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A PERIODIZAÇÃO DO TREINO EM CRIANÇAS E JOVENS COM ESPECIAL APTIDÃO NAS DISCIPLINAS DE MEIO-FUNDO E FUNDO. ESTUDO EMPÍRICO-COMPARATIVO ENTRE OS MODELOS DE SUCESSO E OS ACTUALMENTE SEGUIDOS. Ramiro Rolim, António Marques, José Maia, Paulo Colaço, Francisco Silva Faculdade de Ciências do Desporto e de Educação Física - Universidade do Porto - Portugal Universidade Federal da Paraíba Resumo A importância assumida pela periodização no planeamento do treino reveste-se de contornos bem diferenciados, consoante se trate de crianças, de jovens, ou de atletas adultos. Se no adulto, a lógica da periodização está subjugada às questões do rendimento, o mesmo não deverá acontecer no treino de crianças e jovens. Nestes casos, exige-se que a periodização, quando necessária, se submeta, antes de mais, a preocupações de natureza formativa e educativa. Por se tratar de um assunto muito pouco contemplado pela investigação e por não conhecermos aquilo que factualmente ocorre nas práticas do treino de crianças e jovens em Portugal, fomos ver no passado [amostra de antigos atletas de sucesso nas disciplinas de meio-fundo e fundo (MFF)] e no presente (amostra de atletas jovens de MFF), como foi e como está a ser conduzido o processo de treino, no capítulo da periodização. Assim, com base no método da entrevista e posterior análise do conteúdo, foram investigadas duas amostras de indivíduos (amostras A e B). Da amostra A fizeram parte 32 treinadores que enquadravam tecnicamente 84 atletas jovens, com idades compreendidas entre os 10 e os 19 anos, e que se vinham destacando nas disciplinas de MFF. A amostra B ficou circunscrita a 26 atletas de ambos os sexos que participaram em Campeonatos da Europa e/ou do Mundo e/ou Jogos Olímpicos (disciplinas de MFF). Nesta amostra B, as informações recolhidas reportaram-se ao seu passado desportivo, enquanto jovens. Entre os principais resultados obtidos destacamos que: (i) na etapa de especialização inicial (EEI), a duração do período de transição foi de 32 dias ±16,5 (7-63) nos actuais jovens (amostra A) e de 79,5 dias ±26 (31- 122) nos atletas da amostra B; (ii) na etapa de especialização aprofundada (EEA), a duração do período de transição foi de 30,5 dias ±30,7 (7-63) nos actuais jovens e de 50,4 dias ±30,7 (0-122) nos atletas de sucesso; (iii) Na amostra A, a duração do período de transição de etapa para etapa de preparação, não revela diferenças estatisticamente significativas. Estes resultados indiciam que a periodização do treino orientada por princípios formativos não faz parte das preocupações dos treinadores (amostra A), seguindo, em todas as etapas de preparação estudadas, a lógica do rendimento e da importância das provas dos calendários competitivos. III SIMPÓSIO INTERNACIONAL EM TREINAMENTO DESPORTIVO

A Periodização Do Treino

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A PERIODIZAÇÃO DO TREINO EM CRIANÇAS E JOVENS COMESPECIAL APTIDÃO NAS DISCIPLINAS DE MEIO-FUNDO E FUNDO.ESTUDO EMPÍRICO-COMPARATIVO ENTRE OS MODELOS DESUCESSO E OS ACTUALMENTE SEGUIDOS.

Ramiro Rolim, António Marques, José Maia, Paulo Colaço, Francisco Silva

Faculdade de Ciências do Desporto e de Educação Física- Universidade do Porto -

Portugal

Universidade Federal da Paraíba

ResumoA importância assumida pela periodização noplaneamento do treino reveste-se de contornos bemdiferenciados, consoante se trate de crianças, dejovens, ou de atletas adultos. Se no adulto, a lógicada periodização está subjugada às questões dorendimento, o mesmo não deverá acontecer notreino de crianças e jovens. Nestes casos, exige-seque a periodização, quando necessária, se submeta,antes de mais, a preocupações de natureza formativae educativa. Por se tratar de um assunto muito poucocontemplado pela investigação e por nãoconhecermos aquilo que factualmente ocorre naspráticas do treino de crianças e jovens em Portugal,fomos ver no passado [amostra de antigos atletasde sucesso nas disciplinas de meio-fundo e fundo(MFF)] e no presente (amostra de atletas jovens deMFF), como foi e como está a ser conduzido oprocesso de treino, no capítulo da periodização.Assim, com base no método da entrevista e posterioranálise do conteúdo, foram investigadas duasamostras de indivíduos (amostras A e B). Da amostraA fizeram parte 32 treinadores que enquadravamtecnicamente 84 atletas jovens, com idadescompreendidas entre os 10 e os 19 anos, e que sevinham destacando nas disciplinas de MFF. Aamostra B ficou circunscrita a 26 atletas de ambosos sexos que participaram em Campeonatos daEuropa e/ou do Mundo e/ou Jogos Olímpicos(disciplinas de MFF). Nesta amostra B, asinformações recolhidas reportaram-se ao seupassado desportivo, enquanto jovens. Entre osprincipais resultados obtidos destacamos que: (i) naetapa de especialização inicial (EEI), a duração doperíodo de transição foi de 32 dias ±16,5 (7-63) nosactuais jovens (amostra A) e de 79,5 dias ±26 (31-122) nos atletas da amostra B; (ii) na etapa deespecialização aprofundada (EEA), a duração doperíodo de transição foi de 30,5 dias ±30,7 (7-63)nos actuais jovens e de 50,4 dias ±30,7 (0-122) nosatletas de sucesso; (iii) Na amostra A, a duração doperíodo de transição de etapa para etapa depreparação, não revela diferenças estatisticamentesignificativas. Estes resultados indiciam que aperiodização do treino orientada por princípiosformativos não faz parte das preocupações dostreinadores (amostra A), seguindo, em todas asetapas de preparação estudadas, a lógica dorendimento e da importância das provas doscalendários competitivos.

III SIMPÓSIO INTERNACIONAL EMTREINAMENTO DESPORTIVO

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Introdução

Ao longo da última década, particularmente devidoao alargamento do quadro competitivo, a teoria clássicada periodização proposta por Matweiev (1990) tem geradoalguns conflitos de pontos de vista, sendo frequentementealvo de diversas críticas (Gambetta, 1989; Karp, 2002).Estas vêm apelando para a necessidade de se procedera diversos ajustamentos ou mesmo, segundo opiniõesmais radicais, considerando-a totalmente ultrapassada.

Apesar eventuais desvalorizações, a periodizaçãodo treino deve ser entendida como uma importanteferramenta que permite ao treinador, em função de diversoscircunstancialismos (idade e características dos sujeitos,calendários competitivos, objectivos do treino e dacompetição, evolução dos sujeitos, etc.), ajustar, variar emanusear, com intencionalidade, as cargas de treino (emtermos de intensidade, volume e densidade) tendo emvista potenciar o desenvolvimento dos atletas e inferirrendimento em determinado momento da época desportiva.

Não obstante, a problemática da periodização dotreino de crianças e jovens, mormente no que se refereà dinâmica carga–recuperação e à estruturação domacrociclo, tem despertado a curiosidade e catalisado ointeresse de investigadores de diferentes domínios doconhecimento. É tido por consensual que a importânciaassumida pela periodização no planeamento do treinoreveste-se de contornos bem diferenciados, consoante setrate de crianças, de jovens, ou de atletas adultos. Se noadulto, a lógica da periodização está subjugada às questõesdo rendimento, o mesmo não deverá acontecer no treinode crianças e jovens. Nestes casos, exige-se que aperiodização, quando necessária, se submeta, antes demais, a preocupações de natureza formativa e educativa.

Porém, sem querer minorar a validade dos artigosde revisão sobre o desporto jovem, os estudos e aspublicações em Portugal são sobretudo contributos denatureza teórica (Carvalho, 1983; Mota, 1988; Marques,1992), enquanto a invest igação de carácterempírico(Marques, 1993), é claramente mais escassa.

Por se tratar de um assunto muito pouco contempladopela investigação e por não conhecermos aquilo quefactualmente ocorre nas práticas do treino de crianças ejovens em Portugal, fomos ver no passado [amostra deantigos atletas de sucesso nas disciplinas de meio-fundoe fundo (MFF)] e no presente (amostra de atletas jovensde MFF), como foi e como está a ser conduzido o processode treino, no capítulo da periodização. De referir, ainda,que o presente estudo é complementar a um outro,anteriormente elaborado (Rolim et al., 2002) que sedebruçou sobre a actividade competitiva dos elementosdestas duas amostras.

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Objectivos do estudo

Em função desta carência, o presente estudo tem como principal objectivo analisar e caracterizar a lógicaque preside à periodização do treino actualmente seguido por crianças e jovens atletas que se vêm distinguindonas disciplinas de meio-fundo e fundo (MFF) em Portugal, e, ao mesmo tempo, tentar observar retrospectivamentecomo é que esta categoria do treino foi concretizada nas etapas iniciais da preparação desportiva dos melhoresatletas seniores portugueses de MFF.

Além deste propósito de ordem geral, foram ainda definidos, para ambas as amostras, os seguintesobjectivos específicos:i) Quantificar o número de semanas de treino por ano;ii) Quantificar o número de treinos realizados por ano;iii) Analisar a actividade de treino nos períodos de férias escolaresiv) Avaliar a duração do período de transição;

Desta forma tentaremos evidenciar, em ambas as amostras, os elementos da prática cuja natureza eorientação qualitativa e/ou quantitativa, corresponde, ou não, aquilo que é tido por consensual pelo quadroteórico de referência sobre a periodização do treino nas etapas de preparação de prospectiva.

Metodologia

3.1. Constituição das amostras

A nossa amostra A foi constituída por 32 treinadores de clubes dos distritos de Viana do Castelo, Braga,Porto e Aveiro (região suficientemente representativa no conjunto do país) que enquadravam tecnicamenteuma conjunto de 84 atletas, de ambos os sexos, com idades compreendidas entre os 10 e os 19 anos (escalõesbenjamins a juniores), e que vinham revelando especial aptidão nas disciplinas de MFF. Estes 32 treinadoresforam, assim, seleccionados em função da qualidade dos resultados obtidos pelos seus jovens atletas (10-19 anos) em provas de MFF.

De acordo com o estabelecido pelo quadro teórico de referência (Rolim, 1999) para as idades cronológicasdas crianças e jovens, estes distribuíam-se pelas seguintes etapas de preparação desportiva:– 24 na Etapa de Preparação Preliminar (EPP) - (até 12/13 anos);– 31 na Etapa de Especialização Inicial (EEI) - (13/14 – 15/16 anos); e

– 29 na Etapa de Especialização Aprofundada (EEA) - (a partir dos 16/17).Por sua vez, da amostra B fizeram parte 26 atletas especialistas nas disciplinas de MFF, de ambos os

sexos, que participaram em Campeonatos da Europa e/ou do Mundo e/ou Jogos Olímpicos.Relativamente aos instrumentos utilizados na investigação, pesadas as vantagens e limitações das diversas

técnicas para se estudar este fenómeno (numa primeira fase), nomeadamente os diferentes tipos de entrevista(numa segunda fase) (Fontana e Frey, 1994; Kaufman, 1994) e dado o nosso conhecimento factual da matéria,optámos por utilizar e realizar entrevistas semi-estruturadas de resposta aberta com recurso a guião previamenteelaborado e validado.

No caso da amostra A, todas as questões colocadas aos treinadores foram sempre indexadas em funçãodos atletas por si treinados, logo as respostas foram obtidas dos 32 treinadores em função de 84 atletas. Naamostra B, as informações recolhidas reportaram-se obviamente ao seu passado desportivo, enquanto jovens.

3.2. Análise das entrevistas e tipo de análise utilizada

As entrevistas foram gravadas, procedendo-se posteriormente à sua transcrição integral. Em função dascaracterísticas da informação recolhida, o instrumento de análise utilizado foi a análise do conteúdo (Arkseye Knight, 1999; Bardin, 1994; Grawitz, 1993; Patton, 1990; Quivy e Campenhoudt, 1993), na sua funçãoheurística (sem categorias pré-definidas).

3.3. Procedimentos estatísticos

O tratamento dos dados envolveu duas etapas fundamentais - a da descrição e da inferência. Na descriçãodos resultados recorreu-se a procedimentos simples como são o cálculo de frequências, médias (), desviopadrão (dp). Na inferência foram utilizados o t test, o teste U de Mann - Whitney e a Análise de Variância(ANOVA) unidimensional. O programa estatístico utilizado foi o Statview 4.0 e o nível de significância foi mantidoem 5%.

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Resultados

4.1. Comparação de ambas as amostras quanto aonúmero de semanas de treino por ano nas etapas deespecialização inicial e aprofundada

A confrontação do número de semanas de treino/anoreferentes à EEI e EEA dos atletas treinados pela amostraA e dos atletas da amostra B, estão na tabela 1Tabela 1 - Comparação dos valores médios (±desviospadrão) e respectivos valores mínimos e máximos donúmero de semanas de treino/ano realizadas pelos atletastreinados pela amostra A e os atletas da amostra B naEEI e EEA

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Na EEI observam-se diferenças estatisticamentesignificativas (t(40)=6.2, p=0.0001) quanto às médiasde UT/ano entre os elementos da amostra A e osda amostra B. Também na EEA são visíveisdiferenças acentuadas nos valores encontrados paraambas as amostras. O teste de Mann-Whitneyevidencia, de forma clara, diferenças estatisticamentesignificativas (Z=-3.1, p=0.001).

Assim, nestas etapas, os jovens da amostra Arealizam significativamente mais UT por ano do querealizavam, nas mesmas etapas, os atletas queatingiram relevo internacional (amostra B). De realçarainda para ambas as amostras os elevados desviospadrão e amplitude de variação, claramente maisacentuados no caso da amostra B.

Em termos de balanço comparativo sobre ovolume de treino, aqui traduzido nos indicadoresnúmero de UT ano e número de semanas de treinopor ano, entre as duas amostras, na EEI e EEA,revela que os atletas da amostra A treinamsignificativamente mais vezes Atletismo por ano edurante mais semanas/ano do que treinaram oselementos da amostra B.

4.3. Alteração da carga de treino durante as fériasescolares

Esta questão foi colocada aos elementos deambas as amostras com o objectivo de complementara informação relativa à caracterização da carga detreino, permitindo-nos, também, aferir e comparar,para cada uma das etapas em estudo, a existênciade interrupções nos macrociclos de treino e, emgrande medida, inferir sobre o nível de enfeudamentodos jovens no treino do Atletismo.

Assim face aos resultados obtidos, dos 24treinadores (amostra A) com atletas na EPP, 18(75%) mantêm a carga de treino. Os restantes 6(25%), aumentam a carga de treino (número deUT/semana e duração das UT) durante os períodosde férias escolares.

Para a EEI, dos 31 treinadores com atletasnesta etapa, 22 (71%) não alteram a carga de treinodurante as férias escolares ao passo que 9 (29%)treinadores aumentam a carga a realizar (númerode UT/semana e duração das UT). A mesmatendência é verificada para a EEA; todavia nestaetapa, ao contrário das anteriores, as preocupaçõescom o rendimento desportivo já começam a justificar-se (Marques, 1997). Concretamente, dos 29treinadores com atletas na EEA, 11 (37.9%)aumentam a carga de treino durante as fériasescolares, enquanto os restantes 18 (62.1%) nãopropõem quaisquer alterações.

Relativamente aos atletas da amostra B, dos12 atletas que iniciaram o processo de treino na EEIou antes, 10 afirmaram que as férias de Natal ePáscoa correspondiam a paragem nas normaisactividades de treino de Atletismo, 1 afirmou que acarga aumentava (número de UT/semana) e orestante não soube responder. Na verdade, de acordocom todos os entrevistados desta amostra, as fériasdo Natal e da Páscoa não correspondiam a uma realparagem de actividades, mas antes a uma mudança,dado que as actividades físicas e desportivasespontâneas, aumentavam substancialmente.

Tabela 1 - Comparação dos valores médios (±desvios padrão) e respectivos valoresmínimos e máximos do número de semanas de treino/ano realizadas pelos atletas treinadospela amostra A e os atletas da amostra B na EEI e EEA

De realçar que o t teste evidencia diferençasestatisticamente significativas (t(40) = 6.5, p=0.0001)quanto ao número de semanas de treino por ano na EEIentre os atletas treinados pela amostra A e os atletas daamostra B.

No concernente à EEA, a comparação dos resultadosencontrados demonstram a mesma tendência da EEI. Ot teste também evidenciou diferenças estatisticamentesignificativas (t(53) = 2.9, p=0.005) entre os elementosda amostra A e B, quanto ao número de semanas detreino por ano.

Quer isto dizer que, na EEI e na EEA, os actuaisjovens (treinados pela amostra A) apresentam ummacrociclo anual mais prolongado que os atletas queatingiram relevo internacional (amostra B), durante asmesmas etapas de preparação.

4.2. Comparação de ambas as amostras por etapasquanto ao número de unidades de treino realizadaspor ano nas etapas de especialização inicial eaprofundada

A comparação do número médio de unidades detreino realizadas por ano nas EEI e EEA pelos atletastreinados pela amostra A e pelos atletas da amostra Bencontram-se na tabela 2.

Tabela 2 - Comparação dos valores médios (±desvios padrão) e respectivos valores mínimose máximos do número de UT/ano realizadas pelos atletas treinados pela amostra A e osda amostra B na EEI e na EEA

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De acordo com a posição de diversos autores (Court,1989; Marques, 1997; Matweiev, 1990; Tschiene, 1988b)esta mudança de actividades na EEI, sintonizada como ritmo das actividades escolares, revela-se benéfica, aoestabelecer pausas naturais para recuperar energias e,simultaneamente, introduzindo uma "lufada de ar fresco",uma derivação, num conjunto de actividades impostasaos jovens (Año, 1994).

No respeitante à EEA, das 26 respostas obtidas(amostra B), apenas 2 atletas afirmaram que a carga detreino aumentava (número de UT/semana e sua duração).A grande maioria dos atletas, mais propriamente 92.3%(24 atletas), afirmaram não haver alteração na carga detreino.

Em termos de balanço, as respostas obtidasrelativamente a esta etapa (EEA), estão de acordo comos objectivos a perseguir, já substancialmente orientadospara a melhoria do rendimento competitivo num grupoespecífico de disciplinas (Dick, 1989; Ferreira, 1994;Marques, 1997), em que às férias escolares não deverácorresponder paragem do treino de Atletismo (Court,1989). Zakharov (1992) propõe para estes períodos semactividades escolares, a realização de estágios,introduzindo algumas alterações nos habituais conteúdosde treino e, portanto, um aumento da carga não específica.

4.4. Duração do período de transição (férias de Verão)

4.4.1. Atletas treinados pela amostra A

Foram calculadas as médias, os desvios padrão ea amplitude de variação (valores mínimo e máximo) paraas 3 primeiras etapas de preparação de prospectiva (cf.tabela 3).

Na análise da tabela 3 é de salientar que as médiasencontradas para a duração do período de transição naEPP, EEI e EEA são muito semelhantes, apresentandouma duração média em torno dos 30 dias. No entanto,face aos elevados desvios padrão e à acentuadaamplitude de variação, torna-se necessário prudência naleitura destes resultados.

Como era de prever a ANOVA não revela significadoestatístico (p0.05). Ou seja, para um mesmo treinador,a duração do período de transição mantém-sepraticamente imutável independentemente da etapa depreparação de prospectiva em que o atleta se encontre.

Na leitura individual dos resultados respeitantes aos32 treinadores entrevistados, realçámos que apenas 2(6.25%) referem uma diminuição da duração do períodode transição com o evoluir das etapas de preparação.Todos os outros (93.75%) mantêm desde a EPP até àEEA a mesma duração do período de transição, factoque nos parece desajustado e preocupante, face aopreceituado pelos diferentes autores de referência.

Tabela 3 - Duração ( ±dp) do período de transição dos atletas treinados pela amostra Apara as EPP, EEI e EEA

4.4.2. Atletas da amostra B

Relativamente à EPP, apenas dois elementosdesta amostra cumpriram esta etapa de preparação.Todavia as respostas obtidas destes dois elementospara o que era perguntado foram evasivas, daí a suanão inclusão.

O valor encontrado para a duração média doperíodo de transição na EEI (n=11) foi de 79.5 ±26.1dias, variando desde 1 mês até 4 meses. Para osatletas integrados na EEA (n=26), o valor médio daduração do período de transição foi de 50.4 ±30.7dias (variando desde 0 dias e os 4 meses) (cf. tabela4).

Comparando os valores médios obtidos na EEIe na EEA, destacamos, uma importante diminuiçãoda duração do período de transição, os elevadosdesvios padrão e uma acentuada amplitude devariação.

O teste de Mann-Whitney revelou diferençassignificativas (Z= -2.6, p= 0.013) entre as médias deduração da EEI e da EEA.

4.4.3. Análise comparativa entre as amostras A eB relativamente à duração do período de transição

Na tabela 5 são colocadas em relevo de formacomparativa a duração do período de transição naEEI e EEA para ambas as amostras em estudo.

Tabela 5 - Duração do período de transição para ambas as amostra na EEI e EEA

Com base no teste de Mann-Whitney comparámosas médias encontradas em ambas as amostras paraa EEI e para EEA. Verificou-se, em ambas os casos,diferenças muito significativas (Z= -4.3, p= 0.0001na EEI e Z= -2.8, p= 0.0047 na EEA). De assinalarainda o elevado desvio padrão, expressandocertamente um diferente investimento proposto aosjovens pelos respectivos treinadores.

Analisando comparativamente os resultados deambas as amostras quanto à duração individual doperíodo de transição, para as EEI e EEA, apesar deexistirem algumas excepções, verifica-se que, naEEI e EEA a quase totalidade dos atletas da amostraB apresentam uma maior duração do período detransição.

Tabela 4 - Duração média em dias (±dp) do período de transiçãona EEI e EEA e respectivos valores mínimo e máximo (atletas daamostra B)

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Provavelmente, no caso da amostra B, tal facto dever-se-á, entre outros aspectos, a uma menor ofertacompetitiva, a um inferior enfeudamento na prática do Atletismo nas EPP, EEI e EEA, compensada por umaalargada prática desportiva extra-treino. No caso da amostra A, dado que o actual quadro competitivo deestrada se estende de Setembro a Agosto, e em função de toda a atenção se centrar sobre a performancee sobre a vitória, os treinadores tendem a prolongar o macrociclo anual de treino.A este respeito e sem recuarmos muito no tempo, nos anos 70 e início dos anos 80, para se ganhar algumasprovas e MFF, era necessário que os jovens possuíssem "talento". Na actualidade, para um atleta infantilou iniciado aspirar à vitória ou a uma classificação honrosa numa competição, é necessário, além da presençade "talento" desportivo, treinar muito e de forma específica. Naturalmente que a esta realidade de hoje, nãosão alheias as habituais pressões exercidas sobre os jovens para ganhar, para realizar boas performancese, assim, transmitir uma falsa visibilidade nacional aos intervenientes. Esta acelerada procura de resultadosterá certamente implicações e repercussões importantes na organização da carreira desportiva dos atletase de todo o seu processo de formação.

Conclusões

Face a este panorama e integrando os dados colectados relativos a ambas as amostras, estes resultadossugerem que, particularmente na EPP e EEI, os jovens treinados pela amostra A, se encontram exageradamenteabsorvidos pelo treino de Atletismo (MFF).

A diferenças encontradas nestes indicadores quantitativos, reflectem e corroboram que os elementosda amostra A são, desde cedo, submetidos a um processo de treino à imagem do atleta adulto, seguindobasicamente as mesmas orientações.

Contrariamente ao observado na amostra B, nos jovens da amostra A, a lógica da periodização dotreino nas etapas de EPP, EEI e EEA assume-se como uma periodização de natureza híbrida, girando, talcomo nos atletas seniores de MFF (Garcia e Rolim, 1994), em torno da competição selectiva que, semanaapós semana, vai sendo oferecida e realizada.Apesar de, ao longo do tempo, não ter havido suficiente sensibilidade, abertura e disponibilidade por parteda Federação Portuguesa de Atletismo, recomenda-se a esta entidade a urgência de se estabelecer edemarcar, com clareza, orientações pedagógicas para a participação competitiva de crianças e jovens nasetapas de preparação de prospectiva, bem afastadas da lógica actualmente seguida.

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