A Performance Do Candomblé Uma Encruzilhada No Exterior BRASIL1

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    Revista Multidisciplinar Acadmica Vozes dos ValesUFVJMMGBrasilN 04Ano II10/2013

    Reg.: 120.2.0952011UFVJMQUALIS/CAPESLATINDEXISSN: 2238-6424www.ufvjm.edu.br/vozes

    Ministrio da EducaoUniversidade Federal dos Vales do Jequitinhonha e MucuriUFVJM

    Minas GeraisBrasilRevista Vozes dos Vales: Publicaes Acadmicas

    Reg.: 120.2.095 - 2011UFVJMISSN: 2238-6424

    QUALIS/CAPESLATINDEXN. 04Ano II10/2013

    http://www.ufvjm.edu.br/vozes

    A performance do candombl:uma encruzilhada no exterior

    Prof. Dr. Paulo Petronilio Correia

    Doutor em Educao pela Universidade do Rio Grande do Sul.

    Professor Adjunto II da Universidade de Braslia - UNBhttp://lattes.cnpq.br/1801687030702050

    E-mail:[email protected]

    Resumo: Prope-se este artigo mostrar como a cultura afro brasileira foi recebida einterpretada no exterior. A Frana foi, sem dvida, o maior espao de interpretaodo Candombl brasileiro. A tradio de Roger Bastide e seu amigo Pierre Verger foio comeo de uma cartografia e um desenho da cultura yorub que veio alargando osolhareseiluminando caminhos para uma nova tradio. Outros estudiososcomo afrancesa GiselleBinon- Cossad, Juana Elbein dos Santos, Rita Laura Segato eoutros estrangeiros que enfrentaram vrias encruzilhadas para compreender adinmica complexa dos terreiros no Brasil. Cada um com seu olhar e sua fotografia,testemunha de maneira singular a complexidade da cultura afro-brasileira. Taisolhares foram significativos na construo das performances afro que fizeram doterreiro um esttico, ritualstico e potico.

    Palavras-chave: Cultura. Candombl. Imaginrio. Esttica. Performance no exterior.

    http://www.ufvjm.edu.br/vozeshttp://www.ufvjm.edu.br/vozeshttp://lattes.cnpq.br/1801687030702050http://lattes.cnpq.br/1801687030702050mailto:[email protected]:[email protected]:[email protected]:[email protected]://lattes.cnpq.br/1801687030702050http://www.ufvjm.edu.br/vozes
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    Introduo

    Agora estou leve; agora vo; agora, vejo-me

    debaixo de mim mesmo; agora um deus danadentro de mim. Nietzsche.

    bem verdade que os terreiros de candombl, ou melhor, as religies de

    matrizes africanas se transformam a cada dia em objeto, anlisede estudo e

    compreenso do povo brasileiro. Os debates sobre a cultura afro brasileira so cada

    vez mais acolhidos pelo povo estrangeiro. O Brasil visto no exterior pelo vis da

    cultura afro religiosa. Agora, como os esto lendo a cultura afro brasileira: de que

    forma esses olhares estranhos a nossa cultura contribuem para largarmos nossosolhares sobre ns mesmos; O Candombl uma religio de matriz africana que veio

    despertando olhares de vrios estudiosos do mundo. Os franceses, certamente, com

    sua sensibilidade esttica e cultural demonstraram grande interesse em

    compreender a dinmicae a complexidade dos Terreiros no Brasil. Mas no ficou

    apenas na Frana. Outros olhares e percepes foram se impondo e os estudos

    foram avanando em outros pases.

    O que iremos mostrar aqui so apenas algumas das principais

    contribuies estrangeiras para uma compreenso mais concisa dos Terreiros no

    Brasil que vieram da tradio de Roger Bastide que abriu, inclusive, um ponto que

    at hoje polmico no campo da cultura antropolgica que a possibilidade de uma

    escrita nativa, a relao entre o pesquisador e o campo, a imparcialidade, a

    neutralidade, enfim a tica em campo. Foi um salto inclusive para compreendermos

    hoje que existem vrias formas e maneiras de interpretar uma cultura e que o olhar

    de dentro fundamental para tentarmos compreender a alteridade, O pesquisador,

    ao beber de uma cultura, no est fora da malha interpretativa. Ele subjetividade

    pura. E nenhuma interpretao deve ficar fora do gro analtico. Isso somente

    refora a ideia declarada outrora por Vagner Gonalves de que existem vrias

    formas de conviver com os terreiros e que acreditar no o nico verbo que o povo

    do santo nos convida a conjugar. Existem outros como amar e respeitar que compe

    a semntica do povo do santo.

    Desse modo, prope-se evidenciar algumas temticas trazidas por estes

    pesquisadores e mostrar como os pesquisadores brasileiros interpretaram essa

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    interpretao e deram outros sentidos a essa cosmoviso yorub. importante

    compreendermos como uma viso estrangeira foi capaz de mudar toda uma forma

    de interpretao de uma cultura, inclusivea do prprio brasileiro. No podemos

    deixar de lado de elucidar essas interpretaes e essas literaturas do exterior que

    servem de groanaltico para a interpretao da prpria cultura como um todo.

    1. A encruzilhada Brasil-exterior: trilhas e olhares da literatura

    comum o estrangeiro tentar compreender a cultura uma vez que ela

    sempre estranha para o olhar de fora. Interessante quando se tenta desarmar deseus preconceitos e se tenta olhar para o Outro e tentar compreend-lo. A

    humanidade sempre teve curiosidade para tentar decifra o enigma do mundo. A

    coragem para enfrentar o desconhecido e penetrar no mago da cultura do outro o

    que legitimae justifica estar no mundo e se abrir para ele.

    Da mesma forma, os estudos de Pierre Verger em Orixs (1981) do

    vrios sinais sobre o Candombl na frica e no Brasil. Embora tenha sido um

    fotgrafo, no deixa de testemunhar uma frica que se abrasileirou no Brasil. PierreVerger com seu flego fotogrfico, nos mostrou em Orixs um importante e valioso

    documento, abrindo nossos olhos acerca dos Orixs no Novo Mundo, o poder do

    sincretismo, o aparecimento dos primeiros terreiros de Candombl, os arqutipos,

    envolvendo todo um complexo de iniciao na frica e no novo mundo, mostrando

    assim suas variaes de cultos. Pierre Verger tornou-se assim, O Fatumbi (aquele

    que nasceu de novo pela graa de If). Em Verger/Bastide: dimenses de uma

    amizade(2002) trata-se de uma seleo de escritos organizados por ngela Lhningsobre as diversas publicaes escritas pelos amigos e parceiros Roger Bastide e

    Pierre Verger. Segundo Lhning, por mais que ambos tenham sido discutidos na

    academia, pouco se tem falado da dimenso dessa amizade que, segundo ela,

    muito tem contribudo para os estudos acadmicos e necessrio assim, levar essa

    relao para um pblico maior. Ora, vrios, socilogos, antroplogos e educadores

    tm se interessado pelos estudos da religiosidade afro-brasileira. Fora do Brasil.

    Roger Bastide (2001) no clssico O Candombl na Bahia, mostra um compromisso

    com o espao e o tempo sagrado, dentro da estrutura do mundo, revelando o

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    sentido do xtase, do homem e o reflexo dos deuses. Reflexos estes que j vinham

    de uma tradio fotografada pelo pioneirismo de Raymundo Nina Rodrigues, do qual

    Artur Ramos, com seu protesto e reivindicao, j declarava: Eu no me canso, em

    meus estudos atuais sobre o negro brasileiro, de chamar a ateno para os

    trabalhos de Nina Rodrigues, na Bahia, ponto de partida indispensvel ao

    prosseguimento de um estudo sistematizado e srio sobre a questo (RAMOS,

    2007, p.4).

    Para Arthur Ramos, devemos muito a Nina Rodrigues, pois com ele, j

    comevamos a perceber que foi um escritor fecundssimo no seu tempo. Tal

    fecundidade to notria que iluminou os caminhos de toda gerao. Monique

    Augras (1983), nessa trilha, no deixa de enfatizar em O Duplo e a Metamorfoseque, dentro dos estudos antropolgicos, antes de Nina Rodrigues, o que existia

    eram apenas relatos de viajantes preocupados com os aspectos pitorescos. Arthur

    Ramos surge como parte da chamada segunda gerao de antroplogos e seu

    grande mrito , nas palavras de Augras, ter introduzido a antropologia moderna e

    despertado o interesse de nova gerao de pesquisadores (AUGRAS, 1983, p. 46).

    Mas vale ressaltar que em Arthur Ramos, j havia em seus estudos sobre O Folclore

    Negro no Brasil,uma abordagem acerca da sobrevivncia mtico-religiosa, inserindoos orixs flicos, o ciclo do diabo, sem deixar de lado a sobrevivncia da dana e da

    msica, pois para Ramos, as danas so todas associadas msica e aos atos

    mgicos.

    Reginaldo Prandi (1991), em seu livro Os candombls de So Paulo: a

    velha magia na metrpole nova tenta mostrar como se deu a passagem da

    Umbanda para o Candombl na metrpole paulista situando a velha magia na

    metrpole nova. Logo depois, surge o monstro mtico, que a Mitologia dos Orixs(2001), onde, de forma concisa e bem elaborada, retoma os mitos de Exu a Oxal,

    apresentando um conjunto de fotos que mostram a beleza esttica do terreiro. Os

    Orixs, artisticamente vestidos, compem a pera dos deuses. Ao enveredar pelos

    caminhos dos segredos do Candombl, de forma sria e concisa, publicou Segredos

    Guardados: orixs na alma brasileira(2005). Nessa obra, Prandi evidencia a grande

    quantidade de cnticos e danas, vasculhando bas guardados, mostrando que o

    Candombl, assim como todas as religies, muda em muitos sentidos. O

    Candombl, como um panteo em mudana, est sempre em movimento. Isso se

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    deve ao fato de que o mundo um processo intenso, um puro devir e esse devir se

    revela na alma brasileira. Mudar no prprio simplesmente dos Terreiros, mas da

    vida e do mundo.

    Em A morte branca do feiticeiro negro: umbanda e sociedade brasileira

    (1999), Renato Ortiz nos abriu um quando scio-histrico narrando a metamorfose

    da memria coletiva africana, situando o cdigo e a legitimao da Umbanda e sua

    prtica dentro desse cosmo religioso. um trabalho interessante na medida em que

    nos ajuda a pensar as fronteiras existentes entre o Candombl e a

    Umbanda.Evidentemente, vrios estudos recentes vieram tambm abrindo vrias

    possibilidades de dilogo como o surgimento de vrias revistas. o caso de

    Faraimar: o caador traz alegria (2000), revista publicada para fazer uma grandehomenagem aos 60 anos de iniciao de Me Stella de Oxosse no Il axOp

    Afonjem Salvador, onde rene variados olhares e perspectivas sobre as religies

    afro-brasileiras. Essa revista foi organizada por Raul Lody e Clo Martins. Um

    conjunto de escritores teve a oportunidade de se encontrar e fazer um elogio ou

    homenagem a Me Stella que uma das Mes de Santo mais conhecidas no Brasil.

    Obras espantosas tambm so as de Raul Lody que vem tanto em O

    Povo do Santo: religio, histria e cultura dos orixs, vodus, inquices e caboclos(1995) quanto em Jias de ax: fios de conta e outros adornos do corpo:a Joalheria

    afro-brasileira (2001) articulando o valor afro esttico dos fios de contas, fazendo

    uma espcie de taxionomia e morfologia das mesmas. Ao articular o papel das

    pencas de balangands na vida do Povo do Santo, recupera sua alegria, seu brilho,

    f expressiva e criativa, sempre dando seu toque ao mostrar o charme das

    indumentrias que enriquece tica, esttica e politicamente os Terreiros,

    recuperando os conceitos e tendncias estticas do fazer e do ser da arte africana.Raul Lody, a todo tempo nos chama a ateno em seus escritos ora pelo seu

    charme esttico, ora pela curiosidade que nos agua a olhar para a intensidade e a

    multiplicidade dos adereos que compem esse cenrio afro, apontando a

    indumentria de gala, o valor esttico e simblico do pano da costa, dos bordados

    de richelieu. Outra obra do autor foi O negro no Museu brasileiro: construindo

    identidades (2005). Nessa obra, Lody mapeia os vrios museus espalhados no

    Brasil pedindo ag e com isso, ele mostra o poder das mscaras e dos personagens

    africanos nos terreiros, ampliando, por sua vez, a noo de museu.

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    Tambm Juana Elbein dos Santos, em Os nag e a Morte (1986), nos

    deixou um registro conciso do sistema dinmico do Ax dentro de todo um complexo

    cultural nag, contribuindo assim, para um estudo srio e cuidadoso em torno da

    multiplicidade que existe na figura de Exu e do culto de Egun na Bahia. A autora nos

    insere dentro da Filosofia Nag ampliando o nosso olhar para um dinamismo, onde o

    princpio da existncia individualizada toma lugar central no sistema religioso. Assim,

    o complexo Nag se evidencia em uma concepo de mundo dividida entre o Aiy e

    o Orune tudo que constitui a existncia dinmica do terreiro.

    Dessa magia fez parte Alexandre de Salles, pois com ESU ou EX: da

    demonizao ao resgate da identidade (2001) fez concretizar um estudo sobre a

    figura de Exu, entregando-se constantemente escuta do outro, desmitificando omito que se criou em torno dessa figura, mostrando como atual e que um Orix,

    assim como um dos seus elementos, cheio de encruzilhadas. Esse autor tem seu

    mrito nessa pesquisa pelo fato de no podermos falar em Candombl sem falar em

    Exu, pois como o princpio dinamizador do mundo, ele a fora e a potncia da vida.

    Outro estudioso que teve uma relao estreita entre a academia e os

    terreiros, foi Vagner Gonalves da Silva em seu livro O Antroplogo e sua Magia

    (2006), fruto de suas demoradas vivncias e experincias, at um certo ponto comoadepto do Candombl e como cientista, onde comeou a discutir os problemas de

    santo na sua Dissertao de Mestrado. Em seu livro, o autor privilegiou a pesquisa

    participante mostrando a magia do antroplogo ao discutir a sua presena no

    campo, e como se d a passagem do campo emprico ao texto etnogrfico. Assim,

    nessa perspectiva do observador e observado, ele constri toda uma paisagem,

    reunindo alguns etngrafos contemporneos, mantendo um contato pessoal,

    registrando suas etnografias, atravs de dilogos gravados. So antroplogos quetiveram uma relao estreita com o Candombl, vivenciaram a relao do

    antroplogo com sua magia.

    Em Candombl e Umbanda: caminhos da devoo brasileira (2005)

    Vagner Gonalves nos possibilita fazer uma releitura dessas duas devoes

    recuperando a organizao da famlia de santo, o universo social e religioso das

    naes e todo complexo que une e separa ao mesmo tempo essas duas religies de

    origem afro-brasileira. Revistas curiosas tambm so exemplos de uma coleo

    Memria afro-brasileira organizada por Vagner Gonalves (2007), intitulada

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    Imaginrio, Cotidiano e Poder (2007), Artes do Corpo (2004) e Caminhos da Alma

    (2002), onde vrios pesquisadores tecem as microrrelaes de poder estabelecidas

    no cotidiano das comunidades afro-brasileiras.

    Nessa trilha antolgica, Edison Carneiro (2005) fortaleceu um tipo de

    discurso em Antologia do negro Brasileiro: de Joaquim Nabuco a Jorge Amado,

    onde o autor recupera o pioneirismo de Nina Rodrigues, perfazendo uma trilha das

    religies africanas e da figura do negro nesse contexto de reaes, de escravido e

    de abolio.

    Me Beta de Yemonj em Caroo de dend; a sabedoria dos terreiros:

    como Ialorixs e Babalorixs passam seus conhecimentos a seus filhos (2008), traz

    uma variedade de estrias, envolvendo lendas, contos, mitos, costurando pedaos erelatos de toda uma sabedoria de vida que foi tecida no cotidiano da vida de santo.

    Entre o dito e o no dito, a Ialorix recolhe do vivido e da capacidade imaginadora o

    fluxo vital que povoa sua vida nos terreiros que, ao lermos nos identificamos e nos

    faz perceber que somos afro-brasileiros e que, de fato, o Terreiro o Brasil.

    Gisle Omindarew Cossard, emAw: o mistrio dos Orixs(2008) tem o

    seu lugar ao falar de dentro sobre o universo dos orixs, revelando suas

    experincias como Ialorix no Candombl e como pesquisadora. A autora foiiniciada por Joozinho da Gomia e, a partir dessa obra relata seus encontrose

    desencontros com os Terreiros. Faz assim, uma fotografia de seu Ax, revelando

    as origens e avida aps a iniciao.Outra valiosa contribuio foi a trajetria

    percorrida por Rita Laura Segato (2005), em Santos e Daimones :o politesmo afro-

    brasileiro e a tradio arquetipal. A autora traz uma contribuio relevante na medida

    em que ela mapeia o panteo nag de Recife, recuperando o Eu, a configurao

    da pessoa fortalecendo uma discusso que povoa a tenso monotesmo-politesmo, envolvendo o santo e a pessoa, fazendo um contorno no universo

    mstico e mtico dos Orixs, mostrando como reconhec-los dentro desse universo

    plural da pessoa, bebendo em guas junguianas para abordar a tradio do Xang

    no Recife.

    Dentro dessa tradio de estudos em torno da noo de pessoa e do

    pensamento antropolgico, Mrcio Goldman (1996) faz uma abordagem instigante

    sobre a possesso no Candombl. O autor, ao tentar dar uma explicao

    verdadeiramente antropolgica para o transe, nos mostra que o corpo o meio onde

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    a experincia com o sagrado se mostra nesse universo da possesso, havendo uma

    interdependncia entre a possesso e a noo de pessoa, onde o Filho de Santo

    encarado como uma multiplicidade.

    Rita Amaral (2005) tem seu lugar na medida em que problematiza a

    noo de festa e o prazer no Candombl. Em Xir! O modo de crer e de viver no

    Candombl a autora recupera a festividade do Candombl tendo o ethos do Povo do

    Santo como o mbil fundante que exprime todo um complexo modo de ser, de viver

    e crer no Candombl, dentro de uma estrutura cosmolgica do grupo, recuperando

    um trao jocoso que faz parte da essncia do Povo do Santo.

    Dentre os vrios pesquisadores que falaram de dentro e passaram por

    todo um ritual de iniciao, e que vieram dessa tradio Verger-Bastide, muitostrabalhos passaram a ter o respeito da academia, pois perceberam que so

    trajetrias nada desprezveis como o caso de Jos Beniste (2006) que foi iniciado

    em 1984 pela Ialorix Cantu de Air Tola de Ax Op afonj. Em run e iy: o

    encontro de dois mundos: o sistema de relacionamento nag-yorub entre o cu e a

    terra, Beniste traa um mapa recuperando as lnguas, os cnticos e as rezas,

    penetrando na classificao das divindades e abordando os valores ticos e morais

    da religio.Percorrendo Trajetrias, prticas e concepes das religies afro-

    brasileiras na Grande Florianpolis, Cristiana Tramonte (2001) reafirma Com a

    bandeira de Oxal! As prticas religiosas, indo cata dos primeiros terreiros de

    Umbanda em Florianpolis, recuperando uma histria que originou do universo

    cosmolgico das benzedeiras, curandeiros e feiticeiros, fazendo assim, um

    contorno, buscando interpretar a trajetria histrica que tem um papel importante na

    formao social e cultural das religies afro-brasileiras da Ilha da Magia.Ainda em Cantando para os Orixs, Altair B. Oliveira (2007) reuniu um

    considervel nmero de cantigas de santo, testemunhando o aprendizado que

    extraiu durante seus mais de vinte anos de iniciao, da lngua Yorub. O autor,

    inspirado nas cuidadosas leituras feitas pelo Os nag e a Morte de Elbein dos

    Santos, recupera o significado das cantigas, revelando a complexidade da lngua e,

    de certa forma, nos faz perceber que faz parte da beleza esttica do terreiro, pois

    sem msica, no h Candombl. a msica, os sons dos atabaques que trazem os

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    deuses em terra e mostra a beleza do santo. Entrar no Candombl, assim, implica

    aprender todo um repertrio musical que compe o cenrio esttico dos deuses.

    Percorrendo o aspecto da beleza odara do Povo do Santo, nessa trilha

    esttica a sociloga Patrcia Ricardo de Souza defendeu em 2007 a Tese de

    Doutorado intitulada Axs e Ilequs: Rito, Mito e a Esttica do Candombl,

    orientada pelo professor Reginaldo Prandi e na mesma, a autora defende a

    importncia do mito na plasticidade esttica, voltando o olhar assim, para a

    experincia visual no terreiro, onde os axs ganham contornos mais definidos na

    medida em que eles revelam a beleza odara na vida do Povo do santo. A autora

    mostra assim, o valor esttico dos colares, o sentido da roupa de gala, o traje da

    baiana, fazendo um panorama dos trajes e da riqueza visual que povoa os terreirosde Candombl e Umbanda. Para a autora, Ax-orix, orix-odara. brilho, festa,

    alegria.

    Ari Pedro Oro, em Ax Mercosul: as religies Afro-brasileiras nos pases

    do prata( 1999), a partir de uma tica conflitante, Oro traz uma grande contribuio

    acerca do Batuque, mostrando o carter complexo e problemtico da formao de

    identidades coletivas, envolvendo os processos de transnacionalizao no Mercosul,

    bem como seu aspecto conflitivo como uma das caractersticas marcantes entre ospraticantes das religies afro-brasileiras.

    Outro olhar nesse universo do Batuque gacho, foi o de Francisco de

    Assis de Almeida Jnior (2002), intitulado Aprontando Filhos-de-santo: Um estudo

    antropolgico sobre a transmisso/reinveno da tradio em uma rede de Casas

    de Batuque de Porto Alegre. O autor prope pensar a tradio batuqueira a partir

    da noo de pessoa, recuperando assim, o aprendizado de um conjunto de prticas

    rituais, incorporando uma viso de mundo calcada na hierarquia e na reciprocidade,buscando compreender desde o vnculo do batuqueiro com seu orix pessoal s

    relaes de aprendizado. Assim, Almeida Jnior busca um aprendizado dos

    fundamentos batuqueiros.

    Na trilha dos Batuques, Ana Paula Lima Silveira (2008) apresentou em

    sua Dissertao do mestrado intitulada Batuque de Mulheres: Aprontando

    Tamboreiras de Nao nas Terreiras de Pelotas e Rio grande/RS. Trata-se de um

    estudo etnogrfico envolvendo trajetrias de trs tamboreiras de Nao que so

    mulheres batuqueiras nas cidades de Pelotas e Rio Grande/RS. A autora procura

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    compreender as redes e significados que a msica adquire nesse contexto religioso

    e as implicaes de gnero nessa tradio percussiva buscando assim,

    compreender como essas tamboreiras se aprontam nesse universo sonoro-musical

    do Batuque gacho.

    claro que essas referncias bibliogrficas so apenas o comeo de uma

    dana que nunca termina, pois a literatura na rea grande.

    2. O mito e candombl: uma dana Bastide e Prandi

    bem verdade que o francs Roger Bastide serviu de inspirao para

    vrios pesquisadores no Brasil. Um deles foi o socilogo Reginaldo Pradi ao

    reconstituir mitos e narrativas de orixs e do povo do santo de So Paulo. Podemos

    dizer, com isso que no somente o Brasil refletiu no exterior como o exterior e

    refletiu na maneira de pensar do pesquisador brasileiro. Foi uma dupla afetao.

    Desse modo se formou e se consolidou uma complexa debatida cultura afro

    brasileira para os estrangeiros. O Mito sempre esteve presente na vida humana. No

    universo mitolgico dos deuses gregos, se desenrolava o Mito de Apolo como o

    deus da beleza, signo da individuao, a luz, o brilho, a medida justa, o

    resplandecente e o Mito de Dionsio, o Baco, deus da embriaguez, do vinho, da

    alegria, da orgia, do prazer. ramos transportados para um mundo, onde, para

    entendermos o Cosmos, necessitvamos compreender a physis, anatureza.

    Ensinaram-nos um mundo onde tudo estava irmanado de deuses. Se o mito foi a

    forma que encontraram para compreender a realidade, os gregos, certamenteoptaram em nos mostrar que tudo, na verdade, comeou com o Mito. E, sabemos,

    que ficou entregue ao homem conhecer o Mito da Caverna no stimo Livro da

    Repblicade Plato, para percebermos que o mundo pura alegoria. Dessa forma,

    o princpio, aquilo que os gregos resolveram denominar arch (princpio), estava

    dado a cada Pr-socrtico a possibilidade de nos testemunhar que tudo surgiu dos

    elementos da natureza. O ar, o fogo, a terra e a gua foram as formas que

    encontraram para dizer o mundo em seu eterno vir-a-ser. Para Tales de Mileto, oprincpio era a gua. ela a origem e a matriz de todas as coisas. Elemento

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    essencial para percebermos que o movimento o comeo de tudo e que, no fundo,

    tudo flui.

    Roger Bastide, com seu olhar fotogrfico e sensvel, nos mostrou que:

    Para fazer trabalho etnogrfico, no basta descrever os ritosou citar osnomes das divindades; preciso tambm compreender o significado dosmitos e dos ritos. Qualquer erro de psicologia pode corromper gravemente ovalor dos fatos descritos, e foi oq eu aconteceu ao padre Brazil(BASTIDE,2001, p.22)

    Esta foi sem dvida uma grande contribuio aos estudos etnogrficos da cultura

    yorub. Para o pensador francs, necessrio compreenderamentalidade

    psicolgica da cultura, penetrar em seu seio interior. No basta apenas

    aprenderadescrever os mitos e nem os nomes dos deuses.No Candombl, assim como nas demais religies de matrizes africanas, tal

    mxima no foge a regra, pois os cultos so favor da natureza. Cada Orix

    representa a fora viva do universo. Ians o fogo, parte quente do nosso corpo que

    mantm o mundo vivo e ativo, acendendo-se e apagando-se na medida como o fogo

    de Herclito. Iemanj o fluir, a gua, o comeo, o movimento. A gua que est em

    nossos corpos, na lgrima que choramos, no suor, nos fluxos desejantes como o

    esperma, o sangue, a saliva que umidifica o corpo e gera a vida. Iemanj a donado leite, o jorro, o fluxo vital da humanidade. o alimento primeiro. A placenta

    recheada de lquido rompida para dar origem a novos seres. Ali mora Iemanj:

    nesse pequeno mar que acolhe e protege o feto. Obalua ( Ob= rei; Lua= terra) O

    deus da terra que de onde brota a vida e onde nos metamorfoseamos e nos

    transformamos em alimentos para outras vidas. Foi a terra a inspirao primeira

    para que os homens fossem modelados com a fora da argila, como na antiga

    expresso, do p viemos e para ele retornamos. A terra como signo do eterno

    retorno de tudo que respira, de tudo que tem vida.

    No culto aos deuses do Candombl, o Mito dos Orixs assume um papel

    fundamental, inclusive para se compreender o Terreiro como espao vital e esttico,

    pois testemunham as mais belas e trgicas estrias dos deuses que representam,

    por sua vez, os elementos da natureza, assim como Nan a deusa da morte e

    Ogum, da guerra, Iemanj da gua e Ians do fogo, como dissemos acima. o

    princpio que mantm o mundo vivo e ativo, pois apagar e acender na medida revela

    o equilbrio da natureza.

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    Animado com esse exerccio de sabedoria, pactuado com a noode que o

    mito tem uma funo mestra, que Mircea Eliade adverte-nos: a funo mestra do

    mito a de fixar os modelos exemplares de todos os ritos e de todas as aes

    humanas significativas, como, alis, j foi constatado por inmeros etnlogos

    (ELIADE, 1998, p. 334). Para Mircea Eliade, os mitos cosmognicos servem de

    modelos arquetpicos para toda criao, seja no plano biolgico, espiritual ou

    psicolgico, pois eles so, na festa, o fundamento em que os atores aparecem

    mascarados.

    Ora, na arte afro-brasileira a Mitologia dos Orixs ganha uma substancial

    fora e, que, infelizmente, a academia pouco conhece, pouco difunde. Isto no

    somente por pouco ser divulgada a Literatura Africana no Brasil, mas por um forteestigma que sempre existiu em torno da figura do negro e das religies de matrizes

    africanas. O que se sabe que existe todo um ethose uma viso de mundo que

    povoam os Terreiros e que fazem do Candombl uma religio tipicamente brasileira.

    Desenhada e contornada pela Mitologia dos Orixs, a religio de matriz africana

    carrega em seu seio todo um imaginrio do Brasil que vai testemunhar os vrios

    brasis que existem dentro do prprio Brasil. As comidas, os bordados, o sincretismo

    religioso, o hibridismo cultural, tudo isso vai intensificando uma tica e uma estticapartilhada no imaginrio do povo brasileiro. As danas, a riqueza "odara" da

    mitologia reflete o Brasil complexo e multifacetado. Podemos ir da literatura cultura

    e, dessa, ao imaginrio.

    Jorge Amado, escritor baiano, foi quem soube fotografar a Bahia de todos os

    santos com seus usos e costumes, pelo Mito de Iemanj, que uma das deusas

    mais populares e cultuadas no Brasil. No sincretismo religioso ela a Nossa

    Senhora dos Navegantes, protetora dos pescadores. Em Mar Morto Jorge Amadosoube fazer um contorno literrio e esttico dessa deusa que faz parte do imaginrio

    da cultura brasileira, principalmente em finais de ano, onde celebram, na beira no

    Mar, toda uma dramaturgia religiosa de reverncia e devoo essa deusa atravs

    de barquinhos, acompanhados de presentes como sabonetes, espelhos, perfumes

    e flores, como forma de agradecimento pelo ano que se passou e pela expectativa

    do ano que est por vir. Est na literatura, est cultura, est na vida.

    Da podemos dizer que a Literatura afro-brasileira to fotografada por

    antroplogos e socilogos pouco explorada no campo das letras. Desde a riqueza

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    fotogrfica de Pierre Verger ao olhar "de dentro" de Roger Bastide, vrios estudos

    vm crescendo em torno da cultura afro-brasileira como, por exemplo, s para citar

    alguns, o valioso e cuidadoso estudo de Reginaldo Prandi sobre A Mitologia dos

    Orixs, os estudos antropolgicos de Vagner Gonalves e Rita Amaral, Rita Segatto

    sobre o Xang do Recife, Ari Pedro Oro sobre o Batuque no Sul e muitos outros.

    Como podemos perceber, tais estudos esto nas margens do discurso antropolgico

    e sociolgico. O campo das Letras, especificamente da Literatura que deve ter um

    olhar mais amplo acerca da Mitologia dos Orixs, que so to fortes quanto a

    Mitologia Grega, pouco estudada na tentativa de compreender a epistemologia do

    complexo Yorube, acima de tudo, reconhecer esse imaginrio afro como um trao

    fundamental da cultura brasileira e da identidade nacional.Desse modo, tento fazer um contorno literrio em torno desse imaginrio

    que foi sendo construdo em toro da figura de Exu, o primeiro Orix a ser cultuado

    no Candombl, aproximando-o da figura de Dionsio, deus do vinho, da embriaguez,

    da confuso, do movimento, enfim, da vida. Acredita-se no Candombl que nada se

    faz sem Exu. Isso porque ele representa as paixes, a virilidade, o movimento, a

    fuso entre o todo e a parte. O lado criana de todos ns, a rebeldia, enfim o lado

    criativo do homem. A complexidade mitolgica e literria desse Orix impulsiona-nosa perguntar pela sua complexidade enquanto signo mundano e trgico da existncia.

    ele, Exu, a ps - modernidade com todos os seus medos, temores e tremores.

    Exu quem faz e desfaz tudo e todos. Assim, a literatura yorub enraza-se na

    encruzilhada do imaginrio e faz desse lugar, o "entre lugar" do pensamento. na

    encruzilhada que o pensamento se potencializa e se fortalece.

    Com isso, discute-se Exu e Dionsio como tentaes estticas, pois so

    deuses da mitologia que incita e excita a criatividade dos homens. o lado louco eobscuro de todos ns. A desrazo, o desequilbrio, terrenos da inveno. Logo a

    seguir, percorreremos outros deuses como Ians, signo da ps-modernidade e do

    movimento, pois, como o vento, ela chega turbilhonando os vivos. Deusa trgica que

    faz com que afirmemos a vida e fazemos dela um ballet, uma dana. Da fortalece o

    imaginrio e o poder que existe na figura de Exu, como arte - afro-brasileira- da -

    Diferena por excelncia, pois causador da desordem e porta-voz dos fluxos

    desejantes. Exu a ertica da vida. Instaura a uma tica e uma esttica da

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    multiplicidade, da individuao e do Devir. Exu a Diferena. A Diferena a

    tentao.

    3. A apresentao do candombl: exu, a encruzilhada.

    Roger Bastide foi, sem dvida o mais importante porta voz e intermedirio do

    candombl no exterior por ter filtrado com sensibilidade a partir de um olhar de

    dentro, o candombl da Bahia. Assim, vale a pena percorremos este complexo

    olhar que at hoje serve de indagaoe posies conflituosas no campo das

    cincias humanas. A apresentao do livro Candombl da Bahia feita porFernanda Aras Peixoto e a mesma intitulada a utopia africana de Roger Bastide.

    Segundo ela, o nome de Bastide pode soar estranho para as novas geraes, mas

    se transformou em uma referencia extremamente importante, ela diria fundamental

    para os que frequentaram as aulas concorridas deste socilogo francs quando

    esteve no Brasil no perodo de 1938 a 1954. Nomes da cultura como Antonio

    Candido, Gilda de Mello e Souza, Dcio de Almeida Prado, Ruy Coelho, Florestan

    Fernandes, Maria Isaura Pereira de Queiroz e outros. De formao complexa eheterodoxa de Bastide fazia dele um homem capaz de um forte transito cultural, a

    ponto de estabelecer um forte dilogo com a cultura, envolvendo o folclore, a arte, a

    psicanalise, a histria, com perfil hbrido, dialogava com as varias faces e disfarces

    do conhecimento. Seu lado multidisciplinar foi boa parte voltado para as indagaes

    aqui no Brasil. em torno dessa relao com a cultura afro=-brasileira,

    especificamente o Candombl da Bahia que iremos discutir aqui, uma vez que sua

    relao com o Candombl foi uma relao complexa e tumultuada e que precisoesclarecer.

    O Candombl uma religio de origem africana que se formou e se

    consolidou no Brasil no final do sculo XIX, no final do perodo escravista. Como

    bem nos ensinou Vagner Gonalves da Silva (2005), tentar reconstituir o processo

    histrico de formao das religies afro-brasileiras no uma tarefa fcil. Isso se d,

    em primeiro momento, pelo fato de ser uma religio marginalizada e perseguida

    durante muito tempo assim como os negros, ndios, homossexuais e pobres em

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    geral. Esse tipo de preconceito foi se alargando na sociedade brasileira de tal modo

    que a presena da polcia era constante em Terreiros, obrigando-os a serem

    fechados por praticarem curandeirismo e charlatanismo. De toda forma, o

    Candombl considerado a religio dos Orixs. uma religio que se encontra com

    o corao da natureza por buscar uma harmonia entre o baixo e a alto, entre o run

    e oAiy.

    No Candombl, o primeiro Orix a ser cultuado Exu. No entanto, o mito

    desenha o Orix, conta suas brigas, suas confuses e marcam os rumos dos

    homens, pois a Mitologia dos Orixs se funde e se confunde com o destino dos

    homens na terra. Reginaldo Prandi (2001), dentro dessa complexidade mitolgica,

    retoma um dos mitos mais importantes da figura de Exu, onde ele se atrapalha comas palavras. Orunmil perguntou ao homem onde ele queria morar se era dentro ou

    fora da casa e o homem disse dentro e, de repente, perguntou E tu, Exu? Dentro

    ou fora?.

    Exu levou um susto ao ser chamado repentinamente, ocupado que estava

    em pensar sobre como passar a perna em Orunmil. E rpido respondeu: Ora!

    Fora, claro. Mas logo se corrigiu: No, pelo contrrio, dentro. Orunmil entendeu

    que Exu estava querendo criar confuso. Inteligentemente, Exu tenta trapacearOrunmil com as palavras.

    Com seu jeito astuto, transforma em uma criatura de confuso. Signo da

    desordem, Exu mostra seu lado malandro. Com essa confuso criada por Exu, ele

    passou a criar sua morada fora da casa. Diferente dos outros Orixs que moram

    dentro. Um assentamento de Exu em forma de pedra, dentro de uma vasilha de

    barro, no tempo, no aberto, prximo a uma enorme rvore, o primeiro Orix a ser

    cultuado no Candombl. Desse modo, o princpio Exu. O verbo. A palavra. Aconfuso. A Diferena. O biografema. A criatividade. a artistagem viva e ativa,

    lembrando levemente Sandra Mara Corazza.

    Exu o guardio da rua, dos caminhos, da estrada. Logo, para manter um

    elo com a Casa de Santo oTerreiro, o espao liso dos deuses-demnios, preciso

    entrar no bando, passar pela porta, pelo porto, pedir licena (ag) para Exu, para

    que o Povo do Santo no se meta em encrencas mais tarde e muito menos

    desarmonia e contrariedade ao bando. Augras reconhece: Tudo o que se une, se

    multiplica, se separa, se transforma, tudo isso Exu. Exu a vida, com todas as

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    suas contradies e snteses (AUGRAS, 1983, p. 104). Em outras palavras, Exu a

    vida em metamorfose. o que movimenta e intensifica a vida. o que mantm a

    ordem e a desordem. a Dobra. Exu a sntese da Diferena. Exu, como signo da

    individuao, o poder que gera a ao e comea no jogo de bzios invocando a

    sua presena. No Candombl, o princpio de transformao se d pelo Jogo de

    Bzios, pois atravs dele que os Pais de santo dialogam com os deuses e

    acionam o ax, princpio dinmico que faz com que tudo e todos se movem e se

    comovem.

    O imaginrio e o poder na arte afro

    certo que o estrangeiro quando depara com a cultura brasileira passa por um certo

    encantamento, um deslumbramento visual e sonoro uma vez que o candombl

    feito de dana e msica. preciso que ao deparar com a cultura do Outro, tenha

    certa abertura que para que de fora se entregue escuta e se coloque a altura

    desse cotidiano. O candombl um prodigioso e fecundo espao de signos e

    smbolos que ativam o imaginrio e faz do homem porta voz e intrprete desse

    complexo Yorub. Geertz pondera que:os smbolos sagrados funcionam para

    sintetizar o ethosde um povo - o tom, o carter e a qualidade da sua vida, seu estilo

    e disposies morais e estticos (GEERTZ, 1989, p.67). esse ethose viso de

    mundo que povoa a comunidade-terreiro, pois os adornos, os adereos e o modo de

    ser sintetizam e contornam a identidade esttica, tica e religiosa do Povo- do-

    Santo. a partir desse imaginrio que a vida nos Terreiros desenhada, pois o

    fenmeno religioso se contorna nesse complexo de imagens, em que a culturae os

    smbolos se fundem formando o espao sagrado que o Terreiro, espao que

    acontece toda dramaturgia religiosa entre Pais, Filhos-de-Santo e simpatizantes.

    Evidencia-se desse modo, que o homem um ser seduzido pelas imagens, pois so

    elas que tm o poder de ativar a nossa inteligncia e nos fazer pensar o homem e a

    ns mesmos nessa encruzilhada antropolgica que a cultura. Para

    problematizarmos a noo de imaginrio que povoa a comunidade - candombl,

    precisamos perguntar o que compreendemos por isso.

    Em resumo; tal como h dez anos, o Imaginrio-ou seja, o conjunto dasimagens e relaes de imagens que constitui o capital pensado do homo

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    sapiens aparece-nos como o grande denominador fundamental onde sevm encontrar todas as criaes do pensamento humano. O Imaginrio esta encruzilhada antropolgica que permite esclarecer um aspecto de umadeterminada cincia humana por um outro aspecto de uma outra (DURAND,2002, p.18)

    Segundo Gilbert Durand, em suas Estruturas antropolgicas do imaginrio, o

    imaginrio esse conjunto de imagens e relaes de imagens onde surge toda

    criao do pensamento humano. a imagem que seduz e ativa a imaginao

    simblica e criadora. Dessa maneira, a fenomenologia da imaginao criadora tem

    como fundamento a prpria imagem, pois assim que se pode traduzir a

    antropologia do imaginrio: como relaes de imagens que funcionam e ativam a

    inteligncia humana, seduzindo-a a ponto de fazer do homem um criador e um feitor

    de suas criaes. a cabea o espao do devaneio, da fabulao, onde as imagens

    se combinam e o mundo se edifica e passa a ter sentido. O Candombl, como

    espao da visualidade e da imagem, o espao sagrado que coloca o homem em

    delrio diante da permanente compreenso e busca de si mesmo. O imaginrio no

    Candombl se configura a partir de toda uma construo mitolgica que

    interpretada pelo imaginrio das danas e pela riqueza dos movimentos que

    contornam tica e esteticamente a vida do Povo- do Santo.

    Em Gilbert Durand (2002) existe uma ontologia da imagem que ativa a

    imaginao que leva o homem a um constante e infinito processo de

    associacionismo. Desse modo, a imagem tem um papel fundamental na vida

    psquica, pois o papel da imagem na vida psquica rebaixado ao de uma

    possesso quase demonaca (DURAND, 2002, p.23). assim que somos

    inquietados e seduzidos pelo poder da imagem que se impe ao pensamento. O

    Terreiro como forma de pensamento visual e imagtica, forma toda uma famlia de

    imagem afro, desenhando uma tica e uma esttica no prprio cotidiano festivo e

    religioso. Quando se convidado a compreender e percorrer os labirintos estticos

    do Terreiro de Candombl, somos arrastados para todo um complexo de imagens ou

    uma potica da imagem afro que funciona e ativa a imaginao criadora.

    Foi Gastn Bachelard, ao propor que preciso estar presente, presente

    imagem no minuto da imagem (BACHELARD, 1984, p.183), que nos fez

    compreender que somos seduzidos pela imaginao criadora. esse minuto daimagem que ativa a imaginao e o homem capaz de se reconhecer como algum

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    que constantemente seduzido pela imagem. desse modo que Gilbert Durand

    (2002), em sua leitura bachelardiana,assume que a imaginao um dinamismo

    organizador e o mesmo fator de homogeneidade na representao. Com isso,a

    imaginao, mais do que fabricar imagens, uma potncia dinmica que se

    transforma em eixo formador de toda vida psquica.

    Com isso, a Antropologia e, de certa forma, a arte literria se fundam nesse

    complexo imagtico e nesse imaginrio que ativa o pensamento e faz da etnografia

    uma pura interpretao, pois o que ela interpreta o fluxo do discurso social e a

    interpretao envolvida consiste em tentar salvar o dito num tal discurso da sua

    possibilidade de extinguir-se e fixa-lo em formas pesquisveis (GEERTZ, 1989,

    p.15). Desse modo, o imaginrio afro que povoa a Comunidade - terreiro se desenha

    nesse complexo cultural prenhe de interpretaes. essa poltica do significado que

    d um contorno antropolgico cultura afro-religiosa e se revela como cultura

    complexa, fundindo o ritual, o esttico, as mltiplas imagens no prprio Terreiro. Da

    se pergunta como se configura esse imaginrio esttico e ritualstico no Candombl?

    Diz Juana Elbein dos Santos:

    O conceito esttico utilitrio e dinmico. A msica, as cantigas, as danaslitrgicas, os objetos sagrados quer sejam os que fazem parte dos altares peji - quer sejam os que paramentam o orix, comportam aspectos artsticosque integram o complexo ritual (...) (SANTOS, 1986, p.49).

    No entanto, o carter esttico do Candombl deve ser encarado em seu

    dinamismo, em sua fluidez, em seu devir, pois todo um conjunto sagrado

    integrando natureza cosmolgica dos Orixs e toda complexidade do ritual, que

    forma uma obra de arte. No entanto, cada msica e cada gesto revelam um signo

    artstico no Terreiro, toda beleza odara da vestimenta do Orix e de toda

    decorao do barraco recebe esse tom artstico que tpico do Povo- do- Santo.

    Assim, ainda diz Prandi: O candombl muito confundido com sua forma esttica, a

    qual se reproduz no teatro, na escola de samba, na novela da televiso - os orixs

    ao alcance da mo como produto de consumo. (Prandi, 2005, p. 240).

    O cotidiano do Povo do- Santo, dentro dessas complexidades estticas,

    revela a beleza, tanto nos espaos sagrados como nos corpos. So eles que se

    transfiguram em obra de arte quando os Orixs esto em terra. No entanto, h nocotidiano do Povo- do- santo uma dimenso tica e esttica na valorizao da roupa,

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    pois as roupas dos Orixs revelam todo um contorno sagrado, alm de carregarem

    as cores do santo, elas vestem no sentido forte do termo, cada Orix. A roupa, com

    suas cores e adereos, desenham cada Orix. Nos Terreiros de Candombl, a roupa

    e os pertences da pessoa no devem ser confundidos com os do Orix. Essa

    questo das roupas e adereos merece destaque, uma vez que so eles que

    compem, potica e esteticamente, o cenrio dos deuses. Diz Durand:o jorrar

    luxuriante das imagens, mesmo nos casos mais confusos, sempre encadeado por

    uma lgica, ainda que uma lgica empobrecida, uma lgica de quatro vintns

    (DURAND, 2002, p.30). Por esse vis, pode-se perceber que o Terreirode

    Candombl transforma nesse espao luxuriante de imagens e, mesmo em meio s

    danas, aos conflitos e movimentos dos Terreiros, existe uma lgica interna que fazdo Terreiro uma trama complexa de smbolos. Para compreender tal complexidade,

    necessria uma tica da convivncia intensa e participativa com o Candombl.

    Da, toda uma convivncia nos Terreiros mediada por esses laos

    estticos e ticos desde a maneira de se cumprimentarem, so todos tomados pela

    irmandade. Sadam-se Motumb como se fortalecesse e intensificasse ainda mais

    os laos entre as pessoas que com-vivem. esse ethosdo estar - junto que povoa

    os Terreiros. O cotidiano de uma casa de santo ou Terreiro se potencializa nessa

    efervescncia vitalista. na con-fuso que nasce um pensar dionisaco e intensifica

    essa sinergia social, fortalecendo mais ainda o lao da sociabilidade. Para Michel

    Mafessoli (1996), h uma efervescncia poltica e esttica que emerge no meio de

    ns e que serve de cimento para o tecido social. O Candombl, como espao das

    aparncias, uma famlia que se revela em sua complexidade. Podemos observar

    que o Candombl no deve ser visto como apenas um espao de religiosidade

    e,sim, como um espao de irmandade, pois existe ali uma famlia no sentido forte do

    termo. Ela a me, a matriarca, aquela que gerou, deu a vida. A Me-de-Santo a

    servio da gesto da vida.

    Assim, o cotidiano do Povo- do- Santo se evidencia em seu carter

    ontolgico ao se afirmar na cotidianidade. essa abertura do ser no mundo e para o

    mundo que d dimenso ontolgica e compreenso do cotidiano humano. No

    discurso, na viso e na interpretao que fazemos de ns mesmos como ser no -

    mundo da cotidianidade. A antropologia filosfica porta voz da cultura humana e

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    nos faz enraizar mais profundamente na complexidade humana. Dito de outro modo,

    no Candombl, nesse panteo em mudanas, que podemos compreender a

    cultura brasileira e os destinos dos homens, que so entes que sentem em comum o

    xtase dos deuses e,dessa comunho, podem,assim, extrair signos que os ensinam,

    acima de tudo, que cada toque que sai do atabaque, uma forma de testemunhar a

    vida, pois o coro,que toca para os deuses, re-liga os homens natureza e ao ax,

    intensificando os laos da tribo e fortalecendo, ainda mais,a comunidade religiosa.

    Eis um aprendizado que passado na oralidade, seja ensinado pela Me de santo,

    pelos mais velhos, seja pelos ogs que, ao tocar os atabaques, promovem o

    barulho, a confuso e levam todos a experimentar, em comum, a dana, o

    movimento,o grito e a leveza dos deuses. Em outras palavras: o belo no concebido unicamente como prazer esttico: faz parte de todo um sistema

    (SANTOS, 1986, p. 49).

    No entanto, o Terreiro de Candombl dentro de suas configuraes

    existenciais, estticas e ontolgicas, se afirma na totalidade, pois um todo que se

    configura e se fortalece no estarjunto, que serve de cimento para a sociabilidade.

    H, em outras palavras, uma outra lgica do estar junto, que existencial e

    ontolgica. O Candombl, como palco esttico, revela-se como espao da

    religiosidade e do drama ftico da existncia humana. O Povo-do-santo, assim como

    o homem, lanado s possibilidades do existir,deixa de existir para ek-sistir, e h,

    com isso, h um processo de projeo da existncia humana desde o processo

    pedaggico de iniciao. Mas, resta nos perguntar, em que sentido estamos falando

    em cotidiano e qual o estatuto ontolgico da cotidianidade do Povo- do -Santo? Ora,

    a noo de cotidiano, remete-nos a uma abertura do ser no mundo. no cotidiano

    que o homem, o ser-a (Dasein) extrai os aprendizados.

    Assim, o Povo- do- Santo, dentro de sua estrutura ontolgico-existencial,

    somente passa a ter evidncia nessa potncia coletiva, onde, no estar junto, com

    os outros homens e com os deuses, que o ser passa a existir de forma ontolgica.

    Dito de outra maneira, no estar - junto com o Povo - do - Santo que damos a

    possibilidade para criarmos pequenos e eternos instantes que somente tem sentido

    no estar - junto- uns- com- os- outros. Assim, o processo esttico no Terreiro

    somente passa a ter visibilidade na coletividade. O mundo dos homens e o mundo

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    dos deuses no pequeno teatro que o Terreiro para o grande teatro que o mundo.

    Diz Rosamaria Barbra: Esteticamente um ser humano ou um objeto belo porque

    traz consigo uma determinada qualidade e quantidade de ax e realiza assim uma

    comunicao entre ele e a comunidade (BARBRA, 2000, p.151).

    Em outras palavras, a beleza que se revela no cotidiano e no estar - junto-

    com-o-povo-do-santo visvel por trazer essa qualidade e essa quantidade de Ax

    que mantm, por sua vez, a sociabilidade e a comunicao entre o Orix e a

    comunidade religiosa. assim que o imaginrio afro-religioso permite,em tom

    festivo, fazer do Candombl um cenrio vivo de imagens que transfigura, no

    somente o olhar de dentro, numa percepo esttica, mas transporta esse olhar de

    fora para essa encruzilhada antropolgica do imaginrio e do poder para

    apresentar ao homem que o Terreiro se transformou no imaginrio do prprio mundo

    como obra de arte.

    4. Odara!1A conjuno esttica

    O debate da sobre os terreiros ou a cultura afro brasileira para os estrangeiros

    deve atravessar toda uma pedagogia, uma historia e uma geografia capazes0 de

    mostrara dinmica festiva, esttica, tica e ritualstica do povo do santo, pois

    Religio festa, santo alegria, culto prazer (AMARAL, 2005, p. 9). impossvel

    pensarmos Candombl sem Festa, pois em meio s Festas que as pessoas vo

    prestigiar os deuses. Para se chegar Festa propriamente dita, existem preparos

    das roupas (axs), das comidas de santo e das pessoas que vo prestigiar o toque

    dos Orixs. Falar da festa falar tambm de um espetculo (SEGALEN, 2002, p.

    93). O Candombl sobrevive das Festas de Santo. No entanto, essas festas ganham

    um carter central nos rituais na medida em que a Festa do Orix uma forma de

    apresentar o iniciado ao mundo, de testemunhar para os outros a idade e a

    maioridade do Filho de Santo na hierarquia religiosa.

    1Odara quer dizer na linguagem corrente do Candombl, bom e bonito. Estar odara exigncia

    no Terreiro para os deuses e para os homens. A esttica o belo, o bom, o bonito, o que deveaparecer e se mostrar No fundo das aparncias. Sobre beleza (odara), cf. Tese de Doutorado dePatrcia Ricardo de Souza defendida em 2007 na USP.

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    No Candombl, o calendrio das Festas comea no ms de fevereiro,

    geralmente no comeo do ano, para abrir o ano com a Festa de Ogum que feita,

    geralmente junto com Oxosse, pois so irmos. Oxosse, sendo o Deus da fartura, da

    caa e da colheita, reverenciado pelo Povo-do-Santo para que eles tenham fartura

    e prosperidade durante todo ano. esse carter festivo do Povo do Santo que d

    um contorno trgico aos Terreiros de Candombl. Ensina-nos Maffesoli: Trgico

    festivo, trgico da intensidade dos papis que atuamos em um momento dado

    (MAFFESOLI, 2003, p. 114). Assim, o Povo do Santo tomado por essa marca

    dionisaca, festiva, orgistica e prazerosa. um tipo de sentimento ldico, brincalho

    e alegre que d uma tnica efervescente, trgica e vitalista ao Povo-do-Santo. A

    esttica, em sua tragicidade, alcana uma proporo vital, pois Quem diz trgico,diz intensidade (MAFFESOLI, 2003, p.12). o sentimento da vida festiva e esttica

    e que faz da vida do Povo do Santo uma verdadeira obra de arte. Todo ritual festivo

    realizado no Terreiro, diz Rita Amaral: realizado alegremente, entremeado de

    brincadeiras, de narrativas de casos acontecidos nos terreiros e de indakas(fofocas)

    mil. (AMARAL, 2005, p. 39). Assim, existe, para Amaral, nas Festas do santo, um

    aspecto ldico e carregado de uma certa jocosidade, onde a fofoca, a maledicncia,

    a xoxao ganham a um carter singular. As pessoas se renem para o ajeum,convivem uns com os outros, difamando, virando no santo de ek, criando

    apelidos para os irmos de santo e, cria-se a um ethos marcado pelo frmito do riso

    que intensifica, por sua vez, a teia de relaes da Comunidade Religiosa. muito

    comum ouvirmos nos Terreiros as pessoas dizerem poderia at ter escolhido outra

    religio, mas preferiu ser macumbeiro ou outra assim na prxima encarnao

    quero vir crente porque assim no tem que preocupar com tanta roupa para passar.

    Dessa maneira, o Povo do Santo faz do Terreiro um espao de comentrios jocososque, apesar de reclamarem da religio que trabalhosa e cansativa, eles fazem do

    cansao uma maneira risonha para apaziguar e at mesmo elogiar com prazer a

    religio que faz parte. Dessa forma, eles reclamam, mas esse ato carregado de

    toda uma vitalidade e vontade de assumir, pelo menos na tribo, entre eles, que

    macumbeiro e gosta de Candombl. Nesse ponto de vista, a festa o momento

    privilegiado para o Povo do Santo se encontrar.

    Sobre esse ponto de vista, Rosamaria Susanna Brbara esclarece:

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    A esttica ritual possui uma importncia fundamental seja na preparao dafesta, seja nos trajes litrgicos. uma esttica padronizada em modelosfixos transmitidos no tempo que nos falam da histria e da memria dogrupo (BARBRA, 2000, p. 151).

    No entanto, a esttica tem uma dimenso pedaggica fundamental nos

    Terreiros desde a preparao do Terreiro at as roupas (axs) que so vestidos nos

    Orixs. A esttica padronizada na medida em que desenhada pelas cores, pela

    riqueza de detalhes que cada indumentria vai ter e que vai dar o contorno

    identidade do Orix. por esse veis trgico-dionisaco que a Pedagogia do

    Candombl se edifica no mimetismo e no sagrado. Como a festa, todos os outros

    ritos, a tragdia grega inicialmente uma representao da crise safricial e da

    violncia fundadora (GIRARD, 1990: 210). O Candombl, como uma religio trgica

    por excelncia, transforma-se em um verdadeiro palco do sacrifcio onde o sangue

    do animal que sacrificado no Terreiro, metamorfoseia-se em fluxo vital, em energia

    e Ax.

    Assim, o sagrado tem uma dimenso trgica no Candombl na medida em

    que o sujeito se metamorfoseia em seu duplo, o duplo monstruoso que cada um

    carrega, onde o sujeito sente-se penetrado, invadido no mais ntimo de seu ser por

    uma criatura sobrenatural, que o assedia igualmente de fora (GIRARD, 1990, p.

    206). No entanto, a tragicidade se revela na cotidianidade e na conjuno afro que

    envolve toda Comunidade Religiosa. Desse modo, a mscara guarda em si a

    esttica da possesso.

    Dito de outra maneira, a esttica afro um caminho para a retomada do

    poder, de socializao e legitimao do novo negro. A beleza negra aqui vista no

    amplo conceito de afro toca no desejo de conquistas do negro e dos oprimidos, na

    ocupao cada vez maior de papis de mando e de expresso nacional (LODY,1995, p. 11). O Candombl, enquanto palco da expresso esttica-trgica-vitalista,

    revela como esttica afro ou afro-esttica, na convivncia e no cotidiano, onde a

    beleza negra e todo o visual transformam-se em momentos expressivos e plsticos.

    Assim, ainda ensina Lody: O afro, nesse mbito de comunicao e esttica

    religiosa dos terreiros, tem trnsito nas matrizes construtoras de etnicidade e muitas

    vezes moda abrasileirada (LODY, 1995, p. 8).

    Em outras palavras, a beleza-Odara dos deuses ganha um contornoantropolgico e esttico na medida em que cada cor e cada adereo desenha a

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    figura do Orix, onde ser afro revelar a beleza, o ornamento que faz parte da vida

    do Povo do Santo e faz do Terreiro um imenso palco esttico transformando-se em

    uma verdadeira obra de arte. O que quer dizer que o homem produto da esttica,

    ele participante de um genius coletivo que o ultrapassa de longe. (MAFFESOLI,

    1996, p. 50). Assim, o Povo do Santo, como produto dessa tica e dessa esttica

    coletiva, transforma os Terreiros em espaos vitais, onde a arte funciona como

    mbil da beleza. O enfeite e o adorno de cada corpo fazem do homem um artista

    consumado.

    Nessas trajetrias e jornadas com o Povo do Santo, Cristiana Tramonte2fez

    um mapa na grande Florianpolis sobre a cultura afro-brasileira. A autora coloca

    essa discusso ao traar a histria e o surgimento das religies africanas,recuperando os terreiros como signos de resistncia e expanso. Tramonte, nessa

    trilha de Rita Amaral acerca do Povo-do-santo como um Povo de Festa nos mostra

    que a festa no tratada como uma manifestao profana, incompatvel coma f

    religiosa, uma das mais significativas homenagens que se pode fazer a divindade

    ou a um mdium (TRAMONTE, 2001, p. 198). Para Cristiana Tramonte, a Festa do

    Povo do Santo se transforma em uma significativa homenagem aos deuses porque

    so os Orixs os maiores motivos para se celebrar a vida no Terreiro.Quando estive morando em Florianpolis na poca em que fazia mestrado,

    em 2002, tive a oportunidade de conhecer alguns Terreiros de Umbanda e

    Candombl como o Il ax de Bab Guaraci Fagundes no Bairro Jos Mendes. Dali

    do Morro da Queimada prestigiava asFestas do Povo do Santo e pude perceber o

    que Tramonte desenhou sobre esse povo em termos festivos. Para ela, A alegria, a

    festa, a transgresso, a jocosidade do povo- de -santo, poderiam ser entendidas

    como parte de uma estratgia de combate a esta mesma opresso (TRAMONTE,2001, p.201). No entanto, o Povo do Santo , sem dvida, um povo de festa como

    pretendeu Amaral, onde o modo de ser, o ethosdo Povo do Santo se configura e se

    desenha dentro de um contorno tomado pelo prazer, pela alegria festiva e

    transgressora, onde o Terreiro se transforma e se transfigura no momento da Festa

    do Santo.

    2Cf. TRAMONTE, Cristiana. Com a bandeira de oxal! Trajetria, prticas e concepes das religiesafro-brasileiras na GrandeFlorianpolis. - Itaja: UNIVALI, 2001.

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    Ser festivo e alegre no so somente caractersticas do Povo do Santo,

    mas o brasileiro em sua pluralidade cultural carrega dentro de si essa abertura para

    a intensidade, o prazer e a alegria. Basta lembrarmos dos Carnavais e das Escolas

    de Samba que revelam toda uma beleza Odara, todo um brilho que marca a

    alegria e a exuberncia do Povo brasileiro. Geralmente algumas Escolas de Samba

    fazem homenagem aos Orixs traduzindo assim a riqueza da Mitologia africana.

    Podemos perceber, inclusive a Escola Imprio Serrano, que venceu em primeiro

    lugar no carnaval 2009 e teve como enredo A lenda das Sereias, cantando

    freneticamente Ogunt que , no Candombl, uma dasqualidades de Iemanj .

    Alm das vrias homenagens aos Orixs presentes na Msica Popular Brasileira

    que so carregadas desses marcos afro-brasileiros que testemunham toda umacosmoviso afro e que traduz a complexidade da Cultura brasileira e das religies

    africanas. essa a conjuno misteriosa ou o mistrio da conjuno3afro-esttica-

    trgica no Candombl.

    O que trgico alegria (DELEUZE, 1976, p.14) adverte-nos Deleuze.

    Nessa tradio de pensamento Nietzschiano, o filsofo da diferena nos faz

    experimentar uma nova concepo de tragdia. Para ele, a essncia do trgico est

    diretamente relacionada afirmao da vida. A Festa do Povo do Santo, o momentoonde todos se renem para receber os deuses em terra o momento de afirmao

    da vida em seu devir. nesse universo cosmolgico do prazer e das intensidades

    que se do as relaes vitais entre os Pais e Filhos de Santo junto com os Orixs.

    No entanto, o Ax a essncia do trgico, pois Ax vida, princpio dinmico. o

    que coloca o Povo do Santo em sintonia com os Orixs.

    Nesse sentido, o sagrado e a alegria se conjugam, se entrelaam e

    intensificam a f. Da se pode experimentar uma experincia trgica, portanto vitalque povoa o Cotidiano dos Terreiros. Assim, Maffesoli (2005, p.19) nos faz

    3A noo de Conjuno apresentada aqui no sentido maffesoliano. Para Michel Maffesoli, existeumfundamento da socialidade que o mistrio. Assim, a o nosso estar no mundo marcado por umaaura misteriosa, onde nada de disjuntivo e sim, conjuntivo. Assim, a tica da esttica se fundamentano estar - junto, naquilo que experimentado em comum. O Terreiro como espao tico-esttico-pedaggico se desenha nesse mistrio, nessa nebulosa dificultando a nossa compreenso. Osdeuses carregam o mistrio. O addas iabs as coloca misteriosas. As palhas (az) que cobrem orosto e o corpo de Obalua guardam um segredo que nunca desvendamos. Assim, estamos nesseeterno jogo misterioso que faz parte dessa tica e dessa esttica dos terreiros que vela e desvela ao

    mesmo tempo, permanecendo o mistrio. Como na expresso crist eis o mistrio de nossa f. A f,a crena misteriosa. Cf. O mistrio da Conjuno: ensaios sobre comunicao, corpo e socialidade.Traduo de Juremir Machado da Silva - Porto Alegre: Sulina, 2005.

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    experimentar essa sombra de Dioniso regada a uma exuberncia como

    expresso do trgico plenamente incorporado nos pequenos instantes vividos seja

    nos rituais internos, seja na Festa dos deuses aos homens, estabelecendo assim, a

    comunho, seja no amor, no desregramento dos sentidos, na expresso festiva,

    sempre o barulhento Dioniso que o responsvel por manter viva as relaes

    humanas e espirituais. Enfim, no Cotidiano festivo dos deuses que as relaes

    espirituais e mgicas se intensificam.

    Dito de outro modo, no momento da Festa que se invocam os deuses e

    eles se misturam aos homens pelo poder do Baco, diz Mafessoli (2005, p.118), pois

    a bebida e a comida encaminham a uma espcie de ordenamento do mundo.

    esse ordenamento que intensifica a vida do Povo do Santo, pois dentro de suasocialidade, h uma socialidade festiva onde todos se unem para o momento da

    Festa que provoca a unio dos deuses e dos homens (MAFFESOLI, 2005,

    p.119). essa unio o nico mbil tico-esttico que forma e intensifica a conjuno

    humana. o vinho, a bebida e a comida que provocam a sociabilidade. Nos

    Terreiros, depois das Festas sagradas dos deuses, a comida faz parte dessa orgia.

    Comer e beber no Candombl no um ato profano. Os deuses comem e bebem

    assim como os homens. comum vermos pelas ruas as oferendas aos deuses nasencruzilhadas e nas matas. Nos Terreiros de Umbanda comum vermos as

    entidades como os Caboclos tomando vinho e fumando charutos, assim como as

    Pomba giras tomando champanhe e at mesmo os Pretos velhos fumando cachimbo

    e bebendo cafs amargos. O Terreiro o espao da orgia, pois o orgiasmo um

    fator de sociabilidade. Os Orixs, assim como Dioniso, revelam essa fora trgica,

    turbulenta e festiva que marca todo um ritmo tico-esttico.

    Retomar a figura de Dioniso para compreendermos a sociedade ps-moderna, mais do que necessrio principalmente porque, quer queira quer no,

    esse Deus turbulento o signo de nosso tempo em sua virilidade, em sua confuso,

    em seu devir. Certamente Exu, como um Orix que permeia as relaes e possibilita

    o estar -junto, ele que transforma os contatos humanos, influenciando mercados,

    trabalho, lazer, sexo, jogos, consumo e tudo mais que envolve a comunicao,

    territrios de Exu, o ser totalizador (SALLES, 2001, p.10). Em outras palavras, Exu

    no deixa de ser, assim como o panteo dos Orixs, o signo trgico-festivo por

    excelncia. nessa festividade que os Filhos se aprontam para a sada do santo

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    afim de se legitimarem na Religio dos Orixs, pois pertencer efetivamente a uma

    Comunidade terreiro, significa passar pelos rituais de iniciao. Enfim, o debate

    sobre o candombl tanto no Brasil quanto no exterior odara, ou seja, bom e

    bonito.

    Consideraes Finais

    Props esse artigo fazer uma abordagem literria em torno da epistemologia

    da arte afro-brasileira compreendida e estudada por estrangeirose brasileiros.

    Compreende-se que o olhar construdo pela tradio francesa foi de fundamental

    importncia para ampliarmos nosso olhar e nossa compreensosobre o ethos e

    viso de mundo yoruba.

    certo que os terreiros de candombl foram vistos, percebidos e estudados

    pelos pesquisadores no exterior. Essa uma forma no somente de vermos o Brasil

    no exterior como uma forma poltica de mostrarmos a complexidade da cultura

    brasileira para com isso desviarmos certos estigmas de que o Brasil um pas

    menor que s tem carnaval. O Terreiro enquanto carnavalizao o retrato de uma

    cultura, de um povo.

    Os terreirosconquistaram o corao e aalma de vrios estrangeiros. Isso

    importante inclusive para que o povo brasileiro comece a valorizar mais ainda sua

    prpria cultura que to estigmatizada e desconhecida por ele mesmo. Roger

    Bastide, Pierre Verger, Giselle Cossard, Juana Elbein dos Santos, Rita Laura Segato

    e outros estrangeiros que vieram sentir, perceber e compreender os terreiros de

    perto nos deram uma forte contribuio ao tentarem fotografar a dinmica dos

    terreiros e ao mesmo tempo mostrar suas vises e singulares modos de lera cultura

    e fazer dela uma forma de pensamento. Todos tiveram que enfrentar encruzilhadas.

    Estes estrangeiros que vieram estudar o candombl no Brasil so exemplos

    de pesquisadores que tentam sair de sua lngua, de seu burburinho e de sua tribo

    para penetrar nos subterrneos da cultura do Outro. exemplo vivo de quem tenta

    de fato compreender a alteridade e a partir da repensar a sua cultura. So

    aprendizados que atravessam toda uma gerao de pensadores e que nos fizeram e

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    Publicado na Revista Vozes dos Vales -www.ufvjm.edu.br/vozesem: 01/10/2013

    Revista Multidisciplinar Vozes dos Vales - UFVJM - Brasil

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    UFVJM: 120.2.095-2011 - QUALIS/CAPES - LATINDEX: 22524 - ISSN: 2238-6424

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