criança sem entusiasmo, obviamente mais para agradar a esposa do que por estar verdadeiramente interessado.

— Tenho que confessar: todos os bebês me parecem iguais. — Talvez a pobrezinha veja o pai, hoje à tarde. Cole está longe já faz

tempo, não é? — Seu tom carregava uma ponta de censura. — Tenho certeza de que o Sr. Garrett não ficaria longe da filha por

tanto tempo, se não fosse absolutamente necessário — Claire aparteou, compelida a defender a ausência prolongada de Cole.

— É claro que não — James completou, em voz suave. — Ninguém em controle da própria mente deixaria o conforto do lar pela selvageria de um acampamento de lenhadores.

— Está fazendo um dia lindo. Achei que seria uma ótima oportunidade para trazer Daisy para passear em seu novo carrinho. Ar fresco e a luz do sol fazem bem para os bebês.

— Admiro seu conhecimento de bebês, Claire. Você seria exatamente do tipo que eu chamaria para cuidar de um filho nosso. Você não acha, James?

— Com certeza, querida. A Srta. Sorenson seria a escolha perfeita. — É muita gentileza sua — murmurou Claire. O olhar de James Lamont se fixou nela por alguns segundos além do

devido, e sua voz denotava entusiasmo além do apropriado. Pelo olhar que Sophie deu ao marido, Claire se deu conta de que a mulher também o havia percebido.

— É verdade, Claire, que Cole faz parte do grupo da rolagem? — Assim como o senhor, também ouvi dizer que sim. — Não posso dizer que aplaudo sua decisão. — A boca de James se

retorceu, mostrando que não aprovava. — Ele não precisa sujar as mãos em acampamentos de lenhadores. Ele está acima de operários que ganham um dólar e meio por dia.

Sophie concordou de forma tão enfática que as penas de seu chapéu, desenharam um bale no ar sobre sua cabeça.

— Se ainda estivesse viva, Priscilla teria ficado mortificada ao saber que Cole havia se rebaixado ao nível de trabalhadores desqualificados.

— Desqualificados dificilmente descreve o trabalho deles, querida Sophie.

— Por favor, Sophie — advertiu James. A Srta. Sorenson vai pensar que você é o pior tipo de esnobe.

Ouvir a conversa dos Lamont tinha sido uma aula para Claire. Ela sentia que estava vendo, por baixo do verniz da sofisticação, o verdadeiro caráter escondido. Em sua opinião, os dois eram esnobes e se mereciam.

— Eu acho admirável que o Sr. Garrett se disponha a trabalhar junto com seus empregados. Fazê-los saber que qualquer trabalho honesto é

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importante, não importa quão trivial possa parecer para alguns. Sophie olhou para Claire como se ela, de repente, tivesse duas cabeças.

James recuperou a pose mais rapidamente do que sua mulher. — Não entenda mal, Claire — ele disse, usando o mesmo tom

persuasivo que usaria para convencer um júri. — Nós achamos que, assim como outros homens que subiram na vida à custa de muito trabalho, Cole merece elogios. Como um cliente valioso, tenho a maior estima por ele. Sophie entendeu o marido.

— Eu admiro Cole, de verdade. Talvez tenha sido uma bobagem minha repetir o comentário de uma amiga querida. Priscilla apenas queria que ele fosse mais... gentil. Como o meu James — ela acrescentou, olhando com orgulho para o marido.

— Lá vem ela! Em pouco tempo, toda a superfície do rio, de margem a margem, se

transformara em uma massa ondulante de toras de pinho. — Corredor em ação. Claire sentiu uma agulhada de excitação, ao ouvir aquela expressão

familiar. Ela examinou a cena com entusiasmo, buscando o valente lenhador que, com passos firmes como os de um esquilo, podia correr pela superfície de toras que mal sustentavam seu peso.

— Olhem! — exclamou Sophie, apontando para uma figura que mal se equilibrava em uma pequena tora.

Claire engoliu em seco. — Cole! — Não pode ser. — Apertando os olhos, James se inclinou para poder

ver melhor. Mas, apesar da barba cerrada e da roupa surrada, Claire o reconheceu

num instante. Ele tinha certa fluidez de movimento e o queixo arrogante que eram mais característicos dele do que sua própria assinatura.

— Mal posso acreditar! — James exclamou com uma ponta de admiração. — É ele!

— Será que Cole não sabe que já está chegando na barragem? — Sophie perguntou.

— A barragem... — Um pouco adiante havia uma queda d'água de quase um metro. — Ele tem de saber que já está perto.

Bem na hora em que a tora em que Cole se equilibrava parecia pronta para afundar, ele pulou para outra. A multidão aplaudia, deliciada com o espetáculo de coragem. Respirando rápido, Claire relaxou as mãos que apertavam a barra do carrinho.

— Claire, querida, você está bem? — O rosto simples de Sophie estampava um olhar de preocupação. — Você parece que viu um fantasma.

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— Estou bem. A cada minuto, Cole se aproximava mais da barragem. Apesar de não

ser uma queda muito grande, qualquer passo em falso, qualquer movimento errado no rio coberto pelas toras podia ser catastrófico.

— Vejam isto, senhoras. —James se adiantou para desobstruir a própria linha de visão.

Cole desapareceu. Alguns agonizantes segundos depois, ele reapareceu na linha de visão do grupo, triunfantemente navegando sua tora entre a malha de outras toras que a precederam. Os espectadores nas margens do rio aplaudiram entusiasticamente. Claire soltou o ar represado e ficou imaginando quanta excitação seu pobre coração podia agüentar.

Sophie riu com prazer. — É isto que faz todos voltarem, ano após ano. Eu sempre digo a James

que assistir a isto é muito mais emocionante do que ver uma velha peça embolorada em um teatro. Onde mais se pode ver um verdadeiro drama de vida e morte?

O rio parou de mexer. Cole sentiu o que acontecia nos próprios ossos, no exato momento em

que aconteceu. Em seguida, sentiu o nó gelado do medo. As toras estavam presas. Era o pior que podia acontecer durante a rolagem. E a mais mortífera.

Enquanto ele olhava, uma tora maciça saltou no ar e enroscou-se em outra tora que já bloqueava o rio. Ao comando gritado por Cole, homens se apressaram em desprender a madeira com seus ganchos de pontas de ferro. Antes que conseguissem, entretanto, outras toras que vinham em disparada pela correnteza se acumularem sobre ela.

— Maldição! — Cole praguejou baixinho. Ele havia enviado uma equipe na vanguarda para inspecionar cada

centímetro do leito do rio e localizar possíveis obstruções. Eles haviam garantido que o caminho estava livre. E agora, isto...

Mesmo com seus ratos de rio trabalhando a todo vapor, toras de cinco metros de comprimento começavam a formar um amontoado perigoso. Espectadores ao longo de ambas as margens gritavam conselhos. Um dos ratos de rio, um homem chamado Frenchie, fora momentaneamente distraído pela comoção. A tora em que se equilibrava começou a rolar e depois a girar. Seus pés lutavam freneticamente para manter o controle, mas nem as botas de cravos de ferro podiam salvá-lo. Com os braços abanando, ele caiu de costas dentro da água gelada. Sua cabeça bateu em uma tora atrás dele com um ruído assustador. Um mar de pinho se fechou sobre ele, impedindo que escapasse.

— Você, Iverson — Cole gritou. — Tire ele da água. Cole já estava correndo sobre a confusão de toras empilhadas. Os homens mais próximos se

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apressavam em ajudar. — Peguei ele, chefe. — Iverson puxava na ponta de seu gancho. Por

pura sorte, ele tinha conseguido enganchar a ponta curvada da ferramenta no colarinho do colega. Frenchie emergiu parecendo um peixe grande demais, inconsciente e com a cabeça sangrando.

— Bom trabalho — Cole falou para Iverson, e virou-se para os outros que vinham em socorro. — Temos de tirá-lo daqui, depressa.

— Está quase lá, chefe — avisou Eugene Leduc. No momento em que soltaram Frenchie, a massa de madeira mudou de

posição. Uma enorme tora passou com força, impelida pela enorme pressão que vinha detrás, batendo no braço do homem ao passar.

O espantoso estalar de ossos se quebrando foi ouvido por quem estava nas margens.

— Leduc, tire ele daqui. Iverson, vá buscar o Doe Wetherbury. Leduc e Iverson se apressaram para obedecer às ordens de Cole. Na

condição de líder do grupo, ele sabia que era sua obrigação controlar aquela confusão. E controlar logo. Quanto mais tempo a obstrução continuasse, mais difícil seria desfazê-la. Ele se lembrava do ano anterior, quando o rio Jump ficara obstruído por treze milhas. Ainda circulavam histórias do Red Cedar, que ficou obstruído com uma pilha de toras de dez metros de altura. Estas obstruções podiam levar dias, até semanas, para desfazer.

Algumas delas fabricavam viúvas. Os homens mudaram de direção e atacaram a tora indicada por ele.

Cutucando, levantando, cortando puxando. A tarefa continuava. A obstrução, entretanto, ficava pior.

Cole limpava o suor da fronte com a manga da camisa xadrez. Da beirada da massa de toras, ele analisava a situação e avaliava suas opções. Algumas vezes, as obstruções se desfaziam por si mesmas. Mas, ultimamente, a sorte não havia estado do seu lado. Ele não tinha nenhum motivo para imaginar que as coisas estavam para mudar. Olhando por sobre o ombro, para a margem do rio, seu olhar cruzou com o de seu ex-sogro.

Leonard Brock, mastigando seu sempre presente charuto, estava cercado por bajuladores. O grupo incluía Edward Tanner. Com um sorriso de satisfação em seu rosto avermelhado, Brock calmamente enfiou a mão no bolso do colete e tirou um relógio de ouro.

— Tique-taque — ele resmungou. Mesmo de longe, Cole podia ler seus lábios. Brock não escondia o fato

de que se deliciava vendo Cole naquela encrenca. A rolagem das toras estava praticamente paralisada, com o tempo como inimigo. Conseguir um bom preço pela madeira significava entregá-la nas serrarias antes do mercado ser inundado e dos preços despencarem. Ele podia perder tudo. Ele seria

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considerado incompetente, ridicularizado, e de volta aos acampamentos de lenhadores, onde havia começado. Brock comemoraria, se isso acontecesse.

Ele virou-se para voltar a sua tarefa, quando uma mulher de pé sob uma árvore na margem chamou sua atenção. Claire. Ela se destacava, mesmo em uma multidão. Um único e brilhante diamante, no meio de um amontoado de vidro colorido.

Ao vê-lo, ela sorriu. Mas, diferentemente do sorriso de Brock, o dela irradiava encorajamento, confiança. Carinho. Renovara-lhe a segurança em si mesmo, quando ele começara a duvidar dela. Cole sorriu de volta e se voltou ao trabalho.

— Smith — ele gritou. — Vá pegar os cavalos e bois. Leduc, traga o cachorro. Estamos perdendo tempo.

— Cole já deve estar ficando desesperado. — Sophie Lamont distraidamente girava o cabo de sua sombrinha.

Eles haviam assistido quando o "cachorro", um aparato que consistia de uma corda grossa com dois pesados ganchos de ferro no centro, fora esticado por sobre a água. Sob a supervisão de Cole, os ganchos foram presos à tora causadora da obstrução e enganchados a bois, em uma das margens, e a cavalos, na outra. Durante uma hora, homens e animais batalharam para desfazer a obstrução. Os animais trabalhavam nas margens do rio, alternando-se entre puxar e empurrar, depois mudando de direção, para começar tudo de novo. A massa de madeira teimosamente resistia.

James balançou a cabeça, com ar sábio. — Se isto não funcionar, Cole terá de dinamitar. Os donos de serrarias

não vão ficar felizes se isso acontecer. Eles não vão querer que seus lucros de inverno sejam transformados em uma pilha de lenha.

Não querendo nem contemplar tal possibilidade infeliz, Claire dirigiu sua atenção para Daisy, que havia começado a se agitar. Felizmente, a garotinha se dava bem com o ar fresco e havia dormido a maior parte da tarde. Mesmo assim, Claire estava feliz por ter trazido lima mamadeira extra. A rolagem não mostrava sinais de que terminaria logo.

— Fique quietinha, meu bem — ela sussurrou. — O papai vai arranjar um jeito de arrumar isto.

Ao se abaixar e pegar a criança, Claire sentiu que um olhar pairava sobre ela. Ela tentou ignorar a situação, mas o sentimento persistia. Um arrepio em sua nuca a incomodavam. Examinando a multidão de espectadores, ela encontrou Leonard Brock, que a observava, com o olhar fixo. Instintivamente, abraçou a criança com força. Se o homem desejasse ver a neta, ela não poderia recusar-lhe. Até então, ele não demonstrara interesse na filha de sua filha. O alivio se misturou com confusão, quando ele não fez nenhuma moção de se aproximar. O olhar do homem era frio, quase hostil, e

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reservado exclusivamente para Claire. — Olhem! — James exclamou. — Eu acho que Cole está quase

conseguindo. Claire desviou o olhar de Leonard Brock de volta para o que ocorria no

rio. A multidão estava quieta, alerta. Uma única tora mantinha as outras presas.

— Algum voluntário? — Cole perguntou. Ninguém olhava para ele. Nenhum se adiantou.

— Ele é o chefe — Sophie falou baixinho. — Por que ele simplesmente não manda alguém fazer isso?

— Por que Cole sabe que quem cortar aquela tora em duas pode morrer — respondeu Claire docemente. — Ele não quer carregar uma morte na consciência.

De mau humor, James tossiu enojado. — Este tipo de trabalho não é para covardes. Quem se habilita, tem que

enfrentar os desafios. Antes que ela pudesse responder, Cole enrolou uma pesada corda

debaixo dos braços. Um grupo de homens segurava de um lado, pronto para puxá-lo em segurança se fosse necessário. Cole se dirigiu para o centro da obstrução. Ele pulava de uma tora para a outra, com a agilidade e graça de um artista de circo. Daisy se agitava no abraço apertado de Claire.

— Desculpe, meu bem — ela murmurou, as sentindo palavras engrossarem em sua garganta.

— Pensem, senhoras — James falou em voz baixa. — Um pedaço de pinho segurando toneladas de projéteis flutuantes. Nunca se sabe o que vai acontecer se ele se soltar.

Ninguém falou quando Cole levantou seu machado. O único som ouvido foi o do aço mastigando madeira.

Claire esqueceu-se de respirar. O corte se aprofundou sob seguras e ritmadas machadadas. Quando chegou à metade, o som alto de madeira lascando ecoou pelo silêncio. Cole parou, pronto para pular assim que necessário, mas a tora resistia. Mais uma vez, ele levantou o machado bem alto e bateu. Com um ruído de trovão, a parede de toras cedeu. Empurradas pela tremenda pressão da água, pedaços de pinho se precipitaram para frente, como palitos de fósforo.

Na seqüência, não havia sinal de Cole. — Onde está Cole? — Acho que morreu. — Ninguém iria sobreviver a isso. Claire ouvia os comentários, como se em transe. Cole sacrificara sua

vida por um rio cheio de toras de madeira? Ela não tinha consciência das

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lágrimas que lhe escorriam pelo rosto. Alguém apontou com a mão. — É ele lá embaixo? O olhar de Claire voou na direção que o homem indicava. Ela

vislumbrou uma manga de camisa xadrez, segundos antes de ela desaparecer sob aquele mar de toras.

— Por favor, meu Deus — ela murmurou — Puxem a corda! — Leduc exortava seus companheiros ratos de rio. —

Puxem! Com toda força! Os homens puxavam. De repente, em bloco, recuaram. Sem nada. A

corda que havia sido amarrada em vota de Cole voltara vazia. A multidão olhava, sem acreditar. Claire colocou a mão sobre a boca, para reprimir os soluços.

— Ele não conseguiu. O anúncio do velhinho ecoava o consenso dos que assistiam. Cole

estava preso sob toneladas de madeira. Sua sorte era a mesma de um homem preso sob uma camada sólida de gelo. Sem saída, sem ar, ele estava condenado.

Claire notara vagamente um burburinho de atividade na outra margem do rio. Ela então viu que pessoas se aglomeravam, e aquelas cores vindas de todas as direções, formavam um caleidoscópio.

— Por Deus... — O velho lenhador deu um tapa no joelho. — É ele! Todas as atenções focalizaram uma figura toda molhada que se

arrastava pela lama da margem do rio. Piscando contra as lágrimas, ela viu que era Cole. Machucado, arranhado, sangrando, mas, fora isso, parecia estar bem.

Em segurança. Seus joelhos estavam prontos para desabar. Ela rezou em silêncio,

agradecendo a graça, enquanto beijava o alto da cabeça da criança. — Está vendo, pequenina? — sussurrou. — Eu lhe disse que seu papai

iria resolver tudo. A multidão fez um coro de aprovação, que foi quase coberto pelo ruído

da água e das toras soltas. Um amigo de James se aproximou e o cumprimentou. Os dois homens deram tapinhas nas costas um do outro, como se tivessem sido eles que tivessem acabado com a obstrução. Juntos, os dois se afastaram, deixando as duas mulheres para trás, enquanto iniciavam uma animada discussão sobre os perigos da rolagem de toras.

— Claire... — Sophie tocou seu braço de leve. — Você não parece bem. Talvez devesse se sentar.

Claire limpava lágrimas que não se lembrava de ter chorado. — Eu pensei que Cole havia morrido.

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— Cole? — Sophie ergueu uma sobrancelha. Claire levou um momento para perceber seu erro.

— Eu disse Cole? Eu quis dizer Sr. Garrett, é claro. Você tem razão, eu não estou bem. Desculpe-me se eu pareci muito informal. Eu estava tão preocupada...

— Não precisa se desculpar, querida. — Sophie lhe deu um tapinha tranqüilizador no braço. — Calma, calma. Não quis ser dura com você. — Ela fez uma pausa e depois perguntou: — Você não estaria apaixonada por ele, hein?

— Não, é claro que não! — Até para ela mesma, a negação havia saído muito depressa, muito veemente. — Isso seria uma bobagem da minha parte. Eu simplesmente cuido da filha do Sr. Garrett. É verdade, eu me preocupei que ele pudesse ter morrido, mas só por causa da Daisy.

— Daisy? Virando-se, Claire colocou a criança de volta no carrinho. — Naturalmente, eu estava preocupada com o que aconteceria com ela,

se alguma coisa ocorresse com o Sr. Garrett. O avô dela não mostra qualquer interesse.

— É verdade. Certamente, mas não saberia explicar o porquê. James e eu somos os padrinhos da Daisy. Se, Deus o livre, algo acontecer com Cole, estamos prontos para dar as boas-vindas a Daisy em nossa casa e criá-la como se fosse nossa.

— E muita generosidade sua. — Eu tenho certeza de que Priscilla gostaria que fosse assim. Afinal,

éramos como irmãs. — É ridículo imaginar que poderia haver qualquer coisa entre o Sr.

Garrett e eu. Quando o momento vier para ele procurar outra esposa, ele irá escolher uma como sua primeira.

— Talvez sim, talvez não. — Sophie apertou os lábios e considerou o assunto. — Enquanto há considerável mérito no que você acaba de dizer, tenho observado que os homens, muitas vezes fazem escolhas estúpidas, quando o caso é mulher.

— Os nossos mundos são totalmente diferentes — disse Claire, repetindo a frase que dizia a si mesma o tempo todo. — Você certamente conhece a reputação de meu pai e de meu irmão.

Ainda perturbada pelos eventos daquela tarde, Claire logo foi embora com Daisy. Mais tarde, ela não conseguia se lembrar se havia se despedido de Sophie. Ela sem dúvida sabia que havia revelado mais sobre seus sentimentos do que pretendera. Havia detectado suspeita, e depois confirmação, nos espertos olhos castanhos da mulher.

Três dias haviam se passado desde a rolagem da madeira pelo rio. Cada

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vez que Claire pensava no assunto, seu coração disparava e seu peito ficava apertado. Ela tinha vontade de gritar. Cole havia arriscado demais. Como líder, deveria ter mandado outro trabalhador se arriscar. Quando pensava que ele poderia ter morrido, parte dela morria, também.

Daisy gargalhava e soltou ensurdecedores gritos de alegria quando Claire fez de conta que o patinho a mordia.

— Parece que você está se divertindo — uma voz familiar comentou da porta do banheiro. — Qualquer um pode brincar?

Claire estava surpresa. Cole encostou-se no batente da porta. Se aquilo era possível, ele estava ainda mais desarrumado do que da última vez que o vira. Exceto pelas botas impermeáveis, ele ainda vestia as mesmas roupas que usara no rio. Um pirata extraordinariamente masculino. Ele simplesmente lhe tirava o fôlego.

Seu efeito sobre Daisy era exatamente o contrário. Quando ele se aproximava da criança, seu lábio inferior tremia e seus olhinhos se enchiam de lágrimas. Seus braços se esticaram na direção de Claire.

Claire enrolou a aterrorizada Daisy em uma toalha, depois de tirá-la da banheira.

— Tudo bem, tudo bem, docinho, está tudo bem. Preocupado com a reação da criança, Cole afastou-se.

— Qual é o problema? Ela está com dores? — Seja paciente com ela, Cole. Você está diferente. Daisy timidamente

olhou para o homem que tinha o som de seu pai, mas parecia um estranho. — Está com saudade do papai? Ao primeiro contato, Daisy tirou a cabeça e gritou. — O que foi que eu fiz? — Intrigado, Cole balançou a cabeça. — Já a vi

sendo mais amigável com gente totalmente estranha. — Os bebês passam por diferentes fases. — Claire consolou a criança

até que seu choro diminuiu um pouco. — Ela ainda não tem certeza sobre quem você é.

Ele esfregou a mão arranhada e calejada sobre o queixo barbado. — Acho que estou mesmo um pouco diferente. — Consideravelmente. Ele sorriu ao ouvir o tom da voz dela. — E você, Claire? Você me reconheceu? Ela não titubeou. — Eu reconheceria você em qualquer lugar. — Um esboço de sorriso

passeou pelo seu rosto e ele encaixou uma mecha de cabelo molhado por trás da orelha de Claire. — É bom estar em casa.

Ela desejava se jogar nos braços dele, aconchegar-se ao peito viril, ouvir as batidas ritmadas do coração dele. Queria confessar que havia sentido sua falta, que havia tido medo por ele. Que o amava. Mas não fez nada

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daquilo. — Ela ficará melhor depois que você tomar um banho e mudar de

roupa. Passando os dedos pelos cabelos desgrenhados e compridos demais,

Cole sorriu sem graça. — Eu acho que vocês duas estão sugerindo que preciso fazer a barba.

Mas você é muito mais sutil do que minha filha. Vejo vocês duas depois de me tornar apresentável.

Claire observou-o enquanto ele se afastava. O choro de Daisy havia se transformado em soluços. Usou a ponta da toalha para secar as lágrimas da garotinha.

— Ora, pequenina... — ela brincou gentilmente. — Você realmente deu as boas-vindas ao seu pai, não é? Boas-vindas que ele não esquecerá tão cedo.

Ao ouvir a repreensão, o lábio inferior de Daisy tremeu. — Ainda está assustada? — Claire carinhosamente escovava os cachos

molhados de Daisy. — Vamos secar você, pequenina. Quando Cole entrou no quarto da criança, pouco tempo depois, ele

sentiu tamanho conforto e paz por estar de volta ao lar que ficou surpreso. Claire estava sentada em uma cadeira de balanço segurando uma Daisy corada e sonolenta que sugava pacificamente a mamadeira. Um quadro perfeito. Uma família perfeita. E não tinha nada a ver com riqueza, posição social ou ambição. Em determinada época, ele pensara que alcançaria o topo do sucesso, ao casar-se com Priscilla Brock, ao mudar-se para sua bela nova casa e montar uma família. Ele tinha tudo. Uma família perfeita, uma vida perfeita. Em algum lugar, de alguma forma, suas prioridades haviam mudado. Ele era mais sábio agora, mas... Teria a sabedoria vindo muito tarde? E a que preço?

Daisy virou-se. Seu rostinho iluminou-se com um sorriso quando viu o pai.

Cole sorriu, agora era o pai orgulhoso. Aquela pequena criatura havia se transformado, sem esforço algum, no centro de sua vida. Ele faria qualquer coisa por sua segurança. Queria vê-la crescer e tornar-se uma jovem feliz e saudável. Alguém que fosse tão bela por dentro, como já o era por fora. Alguém como... Claire.

Ele pigarreou, tentando controlar as ondas de emoção e depois entrou no cômodo. Sem dizer nada, ele se inclinou e pegou sua filhinha no colo.

Cole sabia que bebês da idade de Daisy não podiam falar. Sabia que os ruídos que ouvia eram sons que não significavam nada. Mesmo assim, não conseguia reprimir a alegria que lhe provocavam.

— Esta é uma maneira muito melhor de saudar seu papai, Minduin. Claire levantou-se da cadeira de balanço e esticou o avental amassado.

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— Muito bem — ela disse, dirigindo-se para a porta. — Se não precisar de mais nada...

— Bem, tem uma coisa que pode fazer para mim. Claire parou e olhou-o com expectativa.

— Eu ainda não jantei. Se não for muito incômodo, será que você poderia me preparar um sanduíche, ou alguma outra coisa? — Ele sabia que não devia fazer aquilo. Que não tinha direito de lhe pedir qualquer coisa. Nem mesmo um simples favor.

— Não é incomodo nenhum. — Outra coisa, Claire. Pode me esperar lá embaixo. Eu quero falar com

você. — Pois não. — Eu gostaria que me contasse tudo que aconteceu enquanto estive

fora. — Nos vemos lá embaixo. — Depois que Claire desceu, Cole ficou

sentado, ninando Daisy enquanto ela terminava a mamadeira. As pálpebras da criança pestanejaram e, depois, se fecharam.

Quando Daisy passou a dormir profundamente, Cole a colocou no berço e desceu. Encontrou Claire na cozinha. Ficou parado por um momento, contente apenas por vê-la. Ficou imaginando como seria tê-la nos braços valsando.

— Tinha um pouco de frango assado e salada que a Alma fez — ela disse sem se virar.

— Parece ótimo. — De repente, ele estava faminto. — Você quer café ou chá? Também tem leite, se preferir algo gelado. — Leite — ele respondeu. Ela colocou um copo de leite sobre a mesa e se afastou um pouco. — Sente-se, por favor. — Mostrou a cadeira ao lado da sua. — Faça-me

companhia. — Você disse que tinha coisas para discutir comigo. — Com óbvia

relutância, Claire sentou-se. Cole ressentia-se ao vê-la tão distante, quando já haviam sido tão

íntimos. Mas entendia que ele mesmo era o motivo das barreiras que ela havia levantado.

— Converse comigo, só isso. — Não há muito que contar. — Ela fitava os próprios dedos cruzados

sobre o colo. — O que é que você quer saber? — Qualquer coisa, tudo. — Ela podia recitar poesias infantis, não faria

diferença. — A Alma e o Tim estão bem. Ela chega todos os dias às oito da manhã

e vai embora pontualmente às quatro da tarde. Quase não conversa. Eu acho

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que ainda não me perdoou por ter deixado Daisy com ela, quando Nils estava preso.

— Ela vai esquecer. Não deixe que isso a incomode. — Comeu o que sobrara da salada de batata e terminou o leite. — O que o Tim tem feito, nestas últimas semanas?

— Ele... procura se manter ocupado. Cole notou que ela hesitara antes de responder. — Claire — perguntou baixinho. — Tem alguma coisa que você quer me

contar? — Tim andou perguntando se você aceitaria um dos gatinhos de Gertie,

como animal de estimação. — Ela umedeceu o lábio inferior com a ponta da língua e, ignorando o ar de surpresa de Cole, prosseguiu: — Eu levei Daisy para ver os gatinhos, enquanto você esteve fora. Ela ficou absolutamente fascinada. Animais domésticos são excelente companhia para crianças.

— Um gatinho? Claire concordou, com entusiasmo. — Há seis para escolher. São todos adoráveis. Cole se recostou na cadeira, avaliando a possibilidade. — Eu nunca tive um animal de estimação. — Nem eu — ela confessou. — Devo admitir que não entendo nada de gatos. — Tim garante que quase não dão trabalho. Ele diz que são animais

auto-suficientes. — Muito bem, então. Escolha o que você achar melhor. — Assim, simples? — Assim, simples. — Cole sorriu, divertindo-se com a reação de Claire.

Ela estivera preparada para uma batalha, mas não para uma vitória tão fácil. — Ótimo. Tim vai ficar satisfeito. — Eu conheço você o suficiente para saber que alguma coisa a está

incomodando. — Levantando-se, ficou de pé atrás dela, colocou as mãos em seus ombros, e forçou-a a encará-lo. — O que é, Claire?

— Estou muito brava com você! — Muito brava mesmo, tanto que sua voz tremia.

— Por quê? — Cole piscou, pego de surpresa pela resposta veemente. Essa era, de todas as coisas, a que ele menos esperara. — Por causa do que aconteceu entre nós, antes de eu ir.

— O fato de termos feito amor não tem nada a ver com a maneira como me sinto — repetiu Claire, irritada. Ela tentou libertar os ombros de suas mãos fortes.

Cole duvidava que um dia entenderia como funcionava a cabeça das mulheres. Ele foi buscar uma dose de paciência de sua já pequena reserva.

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— Digamos, então, que você me explique o que foi que eu fiz para deixá-la brava.

— Você parou para pensar, mesmo por um instante, que poderia ter morrido? O que lhe deu na cabeça de aceitar ser o líder na rolagem das toras pelo rio? — Os olhos de Claire flamejavam, como duas labaredas azuis. — Eu vi você soltar as toras presas no rio e desaparecer de vista. Pensei que tivesse morrido.

Cole resistiu ao desejo de tomá-la nos braços, de segurá-la, de confortá-la... Mas sabia em que terminaria aquilo. Ele não conseguiria segurá-la sem querer beijá-la, não poderia beijá-la sem querer fazer amor com ela. Não podia tomar sem ter o que oferecer de retorno.

E ele não tinha nada para dar a mulher alguma, e muito menos para uma tão especial como Claire.

As mãos de Cole acariciaram os ombros dela. — Às vezes fazemos o que precisamos fazer para sobreviver. Mesmo

que pareça duro, as recompensas pesam mais do que os riscos. Eu sabia o que estava fazendo, Claire. Não foi a primeira vez que fiz aquilo.

— Você é considerado um barão da madeira. Nenhum outro se arriscaria daquela forma.

— Eu não sou como os outros. — Cole suspirou cansado. — Quando vi que não ia conseguir contratar número suficiente de trabalhadores para a rolagem, fiz um acordo com os outros donos de serrarias. Se trabalhasse como líder, eles se dispunham a ignorar que eu tinha menos homens. Eu tinha um interesse pessoal no sucesso da empreitada. Um interesse financeiro que não podia ser ignorado.

— Oh... Eu não sabia. Ele sentiu que a tensão de Claire se dissipava. Enquanto a observava, a

angústia que vira em seus olhos azuis era substituída pelo embaraço. E ele sentia-se pequeno. Nunca antes qualquer pessoa se importara se ele vivesse ou morresse. Saber aquilo o deixava lisonjeado.

— Preocupada comigo, Claire? — perguntou baixinho. — Claro que fiquei preocupada. — Ela se livrou das mãos dele e

afastou-se. — Você parou para pensar no destino de Daisy, se algo acontecesse com você? Você é o único parente que ela tem. A menina precisa de você.

Ele a observou virando-se e saindo da cozinha, de cabeça erguida e com a espinha ereta. Havia sido um tolo arrogante ao pensar que a preocupação era com ele, quando na verdade, se preocupara com Daisy? Esfregou o queixo recém-barbeado. Possivelmente, ele admitia. Mesmo assim, esperava que ela não houvesse sido completamente verdadeira. Queria que Claire se preocupasse com ele.

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O seu maior choque foi admitir tal verdade. Claire mal havia adormecido quando foi despertada por um barulho de

batidas no fundo da casa. Permaneceu deitada por um momento, tentando acordar. Estava escuro lá fora, estavam no meio da noite. Quem poderia estar batendo na porta dos fundos àquela hora?

Quando as batidas recomeçaram, ela levantou-se depressa, atravessou o cômodo, abriu a janela e olhou para fora.

— Pai... — sussurrou. Estava surpresa por ver aquela figura familiar à porta.

— Não faça barulho, papai — disse Claire, em tom exageradamente baixo. — Você vai acabar acordando todo o mundo.

— Desça aqui, menina — ele gritou. Colocando o xale, Claire desceu as escadas em disparada, atravessou a

cozinha correndo e escancarou a porta. Lud Sorenson invadiu a cozinha. O cheiro forte de álcool a fez sentir-se tonta. Automaticamente, ela se preparava para enfrentar encrenca. O temperamento de seu pai era imprevisível, na me-lhor das circunstâncias. O álcool o tornava muito pior.

— O que foi, pai? Nils está com problemas de novo? — Não. Não é nada com seu maldito irmão — ele gritou. Ela colocou um

dedo sobre a boca. — Shhh, pai, por favor. O Sr. Garrett está dormindo. — Ah! Pela sua cara, você também estava. — Se não é o Nils e não é dinheiro, o que você quer? Ele balançou um dedo gordo na frente do nariz de Claire. — Não fale

assim comigo, garota. Claire suspirou e fechou os olhos por um momento. — Desculpe, papai — ela disse, abrindo os olhos. — Não quis ser

malcriada. Chateado, o velho balançou a cabeça com tanta força que uma mecha

de cabelos brancos cobriu-lhe a testa. — Sou seu pai. Não se esqueça. Só porque você vive na casa do barão

da madeira e divide a cama com ele, não a torna melhor que seu velho pai. Claire levou um instante para sentir todo o impacto daquelas palavras.

Ela olhou-o sem acreditar no que ouvira. — Você acha... — Não acho, sei — ele disse, interrompendo-a. — Você acha que sou

algum imbecil, menina? Ele se aproximou ameaçadoramente, mas Claire manteve a posição. — Você está enganado, pai. — É mesmo? Claire silenciosamente amaldiçoou o revelador rubor em seu rosto.

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Mesmo para ela própria, a negação soava sem convicção. Aquelas duas noites gloriosas no meio da nevasca ficariam para sempre tatuadas em sua memória.

— Você me transformou no motivo do riso de todos. Não consigo nem tomar uma cerveja, sem ouvir todos falando de seu caso.

— Eu trabalho para o Sr. Garrett, pai. Eu cuido de sua filhinha. Empregada dele é tudo o que eu sou. — E aquela era, Deus a ajudasse, era a mais pura verdade.

— Em quem você vai acreditar, pai? Num bando de lenhadores bêbados em um boteco malcheiroso ou na carne de sua carne?

— Você está mentindo. E eu vou descobrir a verdade. — Vá pra casa, pai. Vá dormir. — Ela fechou a boca, com medo do que

poderia sair dela, se não tivesse cuidado. — Não fique me dando ordens. O rosto de Lud estampava sua fúria. Pela primeira vez, desde que abrira

a porta, ela sentia o frio do medo na espinha. — Já é tarde, pai. A gente conversa na minha próxima folga. Lud não

saiu do lugar. — Minha própria filha, a prostituta da cidade. Estão rindo de mim pelas

costas. De repente, Claire fartou-se dos insultos do pai. Uma quente onda de

raiva expulsou toda a sua cautela. — Assim como riem de mim pelas costas, por você ser um bêbado. Enfurecido, Lud avançou sobre ela e a esbofeteou com as costas da

mão. A força do golpe a jogou contra a mesa. A dor explodia em seu corpo. Estrelas dançavam diante de seus olhos. Todo o lado direito de seu rosto estava dormente. De repente, o abençoado amortecimento foi substituído por uma forte queimação latejante que fez lágrimas brotarem de seus olhos.

Cole marchou cozinha adentro. Ele havia sido acordado de um sono profundo por uma irada voz masculina. A primeira coisa que viu foi Claire agachada perto da mesa. Lud se inclinava sobre ela, com a mão pronta para desfechar outro golpe. Sem parar para pensar, agarrou Lud pelo colarinho, ergueu seu corpanzil e o atirou pela porta dos fundos, escada abaixo.

Lud aterrissou no chão duro de terra e desajeitadamente se levantou. Cole desceu a escada e foi atrás dele.

— Não, Cole, por favor! — Claire implorou do degrau mais alto. Seu pedido não penetrou a nuvem de raiva que envolvia Cole. Lud tentou atingi-lo, mas ele desviou-se e o golpe apenas raspou seu

ombro, sem perigo. A pontaria de Cole, entretanto, acertou o alvo em cheio. O soco atingiu o queixo de Lud e o despachou para o chão, novamente.

Tim saiu disparado da cocheira, vestindo a camisa enquanto corria. — Eu ouvi a confusão e imaginei que era encrenca — ele falou, sem

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fôlego por causa da corrida. Cole cerrou o punho direito, pronto para o ataque. — Eu deveria matar o desgraçado pelo que acabou de fazer. Tim

segurou o braço de Cole. — Não vale a pena, patrão. Acredite em mim, não vale mesmo. — Ele tem razão, Cole. — Claire correu para seu lado, sangue

escorrendo de um corte na boca. — Meu pai é apenas um bêbado. Cole recuou. O sangue ainda fervia em suas têmporas. Se Lud Sorenson

dissesse um único palavrão, sofreria sérias conseqüências. — Acredite-me, chefe — Tim emendou. — Está fazendo a coisa certa. — Tire ele da minha frente! — Sim, senhor! — Tim balançou a cabeça enfaticamente. — Assim que

arrear a carruagem, eu levo este infeliz para longe daqui. Já esquecido de Lud, Cole desviou sua atenção para Claire.

Gentilmente, ele afagou o rosto ferido e os lábios inchados. Como uma rama ao vento, ela se inclinou na direção dele.

— Você está bem, querida? A tentativa de sorriso de Claire tocou o coração de Cole. Tim observou o

interlúdio com interesse, mas sem demonstração de surpresa. — Cuide de sua mulher — ele aconselhou Cole, com um amplo sorriso.

— Ela precisa de você. Cole aceitou o conselho de Tim. Então, envolveu os ombros de Claire

em um abraço protetor e a levou para dentro da casa escura. — Sinto não ter interrompido seu pai antes de ele fazer isto. — A culpa foi minha. Eu deveria saber que não deveria ter discutido

com ele. — Nunca mais quero ouvir você inventar desculpas para ele. O seu pai é

responsável pelas próprias ações, não você. — É uma mania que eu tenho. — Claire tentou sorrir, mas acabou

fazendo uma careta. — Uma péssima mania, que estou determinada a perder. Ele ficou de cócoras, com as mãos ainda segurando as dela, então

falou: — Você ainda não me contou o que trouxe seu pai aqui a esta hora. Claire evitou fitá-lo. — Ele estava bêbado. — Tenho certeza de que ele já esteve bêbado muitas vezes, desde que

você veio trabalhar aqui. Por que veio aqui hoje, Claire? — Ele andou ouvindo fuxicos — ela disse, depois de uma longa pausa. Cole franziu o cenho. — Sobre você e eu... Ela não precisava completar. Cole podia imaginar os horríveis rumores

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circulando. — Ele me chamou de... coisas horríveis, nojentas. — Sua voz estava

sumida, engasgada por lágrimas não choradas. — E eu não tive como negar. Ele retirou as mãos das dela e ficou de pé. O peso da culpa o esmagava como uma avalanche de toras. Jamais

havia pretendido magoá-la. Suas ações, entretanto, haviam se tornado motivo de sofrimento para ela, tanto quanto a mão de Lud Sorenson. Claire era virgem. Ele deveria ter mostrado mais controle, em vez de tirar vantagem da inocência dela, de sua generosidade. Deveria ter avaliado o dano que causaria.

Observou-a se afastando, mantendo-se cuidadosamente ereta. Ele precisava fazê-la parar, precisava se desculpar, dizer a ela...

Cole ficou olhando enquanto Claire subia a escada, devagar e dolorida. Uma emoção, no entanto, se cristalizou bem fundo dentro dele. Ele a amava. Uma simples verdade. Clara e brilhante. Uma simples verdade que o surpreendia. Que o aterrorizava.

Ele a amava.

Capítulo IX

Eu vim esta tarde por que estava preocupada com você. — Sophie sorriu por sobre a borda da xícara de chá.

— Muito atencioso de sua parte. Eu estou bem. — Você sabe que me deu um belo susto na rolagem da madeira? Por

um momento, pensei que você fosse desmaiar. — Isso é ridículo — disse Claire, rindo. — Eu nunca desmaiei na minha

vida. — Pode ser, mas você ficou pálida como um fantasma. Se você tivesse

desmaiado, eu certamente teria entendido. Todos tinham certeza que Cole estava morto.

O apetite de Claire desapareceu. A lembrança trazida por Sophie a fez rever a cena com vividos detalhes.

— Eu também senti o mesmo medo — confessou. — Você estava absolutamente descontrolada. — Tenho certeza de que não fui a única pessoa a sentir isso. O olhar atento da mulher a deixava sem graça. Claire não conseguia se

livrar da suspeita de que Sophie estava esperando que ela fizesse ou dissesse algo errado.

— Ninguém gosta de ver outra pessoa morrer — disse Claire. — É claro que não — Sophie concordou. — Mas, como James disse

naquele dia, os trabalhadores estão cientes dos riscos quando aceitam o

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trabalho. Não é como se nunca tivessem visto todos os túmulos ao longo do rio. Até eu tenho consciência de que não se pode permitir que a morte inter-rompa a rolagem da madeira.

Claire estava chocada com os comentários de Sophie. Eles revelavam um lado cínico da natureza daquela mulher do qual ela nem suspeitava. Ou, talvez, ela pensou com mais caridade, talvez Sophie estivesse papagueando os sentimentos do marido, um homem que ela certamente adorava.

— Os mortos são enterrados no próprio lugar em que são tirados do rio — continuou Sophie. — Em seguida pregam suas botas na árvore mais próxima.

— Vamos mudar de assunto, por favor? — Claire não gostava de histórias de mortes e tragédias, e empurrou o próprio prato para o lado.

— Claire! — Sophie admoestou. — Se não terminar seus docinhos, vou ficar achando que não gostou da minha surpresa.

Obediente, Claire deu mais uma mordida no doce recheado de chocolate e com uma cobertura ainda mais carregada, também de chocolate.

— Você e seu marido formam um casal muito simpático — Claire falou, tentando encontrar um assunto mais agradável.

Sophie adorou o elogio. — James é bem bonitão, não é mesmo? Eu também não costumo

desmaiar, mas pensei que iria, na primeira vez que o vi. — Você nunca me contou como se conheceram. Sophie tomou outro gole de chá, com ar sonhador. — Ele estava acompanhando Priscilla em um evento musical que eu

organizei. Trocamos cumprimentos, enquanto estávamos na fila do bufê. Ele elogiou o colar de diamantes que eu estava usando. Foi uma herança de minha mãe.

— Você se apaixonou por ele imediatamente? — Claire perguntou. Como havia acontecido com ela por Cole.

— Foi amor à primeira vista. — Sophie deu uma risada infantil. — Mais tarde, James admitiu que o mesmo aconteceu com ele. Naquele momento, entretanto, ele era novo na cidade e havia acabado de montar o escritório de advocacia. Disse que não queria parecer muito entusiasmado. Que queria mos-trar-se merecedor de mim. Por algum tempo, fiquei desesperada. Eu achava que ele nunca tentaria me cortejar. Mas tudo mudou de repente, quando papai morreu inesperadamente.

— Deve ter sido um período difícil para você — murmurou Claire. Em seguida, colocou o doce, meio comido, sobre a mesa e serviu mais chá para ambas.

— Não sei como teria conseguido sem ele. James era tudo que uma mulher poderia querer: educado, atento, charmoso, absolutamente perfeito.

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Ele me pediu em casamento assim que pareceu apropriado. A nossa vida é maravilhosa, exceto por... Uma nuvem pairou sobre seu semblante.

— Exceto por? — Claire perguntou gentilmente. Sophie ignorou a pergunta de Claire e abanou as mãos.

— A nossa vida é maravilhosa em todos os sentidos. Todos — ela repetiu enfaticamente.

— Tenho certeza de que é. Claire adoçou seu chá e manteve o tom neutro. Sophie delicadamente

passou um guardanapo de linho sobre os lábios. — Naturalmente, James parou de ver Priscilla e passou a me cortejar,

depois que papai morreu. Intrigada pela história, Claire perguntou: — A Sra. Garrett ficou chateada quando isso aconteceu? — Por algum tempo, mas depois se conformou. — Sophie deu de

ombros. — Nunca faltaram interessados em Priscilla. Ela gostava de homens — ela confidenciou, baixando a voz — e nem sempre homens da mesma classe do meu James.

Claire memorizou a informação, com a intenção de examiná-la mais tarde.

— Eu admito que sou muito curiosa a respeito de Priscilla Garrett. Sei muito pouco sobre a mulher de cuja filha eu cuido.

— Priscilla e eu retomamos a nossa amizade e nos prometemos nunca deixar nada interferir nela de novo. — Levantando-se, Sophie alisou a saia plissada de seda roxa. — Adoraria ficar conversando, mas preciso realmente me aprontar para a festa de Alice Howard. Ela está louca para mostrar seu novo cozinheiro. Ela encomendou ostras diretamente de Boston. Você já experimentou ostras, Claire?

— Não, nunca. — Quando provei pela primeira vez, eu realmente não gostei muito. —

Sophie pegou a bolsa e a sombrinha. — Elas são... gosmentas. Sophie deve ter notado a expressão de Claire. — Você está parecendo um pouco cansada, Claire. Talvez deva

descansar. — Acho que é exatamente o que vou fazer — Claire murmurou,

enquanto acompanhava a visitante até a porta. Nunca, antes em sua vida, ela havia tirado sonecas do meio do dia, mas, naquele momento, a idéia era extremamente atraente. Um pequeno descanso talvez ajudasse a melhorar seu estômago repentinamente enjoado.

Com um pé para fora da porta, Sophie virou-se. — Mas que vergonha, Claire — ela brincou. — Você me fez ficar falando

o tempo todo sobre James, que quase esqueci o motivo da minha visita.

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Claire sentiu uma dor estranha brotar atrás dos olhos. Ela queria que Sophie se apressasse para que pudesse ir se deitar.

— Que motivo? — Eu sei que prometi fazer todo o possível, mas... A apreensão aumentava o latejar dentro de sua cabeça. — Ande, Sophie. Diga o que tem de dizer. — Detesto incomodar você no estado em que se encontra — Sophie

justificou-se. — Eu insisto. — Claire queria chacoalhar Sophie. Mas limitou-se a

fechar a boca com força e esperou, pacientemente. — Já que insiste, querida. Há uma candidata ao seu emprego que

parece bastante promissora. Seu nome é Mabel Holland. Ela tem excelente currículo e ótimas referências. Deve chegar dentro dos próximos dez dias. Cole insiste em entrevistá-la pessoalmente. Eu bem que tentei, mas não consegui achar nada de errado com ela.

— Entendi. — Claire agarrou a maçaneta da porta. Secretamente, sabia que aquele momento chegaria. Era realmente inevitável. Separar-se de Daisy seria doloroso. E deixar Cole seria como arrancar um pedaço de seu coração.

— Talvez, quando a Sra. Holland chegar, ela se dê conta de que não quer realmente morar em uma cidade pequena. Sempre se pode ter esperança.

Claire fez que sim com a cabeça, desanimada. Mesmo o menor movimento lhe aumentava a náusea. Ela precisava de mais do que esperança, precisava de um milagre.

— Vai dar tudo certo, você vai ver. Agora vá descansar, enquanto ainda pode.

A indisposição estomacal de Claire aumentou, fazendo-a vomitar. Finalmente, fraca e exausta, ela caiu na cama e adormeceu

imediatamente. Mal fechara os olhos, foi acordada por fortes batidas. Num primeiro

momento, pensou que fosse sua própria cabeça, mas depois percebeu que o ruído vinha de trás da porta fechada do quarto.

Claire gemeu. Levantando-se da cama, cambaleou pelo quarto. Quando abriu a porta, ela encontrou uma irada Alma Dobbs encarando-a.

— A menina está acordada e berrando. — Já vou descer — Claire resmungou, ajeitando com mãos trêmulas o

cabelo desalinhado. A expressão no rosto da empregada, entretanto, passou por uma sutil

mudança quando conseguiu ver claramente o rosto de Claire. — Você está um lixo — ela anunciou, sem preâmbulos. Claire deu um

sorriso doentio.

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— Engraçado, não é? É exatamente como me sinto. — O que foi? Alguma coisa que você comeu? Bomba de chocolate, com cobertura carregada de chocolate. O simples

pensamento sobre o doce que havia comido a fez passar mal novamente. — Volte para a cama. — Mas... a Daisy... — Ela está bem. Bem acordada e brincando com aquele coelho de

pelúcia de que tanto gosta. Claire afundou no colchão com a cabeça nas mãos, enquanto tentava

pensar em meio à náusea e à dor que latejava em sua fronte. — Mas, você não disse que a menina... — Eu menti. E daí? O que vai fazer? Atirar em mim? — Alma olhou para

ela, examinando-a com olhos de conhecedora. — O que aconteceu com seu rosto?

Claire tocou de leve sua bochecha machucada — Sei, sei... — Alma resmungou. — Parece mais que você trombou com

o punho de alguém. — Não foi nada... — Nunca soube que o Sr. Garrett batia em mulheres. — O Sr. Garrett não teve nada a ver com isto. — Quem bateu em você, então? Aquele traste do seu pai, ou foi seu

irmão? — Por favor, Alma. Eu não quero falar sobre isto. — Imagino. — Alma enfiou as mãos nos bolsos de seu avental. — Não

pensei, nem por um minuto, que tivesse sido o Sr. Garrett. Cole Garrett pode não ter sido criado com todas as vantagens, mas, mesmo assim, é um perfeito cavalheiro. Ele tratava Priscilla bem, talvez melhor do que ela merecia. Deite-se. Eu cuido da garotinha até o Sr. Garrett chegar em casa.

Cole surpreendeu-se ao encontrar Alma Dobbs esperando sua volta, e ficou ainda mais surpreso ao ver Daisy em seu colo.

— Já passa das seis — Cole comentou, franzindo o cenho. — Vieram chamar Claire?

Alma balançou a cabeça. — De certa forma, pode-se dizer que sim. — Não estou para brincadeiras, Alma. Simplesmente, diga, em poucas

palavras, que diabos está acontecendo? Ela ninou a criança, de maneira desajeitada. — Claire está doente. — Doente? — Sua irritação desapareceu como mágica. — Se seu pai ou

o irmão tiveram alguma coisa a ver com isto... — Ela não está passando bem, desde a visita da Sra. Lamont — Alma interrompeu com impaciência. — Eu fiz chá de camomila para

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ela, com um pouco de hortelã. Mas nem isso ela conseguiu segurar. — Onde ela está? Você acha que devo chamar o médico? — Isso não é comigo. — Alma passou a criança para os braços do pai,

obviamente aliviada. — Ela está no quarto dela. Talvez o senhor deva ir dar uma olhada.

— Foi gentileza sua cuidar da Daisy. — Só não vamos tomar isso um hábito. Ainda não gosto de bebês. Antes que porta se fechasse atrás dela, Cole subiu as escadas, com

Daisy nos braços. Ele invadiu o cômodo, sem bater. Titubeou, ao ver Claire em posição fetal, completamente sem cor no rosto.

— Claire... Um novo paroxismo de dor contorceu seu semblante. Cole já havia visto

o suficiente. — Vou mandar Tim ir buscar o Dr. Wetherbury. Cole aguardou no térreo, enquanto o Dr. Wetherbury examinava sua

paciente. — Preciso que seja uma boa menina esta noite, Minduin, para eu poder

cuidar de Claire. Ele a fez soltar a gravata, mas desistiu quando ela a atacou novamente, segundos depois.

Ao ouvir os passos do médico, esperou por ele na base da escada. — E então, doutor? O que há de errado? Ela vai ficar bem? — Essa pequenina está crescendo como mato. — O médico acariciou a

bochecha da criança. — Quanto à Srta. Sorenson, deixe-a descansar. Quando ela sentir vontade, faça com que tome uns goles do chá de camomila que a Sra. Dobbs preparou. O tempo fará o resto.

— Mas ela vai ficar bem, não é? — Na maioria dos casos, este quadro evolui por si só. Cole respirou

fundo e uma outra preocupação o assaltou, quando Daisy lhe puxou a gravata, brincando.

— A criança... O que Claire tem não é contagioso, certo? — Duvido. — O médico colocou o chapéu. — Por quê? — Quando eu lhe perguntei o que havia comido hoje, a Srta. Sorenson

me disse que a última coisa havia sido bomba de chocolate que a Sra. Lamont trouxe para ela. — Ele enviesou o chapéu sobre um olho. — Eu imagino que em breve estarei indo visitar a residência dos Lamont.

Quando Claire abriu os olhos, estava escuro lá fora. Sentindo que não estava sozinha, ela virou a cabeça e viu uma figura familiar emergir das sombras.

— Está melhor? — Cole perguntou, baixinho. — Um pouco — ela devolveu, com uma voz rouca. — Você merece ser cuidada, para variar. Os olhos de Claire se

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arregalaram. — E Daisy? — Dormindo como um bebê. — Ele sorriu para si mesmo e depois falou

sério: — Durma até mais tarde amanhã. Isso é uma ordem. Eu ficarei aqui até a Sra. Dobbs chegar.

Mais uma vez, ela estava tocada pela gentileza, a ponto de chorar. Culpou aquela fragilidade fora do comum ao seu estado naquele momento.

— Você não precisa ficar aqui — ela se adiantou. — Não sou criança nem inválida.

— Faça o meu gosto. — Ele puxou o cobertor e o ajeitou em volta dos ombros de Claire, com o mesmo carinho que dava a Daisy. — A não ser que discorde, vou ficar até você dormir.

Ele lhe deu um leve beijo na testa. — Durma bem, meu amor. Durma bem, meu amor. Por mais que tentasse, Claire não tinha certeza se Cole havia realmente

balbuciado aquelas palavras enquanto ela pegara no sono, na noite anterior, ou se eram apenas parte de um sonho.

Apesar de fatigada pelo mal-estar, ela sentia-se muito melhor agora. Chá com torradas e, depois, um prato da canja que Alma preparara, milagrosamente haviam ficado em seu estômago. Seus olhos passearam pelo belo quarto cor-de-rosa em que estava sentada balançando Daisy, com um livro de histórias de fada à sua frente. Se Sophie estivesse correta, e não havia por que duvidar dela, ela logo estaria se despedindo. Quando o dia chegasse, ela não precisaria de muito tempo para juntar suas coisas. Como não tinha economias, e ainda não terminara de pagar a dívida de Níls, imaginava que seu próximo trabalho seria como garçonete no boteco de Padraig Mulligan. Era uma perspectiva que não a animava.

— Você tem visita. Fechando o livro, Claire viu Alma de pé à porta. — Quem é? — Homer Bailey. Disse que o delegado Tanner mandou uma mensagem. A garganta de Claire ficou seca ao ouvir o nome do chefe de polícia. Ela

tivera medo que fosse uma visita de seu pai, mas isto era pior, muito pior. — Que tipo de mensagem? Ele disse? — Ele não me contou porcaria nenhuma. Ele ficou de bico fechado,

como uma ostra. Claire apertou Daisy contra o peito, enquanto apressava-se escada

abaixo. Alma a seguia de perto. Homer Bailey, de peito estufado pela arrogância, esperava de pé, na

entrada da casa. Ele parou de admirar o mobiliário quando as duas mulheres

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se aproximaram. Claire esforçou-se para manter a voz calma. — A Sra. Dobbs me disse que o senhor tem um recado do delegado

Tanner para mim. Ele lhe entregou um envelope branco lacrado, com seu nome em

grandes letras pretas manuscritas. — O delegado pediu que lhe entregasse pessoalmente. — Você está sujando o meu chão limpo. Considere sua missão cumprida

e caia fora daqui — a Sra. Dobbs falou, mal-humorada.. Com dedos trêmulos, Claire abriu o envelope e examinou seu conteúdo.

Ela sentiu-se mal, depois de ler a curta mensagem. Não era um mal-estar físico desta vez, mas algo que lhe invadia o espírito.

— E então? Era assim tão importante que Bailey se recusou a me entregar? — Alma perguntou, brava.

— O delegado Tanner quer me ver em seu escritório às quatro da tarde. Alma levantou os braços, em sinal de protesto e recuou. — Não me peça para cuidar da Daisy novamente. Eu avisei o Sr. Garrett

que não pretendia tornar isso um hábito. — Eu nem sonharia com abusar de sua natureza generosa — Claire

retrucou, divertindo-se, apesar da seriedade da situação. Alma parecia... aterrorizada diante da perspectiva de ter de cuidar de uma garotinha. — Eu levarei a Daisy comigo. O ar fresco fará bem para nós duas.

Tanner fez Claire esperar no corredor, mesmo depois de ela ter sido pontual. Incapaz de sentar-se quieta, ela caminhava de um lado para o outro, com a pequenina em seu colo.

— O delegado vai vê-la agora — anunciou ura subalterno com cara de lua, parecendo sem graça pela longa espera.

Tanner não lhe ofereceu uma cadeira e ela manteve-se de pé com a menina no colo.

— Me explique de novo por que Cole Garrett não poderia ter matado a esposa — ele disse finalmente.

— Eu já lhe disse. — Então, acho que não se importaria de repetir. — Muito bem... — Intrigada pelo pedido, ela relatou a seqüência de

eventos, desde o momento em que Priscilla Garrett saiu de casa até a hora em que ela foi embora, na manhã seguinte.

O delegado esperou que Claire terminasse e, depois, olhou friamente para ela.

— Você tem absoluta certeza dos horários? — Totalmente. O Sr. Garrett chegou um pouco antes da meia-noite e eu

não saí da casa até a manhã seguinte.

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— Ainda há tempo, Srta. Sorenson, para mudar a sua história. As testemunhas, muitas vezes relatam detalhes errôneos sobre um evento. Se este for o caso, estou disposto a perdoar a sua memória fraca.

— O senhor tem certeza de que a Sra. Garrett foi morta depois da meia-noite?

— Sem qualquer dúvida. — Como pode ter tanta certeza? — Claire estava curiosa. Ela não se

lembrava de ter ouvido Tanner mencionar como sabia a que horas Priscilla morrera.

Ele a estudou por um longo momento, mas finalmente respondeu: — A Sra. Garrett estava usando um pequeno relógio de ouro,

pendurado em um broche em sua blusa, que quebrou durante o ataque. Os ponteiros marcavam exatamente meia-noite e quinze.

O olhar de Claire prendeu o dele. — Cole Garrett já estava em casa, bem antes do relógio da sala badalar

doze vezes. — A minha única garantia disso é a sua palavra. — Eu lembro claramente de que o senhor disse ter testemunhas que me

viram sair da residência dos Garrett na manhã em questão. — É exatamente aí que se encontra o problema, Srta. Sorenson. Depois

de interrogar o Karl Detmeijer, o leiteiro, mais uma vez, ele me contou que não enxerga direito. Ele disse que poderia estar enganado a respeito de tê-la visto deixar a casa dos Garrett.

Os joelhos de Claire pareciam gelatina e ela sentou-se, sem ser convidada.

— E o Sr. O'Brien? Ele também foi interrogado de novo? — Não precisamos do seu sarcasmo, senhorita. — Tanner sentou-se a

sua escrivaninha, examinou a ponta dos dedos e a analisou, por cima do tampo de madeira envernizada. — Com a memória do Sr. O'Brien, eu temo que o problema seja outro. Ele fez uma pausa, antes de dizer: — A senhorita sabia que Tim O'Brien tem ficha criminal?

Claire engasgou. — Vejo que está chocada. — Ele reclinou-se na cadeira giratória, sem

tirar os olhos dela. — O Sr. O'Brien foi hóspede da penitenciária estadual. Só recentemente tornou-se elegível para a liberdade condicional. Aparentemente, Cole Garrett foi a única pessoa disposta a empregá-lo. Sem um emprego, ele ainda estaria preso.

— O que isto tem a ver com o fato de ele ter me visto ou não sair? — Mesmo enquanto formulava a pergunta, Claire já adivinhava a resposta.

— O Sr. O'Brien sente grande lealdade para com seu patrão. Ele faria, ou diria, qualquer coisa para protegê-lo, inclusive que a viu sair qualquer

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destas manhãs. Considerando o histórico do homem, ele não teria qualquer credibilidade diante de um tribunal.

— Entendi — Claire disse, com a voz sumida. Aturdida, ela tentava absorver tudo que Tanner acabara de lhe dizer. — Apenas mais uma pergunta, delegado. De que crime o Sr. O'Brien foi julgado culpado?

— Assassinato. Claire imaginou ter visto uma faísca de malícia no olhar profundo de

Tanner. Claire saltou da cadeira, assim que ouviu o som de patas de cavalo na

frente da casa. Da janela da cozinha, ela observou impacientemente, enquanto Cole desmontava seu cavalo e o passava para Tim. Disparou sua primeira pergunta, assim que ele cruzou a soleira da porta.

— Você sabia desde o começo, não é? — Eu devo dizer — Cole afirmou, em um tom suave — que isto é um

grande progresso sobre ontem à noite, quando você ficou verde só de ouvir falar em comida.

— O delegado Tanner me convocou. Ao ouvir o nome do policial, a expressão de Cole mudou. — Convocou você? E qual assunto? — Tim O'Brien. — A serraria está a todo vapor. — Ele soltou o nó da gravata. — Eu

gostaria de tomar algo. Vamos para a biblioteca? Claire hesitou por um instante e, depois, seguiu os ombros largos de

Cole pelo corredor. Ele foi diretamente ao bar e destampou uma garrafa de cristal.

— Você me acompanha? — Não, muito obrigada. — Você se importa de me contar o que o delegado Tanner teve a dizer

sobre o Tim? Ela se dava conta, naquele momento, que havia adivinhado certo. Cole

sabia tudo sobre a ficha policial de Tim. Ele não demonstrara qualquer surpresa e não parecia interessado em um homem que fazia parte integral de seu dia-a-dia.

— Ele disse que Tim era um assassino. — Sente-se, Claire. Você parece um cervo pronto para fugir dos tiros de

um caçador. Ela afundou-se em uma poltrona de couro. Não apenas ele deixava de

demonstrar surpresa com a notícia, mas, o que era muito pior, ele não esboçava qualquer tentativa de negar a alegação. Cadeia? Assassinato? Até aquele momento, ela havia alimentado uma ponta de esperança de que Tanner teria mentido. Mas aquela pontinha já não existia mais.

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— O que o Tanner lhe contou, Claire, é verdade. Mas, certamente, você precisa entender que as coisas não são sempre em preto ou branco, mas, sim, com muitos tons de cinza.

Ela cruzou os dedos sobre o colo. — Você pode me explicar por que contrataria um homem culpado de

assassinato? — Por que o Tim é um homem decente. Ninguém mais quis lhe dar uma

chance. — Mas ele matou uma pessoa. Cole levantou-se e passou a andar de um canto para outro do cômodo. — Exatamente o que foi que Tanner lhe contou? — Na verdade, muito pouco. Ele parecia estar se divertindo com um

joguinho de gato e rato — com ele como gato e eu, o rato. — Tanner é um desgraçado traiçoeiro. Ele deliberadamente fez você

pensar no pior. — Você quer dizer que Tim não matou ninguém. Ele é inocente? — Não é tão simples. — Cole parou de andar e sentou-se na beirada na

mesa de trabalho, com os calcanhares cruzados, em uma pose enganosamente relaxada. — Tim matou um homem, sim. Mas foi uma luta limpa. Os dois haviam bebido muito, na ocasião. Quando o outro homem insultou a irmã de Tim, uma briga de bêbados em um bar começou. Há diferentes versões quanto a quem deu o primeiro golpe. Mas, realmente, não faz diferença. O que faz diferença é que o sujeito foi derrubado, bateu a cabeça em uma pedra e morreu. O Tim foi responsabilizado.

Claire digeriu em silêncio o que Cole acabara de contar. Brigas a tapas e socos, ela sabia, eram comuns. Os lenhadores costumavam resolver suas diferenças com os punhos, em vez de armas de fogo. O mesmo cenário poderia facilmente se aplicar a seu irmão, Nils.

— Tim pagou sua dívida, cumpriu sua sentença — Cole continuou, sombrio. — Uma das condições para ganhar a liberdade condicional era a de ter um trabalho, uma fonte de renda responsável.

— E foi aí que você entrou na história. — Mais ninguém queria contratá-lo. Ninguém queria lhe oferecer uma

segunda oportunidade. — Então, você foi o voluntário. — Sim. E nunca me arrependi da decisão. Claire digeriu aquilo, por um momento, e depois limpou a garganta e

perguntou: — E a Sra. Garrett, não se opôs a ter um condenado como cocheiro? Cole encolheu os ombros largos em um gesto negligente, enquanto

seus olhos continuaram fixados no rosto de Claire.

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— Ela nunca se opôs, por que eu nunca lhe contei. — Entendi — ela murmurou. Cole esfregou a nuca. — Suponho que errei, mas... Ela balançou a cabeça, concordando com a desculpa dele. — Acho que é

como você disse, há muitos tons de cinza. O que você fez pode ter sido errado, mas seus motivos eram bons.

A respiração de Claire estava trêmula. Ela gostaria de encerrar o assunto, mas não conseguia. Ainda não.

— Você não acha estranho que, mesmo sabendo do passado de Tim, Tanner não o considera um possível suspeito?

— Na visão de Brock e Tanner, eu sou o único candidato lógico. — Alguém odeia Priscilla o suficiente para querê-la morta. Talvez... — Deixe para lá, Claire -— ele pediu. — Não quero ouvir ninguém

levantando suspeitas sobre o caráter de Tim. Nem mesmo você. Sem se preocupar em acender luzes, Cole entrou na biblioteca e serviu-

se de uma bebida que nem desejava tomar. O que aconteceria com Daisy, se Brock conseguisse o que queria e ele fosse preso?

Egoísta, ele esperara que Claire estivesse lá para recebê-lo, quando voltasse para casa. De uma forma ou de outra, ela sempre conseguia alegrá-lo. A moça preenchia um vazio em seu peito. Sentia falta dela.

Ele a amava. Como aquilo tinha acontecido? Ele não tinha nada para lhe oferecer a

não ser tristeza, dor e, talvez, até escândalo. O melhor que podia fazer era mandá-la embora, antes que o futuro dela ficasse tão maculado como o dele. As pessoas já estavam falando dos dois. E se a ligassem à morte de Priscilla? O simples pensamento fazia sua boca secar. Não, decidiu, ele tinha que tirá-la dali. Logo.

— Ouvi você chegar. — Tentei não fazer barulho. — Achei que tivesse trabalhado até tarde e lhe trouxe algo para comer.

— Ela colocou a bandeja em uma mesinha. — Queijo quente e pão. Do jeito que minha mãe fazia para mim, todas as vezes que me sentia infeliz.

Ele mostrou o assento ao lado do seu. — Eu comerei, se você prometer me fazer companhia. — Tudo bem. — Hum... Isto está ótimo. — É bom ver que meu esforço valeu a pena. — Você sempre sabe como fazer eu me sentir melhor. — Buscando uma

das mãos de Claire, ele a levou até os lábios e a beijou dos dois lados. Cole a sentiu tremer em resposta. — Eu gostaria de poder lhe dar algo especial em retorno — ele sussurrou.

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Virando-se para encará-lo, ela falou baixinho: — Eu não quero nada que você não possa me dar sem restrições. — Em

seguida, inclinando-se sobre ele, Claire roçou os lábios nos dele. Cole sentia-se como se estivesse a ponto de explodir. O contato havia

sido superficial, mas o resultado fora incendiado. Faísca e dinamite. Seus braços a envolveram, travando-a em um abraço e ele, então, aprofundou o beijo. Sua boca invadia a dela, demandando uma resposta. Ele sentiu a suavidade do interior de sua boca e saboreou a textura de sua língua. Os dois estavam sem fôlego, quando ele finalmente se afastou.

— Nós não deveríamos... Eu não deveria. — Shhh. — Claire o silenciou, colocando um dedo sobre sua boca.

Depois, sorrindo, foi tirando os grampos do cabelo, um por um. Ele engoliu em seco, enquanto aquela gloriosa cascata de cabelos

sedosos, cor de ouro velho, escorria sobre seus ombros. O brilho macio em seus olhos já não era mais o de uma menina inocente e ingênua, mas sim o de uma mulher. Uma mulher que sabia tanto dar como receber.

— Claire, você tem certeza...? Com extremo vagar, ela começou a desabotoar a blusa. — Olhe para mim, Cole — ela ordenou com voz macia. — Olhe para

mim e diga que você não deseja isto tanto quanto eu. O sangue de Cole fervia com a ousadia dela. Qualquer possível negativa

morreu em sua garganta. Para um homem que se orgulhava de seu autocontrole, toda a sua valiosa disciplina desapareceu com uma batida do coração. Ele a queria, certamente, a queria com um desespero que era vizinho da dor.

— Você é como uma droga, um vício — ele confessou. — Quando estou perto de você, eu me sinto como um adolescente vivendo seu primeiro amor. Não consigo parar de pensar em você durante o dia. À noite, meu corpo dói de desejo por você.

Levantando-se, Claire pegou sua mão. Cole levantou-se, também, devagar, mas resistiu ao esforço de Claire

para levá-lo com ela. Era difícil pensar racionalmente, quando ela estava de pé a sua frente com o cabelo selvagem escorrendo-lhe pelas costas e sua blusa aberta, revelando seios redondos e firmes pressionando o tecido leve de sua combinação.

— Precisamos ter juízo — ele protestou timidamente. — As pessoas já estão mexericando.

Claire examinou a biblioteca cheia de sombras com cuidado exagerado. — Engraçado, não estou vendo mais ninguém aqui, além de nós dois. Ele a pegou nos braços e a carregou para cima. Uma vez dentro da

privacidade do quarto de Cole, eles despiram-se mutuamente. Suas bocas

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estavam quentes e famintas, seus corpos, quentes... Fizeram amor até a saciedade completa. Depois ficaram abraçados em

total comunhão. Claire respirou fundo e decidiu ser corajosa. O momento parecia um

daqueles raros instantes próprios para confidencias. — Cole... — começou, hesitante. — Sim, querida? — Você me disse uma vez que nunca dividiu a mesma cama com

Priscilla. Mesmo assim, vocês geraram uma criança. Certamente vocês gostaram um do outro em alguma época de suas vidas.

Ele ficou rijo. Até a sua respiração parecia ter diminuído de intensidade. Claire receava que Cole não fosse responder, quando ele a surpreendeu.

— Daisy não é minha filha. A mão de Claire suspendeu sua exploração sem rumo. Daisy não era

filha dele? — Eu... eu não entendo — falou, finalmente. — Daisy é minha em todos os aspectos que importam, Claire, mas eu

não sou seu pai biológico. — Aquela confissão não fora nada fácil. — Priscilla estava grávida de outro homem quando nos casamos.

— Oh... — Claire não sabia o que dizer. A gravidez de Priscilla foi o que provocou o nosso casamento. Seu pai

ficou lívido quando soube que estava grávida. Ela se recusou terminantemente a dizer quem era o pai, de forma que Brock imaginou que o sujeito já era casado. Em vez de mandá-la para longe, ele decidiu que um casamento com um comerciante respeitável de sua escolha poderia ajudar a amansar a filha rebelde.

— E você foi o escolhido para a tarefa. — Eu fui escolhido a dedo. Eu não era casado, tinha feito sucesso, era

considerado um barão da madeira, e levaria vantagem ao se casar com alguém da posição social de Priscilla. Um negócio, nada mais. Um desastre, desde o princípio.

Claire gostaria de poder ver a expressão no rosto de Cole, mas sabia, pelo amargor em sua voz, que ele se arrependia da decisão. As coisas agora começavam a fazer sentido. Explicava a antipatia de Priscilla por Cole, o homem com quem seu pai a havia coagido a se casar. Cole tornara-se o alvo de todo seu ressentimento e raiva reprimida.

— Para adoçar a proposta, Brock me fez uma oferta contra a qual ele sabia que eu não resistiria. Ele me passou o título de várias áreas madeireiras. Até me financiou um empréstimo para aquisição de equipamentos de que precisava na serraria. Tudo o que precisava fazer era casar-me com sua filha e dar meu sobrenome à criança. Não me orgulho de minhas ações. A culpa é

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toda minha, de minha ambição e de minha ganância. — Pare de se punir, Cole. Muitos casamentos começam por motivos

diferentes do amor. Conhecendo você como conheço, tenho certeza de que fez o melhor que pôde para ser um bom marido, assim como você é um bom pai para a filha dela.

— Depois que eu e Priscilla supostamente fugimos para Chicago, Leonard Brock espalhou pela cidade que o nosso caso era uma paixão impulsiva e selvagem. Quando voltamos de nossa lua-de-mel, ele organizou a maior recepção que Brockton já viu. Aquele foi o começo do pior período de minha vida. Tenho certeza que Priscilla compartilhava de meus sentimentos. Na verdade — ele riu amargamente —, esse era provavelmente o único sentimento que dividíamos. Não tínhamos absolutamente nada em comum. Ela nem sequer agüentava dividir o mesmo quarto comigo.

Pela primeira vez, Claire sentia simpatia por Priscilla Brock Garrett. Tanto Priscilla como Cole foram enjaulados sem esperança em um casamento sem amor. Ele devido à própria ambição e às maquinações de Brock. Ela por causa de sua rebeldia... e de uma criança concebida fora do casamento.

Cole brincava com seus cabelos, observando os fios escorregarem entre seus dedos.

— Depois — ele limpou a garganta —, depois que a encontraram morta, eu senti muito, é claro, mas uma pequena parte de mim secretamente comemorou o fato de que ela estava fora de minha vida. Até hoje me odeio por aquele sentimento.

Capítulo X

Ora, garoto, se você pensa que vai se livrar do castigo por ter matado minha filha, está muito enganado.

Cole levantou os olhos da pilha de papéis a sua frente, quando Leonard Brock entrou em sua sala e fechou a porta atrás de si.

O ruído ensurdecedor das serras circulares lhe causara uma dor de cabeça latejante. E, como se aquilo não bastasse, tinha agora que enfrentar a visita de seu ex-sogro.

— Eu já lhe disse antes, Leonard, e vou dizer de novo: Eu não matei Priscilla.

Sem esperar o convite, Brock acomodou sua considerável largura em

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uma cadeira diante da mesa de Cole. — Não...? Não é assim que eu vejo as coisas. — Bem, você está errado. — Será que estou? — Brock ergueu uma das sobrancelhas. — Eu tenho um negócio para tocar. — Cole gesticulou na direção de sua

mesa repleta. — Estou muito ocupado para brincar de joguinhos. Diga logo o que quer e me deixe voltar ao trabalho.

Brock fixou seu olhar no rosto de Cole. — Ouvi dizer que há algo entre você e aquela Sorenson. — Ela é a babá de Daisy — retrucou Cole. — Ela é a sua meretriz. Levantando-se, Cole jogou os papéis que tinha nas mãos sobre a mesa,

espalhando outros pelo chão à sua volta. — Saia daqui, Brock! Não vou tolerar os seus insultos. — Então é verdade — Brock riu de forma sarcástica. — Eu imaginei que

isto mexeria com você. E você não me desapontou. — Você não tem outra coisa melhor para ocupar seu tempo do que

calúnias? Brock levantou-se com dificuldade. — Eu achei que você estava precisando de um lembrete pessoal de que

justiça será feita. E apenas uma questão de tempo, sabia? Cole estudou seu visitante com mais cuidado. Não via Brock desde a

leitura do testamento. Pela primeira vez, Cole questionava a estabilidade mental do sujeito. Teria a morte de Priscilla afetado a mente de Broct Suas ações e acusações eram as de um homem obcecado.

— Eu deixei de cumprir a minha parte de nosso acordo? Por que você está tão convencido de que matei Priscilla?

— Ninguém tem melhor motivo, garoto. Não seria a primeira vez que um marido traído mata sua mulher infiel. Não será a última. — Brock arrastou-se em direção à porta. — Eu já suspeitava desde o começo, mas, quando ouvi Lamont ler o testamento da minha menina, deixei de ter qualquer dúvida.

— Você acha que eu a matei pelo dinheiro — a voz de Cole era seca, sem emoção. Sua cabeça latejava com maior intensidade.

— Se me lembro bem, ela deixou um fundo de bom tamanho para você administrar. Você se livrou de uma esposa que nunca realmente quis e ficou com uma pilha de dinheiro, na barganha. Mas você vai pagar, moleque. Isto eu garanto.

— Saia! — gritou Cole, mas Brock já havia partido. — Eu sei que isto deve ser desagradável, querida. Mas, certamente,

você não deve estar surpresa. Deve ter compreendido que este dia chegaria. Sem fala, Claire olhava fixamente para Sophie Lamont. As palavras lhe

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haviam desertado. Onde estava a mulher que se tornara sua amiga? Que havia se proposto a ajudá-la a continuar como babá de Daisy?

— Mas... eu pensei... ela titubeou. — Consideradas as circunstâncias, tivemos sorte de ter encontrado uma

candidata com um currículo tão impecável como a Sra. Holland. O olhar de Claire transferiu-se para a indubitável Sra. Holland. Mabel

Holland, uma mulher alta e magra, parecia uma matrona em seus cinqüenta anos. Uma pequena boina cobria sua cabeça de cabelos grisalhos puxados para trás em um coque. Sua roupa cinza de viagem era simples e sem adornos, com exceção de um pequeno broche esmaltado.

— Como você bem sabe, Claire, isto é para o bem maior. — O olhar de Sophie pesava mais do que centenas de palavras.

— 0 Sr. Garrett mencionou que hospedaria a Sra. Holland no Hotel Pinewood, de hoje para amanhã. Entretanto, depois de discutirmos o assunto, Mabel e eu decidimos que não há motivos para adiar. De modo que ela concordou em começar imediatamente. — Sophie exultava em aprovação.

— Entendi. — Claire mal conseguia balbuciar. Mais tarde teria tempo para as lágrimas. Sabendo que estava tudo

acertado, não lhe restava mais nada a fazer a não ser subir e arrumar suas coisas. E se despedir de Daisy.

— Eu sei, por experiência, como isto é difícil, Srta. Sorenson. Acredite — afirmou Mabel Holland —, quanto mais cedo a criança se acostumar com a nova babá, melhor.

Claire assentiu com a cabeça. — Se as senhoras me dão licença, vou arrumar minhas coisas. Ela se forçou a manter uma postura digna, ao sair da sala. Passou

silenciosamente por Alma que espanava no corredor. Sem dúvida, a doméstica havia ficado ouvindo a conversa atrás da porta. Claire, que ainda não conseguia falar, subiu as escadas.

Mesmo com as coisas novas que havia comprado, tinha poucos pertences. Em menos de dez minutos removeu qualquer traço de sua presença.

Tristonha, ela pegou sua velha valise, e, levantando os ombros, resoluta, foi dizer adeus a sua protegida.

Claire deixou a mala do lado de fora da porta e, na ponta dos pés, entrou no quarto de Daisy, que dormia profundamente, no meio de sua soneca da tarde.

Esticando a mão, ela tocou os cachos loiros. Não havia sido sábio apaixonar-se por uma criança que não era dela. Mas não resistira à graça de Daisy.

Assim como não tinha conseguido resistir ao pai da criança.

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— Amo você, pequenina — ela sussurrou e saiu do quarto tão silenciosamente quanto entrara.

Alma Dobbs esperava por ela na cozinha, de braços cruzados sobre o colo amplo.

— A criança vai sentir demais a sua falta. Claire trocou a valise de mão. — Eu também vou. — Pena que você não pode ficar. Eu já estava me acostumando com

você. Este era um elogio, vindo de quem vinha. Claire limpou a garganta. — Adeus, Alma. A mulher acompanhou-a até a porta. — Tim lhe dará uma carona, com prazer. — Muito obrigada, mas eu prefiro caminhar. E assim foi. Desceu a escada da varanda traseira e seguiu adiante, sem

olhar para trás. Só depois que saiu de Brockton, que Claire deixou as lágrimas fluírem.

— Onde está Claire? — Cole perguntou, assim que pisou em casa. Alma o brindou com um olhar fulminante e pendurou o avental. — O jantar está no forno. Deve estar quente ainda. — Mas que diabos, Alma! Eu preciso falar com Claire. Ela está com

Daisy? Alma balançou a cabeça de um lado para o outro e pegou sua bolsa. A paciência de Cole estava se esgotando. — Onde diabos está ela, então? — Foi embora. — Foi embora...? — E, ainda que o senhor não tenha me perguntado: Foi a pior maneira

de se livrar dela. O senhor deveria estar com vergonha. — Do que você está falando? — Claire Sorenson foi boa o suficiente para cuidar da Daisy quando não

havia outra pessoa. O senhor poderia, pelo menos, ter tido a decência de lhe dizer pessoalmente que seus serviços não eram mais necessários. Mas não, preferiu mandar Sophie Lamont fazer o trabalho sujo. Pensei que tinha mais coragem. — Alma se retirou em fúria, batendo a porta atrás de si.

Foi embora? Como poderia ser aquilo? Determinado a descobrir, Cole subiu a escada, dois degraus por vez.

Sua resposta se materializou em Mabel Holland. Ele encontrou a mulher que havia entrevistado horas antes, cantarolando para si mesma, enquanto trocava a fralda de Daisy.

— Sra. Holland? Eu gostaria de lhe falar. — Certamente, Sr. Garrett. — Depois de colocar a fralda, de maneira

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muito profissional, ela virou-se para ele, com um olhar de expectativa. — Alguma coisa errada?

— Por que a senhora não está no Hotel Pinewood? Eu me lembro de ter lhe dito, especificamente, que não começaria até amanhã.

As perninhas de Daisy chutavam o ar furiosamente. Imediatamente, Cole a pegou no colo. Deliciada com a atenção do pai, Daisy agarrou seu nariz.

— Espero não estar sendo intrometida, Sr. Garrett, mas o senhor está mimando a criança. Não é bom pegar a criança no colo, todas as vezes que faz qualquer barulhinho. Eles podem se transformar em pequenos tiranos.

— Eu arrisco — retrucou Cole, com voz fria. Os lábios de Mabel Holland se fecharam, como sinal de que não

aprovava, espertamente sem dizer nada. — Quanto ao que estou fazendo aqui... A Sra. Lamont questionou a

necessidade de eu passar a noite em um hotel quando poderia começar imediatamente. Eu concordei. Seria desperdício de dinheiro.

Ele estava pasmo. Claire havia sido posta na rua, como se fosse o lixo de ontem. Aquela nunca havia sido sua intenção. Ele havia planejado lhe falar pessoalmente da Sra. Holland. Planejado lhe dar a notícia de forma gentil, lhe dizer como estava agradecido por sua ajuda e, no fim, lhe oferecer um generoso bônus. Ele nem podia imaginar como ela se sentira. Conhecendo-a como conhecia, ele imaginava que deveria ter ficado devastada com a separação de Daisy.

— Senhor, se não há mais nada que queira dizer, é hora de alimentar a criança. Eu gosto de estabelecer rotinas fixas logo que começo a trabalhar com uma nova família.

Cole passou Daisy, que não ficou nada feliz, para os braços de sua nova babá.

— Tem mais uma coisa, Sra. Holland. A criança tem um nome. Eu sugiro que o use.

— Sim, senhor. Cole ficou imóvel por um bom tempo, com as mãos nos bolsos,

imaginando o que deveria fazer. Ele queria encontrar Claire e explicar a ela o que havia ocorrido. Por que Sophie havia interferido em suas ordens? Estaria preocupada com o bem-estar de Daisy, ou teriam as suas ações sido motivadas por outras razões?

— O que está fazendo aqui? — Claire olhava fixamente para Cole, espantada de vê-lo à porta de sua casa. — Você está bem?

— Sim, sim. É claro que estou. — Seu cérebro estava lento. Ela esperava que seus olhos não estivessem ainda vermelhos e inchados pelas lágrimas que havia chorado antes.

— Posso entrar? — ele perguntou, em voz baixa.

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— Não acho boa idéia. — Ela indicou, com um olhar sobre os ombros, o interior da casa. Nem seu pai nem Nils estavam em casa. Ela não tinha idéia de onde estavam, mas sabia que não ficariam felizes de chegar e encontrar Cole Garrett na sala de estar.

— Por favor, Claire. Não vou embora, enquanto não entrar. Ela ouviu a determinação em sua voz, uma característica de sua personalidade que adiava tanto um atrativo como um incômodo.

— Tudo bem. Vamos dar uma volta. — Para onde estamos indo? Ela diminuiu o ritmo, ao chegarem sob a proteção das árvores. — Há uma pequena clareira logo adiante, com um riacho no meio.

Ninguém vai nos ver lá. — Não tenho medo de seu pai, nem do Nils. Não fizemos nada de

errado. — Por que procurar mais problemas? Cole não argumentou. Ao chegarem à clareira, virou-se e o confrontou. Claire esperava poder

esconder seus sentimentos. Especialmente seu amor. Cole deu um passo adiante e parou. Algo na expressão dela o avisava a

manter distância. Ele enfiou a mão no bolso e tirou o grampo de cabelo. — Achei que isto era seu. Ela olhou para o pequeno objeto em sua mão, não acreditando no que

via. — Você percorreu todo esse caminho até aqui, arriscou ser objeto da ira

de minha família, só para me devolver um grampo? — Me deu uma desculpa, mesmo sendo uma desculpa tola, para ver

você novamente. As barreiras de Claire baixaram ainda mais um pouco. Ela estava

sensibilizada por ele querer vê-la. Mesmo sabendo que havia terminado, ansiava por ele e pela intimidade de que haviam partilhado.

— Agora — disse Claire, pegando o grampo e guardando-o no bolso —, me diga a verdadeira razão para sua visita.

— Eu queria lhe explicar sobre a Sra. Holland. E queria lhe dizer o quanto sinto.

— Você não me deve desculpas. — Ela apertou o xale sobre os ombros e suspirou. — Você foi honesto desde o início. Eu sempre soube que a minha posição era tênue. Que poderia ser substituída a qualquer momento.

— Diabos, Claire, eu não pretendia que acontecesse desta forma. Eu queria lhe dar a notícia da maneira mais gentil possível, lhe proporcionar tempo para se acostumar com a idéia.

— Não teria me magoado menos. O riacho corria solto sobre sua cama de pedras. Nem aquele murmúrio

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reconfortante poderia aliviar a dor no coração de Claire. — Brock veio me visitar hoje — disse Cole, quebrando o longo silêncio. Todos os sentidos de Claire ficaram tensos quando ouviu aquele nome.

O homem era uma víbora pronta para o bote. — O que ele queria? — Apenas me lembrar que justiça será feita. Que a morte de Príscilla

não ficará sem castigo. — Cole partiu o galho que tinha nas mãos, gerando um som estranhamente alto, na seqüência tensa às suas palavras. — Talvez ele tenha razão. Talvez eu seja parcialmente responsável pelo que aconteceu com ela.

— O que faz você pensar tal absurdo? — Se eu tivesse tentado com mais afinco, se tivesse sido mais atento,

talvez Príscilla não tivesse sido levada a procurar em outro lugar. Eu deveria ter feito um esforço maior para ser o tipo de homem que ela admirava.

— O casamento deveria ser uma parceria. Você não pode assumir toda a culpa pelo fracasso.

— O que transformou você era tamanha autoridade sobre o estado do matrimônio?

— Eu não sou, é apenas uma teoria minha. — Eu gosto de sua teoria. Com um sorriso dele, a última barreira de Claire desmoronou. Ela

queria tirar os vincos de preocupação dos cantos da boca de Cole. Passou a escovar a mecha de cabelo que caía sobre seu cenho. Não confiava em si mesma perto dele.

— Deveríamos voltar para casa — ela disse finalmente. Impossível prever o que meu pai pode pensar ou fazer, se não me

encontrar em casa, de novo. Caminharam pelo bosque, lado a lado. Por algum tempo, nenhum dos

dois falou. — Por que o Leonard Brock odeia tanto você? — Claire disse, afinal,

quebrando o silêncio. — Por que está tão determinado a responsabilizar você pela morte da filha dele?

— Acho que ele se culpa pelo que aconteceu com Priscilla. Que se não tivesse insistido para que Priscilla se casasse comigo, talvez as coisas pudessem ter sido diferentes. Em sua cabeça, ele conseguiu virar as coisas de tal forma que, de repente, a culpa é minha, ou de Daisy. Eu acho que, debaixo de seu exterior grosseiro, ele realmente amava sua filha, mas não demonstrava. Agora é tarde demais. Talvez, como o resto de nós, mortais, ele gostaria que as coisas pudessem ter sido diferentes.

— Me parece — Claire filosofou — que há muita culpa sendo fabricada entre vocês dois. Não estou negando que a morte de Priscilla foi uma tragédia,

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mas você já parou para considerar que, talvez, ela mesma tenha sido responsável pelos eventos que levaram ao seu próprio fim? É possível que não tenha tido nada a ver com você, ou com o pai, mas que tenha sido conseqüência dos próprios desejos egoístas dela. Não pretendo julgar, mas não seria concebível que ela poderia ter deixado alguém com tanto ódio, a ponto de querer vê-la morta?

Cole envolveu a mão dela com a sua, num ato tão natural quanto o nascer do sol, todas as manhãs.

— Eu só peço a Deus que o culpado seja encontrado. — Você tem alguma idéia sobre quem pode ser o pai de Daisy? — Nenhuma. Claire forçou a vista na escuridão e tentou ler sua expressão, mas seu

rosto estava envolto pelas sombras. — Você acha que Priscilla tinha um amante? — Eu ficava imaginando se poderia haver alguém, mas não me

interessei o suficiente para tentar descobrir. Triste situação, não é, quando um homem não liga nem um pouco para com quem sua mulher pode estar tendo um caso?

Eles saíram do bosque e, com a lua como guia, seguiram a trilha que levava à casa. Repentinamente, Claire franziu a testa. Os pensamentos inundaram sua mente.

— Priscilla devia estar se encontrando com alguém. Ou, então, por que estaria indo até a serraria, naquela hora? Brockton é uma cidade pequena. Certamente alguém sabe mais do que quer contar.

Cole parou de chofre, puxando Claire pelo braço. — Claire, você está começando a me preocupar. Estamos falando sobre

assassinato. Prometa-me que você vai deixar o caso nas mãos de Tanner. Se alguém matou uma vez, não hesitará em fazê-lo de novo.

Ignorando a preocupação dele, Claire adotou um tom conciliatório. — Não precisa se preocupar. Seja lá quem for que tenha matado

Priscilla, já deve estar bem longe. — Prometa-me que você não vai fazer nenhuma besteira. — Cole

apertou a mão dela um pouco mais. — Muito bem, já que você insiste: eu lhe dou a minha palavra. — Ótimo! — Cole estava mais relaxado. — Há mais um assunto que eu

quero resolver. Enfiando a mão em um dos bolsos internos da jaqueta, ele tirou um envelope e o ofereceu a ela.

Claire olhou para o envelope com evidente suspeita, sem fazer qualquer movimento para pegá-lo. Ela sentia frio em todo o corpo.

— Ande, pegue — ele insistiu. — Eu quero lhe dar isto. — Você está me oferecendo... dinheiro?

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— Considere isto como um bônus pelo trabalho bem-feito. Não sei como teria conseguido, se não fosse por você, durante todas estas semanas.

Ela retirou a mão da dele. — Eu fui bem compensada pelo meu tempo. — Me dê uma alegria, Claire. Pegue o dinheiro. Eu sei que você precisa. O temperamento de Claire estava atingindo seu ponto de ebulição, e

isso já era visível nas faíscas de seus olhos. — Não me insulte, ou ao que nós vivemos, me oferecendo dinheiro. Se

eu aceitar, não serei nem um pouco melhor do que a prostituta que alguns já pensam que sou.

— Prostituta...? É assim que você vê a si mesma? Eles se encaravam, com raiva, magoados, prontos para atacar e ferir.

Nenhum dos dois viu a figura que se aproximava deles. Nils saiu de dentro da escuridão como um touro irado e jogou sua

bengala longe. Separando o casal com um empurrão, ele se posicionou entre os dois.

— Tire as mãos de minha irmã, seu desgraçado! — Nils! — Claire puxou o irmão pelo braço, sem conseguir resultados.

Ele se recusava a sair do lugar. Os dois homens olhavam fixamente um para o outro. Nils parecia não

se importar de ser mais baixo do que o seu adversário. Cole, que não parecia interessado em brigas, tampouco indicava que estava pronto para fugir de uma.

— Fique longe dela, Garrett! Você já não causou problemas suficientes? — A sua irmã, Sorenson, tem idéias próprias. Ela não recebe ordens de

um bêbado. — Caso não tenha notado, estou absolutamente sóbrio. Mas bêbado ou

sóbrio, o meu conselho é o mesmo. — A raiva vibrava dentro de Nils, como cordas de violino. — Se você estivesse fazendo o que deveria, eu ainda teria minhas duas pernas! — ele gritou.

Claire assistia a tudo, incapaz de impedir que os dois homens que mais amava parassem de se esmurrar. Jamais havia visto seu irmão daquele jeito.

Depois do que pareceram horas, Cole usou o peso de seu corpo, virando Nils com o estômago para baixo e os braços presos atrás.

— Terminou? — ele perguntou, com a respiração ofegante. — Extravasou a sua raiva? Está mais calmo agora?

— Me solte — balbuciou Nils, frustrado. — Você terminou? — repetiu Cole. — Sim — respondeu Nils, quase chorando. — Agora saia de cima de

mim. Vagarosamente, os dois levantaram-se do chão. Encarando-se com

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suspeitas, os dois removiam a terra de suas roupas. — O que aconteceu com você, Nils, foi um acidente. — Cole olhava no

fundo dos olhos de Nils. Cada palavra era pronunciada clara e distintivamente. — Você era o principal carregador naquele dia — cuspiu Nils. — Era sua

obrigação assegurar que a carga estava balanceada. Se você tivesse cumprido seu papel, o meu acidente nunca teria acontecido. Você tem idéia do que significa ter trinta troncos de árvore rolando para cima de você? — A voz de Nils quebrava-se. — Tem idéia do que é pensar que cada vez que respira será a última?

— O quanto você se lembra daquela tarde? — O suficiente. — A boca de Nils formava uma linha reta e dura. — Eu

me lembro o suficiente para saber que outra pessoa era o principal carregador até você chegar. Você simplesmente não conseguiu resistir a oportunidade de se exibir diante da equipe. Tinha de provar, não é mesmo, que podia cumprir qualquer das funções, e cumpri-la melhor do que os outros.

O olhar firme de Cole pestanejou quando a acusação de Nils encontrou seu alvo.

— Para o inferno com o orgulho, não posso negar que o que esteja dizendo seja verdade. Não vou pedir para ninguém fazer nada que eu não domine completamente.

— Eu era o líder do meu grupo. Estava esperando que a carroça ficasse completamente carregada, para guiar os cavalos até a margem do rio. Você observou por um tempo e depois mandou o principal carregador fazer alguma outra coisa e assumiu a posição dele.

Claire olhava de um para outro, plantada no chão, ouvindo avidamente, e pela primeira vez tomando conhecimentos dos detalhes daquele evento fatídico.

— Eu pensei que tirá-lo dali seria um favor a todos. — Cole arrancou a gravata, que havia se afrouxado durante a luta e a guardou no bolso. — O sujeito que estava com aquela responsabilidade, Ben Hinkle, era um novato. Eu não queria constranger o capataz na frente dos homens, questionando a sua escolha. Então, pedi a Hinkle que fosse buscar uma corrente no ferreiro que havia sido levada para consertar. E este foi o meu erro.

— Não entendo... — Claire aparteou. — Quando isso poderia ser errado?

Cole afastou o cabelo da fronte apenas para que a mecha voltasse à posição anterior.

— Porque Hinkle trouxe de volta a corrente errada em vez da corrente que havia sido consertada, e ele voltou com uma que tinha um elo fraco e a usou para fixar a carga.

Nils olhava para Cole, cada vez entendendo mais.

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— Você está dizendo que... — É exatamente o que eu estou dizendo. — A voz de Cole agora parecia

cansada. — A corrente arrebentou quando os cavalos começaram a descer aquela ribanceira. Aí, a carga se soltou. Você sabe o resto.

Nils engolia em seco convulsivamente. — Eu estava sentado no topo da carga. No momento em que senti que

ela estava solta, tentei pular fora. As toras voavam para todos os lados. Vagarosamente, Cole assentiu com um gesto de cabeça. — Você fez malabarismos incríveis. Por alguns momentos, pensei que ia

conseguir se safar. — Quase consegui. — A expressão no rosto de Nils era distante. —

Quase consegui — ele repetiu baixinho. — Eu não percebi o erro até que o ferreiro chamou a minha atenção. E

claro que despedi o Hinkle, mas não se ganharia nada criando um tremendo caso a respeito do incidente. Não salvaria a sua perna.

Nils permanecia em silêncio. Claire estava a seu lado. Seu coração estava com o irmão. Ele havia se alimentado da raiva e da autocomiseração por um ano. Esses sentimentos haviam sido a sua muleta, da mesma maneira como a bengala que ele freqüentemente usava. Naquele momento, subitamente, aquele suporte lhe havia sido retirado, de forma abrupta, deixando-o sem equilíbrio e inseguro. Ela tomou o braço do irmão. Desta vez Nils não tentou soltá-lo, como havia feito tantas vezes no passado.

— É hora de você ir embora. — As palavras de Nils eram calmas, porém firmes.

Os olhos de Cole foram de Nils para Claire. — É isto que você quer, também? Ela assentiu, com expressão gélida. — Não há nada mais a ser dito. Cole olhou dura e longamente para ela, com seus olhos escuros e

intensos. Depois, se retirou. Claire e Nils estavam de pé, ao lado daquele pedaço de terra sem

cultivo, sem dizer nada, quando Cole montou em seu cavalo e partiu. Foi somente quando o som das patas do cavalo calou, que Nils abaixou-se para pegar a bengala e os dois voltaram para o rancho.

Claire estava aliviada que as nuvens parcialmente obscureciam a lua. Ela não queria que Nils percebesse o tumulto que a dominava e que, tinha certeza, era visível. Sentia-se desolada. Aquele encontro com Cole trouxera um sentimento de adeus. Uma impressão de que um vínculo havia sido rompido.

— Você ficará melhor sem ele, maninha — Nils disse baixinho. — Como você pode dizer tal coisa? Você mal o conhece. — Ela sentia

seus olhos lacrimejarem.

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— Dizem que ele matou sua mulher. Ficarei mais tranqüilo sabendo que você está a uma distância segura dele.

— Cole não matou sua mulher. Ele não é capaz de matar ninguém. — Se ele é assim tão honrado, porque não a deixa em paz? Claire não

tinha resposta. Como podia explicar a forte e irresistível atração que sentia por Cole Garrett? Uma atração que aniquilava o bom senso, triturava a força de vontade, mas que, mesmo assim, fazia com que se sentisse totalmente viva, que a fazia brilhar no escuro.

— Nada que você possa dizer fará com que eu mude de idéia a respeito de Garrett — Nils avisou quando chegaram à porta da casa. — Quando tudo isto tiver terminado, ele fará de conta que nunca conheceu você. Vai olhar para o outro lado, quando encontrar com você na rua. Quando for hora de escolher outra esposa, será alguém como Priscilla Brock, e não uma habitante da periferia da cidade.

Não era o que ela queria ouvir, mas não poderia refutar aquela probabilidade. Ela e Cole haviam sido jogados juntos por circunstâncias fora do comum. A química entre eles havia sido vigorosa. Explosiva. E, assim como uma explosão, devastadora, porém breve.

— Já é tarde — ela disse, finalmente. — Boa noite, Nils. Claire dormira mal. Um pouco antes da aurora, levantou-se. Vestiu-se

no escuro e foi para a cozinha. Puxou uma cadeira e sentou-se, descansando a cabeça nos joelhos erguidos. Ficou olhando pensativa pela janela, para o pequeno quintal e para o bosque mais adiante.

Fechando os olhos, ela concentrou-se. Na manhã que se seguiu à morte de Priscilla Garrett, ela havia chegado em casa e encontrado o irmão enterrando alguma coisa no quintal. Mais tarde, ele alegara que se tratava da barrigada de um veado que havia caçado com um amigo. Aquilo, por si só, não fora causa para alarme. Veados eram abundantes em Michigan. A sua carne, muitas vezes, suplementava a alimentação das famílias no inverno.

Ainda assim... Apesar da baixa temperatura, Nils estava em mangas de camisa.

Mangas que estavam manchadas de sangue. Não foram os atos de Nils, entretanto, que lhe chamaram a atenção, mas sim sua reação. Ele estava mal-humorado. Misterioso. Aborrecido. Os olhos de Claire se abriram e ela endireitou-se na cadeira. E se Nils tivesse mentido. O dedo gelado do medo lhe fazia cócegas dentro da espinha, congelando-a até a medula dos ossos. E se ele não tivesse enterrado as entranhas de um veado, mas algo muito mais sinistro?

Nils ainda não havia regressado da cidade, onde passara a noite depois da discussão com Cole. Claire mal conseguira disfarçar sua impaciência, enquanto o pai tomava seu café da manhã. Pelo menos daquela vez, ela

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estava feliz com o silêncio imposto durante as refeições. No minuto em que seu pai desapareceu de sua linha de visão, ela

correu para o barraco em que eram guardadas as ferramentas. Pegando uma pá, começou a cavar no lugar, atrás do barraco, onde mato começara a brotar de um retalho de terra mexida.

Com a mente vazia, Claire se concentrou na tarefa do momento. Ela não queria pensar no que poderia encontrar. Não desejava encarar a terrível possibilidade de que Nils pudesse ter mentido. Não poderia, entretanto, descansar, até que soubesse a verdade.

O monte de terra aumentava a cada pá cheia jogada. Calos se formavam na palma de suas mãos delicadas. O suor se acumulava em sua fronte. Já estava quase admitindo a derrota, quando a pá encontrou resistência.

Ajoelhando-se ao lado do buraco que havia feito, ela usou as mãos para espalhar a terra para os lados. Sua respiração parou quando viu algo conhecido. Inclinando-se para dentro da cova, ela retirou dali a jaqueta azul favorita de Nils. A jaqueta estava coberta por manchas. Manchas da cor de sangue coagulado. Sangue humano? A que outra conclusão poderia chegar, ela se perguntou assustada, quando não viu qualquer sinal de matéria em decomposição?

Ela ficou de cócoras e olhou com horror para a jaqueta a sua frente. Num primeiro momento, sua mente se recusava a entender o que seus olhos viam. Mas aquela sensação logo desapareceu, deixando-a encurralada por dúvidas e medo. Nils enterrara sua jaqueta ensangüentada na manhã após o assassinato de Priscilla Garrett. Seriam as manchas uma coincidência ou, de alguma forma, relacionadas à sua morte? Sua cabeça se recusava a aceitar aquele pensamento. Aquilo não fazia qualquer sentido. Por qual motivo Nils mataria uma desconhecida? — Meu Deus! O que você fez, Nils?

Menos de uma hora depois, a porta da cozinha se abriu e Nils apareceu. Ele parou, quando a viu sentada à mesa, com uma caneca vazia a sua

frente. — Problemas, mana?! — Você poderia dizer que sim. — Entristecida, ela olhava para o irmão.

Onde estava aquele homem que fazia amigos apenas com o sorriso cativante. Aquele homem de humor fugaz e charme diabólico. Quem era aquele sujeito maltrapilho e furtivo em que ele se havia transformado?

Nils se dirigiu ao bule de café sobre o fogão. Ele parecia mancar mais pronunciadamente, como acontecia quando estava cansado.

— Ainda está brava por que eu bati no Garrett? — Quero falar com você, Nils. Ele esvaziou o bule em uma xícara esmaltada.

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— Se você espera que eu me desculpe pelo que disse depois da briga, não vai conseguir. Eu quis dizer exatamente o que disse. O Garrett é encrenca, mana. Ele só vai magoar você.

Os olhos de Nils estavam avermelhados, suas roupas amassadas, mas, pelo menos, não cheirava a cerveja barata. Abaixando-se, ela recolheu a jaqueta do chão.

— Reconhece isto? A caneca se soltou da mão de Nils, espalhando café pelo piso da

cozinha. Claire levantou-se, com a jaqueta na mão. — Você disse que havia matado e limpado um veado. Que estava

enterrando sua barrigada. Por que, então, enterrou a jaqueta? O rosto de Nils estava pálido como o de um cadáver. — Por que... — Ele levantou uma das mãos na direção da peça de

roupa, deixando-a despencar em seguida. — Por que está toda manchada de sangue. Está arruinada. Não posso usá-la assim.

— Por que, então, não a jogou fora, simplesmente? Ou por que não queimou? Por que toda a preocupação em enterrá-la?

Nils evitava olhar para a irmã. Ele pegou um pano e começou a limpar o café derramado.

— Pare de mentir para mim, Nils! — Fúria, medo e frustração se debatiam para dominar Claire. Ela arrancou o pano das mãos do irmão. — Eu peguei você enterrando sua jaqueta na manhã após o assassinato de Priscilla Garrett. Por favor, me convença que você não teve nada a ver com a morte daquela mulher.

Quando o nome de Priscilla foi mencionado, as emoções que tomaram conta do rosto de Nils pareciam nuvens precedendo uma tempestade. Depois, enquanto Claire observava, espantada, Nils afundou o corpo em uma cadeira, colocou a cabeça entre as mãos e chorou como uma criança.

As reações que ela havia imaginado não incluíam esta manifestação de dor intensa. Mas seria aquilo o reflexo do sentimento de culpa ou do medo das conseqüências? Claire simplesmente não tinha idéia. Afinal, nunca antes havia visto o irmão perder o controle. Nem mesmo quando o Dr. Wetherbury lhe havia dito que poderia perder a perna, ou, na melhor das hipóteses, nunca recuperar seu uso normal. O que ele teria feito, para justificar tal cena?

Nada importava, ela amava o irmão e jurou ficar ao seu lado. Seus soluços angustiados lhe partiam o coração. Sem conseguir agüentá-los por mais tempo, abraçou Nils e encostou-lhe a cabeça no ombro.

— Shhh, Nils, vai ficar tudo bem — Claire repetiu a frase várias vezes, como se estivesse tentando consolar uma criança.

Finalmente, ele aspirou profundamente e aquela torrente de lágrimas

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começou a diminuir. Enxugando o rosto com uma manga da camisa, Nils manteve a cabeça abaixada, olhando no chão.

Convencida de que o irmão havia cometido um crime hediondo, Claire abaixou-se diante dele e segurou-o pela mão.

— Nils, você tem que ir às autoridades. Tenho certeza de que, seja lá o que for que aconteceu a Priscilla, foi um acidente. Você tem de fazê-los entender que nunca pretendeu matá-la.

Ele levantou a cabeça devagar e olhou para ela com horror crescente. — Bom Deus, irmãzinha, você pensa que matei Priscilla Garrett? — Você está me dizendo que não a matou? — Claire apertava-lhe as

mãos espasmodicamente, mas ele não parecia notar. — Eu amava Priscilla. Eu nunca faria mal a ela, nem em um milhão de

anos. — Amava Priscilla? — Claire repetiu, com voz apagada. Nils assentiu. — Planejávamos fugir daqui... quer dizer, até que me machuquei. Aí,

tudo mudou. Aquela confissão deixou Claire envolta por uma nuvem de confusão. — Eu nem imaginava que vocês se conhecessem. — Oh, nós nos conhecíamos muito bem... — ele confessou, com um

misto de tosse e riso. — Melhor do que você pode imaginar. Relaxando o aperto nas mãos do irmão, ela ficou de cócoras e o

examinou. — Você não acredita em mim, não é? Ela olhou para o rosto do irmão, judiado pelas lágrimas e seu coração

confrangeu-se. Mas ainda não conseguia se convencer de que ele estivera envolvido com a mulher com quem Cole se casara.

— Eu gostaria de acreditar, mas é difícil imaginar você e Priscilla Garrett juntos.

— Priscilla Brock. — A voz de Nils era afiada como a lâmina de um machado. — Seu nome era Priscilla Brock, naquela época. Ela mal conhecia Garrett, exceto como um dos parceiros de negócios de seu pai.

— Fale comigo, Nils. Conte-me tudo. Ele esfregou os olhos com as costas das mãos. Depois assoou o nariz. — Tudo começou com um flerte inocente. Não quero me gabar, mana,

mas eu podia escolher a mulher que eu quisesse, antes de me machucar. — Eu sei. — Claire se lembrava de ver o irmão sempre envolvido em

inúmeros flertes. — Priscilla e eu nos gostamos instantaneamente. No começo, fiquei

surpreso quando ela concordou em me encontrar. Acho que era tudo um jogo para ela. Uma forma de se rebelar contra seu pai, ou, talvez, de se vingar dele por não lhe dar atenção suficiente. Qualquer que fosse sua razão, eu era dife-

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rente do tipo com quem ela se relacionava habitualmente, diferente do tipo que o pai escolheria para ela. Nós nos encontrávamos quando e onde podíamos. Era excitante, apaixonante, no começo, depois...

— Depois? — Depois tudo mudou, pelo menos mudou para mim. O rosto de Claire queimava de vergonha, mas ela tinha que ouvi-lo

responder sua pergunta: — Vocês... — Sim. — Ele passou uma mão pelos cabelos emaranhados. — Éramos

amantes. Precisando de tempo para se acostumar com as fantásticas revelações

do irmão, ela levantou e começou a preparar um bule de café fresco. — O que aconteceu depois de seu acidente? Nils fitava o espaço. — Quando eu consegui ficar de pé novamente, literalmente, Priscilla

havia fugido com o Garrett. Depois disso, ela nem olhava na minha cara. Depois de pouco tempo que eles estavam casados, fiquei sabendo que ela estava grávida...

A mão de Claire tremeu. O café que ela estava prestes a coar foi parar no chão.

— Daisy não é filha de Cole — ela contou, fingindo uma calma que não sentia.

Nils ficou completamente imóvel. — Você tem certeza? — Absoluta. — Claire desistiu de fazer café. — Priscilla estava grávida

de outro homem, quando se casou. Leonard Brock forçou Priscilla a se casar com um homem de sua escolha ou enfrentar um escândalo.

— E Cole Garrett foi escolhido a dedo para a missão. — Nils levantou a cabeça e enfrentou o olhar da irmã. — Você sabe o que isso quer dizer, não é?

Claire assentiu, vagarosamente. — Você poderia ser o pai de Daisy... Nils esfregou o queixo não barbeado. —Devo admitir que foi um choque ver a criança na margem do rio, tão

clarinha e tudo o mais. Ela não se parece nem com Priscilla nem com o Garrett, na verdade. Depois de algumas cervejas me convenci de que era loucura considerar a possibilidade de que pudesse ser minha.

— Você não pode ter certeza de que ela é. Não há como provar de que você é o pai.

— Você tem razão — ele disse, decepcionado. — Mesmo que pudesse provar, a menina está melhor longe de mim. Garrett a trata como uma princesa.

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— Brock, e depois Cole, imaginaram que o pai de Daisy era casado e que essa foi a razão que fez Priscilla recusar-se a dizer quem era. Eles nunca suspeitaram quem poderia ser.

— ...um simples lenhador como eu — Nils sentenciou. Claire colocou as mãos na cintura e estudou o chão da cozinha.

— Você ainda não me explicou como o sangue foi parar na sua jaqueta. Era o sangue de Priscilla?

— Sim. Mas eu juro por Deus que eu não a matei. Se eu lhe contar toda a história, você promete não contar para mais ninguém? Por favor, irmãzinha — Nils suplicou quando percebeu a hesitação de Claire. — Promete? Minha vida depende disso.

Quando a irmã concordou com a cabeça, ele respirou fundo. — Fui eu quem encontrou seu corpo.

Capítulo XI

Abraçando um pequeno pacote, Claire passou entre pilhas de tábuas de madeira, recém-cortadas, com dois metros de altura. Ela estava determinada a esperar o tempo que fosse necessário até que as serras parassem de berrar. Precisava falar com Cole, fazer com que ele ajudasse. As revelações que Nils havia feito naquela manhã criaram um redemoinho de incerteza. Tempo suficiente havia se passado para que o tumulto interno de Claire tivesse diminuído de intensidade e um plano de ação fosse criado. Um plano esculpido por puro desespero.

A vida dos dois homens que ela mais amava estava em risco. Quando Claire perguntou, Nils lhe disse que não havia visto a pessoa

responsável. Ele imaginara que o assassino já estivesse na serraria, pacientemente esperando pela chegada de sua vítima e, depois, saindo, despercebido, por alguma das portas dos fundos.

E Claire acreditara nele. Nils não era um assassino. Cole tampouco. O que havia acontecido naquela noite? Ela tentava imaginar. Um amante desprezado. Um ataque de ciúme. Ingredientes para uma

tragédia. Seu irmão estava em pânico, pois sabia que ninguém acreditaria em sua história e que acabaria na cadeia. Quem daria crédito a um bêbado?

Claire concordava, tristemente. Se a polícia duvidava que estava dizendo a verdade em relação ao álibi de Cole, por que iria crer na declaração de inocência dele?

Finalmente, os trabalhadores, cansados, depois de uma jornada de doze horas e ansiosos por uma refeição quente, começaram a sair da serraria. Ela

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esperou, sabendo que Cole geralmente era o último a sair. Depois de dez minutos, todos os empregados já haviam saído, Claire saiu de seu esconderijo e caminhou entre as pilhas de madeira. Entrou no prédio cavernoso e olhou a sua volta, procurando orientar-se. O cheiro de madeira recém-cortada impregnava o ar. A luz do cair da tarde entrava por uma série de janelas dispostas no alto das paredes, lavando o interior em tons de púrpura.

Não encontrando qualquer sinal de um escritório, Claire subiu as escadas a sua esquerda. Respirou aliviada quando viu uma nesga de luz por baixo de uma porta no final do segundo piso. Uma fina camada de pó de serra abafava o som de seus passos. Ela viu os dizeres "C. L. Garrett, Proprietário", em letras pretas gravadas em uma placa na porta do escritório.

Sua batida na porta, tentativa, foi recebida com áspera impaciência. — O que é? Respirando fundo para ganhar forças, Claire abriu a porta e encarou o

leão em sua toca. Cole estava sentado à sua mesa de trabalho, enterrado em pilhas de

fichas e outros papéis. — Pensei que já tivesse ido embora, Bowman — ele disse, sem levantar

os olhos. — Esqueceu alguma coisa? Claire pigarreou. — Não sou Bowman. Surpreso, Cole levantou a cabeça ao ouvir a voz dela. — Claire! — Um sorriso de boas-vindas suavizou seu semblante. — Estou incomodando você? — Bobagem — ele disse, largando a caneta e levantando-se. Em vez de

ir até ele, como gostaria de fazer, Claire ficou parada na soleira da porta. O sentimento de culpa a inundou quando viu o sorriso amplo no rosto dele. Uma parte dela fazia com que se sentisse uma traidora pelo simples fato de ter pro-metido manter o segredo de Nils. Se a polícia soubesse o que ela sabia, a suspeita de assassinato seria transferida dele para seu irmão. Como poderia sacrificar um deles para salvar o outro? Ela estava presa em um dilema com apenas uma saída. Cole parou e olhou-a, desconfiado.

— Há algo errado? Claire lhe passou o pequeno embrulho. — Eu lhe trouxe isto. Ele desembrulhou o pacote e examinou seu conteúdo. — Bolo de chocolate! — ele exclamou, com prazer. — O meu favorito.

Não me diga que caminhou até aqui só para me trazer um bolo? Ela corou. — É uma desculpa tola, eu sei, mas não é pior do que você devolver o

meu grampo.

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Ele lhe deu um sorriso tímido, um sorriso que ela achou adorável, mas logo voltou a si.

— Conhecendo você como eu conheço, deve ter ficado muito chateada para fazer um bolo assim tão bonito.

— Você se importa se eu me sentar? — Não, é claro que não. — Ele indicou uma cadeira de frente para a

mesa. — Você ainda está chateada pela minha briga com seu irmão, ontem à noite?

— O rancor entre vocês dois já vinha se acumulando há algum tempo. Tinha que explodir, mais cedo ou mais tarde. Estou aliviada que a verdade tenha sido dita.

Ela cruzou as mãos para não demonstrar seu nervosismo, enquanto observava Cole encostar-se na beirada da mesa. Tão forte, tão sólido, tão querido. E tão tremendamente vulnerável. Se ele conseguisse sair desta provação são e salvo, precisaria da ajuda dela. Ela era sua única chance.

— Eu gostaria de pensar que você está aqui por que reconsiderou e decidiu aceitar o bônus que eu lhe ofereci, mas eu sei que você é muito orgulhosa e teimosa. Diga logo, Claire. Suponhamos que você me conte o que a está chateando.

Ela havia ensaiado o que iria dizer, várias vezes, mas agora, que estava finalmente ali, seu pequeno discurso ficara entalado em sua garganta.

— É sobre o que conversamos ontem à noite. Um sorriso tristonho se esboçou no canto de sua boca. — Oh, meu bem, falamos de muitas coisas ontem à noite. Nós dois

raramente ficamos sem assunto. — Sobre Priscilla. — Eu não acho que haja mais o que dizer sobre isso. — Oh, mas há sim... — Claire retrucou. Cole levantou as sobrancelhas, mas não disse nada, esperando que ela

continuasse. — Estou convencida de que Priscilla tem a resposta, a chave, que levará

a seu assassino. — Claire levantou uma das mãos, para frear o protesto que via a caminho. — Por favor, me ouça, é só o que lhe peço. Pensei muito sobre o assunto. A única forma de você se ver livre será se nós encontrarmos o verdadeiro assassino.

— Claire, você está dizendo besteiras. Não somos detetives treinados. O que você está sugerindo não é brincadeira de criança. É melhor que o caso seja investigado por profissionais. Por que você está fazendo isto, Claire?

Claire soltou um longo suspiro e deixou seus músculos tensos relaxarem.

— A minha teoria é que a Priscilla foi morta por alguém que a conhecia

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bem. Cole franziu a testa. — Até onde sei, nenhum dos amigos de Priscilla deixou a cidade

repentinamente. Se você está correta, isto indicaria que o assassino ainda está em Brockton.

Ela se inclinou na direção dele. — Por que o Sr. Brock está tão certo de que você matou sua filha? Será

por que ela deixou você como executor da herança de Daisy? — Não seria a primeira vez que o dinheiro seria o motivo para um

assassinato. — Afastando-se da mesa, ele andou pelo escritório abarrotado de coisas. — Primeiro, Brock me culpou por não ser o tipo de marido para satisfazer Priscilla. Depois da leitura do testamento, ele ficou ainda mais vingativo. Foi quando me acusou de matá-la pelo dinheiro.

— Se Priscilla o odiava tanto quanto você diz, por que ela deixou a herança de Daisy para você administrar.

— Não tenho certeza de que entendo mais do que você. Por Deus, eu gostaria que ela não tivesse feito isso. É como se ela estivesse apontando um dedo para mim, lá do túmulo.

Um calafrio correu pela espinha de Claire com a imagem criada por aquelas palavras.

— O dinheiro deu a Tanner um motivo. Entretanto, graças a você, eu tenho um álibi para a hora em que Priscilla foi morta. Mas, no fundo da minha alma, eu sei que Tanner está procurando um jeito de anular a minha defesa.

Por dentro, Claire concordava, mas sabia que ventilar sua opinião apenas acrescentaria às preocupações de Cole.

— O Sr. Lamont preparou o testamento de Priscilla. Ele alguma vez lhe explicou por que ela nomeou você para administrar a herança?

Cole fez uma pausa, pensativo. — Não. Por outro lado, tenho estado tão ocupado, que acho que

também não perguntei. Talvez seja hora de eu visitar James e ver se consigo uma resposta dele.

— Há alguém para quem Priscilla possa ter confidenciado que estava tendo um caso? Talvez a Sophie?

— Talvez — respondeu Cole depois de pensar por um momento. — E Alma? — persistiu Claire. —- Ela trabalhou para Priscilla por muitos

anos. Cole voltou a passear pela sala. — A lealdade de Alma para com Priscilla era inquebrantável. Se ela

conhece algum segredo, o manterá até o fim. — Deve certamente haver alguém que possa nos ajudar. — Claire

levantou os olhos preocupados para Cole. — E Tim?

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Ele levava Priscilla para todos os lugares... E eu sei que ele não gostava dela.

— Não, Tim não. Tenho certeza de que se ele tivesse conhecimento de algo útil, já teria mencionado.

Claire não discutiu aquele ponto. Mesmo assim, tinha suas reservas com relação a Tim. Não importava o quanto tentasse, ela não conseguia se livrar do pensamento de que ele sabia mais do que estava disposto a contar.

— Pelo menos temos um lugar para começar. Por que você não fala com James? Descubra por que Priscilla fez de você o guardião da herança de Daisy. Enquanto isso, eu vou fazer uma visita a Alma. Talvez eu consiga fazê-la me contar alguma coisa. Ou, pelo menos, me dar alguma indicação de com quem Priscilla pudesse estar se encontrando. — Claire se levantou. — Bem, está na minha hora... Tenho de ir para casa.

— Claire... — Cole a interrompeu assim que ela chegou à porta. — Obrigado por acreditar em mim. Você nem pode imaginar o quanto isto significa.

Ela engoliu em seco e tentou sorrir, mas não teve sucesso. Viu-o caminhar em sua direção.

Alcançando-a, Cole tocou em seu rosto. — Você tem idéia de quanto é especial? Claire não conseguia respirar direito. Até seu coração parecia ter

parado. Virando a cabeça, ela apertou os lábios sobre a palma da mão de Cole. — Especial? Engraçado, eu sempre penso em você deste mesmo jeito. Emoldurando-lhe o rosto com as mãos, seus lábios roçaram nos dela

num contato leve, gentil. Incendiário. Faísca contra mecha. Instantaneamente, o beijo mudou de intensidade, ficou mais profundo. Cole a puxou para seus braços. O calor aumentou, fundindo os dois. Quente e exigente, sua boca devorava a dela, como se ele nunca fosse saciar sua fome por aquele sabor. Como se aquele beijo fosse o último. Claire respondia, envolvida pelo fogo da paixão.

Ao som de passadas pesadas na escada, os dois se separaram rapidamente, sentindo-se culpados.

A porta do escritório, parcialmente aberta, fechou-se com um estrondo. — Ora, ora, ora... — Tanner resmungou, sarcástico. — O que temos

aqui? Um par de namoradinhos? O olhar de Claire fixou-se nos três homens que invadiam a sala. Tanner

vinha acompanhado de Homer Bailey e um terceiro homem, um policial cujo rosto ela reconhecia, mas cujo nome não sabia.

Cole posicionou seu corpo entre Claire e o trio. — O que você quer, Tanner? — Estamos aqui oficialmente, Garrett. Você pode vir pacificamente ou

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dificultar para você mesmo. De qualquer forma, você está preso. Um gemido de protesto escapou dos lábios de Claire, que agarrou o

braço de Cole. Seu coração batia furiosamente contra suas costelas. Bailey agarrou o outro braço de Cole e puxou.

— Vamos, Garrett, não nos faça perder tempo. Cole soltou-se, congelando em seguida, quando o terceiro homem lhe

apontou uma arma. Homer sorriu sarcástico para Cole. — Nós estamos aqui, para conduzi-lo a sua nova residência... ou

deveria dizer cela? Tanner deu um passo adiante. — Cole Garrett, você está preso pelo assassinato de Priscilla Brock

Garrett. Bailey algemou Cole, e Claire, espantada, assistia a tudo sem acreditar. Cole encarou o olhar frio do delegado com falsa bravura. — Parece que já passamos por isto antes, Tanner. Se não me falha a

memória, você foi obrigado a me soltar, pois eu não estava nem perto da serraria, quando Priscilla morreu.

Tanner nem piscou. — Depois da demonstração de afeto que eu e meus homens acabamos

de presenciar, o testemunho da Srta. Sorenson perdeu a credibilidade. Qualquer idiota pode ver que a mulher gosta de você. Ela vai ter sorte, se não for acusada por lhe haver fornecido um álibi falso.

A um sinal de Tanner, os dois policiais, um de cada lado de Cole, começaram a arrastá-lo para fora.

— Por que agora, Tanner? Por que depois de tanto tempo? O sorriso estreito de Tanner ampliou-se.

— Por que encontramos a arma do crime. Cole ficou de queixo caído. Seu rosto empalideceu de imediato.

Retorcendo-se do jugo dos policiais, falou com Claire, atrás dele. — Vá procurar James. Conte-lhe o que aconteceu. Antes que ela

pudesse responder, ele foi levado escada abaixo e desapareceu. Claire apressava-se ao longo da Rua Maple. Ela não tinha muito tempo.

Padraig Mulligan a esperava para trabalhar pontualmente às oito horas da noite. Mas, antes, precisava informar James Lamont que Cole havia sido preso. E descobrir porque Priscilla havia dado a Cole a incumbência de ser o guardião da herança de Daisy. Se chegasse atrasada e ele ficasse bravo, que assim fosse. Havia prometido a ele que cada centavo da dívida de Nils seria pago. E cumpriria o prometido. Para ela era uma questão de honra.

A casa dos Lamont era muito maior e suntuosa do que a de Garrett. Era uma estrutura imponente de três andares e meio, se fossem incluídos os sólidos alicerces de pedra. Claire analisou, por um breve momento, se deveria

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marchar até a porta da frente ou usar a entrada de serviço, nos fundos da casa. Lembrou a si mesma que estava ali para tratar de assunto de trabalho, e não como serviçal. Erguendo os ombros, subiu a escadaria principal e tocou a campainha.

Ela foi atendida por uma governanta que usava um uniforme preto com avental e touca brancos de linho engomado.

— Sim? — A mulher examinou Claire com o olhar prático de quem reconhecia a simplicidade da blusa branca e da saia escura de Claire.

— Estou aqui para falar com o Sr. James Lamont. Por favor, diga-lhe que Claire Sorenson esta aqui para lhe falar sobre um assunto da maior importância.

A governanta apertou os lábios. Por um instante, Claire receou que a mulher iria se recusar a atendê-la ou lhe dizer que os Lamont não estavam em casa.

— Espere aqui — a serviçal lhe disse, finalmente, antes de fechar a porta na cara de Claire e deixá-la de pé na varanda.

Depois do que pareceu um tempo longo demais, a mulher voltou e encaminhou Claire para dentro da casa, por um longo corredor, até chegarem a uma saleta de estar.

— O Sr. e a Sra. Lamont estão recebendo visitas. A senhorita pode esperar aqui, ele logo virá atendê-la.

Claire foi deixada só para esperar. E se preocupar. Não era possível imaginar pelo que Cole estaria passando. Apesar de ele ter tentado dissimular, ela havia notado o pânico, e o desespero, em seus olhos, quando o levaram preso.

Tanner havia dito que a arma do crime havia sido encontrada. Mas, se o que Nils havia lhe contado era verdade, aquilo era impossível. Ela se lembrava claramente que seu irmão lhe dissera ter limpado cuidadosamente o gancho e o pendurado junto com outras ferramentas similares. Nada daquilo fazia sentido, a não ser que...

— Claire, isto é uma surpresa. — James entrou na saleta, fechando a porta, deixando para trás o murmúrio da conversa em curso, em outra parte da casa. Depois de apenas uma olhada em seu rosto, ele viu que algo estava errado. — Sente-se, querida, e me conte o que está acontecendo.

Agradecida, Claire afundou seu corpo em uma poltrona de veludo. — É Cole — disse, com a voz embargada. — Ele foi preso. — É por isso, então, que você está tão aborrecida. Posso lhe oferecer

uma bebida? Um vinho? Talvez um chá? — É muita gentileza de sua parte, mas não tenho muito tempo. Ele sentou-se ao lado dela, tomou suas mãos frias nas suas e as

massageou, gentilmente.

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— Acalme-se. Conte-me exatamente o que aconteceu. Tudo saiu em uma única torrente de palavras. James a ouvia atentamente, interrompendo-a, de vez em quando, para lhe fazer perguntas pertinentes,

— A arma do crime, hein? Não se preocupe, querida, vou até a delegacia ver o que consigo descobrir. Mas — ele apertou as mãos de Claire, acalmando-a —, preciso lhe dizer que não parece bom.

Sophie abriu a porta da saleta. — O que está acontecendo? — ela indagou com voz estridente; seus

olhos saltavam de Claire para o marido. James imediatamente soltou as mãos de Claire e ficou de pé. — Sinto dizer que a Srta. Sorenson veio com notícias muito chocantes. — E mesmo? — Sophie franziu a testa. Claire também ficou de pé. — Cole foi preso. — Oh, querida, que pena... — Sophie alisou sua cara saia francesa. —

Mas, certamente, isto não foi uma surpresa. Leonard Brock geralmente consegue o que quer.

Claire estava chocada com a falta de preocupação de sua amiga com o problema de Cole. Mas aquele não era o momento de exigir uma explicação. Em vez disso, ela estendeu a mão a James.

— Muito obrigado por me atender, Sr. Lamont. Tenho certeza de que fará o que puder para ajudar Cole, não é?

— É claro. Vou imediatamente. — Mas, James... temos convidados — protestou Sophie. Ele olhou para

a esposa, com uma ponta de reprovação. — Tenho certeza de que você dará conta de entreter nossos convidados

durante minha ausência. Cole é meu cliente há anos. Simplesmente, não posso deixar de atendê-lo nesse momento difícil.

— É claro que não, querido — Sophie sorriu carinhosamente para seu bonito marido, virando-se para Claire. — Vou pedir a Anne que a acompanhe até a porta.

Claire sentia que seu sorriso deveria passar a impressão de estar colado em seu rosto.

— Tudo bem, Sra. Lamont. Vá cuidar de seus convidados, eu conheço o caminho.

Claire só se lembrou que não havia perguntado a James sobre a herança depois de deixar a residência dos Lamont. E se a resposta fosse algo tão simples, tão óbvio, que ninguém se dera conta? E se Priscilla tivesse simplesmente escolhido aquela pessoa, a única pessoa que realmente cuidaria dos interesses de Daisy para administrar sua herança? Quem melhor do que Cole? Ele era a opção mais lógica para cuidar do bem-estar da criança. Em vez de garantir o futuro da criança, Priscilla, inadvertidamente, o havia colocado

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em risco. Que ironia. O Bar do Mulligan já estava lotado e barulhento quando Claire chegou,

com meia hora de atraso. Padraig, inclinando-se sobre o balcão do bar, com o habitual charuto pendurado na boca, avistou imediatamente Claire, que se espremia em meio à multidão.

— Está atrasada — ele lhe disse, à guisa de boas-vindas. — Não pude evitar. — Claire vestiu um avental e pegou uma bandeja. Ele assentiu com a cabeça, sem tirar seus astutos olhos verdes do rosto

de Claire. — Só não faça disso um hábito. Eu posso não ser sempre tão

compreensivo. — Não farei, eu prometo. Transferindo o charuto para o canto da boca, ele a fitou fixamente por

um longo momento, como se estivesse tentando decidir sobre alguma coisa. Claire devolveu o olhar, sem hesitar.

— Muito bem, então, ao trabalho. E não se esqueça de sorrir, como eu lhe disse.

Quando chegou a hora de fechar, Claire não conseguia decidir o que mais doía, a cabeça ou os pés. Mas a feliz música das moedas em seu bolso mais do que compensava pelo desconforto.

— Você foi bem, garota. — Padraig piscou para Claire. — Fiquei na dúvida, quando aqueles dois palhaços fizeram gracinhas para conseguir a sua atenção, mas você lidou com eles muito bem.

Claire sorriu, seu primeiro sorriso de verdade da noite. — Os dois deviam estar perto dos setenta anos de idade. Padraig sorriu

de volta. — Mas você fez com que eles se sentissem como dois garanhões. — Ele

retirou o charuto da boca e estudou sua ponta. — Ouvi falar sobre a prisão de Garrett. Não deve ter sido fácil trabalhar esta noite. Você deveria ter dito alguma coisa.

Ela manteve a expressão firme enquanto esvaziava uma bandeja de copos sujos na pia cheia de água e sabão.

— Trabalhar me manteve com a mente ocupada. — Sua boca se curvou em um sorriso sem graça. — Geralmente, quando estou preocupada, eu asso um bolo ou biscoitos. Eu já havia enchido o vidro de biscoitos. Além de ter feito um bolo de chocolate...

Padraig pegou um pano e poliu o balcão de nogueira, que já brilhava de tanto ser esfregado.

— Aposto que você é boa cozinheira, também. Claire tirou o avental, dobrou cuidadosamente e o guardou debaixo do

balcão.

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— O senhor tem sido muito gentil para mim, Sr. Mulligan. — Padraig — ele corrigiu. — Os amigos me chamam de Padraig, Ou,

então, Paddy. E não espalhe por aí que você me acha gentil. Eu tenho uma reputação a proteger. Tenho de admitir, entretanto, que fico feliz pelo cumprimento, vendo que vem de uma garota linda como você.

Ora, ora, pensou Claire, espantada. Padraig estava flertando com ela, novamente. Depois dos horríveis acontecimentos daquele dia, ela se sentia precariamente à beira do riso histérico.

— Você está em frangalhos. Vá para casa, Claire, e descanse um pouco. Mike Donahue está esperando por você lá fora. Ele mora perto de sua casa e concordou em acompanhar você e deixá-la em casa, com segurança.

A atenção de Padraig Mulligan quase desmontou Claire. Ela impulsivamente ficou na ponta dos pés e deu-lhe um beijinho na bochecha. E saiu correndo, antes de deixar a ambos sem graça, ao se desmanchar em lágrimas.

Claire escolheu o fim da tarde para visitar Tim O'Brien. Por mais que tentasse, ela não conseguia se livrar da idéia de que Tim estivesse, de alguma forma, envolvido na morte de Priscilla. Ou, no mínimo, que estivesse guardando segredos que pudessem provar a inocência de Cole. De qualquer forma, ela havia decidido ignorar o conselho de Cole e confrontá-lo quanto às suas suspeitas. Não queria se arriscar e ignorar qualquer possibilidade. Não podia, pois naquele momento a liberdade de Cole, sua vida, estava em jogo.

Ela olhou em direção à casa de Garrett, mas não viu sinal de Alma ou de Mabel Holland. Contornando a casa, chegou até o estábulo. Gertie, a gatinha de Tim, espiou em sua direção, sentada perto da porta. Um dos filhotes, cor de marmelada, brincava com a própria sombra.

Apesar de não vê-lo, Claire acompanhou o barulho ritmado que vinha da oficina, nos fundos do estábulo. Ela o encontrou inclinado sobre uma bancada, consertando uma sela de couro.

Tim interrompeu o trabalho quando a viu entrar, mas não havia qualquer sorriso de boas-vindas em seu rosto magro. Os dois se estudaram por um longo momento, em silêncio, um medindo o outro, analisando caráter, confiança, lealdade e amizade.

— Eu suponho que esteja sabendo sobre o Sr. Garrett... — ele começou a falar.

— É por isso que estou aqui — Claire o interrompeu. Ele não respondeu e voltou ao trabalho.

— Cole não matou a esposa. — Eu sei — Tim murmurou, sem levantar o olhar. Claire não deixou de

olhar para ele, em nenhum momento. — Eu tenho a impressão de que você sabe mais do que aparenta.

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A boca de Tim retorceu-se e formou uma linha reta de teimosia. Evitando o olhar inquiridor de Claire, ele pegou um pedaço de estopa e começou a lustrar o couro da sela.

— Uma vez você me disse que faria qualquer coisa por Cole. Você me disse que devia a ele. É assim que você retribui a bondade dele? — Entrando na oficina, Claire controlou-se para não agarrar a estopa das mãos dele e jogá-la longe. Precisava fazer com que ele lhe contasse o que ela precisava saber.

— Não há nada que eu possa fazer. — Não mesmo? — Claire não desistia. — Cole lhe deu uma segunda

chance quando ninguém lhe daria nem um bom dia. Se não fosse por ele, você ainda estaria na cadeia. Eu sei que você está escondendo alguma coisa de mim. Eu posso sentir. Como você pode ficar sem fazer nada, quando Cole pode passar o resto da vida na prisão por um crime que não cometeu?

— Vá embora. Deixe-me em paz. — O que você está escondendo, Tim? Tim empurrou a sela para um lado e afastou-se de Claire, que, mais

determinada do que nunca, o seguiu de perto. Com um forcado, Tim começou a espalhar feno pelo piso.

— Você a matou, Tim? Ele parou com o que estava fazendo e olhou espantado para Claire. — É isso que você pensa? Que eu a matei? O pasmo de Tim era genuíno. Levou um segundo ou dois para Claire

reprimir um ataque de simpatia por ele e continuar pressionando. — Cole não matou Priscilla, mas alguém fez isso. A expressão de teimosia voltou ao semblante de Tim. — Você não está querendo dizer que eu a matei. — Você não gostava de Priscilla Garrett. — Claire persistia. — Você

mesmo medisse. As mãos de Tim apertavam o forcado com força. Um dos músculos de

seu queixo trabalhava espasmodicamente. De repente, ele apontou um dedo para Claire e exclamou:

— Eu não matei aquela mulher! Tardiamente, Claire sentiu uma pontada de medo. Havia ignorado a

recomendação de Cole para deixar Tim fora daquilo. Convenientemente, ela havia posto de lado o fato de que Tim O'Brien havia matado um homem em um acesso de raiva.

Claire olhava-o com suspeita renovada. O corpo dele era compacto e musculoso. Forte o suficiente para enterrar um gancho de madeireiro nas costas desprotegidas de uma mulher. Havia sido uma tolice vir ali sozinha e provocar o sujeito para que revelasse seus segredos sombrios.

Sub-repticiamente, Claire olhou a sua volta, buscando uma rota de

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fuga, mas Tim estava entre ela e a saída mais próxima. Ela deu um passo atrás.

— Pelo menos me diga por que você não gostava da Príscilla — pediu, esforçando-se para manter a voz calma.

Naquele momento, Gertie, alheia à tensão reinante, aproximou-se e esfregou-se nas pernas de Tim, que jogou o forcado em um canto. Abaixando-se, ele pegou o gato no colo e começou a acariciá-lo. Gertie ronronava de prazer.

— Não me orgulho do que fiz — ele resmungou, de olho na pelagem brilhante da gata. — O Sr. Garrett merecia mais de mim.

Claire surpreendia-se com o contraste entre o carinho de Tim pelos animais e a violência da qual sabia que ele era capaz.

— Se você souber de alguma coisa, qualquer coisa, que possa ajudar Cole, por favor, me diga.

Após um silencioso debate consigo mesmo, Tim levantou os olhos e encarou Claire.

— Aquela mulherzinha estava me chantageando. — Chantageando? — Claire estava cada vez mais surpresa. Ele

assentiu. — Ninguém além de Tanner e do sr. Garrett deveria saber sobre a

minha prisão. Não sei como, mas a Sra. Garrett descobriu. Ela disse que faria com que me expulsassem de Brockton se não ficasse de boca fechada. Ela dizia que o povo não iria gostar de ter um assassino em seu meio.

Já não mais amedrontada, mas sim curiosa, Claire perguntou: — E o que você tinha que fazer? — O meu trabalho era levá-la nos lugares que ela quisesse ir e, depois,

ir buscá-la. Se dissesse uma palavra sobre o que ela fazia ao Sr. Garrett, ela providenciaria para que me expulsassem da cidade. Nunca me senti bem, escondendo as coisas do Sr. Garrett, mas eu sabia que aquela mulherzinha cumpriria a ameaça sem pestanejar.

Claire sentiu-se derrotada com aquela admissão. Em vez de uma confissão de assassinato, ela descobrira que Tim fora vítima de chantagem.

— E é isto que você vinha escondendo, todo este tempo? — É. — Ele colocou a gata no chão e a observou correr para longe. —

Eu vi os dois juntos muitas vezes. Finalmente, cheguei à conclusão de que o Sr. Garrett não ligava nem um pouco para o que a mulher fazia. Na época, disse para mim mesmo: qual é o mal? O tempo todo, isso está me roendo por dentro. Nunca me senti bem com o que estava fazendo, mas, sem um trabalho, voltaria para a cadeia. Eu faria qualquer coisa, menos matar, para não ser preso novamente.

E Claire acreditava nele. Entretanto, aquilo não a levava nem um pouco

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mais perto da verdade. Tim demonstrara ser mais um enigma na morte de Priscilla. Ela estava totalmente no escuro quanto a encontrar o assassino.

— Pelo que está dizendo, fica claro que Priscilla estava se encontrando com um amante. Quem era ele?

— Não tenho a menor idéia. — Tim apanhou o forcado e voltou a trabalhar o feno. — Eles eram espertos. Nunca vi o sujeito.

Os ombros de Claire se arquearam com a decepção. — Pense, Tim. Tem mais alguma coisa que pode me contar? Ele parou e

considerou a pergunta. — Eles geralmente se encontravam durante o dia, a maioria das vezes

na parte da tarde. Raramente à noite. Sempre desconfiei que ele era casado... Havia dúzias de homens casados que sucumbiriam ao charme de

Priscilla Garrett. Desapontada, Claire preparava-se para ir embora. — Se você não a matou, e eu sei que Cole não o fez, quem você acha

que foi? Ela não percebera que havia dito aquilo em voz alta, até ouvir a

resposta de Tim. — Já me perguntei uma dúzia de vezes — ele disse —, mas nunca achei

resposta. Claire virou-se para ele, colocou a mão em seu braço e falou: — Perdoe-me, Tim, por tudo o que disse antes. Eu cometi uma grave

injustiça com você. Ele sorriu, pela primeira vez naquela tarde. Os lábios torcidos com

amargura, mas um sorriso, de qualquer forma. — Não se preocupe com isso. Estou acostumado com que as pessoas

pensem o pior de mim. De qualquer maneira, Claire se sentia ainda mais culpada pelas coisas

que havia dito a ele. — Se puder ajudar, quero que saiba que Cole nunca deixou de acreditar

em você. Eu deveria ter dado ouvidos ao que ele tentou me dizer. Eu só não posso suportar a idéia de vê-lo passar o resto da vida na prisão.

Tim cruzou as mãos sobre a ponta do cabo do forcado e assentiu com a cabeça.

— Ama ele tanto assim, é? Uma negativa saltou para a ponta da língua de Claire. Por um instante,

ela pensou em usar Daisy como escudo, alegando que estava preocupada com o futuro da criança sem o pai. Mas, por que mentir? Tim facilmente adivinhara seu segredo. Era tão óbvio assim? Outros também haveriam notado?

— O Sr. Garrett tem sorte de poder contar com uma mulher como você. Eu gostaria de poder ter ajudado mais, mas a Sra. Garrett era discreta, ela se esforçava para que ninguém soubesse com quem estava se encontrando. Acho

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que era alguém importante. Ou, talvez, alguém que já tivesse uma esposa. O céu havia fechado, encoberto por nuvens escuras, desde sua

conversa com Tim, As folhas das árvores dançavam no vento. Sinal certo de chuva. Claire sabia. Como ainda era cedo para ir trabalhar, ela resolveu fazer uma visita a Alma Dobbs. Alma, assim como Tim, devia saber muitos segredos de Priscilla. Talvez, pelo bem de Cole, ela a convencesse a partilhar alguns deles. Valia a pena tentar.

Mesmo sem nunca ter estado lá, Claire sabia que Alma e seu marido Harold moravam em uma casinha na Rua 4.

Um vizinho lhe indicou uma casa térrea de estilo simples. Perto da porta, havia um vaso de petúnias com brotos roxos.

Claire vislumbrou um vulto vermelho, quando um cardeal bateu as asas em meio aos galhos de um elmo, na frente da casa. Subindo a escada, Claire bateu à porta, da frente. Esperou pacientemente, mas ninguém atendeu. Estava quase desistindo, quando finalmente ouviu alguém se movimentando, do lado de dentro. A porta foi aberta por um senhor, que se apoiava pesadamente em uma bengala retorcida. As mãos do homem estavam grotescamente deformadas pelo reumatismo. Mas, apesar de seu sofrimento, ele tinha um sorriso amigável.

— Não tenho certeza se estou no endereço certo. Estou procurando Alma Dobbs.

— Está no lugar certo, senhorita. Entre e sente-se. — Ele deu um passo para o lado, dando passagem a Claire. — Alma deve chegar logo. Ela disse que ia passar pelo mercado, no caminho.

— Se tem certeza que não vou incomodar. — Não há nada de que eu goste mais do que companhia. Fico solitário

sozinho aqui, quando ela está trabalhando. O meu nome é Harold, estou casado com Alma há uns trinta anos. E você, quem é?

Ela o acompanhou, a uma saleta cheia de poltronas estofadas. Todas as superfícies estavam enfeitadas com penduricalhos de crochê e as janelas cobertas de cortinas com babados. Havia retratos de ancestrais sisudos em pesadas molduras de madeira pendurados por cordinhas da moldura do teto.

— Eu sou Claire, sr. Dobbs. Claire Sorenson. — Ah, foi o que pensei. Alma me disse que você era uma moça bonita.

Ele sentou-se, de forma penosa e vagarosa, em uma poltrona reforçada e colocou os pés sobre um pufe.

— Eu lhe ofereceria um chá, mas, ultimamente, não sou muito útil na cozinha.

— Tudo bem, não se incomode. — Claire estava sentada à frente dele, com as mãos sobre o colo. Harold Dobbs não era nem um pouco o ser monstruoso que ela esperara encontrar, baseada nos comentários de Alma. —

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Espero que o fato de eu aparecer sem avisar com antecedência não interfira na sua rotina — desculpou-se, pois lembrou que Alma lhe havia dito que Harold exigia que suas refeições fossem servidas pontualmente.

— De forma alguma. — Ele gesticulou, como se estivesse colocando a preocupação dela de lado, com um amplo sorriso. — Alma sempre gosta de sentar-se e bater um papo, depois do dia de trabalho. Ela freqüentemente traz o jantar da casa do Garrett, de forma que só precisa esquentar. Nenhum de nós dois se importa muito com a hora em que jantamos. Nós gostamos de estar juntos.

Claire sorriu levemente. Interessante, pensou. Aparentemente, em relação a todo aquele tempo, fora ela quem estabelecera aquela regra de sair do trabalho prontamente às seis da tarde.

— A minha Alma com certeza gosta da pequena Daisy — disse Harold, inventando assunto. — Disse que ela é muito espertinha. Aposto que você sente muita saudade dela. Alma disse que você foi uma verdadeira mãe para a menina. Ela ficou muito chateada quando você saiu.

Claire sentiu uma pontada de felicidade ao saber que Alma a considerava uma boa babá. Especialmente considerando que, em determinada ocasião, ela havia dito que achava que Claire não tinha competência para cuidar de crianças. Mais surpreendente, ainda, era o proclamado carinho da governanta por Daisy.

— Eu devo ter me enganado — Claire começou, escolhendo as palavras com cuidado. — Passei todo este tempo com a impressão de que Alma não gostava de bebês.

— Alma? Não gostar de bebês? — Harold riu. — Oh, Deus, não! — É mesmo? — Pode apostar. Tanto que, se fosse por nós dois, teríamos o nosso

próprio rebanho. Mas... — Ele acrescentou, apagando o sorriso — as coisas nem sempre acontecem como queremos. No fim, acabamos tendo apenas um.

Harold Dobbs era uma caixinha de surpresas. Claire recostou-se na poltrona.

— Então vocês têm um filho? Harold assentiu, devagar. — Tivemos... uma menina. A pequena Sarah Jane. Não era muito mais

velha do que a filhinha dos Garrett, quando nós a perdemos. — Sinto muito, muito mesmo — murmurou Claire. — Eu não tinha a

menor idéia. Os olhos dele se tornaram distantes. — Alma não gosta muito de falar sobre isto. Ela ainda se culpa pelo que

aconteceu. — Tenho certeza de que, seja lá o que houve, não foi culpa de ninguém.

A Sra. Dobbs deve ter sido uma excelente mãe, sempre demonstrou ser muito

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responsável. — Não se podia esperar melhor — Harold declarou, com calma

convicção. — Até hoje, Alma tem horror de estar próxima a crianças pequenas, pelo medo de acidentalmente fazer algo que lhes prejudique.

Claire passou um momento digerindo aquela última informação que Harold lhe havia servido.

Alma tinha receio de fazer mal à criança? Aquilo explicava por que se mantinha longe de Daisy. E até, naquela ocasião, ignorara o bebê, a ponto de negligenciá-la. Claire balançou a cabeça, sem acreditar.

— Eu nunca teria adivinhado. — Ela morre de medo de bebês. — O que aconteceu com Sarah Jane? — Claire perguntou, em voz baixa. — Alma a colocou para dormir. Na manhã seguinte, encontramos o

bebê morto em seu berço. Alma não consegue tirar da cabeça que fez algo errado. Nada destrói você por dentro mais do que a perda de um filho.

Claire piscou para não chorar. Não fora sua intenção desenterrar lembranças tristes. Ela gostaria de conhecer alguma mágica para apagar a dor desenhada no semblante do sábio velhinho. Em momentos como aquele, as palavras eram um eco fugaz da simpatia. Aproximando-se, ela colocou a mão no braço dele e apertou gentilmente.

— Eu sinto muito mesmo. Antes que Harold pudesse responder, a porta se abriu e Alma entrou,

com uma sacola de compras a tiracolo. Sua testa se franziu ao descobrir Claire em sua saleta. — Nossa, isto é que é surpresa! Qual é a ocasião?

— Olá, docinho — Harold cumprimentou a esposa, com evidente afeição. — Claire e eu estamos apenas nos conhecendo.

— Espero não estar me intrometendo. Claire ficou de pé com um pulo, incerta a respeito da recepção. — Eu esperava que pudéssemos conversar...

— Conversar? — O rosto redondo de Alma espelhava sua suspeita. — Sobre o quê?

Claire respirou fundo e foi direto ao coração do assunto. — Certamente, Alma, você sabe tão bem quanto eu que Cole Garrett

não matou sua mulher. Alma colocou sua sacola de compras em uma mesinha de canto. — A polícia não parece pensar que ele é inocente. Especialmente depois

de encontrar um gancho de lenhador escondido em um depósito atrás da serraria, cheio de sangue.

— Ele é um homem bom, Alma. Você não pode ficar imaginando que ele seja capaz de tamanha violência.

— Estou pronta para tomar um chá. — Dito isto, Alma dirigiu-se para onde Claire imaginou que estivesse a cozinha.

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Harold olhou para Claire e fez um sinal para que ela fosse atrás de Alma.

— Vá — sussurrou. — Tudo que ela precisa é de um pouco de incentivo. Claire lançou-lhe um rápido sorriso de gratidão e apressou-se atrás de

Alma. Encontrou-a na cozinha, ocupada com a chaleira. — Alma, você sabe muito bem que eu estava na casa dos Garrett

quando Priscílla foi morta. Não há hipótese de que Cole possa tê-la matado. Por favor, eu lhe imploro, me ajude a descobrir a verdade.

Com os lábios apertados, Alma serviu-se de uma xícara de chá. Depois, de um desconfortável silêncio, ela falou:

— Cole Garrett demonstrou ser um marido melhor do que Priscilla merecia. Por mais que eu gostasse dela, não era fácil conviver com ela. O que você quer saber?

— Me fale sobre Priscilla. Tudo indica que ela estava tendo um caso. Você tem idéia de quem poderia ser?

Alma deu de ombros. — Os homens representavam um desafio para Priscilla. Quanto mais

perigosa a situação, mais ela gostava. — Alguma vez ela se descuidou e mencionou algum nome? — Algumas vezes fez confidências, revelou nomes, mas dessa vez foi

diferente. — E você perguntou? — É claro que sim, mas ela não disse nada. Falou apenas que não era

da minha conta. Agora era a vez de Claire suspirar. Mais um beco sem saída, assim

como com Tim. — Tim suspeita que o homem com quem ela estava tendo um caso era

casado — ela arriscou. — Não me surpreenderia em nada. — Alma pegou um açucareiro e,

depois, colocou leite em uma leiteira. — Priscilla só gostava do tipo de homem que seu pai não aprovava. Só que ela foi pega, uma vez.

— Ela ficou grávida. Alma concordou. — Houve uma época, logo antes daquilo, em que ela parecia

genuinamente feliz. Mas logo ficamos sabendo que estava grávida, e seu pai decidido a fazê-la se casar com o Sr. Garrett. Até hoje, Leonard Brock não quer saber da neta. Nem sequer foi ao seu batizado.

— Eu já pensei muito sobre esta atitude dele. — Homem cabeçudo, sem coração. — Alma estalou a língua. — Ele

culpa uma pobre criancinha por tudo que aconteceu a Priscilla. Claire mordeu o lábio inferior. Estaria Alma se referindo a Nils? Não

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fosse por um acidente estranho, as vidas dos dois poderiam ter sido bem diferentes.

— Eu gostaria de poder ajudar, mas a única coisa de que tenho certeza é que Priscilla fez o impossível para manter o nome do homem em segredo. Ela disse que, se ficasse sabendo, eu não aprovaria, e ela não estava disposta a ouvir um dos meus sermões.

Claire não ficou para tomar chá. Depois de agradecer a Alma, despediu-se de Harold e partiu, ainda longe de resolver a charada.

Nuvens cor de prata velha escondiam o sol. A noite caía antes do habitual. Claire caminhava devagar em direção ao centro da cidade. Todas as lojas estavam fechadas. A rua principal estava deserta. Observar aquilo apenas aumentava a sensação de isolamento de Claire. Seu trabalho de detetive havia confirmado aquilo de que ela já suspeitava: Priscilla estava tendo um caso na época de sua morte. E, provavelmente, com um homem casado. Ela não parava de pensar que, se encontrasse o amante, encontraria o assassino.

Olhando para a direita, viu o prédio em que funcionava a cadeia municipal em esplendor solitário no outro lado da rua. Já que ainda era cedo para ir trabalhar, decidiu fazer uma rápida visita a Cole. Nos fundos do prédio, ela desceu uma pequena escada que a levou ao nível abaixo do térreo. Preparando-se para implorar, se necessário, ela empurrou a pesada porta. Encontrou o policial que havia prendido Cole com as pernas em cima de uma mesa arranhada, tomando café e lendo a Gazeta de Brockton.

— Acho que não será problema — ele disse, depois de ouvir seu pedido. — Venha comigo.

Claire o seguiu por um corredor curto, com duas celas de cada lado. Exceto por Cole, a cadeia estava vazia. O ar cheirava a poeira, mofo e desespero.

— Dez minutos e só. Não quero me encrencar por causa disso. — O policial se afastou, acompanhado pelo tilintar das chaves penduradas em seu cinto.

Cole levantou-se de seu catre, sobre o qual havia um prato de comida intocado. Seus olhos brilharam quando a viram.

— Claire... — Havia uma riqueza de emoções naquela única palavra. Ela engoliu em seco, procurando desfazer o nó que se formara em sua

garganta. Seu coração retorceu-se quando ela viu Cole. Mesmo com as roupas amarrotadas e a barba por fazer cobrindo seu queixo, ele ainda tinha o poder de fazer ferver seu sangue.

Cole agarrou as grades de sua cela e a brindou com um sorriso de fazer o coração parar.

— Oh, querida... O que está fazendo aqui? Este não é lugar para você. Claire estudou cada detalhe da aparência dele. Cole parecia cansado,

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estava desarrumado. Ainda vestia as mesmas roupas do dia anterior, quando fora preso. Sua sempre engomada camisa branca estava amarrotada e suja. Seus cabelos escuros estavam emaranhados, sem dúvida por causa das tantas vezes que passara as mãos sobre eles. Mas foi o brilho desolado em seus olhos que a deixaram preocupada.

— Eu tive que vir. — Eu já lhe disse como você é linda? Você ilumina todo lugar onde

entra. — Seus lábios esboçaram um sorriso. — Mesmo um lugar como este. — Será que deixei de lhe dizer que você é o homem mais bonito que já

vi? — Claire o brindou com um sorriso brilhante. — Não somos um casal? Por um longo minuto, os dois ficaram satisfeitos apenas de ficar

olhando um para o outro e tirar todo o conforto que encontrassem ali. Depois, lembrando que tinham muito pouco tempo para ficar juntos, Claire sabia que tinha que fazer cada segundo contar. Ela limpou a garganta.

— Amanhã vou pedir ao Tim para lhe trazer uma muda limpa de roupa e o seu barbeador. — Ela quase hesitou antes de acrescentar: — Eu passei por lá, para falar com ele, hoje à tarde.

— Quantas vezes eu preciso dizer que Tim não tem nada a ver com a morte de Priscilla? — a pergunta vinha em tom mais cansado do que bravo.

— Ele me contou que Priscilla estava fazendo chantagem com ele. — O quê? Claire apressou-se: — De alguma forma, Priscilla descobriu sobre a prisão dele. Ameaçou

contar para a cidade inteira, sabendo que Tim seria expulso da cidade quando soubessem que ele havia matado um homem. A partir daí...

Cole proferiu um palavrão. Seus dedos apertavam ainda mais as grades.

— Em troca do silêncio dela, Tim concordou em levá-la a qualquer lugar, a qualquer hora, para encontrar-se com seu amante. Ele morria de medo de ser devolvido à cadeia, se não tivesse um emprego. Eu acredito nele, quando diz que não a matou.

— Eu também não acredito que tenha sido ele. — Depois, fui ver Alma. — Claire falava rapidamente, sabendo que tinha

pouco tempo. — Alma disse que Priscilla fazia grande segredo da identidade de seu amante. Tudo o que consegui descobrir até agora indica que o sujeito, muito provavelmente, é casado. Não sei mais onde procurar, Cole, você tem idéia de quem possa ter sido?

Ele encostou a fronte nas grades de sua cela e fechou os olhos. — Por um período, eu achei que poderia haver alguma coisa entre

Priscilla e James Lamont, mas nunca tive nenhuma prova. — O marido de sua melhor amiga...? Ele abriu os olhos e suspirou. — Priscilla e Sophie nem sempre se davam tão bem. Estiveram brigadas

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e só reataram a amizade um pouco antes de Daisy nascer. — Eu me lembro de Alma ter dito alguma coisa sobre isto. Ela disse que

James cortejava Priscilla e, então, o pai de Sophie morreu repentinamente. — E ela herdou uma bela fortuna. Os dois se entreolharam. — Você está pensando a mesma coisa que eu? — Claire perguntou, com

um sussurro. — Mas, se estivermos certos e eles eram amantes, por que James a mataria?

— Quem pode saber? Talvez quisesse deixá-la. Talvez tenha sido ela que se cansou e quisesse sair da relação. Eles podem ter discutido e, no calor da paixão, o impensável tenha acontecido.

Claire sentiu uma onda de otimismo afogando suas dúvidas persistentes.

— Vou ter que visitar o Sr. James Lamont e ver o que consigo descobrir. Com um movimento repentino, ele torceu o braço e agarrou o punho de

Claire. — Você não vai fazer nada disso. Prometa-me que vai ficar longe dele. — Cole, é a nossa única chance. O aperto no pulso de Claire ficou mais forte. — Ele é perigoso, Claire. Não se pode prever o que fará, caso se sinta

acuado. — O tempo acabou — gritou o policial, da outra ponta do corredor. Claire usou a bem-vinda interrupção para livrar seu pulso da mão de

Cole. Ela saiu apressada da cadeia, ao som de Cole gritando seu nome.

Capítulo XII

Você tem certeza de que quer fazer isso, mana? — Absoluta. — O plano de Claire não ficou pronto até o dia seguinte.

Mas tudo estava no lugar certo. Não havia como voltar atrás. Nils se esforçava para acompanhar o passo da irmã, pelas ruas da

cidade. — Por mais que eu deteste admitir, dessa vez eu concordo com Garrett.

Essa sua idéia é perigosa. — E por isso que estou levando você comigo — ela retrucou, sem

diminuir o passo. — Você é o meu segurança. Minha proteção. Ele devolveu-lhe um sorriso amargo.

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— Grande proteção eu sou. O que você espera que eu faça se as coisas não derem certo? Surrar Lamont com minha bengala?

— Se isto for necessário, eu concordo plenamente. — E impossível fazê-la raciocinar, quando você está desse jeito — Nils

resmungou. — Muito pelo contrário, estou sendo bastante razoável. — Não é como eu vejo a coisa. — Nós já discutimos isto antes, Nils. Estarei segura, desde que você

esteja comigo. Tudo que precisa fazer é ficar escondido e ouvir a minha conversa com James Lamont. Se ele revelar que era amante de Priscilla, ou seu assassino, eu quero que repita para o delegado Tanner tudo que tiver ouvido. Todos sabem o quanto você odeia Cole e, certamente, não mentiria para protegê-lo.

— Ainda acho que você está maluca. — Talvez — Claire respondeu com um sorriso sombrio. — A culpa deve

ser da lua cheia. Ambos ficaram em silêncio. A serraria, um grande prédio escuro, surgiu diante deles, quando se

aproximaram do final da Rua River. Os passos de Claire diminuíram de ritmo. Todo o trabalho havia sido interrompido no lugar, com a prisão de Cole. O edifício estava deserto. A luz da lua dava ao local uma aparência fantasma-górica. Enquanto aqueles pensamentos passavam por sua cabeça, nuvens flutuavam sobre a superfície brilhante da lua, deixando sombras em sua passagem. A não ser que James tivesse algo a esconder, por que teria escolhido lugar tão isolado para aquele encontro? Não só isolado, como também o local do assassinato de Priscilla. Claire tremeu só de pensar naquele detalhe.

— Ainda não é tarde demais para você mudar de idéia... — Nils também parecia estar indeciso.

— Você quer descobrir quem matou Priscilla, ou não? — ela retrucou. — Você disse que a amava. Se isto é verdade, então deve querer que o culpado seja punido.

As diversas pilhas de madeira espalhadas pelo terreno ao redor da serraria ofereciam esconderijos perfeitos. — Este lugar me dá arrepios — Nils sussurrou. Ele enfiou a mão no bolso do casaco e pegou uma garrafa.

Claire lançou um olhar fulminante sobre o irmão. — Você não precisa ficar alterado pela bebida. Ele fez uma careta, mas guardou a garrafa de volta, sem ter tomado

um gole. — Não comece com o sermão. — Espere aqui. Depois que James chegar, chegue perto o suficiente

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para ouvir o que ele vai dizer, mas não tão perto para que ele veja você. — Aonde você vai estar? — os dois falavam em voz muito baixa. — O bilhete dizia para eu encontrá-lo lá dentro. Perto das escadas que

levara ao escritório de Cole. — Lá é escuro como breu. Tem certeza de que vai achar o caminho? — Se meus instintos não me falham, as escadas não serão a única coisa

que vou encontrar, antes dessa noite acabar. Claire deixou o irmão, já protegido pelas sombras de paletas de

madeira, antes que ele pudesse esboçar outras reclamações. Ela entrou no enorme prédio e esperou até que seus olhos se

acostumassem à pouca luz. A luz fraca da lua penetrava pelas janelas no alto das paredes. Claire conseguia distinguir as formas volumosas das máquinas, dormitando como gigantes sobre o piso do armazém, além de serras e todo tipo de ferramentas.

A espera pela chegada de James a deixava nervosa. Claire havia enviado um bilhete a ele, pedindo para lhe falar sobre um assunto que exigia o máximo de privacidade. Pretendia começar a conversa perguntando-lhe por que Priscilla havia decidido delegar a Cole a responsabilidade sobre a herança de Daisy. Depois daquilo, planejara levá-lo a falar sobre Priscilla e sobre o quanto se conheciam. Uma vez que tivesse certeza de que ele fora amante dela, levaria a informação a Tanner e exigiria uma investigação completa. Esperava que ele admitisse que Cole não era a única pessoa que teria razões para querer a morte de Priscilla. Ele poderia até reconhecer que ela falara a verdade, o tempo todo, sobre onde Cole se encontrava naquela noite fatídica.

A brisa noturna sussurrava pelas frestas das janelas. As pranchas do piso rangiam e gemiam. Todos os ruídos pareciam amplificados. Sinistro. Claire assustava-se com a própria sombra. Então, depois do que lhe pareceu horas, em vez de poucos minutos passados, ela ouviu passos abafados.

Claire deu meia-volta bem no momento em que uma figura separou-se das sombras e avançou, lentamente, em sua direção.

Claire preparou-se para o confronto. Só esperava que Nils tivesse visto Lamont chegar e estivesse logo atrás. A medida que aquela forma sombria foi se aproximando, Claire se surpreendeu. Não era um homem, mas, sim, uma mulher, vestida com uma longa capa.

— Sophie! — ela quase gritou, ao ver a figura com a cabeça coberta pelo capuz da capa sair da penumbra e posicionar-se sob um retalho de luz da lua.

— Vejo que recebeu minha mensagem. Claire não sabia o que fazer das mãos. Ainda sem ter se recuperado de

seu susto inicial, as palavras de Sophie não registravam em sua mente. — Você me assustou um bocado. O que está fazendo aqui?

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— Receio que James não tenha recebido seu recado. Eu decidi vir em seu lugar.

Confusa, Claire balançou a cabeça. — Mas, por quê? — Você está se tornando uma amolação, querida Claire. E, como Cole já

não é suficiente para você, está de olho no meu marido. Claire riu. — Você, certamente, não fala sério. Não estou interessada em James.

Eu apenas queria lhe fazer algumas perguntas. A expressão de Sophie continuou impenetrável. — Não acredito. De qualquer modo, James está interessado em você.

Eu já vi como ele a olha, quando pensa que ninguém está observando. É apenas uma questão de tempo, até que ele deixe claras suas intenções. James acredita que você e Cole eram amantes. Isto a faz ainda mais interessante para ele.

Claire sentia-se cada vez menos à vontade com a situação. De repente, desejou estar o mais longe possível daquele prédio escuro e isolado. O fato de saber que Nils estava por perto ajudava a manter seu crescente medo sob rédea curta.

— Sophie, por que não vamos a algum lugar e falamos sobre isto? Talvez tomando uma boa xícara de chá quente?

— O chá vai ter que esperar. — Sophie respondeu baixinho. — Antes, há coisas que preciso fazer. Como disse antes, você se tornou um transtorno. E receio que terá de ser eliminada.

— Eliminada?— Claire sentia-se como se todo oxigênio tivesse sido sugado de seus pulmões.

— Você está arruinando todos os meus planos — Sophie falou com voz pausada. — Simplesmente não posso deixar isso acontecer.

A mulher estava enlouquecida. Claire não podia acreditar no que estava ouvindo. Graças a Deus, havia pedido que Nils a acompanhasse. Onde ele estava? Olhou por sobre o ombro de Sophie, na esperança de vê-lo surgir a qualquer momento.

Sophie lhe lançou uma paródia de sorriso. — Não adianta ficar esperar que seu irmão venha salvá-la. — Por quê? O que fez com ele? — Involuntariamente, Claire deu um

passo adiante. Apenas para congelar imediatamente, quando Sophie sacou uma pequena pistola de seu casaco e a apontou para ela.

— Pobre Nils. — Sophie estalou a língua. — Ele provavelmente vai ter uma tremenda dor de cabeça, quando finalmente acordar e descobrir que você sumiu. Ninguém vai acreditar nas baboseiras de um bêbado, se ele tentar explicar o que aconteceu.

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— Nils não tem bebido — Claire retrucou com mais convicção do que realmente sentia. — Ele fará com que acreditem.

— Depois que dei uma bordoada na cabeça dele, tomei a precaução de jogar uni pouco de seu próprio uísque na roupa dele. As pessoas vão pensar que bebeu demais, caiu e bateu a cabeça. Nas condições em que está, não é surpresa que ele não fale coisa com coisa. Agora... — Sophie indicou o cami-nho com a pistola. — Acho melhor ir andando, antes que ele acorde.

Claire fez uma última tentativa desesperada de fazer Sophie raciocinar. — Sophie, se está fazendo isso por James, não é necessário. No caso de

ter sido ele o responsável pela morte de Priscilla, as autoridades irão considerar todos os fatores. Afinal, seu marido é muito respeitado na comunidade.

— James? — Sophie parecia surpresa. — Ora, minha querida, não foi James quem matou Priscilla. Fui eu.

— Por que não admite que matou sua esposa, Garrett? — Tanner jogou uma folha de papel sobre a mesa. — Escreva uma confissão e ponha seu nome em baixo. Assim, liquida logo o assunto.

Um músculo se retraiu no rosto de Cole quando olhou para a folha vazia. Um pouco antes, ele havia sido levado até a sala do delegado, onde seu pulso direto fora algemado a uma cadeira.

Tanner estava sentado do outro lado da mesa, impecavelmente vestido, com seus poucos cabelos esticados com brilhantina, rente ao couro cabeludo, e o bigode bem aparado.

— Você está gastando saliva à toa, Tanner, se pensa que vou confessar um crime que não cometi.

— Não vai ganhar nada, adiando o inevitável. — Tanner brincava com um peso de papel feito de pedra polida que repousava sobre uma pilha de pastas. — Qualquer tribunal do país condenaria você, apenas com base na evidência.

— Não me diga. — Cole se mexeu na desconfortável cadeira de madeira, fazendo ruído com a corrente pendurada em seu pulso. — Quantas vezes eu vou precisar lhe dizer? Não tenho a menor idéia de como aquele gancho foi parar no depósito debaixo do meu escritório.

— Um mistério, hein? Mágica, talvez? — Eu não o coloquei lá. — Suponho, então, que outra pessoa o pôs lá. — O rosto de Tanner

poderia ter sido esculpido em granito. Duro, sem concessões, implacável. — Esta é a única explicação que posso imaginar. Você é o especialista.

Você faz as deduções. — Explicação muito fraca, na minha opinião. — Pense, Tanner. Certamente deve ter ocorrido a você que esta

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suposta arma do crime foi muito fácil de achar. Não sou um idiota. Você não acha que se eu tivesse matado Priscilla, teria sido esperto o suficiente para não guardar evidências incriminadoras em minha própria propriedade?

Tanner franziu a testa, mas manteve-se em silêncio. — Por falar nisso, como você soube onde procurar, depois de tanto

tempo? — Recebemos um bilhete anônimo indicando onde procurar. — E você, em sua brava busca pela justiça, nunca lhe havia ocorrido

antes disso vasculhar o depósito próximo ao local onde o corpo de Priscilla foi encontrado?

— É claro que procuramos — retrucou Tanner, irritado. Cole continuou pressionando o policial.

— Por que, então, nada foi encontrado antes? A boca de Tanner se encolheu, formando uma linha dura sob seu vasto

bigode. — Não encontramos antes, isto é tudo. Deve ter passado despercebido. — Até que um misterioso bilhete lhe disse onde encontrar? — Cole

replicou, sarcástico. — Não sou detetive, mas me parece que, se você encontrar quem mandou o bilhete, encontrará o assassino. Mas a verdade é que você não está realmente interessado em justiça, está? Tudo que quer é agradar ao homem que lhe arrumou o emprego.

— Chega! — Tanner pulou da cadeira, com o rosto vermelho de ira. Uma voz alta, transtornada, penetrou o ambiente tenso. — Não me interessa o que ele esteja fazendo! Uma comoção do lado de fora da sala fez com que os dois homens

olhassem para a porta, bem no momento em que Padraig Mulligan invadia o recinto. O enorme homem sacudiu a mão de Homer Bailey como se fosse uma pena ao vento.

— Eu falei que estava ocupado, chefe — Bailey disse e recuou, antes que Tanner conseguisse esboçar uma reprimenda.

— Ninguém faz Padraig Mulligan de palhaço. Estou aqui para dar queixa — ele disse, a um palmo do rosto de Tanner. — Se ela não aparece para trabalhar, conforme combinado, vou atrás do irmão dela.

— O que você diz não está fazendo sentido, Mulligan. De quem diabos está falando?

— Claire Sorenson. — O rosto rude de Mulligan tornou-se ainda mais duro. — Se ela não está aqui, onde diabos se meteu?

Cole saltou da cadeira, apenas para ser puxado de volta para baixo pela algema que prendia seu pulso à cadeira.

— O que você tem a ver com onde ela está? — ele demandou, irritado e frustrado. E mais do que apenas um pouco ansioso.

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Deus, teria acontecido algo com Claire? Mulligan acabara de notar a presença de Cole.

— O que tem a ver comigo? Ela trabalha para mim, é o que tem a ver comigo — disse Mulligan, com mais do que um traço de beligerância na voz. — Ela concordou em trabalhar para mim para quitar o débito do irmão. Eu aceitei a palavra dela. Agora sou motivo de riso. Imaginei que ela provavelmente estaria aqui, Garrett, segurando sua mãozinha. Cole ergueu o pulso algemado.

— Bem, Mulligan, como pode ver, não está. — Hei, você não pode vir invadindo desse jeito... — O protesto de

Homer Bailey foi cortado ao meio. Sangrando profusamente em um talho na testa e cheirando a uísque

barato, Nils cambaleou para dentro da sala. — Ele a levou. Ela sumiu e eu não sei onde está. Os lábios de Tanner se

franziram de nojo. — Você está bêbado como um peru, Sorenson. Nils se apoiou na mesa,

para se equilibrar. — Você tem que me ouvir. — Vá para casa, Sorenson. Vá curar sua bebedeira — ordenou Tanner. — Claire está era perigo. — Perigo! — Cole e Mulligan bradaram, em uníssono. A boca de Cole

ficou seca de medo. — Que tipo de perigo? — Temos que impedi-lo — Nils insistiu, teimoso. — Sente-se, homem, antes que caia. — Mulligan empurrou uma cadeira

em direção a Nils, que afundou nela, agradecido. — Agora, suponhamos que você nos conte o que aconteceu.

— Eu faço as perguntas, se não se incomoda. — Tanner lançou um olhar de desprezo ao taberneiro e tomou o domínio da situação. — Muito bem, Sorenson, Conte sua história e caia fora do meu escritório.

Mulligan ignorou a ordem de Tanner. — O que houve na sua cabeça, Nils? Nils tremeu, ao tocar a parte de trás de sua cabeça. — Alguém me atacou por trás e tentou quebrar a minha cabeça. Tanner não acreditava no que ouvia. — É mais provável que você tenha caído de bêbado e batido a cabeça.

O golpe deixou você de miolo mole. — Estou lhe dizendo que minha irmã está em perigo. — Nils insistia com

pânico na voz. — Nós temos que encontrá-la. Ele vai matá-la. Cole puxou com força a corrente que o prendia. — Pelo amor de Deus, criatura, do que você está falando? Quem está

com Claire?

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Calmamente, Mulligan passou um lenço a Nils, que o apertou contra o ferimento da cabeça.

— Respire, garoto, e comece pelo começo. Nils respirou ofegante. O medo dominava seu olhar, enquanto

examinava os rostos de sua audiência. — Claire teve essa idéia louca. Eu tentei convencê-la do contrário, mas

ela não quis me ouvir. Ela mandou um bilhete a James Lamont pedindo que se encontrasse com ela. Ele respondeu, em outro bilhete, pedindo-lhe que o encontrasse na serraria, pontualmente às nove da noite.

— Lamont... — Cole balbuciou o nome. — Claire me convenceu a acompanhá-la, como proteção. Ela tinha

muitas perguntas que exigiam respostas. Queria que eu fosse testemunha, caso ele admitisse ter matado Priscilla. — O olhar de Nils acusava Tanner. — Claire sabia que você nunca acreditaria nela. Mas que talvez acreditasse em mim, sabendo do meu desentendimento com Garrett.

Tanner corou e desviou o olhar. — Bela proteção me tornei. — Nils sorriu amarelo, encolheu-se e apoiou

a cabeça nas mãos. — Eu estava esperando por Lamont, atrás de uma pilha de madeira. De repente, pareceu que a minha cabeça foi quebrada ao meio. E não havia sinal de Claire. Ela jamais iria embora daquele jeito, a não ser que... — sua voz emudeceu.

Cole inclinou-se para frente. Ele mal podia raciocinar diante do terror que o invadia.

— Nils tem razão. Precisamos encontrá-la. Tanner estudou Cole, com ceticismo.

— O que o Lamont tem a ver com tudo isto? — Tudo indica que ele era o amante de Priscilla. A não ser um amante,

com quem ela estaria se encontrando quando foi morta? Pense, Tanner. Não seria a primeira vez que uma briga de amantes terminasse em morte.

As mãos de Mulligan se crisparam ameaçadoramente. — Estamos perdendo tempo. Vamos procurar o desgraçado. Tanner

ainda hesitava. Cole havia chegado ao limite de sua resistência. Seus dedos envolveram

os braços da cadeira à qual estava acorrentado com tanta força, que estavam esbranquiçados.

— Se alguma coisa acontecer a Claire, Tanner, você quer que todos fiquem sabendo que foi por você ser tão covarde a ponto de não impedir?

A animosidade dominava a sala. Finalmente, Tanner abaixou a cabeça. — Muito bem, Garrett. Mas, quando eu a trouxer, sã e salva, espero

receber a sua confissão assinada. Estamos de acordo? — De acordo — retrucou Cole, com a voz embargada. — Me levem com

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vocês. Não acho que temos muito tempo. — Eu seria louco se soltasse um prisioneiro para uma aventura dessas.

Isto é assunto para a polícia. Mulligan, Nils e Cole assistiam ao chefe de polícia dando ordem aos

policiais de plantão. Bailey deveria ir até a residência dos Sorenson, para verificar se Claire havia voltado para casa. O outro policial foi despachado para a casa de Garrett, onde Claire havia trabalhado. Pegando o chapéu, o próprio Tanner partiu em busca de James Lamont, reclamando o tempo todo sobre a grande possibilidade de que o encontraria na reunião do Conselho Municipal.

Um pesado silêncio envolveu os três que ficaram para trás. Mulligan estava irrequieto e, subitamente, chegou a uma conclusão. Enfiando a mão no bolso, ele retirou um canivete e sacou dele um pequeno objeto, que usou para abrir a algema que prendia o pulso de Cole.

— Um pequeno truque que aprendi em Dublin — ele resmungou. —Tanner não conseguiria achar um penico no escuro.

No momento em que foi solto, Garrett levantou-se apressado da cadeira.

— Vamos nos dividir e esperar que encontremos Claire, antes que seja tarde demais.

Mulligan e Nils não precisaram de maior encorajamento. Sophie não parecia ter pressa. Claire tentava distraí-la conversando,

tentando ganhar tempo, na esperança de que Nils voltasse e si e desse o alarme sobre seu desaparecimento. Apesar disso, ela pensava, com desespero, quem iria procurá-la na mansão escura dos Lamont? Ela e Sophie não haviam encontrado uma viva alma no caminho de serraria para a casa.

Uma vez dentro da residência, Sophie havia tomado o cuidado de não acender nenhuma luz. Ao contrário, ela decidira contar apenas com a luz da lua, que se filtrava através das janelas, além de sua familiaridade com a própria casa.

— Foi você que inventou aquela história sobre a arma do crime? — Claire perguntou, consciente de que sua voz tremia e odiando o fato.

— Foi ridiculamente simples. — Sophie riu, deliciada com a própria esperteza. — Um pouco do sangue do fígado servido no jantar de ontem esfregado em um daqueles ganchos horríveis. E depois um bilhete para o Sr. Tanner. Brincadeira de criança.

Claire mantinha os olhos fixos em Sophie. Os olhos da mulher eram frios e sem emoção.

— Por que você matou Priscilla? — Matou é uma palavra muito forte, você não acha? — Sophie mostrava

um sorriso vago. — Eu nunca tive a intenção de machucá-la. Prefiro descrever sua morte como um acidente infeliz.

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— Você a odiava tanto assim? — Matar? Odiar? — Sophie riu. — Lá vai você de novo, querida. Que

escolha passional de palavras! — Odiava? — Olhando fundo nos olhos de Sophie, Claire se perguntava

como havia sido enganada por tanto tempo. A mulher que havia se aproximado dela e feito amizade não passava de uma casca vazia. Normal no exterior, mas totalmente vazia de consciência. A idéia aterrorizava Claire.

Sophie avançou um passo. A pistola mirava Claire. — Priscilla começou a ficar ambiciosa. Ela queria que James fugisse com

ela. Veja você, eu não poderia permitir isto. — E então você a matou? Sophie deu de ombros. — Foi apenas um empurrão. Não foi culpa minha que ela caiu em cima

de um desses ganchos usados pelos lenhadores. Claire tremia diante da idéia do final violento dado a Priscilla. — É claro — continuou Sophie, esticando a conversa. — Eu não podia

contar a ninguém o que aconteceu. Eu tenho que considerar a minha posição social. E, então, quando todos imaginaram que Cole era o culpado, eu simplesmente deixei que continuassem pensando isso. Não achava certo ir para a prisão por algo que, na verdade, não deixava de ser culpa da própria Priscilla.

— Por que você está determinada a me matar? Eu já lhe expliquei que não tenho qualquer interesse em seu marido. É Cole quem eu amo.

— Continue andando na direção da escada — ordenou Sophie. — Isso mesmo — ela disse, quando cruzaram o hall de entrada, a caminho da escadaria. — Eu percebi como você olhava para Cole durante a rolagem das toras. Não combina com meus planos. Veja, eu decidi que, depois que Cole for mandado para a prisão, convenceria James a adotar Daisy. Há anos tentamos ter um filho, sem conseguir. Entretanto, se você e Cole se casassem, todos os meus esforços teriam sido em vão. Tentei demonstrar o meu desprazer quando lhe dei aqueles doces. Eu os deixei expostos ao sol tempo suficiente para ter certeza de que o recheio ficaria estragado.

— Você me levou os doces sabendo que eu passaria mal? — Claire se surpreendia cada vez mais com a maldade da mente de Sophie.

— E claro. Você precisava ser punida por interferir. Agora, suba direto para o terceiro andar — ordenou Sophie.

Claire subiu a escada vagarosamente, um pequeno passo de cada vez. — Você não vai escapar, Sophie. — Sinto muito, mas não concordo com você. Eu planejei tudo com

muito cuidado. A sua morte vai parecer suicídio. Explicarei como você estava chateada com o que aconteceu com o Cole. Que você subiu as escadas

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correndo, determinada a se jogar pela janela. Que eu tentei fazer você raciocinar — ela sorriu —, mas cheguei tarde demais.

Continuaram subindo. Segundo, terceiro andar. — Não tente tirar a arma de mim — Sophie avisou, antecipando-se aos

pensamentos de Claire. — Dessa distância, eu jamais erraria. — Como você explicaria ferimentos à bala? Ou manchas de sangue no

tapete? — Claire perguntou, com mais coragem do que realmente sentia. — Eu simplesmente conto para o delegado Tanner que você chegou

aqui fazendo acusações loucas contra James. Quando lhe disse que não acreditava, você ficou irada e me atacou. Fui forçada a me defender como pude. Ninguém vai duvidar da minha palavra. Posso ser bastante convincente.

Claire engoliu seu medo. — Sophie, por favor, não faça isso. — A culpa é sua, Claire, não minha. Depois que nos conhecemos, eu

pretendia lhe pedir para continuar como babá da Daisy. Isto é, até que James começou a ficar mais interessado em você do que deveria. Além disso, você começou a fazer perguntas sobre Priscilla. Você simplesmente não deixava o assunto em paz. Uma vez que Cole fosse para a cadeia, a vida seguiria seu curso, conforme meus planos, e Daisy cresceria comigo como sua mãe. Quando você não estiver mais por perto, tudo vai funcionar exatamente como planejei.

A idéia de Sophie como mãe de Daisy ajudou Claire a controlar o pânico. Haviam chegado ao terceiro andar, dividido entre aposentos de empregados e sótão. A luz forte da lua penetrava pela janela, iluminando o sótão com seu brilho prateado. Claire desesperadamente buscava algum objeto para se defender, mas não via nada que ela pudesse usar em defesa própria.

— Está um pouco abafado aqui, você não acha, querida? Abra a janela, por favor.

Abrir a janela? Para que ela me jogue lá em baixo? O sangue de Claire pulsava em seus ouvidos. Seu coração galopava.

— Abra! — Sophie gritou. — Já! Com a arma a apenas meio metro de distância, Claire virou-se e fez o

que Sophie ordenou. Uma onda de tontura a invadiu, quando viu o chão lá em baixo. Ela imaginou ver figuras se movendo na parte traseira da casa, mas não podia ter certeza se eram de verdade ou o produto de seu desejo desesperado de ser salva daquela louca.

— Seremos uma família tão feliz — Sophie estava alucinada. Eu acho que Daisy parece exatamente com o James, você não acha? Não se pode culpar um homem por querer ser pai, mesmo que eu devesse ser a sua mãe. Não Priscilla.

Claire endireitou-se e cautelosamente se afastou da faminta janela. Ela

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umedeceu seus lábios secos com a ponta da língua. — James não é o pai de Daisy. Pela primeira vez naquela noite, Sophie perdeu a compostura. — James não é o pai de Daisy? Do que você está falando? — Sophie

exigiu. — É claro que ele é. Claire não tinha como saber com certeza quem era o pai verdadeiro de

Daisy, mas ela aproveitou a chance para plantar a dúvida na mente de Sophie. Na distância, ela pensou ter ouvido alguém batendo à porta. Uma porta que ela se lembrava claramente de não ter visto Sophie trancar. A esperança de que ajuda havia chegado voltou. Rezava para que não fosse tarde demais. Tudo o que tinha a fazer era manter Sophie falando. Distraí-la. Só mais um pouquinho.

— Priscilla estava saindo com outra pessoa, logo antes de ficar grávida... não era James.

— Isso é mentira! — O verniz de sanidade que Sophie vestia desmanchava-se diante dos olhos de Claire. — Você está fazendo aquilo de novo — ela acusou com voz aguda. — Você está deliberadamente querendo estragar meus planos.

Inclinando-se, Sophie pegou um espeto de ferro do lado da lareira. Ainda segurando a arma com a mão direita, ela ameaçou Claire com o espeto.

— Não vou deixar você estragar tudo para mim. As batidas no andar de baixo se tornaram mais insistentes. — Socorro! — Claire gritou, esperando ser ouvida. — Socorro! Esta

mulher é louca. Ao ouvir isto, Sophie ficou histérica. Derrubando o revólver no chão, ela

agarrou o espeto com as duas mãos e fez movimentos largos de espadachim, tentando atingir Claire.

Sabendo que qualquer tentativa de abaixar-se e pegar a pistola seria arriscado, Claire concentrou-se em evitar ser atingida pelo espeto. Ela mantinha os braços erguidos para proteger o rosto. O espeto passou assoviando perto de sua orelha, quase pegando sua cabeça.

O espeto chegava perigosamente mais e mais perto. Claire recuava, esperando escapar do ataque furioso. Um único golpe a deixaria sem sentidos. E ela tinha certeza de que Sophie não pararia no primeiro. A mulher tornara-se um animal enlouquecido, com sede de vingança. Claire mal podia raciocinar, com o sangue latejando em sua cabeça.

— Claire! O grito de Nils ecoou pela janela aberta do sótão. Passos subiam a

escada. Alguém, de algum modo, havia entrado na casa e estava chegando para ajudar.

Sophie escolheu o momento para atacar Claire. Brandindo a arma

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improvisada como uma espada, ela a abaixou com toda sua força. Claire evitou o golpe, mas perdeu o equilíbrio. Sophie enfiou o espeto no ombro de Claire com todo seu ódio e empurrou.

Gritando, Claire caiu para trás, pela janela aberta. Cole assistiu, horrorizado, a Claire escorregando pelo telhado íngreme. Seu coração disparou ao vê-la agarrando-se desesperadamente às telhas, na tentativa de parar a queda desvairada. Seus dedos agarraram a estreita calha na beirada do telhado. Ela pendurou-se ali, os braços esticados, três andares acima do chão.

— Claire! —ele gritou. — Segure firme. Não se solte. — Oh, meu Deus! — Nils desesperou-se ao ver a irmã segurando-se

pelas pontas dos dedos. Sophie inclinou-se para fora da janela, ainda com o espeto nas mãos,

esperando ver sua vítima estatelada na entrada da casa, lá em baixo. Em vez disso, viu Claire pendurada na beirada do telhado.

— Por que você não pode ser como a Priscilla e simplesmente morrer? Em uma última tentativa de eliminar a mulher que considerava

responsável por seus problemas, ela atacou com o pesado espeto de ferro. Desta vez atingiu Claire na cabeça. As mãos de Claire se afrouxaram no beiral e ela despencou para o chão.

Cole instintivamente avançou, na tentativa de aparar a queda, mas a saia de Claire se enroscou na moldura de madeira entre o primeiro e o segundo andar. Por um momento dramático, ela ficou ali pendurada, como uma marionete.

Cole assistia, assim como outros, que haviam sido atraídos pelo som de seus gritos. Homer Bailey, seu parceiro, Padraig Mulligan e vários vizinhos. Todos os olhares estavam fixados naquela figura que pendia sobre suas cabeças.

Todos os sentidos de Cole estavam fixos em Claire. O tecido de sua saia rasgava-se devagar e com muito barulho. Com uma prece nos lábios, Cole avançou e apanhou Claire, quando ela despencou. Com a força do impacto, ele caiu ao chão com o corpo inconsciente de Claire nos braços.

As testemunhas da façanha levantaram um burburinho de vozes excitadas.

As mãos de Cole tremiam, enquanto ele tirava as mechas de cabelo do rosto pálido de Claire. Sangue gotejava de um corte profundo em sua cabeça.

Nils ajoelhou-se a seu lado, piscando freneticamente para afastar as lágrimas.

— Oh, meu Deus, por favor, irmãzinha, esteja bem. As pálpebras de Claire piscaram e seus olhos se abriram. Tonta e sem

foco, ela encarou Cole e, com um suspiro, perdeu os sentidos. — Ela está viva — Cole maravilhou-se, segurando contra o peito. Seus

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olhos cor de aço estavam brilhantes e úmidos. — Ela está viva. — Não graças a você — Nils rosnou. — Minha irmã quase perdeu a vida

tentando salvar sua pele sem valor. Ela é boa demais para gente como você. Você não a merece.

Cole não podia discutir o que Nils dissera. Claire havia arriscado tudo por ele. Ela era corajosa, leal e carinhosa. E ele nem havia ainda tido a coragem de lhe dizer que a amava. Claire poderia ter morrido sem saber o que ele realmente sentia. Nils tinha razão... Ele não a merecia.

Cole olhou para o lado em tempo de ver Sophie Lamont saindo escoltada da casa, com o marido de um lado e um carrancudo Edward Tanner do outro.

— Você entende, não é, James? — Ele a ouviu dizer. — Eu nunca pretendi matar Priscilla. Foi um acidente. Na verdade, foi culpa dela. E, quanto a Claire, foi ela quem procurou. Ela tinha que parar de interferir nos meus planos.

James abraçou a mulher. — Tudo bem, querida. Já é hora de você passar uma bela e longa

temporada de descanso no campo. Não se preocupe, vou cuidar de tudo. Cole levantou-se, com Claire nos braços. Nils, de cara amarrada, o

desafiou a resistir quando tomou a irmã dele. — Claire precisa de um médico. Se você quer o melhor para ela,

Garrett, fique longe. Mulligan, que estava por perto, aproximou-se. — Aqui, Sorenson, deixe que eu a carrego. É mais fácil para alguém

com duas boas pernas... e mais rápido, também. Cole ficou parado no terreno iluminado pela luz da lua, enquanto

Padraig Mulligan se afastava com Claire. Nils mancava a seu lado, tentando acompanhá-lo. Cole sentia-se vazio por dentro. De mãos vazias, de coração vazio.

Mais uma vez, ele tinha de concordar com Nils. O que Claire precisava agora era de cuidados médicos e não de dois marmanjos brigando por ela. Com um suspiro resignado, seguiu o grupo, em direção ao consultório do Dr. Wetherbury.

Naquilo que lhe dizia respeito, para Cole, o dia seguinte tivera duas vezes mais horas do que o normal. Pela manhã, ele havia sido chamado à presença de Edward Tanner e informado oficialmente de que todas as acusações contra ele haviam sido retiradas. Ele havia se encontrado com Leonard Brock quando saía da Delegacia. Mesmo sem pedir desculpas, seu ex-sogro havia sido cordial quando informara que iria passar uma longa temporada fora do país.

O restante do dia fora gasto na serraria, colocando os negócios para

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funcionar novamente. Sentira-se aliviado ao ver seus empregados voltando ao trabalho. Aos poucos, alguns desenxabidos, outros genuinamente satisfeitos por saber que seu nome havia sido limpo. Mesmo assim, sua vida parecia muito diferente do normal. Ainda parecia vazia. Sem sentido.

Minha irmã quase perdeu a vida tentando salvar sua pele sem valor. As palavras de Nils soavam em sua mente, como uma melodia

inacabada. Cole admitia que talvez não merecesse uma mulher como Claire. Mas aquilo não fazia com que deixasse de amá-la. De sentir sua falta. Ele a queria tanto que seu corpo doía.

Já era noite. Apesar de já haver passado, em muito, a hora de Daisy ir dormir, ela ainda estava acordada, muito contra a opinião de sua babá, Mabel Holland. Cole não se importava, nem um pouco. E daí se toda a atenção que ele dava à menina era vista como mimo? A garotinha lhe oferecia uma bem-vinda distração de seus pensamentos sombrios.

— Andei pensando, Minduin — ele disse a Daisy, caminhando com ela pelo corredor —, talvez seja hora de dizer a Claire como me sinto. De deixar que ela, e não Nils, decida se eu a mereço ou não. O que você acha?

Daisy agarrou uma das orelhas do pai e torceu. — Ai! — Cole tirou seu relógio de ouro do bolso e o usou para distrair a

criança. — Eu deveria procurar Claire e dizer que a amo? E depois pedir que divida o resto de sua vida conosco?

— Ba-baba! — Daisy babava e tentava enfiar o relógio inteiro em sua boquinha.

— Vou entender isso como um entusiasmado sim— sorriu Cole. — Eu sei que gatinhos são boa companhia, mas o que você me diz de enchermos a casa de irmãozinhos para brincar com você? Um irmãozinho ou dois? Que tal uma irmãzinha?

Cansada do relógio do pai, ela o soltou e passou a chupar o polegar. A expressão em seu rostinho só poderia ser descrita como pensativa.

— Não tem certeza se está pronta para ser a irmã mais velha, hein? — Ele sapecou-lhe um beijo nos cachinhos. — Eu acho que já é hora de eu passar você para as mãos hábeis da Sra. Holland. Tenho uma coisa importante para fazer.

Depois de deixar a menina com a Sra. Holland e de informá-la que ia sair, Cole deixou a casa. Impaciente demais para esperar por Tim, ele arriou seu próprio cavalo e cavalgou para fora da cidade.

Durante todo o percurso até a casa de Claire, ele ensaiou como iria falar. Quando a encontrasse, não aceitaria não como resposta. Mesmo que tivesse de esperar a noite toda. A noite toda, todas as noites. Passar suas noites com Claire era o que ele mais desejava no mundo. Fazendo amor com ela, amando-a, sendo amado de volta. Todas as suas grandes ambições

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estavam reduzidas a um único objetivo: Claire. Ela era a sua alma, o seu coração. No que teria pensado, ao ficar longe dela, por um dia que fosse?

Cole ficou desapontado ao encontrar a casa às escuras. Não lhe havia ocorrido que ela não estaria em casa. Ele estava convencido de que a encontraria ainda se recuperando do drama da noite anterior. Havia aguardado do lado de fora do consultório médico o tempo suficiente para descobrir que seus ferimentos não eram graves. O corte em sua cabeça precisou de vários pontos, mas iria cicatrizar sem problemas.

Dirigindo seu cavalo para a parte de trás da casa, Cole viu uma luz solitária brilhando na cozinha. Ele desmontou, bateu na porta e viu-se cara a cara com Lud Sorenson.

Lud grunhiu e depois voltou a sentar-se à mesa da cozinha. Ele fitava o copo de uísque, meio vazio, a sua frente.

— O que você quer? Cole examinou o estado decadente de Lud com desprazer. Ele se

surpreendia que Claire tivesse saído de tal ambiente, uma adorável rosa crescendo em meio a rochas.

— Estou procurando Claire. — Ela não está aqui. — Lud esvaziou o copo. — Ela está trabalhando. — Trabalhando? Aonde? Lud olhava para ele com os olhos embaçados. — Na cidade. No Bar do Mulligan, o mesmo que Nils. — Claire trabalha no Bar do Mulligan? — Cole amaldiçoou sua memória

fraca. Ele deveria ter imaginado, pelos comentários do irlandês na noite anterior, quando invadira a sala de Tanner, ameaçando dar queixa. Tanta coisa havia acontecido, naquele ínterim, que ele simplesmente se esquecera.

Sem mais uma palavra, Cole deixou Lud com sua bebida e voltou para a cidade. Tão típico de Claire, insistir em pagar a dívida do irmão. Honrada demais para não cumprir a palavra dada. Muito orgulhosa para pedir ajuda.

O bar estava lotado. Era um lugar barulhento, enfumaçado e cheio de gente mal-encarada. Não era o tipo de lugar em que ele imaginava Claire. Cole deu um passo para dentro do recinto e examinou a multidão, mas não viu sinal de Claire. Abriu caminho até o balcão do bar. Ao se aproximar, viu Mulligan servindo bebidas, em mangas de camisa e um toco de charuto preso na boca. Nils, também, estava atrás do balcão, enchendo uma caneca de chope.

Qualquer traço de afabilidade desapareceu do semblante rústico de Mulligan quando viu Cole.

— O que está fazendo nesta parte da cidade, Garrett? Este não é o seu ponto habitual.

Nils foi ainda menos amigável. — Eu pensei ter avisado você ontem à noite, para deixar a minha irmã

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em paz. Como eu passei o dia todo hoje dizendo que ela está melhor sem um tipo como você.

Cole controlou seu temperamento. — E o que seria exatamente o meu tipo, Sorenson? — Você é do tipo que precisa provar ao mundo que tem o melhor que o

dinheiro pode comprar. O maior, o mais chique, o mais caro. Claire não se encaixa na sua moldura.

Cole encostou-se no balcão e tomou um gole da caneca que Nils acabara de encher.

— Você sabe, Nils? É estranho nos concordarmos em alguma coisa. Mas você tem toda a razão. Eu só quero o melhor, e acontece que a sua irmã é o que há de melhor. Isto é, se ela me quiser.

O bar havia ficado tão silencioso que teria sido possível ouvir um alfinete cair.

— Oh, ela vai querer, sim. Mas só sob uma condição — disse uma voz feminina.

Cole virou-se e descobriu Claire de pé atrás dele. Um sorriso brotou no rosto dela, iluminado de dentro para fora. O mundo parecia ter parado em seu eixo. O coração de Cole disparou. Todo o seu futuro dependia da resposta a uma única pergunta:

— E qual é esta condição? — Que você me ame tanto quanto eu o amo. O mundo começou a girar novamente, só que, desta vez, em velocidade

alucinante. O coração dele batia tão furiosamente que parecia pronto para explodir.

— Sim! — Cole gritou, de forma exuberante. Levantando Claire do chão, ele a rodopiou no ar. — Sim! Sim, é claro que a amo.

Claire chorava e ria ao mesmo tempo, com os braços em volta do pescoço de Cole.

Finalmente, ele a pôs no chão. Emoldurando seu rosto com as mãos, olhou fundo nos olhos dela, que brilhavam como um lago em um dia de verão.

— Case-se comigo, Claire. Seja minha esposa, minha amante, a mãe de meus filhos. Seja minha parceira de vida. Fique velhinha comigo.

Ela fez que sim com a cabeça, emocionada demais para falar. Cole tomou sua boca para um longo e profundo beijo. Um beijo que

prometia, afirmava, adorava. Uma união de corações. Quando, finalmente, seus corpos se separaram, os dois sorriam. Ele tomou Claire nos braços e atravessou a multidão de curiosos espectadores. Com o rosto da cor de rosas, ela escondeu a cabeça no do ombro dele.

Padraig Mulligan começou a bater palmas. Outros homens se juntaram ao aplauso. Em pouco tempo, o bar se enchia com o som de vozes exclamando

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congratulações. Até mesmo Nils se conformou, ao ver a alegria óbvia da irmã. — A bebida é por minha conta, pessoal — ele chamou. — Parece que

minha irmãzinha vai se casar. Cole fechou a porta da taverna com um empurrão. Lá fora, o céu

noturno fulgurava com estrelas que brilhavam como jóias. O futuro prometia. Uma paz como nada que tivesse experimentado antes invadia a alma de Cole.

— Eu amo você, Claire. Quero que seu rosto seja minha última visão, todas as noites, antes de dormir — ele beijava sua boca suavemente —, e a primeira, quando acordo, um pouco antes do dia nascer.

Fim

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