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1 Pontifícia Universidade Católica de São Paulo PUC-SP Lílian Cristina Kuhn Pereira A percepção de plosivas alveolares na produção de um sujeito com deficiência auditiva: um estudo fonético acústico Dissertação apresentada à Banca Examinadora da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo, como exigência parcial para obtenção do título de MESTRE em Lingüística Aplicada e Estudos da Linguagem, sob orientação da Professora Doutora Sandra Madureira. São Paulo 2007

A percepção de plosivas alveolares na produção de um ... Cristina Kuhn Pereira.pdfÀ Profa. Dra. Clay Rienzo Balieiro, pela sua importância na minha vida acadêmica, por ter me

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  • 1

    Pontifícia Universidade Católica de São Paulo

    PUC-SP

    Lílian Cristina Kuhn Pereira

    A percepção de plosivas alveolares na produçãode um sujeito com deficiência auditiva:

    um estudo fonético acústico

    Dissertação apresentada à BancaExaminadora da Pontifícia UniversidadeCatólica de São Paulo, como exigênciaparcial para obtenção do título deMESTRE em Lingüística Aplicada eEstudos da Linguagem, sob orientação daProfessora Doutora Sandra Madureira.

    São Paulo

    2007

  • 2

    Pereira, Lílian Cristina Kuhn.

    A percepção de plosivas alveolares na produção de um sujeito comdeficiência auditiva: um estudo fonético-acústico. Lílian Cristina KuhnPereira – São Paulo, 2007.xiv, 105 f.

    Dissertação (mestrado) – Pontifícia Universidade Católica de São Paulo.Programa de Lingüística Aplicada e Estudos da Linguagem.

    The perception of alveolar plosives produced by a hearing-impaired subject:an acoustic phonetic study.

    1. Lingüística; 2. Produção de fala; 3. Percepção de fala; 4. Deficiênciaauditiva; 5. Análise fonético-acústica.

  • 3

    PONTIFICIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO

    PROGRAMA DE ESTUDOS PÓS-GRADUADOS EM LINGÜÍSTICA

    APLICADA E ESTUDOS DA LINGUAGEM

    Coordenadora do Curso de Pós-Graduação Profa. Dra. Elizabeth Brait

  • 4

    Lílian Cristina Kuhn Pereira

    A percepção de plosivas alveolares na produçãode um sujeito com deficiência auditiva:

    um estudo fonético acústico

    BANCA EXAMINADORA

    ___________________________________

    ___________________________________

    ___________________________________

    Aprovada em ____/_____/_____

  • 5

    Aos meus pais, Telma e Roberto,

    a quem dedico a minha vida.

    E ao Rodrigo,

    pelo amor e pelo incentivo ofertados a mim.

  • 6

    Agradecimentos

    À Profa. Dra. Sandra Madureira, por suas constantes atenção e prontidão naorientação deste trabalho, pela paciência e carinho que demonstra para comigo,por acreditar e incentivar o meu crescimento enquanto pesquisadora.

    À Profa. Dra. Luisa Barzaghi Ficker, pelo relevante papel que representa na minhaformação, por ter me mostrado caminhos, permitido que eu pudesse continuar asua pesquisa, pelos textos emprestados e pelas conversas e sugestões valiosas.

    À Profa. Dra. Clay Rienzo Balieiro, pela sua importância na minha vida acadêmica,por ter me ensinado a ser terapeuta e por me oferecer oportunidades para praticartais ensinamentos e por aceitar a realização do estágio docente em suassupervisões e, nestas, transmitir tanto conhecimento.

    À Profa. Dra. Beatriz Mendes, por ter me dado as primeiras noções de FísicaAcústica e de Audiologia Educacional, pelas colaborações neste trabalho, peladisponibilidade que sempre demonstrou e pela admiração a que tenho.

    À Profa. Dra. Zuleica Camargo, por ter me apresentado de maneira tãoentusiasmada a Fonética e a Fonologia, e por ter cedido suas aulas e alunos paraa realização do procedimento de percepção de fala.

    À Profa. Dra. Aglael Gama Rossi, por ter participado do desenvolvimento destapesquisa, sempre disposta, apresentando muitas questões, sugerindo bibliografiase tecendo comentários, que, certamente, auxiliaram na estruturação destetrabalho.

    Ao Prof. Mário Augusto de Souza Fontes pelas contribuições e dicas que deu,sempre se prontificando a ajudar.

    Ao sujeito Ci, que doou seu tempo e sua fala ao LIAAC, tornando possível arealização desta pesquisa.

    Aos alunos do primeiro ano do curso de Fonoaudiologia da PUCSP queparticiparam do procedimento de percepção de fala.

    Ao CNPq, pela bolsa de auxílio financeiro concedida.

    À Profa. Yara Castro, pelo tratamento estatístico dos dados e por atender asminhas solicitações.

  • 7

    À Profa. Dra. Adelaide Silva, pelas sugestões dadas quando da apresentação departe deste trabalho e pela participação na qualificação.

    Aos colegas e funcionários do LIAAC, pelas contribuições e sugestões nestapesquisa.

    Às amigas fonoaudiólogas Aline Pessoa, Bruna Ribeiro, Danielle Figueredo,Fernanda Bastos, Mariana Alves e Talita Donini, pelo carinho e preocupação quesempre demonstraram.

    Às queridas Evelin Tesser, Tânia Mikami e Daniela Azevedo, pela valiosaamizade.

    Aos meus pais, pelo amor e gratidão que vos tenho e por entenderem a minhaausência em tantos momentos.

    À minha irmã Raquel e à minha prima Juliana, por estarem ao lado dos nossospais e conseguirem suprir as minhas lacunas na família. E ao meu sobrinhoLeonardo, por sua adorável existência.

    Ao Rodrigo, por aceitar as minhas escolhas e fazê-las suas, pelo apoio infinito epela história que estamos construindo. E, à sua família, Geni, Rafael, Adriana eTaciana, por me tornar parte dela, por me querer tão bem e pelos cuidadoscomigo.

    Aos todos os meus pacientes, por terem consentido o meu aprendizado com suasvidas e o meu afastamento durante esse ciclo que agora concluo.

    A todos aqueles que, de perto ou de longe, torceram e torcem por mim.

  • 8

    Resumo

    A deficiência auditiva traz inúmeras conseqüências para os processos de percepção eprodução de fala daqueles a quem acomete. Uma dessas é a generalizada dificuldadeem produzir e perceber o contraste de vozeamento, principalmente em relação a sonsque se caracterizam por uma obstrução total entre articuladores, como é o caso dasplosivas. Nesta classe, que apresenta alta freqüência no Português Brasileiro(ALBANO, 1995), a produção das plosivas alveolares é a que, especialmente, exige umajuste fino de controle motor. Essas constatações motivaram a realização destapesquisa que tem como objetivo: estudar a produção e percepção do contraste devozeamento de consoantes plosivas alveolares, a partir da fala de um sujeito deficienteauditivo. Desse modo, delimitou-se como corpus quatro palavras dissílabas paroxítonasdo PB, com consoantes plosivas alveolares em posição pós-tônica, a saber: “tata”,“data”, “cata”, “cada”, inseridas em frase-veículo. O sujeito com deficiência auditivaescolhido foi uma jovem natural de São Paulo, 16 anos de idade, com deficiênciaauditiva neurossensorial bilateral, de grau severo à direita e profundo à esquerda,adquirida aos 18 meses de idade. Este trabalho se dividiu em duas partes: a primeira,“Produção de fala”, propôs a análise acústica das dez repetições das quatro sentenças,através do software livre Praat. As medidas realizadas foram: (1) duração dossegmentos adjacentes, da unidade vogal-vogal, da palavra, da frase e dos segmentosda palavra em foco; (2) duração dos elementos da consoante: manutenção da barra desonoridade (MBS), interrupção da barra de sonoridade (IBS) e tempo de ataque dovozeamento da consoante (VOT); (3) Freqüência de f0 e (4) Freqüência de F1, F2 e F3das vogais adjacentes à plosiva pós-tônica. A segunda parte, “Percepção de fala”, tevecomo objeto de investigação a lista de repetição número seis do corpus, formando doisdiferentes tipos de estímulos: as quatro palavras e outros quatros estímulos originadosdas vogais tônicas e sílabas pós-tônicas dessas palavras. O contraste de vozeamentodesses estímulos foi julgado no procedimento de percepção de fala aplicado em 50sujeitos com audição normal. Ainda, a lista seis também foi submetida separadamenteà análise acústica de maneira semelhante àquela descrita para a “Produção de fala”. Opareamento entre os dados do procedimento de percepção de fala e da produção dasquatro palavras evidenciou que a porcentagem de vozeamento durante a duração totaldas consoantes pós-tônicas foi o fator mais relevante para a percepção dessasenquanto vozeada ou não-vozeada. Os resultados mostraram que as dificuldades emrelação ao julgamento do contraste de vozeamento estavam diretamente relacionadasà variação dos aspectos de produção da fala do sujeito com deficiência auditiva,evidenciados pela análise dos parâmetros acústicos. Esta pesquisa se fundamentou naTeoria Acústica de Produção de Fala (Fant, 1960) e na Fonologia Articulatória(Browman, Goldstein, 1986; 1990; 1992) para analisar os dados de produção de fala apartir de uma perspectiva dinâmica.

  • 9

    Abstract

    Hearing impairment affects speech production and perception. One of the difficulties thehearing-impaired faces is producing/perceiving the contrast between voiced andvoiceless sounds, mainly those which are characterized by a total obstruction betweenarticulators such is the case of plosives, which happen to be one of the highestfrequency sounds in Portuguese (Albano, 1995). Among the plosives, the alveolars arespecially troublesome since a fine motor control adjustment is required for them to beproduced. Such aspects have motivated the carrying out of this research which aims atstudying the production and perception of the contrast in alveolar plosives by a hearing-impaired subject. In order to carry out the research a corpus with four dissyllabicparoxytons words (“tata”, “data”, “cata” and “cada”) inserted in a carrier sentence wasbuild up. The hearing-impaired subject born and living in the city of São Paulo andpresenting bilateral neurossensorial hearing loss, characterized as severe on the rightside and profound on the left side, developed at eighteen months of age. This work isdivided into two parts: a speech production study and a speech perception study. Thefirst part comprised the acoustic phonetic analysis of ten repetitions of the foursentences by means of the software Praat. The duration measures comprised thecarrier sentence, the inserted words, the vowel that preceded them and their constituentsegments (plosives and vowels). Besides these, the VOT of the plosive segments, theduration of the voicing bar and its interruption within the obstruction time interval, as wellas the frequency of f0, F1, F2, F3 of the preceding vowel. The unstressed plosives werealso measured. The second part of the study comprised an identification task using twokinds of oral stimuli: the four words inserted in the sixth repetition of the carrier sentenceand four manipulated tokens derived from the extraction of the initial plosive of thewords. Fifty normal hearing subjects judged the oral stimuli. The comparison betweenthe results of the perception test and the acoustic characteristics of speech productionunities of the oral stimuli showed that the percentage of voicing during the obstructiontime interval of the plosive was considered the most important factor in identifying thevoicing contrast. The results have shown that difficulties in the judgment of the voicingcontrast were directly related to varying aspects in the hearing-impaired subject’sproductions as evidenced by the analysis of the acoustic parameters. This study wasbased on the Acoustic Theory of Speech Production (Fant, 1960) and ArticulatoryPhonology (Browman, Goldstein, 1986; 1990; 1992) to analyze the data of speechproduction from a dynamic perspective.

  • 10

    SUMÁRIO

    Resumo..........................................................................................................................viii

    Abstract............................................................................................................................IX

    INTRODUÇÃO................................................................................................................01

    1-REVISÃO DA LITERATURA.......................................................................................06

    1.1-“Produção e percepção das plosivas do português brasileiro: estudo fonético

    acústico da fala de um sujeito com deficiência auditiva”....................................... 06

    1.2-Percepção e produção de fala..........................................................................09

    1.3-Fonologia Articulatória......................................................................................12

    1.4-Teoria Acústica da produção de fala............................................................... 23

    1.5-Consoantes plosivas alveolares do Português Brasileiro.................................26

    1.6-Noção de Coarticulação...................................................................................32

    1.7-Deficiência auditiva: alguns aspectos...............................................................35

    2-METODOLOGIA..........................................................................................................39

    2.1-Corpus..............................................................................................................40

    2.1.1-Elaboração do corpus....................................................................................40

    2.1.2-Gravação do corpus......................................................................................40

    2.1.3-Sujeito da pesquisa.......................................................................................41

    2.2-Análise acústica. ..............................................................................................42

    2.2.1-Medidas de duração......................................................................................43

    (I) Duração dos segmentos adjacentes. ........................................................43

  • 11

    (II) Duração da unidade vogal-vogal, da palavra e da sentença....................44

    (III) Duração dos segmentos da palavra em foco...........................................45

    2.2.2-Elementos da consoante: MBS, IBS e VOT..................................................46

    2.2.3-Freqüência de f0 no início das vogais adjacentes à consoante plosiva pós-

    tônica......................................................................................................................47

    2.2.4-Freqüência de F1, F2 e F3 das vogais adjacentes à consoante plosiva pós -

    tônica..................................................................................................................... 47

    2.3 Percepção de fala............................................................................................48

    2.4 Análise estatística.............................................................................................51

    2.5 Análise dos resultados......................................................................................51

    3-RESULTADOS............................................................................................................52

    3.1 Produção de fala...............................................................................................52

    3.1.1-Medidas de duração......................................................................................52

    (I) Duração dos segmentos adjacentes..........................................................52

    (II) Duração da unidade vogal-vogal, da palavra e da sentença....................53

    (III) Duração dos segmentos da palavra em foco...........................................54

    3.1.2-Elementos da consoante: MBS, IBS e VOT..................................................57

    3.1.3-Freqüência de f0 no início das vogais adjacentes à consoante plosiva pós-

    tônica......................................................................................................................59

    3.1.4-Freqüência de F1, F2 e F3 das vogais adjacentes à consoante plosiva pós-

    tônica......................................................................................................................61

    3.2 Percepção de fala.............................................................................................63

    3.2.1 Testes de percepção de fala.........................................................................64

  • 12

    3.2.2 Dados de produção da lista 6........................................................................67

    3.2.2.1-Medidas de duração...................................................................................67

    (I) Duração dos segmentos adjacentes..........................................................67

    (II) Duração da unidade vogal-vogal, da palavra e da sentença....................69

    (III) Duração dos segmentos da palavra em foco...........................................70

    3.2.2.2-Elementos da consoante: MBS, IBS e VOT...............................................71

    3.2.2.3-Freqüência de f0 no início das vogais adjacentes à consoante plosiva pós-

    tônica......................................................................................................................72

    3.2.2.4-Freqüência de F1, F2 e F3 das vogais adjacentes à consoante plosiva pós-

    tônica......................................................................................................................73

    3.2.3 Pareamento entre os dados de produção e percepção da lista 6.................74

    4-DISCUSSÃO...............................................................................................................75

    5-CONSIDERAÇÕES

    FINAIS.........................................................................................83

    6-REFERÊNCIAS...........................................................................................................85

    Bibliografia Consultada

  • 13

    LISTA DE FIGURAS

    Figura 1 - Quadro representativo das variáveis do trato................................................19

    Figura 2 – Representação do tipo de pauta gestual a ser utilizado, referente à produçãoda palavra “data”.............................................................................................................20

    Figura 3 - Pautas gestuais de “pa” e “ba” para um falante do PB................................. 21

    Figura 4 - Pauta gestual referente à palavra “tata”.........................................................22

    Figura 5 - Exemplo de segmentação da sentença – repetição 3 da frase “diga databaixinho” produzida pelo sujeito da pesquisa.................................................................45

    Figura 6 - Exemplo da segmentação da consoante [c] – repetição 6 da frase diga catabaixinho produzida pelo sujeito deficiente auditivo.........................................................45

    Figura 7 - Exemplo de segmentação dos elementos da consoante [t] pós-tônica -repetição 4 da frase diga tata baixinho produzida pelo sujeito com deficiênciaauditiva...........................................................................................................................47

    Figura 8 - Quadro de valores das médias de duração das dez repetições dossegmentos adjacentes produzidos pelo sujeito portador de deficiência auditiva...........53

    Figura 9 - Quadro de valores das médias de duração das dez repetições das unidadesVV-1, VV-2 e VV-3, das palavras e das sentenças produzidas pelo sujeito portador dedeficiência auditiva.........................................................................................................54

    Figura 10 - Quadro de valores das médias de duração das dez repetições dossegmentos das palavras produzidas pelo sujeito deficiente auditivo.............................55

    Figura 11 - Quadro de valores das médias das repetições, referentes às medidas deMBS, IBS e VOT das consoantes tônica e pós-tônica...................................................57

    Figura 12 - Consoante pós-tônica “t” da palavra “tata” – repetição 6.............................58

    Figura 13 - Consoante pós-tônica “t” da palavra ”data” – repetição 6............................59

    Figura 14 - Consoante pós-tônica “t” da palavra “cata” – repetição 6............................59

    Figura 15 - Consoante pós-tônica “d” da palavra “cada” – repetição 6..........................60

    Figura 16 - Quadro comparativo dos valores da média das dez repetições das quatropalavras – medidas do inicio de f0 nas vogais tônicas e pós-tônicas............................61

  • 14

    Figura 17 - Quadro de valores dos formantes de F1, F2, e F3 da vogal tônica, nasquatro palavras, referentes às médias das dez repetições............................................62

    Figura 18 - Quadro de valores das médias das dez repetições nas quatro palavras, dosformantes de F1, F2, e F3 da vogal pós-tônica..............................................................63

    Figura 19 - Quadro de resultados do teste de percepção 1...........................................65

    Figura 20 - Quadro de resultados do teste de percepção 2.......................................... 66

    Figura 21 - Quadro comparativo dos resultados dos testes 1 e 2................................. 67

    Figura 22 - Quadro dos valores das durações dos segmentos adjacentes referentes àlista 6 produzidos pelo sujeito portador de deficiência auditiva..................................... 68

    Figura 23 - Quadro dos valores das durações das unidades VV-1, VV-2 e VV-3, daspalavras e das sentenças referentes à lista 6 produzidas pelo sujeito portador dedeficiência auditiva........................................................................................................ 69

    Figura 24 - Quadro de valores das durações dos segmentos das palavras produzidasna lista 6 pelo sujeito deficiente auditivo....................................................................... 70

    Figura 25 - Quadro de valores das medidas de MBS, IBS e VOT das consoantes tônicae pós-tônica da lista 6 da produção do sujeito com deficiência auditiva........................71

    Figura 26 - Quadro comparativo dos valores das medidas do inicio de f0 nas vogaistônicas e pós-tônicas das quatro palavras na lista 6 de produção do sujeito DA...........72

    Figura 27 - Quadro de valores dos formantes de F1, F2, e F3 das vogais tônica e pós-tônica, nas quatro palavras, referentes à lista 6.............................................................73

    Figura 28 - Quadro de pareamento dos dados de percepção e produção da lista 6.....74

    Figura 29 - Pauta gestual da palavra “cata” baseada na produção do sujeito DA.........77

    Figura 30 - Pauta gestual da palavra “tata” baseada na produção do sujeito DA......... 78

    Figura 31 - Pauta gestual da palavra “data” baseada na produção do sujeito DA.........79

    Figura 32 - Pauta gestual da palavra “cada” baseada na produção do sujeito DA........80

  • 15

    INTRODUÇÃO

    A Fonoaudiologia é o campo de saber relacionado aos distúrbios da comunicação

    humana, sejam de voz, fala, linguagem ou audição. Assim, segundo o Código de Ética

    da Fonoaudiologia o fonoaudiólogo é:

    O profissional que atua em pesquisa, prevenção, avaliação e terapia fonoaudiológicas naárea da comunicação oral e escrita, voz e audição, bem como em aperfeiçoamento depadrões de fala e da voz, cabendo ao fonoaudiólogo trabalhar de forma preventiva ou nareabilitação desses distúrbios. (2004, p.5).

    Dentre os diferentes distúrbios, a deficiência auditiva é aquele que desperta mais

    interesse em mim, e é nesta área que eu venho desenhando as minhas trajetórias

    acadêmica e profissional. Ainda durante a graduação, tive a oportunidade de realizar

    uma pesquisa de Iniciação Científica (PIBIC-CEPE) sobre o trabalho de escrita com

    deficientes auditivos, sob orientação da professora Doutora Luisa Barzaghi Ficker e de

    fazer parte de um grupo de pesquisa “Audição e Linguagem”, coordenado pelas

    professoras Doutoras Cecília Bonini Trenche e Clay Rienzo Balieiro.

    Na mesma época, realizei estágio em atendimentos terapêuticos aos portadores

    dessa deficiência, atividade a qual dei continuidade até o término da Graduação,

    quando, já com um pouco de experiência e muitas mais questões, eu tinha clareza de

    que queria continuar trabalhando e pesquisando sobre a deficiência auditiva, e mais

    especificamente, sobre as conseqüências dessa patologia para os seus portadores.

  • 16

    Com inquietudes típicas de uma estudante em final de curso, com dúvidas sobre a

    escolha de uma pós-graduação, sugeriram-me a leitura da tese de Ficker (2003). Neste

    contexto, ingressei no Aprimoramento em Audiologia Educacional da DERDIC/PUC-SP

    e, concomitantemente, no Programa de Pós-Graduação em Lingüística Aplicada e

    Estudos da Linguagem da PUC-SP para, sob orientação da professora Doutora Sandra

    Madureira, procurar as respostas para minhas questões. Agora, ao final deste

    processo, temos este trabalho, no qual tentei esboçar as reflexões resultantes de todas

    as leituras, aulas e discussões realizadas.

    Sabe-se que a deficiência auditiva pode acarretar déficit em todos os níveis que

    envolvem o processo de produção de fala: sensório-motor, fonético e fonológico,

    lexical, sintático, semântico, pragmático e cognitivo. E são conseqüências da

    diminuição e da distorção do sinal acústico, principais alterações na percepção de fala.

    Vale ressaltar, entretanto, que há variações nas alterações de falas de sujeitos

    deficientes auditivos e estas não estão relacionadas apenas ao grau e/ou ao tipo de

    perda auditiva, mas também a fatores como: etiologia e época da aquisição e do

    diagnóstico da perda auditiva, do uso e tipo de amplificação, tempo e modalidade de

    terapia fonoaudiológica e às experiências lingüísticas às quais o sujeito teve acesso,

    portanto, quaisquer generalizações a respeito da fala de sujeitos deficientes auditivos,

    não são cabíveis.

    Entretanto a validade de estudos de caso é justificada por Mendes (2003), ao

    afirmar que os estudos descritivos, que analisam a característica singular de cada um

  • 17

    desses sujeitos, são importantes para podermos avançar no conhecimento da relação

    produção e percepção auditiva da fala.

    O conhecimento das características acústicas dos sons de fala é fundamental

    para o entendimento das conseqüências da deficiência auditiva na fala. Sendo a

    Fonética o campo que investiga a produção e percepção dos sons da fala, ao utilizar os

    preceitos da Fonética Acústica e Articulatória, busco na Lingüística, subsídios para a

    compreensão dos mecanismos de produção e percepção de fala.

    Um dos trabalhos que tratam dos processos envolvidos na fala de deficientes

    auditivos considerando os parâmetros fonético-acústicos do Português Brasileiro é o de

    Ficker (2003), cujo objeto de investigação foi a produção de sons plosivos em posição

    tônica na fala do sujeito deficiente auditivo, cujos resultados indicaram que todos os

    parâmetros acústicos relacionados ao vozeamento mostraram-se indiferenciados para

    os pares de plosivas vozeadas/não-vozeadas, nas produções do sujeito deficiente

    auditivo, o qual não conseguiu produzir nem perceber os sons plosivos vozeados em

    posição tônica.

    A mesma autora apontou também que o par vozeado/não-vozeado do ponto de

    articulação alveolar (como será referido neste trabalho, mas que também pode ser

    nomeado “dental”) foi o que apresentou maior dificuldade na identificação da produção

    do sujeito com deficiência auditiva. Ainda, verificou que a consoante plosiva alveolar

    surda, em posição átona, foi produzida com sonoridade.

    Por tudo explicitado, o objetivo desta pesquisa é investigar as características de

    produção das consoantes plosivas alveolares do PB, em posição átona, de palavras

  • 18

    dissílabas paroxítonas, na fala de um sujeito com deficiência auditiva, principalmente

    no que se refere ao contraste de vozeamento, e correlacioná-las aos dados de

    percepção desta fala por sujeitos sem queixas auditivas.

    Para a realização desta investigação, algumas hipóteses iniciais, relacionadas à

    interferência de fatores como foco, grau de acentuação e co-articulação, foram

    elencadas:

    Questão de foco: a ocorrência da plosiva em posição tônica em

    palavra focada aumentaria o grau de tensão fono-articulatória, o que,

    por sua vez, tenderia à produção de sons desvozeados. Portanto, o

    contexto pós-tônico, em que haveria menor grau de tensão-

    articulatória, tornaria provável a produção de sons vozeados?

    Questão da co-articulação: a deficiência, em termos de diminuição do

    feedback auditivo, tem efeitos sobre a sincronização dos gestos e co-

    articulação entre segmentos, o que provocaria a manutenção do gesto

    glotal durante o período de obstrução da plosiva em posição pós-

    tônica, por ocorrerem aí segmentos de duração reduzida?

    Questão acentual: estando em contexto átono, o que significaria

    menor força articulatória e tensionamento, a consoante plosiva pós-

    tônica teria maior probabilidade de ocorrer como desvozeada, ao invés

    de vozeada?

  • 19

    As questões que apontamos referem-se à dinâmica da fala e exigem modos de

    investigação que a considerem, portanto, neste estudo, são utilizados os pressupostos

    da Fonologia Articulatória e da Fonética Acústica.

    O primeiro capítulo traz uma breve revisão da literatura mais relevante, a cerca

    dos temas: Produção e Percepção de fala, Fonologia Articulatória, Teoria Acústica de

    Produção de Fala, Consoantes Plosivas do Português Brasileiro, Coarticulação

    laríngea e Deficiência Auditiva; além da apresentação da pesquisa de Ficker (2003),

    que serve de base para este trabalho.

    No segundo capítulo, explicito a metodologia, com as descrições dos

    procedimentos de elaboração, gravação e análise dos dados de produção e do

    procedimento de avaliação da percepção auditiva.

    O terceiro capítulo é composto da apresentação dos resultados obtidos na análise

    da produção e na tarefa de percepção de fala. Tais resultados são discutidos

    teoricamente e confrontados com os achados da literatura no quarto capítulo. O quinto

    e último capítulo é destinado às considerações finais deste trabalho.

    Ressalto aqui que não pretendo tecer conclusões sobre a produção das

    consoantes plosivas alveolares do PB, mas sim de ampliar a minha compreensão a

    respeito das características de produção e percepção da fala de um sujeito com

    deficiência auditiva e, a partir daí, buscar um novo olhar para o trabalho

    fonoaudiológico de fala com os pacientes portadores dessa deficiência.

  • 20

    1. REVISÃO DELITERATURA

    1.1 “PRODUÇÃO E PERCEPÇÃO DAS PLOSIVAS DO PORTUGUÊSBRASILEIRO: ESTUDO FONÉTICO ACÚSTICO DA FALA DE UM SUJEITO COMDEFICIÊNCIA AUDITIVA”

    Ficker (2003) realizou um estudo que serviu de base para a presente pesquisa.

    Nesse trabalho, teve como objetivo estudar a produção das consoantes plosivas do PB

    em posição acentual tônica, por um sujeito portador de deficiência auditiva (doravante

    DA) e a percepção desta fala por ele mesmo, bem como por sujeitos com audição

    normal. Também analisou a fala de um sujeito sem alterações auditivas (doravante

    AN), que serviu de parâmetro para a análise da fala do sujeito DA e a percepção da

    fala do AN por sujeitos com audição normal e pelo sujeito DA.

    A investigação das plosivas se justificou pela alta incidência de plosivas no PB e

    pelo alto índice de alterações nas produções dessas por sujeitos com deficiência

    auditiva, tanto no contraste de vozeamento quanto no ponto de articulação.

    Esse trabalho se fundamentou na Teoria acústica de produção de fala (Fant,

    1990) e na FAR (Browman, Goldstein, 1986, 1990 e 1992), explicitadas nos itens 1.2 e

    1.3 deste estudo. Assim, foi possível, respectivamente, embasar a análise acústica dos

    dados e inferir alguns aspectos dos movimentos articulatórios dos sujeitos estudados e

    considerar os resultados desta análise à luz de um modelo gestual, para melhor

    entender a dinâmica de produção dos sons plosivos.

  • 21

    Deste modo, foi realizada a análise acústica de um corpus contendo as seis

    consoantes plosivas do PB, em posição inicial de palavras dissílabas, paroxítonas:

    “pata”, “bata”, “tata”, “data”, “cata” e “gata”.

    A análise acústica foi realizada no software Multispeech da Kay Elemetrics. As

    medidas de análise acústica foram: VOT da consoante plosiva; f0 e F1 da vogal

    subseqüente à plosiva em posição tônica; medidas de duração da frase, absoluta e

    relativa das consoantes e dos segmentos adjacentes; energia da consoante em relação

    à vogal subseqüente; freqüência de F1, F2 e F3 das vogais adjacentes; transição de

    F1, F2 e F3 da consoante plosiva em direção à vogal subseqüente.

    A percepção das produções dos dois sujeitos foi avaliada por 120 indivíduos com

    audição normal, divididos em 4 tarefas, a saber: (1) teste de percepção de fala no qual

    a produção do sujeito DA foi avaliada por sujeitos com audição normal.

    As outras tarefas foram realizadas com o uso de um software para avaliar a

    discriminação do contraste de vozeamento e ponto de articulação das plosivas do PB,

    no qual os arquivos sonoros são apresentados simultaneamente a quatro imagens

    escritas e pictóricas:

    (2), a produção do sujeito AN foi avaliada por sujeitos com audição normal;

    (3) sujeitos com deficiência auditiva julgaram a fala do sujeito AN;

    (4), o sujeito DA julgou sua própria produção.

    Analisando juntamente os dados de produção e os resultados dos procedimentos

    que avaliaram a percepção, os resultados mostraram que o sujeito DA apresentou

    dificuldades tanto em produzir como em perceber o contraste de vozeamento nas

  • 22

    plosivas, em sílaba tônica, em posição inicial da palavra, o que mostra como a

    produção e a percepção são afetadas uma pela outra.

    Em relação ao ponto de articulação, os indivíduos com audição normal

    perceberam mais facilmente o contraste do ponto de articulação (tendo mais acertos na

    oposição bilabial - velar) do que o de vozeamento, o mesmo aconteceu com o sujeito

    DA.

    Essa pesquisa teve o objetivo, o qual foi atingido, de compreender melhor como o

    processo de produção das plosivas acontece na fala desse sujeito DA. Ainda, esse

    estudo avançou no seu propósito, mostrando a importância da análise acústica, da

    Teoria Acústica de Produção de fala e da FAR para a clínica fonoaudiológica.

    Além disso, a autora elencou alguns pontos que poderiam ser mais investigados

    em outras pesquisas. Como já referido na Introdução deste trabalho, um deles diz

    respeito ao par mínimo alveolar, o qual teve maior índice de dificuldade na identificação

    e na produção, na fala do sujeito DA. Constatou-se também, embora não investigado,

    que a consoante plosiva alveolar surda, em posição átona, foi percebida com

    sonoridade.

  • 23

    1.2 PERCEPÇÃO E PRODUÇÃO DE FALA

    O impacto lingüístico decorrente do quadro da deficiência auditiva pode ser

    justificado se considerarmos que existe uma relação entre as instâncias de percepção

    e de produção na fala.

    Apesar da maioria dos estudos preconizar um dos aspectos dessa relação, é

    necessário um maior entendimento a respeito dos processos de produção e de

    percepção de fala separadamente e da inter-relação entre esses dois aspectos.

    Há muita dificuldade em tecer considerações em relação à percepção, que se dá

    devido à questão da invariância de fala, como propõe Hayward (2000). Entretanto,

    Whalen (1999) coloca que a percepção de fala é o objeto de investigação de muitas

    pesquisas e é estudada principalmente por três tendências: uma que não considera a

    relação entre a produção e a percepção, e é utilizada em trabalhos de reconhecimento

    automático de fala, a de base auditiva e a de base motora, que serão apresentadas a

    seguir.

    A relação entre percepção e produção de fala é estudada por Lindblom (1990),

    que propõe explicar como, apesar da diversidade das características acústicas, um

    som produzido por distintos falantes pode ser igualmente identificado. Na Teoria da

    Variabilidade Adaptativa, o autor questiona a invariância gestual, a partir de duas

    colocações:

  • 24

    (1) Plasticidade dos gestos fonéticos, a partir da qual os falantes podem se

    adaptar os gestos fonéticos às varas demandas das situações de fala;

    (2) Adaptação funcional dos gestos fonéticos, em que os gestos são

    reorganizados para alcançar alvos acústicos e perceptualmente constantes, como, por

    ex., na fala rápida, quando os segmentos têm curta duração.

    Lindblom (1990) afirma que o objeto distal da percepção de fala é a intenção do

    falante, e esta vai além da produção dos gestos fonéticos. A percepção de fala

    adequada pressupõe gestos fonéticos suficientemente contrastivos, mas que não

    necessariamente tem parâmetros físicos constantes. O autor conclui, então, que o

    falante seria capaz de adaptar sua produção às demandas situacionais, com o objetivo

    de se comunicar de forma econômica e eficiente.

    Uma outra teoria que também entende que a natureza da percepção de fala é de

    base auditiva é a Teoria Quântica, na qual Stevens (1972, 1997) propõe que existe

    uma relação estreita entre os parâmetros descritores da articulação e o output acústico.

    Entretanto essa relação não é linear, visto que existiriam certas condições em que

    pequenas mudanças nos parâmetros articulatórios provocariam grandes perturbações

    no output acústico. Por outro lado, existiriam parâmetros nos quais grandes alterações

    provocariam mudanças insignificantes no output acústico.

    Desse modo, dentro de um limite estabelecido a priori, as variações inter e intra-

    falantes das características articulatórias não necessariamente causam dificuldades na

  • 25

    identificação dos fonemas, pois para haver distinção nessa identificação, a variação

    articulatória deve causar uma variação em determinados parâmetros acústicos.

    As teorias de percepção de fala de base motora apontam, por outro lado, que não

    há uma distinção entre as unidades de percepção e de produção. A Teoria Motora

    (Liberman e Mattingly, 1996) é a única que identifica os gestos fonéticos como um

    objeto de percepção. A consideração das características de multiplicidade e variedade

    das pistas acústicas para um mesmo som de fala é que sustentam a premissa de que o

    objeto da percepção não pode residir em um estímulo “proximal”, mas sim que deve se

    remeter a um estímulo “distal”.

    Para essa teoria, o objeto distal é de ordem motora e pode ser diretamente

    recuperado a partir dos estímulos acústicos proximais, portanto é o gesto articulatório.

    Ainda, os autores propõem que os ouvintes realizam a “análise pela síntese” para

    reconhecer os gestos fonéticos, analisando um sinal acústico e predizendo como ele

    deve ter sido produzido.

    A Teoria do Realismo Direto proposta por Fowler (1991), é vista como uma

    evolução da teoria apresentada acima, e assume que há um sistema no qual os gestos

    de fala são especificados diretamente pelo sinal de fala. Assim, o objeto distal é o

    movimento do trato vocal e, considerando que o trato produz os gestos fonéticos, então

    se pode dizer que o evento distal é composto pelos gestos fonéticos e o estímulo

    proximal é o sinal acústico, assim, a percepção de fala envolve reconhecimento de

    eventos distais para uma estimulação proximal. Dessa forma, para a autora citada, o

  • 26

    ouvinte percebe o objeto real e não a imagem dele, ou seja, através da estrutura do

    sinal acústico, percebe as estruturas fonológicas, que representam as ações

    linguisticamente significantes do trato vocal.

    Ainda, para Fowler (opus cit) uma evidência de que os gestos fonéticos são

    objetos perceptuais é o fato das dimensões de percepção de fala coincidir às

    dimensões do sinal acústico. Uma outra evidência que favorece a Teoria do Realismo

    Direto é o experimento “Efeito McGurk”: a apresentação simultânea de dois estímulos,

    um visual [ga] e outro auditivo [ba] resultou na percepção de um terceiro som [da]; essa

    experiência visou comprovar que a percepção de fala se dá a partir do gesto

    articulatório.

    1.3 FONOLOGIA ARTICULATÓRIA

    A Fonologia Articulatória (doravante FAR) é um modelo teórico que foi proposto

    em oposição aos modelos tradicionais de produção de fala e tem como objetivo a

    unificação teórica empírica dos domínios da Fonética e Fonologia. A FAR é uma

    proposta teórica de grande relevância porque pensa na representação fonológica em

    termos de organização articulatória, permitindo o estudo das alterações de fala.

    Kent (1997) afirma que essa possibilidade de aplicação clínica se deve ao fato da

    teoria contar com um número relativamente pequeno de propriedades básicas para

  • 27

    explicar fenômenos fonológicos comuns à fala sem alterações, tais como: reduções

    vocálicas, eliminações de consoantes e assimilações de ponto e vozeamento. A partir

    desses fenômenos é possível definir e caracterizar as principais alterações

    encontradas nos distúrbios motores de fala, como por ex: lentificação articulatória,

    escalonamento anormal dos gestos e faseamento incorreto, por assumir uma

    representação em termos de pautas gestuais, nas quais um gesto pode variavelmente

    ser escalado e faseado em relação aos outros.

    Até meados da década de 80, os modelos de produção de fala consideravam a

    existência de duas estruturas, uma física ligada à Fonética e uma cognitiva, à

    Fonologia, entre as quais a relação era de tradução (da cognitiva para a física). Nesta

    tendência, separava-se a Fonologia da Fonética, sendo esta última vista como

    irrelevante e não pertencente ao campo da Lingüística.

    Além dessa separação, D’Angelis (1998) elenca dois outros fatores principais que

    motivaram o surgimento de modelos dinâmicos de produção da fala: (I) o caráter quase

    estático das unidades fonológicas/fonéticas; e (II) a desconsideração do parâmetro do

    tempo na produção de fala.

    Nos modelos tradicionais de produção de fala, as unidades fonéticas eram

    caracterizadas em termos de traços físicos mensuráveis e a descrição fonética

    consistia de uma seqüência linear de medidas físicas estáticas, isso decorrente da

    irrelevância lingüística dada à estrutura temporal da fala. Esta noção de linearidade da

    fala trazia para o campo da Fonologia a impossibilidade de capturar a variedade de

    fatos fonológicos.

  • 28

    A interferência do parâmetro de tempo na Fonologia e nas unidades de produção

    da fala, bem como o anseio por abordagens que envolvessem o aspecto dinâmico da

    fala, visando uma real análise, e não somente a descrição, das relações temporais

    entre as estruturas articulatórias culminou na necessidade de uma concepção revisada

    da estrutura fonética e fonológica.

    Em 1986, Browman e Goldstein, dois pesquisadores ligados ao Haskins

    Laboratories, propuseram um modelo dinâmico de produção de fala, a Fonologia

    Articulatória. Na primeira proposta da FAR, objetivava-se representar um modelo

    computacional de produção de fala (síntese), no qual seria possível ter um meio de

    descrição explícita e direta dos movimentos dos articuladores no espaço e pelo tempo,

    para basear a representação fonológica.

    A FAR foi fundamentada no Modelo da Dinâmica de Tarefa (Task- Dynamic

    Model), o qual fornece equações dinâmicas para descrever as tarefas que caracterizam

    os movimentos envolvidos na coordenação motora de qualquer sistema biológico,

    possibilitando a análise da organização do movimento articulatório em torno de uma

    tarefa a ser realizada, como afirmam Browman, Goldstein (1986).

    Em oposição aos modelos tradicionais de produção de fala, que analisam o

    “output” lingüístico, ou seja, o resultado acústico-articulatório do trato vocal, que são

    configurações estáticas; a FAR, a partir da análise do “input”, descreve a organização

    gestual articulatória, caracterizando a estrutura fonológica a partir de padrões de gestos

    articulatórios.

  • 29

    Com a consideração de que os domínios fonético e fonológico são dois níveis de

    descrição de um único sistema complexo, tem-se uma nova noção sobre a produção

    de fala, para a qual existe um nível mais elevado, responsável pela descrição do

    planejamento da emissão e outro mais baixo que descreve a execução da fala. Assim,

    as unidades de controle são comuns aos dois níveis de produção de fala.

    A unidade fonológica estática dos modelos tradicionais foi substituída por uma

    unidade básica de contraste e análise fonológica, cuja definição citada por Ficker

    (2003) é que os gestos articulatórios são eventos físicos, com duração intrínseca, que

    se desdobram e se sobrepõem durante a produção de fala.

    Ainda sobre a definição do gesto articulatório, Vieira (2007) menciona que:

    Os gestos articulatórios são unidades básicas, constitutivas e primitivas. Os gestos sãoas ações primitivas dos articuladores do trato vocal, o aparato físico da fala, discretos,pré-lingüísticos, inerentes à maturação do desenvolvimento infantil. Uma evidência dissoé o balbucio, apresentado pelos bebês, nativos de todas as línguas, ouvintes ou não, emque ações motoras precedem à significação lingüística. (VIEIRA, 2007, p. 40)

    Assim, não se pode dizer que há correspondência biunívoca nem com os traços

    fonológicos nem com os segmentos de representação fonética/fonológica (fonemas),

    apesar de, às vezes, se assemelharem com um ou com outro. Aqui, vale ressaltar que

    gesto e movimento também se distinguem, pois têm modos funcionalmente diferentes

    de atingir a mesma meta, já que o movimento acontece mesmo não estando ligado a

    nenhuma tarefa específica, enquanto o gesto articulatório se remete a uma meta ou

    tarefa, como afirma D’Angelis (1998).

  • 30

    Segundo os autores desse modelo teórico de produção de fala, os gestos da FAR

    se diferenciam das unidades fonológicas dos outros modelos, também porque nessa,

    os movimentos dos articuladores são as próprias estruturas espaços-temporais. E é por

    sua característica espaço-temporal, é que se afirma que um gesto é sincronizado com

    relação ao espaço dinâmico de outro gesto e que devem coincidir temporalmente.

    Está posta aqui a noção de sobreposição dos gestos, para a qual, a todo o

    momento, uma série de diferentes gestos (ou conjuntos de valores) está afetando o

    trato simultaneamente, assim, entende-se que a sobreposição é uma conseqüência

    direta da co-ocorrência dos gestos. A relevância dessa noção é mencionada por Silva

    (2003):

    A sobreposição gestual é uma noção de grande importância na FAR, que prevê comoconseqüências desse fato: a) efeitos de invariância acústica, como as transiçõesformânticas que emergem, quando um gesto consonantal invariante se sobrepõe adiferentes gestos vocálicos; b) variações alofônicas; c) vários tipos de coarticulação,como as formas variadas do trato, dependentes de contexto. Frisamos que o modelotambém prevê a sobreposição gestual ocorre, necessariamente, entre gestos decamadas diferentes. (SILVA, 2003. p 324)

    Além disso, os gestos articulatórios são também definidos em termos de tarefas

    dinâmicas, que especificam não os movimentos dos articuladores individualmente, mas

    um conjunto de variáveis do trato relacionadas, que caracterizam a dimensão (local e

    grau) de constrição do trato vocal e dos articuladores que contribuem para a formação

    e soltura da constrição.

    Albano (2001) define os gestos articulatórios, propondo que alguns aspectos da

    relação entre percepção e produção são aprendidos e outros, inatos:

  • 31

    É inata, no gesto, a capacidade de associar conseqüências auditivas – e,provavelmente, também, visuais e mesmo táteis - a tipos discretos de constrições emregiões discretas do trato vocal’. (Albano, 1990, p.95). Realizar tais constrições atravésde movimentos articulatórios efetivos é algo que se aprende com a experiência edepende de uma capacidade de ajuste sensório-motor que é muito variável de indivíduopara indivíduo. (ALBANO, 2001, p. 238).

    A partir do colocado por Albano (1990, 2001), Silva (2003) afirma que a FAR, de

    forma semelhante, sugere haver uma interação entre fonológico e fonético, ou seja, o

    simbólico (fonológico) emerge a partir da repetição de padrões gradientes, numéricos

    (fonéticos), o que dá a essa relação um caráter de tradução direta, descartando o uso

    de um conjunto de regras derivacionais para realizar tal tradução e, portanto, não

    necessitando de inúmeras regras para tentar explicar um fato fônico. Deste modo,

    existiria apenas um único módulo (fonético), onde essa tradução se realizaria.

    Para Silva (opus cit), uma configuração mais organizada é dada pelo modelo

    teórico proposto por Albano (opus cit), a Fonologia Acústico-Articulatória, considerado

    um avanço em relação à FAR, pois, naquele modelo, a autora considera que existe um

    forte elo entre os níveis acústico e articulatório, ambos locados em um módulo de

    processamento fônico.

    As variáveis do trato são controladas basicamente pelo conjunto de articuladores

    usados para obter uma constrição e pelos valores dos parâmetros na equação

    dinâmica que descrevem seu movimento: alvo, rigidez e amortecimento. As variáveis

    do trato relacionadas são representadas pelas mesmas letras no final das siglas que as

  • 32

    representam, conforme o quadro abaixo (figura 1), como proposto por Browman e

    Goldstein (1990).

    Os articuladores que contribuem para a formação e distensão das constrições do

    trato são organizados em “classes articulatórias”, as quais são arranjadas em “fases”, a

    partir de diversos princípios, que captam o aspecto sintagmático da estrutura fonológica

    da língua. Esses princípios de “faseamento” coordenam os gestos em uma estrutura

    chamada de “pauta gestual”.

    A pauta gestual é uma estrutura de organização espaço-temporal dos gestos, nas

    quais representações abstratas dos movimentos articulatórios coordenam-se e

    originam uma variedade de (con)seqüências fonéticas e fonológicas, determinando o

    inventário completo de sons da fala.

    As pautas gestuais são organizadas em camadas, definidas a partir da

    proposição de independência articulatória. Segundo Browman, Goldstein (1990), são

    quatro as camadas constituintes das pautas: a articulatória, relacionada à articulação

    da fala propriamente; a rítmica, que diz da tonicidade de fala; e duas camadas

    funcionais, que são constituídas pelas consoantes e vogais.

    Os gestos vocálicos e consonantais apresentam diferentes características; os

    consonantais têm maior grau de constrição e uma constante de tempo mais breve (ou

    seja, maior rigidez) que os gestos vocálicos. As consoantes iniciais são coordenadas

    com o início dos gestos vocálicos e consoantes finais com o final do gesto vocálico.

    A sobreposição gestual das consoantes e vogais organiza a sílaba e dizem da

    estrutura gestual da fala, já que os gestos vocálicos e consonantais que têm a mesma

  • 33

    variável não podem atingir os seus alvos simultaneamente, assim, o local do gesto

    consonantal varia dependendo da vogal que se sobrepõe.

    Isso posto, diz-se que os gestos originam trajetórias acústicas e articulatórias

    dependentes do contexto. Este mesmo fato faz com que a mesma estrutura

    sintagmática (padrão de sobreposição) leve a diferentes tipos de variação em função

    dos gestos envolvidos.

    Variáveis do trato

    Articuladores envolvidos

    PL Protusão dos Lábios

    AL Abertura dos Lábios

    Lábio superior e inferior, mandíbula.

    LCPL Local de Constrição da Ponta da Língua

    GCPL Grau de Constrição da Ponta da Língua

    Ponta e corpo da língua, mandíbula.

    LCCL Local de Constrição do Corpo da Língua

    GCCL Grau de Constrição do Corpo da Língua

    Corpo da Língua, mandíbula.

    AV Abertura Vélica Véu palatino

    GLO Abertura Glotal glote

    Fonte: figura confeccionada pela própria autora, com base em Ficker (2003, p.13), a partir do proposto

    por Browman, Goldstein (1990).

    Figura 1 - Quadro representativo das variáveis do trato.

    A representação das pautas gestuais pode se dar de algumas formas distintas. A

    seguir explicitamos o tipo de representação da pauta gestual que será utilizada neste

    trabalho (figura 2). Neste tipo, os gestos individuais envolvidos na pauta são

  • 34

    representados enquanto blocos, a extensão horizontal destes se refere à duração dos

    gestos.

    Além disso, a sobreposição dos gestos pode ser simbolizada por algumas

    posições propostas por Albano (2001). Segundo a autora, os lugares de projeção

    simbólica do gesto são suas bordas, o início e o fim, que caracterizam simbolicamente

    um intervalo. Desse modo, os gestos podem estar: inteiramente sobrepostos – tendo

    ambas as bordas alinhadas -, justapostos – um gesto começa após o fim do outro -, ou

    ainda, parcialmente sobrepostos – um gesto pode começar ou terminar durante o curso

    do outro, que é a representação utilizada neste trabalho, por acreditar que este tipo é o

    que melhor representa a noção da sobreposição gestual.

    d a t a

    Figura 2 – Representação do tipo de pauta gestual a ser utilizado, referente àprodução da palavra [data].

    A noção de gesto permite diferenciar a produção de dois itens lexicais de maneira

    distinta àquela feita pelos modelos tradicionais de produção de fala, em que a

    AV

    LCPLGCPL

    LCCLGCCL

    ALPL

    GLO

    dental

    fechado

    faringe

    estreito

    dental

    fechado

    aberto

    faringe

    estreito

  • 35

    diferenciação se dá pela presença de um segmento a mais ou por diferenças em um

    traço distintivo. Já na FAR, as variações são analisadas por:

    - presença ou ausência de um gesto articulatório, por ex. a produção dos fonemas

    considerados “pares mínimos”, como [p] e [b], que se distinguem pela presença do

    gesto de abertura glotal em [p], como podemos ver na figura 3.

    - diferenças na pauta gestual, devido ao conjunto de articuladores e variáveis

    envolvidos na composição do gesto;

    - diferença nos valores dos parâmetros dinâmicos que definem a estrutura

    temporal e espacial do evento articulatório.

    P a B a

    Figura 3 – Pautas gestuais de “pa” e “ba” para um falante do PB.

    AV

    LCPLGCPL

    LCCLGCCL

    ALPL

    GLO aberto

    fechado

    estreito

    faringe

    estreito

    faringe

    estreito

    fechado

    estreito

  • 36

    Além disso, os próprios gestos articulatórios podem estar alterados por certos

    tipos de processos, como, por ex: aumento da sobreposição ou diminuição ou perda da

    magnitude (tempo e espaço) gestual.

    Na fala corrente, existem alguns fenômenos, tais como: apagamentos, inserções,

    enfraquecimentos, que podem ser explicados por todas essas alterações nos gestos,

    como por ex., a diferença entre as durações dos gestos referentes aos fonemas [a]

    tônico e pós-tônico da palavra [tata] na figura 4.

    t a t a

    Figura 4 – Pauta gestual referente à palavra “tata”.

    Até mesmo o tratamento das “variações alofônicas” dos modelos tradicionais, na

    FAR, se dá em termos de variações quantitativas no “input” (como especificações dos

    parâmetros de um gesto) ou no “output”, enquanto especificações da superposição dos

    gestos envolvidos.

    faringe

    AV

    LCPLGCPL

    LCCLGCCL

    ALPL

    GLO

    fechado

    aberto

    fechado

    dental dental

    aberto

    estreito

    faringe

    estreito

  • 37

    Desse modo, o tipo de tratamento dado às variações e alterações na fala normal

    evidencia mais uma vantagem da FAR, que se mostra um modelo abrangente e que

    não recorre a regras específicas para justificar cada ocorrência da fala, como já foi

    colocado anteriormente.

    Após enunciadas todas as características da FAR, voltamos ao ponto do qual

    partimos para a proposição dessa concepção teórica: a sua aplicabilidade nas

    alterações encontradas nas falas patológicas.

    Ainda a respeito dos distúrbios de fala, Kent (1997) bem como Weismer et al

    (1995), propõe que, além do uso da FAR, uma outra teoria também seja utilizada. Tal

    teoria a que se referem é a Teoria Acústica de Produção de Fala, que permite, a partir

    da análise acústica das produções, fazer inferências sobre as configurações do trato

    vocal na produção dos diversos segmentos de fala.

    Portanto, a fim de complementar a análise articulatória da produção do sujeito

    com deficiência auditiva, com o ponto de vista acústico, a Teoria Acústica de produção

    de fala será utilizada neste trabalho, sendo sobre esse tema que o próximo item se

    ocupa.

    1.4 TEORIA ACÚSTICA DA PRODUÇÃO DE FALA

    A Teoria Acústica de Produção de Fala (Fant, 1960), também chamada de Teoria

    Linear da Fonte e Filtro, fundamentada em um modelo matemático linear, utiliza o

    modelo da fonte vibratória e do tubo de ressonância para explicar as relações acústico-

    articulatórias e a produção da fala.

  • 38

    Neste modelo teórico, a produção de fala é entendida pela geração da energia em

    uma fonte e a modificação desta por um filtro. Assim, a fonte de voz, originada pela

    vibração das pregas vocais, que gera a energia e produz a freqüência fundamental.

    O filtro corresponde ao trato vocal e seus articuladores, os quais, a partir de

    diferentes configurações, modificam as amplitudes das freqüências. Vale ratificar que

    os ressoadores não geram a energia sonora, mas apenas a modificam.

    Além disso, geralmente, a fonte de energia e o ressoador são independentes. Isso

    é um fato importante e explica porque um mesmo falante pode produzir um [i] com um

    pitch alto ou baixo, sem alterar a identidade fonética da vogal.

    Ainda, a Teoria Acústica propõe que as características acústicas de cada som de

    fala são determinadas exclusivamente pelas constrições e bifurcações do trato vocal e

    pela freqüência fundamental (f0), e fornece fundamentos para procedimentos de

    análise acústica da fala, a que se torna possível a partir da definição de alguns

    conceitos, como:

    (1) Fonte: a fonte é representada pelo tom laríngeo e/ou, no caso de algumas

    consoantes, pelo ruído originado por uma constrição parcial em algum ponto do trato

    vocal.

    (2) Trato vocal: é o ressoador propriamente dito, que tem a função de filtro,

    modificando as amplitudes dos componentes espectrais da fonte glotal, transferindo a

    energia e determinando os formantes.

  • 39

    (3) Ressonâncias: a produção das ressonâncias varia de acordo com a posição e

    o grau da constrição no trato vocal, bem como com os acoplamentos dos tubos

    secundários.

    (4) Freqüência fundamental (f0): é dada pelo número de vibrações das pregas

    vocais por unidade de tempo.

    Uma outra noção relevante para a análise da produção das consoantes plosivas é

    o conceito de VOT – Voice Onset Time -, cuja descrição envolve diversas medidas de

    distintas dimensões acústicas, tais como: intensidade, duração e freqüência. O VOT é

    o intervalo de tempo entre o inicio da consoante, quando há a constrição, até o início

    do vozeamento. Pode ser: VOT negativo, quando há vibração de pregas vocais durante

    o intervalo da constrição e VOT positivo, no qual o intervalo da constrição é

    caracterizado pelo silêncio. Ainda, a produção das plosivas se caracteriza pela

    presença de ruído transiente, resultante da liberação repentina da obstrução do ar.

    As vogais são produzidas pela vibração laríngea e por uma abertura relativa do

    trato vocal. Por considerarem de produção simples, as vogais têm, do ponto de vista da

    acústica, uma descrição também considerada mais simples. Isso porque as

    informações necessárias para a análise estão contidas nelas mesmas, a partir da

    noção de formante.

    Referidas como formantes são denominadas as ressonâncias naturais do trato

    vocal, são os principais elementos para a caracterização das vogais. Esses estão

    ligados, não à produção, mas sim à modificação da energia originária da fonte e são

    identificados por números inteiros (freqüência, largura de banda, amplitude).

  • 40

    O padrão de formantes dá pistas para a percepção/identificação das vogais,

    principalmente em função de F1, F2 e F3. É o posicionamento da língua que influencia

    os valores do primeiro e do segundo formante, sendo que F1 varia de acordo com a

    altura da língua e F2 com o seu avanço, já o F3 está relacionado à passagem/

    constrição no trato. E a transição de formantes: é a movimentação da porção estável,

    dos formantes de um fonema na mudança para (produção de) outro fonema.

    A análise acústica das produções de um sujeito com deficiência auditiva, baseada

    na Teoria Acústica de Produção de fala, possibilita a inferência de alguns aspectos dos

    movimentos articulatórios. Além disso, permite analisar os dois aspectos da fala: a

    produção e a percepção, conhecendo o estímulo e caracterizando as características

    acústicas da fala do sujeito deficiente auditivo. E, a partir da análise dessa fala, se torna

    possível avaliar o efeito da falta de audição sobre a produção de fala e,

    conseqüentemente, elocubrar sobre o papel da audição no desenvolvimento de sujeitos

    com audição normal.

    1.5 CONSOANTES PLOSIVAS ALVEOLARES DO PORTUGUÊS BRASILEIRO

    A freqüência de ocorrência dos fonemas do PB foi estudada por Albano (1995)

    mostrando que as plosivas são consoantes de alta freqüência nessa língua. Entretanto,

    apesar disso, essa classe de consoantes é ainda pouco investigada, o que a

    determinou como objeto de estudo da pesquisa de Ficker (2003), bem como desta

    pesquisa. No PB, a classe das consoantes plosivas é caracterizada pelo modo de

    articulação, em que há, obrigatoriamente:

  • 41

    • Oclusão: obstrução completa do trato vocal, que tem como conseqüência a

    interrupção do fluxo de ar, percebida acusticamente como silêncio.

    • Plosão: caracterizada pela abertura do trato vocal e conseqüente soltura total do

    ar.

    A diferenciação entre plosivas vozeadas e não-vozeadas é dada pela vibração ou

    não das pregas vocais durante o período em que a cavidade oral está fechada. Quando

    há vibração diz-se que o VOT é negativo, quando não há, denominamos de VOT

    positivo.

    Ainda, o som produzido é modificado a partir do movimento dos articuladores

    específicos para cada ponto de articulação, que, dentro desse modo de articulação,

    são três. Ou seja, há possibilidade de três diferentes configurações, a partir dos

    articuladores utilizados para realizar o fechamento do trato, dando origem a três pares

    mínimos (vozeada/ não-vozeada), a saber:

    - plosivas bilabiais: quando o fechamento é realizado pelos lábios superior e

    inferior, originam-se as plosivas /p/ e /b/;

    - plosivas alveolares ou dentais (/t/ e /d/): para a produção do /t/ e do /d/, a

    obstrução pode ser feita em dois locais, a partir do encontro da ponta da língua com: a

    parte posterior dos dentes incisivos superiores (dental) ou com a região imediatamente

    posterior, dos alvéolos (alveolar), sendo esta última a que consideraremos neste

    estudo.

  • 42

    - plosivas velares: São os fonemas /k/ e /g/, para os quais o corpo da língua

    encontra o véu palatino, impedindo a passagem de ar.

    A informação sobre o ponto de articulação das plosivas é dada por integração de

    diversas pistas acústicas: espectro de burst, locus, transição de F2 e F3 para a vogal

    subseqüente, sendo que a importância de cada uma delas para a correta identificação

    varia de acordo com os pontos de articulação. Essas três pistas serão definidas e

    discutidas a seguir.

    Em relação especificamente ao ponto de articulação alveolar, que é o investigado

    nesta pesquisa, cada parâmetro acústico tem diferentes níveis de influência. O primeiro

    a ser apresentado, e considerado importante para a identificação do fonema,

    juntamente com a transição de formantes, é o espectro de burst, que apesar de

    possibilitar tal identificação, parece não o fazer de maneira tão direta. O burst é definido

    como o breve período de ruído, com duração de 05 a 40 ms, durante a abertura dos

    articuladores da posição de oclusão, facilmente visualizado no espectrograma, e

    corresponde ao efeito dos formantes da cavidade anterior.

    Esse parâmetro caracteriza as consoantes alveolares como difusas, por não

    apresentarem uma área em que há concentração da energia. Além disso, mostra que,

    para essa classe, a identificação está associada aos ruídos transientes, com

    freqüências acima de 280 Hz. As controvérsias sobre a relevância do burst na

    percepção das seis plosivas ainda são grandes, mas a literatura tende a indicar que o

    burst é mais efetivo para a identificação das plosivas não-vozeadas ([p], [t] e [k]).

  • 43

    Dellatre et al (1995) investigou a transição de formantes inicialmente nas plosivas

    vozeadas e, em seguida, nas plosivas desvozeadas e nas nasais. Seus experimentos

    mostram que, mesmo retirando algumas pistas da produção de plosivas, se a transição

    de formantes era preservada, os três pontos de articulação das plosivas eram

    perfeitamente identificados. A partir daí, pôde afirmar que a transição de formantes é a

    pista mais robusta para a identificação do ponto de articulação.

    A medida de F1 é semelhante para todos os pontos de articulação oral, pois está

    relacionada à oclusão da cavidade oral, de maneira geral. Então, são os valores de F2

    e de F3 que se distinguem para os diferentes pontos de articulação e também variam

    de acordo com a vogal subseqüente. Para as alveolares, em relação a F3, esta

    transição é geralmente nivelada ou descendente.

    Já o padrão da transição de F2 é ascendente ou nivelada com as vogais

    anteriores; para as vogais posteriores, a transição é caracterizada como descendente.

    Ou seja, se inicia em torno de 1.800 Hz, e se mantém nesse nível para as vogais

    anteriores, ou abaixa quando seguido por uma vogal posterior, a qual tem F2 mais

    baixo do que esse valor.

    O comportamento da transição de F2 nas alveolares é explicado pelo conceito de

    locus, definido como sendo o ponto na escala de freqüência onde a transição se inicia,

    portanto, o locus de F2 de uma consoante se localiza sempre em um mesmo ponto;

    assim, o que varia, dependendo da vogal subseqüente, é o modo de deslocamento da

    transição de F2 (ascendente ou descendente).

    Em seu estudo, Ficker (2003) cita Engstrand et al (2000) que, discutindo a eficácia

    de medidas para a identificação do ponto de articulação de consoantes plosivas,

  • 44

    encontrou que o VOT fornece pistas, além de, principalmente, sobre o contraste de

    vozeamento, também sobre o ponto de articulação, pois esse parâmetro varia de

    acordo com o local de constrição no trato vocal.

    Para o vozeamento, como já foi dito, é o VOT que dá mais informações, podendo

    ser positivo, para as não-vozeadas e negativo, para as vozeadas. Esse parâmetro é

    considerado para definir o vozeamento de todas as consoantes do PB e sua variação

    em relação ao ponto de articulação se dá devido à distância entre a constrição do trato

    vocal e a fonte glotal, o que favorece o início da vibração das pregas vocais, sendo de

    valor intermediário para as plosivas alveolares (menor para bilabial e maior para velar).

    Além do VOT, outros parâmetros podem ser considerados na distinção vozeado/não-

    vozeado, como, por ex., no próprio segmento consonantal, sua duração e a intensidade

    do burst.

    As consoantes não-vozeadas tendem a ter duração maior do que as

    correspondentes vozeadas em grande parte das línguas universais. Para o PB, as

    médias de duração do [t] e [d] são, respectivamente, 113 ms e 71 ms (Barbosa, 1996).

    As medidas das vogais que contrastam entre plosivas alveolares vozeadas e não-

    vozeadas são: duração das vogais adjacentes, freqüência fundamental, contorno de f0

    e onset de F1 e transição de F1 no início da vogal subseqüente.

    Peterson, Lehiste (1991) identificaram que a vogal que antecede é mais

    influenciada pelo contraste de vozeamento do que a vogal subseqüente, apresentando

    um grande alongamento. Deste modo, para a língua inglesa, as vogais anteriores à

    plosivas vozeadas têm duração 100 ms maior do que aquelas que antecedem

  • 45

    consoantes plosivas não-vozeadas, enquanto que, para as vogais posteriores, essa

    diferença de duração é de apenas 30 ms.

    Um estudo que investigou essa influência no Português brasileiro foi o de Brito

    (2000), cujos resultados mostraram que a média de duração das vogais precedentes às

    plosivas vozeadas foi 22% maior que a média das vogais anteriores às não-vozeadas.

    Essa autora concluiu que, nessa pesquisa, os falantes (crianças de 6 a 10 anos de

    idade, sem alterações de fala) pareciam tentar utilizar a duração da vogal para

    diferenciar o vozeamento das consoantes seguintes.

    Além disso, a sílaba não-vozeada parece ser sempre maior do que a

    correspondente vozeada, pois a diferença entre as durações das consoantes é maior

    do que entre as durações das vogais, como propôs Fant (1991).

    A freqüência fundamental (f0) da vogal também pode estar alterada pela presença

    ou não do vozeamento da consoante precedente. Desse modo, a ausência do

    vozeamento estaria relacionada às freqüências mais altas e um f0 mais baixo induz à

    identificação de plosivas vozeadas.

    A hipótese aerodinâmica tenta explicar tal relação, considerando que o aumento

    da pressão oral na produção das plosivas vozeadas provocaria a diminuição da

    pressão entre as pregas vocais, resultando na diminuição da freqüência de f0.

    Apesar de essa relação ser estável, Holt et al (2001), após investigar a percepção

    da variância de f0 e VOT por codornas, mostrou que sua natureza não é de ordem

    fisiológica, mas sim aprendida, e decorre da regularidade de ocorrência. Esse estudo

    sugere, então, que o f0 não é determinante sobre a percepção do vozeamento.

  • 46

    Um outro parâmetro que parece ser influenciado pela ocorrência do vozeamento

    da plosiva é a freqüência do primeiro formante (F1) no inicio da vogal subseqüente, que

    foi estudado por Shimizu (1996), em um trabalho sobre parâmetro do vozeamento em

    seis línguas asiáticas. Para vogais subseqüentes às plosivas não-vozeadas, foi

    encontrado que valores de onset de F1 são mais altos do que os vistos para as vogais

    que seguem as plosivas vozeadas. Essa variação nos valores de onset de F1 se dá

    porque, para as não-vozeadas, como o inicio do vozeamento é mais tardio, não parece

    haver transição de F1, que é causada pelo vozeamento durante a oclusão, nas plosivas

    vozeadas.

    1.6 A NOÇÃO DE COARTICULAÇÃO

    A dificuldade de produção do vozeamento na fala do sujeito DA torna ainda mais

    necessária a sua análise. Bem como a produção, a investigação do vozeamento

    também é considerada bastante complexa, devido à diferença do sistema fonador para

    os outros subsistemas usados na produção de fala (lábios ou língua, por ex.) e pela

    condição do output acústico, que é menos transparente ou não tão diretamente

    determinado pelos gestos articulatórios laríngeos. Para isso, algumas tendências foram

    pensadas para guiar esse trabalho e, assim, apresentarei aqui a noção de

    coarticulação.

    A noção da coarticulação para a FAR é relevante e se refere à organização dos

    gestos articulatórios nas constelações e pautas gestuais, como já foi descrito na seção

    1.3 deste estudo. Para a Teoria Motora (Liberman e Mattingly, 1985), a coarticulação é

  • 47

    a razão pela qual o sinal acústico se torna um código complexo de fonemas, supondo

    que estes são produzidos em tempos sobrepostos. A coarticulação seria, portanto,

    promovida pela natureza dos fonemas (constituídos dos traços sub-fonêmicos) e pela

    pequena memória dos ouvintes (com lenta taxa de transmissão).

    Em um estudo sobre a coarticulação laríngea, Hoole et al (1999) investigaram o

    fenômeno na língua francesa e afirmaram saber apenas que a configuração da glote

    num dado momento não nos permite determinar que o sinal acústico naquele ponto é

    vozeado ou não. Isso porque o início, a manutenção e o término do vozeamento

    dependem da inter-relação de diversos fatores, tais como: tensão do controle muscular,

    grau de ajuste e elasticidade intrínseca das pregas vocais, bem como a configuração e

    as condições aerodinâmicas da glote.

    Além disso, a pesquisa mostrou que, durante a fonação, a variação em qualquer

    um destes fatores afetará o modo de vibração das pregas vocais e, conseqüentemente,

    a qualidade auditiva do vozeamento produzido. Neste sentido, e pelo fato do sujeito

    desta pesquisa apresenta um padrão de vozeamento que ora é percebido como

    vozeado e ora como desvozeado, refletiremos sobre a questão proposta por Hoole et al

    (1999).

    Os autores propõem que estudos recentes têm sugerido que o modo de fonação

    de uma vogal pode ser afetado pelos modos de produção de uma consoante

    (especificamente, as não-vozeadas) e para a investigação do gesto glotal é necessária

    a consideração da organização interarticulatória das seqüências consonantais.

    Assim, estudaram pesquisas sobre a relação do modo de articulação e do ponto

    de articulação da consoante com a produção da vogal subseqüente e concluíram que o

  • 48

    modo de articulação está relacionado à questão da amplitude do gesto glotal. Isto

    porque os gestos envolvidos na produção consonantal (abdução glotal, formação da

    oclusão oral) são organizados temporalmente de acordo com as necessidades de cada

    modo específico de produção.

    Vale ressaltar aqui que a consideração da interferência da produção da consoante

    no gesto vocálico não descarta o efeito contrário, ou seja, a influência das

    características da vogal na produção da consoante que a sucede.

    Hoole et al (opus cit) consideram que o início do vozeamento (sob condições de

    trato vocal não-ocluído) pode variar desde delicadamente gradual até muito abrupto e

    essa variação parece depender muito mais de diferentes padrões de tensão nas pregas

    vocais do que de diferenças puramente relacionadas à duração do gesto de abertura

    de glote, podendo haver variações nesta.

    Ainda tratando da coarticulação laríngea, chega-se a ponto das inferências nos

    mecanismos do controle glotal e, sobre isso, os autores colocam um dado muito

    importante para este trabalho, ao afirmarem que, quando a abdução laríngea é mais

    finamente sincronizada ao gesto de fechamento oral, a interrupção do vozeamento é

    mais rápida. O que decorre da elevação da pressão intraoral que rapidamente

    neutraliza a pressão transglotal.

    Desse modo, podemos inferir que a diminuição da sincronia entre os gestos

    articulatórios, que supomos estar presente na fala de sujeitos com deficiência auditiva,

    que provocaria uma lentificação na interrupção do vozeamento. O que

    conseqüentemente alteraria a percepção do parâmetro de vozeamento da fala desses

    sujeitos.

  • 49

    Essa questão, proposta no estudo de Hoole et al (1999), é muito relevante e está

    de acordo com a hipótese da coarticulação proposta no capítulo anterior - Introdução.

    E, portanto, é sob essa perspectiva que seguirei a investigação na fala do sujeito DA.

    1.7 DEFICIÊNCIA AUDITIVA: ALGUNS ASPECTOS

    É notório que a audição é muito importante para o desenvolvimento do ser

    humano, visto que esse é o primeiro canal pelo qual o indivíduo se liga ao mundo

    externo e por onde recebe informações, desde os seis meses de gestação. Portanto, a

    privação sensorial causada pela deficiência auditiva pode gerar inúmeros prejuízos

    (sociais, emocionais, cognitivos) naquele a que acomete decorrentes do atraso no

    desenvolvimento da linguagem oral.

    A audição e a compreensão de fala são dois eventos inter-relacionados como

    etapas distintas de um processo maior, de modo que, primeiro, o ouvinte escuta o sinal

    de fala e, em seguida, interpreta seu significado. O indivíduo deficiente auditivo tem a

    primeira etapa prejudicada, entretanto, este prejuízo causa dificuldades também na

    etapa da compreensão, visto que o sinal acústico chega ao sistema auditivo de forma

    distorcida e em intensidade insuficiente.

    Desse modo, o déficit lingüístico é praticamente inevitável nos portadores de

    deficiência auditiva, entretanto, é bastante variado e pode ser minimizado dependendo

    de fatores como: a idade do diagnóstico, o início da reabilitação e o uso de

  • 50

    amplificação adequada. Enfim, muitas características e fatores interferem no prejuízo

    acarretado por essa deficiência, entretanto, é sabido que, de modo geral, à medida que

    o déficit auditivo aumenta, aumentam também as alterações na percepção auditiva do

    estímulo sonoro e nas linguagens oral e escrita do portador desta.

    Desta forma, apesar de reconhecer sua importância, desconsidero aqui a variação

    nos desempenhos individuais desses falantes, para citar algumas características dos

    dois processos da fala.

    Nesse contexto, e sabendo que, no Brasil, a deficiência auditiva é a terceira maior

    causa de deficiência sensorial no país, para aproximadamente 10% da população

    brasileira com algum tipo de deficiência (OMS, 1993), pesquisas sobre a deficiência

    auditiva são relevantes.

    Sobre a percepção e a produção de fala por DA, alguns estudos podem ser

    citados: Boothroyd, 1984; Revoile, 1999; Stevens, Blumstein, 1978; Van Tansell, 1982.

    Esses trabalhos mostraram que a percepção das plosivas é alterada pela deficiência

    auditiva, o que causa uma alteração também na produção destas, portanto vale

    pontuar, de maneira breve, como se dá a produção e percepção das consoantes

    plosivas alveolares por sujeitos portadores de deficiência auditiva.

    Algumas características desses processos de fala são, até certo ponto,

    generalizadas para todos portadores de deficiência auditiva. Em relação ao contraste

    de vozeamento, a dificuldade de produção é dada por esse ser um fator de

    identificação puramente auditiva, portanto sua percepção fica naturalmente prejudicada

  • 51

    nos sujeitos com deficiência auditiva. Nestes casos, a distinção entre consoantes

    vozeadas e não-vozeadas é aprendida, em contexto clínico, a partir das pistas

    proprioceptivas, o que não garante uma adequada produção de todos os parâmetros

    envolvidos no contraste de vozeamento.

    A diferenciação entre os pontos de articulação para os sujeitos deficientes

    auditivos é facilitada pela pista visual, portanto quanto mais posterior (ou seja, menos

    visível) for o ponto, mais distorcida deverá ser a sua produção por esses falantes.

    Ainda, tanto a organização temporal da fala, quanto a incoordenação dos

    movimentos articuladores têm se mostrado alteradas nas produções de sujeitos com

    deficiência auditiva, resultando em uma menor coarticulação entre os gestos

    articulatórios, o que prejudica a inteligibilidade dessa fala.

    Além da própria deficiência auditiva, questões relacionadas às características de

    intensidade e velocidade da fala dirigida aos sujeitos com deficiência auditiva e à

    qualidade da amplificação sonora utilizada interferem na percepção adequada dos sons

    por esses sujeitos.

    Assim, deve-se ressaltar ainda que o falante desta pesquisa é portador de

    deficiência auditiva desde a infância, e faz uso de leitura orofacial associada ao

    estímulo auditivo que recebe, e o traço de vozeamento é um aspecto não visível da

    fala, o que dificulta sua detecção por esse sujeito, diferentemente do ponto ou modo de

    articulação, o que influencia nos dados de produção e percepção encontrados neste

    trabalho. A seguir, o próximo capítulo apresenta a metodologia utilizada neste trabalho.

  • 53

    2. METODOLOGIA

    A metodologia de pesquisa utilizada neste estudo segue o Método Experimental,

    transposto para a Fonética, conforme proposto por Llisterri (1991). Esse método

    abrange tanto a coleta quanto a análise dos dados.

    Como, neste trabalho, pretendo dar seqüência ao estudo de Ficker (2003), optou-

    se por utilizar os mesmos dados de produção usados por esta autora e que fazem

    parte do banco de dados do LIAAC. Assim, as etapas de escolha do sujeito, elaboração

    e gravação do corpus foram realizadas pela mesma e serão explicitadas aqui, a fim de

    esclarecimento.

    Antes de apresentar a metodologia deste trabalho, é importante colocar que duas

    análises distintas foram realizadas neste trabalho. Assim, primeiramente, serão

    apresentados, no item denominado “produção de fala”, os resultados das médias das

    dez repetições das quatro sentenças, os quais servirão para tentarmos caracterizar a

    fala deste sujeito deficiente auditivo.

    A outra análise a que me refiro é das quatro sentenças da lista seis, a mesma

    usada no procedimento de avaliação da percepção. Ambos os resultados serão

    expostos no item “percepção de fala”. Para que, a partir daí, possamos pareá-los e

    pensar sobre a relação percepção e produção de fala.

  • 54

    2.1 Corpus

    (2.1.1) Elaboração do corpus

    O corpus elaborado por Ficker (2003) consistiu de palavras do PB, dissílabas,

    paroxítonas, de padrão CVCV, em que as seis consoantes plosivas do PB estivessem

    em posição tônica, opostas à consoante pós-tônica que também deveria ser uma das

    plosivas do PB. A partir dessas condições foram selecionadas para gravação oito

    palavras: pata, bata, tata, data, cata, gata, cada e capa, das quais foram selecionadas

    seis para compor o corpus do seu estudo, de acordo com os seus objetivos (ver item

    1.4 do capítulo de Revisão da Literatura).

    O meu foco de investigação é em relação à sílaba pós-tônica e às plosivas

    alveolares, então constitui como corpus desta pesquisa as palavras: tata, data, cata e

    cada. O corpus desta pesquisa é composto por quarenta sentenças, ou seja, dez

    repetições da frase-veículo com cada uma das quatro palavras.

    (2.1.2) Gravação do corpus

    A gravação do corpus1 elaborado para o trabalho anteriormente citado, se deu da

    seguinte forma: todas as palavras, inseridas na frase-veículo “diga________baixinho”

    foram gravadas em cabina acústica no estúdio de gravações da Faculdade de

    Comunicação e Filosofia da PUC/SP, em gravador digital, com microfone corretamente

    1 Para mais informações sobre o procedimento de gravação do corpus, consultar Ficker (2003).

  • 55

    localizado à frente do falante. Ainda, após a gravação, os dados foram digitalizados no

    CSL-4300B da Kay Elementrics.

    A gravação se deu a partir da leitura das sentenças impressas em cartões e

    apresentadas aleatoriamente. Para cada palavra do corpus foram gravadas 10

    repetições da sentença (frase-veículo com a palavra já inserida), totalizando 80

    sentenças g