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 Família  A possiblidade do reconhecimento da união estável putativa e paralela como entidade familiar, frente aos princípios c onstitucionais aplicáveis Renata Miranda Goecks, Vitor Hugo Oltramari “Amor foge a dicionários e a regulamentos vários.” (Carlos Drummond de Andrade) Em decorrência da evolução e das mudanças pelas quais a sociedade vem passando, é importante que se avalie a possibilidade de aceitação das relações paralelas a um casamento ou a uma união estável como entidade familiar. 1 Princípios constitucionais aplicáveis ao Direito de Família Tendo em vista a importância dos princípios para o Direito de Família e, em especial, para o estudo das entidades familiares, fazse necessário a análise de diversos deles, tais como: o da dignidade da pessoa humana, da afetividade, do pluralismos das entidades familiares e da monogamia. A conceituação da dignidade da pessoa humana é tarefa árdua, tendo em vista abranger a diversidade de valores existentes na sociedade. Assim, não se trata de um conceito estanque, imutável, visto que deve estar em constante evolução e acompanhando as atuais necessidades do ser humano. Ingo Wolfgang Sarlet ao conceituar a digni dade da pessoa humana estabelece que: “[...] temos por dignidade da pessoa humana a qualidade intrínseca e distintiva de cada ser humano que o faz merecedor do mesmo respeito e consideração por parte do Estado e da comunidade, im  plicando, neste sentido, um complexo de direitos e deveres fundamentais que asseguram a pessoa tanto contra todo e qualquer ato de cunho degradante e desumano, como venham a lhe garantir as condições existenciais mínimas para uma vida saudável, além de propiciar e promover sua participação ativa e coresponsável nos destinos da própria existência e da vida em comunhão com os demais seres humanos .”[1]  (grifo do autor). Então, a dignidade da pessoa humana não tem apenas a função de estabelecer direitos e deveres que assegurem uma vida saudável e justa. Muito mais do que isso, tem o dever de proporcionar situações em que o ser humano se desenvolva em um meio capaz de promover a sua integração e evolução de sua dignidade. A família tem um importante papel para o desenvolvimento da dignidade da pessoa humana. A Constituição Federal, em seu artigo 226, estabelece que: “A família, base da sociedade, tem especial proteção do Estado.” [2]  Neste sentido, a família deve valorizar a pessoa e servir como instrumento de desenvolvimento pessoal. Cabe à entidade familiar, então, possibilitar o desenvolvimento da dignidade da pessoa humana e, como conseqüência, a evolução da sociedade, pois caso contrário não é merecedora de proteção. Assim, este princípio precisa ser utilizado de maneira efetiva e eficaz, sob pena de estagnação e infelicidade do ser humano. O princípio da afetividade, no entanto, não está previsto de forma expressa no ordenamento jurídico, mas a Constituição Federal ao estabelecer a pluralidade das entidades familiares, reconhece a afetividade como base da família. A afetividade, como elemento formador da família, deve se adaptar aos anseios do ser humano e acompanhar suas transformações. Segundo Maria Berenice Dias, “A família transformase na medida em que se acentuam as relações de sentimentos entre seus membros: valorizamse as funções afetivas da família. [...] A comunhão de afeto é incompatível com o modelo único, matrimonializado da família. Por isso, a afetividade entrou nas cogitações dos juristas, buscando explicar as relações familiares contemporâneas.”[3] O pr incípio da afetividade possui, então, papel imprescindível para a fundamentação dos novos modelos familiares, sendo capaz de explicar a necessidade do pluralismo das entidades familiares para a sociedade contemporânea. O modelo único e tradicional de família, o matrimonializado, não tem como requisito fundamental o afeto, visto que retoma as antigas funções da família (econômica, política, religiosa e procriativa). Os atuais vínculos familiares, no entanto, fundamentamse, basicamente, na afetividade, motivo pelo qual se passa a analisar o princípio do pluralismo das entidades familiares. Como se vê, diante da necessidade da sociedade, que não mais se organiza em torno do casamento, ampliouse o conceito de família e o Estado passou a reconhecer a existência de várias formas familiares. Assim, a sociedade é quem cria as novas formas de família e cabe ao Estado protegêlas. Atualmente, existem novas necessidades que não estão previstas, tão pouco protegidas pelo ordenamento jurídico, mas que não podem passar desapercebidas, sob pena de se promover a indignidade da pessoa humana. A Constituição Federal elenca, de forma explícita, como entidades familiares o casamento, a união estável e a família monoparental. No entanto, a interpretação constitucional acerca do pluralismo familiar leva a crer que existem outras entidades familiares implícitas. Cristiano Chaves de Farias entende que “[...] é preciso ressaltar que o rol da previsão constitucional não é taxativo, estando protegida toda e qualquer entidade familiar, fundada no afeto, esteja, ou não, contemplada expressamente na dicção legal”. [4] Assim, o conceito de família é plural e abrange as entidades familiares especificadas no artigo 226 da Constituição Federal, bem como todas que possuam um vínculo afetivo e busquem objetivos de vida comuns. O Direito de Família é palco de diversidade e, por isso, possui como princípio norteador o pluralismo das entidades familiares, que busca através da presença da afetividade, a efetivação da dignidade da pessoa humana. Necessário é, ainda, que se analise o princípio da monogamia, que classifica como família aquela em que o homem possui apenas uma esposa e viceversa. A monogamia é vista como uma forma de organizar a sociedade e não apenas de impor regras atinentes à moral, viabilizando, assim, o desenvolvimento do ser humano e de suas relações. No entanto, os atuais arranjos familiares têm como base a afetividade e a busca pela dignidade da pessoa humana. Então, considerar que o princípio da monogamia é constitucional e superior aos demais princípios aplicáveis ao Direito de Família, contraria o principal fundamento de todo o ordenamento jurídico que é a dignidade, assim como os próprios anseios da sociedade. Maria Berenice Dias, a esse respeito, ensina que: “Ai nda que a l ei recrimi ne de diversas fo rmas quem descumpre o dever de fidelidade, não há como considerar a monogamia como princípio constitucional, até porque a Constituição não a contemp la. [... ] No entanto, pretender elevar a monogamia ao status de princípio constitucional autoriza que se chegue a resultados desastrosos.” [5]  (grifo do autor). Neste sentido, o que se vê é que as atuais famílias são estabelecidas de acordo com os princípios da dignidade da pessoa humana e da afetividade, buscando a realização de cada membro. Esses princípios e o da monogamia acabam sendo incompatíveis, não tendo condições de coexistirem no atual Direito de Família. Assim, há que se optar entre a efetiva realização do ser humano, buscando sua dignidade e a valorização do afeto, ou o cumprimento das regras morais impostas pela sociedade, atendendo a satisfação do Estado. Assim, tendo sido feita a análise dos princípios constitucionais aplicáveis ao Direito de Família, possível é que se analise a viabilidade do reconhecimento dos relacionamentos concomitantes com um casamento ou união estável como entidade familiar. 2 O concubinato impuro e a união estável putativa Como visto anteriormente, o rol do artigo 226 da Constituição Federal não é taxativo, o que representa uma possibilidade para o reconhecimento dos mais diversos tipos de arranjos familiares que se encontram à margem do Direito de Família. O Código Civil, em seu artigo 1.727, dispõe que: “As relações não eventuais entre o homem e a mulher, impedidos de casar, constituem concubinato.” [6]  Neste sentido, a lei diferencia de forma veemente a união estável do concubinato. Silvio Neves Baptista a respeito explica que: “[...] se não há impedimento matrimonial, entendese estável  a união notória, contínua e duradoura; se há impedimento matrimonial (ainda que a união seja notória, contínua e duradoura), a união permanente ou não eventual é considerada concubinato [...].”[7]  (grifo do autor). É considerado, então, concubinato impuro o relacionamento em que há impedimento matrimonial. Assim, mesmo que a relação possua os requisitos da união estável é classificada como concubinato, uma vez que um de seus participantes já é casado ou possui outra união estável, não estando separado de fato ou judicialmente como Você está aqui: Página Inicial  Revista  Revista Âmbito Jurídico  Família

A Possiblidade Do Reconhecimento Da União Estável Putativa e Paralela Como Entidade Familiar, Frente Aos Princípios Constitucionais Aplicáveis - Família - Âmbito Jurídico

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A Possiblidade Do Reconhecimento Da União Estável Putativa e Paralela Como Entidade Familiar, Frente Aos Princípios Constitucionais Aplicáveis - Família - Âmbito Jurídico

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  • 14/05/2015 Apossiblidadedoreconhecimentodaunioestvelputativaeparalelacomoentidadefamiliar,frenteaosprincpiosconstitucionaisaplicveisFa

    http://www.ambitojuridico.com.br/site/index.php?artigo_id=6123&n_link=revista_artigos_leitura#_ftnref23 1/5

    Famlia

    A possiblidade do reconhecimento da unio estvel putativa e paralela como entidadefamiliar, frente aos princpios constitucionais aplicveisRenata Miranda Goecks, Vitor Hugo Oltramari

    Amor foge a dicionrios e a regulamentos vrios. (Carlos Drummond de Andrade)

    Em decorrncia da evoluo e das mudanas pelas quais a sociedade vem passando, importante que se avalie a possibilidade de aceitao das relaes paralelas a umcasamento ou a uma unio estvel como entidade familiar.

    1 Princpios constitucionais aplicveis ao Direito de Famlia

    Tendo em vista a importncia dos princpios para o Direito de Famlia e, em especial, para o estudo das entidades familiares, fazse necessrio a anlise de diversos deles,tais como: o da dignidade da pessoa humana, da afetividade, do pluralismos das entidades familiares e da monogamia.

    A conceituao da dignidade da pessoa humana tarefa rdua, tendo em vista abranger a diversidade de valores existentes na sociedade. Assim, no se trata de umconceito estanque, imutvel, visto que deve estar em constante evoluo e acompanhando as atuais necessidades do ser humano. Ingo Wolfgang Sarlet ao conceituar adignidade da pessoa humana estabelece que:

    [...] temos por dignidade da pessoa humana a qualidade intrnseca e distintiva de cada ser humano que o faz merecedor do mesmo respeito e considerao por parte doEstado e da comunidade, implicando, neste sentido, um complexo de direitos e deveres fundamentais que asseguram a pessoa tanto contra todo e qualquer ato de cunhodegradante e desumano, como venham a lhe garantir as condies existenciais mnimas para uma vida saudvel, alm de propiciar e promover sua participao ativa e coresponsvel nos destinos da prpria existncia e da vida em comunho com os demais seres humanos.[1] (grifo do autor).

    Ento, a dignidade da pessoa humana no tem apenas a funo de estabelecer direitos e deveres que assegurem uma vida saudvel e justa. Muito mais do que isso, temo dever de proporcionar situaes em que o ser humano se desenvolva em um meio capaz de promover a sua integrao e evoluo de sua dignidade.

    A famlia tem um importante papel para o desenvolvimento da dignidade da pessoa humana. A Constituio Federal, em seu artigo 226, estabelece que: A famlia, baseda sociedade, tem especial proteo do Estado. [2] Neste sentido, a famlia deve valorizar a pessoa e servir como instrumento de desenvolvimento pessoal.

    Cabe entidade familiar, ento, possibilitar o desenvolvimento da dignidade da pessoa humana e, como conseqncia, a evoluo da sociedade, pois caso contrrio no merecedora de proteo. Assim, este princpio precisa ser utilizado de maneira efetiva e eficaz, sob pena de estagnao e infelicidade do ser humano.

    O princpio da afetividade, no entanto, no est previsto de forma expressa no ordenamento jurdico, mas a Constituio Federal ao estabelecer a pluralidade dasentidades familiares, reconhece a afetividade como base da famlia.

    A afetividade, como elemento formador da famlia, deve se adaptar aos anseios do ser humano e acompanhar suas transformaes. Segundo Maria Berenice Dias,

    A famlia transformase na medida em que se acentuam as relaes de sentimentos entre seus membros: valorizamse as funes afetivas da famlia. [...] A comunho deafeto incompatvel com o modelo nico, matrimonializado da famlia. Por isso, a afetividade entrou nas cogitaes dos juristas, buscando explicar as relaes familiarescontemporneas.[3]

    O princpio da afetividade possui, ento, papel imprescindvel para a fundamentao dos novos modelos familiares, sendo capaz de explicar a necessidade do pluralismodas entidades familiares para a sociedade contempornea. O modelo nico e tradicional de famlia, o matrimonializado, no tem como requisito fundamental o afeto, vistoque retoma as antigas funes da famlia (econmica, poltica, religiosa e procriativa). Os atuais vnculos familiares, no entanto, fundamentamse, basicamente, naafetividade, motivo pelo qual se passa a analisar o princpio do pluralismo das entidades familiares.

    Como se v, diante da necessidade da sociedade, que no mais se organiza em torno do casamento, ampliouse o conceito de famlia e o Estado passou a reconhecer aexistncia de vrias formas familiares. Assim, a sociedade quem cria as novas formas de famlia e cabe ao Estado proteglas. Atualmente, existem novas necessidadesque no esto previstas, to pouco protegidas pelo ordenamento jurdico, mas que no podem passar desapercebidas, sob pena de se promover a indignidade da pessoahumana.

    A Constituio Federal elenca, de forma explcita, como entidades familiares o casamento, a unio estvel e a famlia monoparental. No entanto, a interpretaoconstitucional acerca do pluralismo familiar leva a crer que existem outras entidades familiares implcitas.

    Cristiano Chaves de Farias entende que [...] preciso ressaltar que o rol da previso constitucional no taxativo, estando protegida toda e qualquer entidade familiar,fundada no afeto, esteja, ou no, contemplada expressamente na dico legal. [4]

    Assim, o conceito de famlia plural e abrange as entidades familiares especificadas no artigo 226 da Constituio Federal, bem como todas que possuam um vnculoafetivo e busquem objetivos de vida comuns.

    O Direito de Famlia palco de diversidade e, por isso, possui como princpio norteador o pluralismo das entidades familiares, que busca atravs da presena daafetividade, a efetivao da dignidade da pessoa humana.

    Necessrio , ainda, que se analise o princpio da monogamia, que classifica como famlia aquela em que o homem possui apenas uma esposa e viceversa. A monogamia vista como uma forma de organizar a sociedade e no apenas de impor regras atinentes moral, viabilizando, assim, o desenvolvimento do ser humano e de suasrelaes.

    No entanto, os atuais arranjos familiares tm como base a afetividade e a busca pela dignidade da pessoa humana. Ento, considerar que o princpio da monogamia constitucional e superior aos demais princpios aplicveis ao Direito de Famlia, contraria o principal fundamento de todo o ordenamento jurdico que a dignidade, assimcomo os prprios anseios da sociedade. Maria Berenice Dias, a esse respeito, ensina que:

    Ainda que a lei recrimine de diversas formas quem descumpre o dever de fidelidade, no h como considerar a monogamia como princpio constitucional, at porque aConstituio no a contempla. [...]

    No entanto, pretender elevar a monogamia ao status de princpio constitucional autoriza que se chegue a resultados desastrosos.[5] (grifo do autor).

    Neste sentido, o que se v que as atuais famlias so estabelecidas de acordo com os princpios da dignidade da pessoa humana e da afetividade, buscando a realizaode cada membro. Esses princpios e o da monogamia acabam sendo incompatveis, no tendo condies de coexistirem no atual Direito de Famlia. Assim, h que se optarentre a efetiva realizao do ser humano, buscando sua dignidade e a valorizao do afeto, ou o cumprimento das regras morais impostas pela sociedade, atendendo asatisfao do Estado.

    Assim, tendo sido feita a anlise dos princpios constitucionais aplicveis ao Direito de Famlia, possvel que se analise a viabilidade do reconhecimento dosrelacionamentos concomitantes com um casamento ou unio estvel como entidade familiar.

    2 O concubinato impuro e a unio estvel putativa

    Como visto anteriormente, o rol do artigo 226 da Constituio Federal no taxativo, o que representa uma possibilidade para o reconhecimento dos mais diversos tiposde arranjos familiares que se encontram margem do Direito de Famlia.

    O Cdigo Civil, em seu artigo 1.727, dispe que: As relaes no eventuais entre o homem e a mulher, impedidos de casar, constituem concubinato. [6] Neste sentido,a lei diferencia de forma veemente a unio estvel do concubinato.

    Silvio Neves Baptista a respeito explica que:

    [...] se no h impedimento matrimonial, entendese estvel a unio notria, contnua e duradoura; se h impedimento matrimonial (ainda que a unio seja notria,contnua e duradoura), a unio permanente ou no eventual considerada concubinato[...].[7] (grifo do autor).

    considerado, ento, concubinato impuro o relacionamento em que h impedimento matrimonial. Assim, mesmo que a relao possua os requisitos da unio estvel classificada como concubinato, uma vez que um de seus participantes j casado ou possui outra unio estvel, no estando separado de fato ou judicialmente como

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    excepciona o artigo 1.723 do Cdigo Civil, no seu pargrafo primeiro. [8]

    Dessa forma, na perspectiva legalista da previso do atual Cdigo Civil, caso uma pessoa esteja envolvida em duas famlias, a segunda relao configura concubinato, umavez que o dever de fidelidade infringido e, por isso, no preenche os requisitos para a unio estvel.

    Segundo Maria Berenice Dias, existem dois tipos de concubinato, o puro, ou de boaf e o impuro, ou de mf, diferenciandose no seguinte sentido:

    A diferena centrase exclusivamente no fato de a mulher ter ou no cincia de que o parceiro se mantm no estado de casado ou tem outra relao concomitante.Assim, [...] somente quando a mulher inocente, isto , afirma no ser sabedora de que seu par tem outra, h o reconhecimento de que ela est de boaf e se admiteo reconhecimento da unio estvel, com o nome de unio estvel putativa.[9] (grifo do autor).

    Nessa perspectiva, caso o componente da segunda relao tenha conscincia do impedimento de seu parceiro, age de mf e, por isso, seu relacionamento denominado de concubinato impuro. No entanto, se a pessoa no souber do impedimento de seu par, e se envolver de boaf, sua relao chamada de concubinatopuro, situao em que possvel, em face da boaf, o reconhecimento como unio estvel putativa. Entendese, ento, que a boaf retira a ilicitude de seus atos, umavez que o sujeito ignora determinada situao.

    Cabe lembrar ento que o concubinato impuro no tem, em princpio, seus direitos reconhecidos pelo Direito de Famlia eis que ausente o elemento da boaf, uma vezque ambos os envolvidos tm conhecimento do impedimento matrimonial de um deles, ou de ambos.

    Esclarecidas as distines entre o concubinato impuro e a unio estvel putativa, passase a discutir acerca da possibilidade do reconhecimento das relaes paralelas eputativas como entidade familiar.

    3 A possibilidade do reconhecimento da unio estvel putativa e paralela como entidade familiar.

    Aps o estudo dos princpios constitucionais, cabe atentar sobre a insero das unies paralelas e putativas no Direito de Famlia, levando em considerao,principalmente, a dignidade da pessoa humana frente o princpio da monogamia.

    Carlos Eduardo Pianovski escreve sobre a simultaneidade das relaes e a competncia do Direito de Famlia:

    A simultaneidade de conjugalidades tema que, embora suscite perplexidades, no alheio ao direito de famlia. Identificar os limites e possibilidades da apreensojurdica e da atribuio de eficcia a situaes de tal natureza implica a necessidade de enfrentar questes pertinentes ao universo principiolgico que permeia esseramo do direito. Dentre as questes candentes a demandar anlise est a eventual oposio de bices decorrentes de um possvel princpio da monogamia.[10]

    De acordo com este entendimento, mesmo sendo um assunto que cause divergncia, os relacionamentos concomitantes devem ser tratados pelo Direito de Famlia, a fimde que se possa analisar caso a caso, adequando, sempre que possvel, os fatos s normas jurdicas.

    No entanto, por ser um assunto muito polmico, existem diversos posicionamentos acerca da possibilidade de reconhecimento das unies concomitantes como entidadesfamiliares.

    Analisarse trs correntes acerca da possibilidade da insero das relaes concomitantes no Direito de Famlia. A primeira, atualmente em extino, entende quenenhum tipo de relao paralela deva ser reconhecida como entidade familiar, no levando em considerao a boaf por parte de um ou de ambos os envolvidos narelao. A segunda corrente admite as unies estveis paralelas putativas, ou seja, quando presente a boaf. Estas, devem ser equiparadas entidades familiares;enquanto que quando ausente a boaf, devem ser equiparadas sociedade de fato e sempre que houver construo de patrimnio em comum, tratadas pelo Direito dasObrigaes, a fim de evitar enriquecimento ilcito. Finalmente, h quem pregue pelo reconhecimento de todos os tipos de relaes pelo Direito de Famlia, uma vez queos princpios da dignidade da pessoa humana e da pluralidade das entidades familiares devem prevalecer sobre o da monogamia.

    Assim, ante a necessidade de um aprofundamento das atuais correntes sobre as relaes concomitantes, passarse a analisar a primeira delas. Eduardo Cambi posicionase de forma bastante conservadora e entende que:

    A tutela do direito obrigacional deve servir, por ser mais restrita, no s queles que, [...], denominamos de concubinato adulterino, bem como s unies putativas, [...],j que no podem subsumir a noo de entidade familiar extramatrimonial, porque preexiste impedimento matrimonial, em sentido substancial.[11]

    Nesta linha, qualquer relacionamento concomitante a um casamento ou a uma unio estvel deve ser tratado no campo do Direito Obrigacional, no sendo competente oDireito de Famlia uma vez que preexiste uma entidade familiar. Assim, pouco importa a presena da boaf, visto que, segundo este posicionamento, o Direito dasObrigaes competente at mesmo para a unio estvel putativa.

    Em contraposio a este entendimento, a segunda corrente entende que o Direito de Famlia apesar de excluir as unies estveis paralelas, abrange as putativas, umavez que h a boaf, ou seja, ausncia de malcia e, por isso, merece ser tratada como entidade familiar. De acordo com esta concepo, Rolf Madaleno afirma comveemncia que:

    [...] o concubinato adulterino no configura uma unio estvel, como deixa ver estreme de dvidas o artigo 1.727 do Cdigo Civil. [...]. No ingressam nesta afirmao osconcubinatos putativos, quando um dos conviventes age na mais absoluta boaf, desconhecendo que seu parceiro casado, e que tambm coabita com o seu esposo,porquanto a lei assegura os direitos patrimoniais gerados de uma unio em que um dos conviventes foi laqueado em sua crena quanto realidade dos fatos.[12]

    Dessa forma, as unies paralelas estariam vedadas, por ferirem o sistema monogmico e comprometerem a estabilidade da sociedade. No entanto, sempre que um dosparceiros agir de boaf, sua relao equiparada unio estvel.

    A mesma idia apresentada por lvaro Villaa Azevedo ao dispor que:

    [...] concubinato impuro ou concubinagem, no deve merecer apoio dos rgos pblicos e, mesmo, da sociedade. Entendemos, ainda, que deste no deve surtir efeito, ano ser o concubinato de boaf, como acontece, analogamente, com o casamento putativo, e para evitarse locupletamento ilcito.[13]

    Alm de as unies paralelas no merecerem o reconhecimento do Direito de Famlia, entende o autor que a sociedade tambm deve rejeitar tais relaes, por atingirema base de sustentao da famlia que a monogamia.

    Assim, de acordo com este posicionamento, as unies estveis putativas merecem ser tratadas pelo Direito de Famlia, mas ainda cabe indagar acerca da competnciacom relao s unies estveis paralelas. Gustavo Tepedino aponta que:

    [...] o abrandamento da rejeio no significou o acolhimento do concubinato no mbito do direito de famlia. As relaes concubinrias foram, ao revs, reconhecidascom base no direito obrigacional, protegendose o esforo que, despendido no curso da vida em comum por parte de um companheiro em favor do outro [...], no poderiadeixar de gerar efeitos patrimoniais, sob pena de se consagrar o enriquecimento sem causa.[14]

    Apesar da crise do sistema monogmico e da maior aceitao das relaes paralelas, tendo em vista at mesmo a descriminalizao do adultrio, a unio estvel paralelacontinua excluda do Direito de Famlia. No entanto, de acordo com esta corrente, deve ser abrangida pelo Direito Obrigacional, a fim de evitar o enriquecimento ilcito.

    Com este mesmo entendimento, Rodrigo da Cunha Pereira afirma que:

    O concubinato, assim considerado aquele adulterino ou paralelo ao casamento ou a outra unio estvel, para manterse a coerncia no ordenamento jurdico brasileiro j que o Estado no pode dar proteo a mais de uma famlia ao mesmo tempo , poder valerse da teoria das sociedades de fato e, portanto, no campo obrigacional.[15]

    Quando houver a contribuio do casal na construo de patrimnio comum durante a relao paralela, utilizase o Direito Obrigacional, tratando a unio estvel paralelacomo uma sociedade de fato, evitando, assim, o enriquecimento de uma das partes.

    lvaro Villaa Azevedo explica, ainda, que no caso do concubinato impuro ou adulterino, aplicase a smula nmero 380 do Supremo Tribunal Federal. [16] Tal smulaestabelece que: Comprovada a existncia de sociedade de fato entre os concubinos, cabvel sua dissoluo judicial com a partilha do patrimnio adquirido pelo esforocomum. [17]

    A fim de evitar injustias, esta corrente entende que apesar de no poder ser reconhecida como entidade familiar, as unies paralelas no podem ser ignoradas e trazerprejuzos, por isso devem ser equiparadas s sociedades de fato e no caso de dissoluo, realizada a partilha do patrimnio adquirido em conjunto.

    Merece destaque, ainda, a ressalva feita por Carlos Eduardo Pianovski quando ausente a boaf por parte de todos os envolvidos da relao:

    De outro lado, se a ostensibilidade plena, estendendose a todos os componentes de ambas as entidades familiares [...] e mesmo assim ambas as famlias se mantmntegras, sem o rompimento dos vnculos de coexistncia afetiva, pode ser vivel concluir, segundo as peculiaridades que se apresentam no caso concreto luz dosdemais deveres inerentes boaf, que a simultaneidade no seria desleal, no havendo violao de deveres de respeito confiana do outro e, sobretudo, de proteoda dignidade dos componentes de ambas as famlias. A simultaneidade atenderia, assim, em tese, s pretenses de felicidade coexistencial de todos os componentes dasfamlias em tela.[18]

    Nessa linha, a ausncia da boaf por parte de todos os elementos de ambas as famlias abre oportunidade para que a relao paralela seja reconhecida, de formaexcepcional, como entidade familiar. Sendo a relao notria e no questionada por seus membros, no h razo para desconhecer a famlia, visto que promove adignidade de seus componentes e oportuniza sua felicidade.

    Existe, porm, a terceira corrente, mais ousada, que diverge da equiparao das relaes paralelas s sociedades de fato, entendendoas como famlia e merecendo, porisso, tratamento pelo Direito de Famlia e denominao de entidade familiar.

    O no reconhecimento das unies paralelas vai contra o disposto pela Constituio Federal e fere seus princpios. No h motivo para deixar de analisar as relaes

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    concomitantes no mbito do Direito de Famlia, visto que a Constituio Federal no taxativa, apenas exemplificativa, com relao aos modelos familiares.

    Por este motivo, Paulo Luiz Netto Lbo dispe que:

    Os conflitos decorrentes das entidades familiares explcitas ou implcitas devem ser resolvidos luz do direito de famlia e no do direito das obrigaes, tanto osdireitos pessoais, quanto os direitos patrimoniais e quanto os direitos tutelares. No h necessidade de degradar a natureza pessoal de famlia convertendoa como fictciasociedade de fato, como se seus integrantes fossem scios de empreendimento lucrativo[...].[19]

    Neste sentido, no h razo para fingir ser a relao familiar uma sociedade de fato, visto que no existe proibio expressa pela Constituio Federal de diferentes tiposde entidades familiares. Pelo contrrio, vige o princpio da pluralidade delas.

    A unio estvel possui pressupostos para que possa ser reconhecida como entidade familiar e, de acordo com Maria Berenice Dias, eles no contrariam a formao dasunies estveis paralelas. Neste trilhar, a autora afirma que:

    Agora, para a configurao da unio estvel basta identificar os pressupostos da lei, entre os quais no se encontra nem o direito exclusividade e nem o dever defidelidade. Assim, imperioso que se cumpra a lei, que se reconhea a unio estvel quando presentes os requisitos legais a sua identificao, ainda que se constatemultiplicidade de relacionamentos concomitantes.[20]

    De acordo com esta concepo, a unio estvel no tem como pressuposto a exclusividade, tampouco o dever de fidelidade, o que leva a crer que o Estado tem o deverde admitir as unies paralelas como entidade familiar, desde que configurados os requisitos para o reconhecimento da unio estvel. Neste mesmo caminho segue CarlosCavalcanti de Albuquerque Filho ao apontar que:

    A manifestao afetiva, pois, no necessariamente exclusiva. Ademais, no importa para o Direito impor tipos padres de comportamentos, pois enquanto houverdesejo iro se manifestar relaes familiares, entendase, entidades familiares divergentes daquelas estabelecidas aprioristicamente, de sorte que no h comoaprisionar o afeto, restringindoo s relaes de casamento, de unio estvel e entidade monoparental. O pluralismo das entidades familiares impe o reconhecimentode outros arranjos familiares alm dos expressamente previstos constitucionalmente.[21] (grifo do autor).

    A capacidade de manifestao de afeto do ser humano no tem limites, por isso, mesmo que se tente controlar, jamais se conseguir banir as relaes concomitantes.Constatado isto, melhor enquadrar tais relaes no ordenamento jurdico, do que deixlas marginalizadas.

    No cabe ento ao Estado negar a realidade e pretender que a concomitncia de relaes seja algo distante do Direito de Famlia. Sabese que a famlia tem papelfundamental para o desenvolvimento da dignidade da pessoa humana e que negar seu reconhecimento gera um retrocesso social com descumprimento de preceitosfundamentais da prpria Constituio Federal.

    Concluise ento, com as palavras de Maria Berenice Dias que: No enxergar fatos que esto diante dos olhos manter a imagem da Justia cega. Condenar invisibilidade situaes existentes produzir irresponsabilidades, olvidar que a tica condiciona todo o Direito, principalmente o Direito de Famlia. [22]

    Neste sentido, importante frisar as novas perspectivas para a soluo destes conflitos, uma vez que fica evidente a divergncia dos posicionamentos sobre a matria.

    4 Novas perspectivas para o tema

    A possibilidade de reconhecimento da unio estvel putativa e paralela, esta principalmente, gera bastante discusso e, por isso, inmeras solues tm sidoapresentadas para a insero de tais relaes no Direito de Famlia.

    Essencial , no entanto, buscar a real efetivao dos princpios constitucionais e o bem comum, entendendo como irrelevantes os aspectos morais dos casos em comento.Neste sentido, Rodrigo da Cunha Pereira estabelece que: somente em bases principiolgicas que ser possvel pensar e decidir sobre o que justo e injusto, acima devalores morais, muitas vezes estigmatizantes. [23]

    Nessa mesma linha, o psiquiatra e psicanalista Marco Aurlio Crespo Albuquerque contribui para a evoluo do Direito de Famlia ao enfatizar que:

    Levando em conta estas especificidades devemos manter a mente aberta, no sentido de buscar compreender ao menos um pouco da complexidade do adultrio,escapando assim do perigo dos reducionismos limitantes tipo certo/errado, virtude/pecado, etc.[24]

    Tendo em vista no ser o Direito uma cincia esttica, principalmente o Direito de Famlia, h que se analisar as questes controvertidas sob todos os seus aspectos, semmanter um posicionamento estanque, mas aplicando o Direito da melhor forma possvel ao caso concreto. Desta forma, no mais cabe aos operadores do Direito rotulardeterminada situao ou atitude como certa ou errada, moral ou imoral, mas buscar entender os motivos causadores e a melhor soluo para o caso concreto, atporque, sabidamente os casos existem, geram efeitos sociais e, por isso, no podem ser desconhecidos pelo mundo jurdico.

    Neste sentido Jos Carlos Teixeira Giorgis, que apesar de no concordar com o reconhecimento das unies paralelas como entidade familiar, afirma que:

    A vida moderna e a evoluo dos costumes, inclusive no casamento, recomendam o exame dos efeitos da relao clandestina ao matrimnio, principalmente quando seespicha por longos anos e tem publicidade, em que a cicatriz criminal da bigamia deve impor sano civil a quem o pratica.[25]

    Assim, mesmo que no se concorde com o reconhecimento das relaes paralelas pelo Direito de Famlia, nos dias de hoje, impossvel ignorar a existncia de taisrelaes. notvel o papel que tem a famlia para o desenvolvimento da dignidade de seus componentes, por isso no se pode deixar margem do ordenamentojurdico, instituio que possibilita o crescimento da pessoa humana, a sua dignificao e a construo da prpria felicidade.

    Fbio Ulhoa Coelho assevera que: [...] quando o concubinato caracterizase como uma unio livre, a tendncia que, cedo ou tarde, a jurisprudncia e a lei comecem areconhecer alguns direitos dos parceiros, tendo em vista a proteo da famlia que dela nasce. [26]

    Independentemente de se ter um posicionamento mais tradicional ou mais ousado, a tendncia de conceder s relaes concomitantes alguns dos direitos conferidos sentidades familiares, visto que de uma forma ou outra constituem uma famlia. Neste sentido, inevitvel que o Estado utilize o seu papel de protetor e conceda srelaes concomitantes o mnimo de direitos, indispensveis para o desenvolvimento da dignidade da pessoa humana envolvida na relao.

    Neste sentido, Paulo Luiz Netto Lbo afirma de maneira pertinente que:

    Cada entidade familiar submetese a estatuto jurdico prprio, em virtude de requisitos da constituio e de efeitos especficos, no estando uma equiparada oucondicionada aos requisitos da outra. Quando a legislao infraconstitucional no cuida de determinada entidade familiar, ela regida pelos princpios e regrasconstitucionais, pelas regras e princpios gerais do direito de famlia aplicveis e pela contemplao de suas especificidades. No pode haver, portanto, regras nicas,segundo modelos nicos ou preferenciais. O que as unifica a funo de locus de afetividade e da tutela da realizao da personalidade das pessoas que as integram; emoutras palavras, o lugar dos afetos, da formao social onde se pode nascer, ser, amadurecer e desenvolver os valores da pessoa.[27] (grifo do autor).

    Primordial entender que a famlia possui especial responsabilidade no desenvolvimento de cada pessoa nela envolvida. Assim, uma famlia bem estruturada e protegidapelo Estado tem maiores chances de trazer para a sociedade pessoas ntegras, ticas e capazes de viver em grupo.

    A Constituio Federal ao no elencar e fechar o rol de todas as entidades familiares protegidas pelo Estado, abriu ensejo a discusso, no caso concreto, de quais relaesse caracterizam e merecem ser denominadas de famlia. Neste sentido, o autor antes mencionado frisa que as entidades no devem ser equiparadas, uma vez que cadauma possui seus prprios requisitos e caractersticas, mas reconhecidas pelo que so, evitando conflito entre elas.

    Aps a caminhada para esclarecer a possibilidade do reconhecimento das unies paralelas como entidade familiar, mister identificar a famlia como base da sociedade ebuscar a melhor aplicao da norma ao caso concreto, ensejando o bem comum.

    5 Concluso

    Com o passar do tempo a sociedade evoluiu trazendo consigo a valorizao das relaes afetivas e, conseqentemente, da pessoa humana. A famlia perdeu a funomeramente procriadora e a mulher buscou seu lugar na sociedade. Assim, a concepo de famlia, hoje, muito mais abrangente e seus componentes vivem de maneiraigualitria.

    Neste ambiente de inovaes e adaptaes que os novos modelos familiares, j existentes, tentam se incluir no Direito de Famlia. A redao do artigo 226 daConstituio Federal retirou do casamento a exclusividade de modelo familiar, possibilitando que a unio estvel e a famlia monoparental assim tambm fossemreconhecidas. No entanto, a discusso continua acerca das unies concomitantes, uma vez que o sistema jurdico baseado na monogamia mas a lei no mencionou o seureconhecimento de forma expressa. Todavia, ao no delimitar, concedeu oportunidade para o seu reconhecimento.

    Assim, trs so as principais correntes com relao ao reconhecimento das relaes concomitantes como entidade familiar. A primeira, com posicionamento bastanteconservador, entende que nenhum tipo de relacionamento paralelo deve ser reconhecido pelo Direito de Famlia, independentemente da presena da boaf por partede algum dos envolvidos.

    A segunda corrente considera injusto no reconhecer a unio estvel putativa, ou seja, quando presente a boaf uma vez que ausente a malcia. Assim, havendo boaf,a unio estvel concomitante deve ser inserida no Direito de Famlia, enquanto que a unio estvel paralela deve ser equiparada sociedade de fato e tratada peloDireito Obrigacional sempre que houver construo de patrimnio em comum, a fim de evitar enriquecimento ilcito.

    Finalmente, a terceira corrente entende que o no reconhecimento das relaes concomitantes fere os princpios constitucionais e o desenvolvimento da dignidade dapessoa humana. Assim, ante a no taxatividade da Constituio Federal com relao aos tipos de famlia, no cabe ao Estado decidir quais relaes familiares seroinseridas no Direito de Famlia e quais sero marginalizadas, devendo proteger todo e qualquer tipo de famlia, a fim de que possa desenvolver a dignidade de cada umde seus membros.

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    Indiscutvel que a famlia ambiente essencial para o desenvolvimento da dignidade de seus componentes e a sua marginalizao fere o princpio constitucionalfundamental. Outrossim, estabelece a Constituio Federal o princpio do pluralismo das entidades familiares, segundo o qual qualquer relao pode ser reconhecidacomo entidade familiar, desde que preencha determinados requisitos e colabore para a dignificao dos seus integrantes.

    No entanto, reconhecer relaes paralelas a um casamento ou a uma unio estvel tambm fere a dignidade da pessoa humana e faz com que as famlias percam suasidentidades uma vez que se confundem. Assim, havendo uma relao anterior e ausente a boaf por parte dos envolvidos no h que se falar em entidade familiar, vistoque alm de infringir a monogamia, fere a dignidade dos envolvidos na primeira relao.

    Diferente o que acontece nas relaes estveis putativas, ou seja, quando h a boaf por parte de pelo menos um dos envolvidos, uma vez que ambas as famliasencontramse em um estado de ignorncia, nenhuma sabendo da outra, com exceo da parte traidora. Neste sentido, no h razo para excluir a segunda pelo simplesfato de ser posterior, por preencher os mesmos requisitos da anterior.

    Assim, no cabe ao ordenamento jurdico brasileiro atual reconhecer as unies paralelas como entidade familiar, sob pena de o que exceo se tornar regra geral etransformar o sistema monogmico em poligmico. No se pode, no entanto, ignorar a existncia de tais relacionamentos e marginalizlos.

    Neste sentido, em preservao da dignidade da pessoa humana, imprescindvel anlise de cada caso, a fim de se buscar a melhor soluo, uma vez que o Direito nopode ser estanque e com respostas nicas, mas tem o dever de se adequar a cada situao e resolvla de acordo com suas peculiaridades.

    RefernciasALBUQUERQUE FILHO, Carlos Cavalcanti de. Famlias simultneas e concubinato adulterino. Disponvel em: . Acesso em: 02 abr.2007.ALBUQUERQUE, Marco Aurlio Crespo. Sobre as unies paralelas: um olhar psicanaltico, In: SOUZA, Ivone M. C. Coelho de (Org.). Casamento uma escuta alm dojudicirio, 2006. p. 205221.AZEVEDO, lvaro Villaa. Estatuto da Famlia de Fato. So Paulo: Jurdica Brasileira, 2001.BAPTISTA, Silvio Neves. Unio Estvel de pessoa casada. In: DELGADO, Mrio Luiz; ALVES, Jones Figueiredo (Coord.). Questes controvertidas no direito de famlia e dassucesses. So Paulo: Mtodo, v.3, 2005. p.301313.BRASIL. Constituio da Repblica Federativa do Brasil de 05 de outubro de 1988._______. Cdigo civil de 10 de janeiro de 2002._______. Supremo Tribunal Federal. Smula nmero 380.CAMBI, Eduardo. Premissas tericas das unies extramatrimoniais no contexto da tendncia da personificao do Direito de Famlia. In: WAMBIER, Teresa Arruda Alvim;LEITE, Eduardo de Oliveira (Coord.). Repertrio de Doutrina sobre Direito de Famlia. So Paulo: Revista dos Tribunais, v.4, 1999. p.125187.COELHO, Fbio Ulhoa. Curso de Direito Civil. So Paulo: Saraiva, v.5, 2006.DIAS, Maria Berenice. Manual de Direito das Famlias. 3.ed. Porto Alegre: Revista dos Tribunais, 2006._______. Adultrio, bigamia e unio estvel: realidade e responsabilidade. Disponvel em: . Acesso em: 17 ago. 2006._______. Famlia, tica e afeto. Disponvel em: . Acesso em: 28 mai. 2007.FARIAS, Cristiano Chaves de. A Separao Judicial Luz do Garantismo Constitucional: A afirmao da dignidade humana como um rquiem para a culpa na dissoluo docasamento. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2006.GIORGIS, Jos Carlos Teixeira. A Unio Estvel e os pressupostos subjacentes. In: DELGADO, Mrio Luiz; ALVES, Jones Figueiredo (Coord.). Questes controvertidas nodireito de famlia e das sucesses. So Paulo: Mtodo, v.3, 2005. p.201224.LBO, Paulo Luiz Netto. Entidades familiares constitucionalizadas: para alm do numerus clausus. Disponvel em: . Acesso em: 28mai. 2007.MADALENO, Rolf. Direito de Famlia em pauta. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2004.PEREIRA, Rodrigo da Cunha. Da unio Estvel. In: DIAS, Maria Berenice; PEREIRA, Rodrigo da Cunha (Coord.). Direito de Famlia e o Novo Cdigo Civil. 2 ed. ver., atual. eampl. Belo Horizonte: Del Rey, 2005. p. 225242._______. Princpios Fundamentais Norteadores do Direito de Famlia. Belo Horizonte: Del Rey, 2006.PIANOVSKI, Carlos Eduardo. Famlias Simultneas e Monogamia. In:PEREIRA, Rodrigo da Cunha (Coord.). Famlia e Dignidade Humana. Anais do V Congresso Brasileiro deDireito de Famlia. So Paulo: IOB Thomson, 2006. p.193221.SARLET, Ingo Wolfgang. Dignidade da Pessoa Humana e Direitos Fundamentais. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2001.TEPEDINO, Gustavo. Temas de Direito Civil. 2 ed. rev. e atual. Rio de Janeiro e So Paulo: Renovar, 2001.

    Por Maria Berenice Dias,desembargadora do TJRS.A Constituio Federal reconhece a famlia como a base da sociedade, assegurandolhe especial proteo. Faz expressa referncia ao casamento, unio estvel e sfamlias formadas por s um dos pais e seus filhos. A legislao infraconstitucional, de forma exaustiva, regulamenta o casamento, concede tratamento discriminatrio unio estvel, mas esqueceu de regulamentar as unidades monoparentais. Esta injustificvel omisso, no entanto, no autoriza que se tenham estas famlias como inexistentes. Nem essas e nem outras. Basta dar uma mirada na sociedade dosdias de hoje para concluir que a famlia mesmo plural. E, ao final, a doutrina teve que se render e acabou reconhecendo que as entidades familiares vo alm do rol constitucionalizado. H toda uma nova construo doconceito de famlia, dando nfase solidariedade familiar e ao compromisso tico dos vnculos de afeto. A viso excessivamente sacralizada da famlia tenta identificar a monogamia como um princpio, quando se trata de mero elemento estruturante da sociedade ocidentalde origem judaicocrist. At bem pouco tempo s era reconhecida a famlia constituda pelos "sagrados" laos do matrimnio. Da o repdio s unies extramatrimoniais.Rotuladas de "sociedade de fato", eram alijadas do direito das famlias. A tentativa de perpetuar a famlia fez o casamento indissolvel e, mesmo depois do divrcio, ainda o Estado resiste em dissolvlo. Impe prazos e tenta punir culpados.O interesse na preservao da famlia matrimonializada to grande que at 2005 o adultrio era crime. A bigamia ainda . O Estado se imiscui de tal maneira na intimidade do casal que impe o dever de fidelidade (Cd. Civil, art. 1.566, I). Considera o adultrio como justa causa para aseparao (Cd. Civil, art. 1.573, I), e o reconhecimento da culpa do infiel faz com que ele perca o nome de casado (Cd. Civil, art. 1.578). Alimentos, s recebe o quantobaste para sobreviver (Cd. Civil, art. 1.704, pargrafo nico). A lei tenta de todas as formas obrigar a manuteno de um nico vnculo familiar, mas a sociedade sempre tolerou a infidelidade masculina. Os homens so os grandesprivilegiados, pois nunca foram responsabilizados por suas travessuras sexuais. Tanto assim que durante muito tempo os "filhos adulterinos" no podiam serreconhecidos. As unies extramatrimoniais at a pouco no geravam quaisquer nus ou encargos. E ter "outra" motivo de orgulho e da inveja dos amigos. Em contrapartida, as mulheres sempre foram punidas. A infidelidade feminina autorizava o homem a "lavar a honra da famlia", o que livrou muitos maridos trados dacadeia. Como os "filhos ilegtimos" no tinham direito identidade, eram s "filhos da me", assumindo ela a responsabilidade exclusiva pela sua criao e manuteno.Tambm a resistncia em abrigar o concubinato no mbito do direito das famlias gerou legies de mulheres famintas, pois no lhes era assegurado nem alimentos e nemdireitos sucessrios. Como sociedades de fato, dividiamse lucros e no os frutos de uma sociedade de afeto.Esta mania de punir a mulher como forma de assegurar ao homem o livre exerccio da sexualidade ainda persiste. De maneira simplista os vnculos familiares que seconstituem de modo concomitante ao casamento so condenados invisibilidade. Contam com a conivncia do Judicirio. Com isso, as unies paralelas uma faanhaexclusivamente masculina continuam sendo incentivadas. Os nomes so vrios: concubinato adulterino, impuro, imprprio, esprio, de mf, e at concubinagem. Mas a conseqncia uma s: a punio da mulher. A ela atribuda a responsabilidade pelo adultrio masculino. Tanto que, somente na hiptese de ela alegar quedesconhecia a condio de casado do companheiro que tem chance de receber parte do que conseguir provar que ajudou a amealhar. Caso confesse que sabia que ohomem no lhe era fiel, impiedosamente condenada a nada receber. O fundamento: no infringir o dogma da monogamia.Assim, tanto a lei como a justia continuam cmplices do homem. Bem feito! Quem manda ser mulher?Notas:[1] SARLET, Ingo Wolfgang. Dignidade da Pessoa Humana e Direitos Fundamentais, 2001. p.60.[2] BRASIL. Constituio da Repblica Federativa do Brasil de 05 de outubro de 1988.[3] DIAS, Maria Berenice. Manual de Direito das Famlias. 3.ed. Porto Alegre: Revista dos Tribunais, 2006. p.61.[4] FARIAS, Cristiano Chaves de A Separao Judicial Luz do Garantismo Constitucional: A afirmao da dignidade humana como um rquiem para a culpa na dissoluodo casamento, 2006. p.66.[5] DIAS, Manual de Direito das Famlias, 2006. p.51.[6] BRASIL. Cdigo Civil de 10 de janeiro de 2002.[7] BAPTISTA, Silvio Neves. Unio Estvel de pessoa casada. In: DELGADO, Mrio Luiz; ALVES, Jones Figueiredo (Coord.). Questes controvertidas no direito de famlia e dassucesses. So Paulo: Mtodo, v.3, 2005. p. 303.[8] BRASIL. Cdigo civil de10 de janeiro de 2002.[9] DIAS, Adultrio, bigamia e unio estvel: realidade e responsabilidade. Disponvel em: http://www.mariaberenicedias.com.br>. Acesso em: 17 ago. 2006.[10] PIANOVSKI, Carlos Eduardo. Famlias Simultneas e Monogamia. In:PEREIRA, Rodrigo da Cunha (Coord.). Famlia e Dignidade Humana. Anais do V Congresso Brasileiro deDireito de Famlia, 2006. p.194.[11] CAMBI, Eduardo. Premissas tericas das unies extramatrimoniais no contexto da tendncia da personificao do Famlia. In: WAMBIER, Teresa Arruda Alvim; LEITE,Eduardo de Oliveira (Coord.). Repertrio de Doutrina sobre Direito de Famlia, v.4, 1999. p.141.[12] MADALENO, Rolf. Direito de Famlia em pauta, 2004. p. 71.[13] AZEVEDO, lvaro Villaa. Estatuto da Famlia de Fato, 2001. p. 211.[14] TEPEDINO, Gustavo. Temas de Direito Civil. 2.ed. rev. e atual. Rio de Janeiro, So Paulo: Renovar, 2001. p.331.[15] PEREIRA, Rodrigo da Cunha. Da unio Estvel. In: DIAS, Maria Berenice; PEREIRA, Rodrigo da Cunha (Coord.). Direito de Famlia e o Novo Cdigo Civil. 2.ed. rev., atual.e ampl. Belo Horizonte: Del Rey, 2005. p. 233.[16] AZEVEDO, Estatuto da Famlia de Fato, 2001. p. 311.[17] BRASIL. Supremo Tribunal Federal. Smula nmero 380.[18] PIANOVSKI, Famlias Simultneas e Monogamia. In:PEREIRA, Rodrigo da Cunha (Coord.). Famlia e DignidadeHumana. Anais do V Congresso Brasileiro de Direito deFamlia, 2006. p.213.[19] LBO, Paulo Luiz Netto. Entidades familiares constitucionalizadas: para alm do numerus clausus. Disponvel em: . Acesso em:28 mai. 2007.

  • 14/05/2015 Apossiblidadedoreconhecimentodaunioestvelputativaeparalelacomoentidadefamiliar,frenteaosprincpiosconstitucionaisaplicveisFa

    http://www.ambitojuridico.com.br/site/index.php?artigo_id=6123&n_link=revista_artigos_leitura#_ftnref23 5/5

    [20] DIAS, Adultrio, bigamia e unio estvel: realidade e responsabilidade. Disponvel em: . Acesso em: 17 ago. 2006.[21] ALBUQUERQUE FILHO, Carlos Cavalcanti de. Famlias simultneas e concubinato adulterino. Disponvel em: . Acesso em: 02abr. 2007.[22] DIAS, Famlia, tica e afeto. Disponvel em: . Acesso em: 28 mai. 2007.[23] PEREIRA, Princpios Fundamentais Norteadores do Direito de Famlia, 2006. p.36.[24] ALBUQUERQUE, Marco Aurlio Crespo. Sobre as unies paralelas: um olhar psicanaltico, In: SOUZA, Ivone M. C. Coelho de (Org.). Casamento uma escuta alm dojudicirio, 2006. p. 206.[25] GIORGIS, Jos Carlos Teixeira. A Unio Estvel e os pressupostos subjacentes. In: DELGADO, Mrio Luiz; ALVES, Jones Figueiredo (Coord.). Questes controvertidas nodireito de famlia e das sucesses, v.3, 2005. p.222.[26] COELHO, Fbio Ulhoa. Curso de Direito Civil, v.5, 2006. p. 136.[27] LBO, Entidades familiares constitucionalizadas: para alm do numerus clausus. Disponvel em: . Acesso em: 28 mai. 2007.

    Renata Miranda GoecksBacharel em Direito pela Universidade de Passo Fundo/RS

    Vitor Hugo OltramariAdvogado, Professor de Direito de Famlia e Sucesses na Universidade de Passo Fundo, Mestre pela UFPR

    Informaes Bibliogrficas

    GOECKS, Renata Miranda; OLTRAMARI, Vitor Hugo. A possiblidade do reconhecimento da unio estvel putativa e paralela como entidade familiar, frente aos princpiosconstitucionais aplicveis. In: mbito Jurdico, Rio Grande, XII, n. 64, maio 2009. Disponvel em: . Acesso em maio 2015.

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