16
CADERNO CRH, Salvador, v. 18, n. 45, p. 431-446, Set./Dez. 2005 431 INTRODUÇÃO Os estudos sobre a polícia nos países anglo- americanos apresentam um desenvolvimento re- cente, materializado em obras publicadas nos últi- mos 50 anos. Neste breve ensaio, quero concen- trar a atenção sobre o desenvolvimento de investi- gações no campo dos estudos policiais e tecer al- guns comentários sobre o futuro dessa especiali- zação. Para mim, a polícia é uma organização legí- tima, com articulação burocrática, que se dispõe a manter a ordem política mediante o uso da força (Manning, 2003, p. 41-42). A função policial de- mocrática, que é valorizada nas sociedades anglo- americanas, rechaça a tortura, o terrorismo e o con- tra terrorismo, baseando-se no direito e buscando o mínimo de prejuízo para as relações civilizadas. Essa função policial democrática é erigida sobre valores éticos e morais que são tácitos e so- mente submetidos à análise quando se fragilizam. Pareceria também que, para manter-se como tal, a função policial democrática deve existir juntamente com manifestações de atividade policial opostas à sua natureza, tais como as empresas de segurança privada, as associações voluntárias e as atividades policiais na alta hierarquia social ou na esfera po- lítica (Liang, 1992, p. 2). 2 Embora haja muitos ti- pos de polícia democrática, influenciados pelo modelo de direito civil continental nas sociedades mediterrâneas e hispânicas, neste artigo ocupo-me dos estudos sobre a polícia anglo-americana, que se desenvolveu mediante a adaptação mais do que a conquista e resultou da difusão do modelo britâ- nico idealizado por Robert Peel em 1829, no Cana- dá, Nova Zelândia, Austrália e Estados Unidos. 3 1 Este artigo é uma versão modificada da comunicação apresentada ao Seminário Internacional sobre Estudos de Polícia, realizado na Faculdade de Justiça Criminal e Segurança da Universidade de Eastern Kentucky, Richmond, Kentucky, Estados Unidos, entre 12 e 15 de junho de 2003. Agradeço os comentários sobre este tra- balho formulados pelos participantes do Congresso, os materiais gentilmente enviados por Tim Newburn, as reflexões de Maurice Punch e a tradução e revisão edito- rial de Christopher Birkbeck. OS ESTUDOS SOBRE A POLÍCIA NOS PAÍSES ANGLO-AMERICANOS 1 Peter K. Manning 2 Definições de polícia e da função policial democrática encontram-se em Manning (2003). 3 Neste trabalho, “polícia” significa as características ocupacionais e organizacionais da polícia anglo-america- na, e “função policial” se refere a práticas, habilidades e comportamentos daqueles que integram a polícia.

A Polícia Dos Países Anglo-Americanos

Embed Size (px)

DESCRIPTION

Os estudos sobre a polícia nos países angloamericanosapresentam um desenvolvimento recente,materializado em obras publicadas nos últimos50 anos. Neste breve ensaio, quero concentrara atenção sobre o desenvolvimento de investigaçõesno campo dos estudos policiais e tecer algunscomentários sobre o futuro dessa especialização.Para mim, a polícia é uma organização legítima,com articulação burocrática, que se dispõe amanter a ordem política mediante o uso da força(Manning, 2003, p. 41-42). A função policial democrática,que é valorizada nas sociedades angloamericanas,rechaça a tortura, o terrorismo e o contraterrorismo, baseando-se no direito e buscandoo mínimo de prejuízo para as relações civilizadas.

Citation preview

  • CA

    DER

    NO C

    RH

    , Sal

    vado

    r, v.

    18,

    n. 4

    5, p

    . 431

    -446

    , Set

    ./Dez

    . 200

    5

    431431

    Peter K. Manning

    INTRODUO

    Os estudos sobre a polcia nos pases anglo-americanos apresentam um desenvolvimento re-cente, materializado em obras publicadas nos lti-mos 50 anos. Neste breve ensaio, quero concen-trar a ateno sobre o desenvolvimento de investi-gaes no campo dos estudos policiais e tecer al-guns comentrios sobre o futuro dessa especiali-zao. Para mim, a polcia uma organizao leg-tima, com articulao burocrtica, que se dispe amanter a ordem poltica mediante o uso da fora(Manning, 2003, p. 41-42). A funo policial de-mocrtica, que valorizada nas sociedades anglo-americanas, rechaa a tortura, o terrorismo e o con-tra terrorismo, baseando-se no direito e buscandoo mnimo de prejuzo para as relaes civilizadas.

    Essa funo policial democrtica erigidasobre valores ticos e morais que so tcitos e so-mente submetidos anlise quando se fragilizam.Pareceria tambm que, para manter-se como tal, afuno policial democrtica deve existir juntamentecom manifestaes de atividade policial opostas sua natureza, tais como as empresas de seguranaprivada, as associaes voluntrias e as atividadespoliciais na alta hierarquia social ou na esfera po-ltica (Liang, 1992, p. 2).2 Embora haja muitos ti-pos de polcia democrtica, influenciados pelomodelo de direito civil continental nas sociedadesmediterrneas e hispnicas, neste artigo ocupo-medos estudos sobre a polcia anglo-americana, quese desenvolveu mediante a adaptao mais do quea conquista e resultou da difuso do modelo brit-nico idealizado por Robert Peel em 1829, no Cana-d, Nova Zelndia, Austrlia e Estados Unidos.3

    1 Este artigo uma verso modificada da comunicaoapresentada ao Seminrio Internacional sobre Estudosde Polcia, realizado na Faculdade de Justia Criminal eSegurana da Universidade de Eastern Kentucky,Richmond, Kentucky, Estados Unidos, entre 12 e 15 dejunho de 2003. Agradeo os comentrios sobre este tra-balho formulados pelos participantes do Congresso, osmateriais gentilmente enviados por Tim Newburn, asreflexes de Maurice Punch e a traduo e reviso edito-rial de Christopher Birkbeck.

    OS ESTUDOS SOBRE A POLCIA NOS PASESANGLO-AMERICANOS1

    Peter K. Manning

    2 Definies de polcia e da funo policial democrticaencontram-se em Manning (2003).

    3 Neste trabalho, polcia significa as caractersticasocupacionais e organizacionais da polcia anglo-america-na, e funo policial se refere a prticas, habilidades ecomportamentos daqueles que integram a polcia.

  • CA

    DER

    NO C

    RH

    , Sal

    vado

    r, v.

    18,

    n. 4

    5, p

    . 431

    -446

    , Set

    ./Dez

    . 200

    5

    432432

    OS ESTUDOS SOBRE A POLCIA NOS PASES ANGLO-AMERICANOS

    Em particular, tentarei relacionar a dinmi-ca social dos interesses e recompensas atinentesaos estudiosos da polcia com a produo e aqui-sio de conhecimentos sobre a polcia em si. Talperspectiva fixa a ateno nos pressupostos quedefinem o mbito do estudo, isto , nos temas ouconhecimentos que so aceitos sem questionamento.Com efeito, este trabalho se inicia com uma consi-derao sobre os fundamentos dos estudos sobrea polcia nos Estados Unidos e no Reino Unido.Em seguida, examinam-se as origens dos estudospoliciais nesses pases e a trajetria dos pesquisa-dores mais destacados nessa especialidade. Tam-bm se assinalam algumas diferenas quanto dis-ponibilidade de fundos para a pesquisa e treina-mento dos futuros pesquisadores sobre a polcia,analisando-as em termos das diferenas socioculturaisentre os dois pases. Em ambos, detecta-se umaobrigao moral, existente tanto implcita com ex-plicitamente, de fazer com que os estudos polici-ais contribuam para a configurao de uma pol-cia melhor.

    Adicionalmente, foram identificadas algu-mas tenses entre a pesquisa e a docncia, e faz-semeno s presses pblicas para a realizao deprojetos de pesquisa financiados em curto prazo.Meu ensaio conclui com algumas reflexes sobreo futuro dos estudos sobre a polcia.

    UMA VISO GERAL

    Consideremos, em primeiro lugar, as rese-nhas bibliogrficas no campo dos estudos sobre apolcia. Todas elas foram organizadas por temas eno pela sua orientao terica. As mais recentesso as de Loader e Sparks (2002), Bowling e Foster(2002, agora em sua terceira edio) e dois captu-los e prlogos preparados por Tim Newburn (2003).Outras resenhas bibliogrficas de importncia soCain (1979), Bayley, (1975, 1985, 1992, 1994),Reiner (1992, 2000, 2000a), Smith e Gray (1985), eReiss (1973, 1992). H trs revises gerais do cam-po de estudos policiais que so bastante impor-tantes (Bayley; Shearing, 1996; Johnston; Shearing,

    2003; Loader; Mulchay, 2003). Tambm forampublicadas vrias compilaes de grande utilida-de (Hough; Clarke, 1979; Punch, 1983; Leishman;Loveday; Savage, 1996; Weatheritt, 1986; Brodeur,1998; Weisburd; Waring, 2000). Fontes de consul-ta recentes e essenciais para essa especialidade soo Oxford Handbook of Criminology, Compndiode Criminologia da Universidade de Oxford(Maguire; Morgan; Reiner, 2002), o qual est emsua terceira edio e oferece uma visoparcimoniosa sobre a delinqncia e o controlesocial, e o Compndio de Estudos Policiais(Handbook of Policing) compilado por Newburn(2003).

    OS ESTUDOS SOBRE A POLCIA NOS PA-SES ANGLO-AMERICANOS

    Em segundo lugar, vejamos quem so osestudiosos que modelaram a investigao sobre apolcia. As figuras mais destacadas so poucas e,de fato, observa-se a grande influncia de nomuitas obras, por exemplo, as de William Westley([1950]1977) sobre a violncia e a polcia, deMichael Banton (1964) sobre a polcia na comuni-dade de Skolnick (1966), sobre a justia semjuzo, de James Q. Wilson (1968), sobre as varie-dades do comportamento policial, de Maureen Cain(1972), sobre o papel da polcia na sociedade, deBittner (1972), sobre as funes da polcia, e deReiss (1973), sobre a polcia e o pblico. Tambmtiveram impacto mais recente as obras de Punch(1979),4 Smith e Gray (1985), Reiner (1991),Waddington (1991, 1999), Fielding (1984, 1995),e Holdaway (1979, 1983, 1996). Salvo os casos deWilson (politlogo) e Banton (antroplogo), todosos demais autores aqui citados so socilogos.

    Dois livros muito promissores no obtive-ram muita ateno por parte dos especialistas: oestudo sobre a interao entre a polcia e o pbli-

    4 Mesmo que o livro de Punch trate sobre a polcia deAmsterdam, includo aqui porque influenciou sobreseu livro posterior muito citado, referente corrupopolicial (Punch, 1985).

  • CA

    DER

    NO C

    RH

    , Sal

    vado

    r, v.

    18,

    n. 4

    5, p

    . 431

    -446

    , Set

    ./Dez

    . 200

    5

    433433

    Peter K. Manning

    co, realizado atravs da observao sistemtica porSykes e Brent (1983), e a breve (quase inconclusa)exposio de uma teoria da polcia por parte deKlockars (1983).

    Adicionalmente, havia dois livros que exer-ceram considervel influncia sobre outros estu-dos policiais de sua poca, mas que, atualmente,so pouco citados: o estudo etnogrfico da PolciaMetropolitana de Londres, realizado com grandeperspiccia e compreenso por Peter Laurie (1972),e o estudo da mo de obra policial, levado a cabopor Martin e Wilson (1969). Alguns dos autores-investigadores de maior renome (Reiner, Manning,Bayley, Newburn) publicaram apenas resenhas eresumos dos estudos policiais, sem os resultadosde projetos de investigao.5 E contribuies im-portantes para o estudo da polcia anglo-america-na tambm provieram de autores localizados nospases da Comunidade Britnica, tais comoMargaret Beare, Janet Chan, Richard Ericson, ChrisMurphy, Jean Paul Brodeur, Clifford Shearing ePhilip Stenning.

    Em terceiro lugar, essas pessoas-chave nosestudos sobre a polcia constituem uma espciede rede de relaes. Atravs dessa rede, fluem asrecompensas e as sanes que estabilizam a hie-rarquia nela existente, ou seja, os convites paraescrever, para visitar, para expor, para integrar-se abancas de teses de doutorado em vrios pases (re-compensas), e as intrigas, a competncia e a inveja(sanes). A maioria das pessoas mais destacadasno teatro dos estudos policiais se conheceu desdeos anos 1970; participaram de reunies acadmi-cas sobre a polcia nos Estados Unidos, ReinoUnido, Canad e Europa Ocidental; figuraram noslivros publicados sobre a matria; e resenharam eaplaudiram os livros publicados por seus pares.

    Normalmente, foram beneficirios de mui-tos dos financiamentos provenientes das poucasinstituies que promovem os estudos policiais o Instituto Nacional de Sade mental (NIMH, nasigla em ingls), a Fundao Nacional para a Cin-

    cia (NSF),6 e o Instituto Nacional de Justia (NIJ) eseus antecessores nos Estados Unidos, o Minist-rio de Justia (Solicitor Generals Office) no Cana-d e os Ministrios do Interior (Home Office, tantona Esccia como em Londres) no Reino Unido.Vimos uma circulao das elites, isto , um mo-vimento de profissionais entre Estados Unidos eInglaterra, entre os organismos governamentais dejustia e a academia, e entre as fundaes privadase as universidades. Por exemplo, o Ministrio doInterior britnico foi a incubadora de uma quanti-dade aprecivel de professores nos Estados Uni-dos e no Reino Unido, entre eles, Mike Hough,Ken Pease, Ronald Clarke, Nick Tilley, Tim Hopee Time Newburn; e a Fundao para a Polcia (PoliceFoundation) nos Estados Unidos promoveu umintercmbio de pesquisadores entre os dois pa-ses. As figuras mais destacadas viveram,pesquisaram e ensinaram, mesmo que brevemen-te, em ambos os lados do Atlntico, aproveitandocontratos, bolsas, doaes e cargos como professo-res visitantes. Muitos pesquisadores trabalharampor perodos considerveis de tempo em pasesdistintos de seus pases de origem FrancesHeidensohn, John Van Maanen, Peter Manning,Clive Norris, Nigel Fielding, Michael Banton, DavidBayley, Lawrence Sherman, Margaret Beare, JanetChan, Philip Stenning, Clifford Shearing, RichardEricson, Betsy Stanko, Jean Paul Brodeur, e outros(policiais e profissionais) que aceitaram ofertascomo professores visitantes no Reino Unido e nosEstados Unidos.

    Alguns vnculos foram fortemente estabele-cidos, como a relao mantida ente o Colgio Naci-onal de Treinamento Policial de Bramshill (ReinoUnido) e o colgio John Jay de Justia Criminal(Nova York), enquanto outros vnculos foram in-formais. Algumas das universidades que tiveramum papel-chave nesses intercmbios foram a Uni-

    5 Reiner (2000) continua revisando o texto de seu livro, oqual j foi publicado na sua terceira edio.

    6 Ainda que atualmente seja raro que a Fundao Nacionalpara a Cincia financie pesquisas sobre a polcia, essaorganizao patrocinou o projeto ambicioso de Sykes,Brent e Clark (publicado por Sykes e Brent em 1983) e aobra de David Bayley (1985); o Instituto Nacional deSade Mental patrocinou e publicou o brilhante traba-lho de Bittner (1972) sobre as funes da polcia nasociedade moderna.

  • CA

    DER

    NO C

    RH

    , Sal

    vado

    r, v.

    18,

    n. 4

    5, p

    . 431

    -446

    , Set

    ./Dez

    . 200

    5

    434434

    OS ESTUDOS SOBRE A POLCIA NOS PASES ANGLO-AMERICANOS

    versidade Estadual de Michigan, o Instituto deTecnologia de Massachussets (MIT), a Universi-dade estadual de Nova York em Albany, o ColgioGoldsmith e a Escola Londrina de Economia (LSE),ambos pertencentes Universidade de Londres, aUniversidade de Oxford (tanto atravs de seu Cen-tro de estudos Scio-legais como do Centro paraCriminologia), a Universidade de Cambridge e aUniversidade de Surrey.

    Em quarto lugar, at os anos 1980, um pe-queno grupo de universidades desempenhou umpapel fundamental no crescimento dos estudossobre a polcia. Elas incluem o Instituto deCriminologia de Cambridge; o Centro para aCriminologia e o Centro Wolfson de Estudos S-cio-legais de Oxford; o Instituto de Criminologiada Universidade de Sheffield, e o CentroMannheim da Escola Londrina de Economia, noReino Unido; a Universidade de Toronto, no Ca-nad e, talvez, a Universidade Estadual deMichigan,7 a Universidade de Harvard e a Univer-sidade Estadual de Nova Iork em Albany, nos Es-tados Unidos. Por outra parte, a Fundao para aPolcia (Police Foundation) e o Frum de Investi-gao dos Executivos Policiais (PERF, na sigla emingls), ambos nos Estados Unidos, apoiaram pro-jetos muito importantes de pesquisas, ao mesmotempo em que celebraram contratos curtos comvrios acadmicos, como diretores de investigaoou assessores.

    Poucas so as fontes de financiamento dire-to para os estudos policiais, e elas se ampliaramcomo respostas s crises de confiana na polcia,geradas pelos meios de comunicao. Tanto nosEstados Unidos como no Reino Unido, os estu-dos sobre a polcia foram financiados, apoiados emoldados pelas polticas dos governos centrais,

    pelas crises no trabalho policial e os informes ofi-ciais levantados em torno dessas crises (o InformeKoerner, o Informe McCone, o Informe Scarman, oInforme MacPherson, etc.), e, ocasionalmente, pelateorizao incipiente.8 Por outro lado, muitas in-vestigaes iniciais sobre a polcia no receberamfinanciamento direto, e foram realizadas como te-ses de doutorado, de investigadores que trabalha-vam por conta prpria, como Van Maanen, Punch,Manning, Holdaway, e Chatterton.

    ALGUMAS DIFERENAS SOCIOCULTURAIS ELEGAIS DE IMPORTNCIA NA ORGANIZA-O E FINANCIAMENTO DOS ESTUDOSSOBRE A POLCIA NO REINO UNIDO E NOSESTADOS UNIDOS

    Talvez a diferena mais importante entre osdois pases que, no Reino Unido, o governo cen-tral teve uma presena ativa e simblica e exerceuuma liderana no financiamento dos estudos poli-ciais, enquanto que, nos Estados Unidos, o gover-no central no protagonizou esse papel. No ReinoUnido, as inovaes em software, em padres deinvestigao, em formatos estatsticos e em base dedados se iniciam no centro, com financiamento deLondres e, freqentemente, se localizam na mes-ma cidade; com o tempo, so adotadas com ampli-tude para o resto do pas. Algumas dessas iniciati-vas obedecem a mandatos do Ministrio do Interi-or. Paralelamente a esse processo, encontra-se opapel central desempenhado pelo governo na con-cesso de recursos para a polcia (e a auditoria cor-respondente), a seleo e avaliao dos contratospara os Chefes Regionais da Polcia, a avaliaodos corpos policiais em termos das pautas elabo-radas pelo prprio Ministrio e por Inspetores Reaisde Polcia, a orientao das polticas nooperacionais e o estabelecimento de pautas para a

    7 Em 1971, Michael Banton visitou a Universidade Esta-dual de Michigan, Estados Unidos, atendendo a um con-vite que lhe fez Louis Radelet. Banton passou vriosdias em Michigan, fazendo conferncias e seminrios.Tive a oportunidade de conhec-lo e ele me motivou arealizar um ano sabtico na Inglaterra. Posteriormente,em 1971, a Universidade Estadual de Michigan tambmrecebeu Stephen Brooks, da Polcia Metropolitana deLondres, que me ajudou a realizar um estudo de camponesse corpo policial em 1973, o que levou publicaode meu livro sobre o trabalho policial (Police Work,Manning [1977], 1997).

    8 Devo muito resenha desses temas no Reino Unidoelaborada por Tim Newburn (2003), que descreve, demaneira detalhada, a interao entre acontecimentos,delitos e polticas governamentais para a polcia desde ofinal dos anos 1980.

  • CA

    DER

    NO C

    RH

    , Sal

    vado

    r, v.

    18,

    n. 4

    5, p

    . 431

    -446

    , Set

    ./Dez

    . 200

    5

    435435

    Peter K. Manning

    capacitao e ascenso de policiais.Nos dois pases, o centro (as foras gover-

    namentais) e a periferia (pesquisadores, univer-sidades e cidados) tm significados importantes,embora distintos. No Reino Unido, h uma maiorcentralizao dos institutos de pesquisa (em me-nor quantidade de universidades), do financiamen-to para a pesquisa (Ministrio do Interior e algu-mas fundaes privadas), da capacitao dos efeti-vos policiais (Colgio de Bramshill e colgios decapacitao regionais), das atividades policiais emgeral (por exemplo, a Polcia Metropolitana, quetem algumas funes de polcia nacional, que cons-titui o maior corpo policial do pas e cuja jurisdi-o se encontra na maior cidade Londres) e dasnormas legais e procedimentos policiais. Tambmno Reino Unido presta-se maior ateno sistemti-ca aos mecanismos locais e nacionais de controleda polcia por parte da comunidade, e existe mai-or consenso cultural sobre o que se pode esperarda polcia pblica. Como assinala Newburn (2003),depois de 1945 o impacto do governo central so-bre a polcia foi muito grande, embora no tenhahavido um s efeito sobre a centralizao e a con-solidao. Contudo observou-se uma tendnciapara uma gerncia racional, para decises basea-das em polticas previamente estabelecidas e parao desenho dos sistemas de controle da polcia. bastante evidente que um sistema parlamentar, queune a dotao de recursos econmicos atravs deuma administrao centralizada, com a funolegislativa, pode promover mudanas nas prticaspoliciais. No Reino Unido, a inovao irradia docentro, gerada, regulamentada e apoiada pelo Mi-nistrio do Interior por leis parlamentares e ins-trues dos Inspetores Reais de Polcia.

    Em muitos sentidos, como se deve ter nota-do, com freqncia o pressuposto centralizado, asinstrues do Ministrio do Interior e os efeitosque essas ltimas tiveram sobre objetivos, indica-dores de rendimento e metas nas agncias comu-nitrias (no somente na polcia) aproximaram asombra da racionalizao cada vez mais da insti-tuio policial. A influncia do gerencialismosobre a polcia, agora concebida como um servio

    pblico orientado para consumidores, teve maiorimpacto no Reino Unido, porque foi vinculadocom as polticas oramentrias e operativas doMinistrio do Interior. Existe alguma competioem torno de orientaes e preocupaes entre asagncias de financiamento central, como, por exem-plo, entre a unidade de polcia do Ministrio doInterior e os estudos realizados pela unidade deinvestigaes do mesmo ministrio sobre a pol-cia, a preveno do delito e temas afins. Contudo,existe bastante cooperao, exemplificada pelaAssociao (Britnica) de Chefes de Polcia (ACPOna sigla em ingls), que admitiu vrios chefes depolcia com ttulos acadmicos e conhecimentosprticos especializados, e que chegou a colabo-rar com o Ministrio do Interior, sugerindo e apoi-ando variados temas de pesquisa.

    Nos estados Unidos, no h uma divisoentre as fontes de financiamento, dado que quasetoda a pesquisa sobre a polcia patrocinada peloDepartamento de Justia, atravs do Instituto deJustia ou do Programa de Polcia Orientada para aComunidade (COPS, na sigla em ingls). Tambmas pesquisas financiadas por outros setores doDepartamento de Justia, como a Oficina de Esta-tstica Judicial e a Oficina para a Justia Juvenil ePreveno da Delinqncia Juvenil, parecem teros mesmos objetivos e uma orientao similar quan-to aplicabilidade dos resultados. Alguns estu-dos sobre a polcia so financiados pelo InstitutoNacional de Sade Mental (NIMH), o InstitutoNacional de Abuso do lcool (NIAA), o Departa-mento de Defesa, o Departamento de Energia e aFundao Nacional de Cincias, a maioria delescom orientao terica, fundamentados mais naanlise organizacional ou na psicologia social ex-perimental, do que na necessidade de respostas aproblemas e preocupaes prticas.

    Alm disso, uma vez que se incursiona nolabirinto do financiamento federal, muito prov-vel descobrir que o tema da polcia estudado emrelao com outros assuntos de interesse para osdepartamentos de Estado, Educao e AssuntosUrbanos. Nos Estados Unidos, enquanto o Insti-tuto Nacional de Justia e o programa COPS so

  • CA

    DER

    NO C

    RH

    , Sal

    vado

    r, v.

    18,

    n. 4

    5, p

    . 431

    -446

    , Set

    ./Dez

    . 200

    5

    436436

    OS ESTUDOS SOBRE A POLCIA NOS PASES ANGLO-AMERICANOS

    fontes importantes de financiamento, a inovao um processo particularmente local e regional, maisque uma emanao do governo central. O ambien-te poltico e econmico dos Estados Unidos favo-rece financiamentos e controles financeiros emmbito local, contando para isso com a existnciamuito significativa, em mbito privado, de associ-aes caritativas, fundaes e organizaes para ainvestigao, que financiam e realizam estudos emmbitos no acadmicos. Com tudo isso, os oitobilhes de dlares que o programa COPS investiunos programas policiais em mbito local no surti-ram um efeito observvel. Finalmente, o grandepolvo que o novo Departamento de Seguranada Ptria (Homeland Security) canaliza dinheiropara as polcias locais de diversas maneiras. Essepadro de inovao e difuso contribui para ainstitucionalizao da pesquisa nos grandes de-partamentos de polcia urbana nos estados Uni-dos; contudo no se detecta a sombra da racionali-zao.

    Algumas diferenas entre os pases so ig-noradas, como, por exemplo, a maneira muito maissofisticada com que a polcia britnica maneja suasrelaes com os meios de comunicao (Mawby,2002) e a natureza parcialmente oculta da PolciaReal de Ulster na Irlanda do Norte, como uma agn-cia de garantia da paz num ambiente quase revolu-cionrio (Brewer, 1991; Johnston; Shearing, 2003).Numa brilhante exposio, Loader e Mulcahy(2003) propem que a polcia deve ser entendidacomo uma faceta da cultura (definida de modoamplo) dentro de um ambiente sociocultural, his-trico e institucional. Em que pese a redefiniode seu papel, a polcia britnica permanece comoum smbolo poderoso do melhor da sociedade in-glesa; o que no pode ser dito do caso dos estadosUnidos, onde, simplesmente, temos a polcia quemerecemos. Num projeto de pesquisa ainda emandamento, Newburn examinou a tendncia adoo, sem a devida reflexo, por parte do ReinoUnido, de programas americanos, tais como apoltica de tolerncia zero, ou a perspectiva deventanas rotas. Por outro lado, o papel da pol-cia privada est ainda para ser elucidado, mesmo

    que os trabalhos de Johnston (1992), Jones eNewburn (1998) e Rigakos (2003) ofeream pers-pectivas e temas potencialmente interessantes so-bre essa temtica.

    Por outro lado, h outras diferenas entreos pases, que aparentemente precisam serinvestigadas; contudo essas diferenas tendem aser exageradas pelos pesquisadores. Entre elas,encontramos interrogaes sobre o grau em que acultura, as tradies e as relaes sociais de cadapas influem sobre suas prticas policiais. Consi-deremos, a ttulo de exemplo, as seguintes inquie-taes a respeito do que tem sido tomado comosupostos sobre as prticas e violncias da polcia. importante perguntar:

    Se a cultura ocupacional da polcia tem a mes-

    ma forma e contedo em ambos os pases; e,sendo assim, por qu?

    Se a polcia britnica mais ou menos violenta

    (em seu trabalho cotidiano) que a polcia dosEstados Unidos. Os estudos realizados porMastrofski, citados mais adiante, permitem per-filar padres americanos de atuao, mas no hestudos equivalentes de observao sobre essetema no Reino Unido. Em todo caso, consulte-se Norris (1993).

    Se o status da polcia e da funo policial se

    elevou ou deteriorou nos ltimos 40 anos.

    Se o papel da educao e do treinamento teve

    impacto nas prticas policiais.

    Se a gerncia e o gerencialismo esto mol-

    dando as atividades dos oficiais de polcia (comgrau superior ao de sargento).

    Se a polcia se tornou mais cientfica, com mai-

    or orientao para a vigilncia, uma maior preo-cupao com o manejo de riscos e uma menorpreocupao com o controle e a sano da delin-qncia e da desordem.

    Se o enfoque da polcia comunitria transformou

    as estratgias e tticas da polcia anglo-america-na.

    Se as tecnologias da informao modificaram as

    prticas policiais.

  • CA

    DER

    NO C

    RH

    , Sal

    vado

    r, v.

    18,

    n. 4

    5, p

    . 431

    -446

    , Set

    ./Dez

    . 200

    5

    437437

    Peter K. Manning

    Se os procedimentos, padres e trabalho dos de-

    tetives so, hoje, os mesmos relatados por Ericson(1981), h 25 anos.9

    ALGUMAS ANOMALIAS NAS PESQUISASSOBRE A POLCIA

    til diferenciar a sociologa da polica dasociologa para a polcia (Banton, 1971). A socio-logia da polcia se ocupa da relevncia das teoriase conceitos aplicados organizao e ocupaopoliciais e os impactos que tm sobre ela; ou seja, um empreendimento impulsionado analiticamen-te e se fundamenta em dados empricos. Essa soci-ologia foi moldada poderosamente por um punha-do de pesquisadores e de acontecimentos polti-cos. Exagerando um pouco o contraste, a sociolo-gia para a polcia se dedica a objetivos de melhoria e busca elevar o status, a gerncia e o nvel derendimento da polcia, ao tempo em que intentadiminuir os problemas, tais como a corrupo e aviolncia policial. Um compromisso com os estu-dos para a polcia poderia obrigar a uma entregadiscriminada de fatos e achados, a uma supressode contradies e impedimentos, com uma dispo-sio de agradar o pblico policial mais que aum pblico acadmico ou intelectual. Em todo caso,alguns pesquisadores com opinies polticas mui-to contundentes focalizam essa percepo, pararessaltar suas perspectivas mais pessimistas e ne-gativas sobre a polcia.

    Tal o caso de Roger Grimshaw e TonyJefferson (1987). Tambm poderamos acrescentarque, nos Estados Unidos, os estudos pragmticosde Kelling e Coles (1996) e Wilson e Kelling (1983)raras vezes foram submetidos a crticas profundasdo mrito, crticas que assinalariam a qualidadeintelectual heterognea e, s vezes, duvidosa deseu trabalho, e os juzos de valor subjacentes a

    afirmaes que supostamente se baseiam em da-dos empricos. O compromisso de Kelling e seuscolaboradores com a polcia e a funo policial,mais do que com a academia.10 H uma tensopermanente no governo dos Estados Unidos entrea necessidade de manter um espao potencial paracontratar a empresa privada e a importncia deprojetar uma reputao como um ente que solicitae financia pesquisas de alta qualidade, realizadaspor pesquisadores universitrios. Mesmo que nohaja uma diferena marcante entre as universida-des e as empresas privadas, a escassez de fundospode gerar conflitos. Por outro lado, a sobrevivn-cia das grandes fundaes e organizaes dedicadas pesquisa requer que elas participem dos estudospoliciais e que ponham a melhor aparncia em seusresultados.

    H grandes dificuldades em formularinferncias e em estabelecer o domnio deaplicabilidade das generalizaes que resultam dapesquisa. Consideremos, por exemplo, as genera-lizaes sobre a polcia anglo-americana que se fun-damentam em dados empricos muito concisos(como, por exemplo, as afirmaes de Bayley [1985]sobre o nvel de demanda pblica para a ativaopolicial, baseadas unicamente em dados sobre aschamadas polcia); e, por outro lado, os estudosde caso etnogrficos, que tratam Estados Unidos eReino Unido como se fossem implicitamente com-parveis (Manning, 1977, 1988; Forst; Manning,1999). Esses problemas mantero sua vigncia namedida em que a polcia democrtica permane-a com o modelo utilizado pelos Estados Unidosna sua poltica exterior.11

    9 O livro recente de Martin Innes, Investigating Murder (AInvestigao Policial do Homicdio, Oxford, 2003) umestudo importante sobre esse tema; todavia refere-seaos detetives vinculados diviso de homicdio num scorpo policial ao sul da Inglaterra.

    10 Tambm incluo como proposies a serem criticadas: aafirmao de que o Departamento de Polcia de NovaIork reduziu a taxa de delitos; que esse departamento depolcia a melhor polcia do mundo; que o conceito delas ventanas rotas constitui uma teoria (no ); quesomente Kelling sabe como conduzir um departamentode polcia; e que as proposies formuladas no ensaiosobre las ventanas rotas podem ser generalizadas paraoutras jurisdies. Para crticas importantes desses te-mas, consulte-se Harcourt, 2001; e Taylor, 2001.

    11 Aqui incluo a vinculao dos militares s atividadespoliciais, portanto, uma invaso; os vnculos entre aconstruo de naes e a funo policial; a exportaoda funo policial como se fosse um bem qualquer; eos problemas associados criao de uma polcia estatal,que no existia antes, ou somente teve uma presenadbil.

  • CA

    DER

    NO C

    RH

    , Sal

    vado

    r, v.

    18,

    n. 4

    5, p

    . 431

    -446

    , Set

    ./Dez

    . 200

    5

    438438

    OS ESTUDOS SOBRE A POLCIA NOS PASES ANGLO-AMERICANOS

    Consideramos, no marco dos problemas degeneralizao e inferncia, o tema das origens, dopapel e das conseqncias da culturaocupacional ou subcultura da polcia (cf. Reiner,2000; Reiner 1992, nota 16, p. 465, com Holdaway,1979, 1983; Manning 1977, 1988,1992; todos elescom Waddington, 1999a). Como revelam os textossobre a polcia e o sistema de justia penal, osestudos americanos sobre a polcia empregam umaconcepo estreita, estereotipada e parcialmenteequivocada da cultura ocupacional, que se ba-seia em idias e dados coletados h uns trinta anossobre as opinies e observaes de efetivos polici-ais masculinos, de raa branca, que trabalhavamnas zonas de abundante delinqncia das cidadesamericanas maiores.

    A imagem resultante enganosa. Se bemque Skolnick (1966), baseando-se em parte na obrade Westley (1977), tenha dedicado algumas pgi-nas de seu livro idia de cultura ocupacional ede personalidade da polcia, esse conceito j seconverteu em leitmotiv do perfil da polcia nostextos escolares (por exemplo, Siegel, 2000). Ou-tros investigadores utilizam a cultura ocupacionalcomo um determinante ou (se quiserem) uma vari-vel independente, e tratam o comportamento (aviolncia, as infraes, a corrupo) como a vari-vel dependente. Alguns concebem o comportamen-to como uma varivel dependente, produto de umconjunto complexo de determinantes situacionaise das tenses que se originam dentro e fora daorganizao (Mastrofski; McCloskeye; Reisig, 2002;Alpert; Dunham, no prelo). Shearing e Ericson(1991) tratam o conceito da cultura ocupacionalcomo uma configurao ou conjunto de idias evalores que constituiriam um recurso do qual sepoderia dispor para conectar com as experinciascruas, fragmentadas e estranhas, os episdios eintervenes, os encontros entre a polcia e o p-blico. Assim, para esses autores, a culturaocupacional no seno uma espcie de caixa deferramentas. Em minha opinio, melhor assu-mir como hiptese de trabalho que a culturaocupacional pode dar conta do comportamentopolicial, em vez de trat-la como um conceito geral

    que explica tudo e, em conseqncia, no explicanada (Crank, 2003). A maioria dos estudos sobrea cultura ocupacional deixa de medir o contextoorganizacional do comportamento (algumas exce-es a essa tendncia seriam Mastrofski;McCloskey; Reisig, 2002; Jermier et al, 1991;Terrill; Paoline; Manning, 2003).

    Esses estudos tampouco estabelecem umadiferenciao entre a organizao policial, compostaem uma quarta parte por civis (incluindo advoga-dos, investigadores forenses, operadores e pesso-al de manuteno) e o trabalho policial em si; nementre as tarefas e prticas do trabalho policial e asmaneiras como elas se apresentam em relatos ver-bais e escritos. Embora nenhuma investigao, salvoo estudo de John Clark (1965) sobre o papel dapolcia, tenha mensurado qualquer dessas vari-veis em diferentes mbitos culturais, o conceito deuma cultura ocupacional permanece como temamuito importante na literatura britnica sobre apolcia e a funo policial. Representa uma vari-vel que d conta de tudo, desde as amizades queos policiais mantm at os nveis de violncia notrabalho policial.12

    Paralelamente a essa situao, observa-se umetnocentrismo nos estudos sobre a polcia nosEstados Unidos e, em menor grau, no Reino Uni-do. Os estudos americanos so aparentementesupranacionais, mas, na realidade, so estreitos,etnocntricos e paroquiais. Em particular, o cres-cimento e a exportao da concepo americanade polcia sob qualquer nome: polcia democr-tica, polcia comunitria, ou simplesmente afuno policial descarta as tradies e impedi-mentos culturais, polticos, histricos e econmi-cos da nao receptora.13 No surpreende, en-

    12 Por exemplo, h poucas semanas recebi um texto sobrejustia penal que cita vrias listas de crenas dos polici-ais. Por sua vez, essa lista faz eco com uma lista que eumesmo publiquei em 1970 (escrita em 1967-68), a qual,naquele momento, representava uma compilao-ten-tativa de minhas impresses no fundamentadas, emprocesso de observao sistemtica. As listas desse tipoaparecem em quase todos os textos sobra a polcia e, namelhor das hipteses, no so mais do que clichs quedatam de 40 anos.

    13 Essa estreiteza de viso agora faz parte da poltica exteri-or dos Estados Unidos, e de um aspecto do que poder-amos denominar a exploso mundial do poder america-no em vrios pases, incluindo as invases recentes do

  • CA

    DER

    NO C

    RH

    , Sal

    vado

    r, v.

    18,

    n. 4

    5, p

    . 431

    -446

    , Set

    ./Dez

    . 200

    5

    439439

    Peter K. Manning

    to, que os estudos americanos sobre a polcia res-trinjam o significado da funo policial, do pa-pel da policia e da cultura ocupacional aos con-ceitos que existem nos Estados Unidos sobre es-ses fenmenos, omitindo as semelhanas e dife-renas entre o mbito anglo-americano e focalizan-do a ateno na polcia pblica. As investigaespublicadas evitam, quase por completo, uma con-siderao das comparaes transnacionais maiscomplexas e das novas ou emergentes formas detrabalho policial:

    A polcia nos pases islmicos (Ir, o anterior

    Iraque, e as naes da Pennsula da Arbia).

    As polcias totalitrias (Rssia, Alemanha sob

    Hitler, Taiwan sob a lei marcial).

    Os tipos de polcia continental (alem, italiana,

    espanhola) e as variedades histricas dessesmodelos nos pases de origem como no mundoanglo-americano.

    A polcia transnacional e os operativos polici-

    ais vinculados s intervenes das Naes Uni-das (DeFlem, 2003; Scheptycki, 2000, 2002).

    A polcia privada e corporativa e a indstria

    militar privatizada, contratadas por diversasnaes (Singer, 2003).

    A regulao e a vigilncia policial na Internet,

    tanto nacional como internacionalmente.Os temas atuais da polcia transnacional,

    da polcia democrtica e da globalizao s po-dero ser analisados em detalhe, se contarmos comestudos de caso minuciosos, realizadosetnograficamente. Assim, talvez possamos pr emevidncia as prticas que se associam com essesfenmenos de to forte significao moral.

    As diferenas entre os tipos ideais de pol-cia pblica e privada so ainda mais impreci-sas (Johnston, 1992; Rigakos, 2003; Forst;Manning, 1999; Jones; Newburn, 1998) e, na au-sncia de estudos etnogrficos detalhados, s po-demos especular sobre nmeros, custos, conse-

    qncias, violncia e funes dessa ltima. Emgeral, os pases com uma tradio continental pos-suem corpos policiais pblicos com maiores n-veis de diferenciao interna, como, por exemplo,os Gendarmes e os Carabinieri, e tm poucos cor-pos de polcia privada (Bayley, 1975). Ao contr-rio, os paises com tradio de direito consuetudi-nrio tm grandes corpos policiais, tanto pblicoscomo privados, e um nmero relativamente gran-de de efetivos por cada mil habitantes. Na medidaem que se debata sobre o tema da segurana naci-onal, poder ser requerido um estudo maior dopapel da policia privada na construo da segu-rana pblica e da ordem poltica.

    AS ORGANIZAES, AS PRTICAS E ASCRENAS TM EFEITO SOBRE O COMPOR-TAMENTO DA POLCIA

    Um corpo crescente de conhecimentos in-dica que os estudos das prticas policiais dentrode um contexto organizacional faro um uma con-tribuio importante para as novas linhas dedocncia e pesquisa. Nesse sentido, cabe mencio-nar as pesquisas recentes e inovadoras de Fielding,Newburn e seus colegas no Reino Unido e deMastrofski e outros colegas,14 e Alpert e Dunham(no prelo) sobre a interao entre a polcia e o p-blico nos Estados Unidos. Essa nova linha de in-vestigao reflete uma continuidade com a obser-vao do trabalho policial em trs grandes cidadesdos Estados Unidos, realizada por Reiss e Blackh 35 anos (resumida em Reiss, 1973). O mbitoda interao entre a polcia e a cidadania estuda-do atravs de observao mais direta e mais deta-lhada, seguida de melhores tcnicas para o mane-jo e agregao dos dados e de avaliaes mais sis-temticas da qualidade dos dados. Em vez da con-

    Afeganisto e do Iraque. A funo policial um bemde exportao, para ser utilizada na criao do poder mi-litar e econmico e como um conceito que legitima odesenvolvimento de uma polcia nacional.

    14 Nesse sentido, refiro-me a Roger Parks, Jeff Snipes, RobWorden, Robin Engel, Megan Stroshine, Bill Terrill,Christina Polsenberg e outros que trabalharam no proje-to POPIN (Policing of People in Neighborhoods O tra-balho policial com pessoas das comunidades vizinhas),com financiamento de 1,5 milhes de dlares doadospelo NIJ-COPS, e coordenado por Stephen Mastrofski,que, nesse momento, trabalhava na Universidade Esta-dual de Michigan.

  • CA

    DER

    NO C

    RH

    , Sal

    vado

    r, v.

    18,

    n. 4

    5, p

    . 431

    -446

    , Set

    ./Dez

    . 200

    5

    440440

    OS ESTUDOS SOBRE A POLCIA NOS PASES ANGLO-AMERICANOS

    cluso simples de que a funo policial constituium servio no muito efetivo para o controle dodelito, esses estudos produziram resultados deimportncia para o futuro, como, por exemplo:

    Os cidados iniciam maior quantidade de agres-

    ses contra a polcia do que a policia inicia con-tra eles.

    A violncia tem um efeito sobre a seqncia de

    interaes entre o cidado e a polcia, o qualdepende da primeira atuao do cidado.

    O treinamento, a superviso e a disciplina do

    efetivo policial influem sobre o nvel de violn-cia que se observa nas interaes entre polcia epblico.

    Algumas caractersticas dos efetivos policiais se

    associam com os nveis de fora que eles empre-gam (sexo, anos de servio, corpo depertencimento).

    A violncia policial tem uma incidncia direta,

    mas varivel, na populao de jovens negros (svezes, uma maior incidncia que no resto dapopulao, s vezes menor), a qual depende dacidade e do contexto organizacional.

    No geral, as interaes entre polcia e pblico so

    civilizadas, e so destinadas a ajudar o cidado(Mastrofski; McCloskey; Reisig, 2002).

    O controle verbal o tipo de interao mais fre-

    qente e mais exitoso.

    Os valores dos efetivos policiais influem sobre a

    freqncia e o tipo de fora empregada contra ocidado (Terrill; Paoline; Manning, 2003), e es-ses valores so reflexos dos distintos segmentosda subcultura ocupacional.

    Por outra parte, podemos assinalar que ainiciativa de maior importncia nos intentos paratransformar o trabalho policial a polcia comuni-tria teve um efeito poderoso e duradouro sobrea imagem e o inventrio retrico da polcia e, emparticular, sobre suas estratgias de apresentao.At o momento, ainda no sabemos com certezaqual foi o impacto dessa iniciativa sobre as prti-cas, os procedimentos e as estruturas da polciaem cada pas, ainda que os resultados j obtidos

    no sejam muito evidentes e, em alguns casos, noindicam ou indicam pouco efeito (Greene, 2000;Fielding, 1995). Em que pese os 8 bilhes de dla-res investidos pelo programa COPS na polcia ena polcia comunitria, quase no vimos esfor-os para explorar, ampliar, modificar e contrastaras teorias sociolgicas bsicas em relao organi-zao, ocupao ou comportamento dos efetivospoliciais (as excees so os estudos realizados porRosenbaum, 1996; Skogan; Harnett, 1998). O queconcluir de tudo isso? Que depois de 20 anos depromoo da idia da polcia comunitria por par-te dos governos, as fundaes privadas e as uni-versidades mais importantes, uma avaliao geraldas fortalezas e debilidades dessa iniciativa sugereque agora o que era antes: uma estratgia retricapara manter e transformar (ligeiramente) o manda-to policial (Brodeur,1998; Mastrofski; Greene, 1986;Greene, 2000; Maguire, 2003).

    ALGUMAS TENSES ADICIONAIS NA INVES-TIGAO SOBRE A POLCIA, DERIVADASDAS FONTES DE FINANCIAMENTO E DASPREOCUPAES DO PBLICO

    Se bem que a lista anterior represente umintento de especificar algumas das anomalias nainvestigao sobre a polcia, tambm se observamtenses entre os estudos realizados no cumprimen-to dos contratos de pesquisa e os estudos que bus-cam uma abordagem terica do tema. Ainda queocupem terrenos parcialmente compartilhados,esses dois tipos de estudo se orientam em termosde critrios distintos. As tenses assim geradasincluem aquela referente ao horizonte temporal dosestudos policiais (curto prazo versus longo prazo);a que surgiu no Reino Unido, como produto dointeresse poltico nas questes gerenciais e no con-trole do delito, atravs do manejo de dados; e aconcatenao de fundos para investigao, as dire-trizes programticas e a influncia do governo cen-tral no Reino Unido.

    Podemos ver uma tenso contnua na esferapolicial em ambos os pases entre o que poderia

  • CA

    DER

    NO C

    RH

    , Sal

    vado

    r, v.

    18,

    n. 4

    5, p

    . 431

    -446

    , Set

    ./Dez

    . 200

    5

    441441

    Peter K. Manning

    ser denominado de investigao terica,acumulativa e geradora de hipteses por um lado(por exemplo, os trabalhos de Westley, Banton, Caine Wilson mencionados anteriormente), e os estu-dos empricos e avaliativos de curto prazo, poroutro (basta ler qualquer revista profissional decriminologia para encontrar exemplos desses lti-mos). Como apontou Reiner (1992) h uma dca-da, os estudos sobre a polcia se caracterizaram,de um tempo para c, como os estudos da funopolicial e no como estudos da polcia como mani-festao de tendncias socioeconmicas e polti-cas mais amplas, como parte da economia polticade controle; como uma faceta da produo de no-vas desigualdades e contradies no estado demo-crtico, e como um tipo de organizao. E as rese-nhas dos estudos sobre a polcia preparadas porReiner (1992, 2000) se organizam em torno de te-mas como eficincia, treinamento, controle do de-lito, o papel dos controles legais e assim pelo esti-lo. A investigao sobre a polcia, tanto no reinoUnido (ver a resenha de Reiner) como nos Esta-dos Unidos (minha prpria concluso) impulsi-onada por temas de baixo nvel, derivados de pre-ocupaes programticas e no por inquietudestericas.

    Tambm se observa uma tenso no ReinoUnido, manifestada no Colgio de Polcia deBramshill, entre a anlise e controle do delito, deum lado, e as preocupaes sobre a gerncia e li-derana policiais, de outro. Essa tenso assumedimenses fsicas, porque o Centro Nacional paraa Anlise da Delinqncia localizado em umbunker subterrneo nos terrenos de Bramshill,enquanto o treinamento policial, em termos degerncia, anlises de programas, liderana etc. temlugar na manso do sculo XVII que d o seu nomeao lugar. Uma tenso similar no surgiu nos esta-dos Unidos, em parte porque no h semelhantecentro nacional de treinamento policial (a Acade-mia do FBI em Quntico nem uma instituioacadmica, nem oferece treinamento nacional) e emparte porque as presses para a construo de ba-ses de dados estatsticos que poderiam fundamen-tar o trabalho policial so ainda incipientes, alm

    de a capacidade tcnica de produo dessas basesser ainda primitiva.

    Na seo seguinte, quero formular algumassugestes sobre a maneira como as anomalias etenses mencionadas anteriormente poderiam afe-tar o carter atual e futuro dos estudos policiais.

    O FUTURO DOS ESTUDOS POLICIAIS

    Se bem que alguns trabalhos sobre a polciarecorram a uma orientao terica (por exemplo,as obras de Grimshaw; Jefferson, 1987; Bittner,1972; Chan, 1996, 2003; Manning, 1977, 1988;Reiss; Bordua, 1967; Black, 1980), no geral ateorizao sobre a polcia necessitou da transfor-mao de conceitos e inferncias disponveis emteorias existentes, como, por exemplo, a perspec-tiva marxista (Hall, 1978; Grimshaw; Jefferson,1987), da dramaturgia (Manning), dointeracionismo simblico (Fielding, Punch,Holdaway), do interacionismo condutista (Sykese Brent), e da anlise organizacional institucional(Reiss; Bordua; Crank; Langworthy, 1992).15

    Talvez o nico tema nos estudos policiaisque experimentou um processo sustentado decontrastao e modificao tenha sido o impactoda cultura ocupacional da polcia sobre o com-portamento da polcia, tanto no mbito da organi-zao como no de seu papel.

    Os apelos peridicos para aproximar-se dateorizao (Reiss, 1992; Cain, 1979; Bayley, 1992,1994; Reiner, 1992) no surtiram efeito. Dos inten-tos mais recentes de teorizao, o mais provocador o de Janet Chan (2003), que trata, no inteira-mente com xito, de adaptar as idias de Bourdieuao tema da socializao da polcia. Para diz-lo demaneira taxativa, os estudos sobre a polcia so

    15 Nenhuma teoria foi elaborada unicamente com base emdados e investigaes sobre a polcia. Alguns exemplosdesse tipo de procedimento (de tipo indutivo) emcriminologia so: (a) a teoria da associao diferencial deSutherland); (b) a teoria de Shaw e McKay sobre grupose delinqncia; (c) a teoria de Clinard e Hartnung sobreo delito de colarinho branco, e (d) a teoria de Felsonsobre os riscos rotineiros da vitimizao. Uma exceodo que estou afirmando poderia ser o estudo de Black(1980).

  • CA

    DER

    NO C

    RH

    , Sal

    vado

    r, v.

    18,

    n. 4

    5, p

    . 431

    -446

    , Set

    ./Dez

    . 200

    5

    442442

    OS ESTUDOS SOBRE A POLCIA NOS PASES ANGLO-AMERICANOS

    empricos e centram sua ateno sobre temas prag-mticos e urgentes, como a violncia excessiva,o abuso da autoridade, o nvel de satisfao doscidados com o trabalho policial, e os detalhesprogramticos da polcia comunitria. O grande eimpressionante acmulo desse tipo de estudos,realizados por pesquisadores eventuais, comoLawrence Sherman, Stephen Mastrofski, DavidWeisburd y Wesley Skogan, pelo grupo da KennedySchool (Universidad de Harvard), e pelos gruposde investigao tais como o Instituto de Direito eJustia (Institute of Law and Justice), o Institutode Estudos Urbanos (Urban Institute), o InstitutoLondrino para os Estudos de Polticas Pblicas(London Institute for Policy Studies), o Frumpolicial para a Educao e Investigao Policiais(Police Education and Research Forum, ou PERF),continua influindo sobre a investigao empricapublicada em criminologia e em estudos policiais.

    Os estudos acadmicos sobre a polcia soestratificados em ambos os pases, e os centros quemais se sobressaem disponibilizam professores,estudantes de doutorado e advogados para insti-tuies de segundo nvel, as quais, por sua vez,produzem alguma investigao e alguns candida-tos a doutorado nessa matria, e as quase emer-gentes universidades e colgios universitrios deterceiro nvel com sua orientao profissional.Essa situao se aproxima do que Wright Mills(1961) descreveu como os produtores, os atacadis-tas e os varejistas do conhecimento.

    Os produtores se caracterizam por ter pro-gramas de estudo estruturados, especializaesclaras, estudos dirigidos e superviso tutorial queconduzem a pesquisa e uma conscincia sobre osvnculos entre os estudos policiais e os desenvol-vimentos mais gerais na cincia social (incluindoos desenvolvimentos tericos). O mtodo primor-dial, quando esse objeto de ateno, tal comoocorre nos estados Unidos, o empirismoendmico, fundamentado em observaes, entre-vistas, questionrios ou registros oficiais. Atual-mente h muito pouca etnografia da polcia, masos aportes etnogrficos tendem a ser citados comfreqncia, sejam eles os estudos mais atuais (John

    Van Maanen, 1988; Nigel Fielding; Trevor, Jones)ou os estudos da gerao anterior (Westley;Rubinstein, 1972; Skolnick; Manning - ver cita-es anteriores). Essa situao um tanto estra-nha, dado que o objetivo da cincia social vincu-lar as prticas com as teorias e as crenas das orga-nizaes policiais.

    Como j foi dito, existem tenses contnuasdentro dos atuais arranjos institucionais no ReinoUnido e nos Estados Unidos. No existe uma aca-demia nacional de polcia, com responsabilidadepara treinamento, nos Estados Unidos, apesar dehaver algumas academias de treinamento regionais,apoiadas e financiadas pelo programa COPS; tam-bm se observa uma diviso entre as universida-des que oferecem programas de doutorado em es-tudos sobre a polcia e outras instituies de edu-cao superior (colgios universitrios estaduais,universidades pequenas e institutos universitri-os) que tm programas de justia criminal. Ago-ra existem programas de educao distncia narea de justia criminal, como, por exemplo, naUniversidade de Phoenix, nos Estados Unidos, ena Universidade de Athabasca, no Canad. Essetipo de diferena tambm observado, grossomodo, entre a Sociedade Estadunidense deCriminologia e a Sociedade Britnica deCriminologia, de uma parte, e a Academia de Ci-ncias da Justia Criminal (ACJS, na sigla em in-gls) nos Estados Unidos. No Reino Unido, asuniversidades de Plymouth, Leicester e Exetercontam agora com programas consolidados nasreas de polcia e justia criminal, e possvel teracesso aos estudos policiais oferecidos por essasuniversidades e pela Universidade de Cambridge,atravs do Colgio Nacional de Polcia emBramshill.

    Graas a uma srie de acontecimentos, pro-testos e manifestaes, os conceitos de estudospoliciais, de estudos sobre a justia e de justi-a criminal surgiram nos Estados Unidos nos fi-nais dos anos 1960, e vinte anos mais tarde noReino Unido (afirmao que no implica uma cr-tica negativa ao segundo pas nomeado, mas quesimplesmente quer propiciar a comparao entre

  • CA

    DER

    NO C

    RH

    , Sal

    vado

    r, v.

    18,

    n. 4

    5, p

    . 431

    -446

    , Set

    ./Dez

    . 200

    5

    443443

    Peter K. Manning

    ambos os pases). Nos estados Unidos, o marcoterico de referncia havia sido fixado nos anos1920, com o esforo de Augusto Vollmer de fazerdo trabalho policial uma profisso. A mesma no-o de profissionalismo foi ampliada pelo progra-ma de Lyndon Jonson, conhecido como a Admi-nistrao para Assistir ao Trabalho Policial (LawEnforcement Assistance Administration, ouLEAA), pelo Programa de Assistncia Polcia (LawEnforcementt Assistance Program, ou LEAP),quanto a benefcios educativos para a polcia, bemcomo pelos esforos dos sindicatos de polcia nosEstados Unidos para fazer com que a profissode polcia fosse a base para reclamar aumentossalariais (com pouco proveito adicional). Essa pres-so retrica surgiu no Reino Unido atravs daComisso Parlamentar encabeada por EdmundDavis, nomeada para estudar os soldos da polciae atravs dos aumentos de soldo concedidos pos-teriormente pelo governo de Margaret Thatcher,mas no envolveram, nem agora nem antes, pre-tenses de profissionalismo alegadas pelos pr-prios efetivos policiais. A massa crtica de estu-dantes e de outros consumidores dos estudos po-liciais na prxima gerao definida de maneiramuito distinta em cada pas.

    Duas conseqncias dos acontecimentospolticos que impulsionaram o desenvolvimentodos estudos sobre a polcia (e sobre oprocessamento da delinqncia) foram osurgimento e a adoo do conceito de sistema dejustia criminal e a criao dos colgios e escolasde justia criminal (nas universidades deKentucky Oriental e do Norte de Kentucky, naUniversidade Northeastern, e na UniversidadeEstadual de Michigan, onde antes o programa sechamava Administrao Policial, e na Universi-dade Estadual de Nova York em Albany, todas es-sas nos Estados Unidos). No fica claro como apalavra justia chegou a converter-se em umaetiqueta do sistema, nem como chegou a ser o nomedesses programas universitrios, embora esteja cla-ro que as universidades estaduais fora da Califrniadiferiam muito da Escola de Criminologia da Uni-versidade de Berkeley, fundada por Vollmer (e

    posteriormente fechada pelo ento GovernadorRonald Reagan). Enquanto as universidades esta-duais fora da Califrnia intentaram influir sobreas polticas pblicas mediante a educao ecapacitao no terceiro e quarto nvel, Vollmer tevecomo viso a consolidao de uma profisso cien-tificamente fundamentada. Atualmente, h poucapreocupao com a tica, a justia ou a igualdade,no que se refere ao trabalho policial, com as ni-cas excees, em ambos os pases, doscriminlogos crticos, alguns dos quais se deno-minam marxistas e de alguns filsofos. Noobstante, importante mencionar as crticas mo-rais implcitas nos textos-chave sobre a justia cri-minal, especialmente nas obras de W. J. Wilson(1987), Robert Sampson e colaboradores (1997), eDavid Garland (2001), os quais assinalam as con-seqncias de um crescimento massivo, apoiadopelos governos, da desigualdade nas sociedadescapitalistas, em termos do enfraquecimento que elaproduz na ideologia democrtica.

    Em minha opinio, nesses dois pases, aevoluo dos estudos sobre a polcia significou umarelocao dos mesmos em um conjunto academiaspoliciais regionais (associadas com corpos de po-lcia e com orientao prtica) e at em universida-des. Por sua vez, esse processo proporcionou asbases acadmicas para os programas dedoutoramento e de pr-graduao na rea da justi-a criminal nos Estados Unidos. Preocupa-me quehaja pouca ateno sistemtica sobre o problemada justia nos estudos policiais: no h tica, nemfilosofia; h pouca teoria (salvo as teorias sobregesto), e no h um esforo para refletir sobre osvalores e os objetivos da atividade policial.

    COMENTRIO FINAL

    Retomando a perspectiva da sociologia doconhecimento, devemos perguntar: como uma reade estudos gerada por pesquisadores criativos, quetrabalham de modo individual e com pouco ounenhum financiamento, se converteu numa es-pecializao com grande dependncia dos fundos

  • CA

    DER

    NO C

    RH

    , Sal

    vado

    r, v.

    18,

    n. 4

    5, p

    . 431

    -446

    , Set

    ./Dez

    . 200

    5

    444444

    OS ESTUDOS SOBRE A POLCIA NOS PASES ANGLO-AMERICANOS

    disponveis para a pesquisa, com resultados trivi-ais, frequentemente como produto de dinheiroescasso, e com um grande entusiasmo pelos es-tudos no tericos de qualquer tema da moda,como, por exemplo, o mal chamado perfil raci-al?16 O comportamento tpico do atual estudiososobre a polcia se reflete na publicao de brevesestudos empricos, e h grandes presses para apublicao precoce e freqente de uma srie deinformes empricos que no guardam relao en-tre si. Por sua vez, boa parte dessa pesquisa pro-vm de uns poucos centros de estudo, e o traba-lho conceitual se fundamenta nas obras de unspoucos pesquisadores muito conhecidos. Nessarea de estudos, alimentamo-nos de muitas disci-plinas cientficas, entre elas o campo emergente dajustia criminal, a antropologia, a psicologia sociale a cincia poltica, com contribuies menores porparte das cincias econmicas e de polticas pbli-cas e uma contribuio secundria da estatstica.Somos muito vulnerveis s modas nas priorida-des para financiamento de pesquisa; temos pou-cas avaliaes das hipteses e achados de estudosanteriores e dependemos de umas poucas obras-chave, publicadas h 30 ou 40 anos (por exemplo,Banton, Westley, Skolnick, Wilson). At esta data,umas trs geraes de pesquisadores avocaram asi o estudo srio da polcia. Continuam de p al-gumas diferenas nos estudos realizados e naspolticas de financiamento da investigao sobre apolcia nos Estados Unidos e no Reino Unido.Ainda que o volume de pesquisas seja consider-vel, e parte dele tenha sido integrada em achadosmais gerais, no se aprecia a conformao de umateoria da polcia ou da atividade policial. No futu-ro, o intercmbio de pesquisadores e funcionriospoliciais entre os dois pases continuar sendopossvel, mas a fora impulsora ser o financia-mento em curto prazo, orientado para resolver pro-blemas imediatos, e cujo resultado so informes

    breves, de limitado alcance. Em meio a essa agita-da atividade, em grande parte gerada como reflexodos interesses dos governos de planto, definhamtemas que constituem grandes objetos de pesqui-sa para nossos tempos, tais como a organizaotransnacional e corporativa do trabalho policial, ajustia reparadora e a fragmentao das noes dejustia sob o impacto forte das foras do mercadolivre.

    REFERNCIAS

    ALPERT, G.; DUNHAM, R. Police uses of violence.Cambridge: Cambridge University Press. No prelo.

    BANTON, Michael. The policeman in the community. NewYork: Basic Books, 1964.

    ______. Comunicacin personal. Michigan: UniversidadEstadal de Michigan, mayo, 1971.

    BAYLEY, David. Police in the political development ofEurope. In: TILLY, Charles (Comp.). The formation ofnational states in Europe. Princeton: Princeton UniversityPress, 1975.

    _______. Patterns of policing. New Brunswick: RutgersUniversity Press, 1985.

    _______. Comparative organization of the police inEnglish-speaking countries. In: TONRY, M.; MORRIS, N.(Comps.). Modern policing . Chicago: University of Chi-cago Press, 1992.

    _______. Police for the future. New York: OxfordUniversity Press, 1994.

    _______.; SHEARING, Clifford. Policing for the future.Law and Society Review,[S.l.], v. 30, p. 586-606, 1996.

    BITTNER, Egon. The functions of the police in modernsociety. Washington, D.C.: NIMH, 1972.

    BLACK, Donald. Manners and customs of the police. NewYork: Academic Press, 1980.

    BOWLING, Ben; FOSTER, J. Policing and the police. In:MAGUIRE, M.; MORGAN, R.; REINER, R. (Comps.).Oxford handbook of criminology. 3.ed. Oxford: OxfordUniversity Press, 2002. p. 980-1033

    BREWER, John. Inside the RUC. Oxford: OxfordUniversity Press, 1991.

    BRODEUR, Jean (Comp.). How to gecognize good policing.Thousand Oaks, CA: Sage, 1998.

    CAIN, Maureen. Society and the policemans role. London:Routledge and Kegan Paul, 1972.

    _______. Trends in the sociology of police work.International Journal of the Sociology of Law,[S.l.], v. 7,p. 143-167, 1979.

    CHAN, Janet. Changing police culture. Cambridge:Cambridge UniversityPress, 1996.

    _______. Fair cop. Toronto: University of Toronto Press,2003.

    CLARK, John. The isolation of the police. Journal of Cri-minal Law, Criminology, and Police Science, [S.l.], v. 56,p. 307-319, 1965.

    16 O perfil racial se refere prtica policial (nos pases onderaa uma varivel de relevncia social) de construirretratos de pessoas suspeitas baseados parcial ou to-talmente na raa; por exemplo, nos Estados Unidos, tra-tar como suspeito um homem negro que transita poruma urbanizao povoada de brancos (nota do tradu-tor).

  • CA

    DER

    NO C

    RH

    , Sal

    vado

    r, v.

    18,

    n. 4

    5, p

    . 431

    -446

    , Set

    ./Dez

    . 200

    5

    445445

    Peter K. Manning

    CRANK, John. Understanding police culture. 2.ed.Cincinnati: Andeson, 2003.

    _______.; LANGWORTHY, R. An institutional perspectiveof policing. Journal of Criminal Law and Criminology,[S.l.], v. 83, p. 338-363, 1992.

    DEFLEM, M. The growth of transnational policing. Oxford:Oxford University Press, 2003.

    ERICSON, Richard. Making crime. Toronto: Butterworths,1981.

    FIELDING, Nigel. Joining forces. London: Tavistock, 1984.

    _______. Community policing. Oxford: Clarendon Press,1995.

    FORST, Brian; MANNING, Peter. Privatization of policing:two views. Washington, D.C.: Georgetown UniversityPress, 1999.

    GARLAND, David. The culture of control: crime and so-cial order In: CONTEMPORARY society. Chicago:University of Chicago Press, 2001.

    GREENE, Jack. Community policing in America. In:HORNEY, Julia (Comp.) Criminal Justice: policies, pro-cesses and decisions of the justice system. Washington,DC: National Institute of Justice, 2000. v. 3. p. 299-370.

    GRIMSHAW, R.; JEFFERSON, T. Interpreting police work:policy andpractice in forms of beat policing. London: Allenand Unwin, 1987.

    HALL, Stuart. Policing the crisis. London: MacMillan, 1978.

    HARCOURT, B. The illusion of order. Cambridge, MA:Harvard University Press, 2001.

    HOLDAWAY, Simon (Comp.). British police. London:Edward Arnold, 1979.

    _______. Inside the British police. Oxford: Basil Blackwell,1983.

    _______. The racialisation of British policing. New York:St. Martins Press, 1996.

    HOUGH, M.; CLARKE, R. (Comps.). The effectiveness ofpolicing. Aldershot: Gower Publications, 1979.

    INNES, Martin. Investigating murder. Oxford: OxfordUniversity Press, 2003.

    JERMIER, John et al. Organizational subcultures in asoft bureaucracy. Organization Science, [S.l.], v. 2, p. 170-194, 1991.

    JOHNSTON, Les. The rebirth of private policing. London:Routledge and Kegan Paul, 1992.

    _______.; SHEARING, Clifford. Governing security.London: Routledge, 2003.

    JONES, Trevor; NEWBURN, Tim. Private security andpublic policing. Oxford: Clarendon, 1998.

    KELLING,G.; COLES, C. Fixing broken windows. NewYork: The Free Press, 1996.

    KLOCKARS, C. The idea of police. Thousand Oaks: SagePublications, 1983.

    LAURIE, Peter. Scotland Yard. Harmondsworth: Penguin,1972.

    LEISHMAN, F.; LOVEDAY, B.; SAVAGE, S. (Comps.).Core issues in policing. London: Longman, 1996.

    LIANG, H.H. The rise of the European state system fromMetternich to the Second World War. Cambridge: CambridgeUniversity Press, 1992.

    LOADER, I.; MULCHAY, A. Policing and the condition ofEngland. Oxford: Oxford University Press, 2003.

    _______.; SPARKS, R. Contemporary landscapes of cri-me, order andcontrol. In: MAGUIRE, M.; MORGAN, R.;REINER, R. (Comps.). Oxford Handbook of Criminology.3.ed. Oxford: Oxford University Press, 2002.

    MAGUIRE, M. (Comp.). Community policing. Albany:State University of New York Press, 2003.

    ________.; MORGAN, R.; REINER, R. (Comps.). TheOxford handbook of criminology . Oxford: OxfordUniversity Press, 2002.

    MANNING, Peter K. Symbolic communication. Cambridge:MIT Press, 1988.

    ________. Policing and technology. In: MORRIS, Norval;TONRY, M. (Comps.). Modern policing. Chicago:University of Chicago Press, 1992.

    _______. Police work. 2.ed.. Prospect Heights, IL: WavelandPress, [1977], 1997.

    _______. Policing contingencies. Chicago: University ofChicago Press, 2003.

    MARTIN, J.P.; WILSON, G. The police: a study inmanpower: the evolution of the service in England andWales, 1829-1965. London: Heinemann, 1969.

    MASTROFSKI, S.; GREENE, J. (Comps.). Communitypolicing. New York: Praeger, 1986.

    ________.; MCCLOSKEY, J.; REISIG, M. Police disrespectto thepublic: an encounter-based analysis. Criminology,[S.l.], v. 40, p. 519-552, 2002.

    MAWBY, Rob C. Policing images. Devon: WillanPublishing, 2002.

    MILLS, C. Wright. The sociological imagination. New York:OxfordUniversity Press, 1961.

    NEWBURN, Tim. Policing since 1945; The future ofpolicing. In: NEWBURN, T. (Comp.). Handbook ofpolicing, Devon: Willan Publishing, 2003.

    NORRIS, Clive. Some ethical considerations in fieldworkwith thepolice. In: HOBBS, D.; MAY, Tim. (Comps).Interpreting the field. Oxford: Oxford University Press,1993.

    PUNCH, Maurice. Policing the inner city. London:MacMillan, 1979.

    _______. (Comp.).Control in the police organization.Cambridge: MIT Press, 1983.

    ________. Conduct unbecoming. London: Tavistock,1985.

    REINER, R. Chief constables. Oxford: Oxford UniversityPress, 1991.

    ________. Police research. In: MORRIS, Norval; TONRY,M. (Comps.). Modern policing. Chicago: University ofChicago Press, 1992.

    ________. The politics of the police. 3.ed. Oxford: OxfordUniversity Press, 2000.

    _________. Police research. In: KING, R.; WINCUP, E.(Comps.). Doingresearch on crime and justice. Oxford:Oxford University Press, 2000a.

    REISS JR., A. J. The police and the public. New Haven:Yale University Press, 1973.

    _________. Police organization in the Twentieth Century.In: MORRIS, Norval; TONRY, M. (Comps.). Modernpolicing. Chicago: University of Chicago Press, 1992.

    ________.; BORDUA, D. Environment and organization.In: BORDUA, D. (Comp.) Thepolice. New York: JohnWiley, 1967.

  • CA

    DER

    NO C

    RH

    , Sal

    vado

    r, v.

    18,

    n. 4

    5, p

    . 431

    -446

    , Set

    ./Dez

    . 200

    5

    446446

    OS ESTUDOS SOBRE A POLCIA NOS PASES ANGLO-AMERICANOS

    RIGAKOS, G. The new para police. Toronto: Universityof Toronto Press, 2003.

    ROSENBAUM, Dennis. (Comp.). The challenge ofcommunity policing. Thousand Oaks, CA: Sage, 1969.

    RUBINSTEIN, J. City police. New York: Farrar, Straussand Giroux, 1972.

    SAMPSON, Robert J.; RADENBUSCH, S.; EARLS, F.Neighborhoods and violent crime. Science, [S.l.], v. 227,p. 918-24, 1997.

    SCHEPTYCKI, J. (Comp.). Transnational policing.London: Taylor and Francis, 2000.

    ________. In search of transnational policing. Aldershot:AshgatePublishing, 2002.

    SHEARING, Clifford; ERICSON, Richard. Culture asfigurative action. British Journal of Sociology, [S.l.], v. 42,p. 481-506, 1991.

    SIEGEL, Larry. Criminology. Belmont, Ca: Wadsworth,2000.

    SINGER, Peter. Corporate warriors. Ithaca: CornellUniversity Press, 2003.

    SKOGAN, Wesley; HARNETT, S. Community policing,Chicago style. New York: Oxford University Press, 1998.

    SKOLNICK, J. Justice without trial. New York: John Wileyand Sons, 1966.

    SMITH, D. J.; GRAY , J. Police and people in London.Aldershot: Gower Publications, 1985.

    SYKES, R.; BRENT. E. Policing. New Brunswick: RutgersUniversity Press., 1983.

    TAYLOR, Ralph. Breaking away from broken windows.Boulder, CO: Westview Press, 2001.

    TERRILL, W.; PAOLINE, E.; MANNING, P. K.. Cultureand coercion. Criminology, [S.l.], v. 41, p. 1003-1034,2003.

    VAN MAANEN, J. Tales of the field. Chicago: Universityof Chicago Press, 1988.

    WADDINGTON, P.A.J. The strong arm of the law. Oxford:Oxford University Press, 1991.

    _______. Policing citizens. London: University College ofLondon Press, 1999.

    _______. Police [canteen] subculture. British Journal ofCriminology, [S.l.], v. 39, p. 286-308, 1999a.

    WEATHERITT, M. Policing: what works? In: WEISBURD,D.; WARING, E. (Comps.). Crime and social organization.New Brunswick, N.J.: Transaction, 2000.

    WESTLEY, W. Violence and the police. Cambridge: MITPress, [1950], 1977.

    WILSON, J.Q. Varieties of police behavior. Cambridge:Harvard University Press, 1968.

    _______.; KELLING, G. Policing neighborhoods....Atlantic Monthly, 1983.

    WILSON, W.J. The truly disadvantaged . Chicago:University Press, 1987.

    WRIGHT MILLS, C. La imaginacin sociolgica. Bogot:Fondo de Cultura Econmica, 1961.

    (Recebido para publicao em julho de 2005)(Aceito em outubro de 2005)