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Priscila Cibele Chiaramonte Nardi A PRECARIZAÇÃO NO MERCADO DE TRABALHO – O RAMO DA INDÚSTRIA AUTOMOBILÍSTICA NA RMC. CURITIBA – PR 2006

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Priscila Cibele Chiaramonte Nardi

A PRECARIZAÇÃO NO MERCADO DE TRABALHO – O RAMO DA INDÚSTRIA AUTOMOBILÍSTICA NA RMC.

CURITIBA – PR 2006

Priscila Cibele Chiaramonte Nardi

A PRECARIZAÇÃO NO MERCADO DE TRABALHO – O RAMO DA INDÚSTRIA AUTOMOBILÍSTICA NA RMC.

Monografia apresentada como requisito parcial

à conclusão do Curso de Ciências Sociais,

Setor de Ciências Humanas, Letras e Artes,

Universidade Federal do Paraná.

Orientadora: Prof. ª Dr. ª Benilde Maria Lenzi

Motim.

CURITIBA – PR

2006

i

AGRADECIMENTOS

Primeiramente, quero agradecer aos meus pais, que sempre me deram incentivo,

apoio, carinho e por todo o amor deles para comigo.

Ao meu namorado, Vinícius, que me mostrou um outro universo e que me ajudou

nesses anos em que estamos juntos.

Aos amigos que fiz na faculdade, em especial, a Flávia, que se mostrou uma amiga

solidária, confidente. Aos demais amigos, simplesmente pela amizade deles.

À minha orientadora Benilde Motim, que auxiliou no meu trabalho de conclusão de

curso e nos dois anos de Iniciação Científica.

Aos professores do curso de Ciências Sociais que ajudaram em minha formação.

ii

Para ser grande, sê inteiro: nada Teu exagera ou exclui. Sê todo em cada coisa. Põe quanto és No mínimo que fazes. Assim em cada lago a lua toda Brilha, porque alta vive.

Fernando Pessoa

iii

SUMÁRIO

Agradecimentos...................................................................................................... i

Resumo................................................................................................................... iv

01. INTRODUÇÃO.................................................................................................. 01

02. AS CONFIGURAÇÕES DO TRABALHO.................................................... 04

2.1 Os sistemas flexíveis de produção................................................................... 07

2.2 Os sistemas flexíveis de produção no Brasil.................................................... 13

03. A PRECARIZAÇÃO NO MERCADO DE TRABALHO E NO TRABALHO,

NO ÂMBITO DOS SISTEMAS FLEXÍVEIS DE PRODUÇÃO – DISCUTINDO

ALGUMAS ABORDAGENS...................................................................................

20

3.1 As explicações de David Harvey...................................................................... 27

3.2 As explicações de Robert Castel...................................................................... 30

3.3 As explicações de Pierre Bourdieu................................................................... 36

04. A INDÚSTRIA AUTOMOBILÍSTICA NO BRASIL................................... 41

4.1 A indústria automobilística na Região Metropolitana de Curitiba (RMC): perfil

do trabalhador e do mercado de trabalho...............................................................

46

05. CONSIDERAÇÕES FINAIS............................................................................. 53

06. REFERÊNCIAS................................................................................................ 57

07. ANEXOS........................................................................................................... 59

iv

RESUMO

Este trabalho de conclusão de curso teve o objetivo de compreender o processo de precarização no mercado de trabalho e as características deste na indústria automobilística, da Região Metropolitana de Curitiba (RMC), a partir da bibliografia da Sociologia do Trabalho e dos dados do Ministério do Trabalho e Emprego (MTE), RAIS. No contexto internacional, nas décadas de 70 e 80 do século XX ocorreram mudanças significativas na economia, na política e na sociedade. No âmbito dessas transformações desenvolveu-se um sistema de acumulação completamente novo, a acumulação flexível. No Brasil, a reestruturação produtiva começa a tomar formas reais a partir de meados dos anos 1980 e inicio dos 90, do século XX. Esse novo sistema de acumulação transformou o mercado de trabalho e o trabalho e essa transformação é parcialmente analisada neste trabalho. Observou-se, também, que a indústria automobilística no Brasil seguiu a mesma tendência como foi constatado nas leituras e nos dados coletados junto a Relação Anual de Informações Sociais (RAIS), constituindo-se muitas vezes como indústria de paradigmáticas no que se refere aos processos de trabalho.

Palavras-chave: Mercado de Trabalho; Trabalho; Indústria Automobilística.

1

01. INTRODUÇÃO

O presente trabalho de conclusão de curso teve o objetivo de analisar a

precarização no mercado de trabalho, fazendo um recorte para focalizar este

processo, no ramo da indústria automobilística, na Região Metropolitana de Curitiba

(RMC).

O que se pretende apresentar inicialmente são as configurações do trabalho e

como o trabalho se desenvolveu até os dias atuais. Assim, pode-se compreender os

sistemas flexíveis de produção e o que estes acarretam de mudanças, no mercado

de trabalho. Finalmente, no capitulo II, compreender-se-á a indústria automobilística

na RMC, seu mercado de trabalho, o perfil do trabalhador e como se apresenta a

precarização em seu interior. Para contemplar tal estudo, foi realizada revisão e

sistematização da bibliografia sobre a precarização no mercado de trabalho e coleta

de dados do Ministério do Trabalho e Emprego (MTE)/ Relação Anual de

Informações Sociais (RAIS).

Os autores mencionados pertencem ao arcabouço teórico das Ciências

Sociais, principalmente, da Sociologia do Trabalho e discutem as temáticas

referentes à flexibilização e precarização no mercado de trabalho e nos processos

de trabalho.

As sociedades, em seu desenvolvimento, organizaram o trabalho e este foi

tomando características diferenciadas conforme suas finalidades e ambiente em que

se realiza. Assim, houve a separação entre o trabalho agrícola, comercial e

industrial. Ao mesmo tempo, pela divisão do trabalho no interior dos diferentes

ramos notou-se que ocorreu o desenvolvimento de diversas subdivisões entre os

indivíduos que cooperam em trabalhos determinados, conforme já mencionavam

Engels e Marx (2002):

A posição da cada uma dessas subdivisões particulares em relação às outras é condicionada pelo modo de exploração do trabalho agrícola, industrial e comercial (patriarcado, escravatura, ordens e classes). Essas mesmas relações aparecem quando as trocas são mais desenvolvidas nas relações entre as diversas nações. (ENGELS; MARX, 2002, p.12).

2

Ainda para Engels e Marx (2002), cada novo estágio da divisão do trabalho

determina as relações dos indivíduos entre si no tocante à matéria, aos instrumentos

e aos produtos do trabalho.

Faz-se importante este estudo, pois, segundo Engels e Marx (2002), não é

partindo do que os homens dizem, representam ou imaginam, nem do que eles são

nas palavras, no pensamento, na imaginação dos outros, para só então chegar aos

homens de carne e osso; mas, é partindo dos homens em sua atividade real, é a

partir de seu processo de vida real que representa também o desenvolvimento dos

reflexos e das repercussões ideológicas desse processo vital. A produção das

idéias, das representações está a princípio, ligada às atividades materiais e ao

comércio material dos homens; ela é a linguagem da vida real, segundo Engels e

Marx (2002).

Será discutida a acumulação flexível, que de acordo com Harvey (2001),

choca-se diretamente com a rigidez do fordismo. Tem como característica a

flexibilidade dos processos de trabalho, dos mercados de trabalho, dos produtos e

padrões de consumo. A reestruturação produtiva mudou a produção e o trabalho, ou

seja, novas tecnologias, novos padrões de gestão e organização do trabalho foram

implementados.

A reestruturação produtiva afeta o mercado de trabalho de forma a precarizar

esse mercado. No Brasil, a reestruturação produtiva no setor industrial se deu,

principalmente, por introdução de novos padrões de gestão e organização do

trabalho e menos, por inovações tecnológicas.

Pode-se considerar, de acordo com Druck e Borges (2002), a terceirização,

como política de gestão e organização do trabalho no interior da reestruturação

produtiva. A terceirização é a forma mais nítida da flexibilização do trabalho, pois

permite concretizar os “contratos flexíveis”.

Segundo Leite (2003) em 1980, no Brasil, o desemprego urbano e o aumento

da informalidade já apareceram com intensidade, embora ainda estavam

preservadas as estruturas industrial e produtiva, esses fenômenos encontravam-se

vinculados às oscilações do ciclo econômico e do processo inflacionário, não

adquirindo grande vulto. É em 1990 que a situação transformou por completo, a

atividade industrial sofreu muito com a abertura do mercado, conseqüentemente, o

desemprego disparou, a informalidade aumentou, o desassalariamento avançou. O

desemprego alcançou taxas inéditas na história do país.

3

A intenção foi analisar a precarização no mercado de trabalho recortando a

indústria automobilística na Região Metropolitana de Curitiba (RMC) dentro dos

sistemas flexíveis de produção.

Procurou-se analisar o mercado de trabalho através dos relevantes debates

realizados na Sociologia do Trabalho. E as leituras enfatizaram a precarização deste

mercado nos sistemas flexíveis de produção. Fazendo um elo a isso buscou-se

compreender a lógica do mercado de trabalho automobilístico na RMC sob a égide

da precarização. O período analisado foi recente e compreendeu os anos 2000 –

2005. Para tanto foram coletados dados no MTE/RAIS e o que interessava eram os

setores ligados à indústria automobilística, então foram selecionadas 15 classes de

Atividade Econômica da CNAE, última revisão. São as 15 seções com seus

respectivos códigos: 25119 – fabricação de pneumática e câmaras de ar; 29297 –

fabricação de outras máquinas e equipamentos de uso geral; 31429 – fabricação de

baterias e acumuladores para veículos; 31607 – fabricação de material elétrico para

veículos (exclusive baterias); 31925 – fabricação de aparelhos e utensílios para

sinalizações e alarme; 34100 – fabricação de automóveis, caminhonetas e utilitários;

34207 – fabricação de caminhões e ônibus; 34312 – fabricação de cabines,

carrocerias e reboques para caminhão; 34320 – fabricação de carrocerias para

ônibus; 34398 – fabricação de cabines, carrocerias e reboques para outros veículos;

34410 – fabricação de peças e acessórios para o sistema motor; 34428 – fabricação

de peças e acessórios para o sistema de marcha e transmissão; 34436 – fabricação

de peças e acessórios para o sistema de freios; 34444 – fabricação de peças e

acessórios para o sistema de direção e suspensão; 34495 – fabricação de peças e

acessórios de metal para veículos automotores não classificados em outras classes.

Visou compreender a época recente, em que algumas mudanças da indústria

automobilística nos anos 1990, no Brasil, estão produzindo seus efeitos no mercado

de trabalho.

4

02. AS CONFIGURAÇÕES DO TRABALHO

A divisão manufatureira do trabalho é o princípio inovador mais antigo do

modo de produção capitalista e essa divisão foi o princípio fundamental da

organização industrial. Sabe-se que todas as sociedades conhecidas dividiram seu

trabalho em especialidades produtivas, mas antes do capitalismo nenhuma

sociedade subdividiu sistematicamente o trabalho de cada especialidade produtiva

em operações limitadas. Esta forma de divisão do trabalho tornou-se generalizada

somente no capitalismo.

Há diferenças, segundo Braverman (1987), entre a divisão geral ou social do

trabalho e a divisão do trabalho em pormenor, a divisão manufatureira do trabalho.

Esta é a divisão dos processos na fabricação de um produto em diversas operações

executadas por diferentes trabalhadores.

Ainda para Braverman (1987), a maior confusão no estudo sobre esse

assunto é considerar o trabalho social e as divisões parceladas dele como um único

assunto. Ele diz que a divisão do trabalho na sociedade é comum a todas as

sociedades e, a divisão do trabalho na atividade (ou oficina) é característica somente

da sociedade capitalista. A divisão pormenorizada do trabalho faria do trabalhador

um ser inapto a acompanhar qualquer processo completo de produção. A divisão

social do trabalho divide a sociedade em ofícios. Já a divisão parcelada do trabalho,

subdivide o homem.

O período manufatureiro é caracterizado pelo trabalho coletivo, ou seja, é a

composição de muitos trabalhadores parciais. Segundo Gorz (1989) o produtor de

uma mercadoria executa diferentes operações alternadamente, que se incorporam

no conjunto de seu processo de trabalho, exigindo capacidades diversas. Em certos

momentos, o trabalhador precisa mostrar mais força, outros momentos, mais

habilidade e em outros, mais atenção. O mesmo indivíduo não tem todas essas

qualidades em grau idêntico. Sabe-se que ao separar as diferentes operações,

isolando-as e as tornando independentes, os operários são distribuídos,

classificados e agrupados segundo suas aptidões especificas. As peculiaridades

naturais são a base para a implantação da divisão do trabalho, que têm como

características capacidades para funções restritas. Nota-se que o trabalhador

coletivo possui todas as capacidades em graus semelhantes de virtuosidade e as

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emprega ao mesmo tempo, de forma mais econômica, pela aplicação de todos os

seus órgãos em funções bem especificas. (GORZ: 1989:23). Marx1 citado por Gorz

(1989) diz que quanto mais incompleto, até mesmo imperfeito for o trabalhador

parcial, ele será mais perfeito como parte do trabalhador coletivo. O trabalhador

coletivo possui diferentes funções, por isso a manufatura estabelece uma hierarquia

das forças de trabalho, à qual corresponde uma escala de salários.

O aspecto social da divisão do trabalho na sociedade capitalista é que a força

de trabalho capaz de executar o processo pode ser comprada mais barato como

elementos dissociados do que como capacidade integrada num só trabalhador, de

acordo com Braverman (1987).

Nota-se que o trabalhador que era independente, com a manufatura ele se

submeteu às ordens e à disciplina do capital. Ao não possuir os meios materiais

necessários para produzir uma mercadoria, o trabalhador vende sua força de

trabalho ao capital, e sua força de trabalho individual recusa qualquer serviço se não

estiver vendida ao capital. O trabalhador de manufatura não desenvolveu mais

atividade produtiva a não ser como acessório da oficina do capitalista.

A análise do processo de trabalho e sua divisão nos elementos constituintes,

segundo Braverman (1987) é comum até hoje em todos os ramos e ofícios, e

representa a primeira forma de parcelamento do trabalho. Este autor, assim como

Marx (2002), diz que a força de trabalho transformou-se em mercadoria. Sua

utilidade não é mais organizada de acordo com as necessidades de seus

compradores, que querem aumentar o valor do seu capital. Os compradores têm

interesse de baratear sua mercadoria. E a forma mais comum de baratear a força de

trabalho é fracioná-la nos seus elementos mais simples. O trabalho simples é mais

barato do que o trabalho completo do produto.

É ainda Gorz (1989) quem diz que na manufatura e nos ofícios, o trabalhador

serve-se do instrumento; e na fábrica, ele serve a máquina. No primeiro caso, quem

move o meio de trabalho é o trabalhador, já na fábrica, ele só precisa acompanhar o

movimento. Nota-se que na manufatura, os trabalhadores são membros de um

mecanismo vivo; na fábrica, são apenas os complementos vivos de um mecanismo

morto que existe independente deles.

1 Marx, Karl. O Capital. Livro primeiro, IV parte, cap. XII. Paris: Edições Costes, 1927.

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É sabido, segundo Cattani (2004), que no capitalismo a riqueza da produção

social é apropriada por grupos restritos, os inventos e obras são usufruídos por

poucos privilegiados, o trabalho humano é explorado sob o principio da fungibilidade

dos operários, e a exploração humana da natureza é predatória. Desde o final do

século XX, levando em conta a sua escala planetária, o capitalismo amplia as

desigualdades de forma próxima ao paroxismo: milhões de obesos-mórbidos nos

Estados Unidos e milhões de subnutridos em outros continentes, por exemplo. Têm-

se muitas diferenças grotescas e chocantes que podem passar desapercebidas,

multiplicando-se de forma infinita. Isso tudo ocorre de forma acelerada, sob a lógica

da “compreensão tempo-espaço”.

De acordo com Cattani (2004) essas são considerações genéricas que

necessitam ser detalhadas, para provar sua pertinência e para apontar questões

específicas que dizem respeito à nossa realidade imediata. E é o que ele faz

ordenando seu pensamento a partir de três idéias básicas: a primeira é que o

capitalismo desenvolveu-se, ao longo do século XX, impulsionado por uma lógica

diferente de hoje em que teve como resultado a inclusão social ampliada. A segunda

idéia é que, a partir dos anos 1980, orientado por princípios neoliberais, ele começa

a ter um caminho desastroso- ampliando a exclusão e as desigualdades-, e que

esse desastre pode ter grandes proporções. A terceira é que nada do que acontece

atualmente seja irreversível e, sobretudo, que o modelo dominante, apesar da sua

força, disputa legitimidade na organização econômica e societária com, no mínimo,

quatro outros projetos.

Nota-se que desde seus primórdios, o capitalismo possui uma lógica de

funcionamento bem especifica: organizar o trabalho humano para produzir

mercadorias que serão vendidas por preço superior ao seu custo. Quando a

produção é organizada, o que se observa é que o capitalista organiza, também, toda

a sociedade, subjugando as diferentes lógicas sociais a uma lógica mercantil,

produtivista e concorrencial. Para isso é necessário a coerção e o disciplinamento da

força de trabalho. Isto porque não há trabalhador livre que aceite condições penosas

e aviltantes de um trabalho destituído de sentido. O primeiro momento desse

processo é sempre a subjugação, na seqüência transformada em subordinação, até

chegar a uma situação de consentimento, que significa a naturalização da divisão

social do trabalho na estruturação social hierarquizada e, enfim, do entendimento

alienado de que a sociedade assim organizada é a sociedade possível.

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Porém, mesmo que exista uma consagradora hegemonia sobre práticas e

idéias, o capitalismo é minado pela insatisfação dos subalternos (luta de classes) e

pela própria lógica concorrencial (a luta entre os “irmãos inimigos”), obrigando com

isso os proprietários dos meios de produção a constantemente revolucionar as

forças produtivas. Acumular, acumular sempre mais é uma lei econômica à qual

estão subentendidos todos os empresários. Marx (2002), diz que a riqueza das

sociedades capitalistas é caracterizada por uma grande acumulação de

mercadorias, isoladamente considerada, é a forma elementar dessa riqueza.

É a soma de todos esses elementos formais, dado um período histórico

específico, que caracteriza as fases específicas da dinâmica capitalista, fases que

podem ser denominadas de modelos de desenvolvimento ou paradigmas de

macroregulação, de acordo com Cattani (2004).

2.1 OS SISTEMAS FLEXÍVEIS DE PRODUÇÃO

Visando analisar os sistemas flexíveis de produção, discuti-se, brevemente, o

fordismo que precedeu a acumulação flexível. São modelos diferentes de produção

que em certos momentos coexistiram como no caso brasileiro, que serão analisados

no próximo item. Não esquecendo que o objetivo maior é analisar a precarização no

mercado de trabalho no contexto do sistema flexível.

De acordo com Harvey (2001), existiu uma transformação na economia

política do final do século XX, cabe estabelecer a profundidade dessa mudança. Há

muitos exemplos de modificações radicais em processos de trabalho, hábitos de

consumo, configurações geográficas e geopolíticas, poderes e práticas do Estado

etc. No Ocidente, há ainda uma sociedade em que a produção em função de lucros

permanece como o principio organizador básico da vida econômica.

O fordismo se iniciou em 1914 quando Henry Ford introduziu seu dia de oito

horas e cinco dólares como sendo uma forma de recompensar os trabalhadores da

linha automática de montagem de automóveis. Mas o modo de implantação do

fordismo é mais complexo que isso.

Em muitos aspectos, as inovações tecnológicas e organizacionais de Ford

eram extensão de tendências estabelecidas. O que ele fez foi racionalizar velhas

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tecnologias e uma detalhada divisão do trabalho preexistente, o trabalho chegou ao

trabalhador numa posição fixa e com isso conseguiu ganhos de produtividade. A

separação entre gerencia, concepção, controle e execução já se encontrava bem

avançada em várias indústrias. O diferencial de Ford e o que o distingue de Taylor,

segundo Harvey (2001), foi a visão, seu relacionamento evidente de que produção

de massa significava consumo de massa, um novo sistema de reprodução da força

de trabalho, uma nova política de controle e gerencia do trabalho, uma nova estética

e uma nova psicologia, ou seja, uma nova sociedade democrática, racionalizada,

modernista e populista.

Notou-se que o fordismo não beneficiava a todos, tendo sinais de insatisfação

mesmo no período de apogeu do sistema. Sem acesso ao trabalho da produção de

massa, amplos segmentos da força de trabalho também não tinham acesso ao

consumo em massa. Era uma fórmula que produzia reações diversas. No Terceiro

Mundo havia inúmeros insatisfeitos com o processo de modernização que prometia

desenvolvimento, emancipação das necessidades e plena integração ao fordismo,

mas que, na prática, promovia a destruição de culturas locais, muita opressão e

numerosas formas de domínio capitalista em troca de ganhos mínimos em termos de

padrão de vida e de serviços públicos. O comportamento da elite nacional foi

diverso, pois era muito afluente e decidiu colaborar efetivamente com o capital

internacional.

O objetivo de Henry Ford era um novo tipo de sociedade que poderia ser

construída através da aplicação adequada ao poder corporativo. A finalidade do dia

de oito horas e cinco dólares era obrigar o trabalhador a ter disciplina necessária à

operação do sistema de linha de montagem de alta produtividade.

O binômio taylorista/fordista foi dominante no sistema produtivo na grande

indústria ao decorrer de quase todo o século XX, baseava-se na produção em

massa de mercadorias, que se estruturava a partir de uma produção mais

homogeneizada e verticalizada.

Esse padrão produtivo caracterizou-se no trabalho parcelar e fragmentado, na

divisão de tarefas, em que a ação operária estava destinada a um conjunto repetitivo

de atividades cuja somatória resultava no trabalho coletivo.

Notaram-se muitos descontentamentos, por exemplo, no “terceiro mundo”

havia inúmeros insatisfeitos com o processo de modernização que prometia

desenvolvimento, emancipação das necessidades e plena integração ao fordismo,

9

mas que, na prática, observou-se destruição de culturas locais, muita opressão e

numerosas formas de domínio capitalista em troca de ganhos mínimos em termos de

qualidade de vida e de serviços públicos. E mesmo com esse descontentamento, o

núcleo duro do regime fordista se manteve firme até 1973, e conseguiu manter a

expansão do pós-guerra intacta. Esse quadro foi abalado com a aguda recessão que

aconteceu em 1973 e um processo de transição rápido do regime de acumulação

teve início.

É no final dos anos 60 e inicio dos anos 70 do século XX que a classe

operária explodiu, segundo Antunes (2003), esse operariado pertencia a era

taylorista/fordista. As ações dos trabalhadores nessa época atingiram seu ponto

máximo, em que questionavam os pilares constitutivos da sociabilidade do capital,

especialmente no que diz respeito ao controle social da produção. O

taylorismo/fordismo retirava do operário qualquer participação na organização do

processo de trabalho, que ficava destinado a uma tarefa repetitiva e sem sentido.

Com a crise houve um processo de reorganização do capital e de seu sistema

ideológico e político de dominação, em que notou-se o surgimento do

neoliberalismo, pela privatização do Estado, desregulamentação dos direitos do

trabalho. Com isso houve também um forte processo de reestruturação da produção

e do trabalho, com o objetivo de dotar o capital do instrumento necessário para

tentar repor o nível de expansão já conseguido anteriormente. Desemprego,

precarização do trabalho, destruição do meio ambiente são características da fase

da reestruturação produtiva do capital.

De acordo com Antunes (2003) foi no contexto das novas formas de

acumulação de capital, que o toyotismo2 e a era da acumulação flexível emergiram.

A partir dos anos 1970, a crise do padrão de acumulação taylorista/fordista era

expressão de uma crise estrutural do capital em que uma das conseqüências foi a

implantação de um processo de reestruturação, com o objetivo de recuperar seu

ciclo reprodutivo. Evidências do Japão, Alemanha, Suécia e Itália mostraram a

existência de um novo paradigma de produtividade industrial e de eficiência

econômica.

Não muito conhecidas no Ocidente, as novas TOSP3 proporcionaram à

economia japonesa um desempenho mais adequado àquele quadro de instabilidade

2 O toyotismo é uma forma de organização do trabalho que nasce na fábrica Toyota, no Japão pós 1945.

3 Tecnologias de Organização Social da Produção.

10

da demanda, dando maior eficiência industrial, consolidando sua ascensão

internacionalmente. Conforme aponta Tauile (2001), um ótimo exemplo do

desempenho japonês no que se refere à indústria, diz respeito ao tempo de

reprogramação dos equipamentos flexíveis em função da possibilidade de redução

do tamanho das séries e lotes para atender às variações da demanda. Dispondo de

equipamentos semelhantes, o fator organizacional, que diz respeito ao

conhecimento e a participação trabalhadora, provavelmente explica boa parte dessa

diferença de produtividade.

Nota-se que as empresas japonesas gastavam menos horas de trabalho para

projetar e lançar um carro novo, e menos tempo gasto para retomar a normalidade

da produção. Isso caracteriza maior agilidade empresarial, maior capacidade de

adequação às condições de mercados dinâmicos, enfim, maior eficiência econômica.

Nas economias ocidentais modernas, conforme Tauile (2001), observou-se

que a introdução de novas tecnologias de automação flexível (TAF) dependia, em

grande parte, de novos e adequados métodos gerenciais. No caso japonês, as

mudanças nas TOSP precederam à introdução de novas tecnologias de automação

flexível. Assim quando as novas TAF começaram a ser difundidas no Japão, elas

encontraram condições propicias para que sua utilização fosse altamente eficaz.

Como já foi dito, a partir da década de 60, novas TOSP, tais como o just-in-

time e os círculos de controle de qualidade (CCQ) difundiram-se na indústria

japonesa, caracterizando uma espécie de revolução organizacional. Em relação ao

just-in-time – método de produção “puxado” pela demanda, que minimiza a

existência de estoques intermediários e finais – sua difusão fez aparecer várias

deficiências preexistentes, obrigando que elas fossem brevemente sanadas ou ao

menos minimizadas, segundo Tauile (2001).

A política de defeito zero é importante para o funcionamento do just-in-time,

que depende da participação ativa e do engajamento dos operários. De acordo com

Tauile (2001) o engajamento dos trabalhadores e a sua importância para o bom

desempenho do processo caracteriza, até certa medida, uma “subversão” da

tradicional tendência do capitalismo moderno em alienar o trabalhador do processo

de produção, pela separação hierárquica entre as atividades de execução e

concepção. A experiência da Toyota ilustra bem esse processo.

Há uma alteração na natureza da divisão do trabalho empregada nesses

processos de produção, de acordo com Tauile (2001), sendo que aos trabalhadores

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é delegada a capacidade de tomar decisões importantes, como parar a linha de

produção, ou alterar o projeto de produto e o processo de produção.

Semelhante ao fordismo presente no decorrer do século XX, mas com um

receituário diferente, o toyotismo reinaugura um novo patamar de intensificação do

trabalho, combinando as formas relativa e absoluta da extração de mais-valia. O

processo de ocidentalização do toyotismo mescla elementos presentes no Japão

com práticas presentes nos países receptores, ou seja, os sistemas flexíveis e o

fordismo. (ANTUNES, 2003).

Antunes (2003, p.54) precisou a realidade do toyotismo, evidenciado sua

diferença do fordismo, a partir dos seguintes traços:

1) Tem uma produção variada e heterogênea, diferente da homogeneidade

fordista;

2) Trabalho operário em equipe, com multivariedade de funções, diferente do

caráter parcelar do fordismo;

3) A produção no toyotismo é realizada em um processo flexível, em que o

trabalhador opera ao mesmo tempo várias máquinas, alterando-se a

relação homem/maquina típica do toyotismo/fordismo;

4) Tem como característica o just in time, significa que dizer que o tempo de

produção é melhor aproveitado;

5) Funciona de acordo com o sistema de kanban4, placas ou senhas de

comando que faz a reposição de peças e de estoque. Observa-se, então,

que no toyotismo os estoques são mínimos em relação ao fordismo;

6) As empresas toyotistas, principalmente as terceirizadas, têm uma

estrutura horizontalizada, diferente da verticalidade fordista;

7) Há os Círculos de Controle de Qualidade (CCQ), em que grupos de

trabalhadores melhoram a produtividade da empresa, convertendo-se em

um importante instrumental para o capital, mediante apropriação do

conhecimento do trabalhador, que o fordismo não enfatizava;

8) Foi no toyotismo que ocorreu a implantação do “emprego vitalício” para

uma parcela dos trabalhadores das grandes empresas, além dos ganhos

salariais vinculados ao aumento da produtividade (ANTUNES, 2003, p.55).

4 Essa técnica tem como objetivo controlar a produtividade e envolver a mão-de-obra em que se controla o fluxo

de produção, diminui o estoque e as equipes de produção tornam-se dependentes.

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Esse processo produtivo do tipo toyotista supõe uma intensificação da

exploração do trabalho, pois os operários trabalham simultaneamente com várias e

diversificadas máquinas e o ritmo e a velocidade da cadeia produtiva é aumentado.

Nota-se, então, uma intensificação do ritmo produtivo dentro do mesmo tempo de

trabalho ou mesmo, quando o tempo diminui.

Semelhante ao fordismo presente no decorrer do século XX, mas com um

receituário diferente, o toyotismo reinaugura um novo patamar de intensificação do

trabalho, combinando as formas relativas e absoluta da extração da mais valia,

segundo Antunes (2003).

Os trabalhadores mostraram que não possuem somente força bruta, mas

também inteligência, iniciativa e capacidade organizacional. Os capitalistas

perceberam que, em vez de explorar a força de trabalho muscular, podiam

multiplicar seu lucro, explorando a imaginação, os dotes organizativos, a capacidade

de cooperação dos trabalhadores. Aliado a isso, ocorreu o desenvolvimento da

tecnologia eletrônica e os computadores e que remodelaram os sistemas de

administração de empresa, implantando o toyotismo, a qualidade total e outras

técnicas de gestão. Um trabalhador que raciocina quando está trabalhando e

conhece os processos tecnológicos e econômicos, não está restrito a um âmbito

imediato – é um trabalhador polivalente. Cada trabalhador pode realizar um maior

número de operações, substituir outras e coadjuva-las. A cooperação fica enfatizada

no processo de trabalho, aumentando as economias de escala, em beneficio do

capitalismo.(ANTUNES, 2003).

A acumulação flexível, segundo Harvey (2001), choca-se diretamente com a

rigidez do fordismo. Esse autor ainda diz que:

Ela se apóia na flexibilidade dos processos de trabalho, dos mercados de trabalho, dos produtos e padrões de consumo. Caracteriza-se pelo surgimento de setores de produção inteiramente novos, novos mercados e, sobretudo, taxas elevadas de inovação comercial, tecnológica e organizacional. A acumulação flexível envolve rápidas mudanças dos padrões de desenvolvimento desigual, tanto entre setores como entre regiões geográficas, criando um vasto movimento no emprego no chamado “setor de serviços” [...] (HARVEY, 2001, p.140).

A acumulação flexível envolve um movimento que Harvey (2001) chamou de

“compressão do espaço-tempo”, o que quer dizer que:

13

[...] os horizontes temporais da tomada de decisões pública e privada se estreitaram, enquanto a comunicação via satélite e a queda dos custos de transporte possibilitam cada vez mais a difusão imediata dessas decisões, em um espaço cada vez mais amplo e variegado. [sic] (HARVEY, 2001,p.140).

Para entender mais, Antunes (2003) diz que a acumulação flexível tem como

característica um padrão organizacional e tecnologicamente avançado. Há o

desenvolvimento de uma estrutura produtiva mais flexível, com desconcentração

produtiva e empresas terceirizadas. Usa-se novas tecnologias de gestão da força de

trabalho, o trabalho em equipe, o envolvimento participativo dos trabalhadores, o

que na realidade é uma participação manipuladora que em sua essência preserva as

condições do trabalho alienado e estranho. Na verdade o processo de organização

do trabalho tem como objetivo a intensificação das condições de exploração da força

de trabalho. No apogeu do taylorismo/fordismo mereciam destaque as empresas

grandes, que se media pelo número de operários, na era da acumulação flexível e

da “empresa enxuta”, merece destaque a empresa que possui menos operários e

maiores índices de produtividade.

O resultado dessa transformação do processo produtivo no mercado de

trabalho e no trabalho será delineado no capítulo dois, a partir da perspectiva de

alguns estudiosos da temática.

2.2 OS SISTEMAS FLEXÍVEIS DE PRODUÇÃO NO BRASIL

Os sistemas flexíveis de produção, no Brasil, aparecem em um período

diferente da Europa e em um ritmo diferente também, como será mais bem

detalhado nesta seção.

As relações econômicas que predominaram no Brasil são reflexos da história

do trabalho neste país. Até praticamente o século XX, o Brasil não desenvolveu

formas capitalistas relevantes de produzir.

De acordo com Druck e Borges (2002) a década de 1990 é caracterizada pela

combinação de três grandes processos: a globalização, a reestruturação produtiva e

o neoliberalismo em escala mundial. Segundo as autoras, no Brasil, esses

processos têm a sua particularidade histórica e constituem um contexto de crise, que

14

se nota em vários segmentos da sociedade, percebendo, em particular, uma

profunda crise no mundo do trabalho.

A reestruturação produtiva é vista como um conjunto de mudanças no que se

refere a produção e ao trabalho, isso se dá por inovações tecnológicas, de

implementação de novos padrões de gestão e organização do trabalho e do

estabelecimento de novas relações políticas entre o patronato e o sindicato, no

Brasil.

A realidade brasileira foi mostrada por grande parte das pesquisas, de acordo

Druck e Borges (2002), em que a reestruturação no setor industrial, se dá

principalmente através da introdução de novos padrões de gestão e organização do

trabalho e menos, por inovações tecnológicas.

Na década de 1980 de acordo com Leite (2003) o processo de

redemocratização e o ressurgimento do movimento operário e sindical reforçaram

tendências já conhecidas ao pressionar as empresas a encontrar modelos de gestão

de pessoal menos autoritárias e a substituir as antigas formas de controle sobre os

trabalhadores, baseadas na repressão direta, por outras mais indiretas de assegurar

a qualidade e a produtividade. Nesse contexto, a inovação tecnológica e

organizacional configurava-se como de forma importante, mas sua adoção não ficou

livre de conflitos.

No que se refere à crise econômica, houve pressões para aumentar a

exportação devido a retração do mercado interno, modificando com isso a

competitividade das empresas, colocando-as diante de novos padrões de qualidade.

Com isso teve uma procura por inovações tecnológicas com o objetivo de aumentar

a eficiência das empresas e pela substituição de políticas repressivas de gestão do

trabalho por formas não tão conflituosas que possibilitassem às empresas contar

com a colaboração dos trabalhadores na busca de qualidade e produtividade.

É nesse contexto, segundo Leite (2003) que aos poucos as empresas

começavam a introduzir certas técnicas japonesas, como os Círculos de Controle de

Qualidade (CCQS), como também novos equipamentos de base microeletrônica,

como Controladores Lógico Programáveis (CLPs), robôs, Máquina-Ferramenta e

Comando Numérico (MFCNs), os quais tiveram acompanhamentos por inovações de

produto e de processo (uso de just in time 5, celularização da produção6, tecnologia

5 Faz o controle da produção que busca atender á demanda mais rápida possível e minimizar os vários tipos de

estoque da empresa. Há o just in time externo, em que o sistema pode abarcar tanto a relação da empresa com

15

de grupo7, sistema de qualidade total com utilização de CEP8). Mesmo que esse

processo se deu de forma diferente nos vários setores industriais e às diferentes

regiões do país, pode-se traçar algumas características gerais do processo como um

todo.

Observa-se que Leite (2003) traça três momentos diferentes da

reestruturação produtiva brasileira, que será delineado aqui.Foi no final dos anos

1970 e o início da década de 1980, que as propostas inovadoras se concentraram

na adoção dos Círculos de Controle de Qualidade (CCQS), não tendo por parte das

empresas uma preocupação em alterar de modo significativo as formas de

organização de trabalho ou em investir mais efetivamente em novos equipamentos

microeletrônicos.

Algumas tentativas empresariais de utilização dos CCQS se deram de

maneira a disciplinar a iniciativa operária, evidenciando as resistências da

engenharia em aceitar alterações no método de trabalho proposto pelos operários

em situações fora de seu controle.

Há ainda o conteúdo político de muitas propostas de CCQ. A difusão dos

círculos no Brasil se deu depois de um grande processo de mobilização operária que

marcou o final dos anos 1970, coincidindo com o fortalecimento da organização dos

trabalhadores nos locais de trabalho e a constituição das comissões de fábrica. Sob

esse aspecto, os CCQS foram introduzidos em várias empresas, a partir da

preocupação gerencial como o objetivo de desviar o ímpeto participativo dos

trabalhadores para formas alternativas de organização que contassem com maior

controle gerencial.

Muitas empresas foram desestimuladas a adotar os CCQS, pois os sindicatos

mais combativos e organizados já perceberam esse conjunto de características dos

círculos, e lançaram desde o começo um processo de oposição aos CCQS.

seus fornecedores e consumidores e há o just in time interno em que destina-se aos vários departamentos e

setores que compõem um mesma empresa. (LEITE, 2003). 6 Caracteriza-se na organização das máquinas a partir do fluxo da produção, possibilitando uma significativa

redução do tempo total de fabricação de cada peça e dos estoques intermediários. (LEITE, 2003). 7 Significa que as peças são agrupadas a partir de sua similaridade geométrica e seqüência de operações e na

destinação do mesmo grupo de peças às mesmas máquinas, com isso há uma importante redução no tempo de

preparação das máquinas.(LEITE, 2003). 8 O Controle Estatístico de Processo (CEP) se dá pela integração do controle de qualidade à produção, com o uso

de conceitos básicos de estatística na inspeção das peças que são feitas pelos próprios operadores de máquina.

(LEITE, 2003).

16

E não foi só a oposição sindical que enfraqueceu o movimento de constituição

dos CCQS. A resistência das empresas em adotar estratégias mais sistêmicas que

modificassem também as formas de organização do trabalho e de gestão da mão-

de-obra mostrou-se como sendo um dos principais empecilhos ao comprometimento

que as gerências buscavam dos trabalhadores por meio das CCQS e pode-se

apontar como um forte candidato que ajudou no fracasso da estratégia. (LEITE,

2003, p.72).

O segundo momento, que tem início por volta de 1984-1985, a partir da

retomada do crescimento econômico que sucede a profunda recessão dos primeiros

anos da década e vai até o final dos anos 1980, tem como característica uma rápida

difusão dos equipamentos. Mesmo que nesse período as empresas iniciaram uma

procura de novas formas de organização do trabalho, baseadas nas técnicas

japonesas, o que se sabe é que houve um baixo desempenho empresarial em

inovações organizacionais no período, mesmo tendo muita diferença de

comportamento entre os vários setores.

A isto, Leite (2003) nos fala que muitas análises mostravam a liderança do

complexo automotivo (montadoras, autopeças, bens de capital) entre as indústrias

de produção discreta, tanto na difusão dos equipamentos, como nas inovações

organizacionais.

Mesmo com o esforço de inovar nos equipamentos, é sabido que o Brasil

tinha uma grande defasagem em relação aos países desenvolvidos ou mesmo em

relação aos Tigres Asiáticos.

Alguns estudos como o realizado por Leite (2003) destaca o caráter

“defensivo” desse processo no período. Evidenciando uma resistência por parte do

empresariado em adotar o trabalho em equipe, assim como medidas que

permitissem uma real participação dos trabalhadores nas decisões, com isso fica

claro o caráter conservador do processo brasileiro.

As empresas brasileiras resistiram ainda na participação dos trabalhadores

nos trabalhos de programação, com isso mantiveram a separação taylorista entre

execução e concepção.

Mesmo que o modelo autoritário tenha sofrido algumas modificações devido a

combatividade sindical e ao processo de liberalização política no período, percebeu-

se a resistência do patronato em abandonar as técnicas de controle da mão-de-obra

em que se mostrou extremamente forte.

17

O terceiro período de acordo com Leite (2003) tem início nos anos 1990, com

a abertura dos mercados e vai até meados da década, quando a estabilização da

moeda introduz uma etapa nova no processo.

Na verdade, na entrada da década de 1990, dois fatores ajudaram para

empurrar as empresas em direção a uma estratégia inovadora mais efetiva. Um fator

foi a crise econômica, a partir de 1990, que fez diminuir o mercado interno

brutalmente, obrigando as empresas a se voltarem para o exterior. Segundo fator foi

a abertura dos portos ao mercado externo, política esta adotada pelo governo Collor,

que obrigou as empresas a melhorarem suas estratégias de produtividade e

qualidade para fazer frente à concorrência internacional. Nesse cenário, as

empresas foram obrigadas a investir de forma mais consistente na modernização de

sua produção, gerando um aumento de competitividade. Com isso muitas indústrias

escolheram fazer parte do Programa Brasileiro de Qualidade e Produtividade

(PBQP), lançado pelo governo em 1990.

Tem-se nesse período, 1990, um caráter mais amplo da modernização,

quando o processo passou a adquirir as características de uma verdadeira

reestruturação produtiva. Antes, para as empresas, inovação significava a compra

de equipamentos ou a introdução de “pacotes” ou “programas” organizacionais ou

de motivação, que eram implantados em setores das empresas. Na maioria dos

casos, partiam da iniciativa de um ou outro departamento, com resultados diferentes.

Entretanto no final dos anos 1980, um maior número de empresas passaram por

profundas reestruturações, iniciativas que partiram de decisões gerenciais,

introduzindo um conjunto de inovações articuladas entre si.

Leite (2003) aponta duas linhas de estudos para estudar esse período, uma

que indicava a relatividade desse processo, mostrando que o entusiasmo inicial não

correspondia com a realidade dos fatos. Destacava-se a pouca efetividade das

empresas em relação à modernização dos equipamentos e aos novos métodos

organizacionais e de gestão da mão-de-obra. Outra linha de pesquisa indicava

importantes mudanças que começaram a ser percebidas no início dos anos 1990,

com a difusão dos programas de qualidade e produtividade. Estes estudos

mostravam que as empresas estavam se preocupando mais com a estabilização9

9 Estabilização significa o envolvimento dos trabalhadores. Tentava-se atingir o envolvimento dos trabalhadores

através de treinamentos dados pelas empresas para capacita-los, que na realidade, baseados em programas

comportamentais ou motivacionais, tinha o objetivo de despertar nos trabalhadores uma atitude cooperativa com

18

dos trabalhadores, o treinamento, a simplificação das estruturas de cargos e salários

e a diminuição dos níveis hierárquicos, ao mesmo tempo em que vinham buscando

um melhor relacionamento com os operários dentro das fábricas e a diminuição dos

conflitos no ambiente de trabalho. Nesse quadro das inovações, é preciso ter

atenção, para a formação de um novo trabalhador – participante, consciente e

responsável.

Os novos métodos de produção e de trabalho geravam nos trabalhadores um

sentimento de injustiça, pois desempenho de tarefas variadas, mais dedicação à

empresa e ritmos mais intensos pressuporia que seriam recompensados com um

ganho salarial correspondente, o que não ocorria.

Quanto à questão relacionada à estabilização, a tendência a diminuir as taxas

de rotatividade, muitas vezes, convivia com processos de demissão em massa, em

que as empresas demitiam os trabalhadores tidos como pouco adequados como os

de baixa escolaridade e de mais idade, pois para as empresas estes possuem maior

dificuldade para se reciclar e se adaptar a novos conceitos de produção. Ainda, os

ativistas sindicais e líderes operários, em especial os representantes dos

trabalhadores em grupos e comissões de fábrica. Com isso é possível caracterizar,

como feito por Leite (2003), a dupla limitação do conceito empresarial de

participação, adotado naquele momento: o conceito não se limita só à gestão

participativa, tendo como base uma incorporação individual dos trabalhadores, que

excluía todo e qualquer canal de representação de seus interesses enquanto

categoria social, mas também revela que, a participação que a gerência buscava

referia-se àquelas decisões relacionadas aos problemas cotidianos da produção

relacionadas com custos, produtividade e qualidade dos produtos.

Com isso, nota-se que as novas formas de gestão da força de trabalho não

estava revolucionando a cultura autoritária de administração de pessoal que sempre

esteve presente no país, mas o autoritarismo ainda se mantinha vivo com um

aspecto diferente, mas vivo, principalmente quando, Leite (2003), considerou o

conjunto das empresas. Mesmo que o autoritarismo dos anos 1970 estivesse

sofrendo uma significativa distensão, ainda não estava perto de ser um ambiente

relação às estratégias gerenciais e não para treinar e formar trabalhadores mais qualificados. Com isso nota-se

que esses programas possuíam caráter ideológico, pois suas questões eram relacionadas ao tipo de atitude que a

empresa espera de seus trabalhadores no cotidiano da produção, e não em noções técnicas, operacionais ou

mesmo de formação básica. (LEITE, 2003).

19

democrático de trabalho. Observa-se que nos três períodos, quase todos eles

convergiam para o caráter reativo e parcial da reestruturação produtiva no Brasil.

De acordo com Hirata (2002), pode-se concluir que a utilização de técnicas de

produção similares não acarreta a adoção de técnicas de gestão do mesmo tipo. A

análise feita por essa autora, dos círculos de controle de qualidade, mostrou limites

da exportação de novas técnicas de gestão de mão-de-obra em vigor no Japão, para

países como o Brasil, em que a ideologia do taylorismo foi bem dominante no meio

patronal.

A adoção ou rejeição de práticas de gestão taylorista ou toyotista não

depende somente de escolhas tecnológicas, mas de muitos fatores de ordem

sociocultural e histórica. Nota-se também nos lugares que existe a polivalência,

revezamento e oportunidade de formação e de carreira são os trabalhadores

masculinos que interessam, enquanto a execução simples e repetitiva do trabalho é

destinada às mulheres. Trabalho este que seria compatível com as diversas

atividades na esfera familiar e doméstica.(HIRATA, 2002).

20

03. A PRECARIZAÇÃO NO MERCADO DE TRABALHO E NO TRABALHO, NO

ÂMBITO DOS SISTEMAS FLEXÍVEIS DE PRODUÇÃO – DISCUTINDO ALGUMAS

ABORDAGENS.

Como já foi dito no capítulo anterior no final do século XX, houve a mudança

do sistema taylorista/fordista para a acumulação flexível. Observou-se que o

mercado de trabalho passou por uma radical reestruturação. O sistema flexível criou

um movimento de ampliações no emprego do “setor de serviços”. O desemprego

aumentou, assim como o trabalho em tempo parcial, temporário e o subcontratado.

Com isso, nota-se que há uma maior precariedade no mercado de trabalho e no

trabalho. Essas características dos sistemas flexíveis serão detalhadas neste

capítulo e analisadas à luz de teóricos da sociologia do trabalho.

Temas como o aumento do desemprego de massa e o ressurgimento, em

uma sociedade globalmente rica e que continua a enriquecer, de fenômenos de

grande pobreza, de pessoas sem teto, e de precarização crescente do trabalho, faz

surgir muitas pesquisas com diferentes interpretações teóricas, de acordo com

Hirata e Préteceille (2002).

Inicialmente, a precarização socioeconômica crescente foi conceituada na

França, em termos de exclusão. Mas essa interpretação enfatizava as situações

sociais mais dramáticas, considerava, implicitamente, que a situação dos “incluídos”

não apresentava problemas. Entretanto, segundo Hirata e Préteceille (2002), o

próprio desenvolvimento das pesquisas sobre a exclusão mostrou que era preciso

vê-los, não como uma linha de separação, mas como um processo em que as raízes

estavam na fragilização da posição de grupos ou pessoas que dispunham de um

emprego e de condições de vida, até aquele momento, tidas como satisfatórias.

Então, a partir daí, originam-se as análises centradas na precarização, precarização

social e precarização do trabalho.

Da mesma maneira que o desemprego, as transformações do trabalho afetam

a maioria dos grupos sociais, ainda que de modo desigual. Muitas pesquisas têm

explorado os efeitos específicos dessa evolução sobre alguns grupos que, em razão

de sua vulnerabilidade, de discriminações diversas ou de questões que lhes são

próprias, apresentam relações particulares com o mercado de trabalho.

21

Mesmo com a diminuição dos postos de trabalho e do aumento do

desemprego de longa duração, grande parte das pesquisas francesas em ciências

sociais, segundo Hirata e Préteicelle (2002), mantém a ótica de uma centralidade do

trabalho, pois, mesmo ausente, o trabalho continua a ser tomando como referência

na definição das identidades sociais. O trabalho se configura muito mais que o

trabalho, é também condição de acesso à cultura, à educação, a um status social.

Percebe-se que o conjunto dos operários, e até dos assalariados, sente-se

atingido, em diferentes graus, pela incerteza crescente quanto à integração

profissional e ao futuro. Nota-se que a terceirização, combinada com o processo de

introdução das novas tecnologias, implicou considerável diminuição do núcleo

estável da mão-de-obra, nos últimos anos, na França, no Japão e em outros países

industrializados. De acordo com Hirata e Préteicelle (2002) em uma pesquisa que foi

realizada no norte da França, observou-se que muitos trabalhadores estáveis,

depois da demissão, voltam à mesma fábrica, contratados por um fornecedor de

mão-de-obra que subcontrata vidraceiros, em uma relação extremamente

degradante, no que se refere aos salários e condições de trabalho.

Para vários autores, conforme Hirata e Préteicelle (2002), o processo de

precarização, tendo em consideração a transformação das formas de organização

do trabalho, não só atingiu o grupo operário, que foi o primeiro a ser afetado, mas foi

bem mais além.Este ponto será retomado no item 2.2.

Observa-se que a visão dicotômica que distingue “antiga” e “novas” formas de

organização do trabalho não leva em conta a complexa realidade das mutações em

curso, em que as práticas tayloristas podem coexistir com a implantação de novos

modelos produtivos.

A evolução do trabalho talvez seja mais problemática do que se apresenta e

levanta problemas mais complexos que a fragilização do emprego. Há uma dupla

transformação do trabalho, atualmente, por um lado, no conteúdo da atividade e, por

outro, nas formas de emprego. Faz-se necessária uma análise simultânea, tanto da

organização do trabalho nas empresas como do mercado de emprego. Segundo

Hirata e Préteicelle (2002), essa transformação é aparentemente contraditória. De

um lado, a implantação de novos modelos de organização exige do sujeito a

estabilização e o envolvimento no processo de trabalho, o que se dá por meio de

atividades que requerem autonomia, iniciativa, responsabilidade, comunicação. De

outro lado, os vínculos empregatícios estão cada vez mais precários com o

22

desenvolvimento das formas instáveis, antes ditas “atípicas”, de emprego. Essas

duas exigências contraditórias, de estabilidade nos postos de trabalho e de fluidez

no volume do emprego, se dão por exigências de flexibilidade tanto no interior da

empresa – polivalência, rotatividade, adaptabilidade dos trabalhadores – quanto no

mercado de trabalho – diminuição das imposições jurídicas para os recrutamentos e

as demissões, flexibilidade do tempo de trabalho segundo o volume de produção; e,

no mercado de produtos. As mudanças da ação do Estado e as políticas que

estimulam a liberação dos encargos sociais, principalmente no que se refere aos

empregos em tempo parcial e aos empregos ditos “subsidiados”, concorrem para a

implantação de políticas de flexibilidade nas empresas.

Análises realizadas demonstram que, até nos setores mais modernos da

atividade econômica e nas categorias mais qualificadas, as novas formas de

trabalho geram novas tensões e novas formas de precarização. Essas atividades

representam somente uma parte da economia, que coexiste com muitas outras

empresas, em que as formas “tradicionais” de organização do trabalho subsistem e

até, obtém bons resultados.

As novas formas de organização se difundiram rapidamente, mesmo com

efeitos negativos sobre a saúde mental e física dos assalariados. Isto porque elas

foram impostas pelas empresas, graças a uma conjuntura política duplamente

desfavorável aos assalariados. De um lado, o desemprego crescente, permitiu às

empresas lançar mão do medo da perda do emprego, para fazê-los aceitar a

intensificação do trabalho e a degradação das condições para o seu exercício. De

outro lado, as reivindicações coletivas enfraqueceram-se em decorrência da

desestabilização das grandes identidades profissionais e da crise política mais geral,

das grandes organizações operárias.

Segundo Hirata e Préteicelle (2002), a precarização do emprego pode impor o

recuo, relativamente à ação sindical, como se caracteriza grande parte dos

assalariados “temporários”, com contrato por tempo determinado ou “contrato

subsidiado”.

Mesmo os operários constituindo o grupo mais centralmente afetado pela

precarização do emprego e os tentáculos atingiram ao conjunto dos assalariados, o

que se observa é que alguns grupos sociais também foram atingidos de modo

particular.

23

As mulheres estão no centro do debate francês sobre precarização

socioeconômica, em virtude das modalidades particulares de implantação da

flexibilidade do trabalho na França.(HIRATA; PRÉTEICELLE, 2002).

A primeira característica desse debate refere-se ao desenvolvimento maciço

do trabalho em tempo parcial em um tempo considerado curto. De acordo com

Hirata e Préteicelle (2002) essa modalidade de emprego acarreta precariedade à

carreira, aos rendimentos, às perspectivas de formação e às possibilidades de

representação. Na França o grupo de assalariados em tempo parcial é composto por

85% de mulheres.

O segundo aspecto, diz respeito à composição por sexo do conjunto de

empregos precários. Ou seja, na França em cada onze assalariados um é

empregado sob contratos por tempo determinado, temporário, estágios, e essa

forma instável de trabalho abarca mais as mulheres.(HIRATA; PRÉTEICELLE,

2002).

O terceiro aspecto fala sobre a posição desfavorável das mulheres no que se

refere a postos de trabalho e de responsabilidade. Mesmo possuindo a mesma

qualificação, as mulheres ocupam funções ainda inferiores as dos homens.

Ao se fazer uma análise de maneira mais geral no que se refere a situação

particular das mulheres na sociedade salarial atual, nota-se que elas gozam de uma

maior autonomia e liberdade no casal e na família, isso em virtude da independência

econômica.

As autoras Oliveira e Ariza (2001) realizaram um estudo sobre a atividade

econômica feminina e foram examinados por elas dois componentes: o trabalho

doméstico e o extradoméstico. Segundo as autoras, os processos de divisão sexual

e social do trabalho foram colocados como mecanismos decisivos para entender as

formas de exclusão de que as mulheres são alvo.

A exclusão por gênero, nos mercados de trabalho é caracterizada sobre o

ponto de vista de três aspectos inter-relacionados: a natureza precária do trabalho

feminino, a segregação ocupacional e a discriminação salarial diante dos homens.

(ARIZA; OLIVEIRA, 2001).

Em relação ao mercado de trabalho, as atividades por conta própria, em

geral, são caracterizadas como mais precárias que o trabalho assalariado. Isso se

deve ao fato da própria natureza da atividade, o trabalhador por conta própria não

conta com recursos como contrato de trabalho, de prestações e salário fixo. É

24

necessário analisar o trabalho feminino por conta própria, em comparação com o

masculino. Percebe-se que há maior precariedade trabalhista das mulheres nessas

atividades. As mulheres exercem atividade, com mais freqüência que os homens,

em atividade de subsistência10 ou que atingem menos de dois salários mínimos

mensais e estão em posições extremadas em relação ao número de horas

trabalhadas – menos de quinze ou mais de quarenta e oito horas em média por

semana. Nota-se, com isso, que as mulheres estão em pior posição relativa a eles

no quesito de atividades por conta própria.

Neste contexto destaca Ariza e Oliveira (2001):

As repercussões dos processos globais de crise e reestruturação econômica e das tendências de flexibilização trabalhista sobre a operação dos mercados de trabalho ficaram manifestas na ampliação das atividades por conta própria e em tempo parcial e, em geral, na precarização das condições de trabalho do conjunto das populações de trabalho é maior na fração feminina da força de trabalho.(ARIZA; OLIVEIRA, 2001, p.93).

As autoras ainda resumem que a situação de desigualdade entre mulheres e

homens no mundo do trabalho deve levar em conta, no que se refere às mulheres:

dedicação majoritária ao trabalho doméstico, participação crescente em atividades

precárias – trabalho por conta própria – concentração em ocupação assalariadas em

tempo parcial e maior discriminação salarial em ocupações masculinizadas. Sobre

este último aspecto, algumas mulheres conseguem ultrapassar as barreiras

impostas pela segregação ocupacional e ascender à ocupação com maioria dos

homens, entretanto de alguma maneira são excluídas dos benefícios de sua

atividade.

Já é sabido que a reestruturação produtiva é caracterizada por um conjunto

de mudanças no que diz respeito a produção e ao trabalho. As mudanças são feitas

por inovações tecnológicas, implementação de novos padrões de gestão e

organização do trabalho. No Brasil, percebe-se que esses novos padrões de gestão

e organização do trabalho são baseados no “modelo japonês”, ou toyotismo,

caracterizados por práticas de gestão em que a Qualidade Total e a Terceirização

têm papeis centrais.(DRUCK; BORGES, 2002).Pode-se considerar a terceirização

como política principal de gestão e organização do trabalho no interior da

reestruturação produtiva para Druck e Borges (2002). A terceirização é a forma mais

nítida da flexibilização do trabalho, pois permite concretizar os “contratos flexíveis”. 10

A família consome o que a mulher produz.

25

Nisso lê-se: contrato por tempo determinado, por tempo parcial, por tarefa (por

empreitada) por prestação de serviço, sem cobertura legal e sob responsabilidade

de “terceiros”. As empresas mais modernas, bem situadas nos vários setores de

atividade têm como objetivo transferir custos trabalhistas e responsabilidades de

gestão, e as demais empresas também estão seguindo esse padrão.

Como resultado da transformação no processo produtivo tem-se a

desregulamentação dos direitos do trabalho, aumento da fragmentação no interior

da classe trabalhadora, precarização e destruição da força humana que trabalha,

destruição do sindicalismo de classe e sua conversão em sindicalismo “dócil”, de

parceria, até mesmo em um sindicalismo de empresa.

Com a forte tendência de flexibilização introduzido na economia brasileira

através da abertura econômica acelerada, pode-se observar que o mercado de

trabalho se transformou profundamente, com alterações de natureza psicossocial. A

precarização do emprego pode ser observada através do crescimento do número de

pessoas que só conseguem trabalho em jornadas muito curtas (subjornadas).

(DUPAS, 1999).

Não somente a estrutura do mercado de trabalho se transformou, mas em

paralelo a isso ocorreram mudanças de igual importância na organização industrial.

Como exemplo, a subcontratação organizada oferece oportunidade para a formação

de pequenos negócios e, em certos casos permite que sistemas mais antigos de

trabalho doméstico, artesanal, familiar e paternalista revivam e floresçam, mas agora

como peças centrais, e não apêndices do sistema produtivo. Entretanto, a ascensão

de novas formas de organização industrial e o reaparecimento de formas mais

antigas representa situações bem diferentes em diferentes contextos. Pode indicar o

surgimento de novas formas de sobrevivência para os desempregados ou pessoas

discriminadas – como os haitianos em Miami ou Nova Iorque – ou, em outros casos,

existem apenas grupos de imigrantes tentando integrar-se ao sistema. Surgem

também, formas organizadas de sonegação de impostos ou o atrativo de altos lucros

no comércio ilegal. Em todas essas situações, nota-se que há uma transformação do

modo de controle do trabalho e do emprego. (HARVEY, 2001).

De acordo com Dupas (1999) o que se nota no Brasil é a explosão do

trabalho informal ou flexível nas metrópoles brasileiras. No período de 1986 a 1990 a

porcentagem de trabalhadores sem carteira correspondia a 5%, já entre 1991 e 2000

há um salto de 40%. Esse movimento caracterizou, uma perda de dois milhões de

26

postos de trabalho no setor formal e uma ordem direta de dois milhões de postos

ganhos no setor informal.

No Brasil, os anos 1990 são caracterizados por uma grande precariedade

nos mercados metropolitanos. Houve um aumento do desemprego, as relações de

trabalho passaram cada vez mais a estar à mercê de instabilidade e de proteção

social e houve significativa destruição de postos de trabalho do setor industrial.

Mercados de trabalho com grande nível de desestruturação e mínimas garantias

sociais são determinantes para que o desemprego oculto pelo trabalho precário

atinja o crescimento e o patamar registrado no final dos anos 1990. Estatísticas

demonstram que na década de 1990 o desemprego oculto pelo trabalho precário na

Região Metropolitana de São Paulo era em torno de 2% em 1989, passando para

6% em 1999. O maior registro foi na cidade de Salvador, chegando em 1999 a 8%.

(DIEESE, 2001).

Uma característica dos mercados de trabalho metropolitanos nos anos 90 no

Brasil é a fragilização da sua estrutura ocupacional. De acordo com Dieese (2001)

essa fragilização está ligada com a queda na capacidade de gerar emprego no setor

industrial, com o respectivo aumento da participação do setor de serviços e o

aumento das relações de trabalho à margem da legislação trabalhista, e também há

o aumento do trabalho autônomo e em serviços domésticos, como alternativa ao

desemprego.

A flexibilidade utiliza formas precárias de relações de trabalho, como o

assalariamento sem carteira de trabalho, colocando o trabalhador à margem das

garantias legais mínimas da Consolidação das Leis do Trabalho (CLT) segundo o

Dieese (2001).

O desemprego é uma clara característica da precariedade do mercado de

trabalho nas regiões metropolitanas, mas há também um destaque, de acordo com o

Dieese (2001), para uma percentagem elevada de trabalhadores de 17 anos em

situações de trabalho considerados como mais precários.

A seguir há explicações mais detalhadas sobre a precarização no mercado de

trabalho e no trabalho. São autores contemporâneos que se propõem a estudar a

temática a partir de uma cuidadosa metodologia. E que de certa forma, são autores

que dialogam entre si. Utilizou-se também outros autores no decorrer do texto, que

possibilitam uma melhor compreensão sobre a temática em questão.

27

3.1 EXPLICAÇÕES DE DAVID HARVEY

A flexibilidade e a mobilidade permitem aos empregadores, nas décadas de

1970 e 1980, exercer pressão mais forte de controle do trabalho sobre uma força de

trabalho enfraquecida por dois surtos de deflação no século XX, e que presenciou o

aumento do desemprego nos países capitalistas avançados. Para Harvey (2001), a

acumulação flexível parece implicar níveis elevados de desemprego “estrutural” (em

oposição ao “friccional”), rápida destruição e reconstrução de habilidades, ganhos

modestos de salários reais e o retrocesso do poder sindical.

Observa-se que o mercado de trabalho, do fordismo à acumulação flexível,

passou por uma radical reestruturação. Com a forte volatilidade do mercado, do

aumento da competição e da diminuição da margem de lucro, os patrões

aproveitaram do enfraquecimento do poder sindical e do grande número de mão-de-

obra excedente (desempregados ou subcontratados) para impor regimes e contratos

de trabalho mais flexíveis. Notou-se uma redução do emprego regular em favor do

crescente uso do trabalho em tempo parcial, temporário ou subcontratado.

O resultado é uma estrutura de mercado de trabalho detalhada na Figura 01:

Figura 01- Estrutura do Mercado de Trabalho nos Sistemas Flexíveis

Fonte: HARVEY, 2001, p. 143.

28

O centro é o grupo que cada vez mais diminui, e é constituído por

empregados em tempo integral. Esse grupo tem maior segurança no emprego, boas

perspectivas de promoção e de reciclagem, uma pensão, um seguro e outras

vantagens indiretas relativamente generosas, esse grupo deve ser adaptável,

flexível e, se necessário, geograficamente móvel. A periferia é constituída por dois

subgrupos bem distintos. O primeiro é caracterizado por empregos em tempo

integral com habilidades facilmente disponíveis no mercado de trabalho, como

pessoal do setor financeiro, secretárias, pessoal das áreas de trabalho rotineiro e de

trabalho manual menos especializado. Esse grupo tem menos acesso a

oportunidades de carreira e tende a se caracterizar por uma alta taxa de rotatividade.

O segundo grupo periférico tem uma flexibilidade numérica maior ainda e é

constituído por empregos em tempo parcial, empregados casuais, pessoal com

contrato por tempo determinado, temporário, subcontratação e treinados com

subsídio público, tendo menos segurança de emprego quando comparado com o

primeiro grupo periférico. Nota-se que há um aumento bastante significativo desta

categoria de emprego.

De acordo com Harvey (2001), o emprego flexível não cria uma insatisfação

trabalhista forte, pois a flexibilidade às vezes pode ser benéfica. Em relação a isto,

uma pesquisa realizada por Tomizaki (2005) analisou as transformações ocorridas

no interior de um grupo de trabalhadores da região do ABC Paulista 11 ,em que

analisa as relações entre duas gerações de metalúrgicos: aqueles que foram jovens

no final da década de 1970 e os jovens do final da década de 1990. Os

trabalhadores metalúrgicos do ABC paulista entendem, segundo Tomizaki (2005), a

reestruturação produtiva como um avanço na organização da fábrica e do trabalho

que, apesar de diminuir os postos de trabalho, traz mais segurança nos locais de

trabalho, limpeza, menor desgaste físico, como também permite maior liberdade

para os trabalhadores no interior da fábrica. Mas para Harvey (2001) quando se

considera a cobertura de seguro, os direitos de pensão, os níveis salariais e a

segurança no emprego, não parecem positivos do ponto de vista da população

trabalhadora como um todo.Segundo Tomizaki (2005), os metalúrgicos da primeira

geração procuram retardar a aposentadoria, em que evita-se uma queda em seus

11

A região do ABC Paulista compreende as cidades de São Bernardo do Campo, Santo André, São Caetano do

Sul e Diadema.

29

salários e a perda de certos benefícios. Têm essa intenção para ajudar seus filhos a

avançar na escolarização como uma exigência do mercado de trabalho. Porém, ao

permanecerem na fábrica, os trabalhadores da primeira geração, precisam se

adaptar a uma nova organização do trabalho, a uma “nova fábrica” e à sua lógica,

muito longe do mundo fabril no qual aprenderam a ser trabalhadores. A mudança

mais radical, segundo Harvey (2005), refere-se ao aumento da subcontratação ou do

trabalho temporário. Seguindo um padrão há muito tempo estabelecido no Japão,

mesmo no fordismo. A atual tendência dos mercados de trabalho é reduzir o número

de trabalhadores “centrais” e empregar cada vez mais uma força de trabalho que

entra facilmente e é demitida sem custo quando a situação fica ruim. No ano de

1987 observou-se na Inglaterra que os trabalhadores flexíveis aumentaram 16%,

enquanto os empregos permanentes caíram em 6% naquele ano.

Isso não fez, segundo Harvey (2001), que os problemas surgidos nos anos

1960 nos mercados de trabalho “duais” ou segmentados, mudassem de maneira

radical, mas o reformulou, seguindo uma lógica bem diferente. Algumas mulheres e

algumas minorias tiveram acesso às posições privilegiadas, mas as novas condições

do mercado de trabalho em geral reacentuaram a vulnerabilidade dos grupos

desprivilegiados. Se for preciso citar que há mulheres em posições privilegiadas é

por quê o seu acesso não foi amplo, caso contrário não precisaria cita-las, pois seria

uma situação comum.

Não somente a estrutura do mercado de trabalho se transformou, mas em

paralelo a isso ocorreram mudanças de igual importância na organização industrial.

Como exemplo, a subcontratação organizada oferece oportunidade para a formação

de pequenos negócios e, em certos casos, permite que sistemas mais antigos de

trabalho doméstico, artesanal, familiar e paternalista reavivam e floresçam, mas

agora como peças centrais, e não apêndices do sistema produtivo. Entretanto, a

ascensão de novas formas de organização industrial e o reaparecimento de formas

mais antigas representam coisas bem diferentes em diferentes lugares. Como diz

Harvey (2001) pode indicar o surgimento de novas formas de sobrevivência para os

desempregados ou pessoas discriminadas (como os haitianos em Miami ou Nova

Iorque, nos Estados Unidos da América), ou em outros casos, existem apenas

grupos de imigrantes tentando entrar em um sistema capitalista, formas organizadas

de sonegação de impostos ou o atrativo de altos lucros no comércio ilegal. Em todas

30

essas situações, nota-se que há uma transformação do modo de controle do

trabalho e do emprego.

Nota-se que a produção intelectual de David Harvey tornou-se clássica na

análise dos contextos das mudanças no mercado de trabalho e nas formas de

organização do trabalho. Ele cria um novo termo, a acumulação flexível, para definir

as inovações dos processos de produção e tudo mais que diz respeito as formas

recentes de organização da produção.

A seguir, discute-se outra referência na Sociologia do Trabalho, Robert

Castel, que fez sua análise, integrando a questão social e as relações no trabalho.

3.2 EXPLICAÇÕES DE ROBERT CASTEL

Para Castel (1998), a “questão social”, pode ser caracterizada por uma

inquietação quanto à capacidade de manter a coesão de uma sociedade. As

populações que dependem de intervenções sociais diferem, essencialmente, pelo

critério de serem ou não capazes de trabalhar, e são tratados de maneira diferente,

em função de tal critério.

Um primeiro perfil de população diz respeito ao que Castel (1998) diz que se

pode chamar de uma teoria da desvantagem, no amplo sentido do termo. Velhos

indigentes, crianças sem pais, cegos, paralíticos, é um conjunto diversificado, mas o

que têm em comum é o fato de não suprirem, por si mesmos, as suas necessidades

básicas, porque não podem trabalhar para fazê-lo. Por essa razão, que são isentos

da obrigação do trabalho. Essas populações isentas da obrigação de trabalhar são

os clientes potenciais do social-assistencial.

Desde que consiga reconhecer sua incapacidade, o indigente pode ser

assistido, mesmo que na prática, esse tratamento se mostre insuficiente, inadequado

e até mesmo humilhante. Porém, se é uma fonte de embaraço, a existência desse

tipo de população não questiona, de modo fundamental, a organização social.

Diferente de um outro perfil de indigentes que, estes sim, colocam a “questão social”

de uma forma mais aguda. (CASTEL, 1998).

31

Bem diferente da condição dos assistidos é, com efeito, a situação daqueles

que, capazes de trabalhar, não trabalham. Em falta quanto ao imperativo do

trabalho, também é rechaçado para fora da área da assistência.

Segundo Castel (1998), a “sociedade pré-industrial”, no Ocidente cristão, vai

da metade do século XIV às profundas transformações ocorridas no final do século

XVIII. Ele fala de um grupo estigmatizado, rotulado de vagabundo. Em que se

condena à andança de um trabalhador, que vive a instabilidade do emprego, em

busca de uma ocupação que se esquiva. Na realidade, a questão importante é da

condição de assalariado, ou seja, a necessidade crescente de recorrer ao

assalariado e, ao mesmo tempo, a impossibilidade de regular uma condição salarial,

isso devido à persistência de tutelas tradicionais que comprimem o trabalho em

redes rígidas de obrigações sociais e não econômicas.

Percebe-se que das tutelas ao contrato é um longo caminho, no fim do século

XVIII, desemboca na modernidade liberal. Esse longo caminho mostra a lenta

emergência de uma nova formulação da questão social: a questão do livre acesso

ao trabalho, que se impõe no século XVIII e que possui um impacto revolucionário. A

promoção do livre acesso ao trabalho encerra um longo ciclo de transformações

conflitivas, colocando um ponto final aos entraves que impediram o advento de uma

condição salarial. No universo das tutelas o que se observa é que a condição de

assalariado asfixiava-se. No universo do contrato, ela se desenvolve, mas

paradoxalmente, a condição operária se torna frágil ao mesmo tempo em que se

liberta. É descoberto que a liberdade sem proteção é capaz de levar à servidão: a da

necessidade.

Para Castel (1998) o que abalou a sociedade no início dos anos 1970 foi de

fato, em primeiro lugar, dado através da transformação problemática do emprego.

Para ele o desemprego é a manifestação mais visível de uma transformação

profunda da conjuntura do emprego. Outra característica importante, sem dúvida, é a

precarização do trabalho. A hegemonia do contrato de trabalho por tempo

indeterminado está perdendo força.

A diversidade e a descontinuidade das formas de emprego, para Castel

(1998), estão em vias de suplantar o paradigma do emprego homogêneo e estável.

Afirmar isso é dizer que isso é um fenômeno tão importante quanto o desemprego,

talvez até mais. Não se pretende banalizar a gravidade do desemprego. Mas sim

enfatizar que a precarização do trabalho permite compreender os processos que

32

alimentam a vulnerabilidade social e produzem, no final do percurso, o desemprego

e a desfiliação. É importante perceber que o desemprego poderia ser erradicado à

custa de um pouco de boa vontade e de imaginação, é, sem dúvida, uma expressão

de otimismo superada. O desemprego não é uma bolha que se formou nas relações

de trabalho e que poderia ser resolvida. É perceptível que a precarização do

emprego e do desemprego se inseriram na dinâmica atual da modernização.

A consolidação da condição salarial, para Castel (1998), tem como

característica que ao assalariar uma pessoa consistia em prender sua

disponibilidade e suas competências em longo prazo – isto contra uma noção mais

rude da condição de assalariado que consistia em alugar um individuo para executar

uma tarefa pontual. De acordo com Castel (1998), as novas formas “particulares” de

emprego são mais similares com as antigas formas de contratação, quando o status

do trabalhador se diluía diante das pressões do trabalho. A flexibilidade é uma

maneira de nomear essa necessidade do ajustamento do trabalhador moderno à sua

tarefa.

Castel (1998) não pretende fazer uma caricatura, para ele a flexibilidade não

se reduz à necessidade de se ajustar mecanicamente a uma tarefa pontual. Mas

exige que o operador esteja imediatamente disponível para adaptar-se às flutuações

da demanda. Produção sob encomenda, gestão em fluxo tenso, resposta imediata

aos acasos dos mercados soa elementos essenciais para o funcionamento das

empresas competitivas. Para isso, segundo Castel (1998), a empresa recorre a

subcontratação (flexibilidade externa) ou treina seu pessoal para a flexibilidade e

para a polivalência, com o objetivo de enfrentar toda a gama das novas situações

(flexibilidade interna). No primeiro caso, o cuidado de assumir as flutuações do

mercado é confiado à empresas-satélites. Realizam-se à custa de uma grande

precariedade das condições de trabalho e muitos riscos de desemprego. No

segundo caso, a empresa se responsabiliza pela adaptação de seu pessoal às

mudanças tecnológicas. Mas à custa da eliminação de pessoas que não chegam à

altura dessas novas formas de excelência. Quando a empresa opta por uma

flexibilidade interna, a empresa entende adaptar as qualificações dos trabalhadores

às transformações tecnológicas, a formação permanente pode funcionar como uma

seleção permanente. Há um grande interesse, segundo Dowbor (2002), em volta

não só dos problemas das relações sociais do emprego, mas também das formas de

regulação do emprego. Percebe-se que gigantes comerciais buscam pulverizar seus

33

fornecedores, como faz a Souza Cruz12, de acordo com Dowbor (2002), com os

produtores de fumo e chamam de mercado um sistema em que existe dependência

quase total em um único comprador. Neste caso o mercado é muito bom, mas para

os outros, tem-se também empresas que inventam cooperativas “pro forma”, para

fazer o mesmo sem enfrentar os direitos sociais, ou criam firmas de alocação de

trabalho temporário.

Observa-se que a empresa falha em sua função integradora em relação aos

jovens. Ao elevar o nível das qualificações exigidas para a admissão, ela

desmonetariza uma força de trabalho antes mesmo que tenha começado a servir.

Então jovens que há vinte anos não teriam problemas para ser integrados à

produção, hoje se acham condenados a vagar de estágio em estágio ou de um

pequeno serviço a outro. Porque a exigência de qualificações não corresponde

sempre a imperativos técnicos. Várias empresas têm tendência a se precaver contra

futuras mudanças tecnológicas contratando jovens superqualificados, inclusive em

setores de status pouco valorizados. Nota-se, com isso, que os jovens ocupam

empregos inferiores à sua qualificação. Na França em 1973, de acordo com Castel

(1998), dois terços dos jovens ocupavam o posto de trabalho para o qual haviam

sido formados, em 1985 não eram mais do que 40% nesse caso. Isso causa uma

desmotivação e um aumento da mobilidade-precariedade, esses jovens sendo

tentados a buscar alhures, quando possível, uma melhor adequação de seu

emprego à sua qualificação. Acaba acarretando, sobretudo, que os jovens realmente

não-qualificados correm o risco de não ter nenhuma alternativa para o desemprego,

visto que os postos que eles poderiam ocupar estão tomados por outros mais

qualificados que eles. Segundo Pochmann (2004) o jovem no Brasil ao ingressar na

população economicamente ativa, já pode encontrar em grande medida fora do

acesso ao emprego e à renda, mesmo tendo níveis de instrução mais elevados que

no passado. Ao se aprofundar nessa lógica, de acordo com Castel (1998) nota-se

que há uma invalidação das políticas que enfatizam a qualificação como o caminho

mais glorioso para evitar o desemprego ou para sair dele. É uma visão otimista da

“crise” e que levou a pensar que, melhorando e multiplicando as qualificações, seria

possível precaver-se contra a “não-empregabilidade”. Ao se olhar as estatísticas, é

notório que as “baixas qualificações” fornecem os maiores números de

12

Grupo empresarial de tabaco fundada no Brasil.

34

desempregados. Mas essa correlação, para Castel (1998), não implica uma relação

direta e necessária entre qualificação e emprego. As “baixas qualificações” correm o

risco de estar sempre com o atraso de uma guerra se, entretanto, o nível geral de

formação se elevou.

Ao se exigir uma superqualificação, corre-se o risco de desembocar, mais do

que em uma redução do desemprego, em uma elevação do nível de qualificação dos

desempregados.

Do ponto de vista da democracia, é legítimo e até mesmo necessário, atacar

o problema das “baixas qualificações” (acabar com o subdesenvolvimento cultural de

uma parte da população). Mas não se pode acreditar, que a partir disso os não-

empregados possam encontrar um emprego simplesmente pelo fato de uma

elevação da escolaridade. Atualmente a relação formação-emprego é diferente do

que era no início do século XX. A escola promoveu uma formação e socialização

que facilitou a imigração dos jovens do meio rural para a cidade e a formação de

uma classe operaria instruída e competente: os jovens escolarizados possuíam

postos de trabalho à altura de suas novas qualificações. Hoje nem todos são

qualificados e competentes, e a elevação do nível de formação continua sendo um

objetivo social. Mas este imperativo democrático não deve dissimular um problema

que é novo e grave: a possível não-empregabilidade dos qualificados.(CASTEL,

1998).

É ingênuo pensar que uma empresa assuma a responsabilidade dos riscos da

ruptura social. Pois as empresas mais competitivas são também as mais seletivas e,

portanto, sob certos aspectos, as mais excludentes, e (exemplo tem-se na indústria

automobilística) a publicação de “planos sociais” acompanha, geralmente, a dos

balanços comerciais positivos. Com isso Castel (1998) está dizendo, que uma

política que tem a finalidade controlar os efeitos de degradação da condição salarial

e de vencer o desemprego não deve ter como único apoio à dinâmica das empresas

e as virtudes do mercado.

É um engano buscar a salvação por meio da empresa. A empresa só

expressa a lógica do mercado e da economia, que é “o campo institucional

unicamente das empresas”. Para Castel (1998) a problemática da coesão social não

é a do mercado. O autor recusa a idéia de fazer a empresa arcar com o peso da

solução da questão social atual. Uma vontade política pode talvez enquadrar e

circunscrever o mercado. Com isso a sociedade não corre o risco de ser esmagada

35

pelo seu funcionamento. Não deve-se delegar à empresa a responsabilidade de

exercer seu próprio mandato.

A questão social, segundo Castel (1998), é da esfera exclusiva da empresa e

da economia. Primeiramente, a situação pode ser interpretada a partir da dualização

do mercado de trabalho. Existe dois “segmentos” de emprego, um mercado

“primário” – formado por pessoal qualificado, melhor pago, melhor protegido e mais

estável –, e um mercado secundário – formado por pessoal precário, menos

qualificados, diretamente submetidos às flutuações da demanda. Esta segmentação

se assemelha à indicada por Harvey (2001) apresentada na Figura 01, em que o

centro é o grupo que mais diminui e aqui, para Castel (1998) é chamado de mercado

primário. O que Castel (1998) chamou de mercado secundário, pode-se observar no

que Harvey (2001) denomina periferia. Em uma situação de subemprego e de

excesso de efetivos o que se observa é que os dois mercados estão em

concorrência direta. Para Castel (1998), a perenidade dos estatutos do pessoal da

empresa constitui obstáculo à necessidade de fazer face a uma conjuntura móvel.

Inversamente, os assalariados do setor secundário, são vistos sob um aspecto mais

“interessante”, pois possuem menos direitos, não são protegidos por convenções

coletivas e podem ser alugados para atender a cada necessidade pontual. Referente

a Harvey (2001), e que já foi dito neste trabalho, mas para ressaltar, esse autor diz

que os mercados de trabalho atuais têm como finalidade empregar uma força de

trabalho que entra com facilidade e é demitida quando a situação não está boa.

Nota-se que Castel (1998) vai mais além e diz que na atualidade tem-se como

problema não somente a constituição de uma “periferia precária”, mas também o da

“desestabilização dos estáveis”. Já há muito tempo que o processo de precarização

atinge algumas áreas de empregos estabilizados, sabe-se que o pauperismo do

século XIX estava inserido no coração da dinâmica da primeira industrialização,

também a precarização do trabalho é um processo central, guiado pelas novas

exigências tecnológica-econômicas da evolução do capitalismo moderno (CASTEL,

1998).

Sob a problemática da questão do trabalho, três pontos podem ser

diferenciados. Em primeiro lugar, tem-se a desestabilização dos estáveis. Uma parte

da classe operária integrada e dos assalariados da pequena classe média está

sujeita à oscilação. Com isso é perceptível, para Castel (1998), que não se deve

36

tratar a questão social só a partir de suas margens e contentar-se com denunciar a

“exclusão”.

A segunda especificidade da situação atual é a “instalação da precariedade”.

O desemprego recorrente é uma característica importante do mercado de empregos.

Toda uma população, em especial os jovens, é empregável para tarefas de curta

duração, às vezes para algumas semanas ou alguns meses, e mais facilmente

passível de ser demitida. Para Castel a expressão “interino permanente” não é um

mau jogo de palavras. Há uma mobilidade feita de alternâncias de atividades e de

inatividades.

A terceira característica, a mais inquietante, emerge na atual conjuntura. Para

Castel (1998) é a precarização do emprego e o aumento do desemprego,

caracterizados por um déficit de lugares ocupáveis na estrutura social, em que

lugares são posições às quais estão associados uma utilidade social e um

reconhecimento público. São os trabalhadores “que estão envelhecendo” e não

possuem mais lugar no processo produtivo: jovens à procura do primeiro emprego e

que vagam de estágio em estágio e de um pequeno serviço a um outro;

desempregados de há muito tempo que passam, até a exaustão e sem muito

sucesso, por requalificações ou motivações. São pessoas que ocupam uma posição

de supranumerários, não integrados e sem dúvida não integráveis, conforme

concepção de Durkheim, citado por Castel (1998), que entende integração, como o

pertencimento a uma sociedade formando um todo de elementos interdependentes.

Que dizer, indivíduo e sociedade em interação, mediante relações de

interdependência.

3.3 AS EXPLICAÇÕES DE PIERRE BOURDIEU

Nos Encontros Europeus contra a Precariedade, realizados em Grenoble de

1997, Bourdieu (1998a) diz claramente que a precariedade hoje está por toda parte.

Está no setor privado, como também, está no setor público, onde há uma

multiplicação das posições temporárias e interinas. Está nas empresas industriais e

também nas instituições de produção e difusão cultural, educação, jornalismo, meios

de comunicação etc. Segundo Bourdieu (1998a) homens e mulheres são afetados

37

profundamente quanto expostos a seus efeitos; tornando o futuro incerto, ela impede

qualquer antecipação racional e, para Bourdieu (1998a), é preciso ter um mínimo de

crença e de esperança no futuro para se revoltar, sobretudo coletivamente, contra o

presente.

A precariedade nunca se deixa esquecer; está presente, em todos os

momentos, em todos os cérebros. A precariedade atormenta as consciências e os

inconscientes devido à superprodução de diplomas não se encontra nos níveis mais

baixos de competência e qualificação técnica, contribui para dar a cada trabalhador

a impressão de que ele não é insubstituível e que o seu trabalho, o seu emprego, é

de certa maneira um privilégio, e um privilégio frágil e ameaçado. Percebe-se, então,

que a insegurança objetiva cria uma insegurança subjetiva generalizada, que afeta

hoje, no cerne de uma economia muito bem desenvolvida, o conjunto dos

trabalhadores e até aqueles que não estão ou ainda não foram diretamente

atingidos. De acordo com Bourdieu (1998a), essa “mentalidade coletiva”, que em

toda época, ela se faz comum, está no princípio da desmoralização e da

desmobilização que se pode notar em países subdesenvolvidos, atingidos por taxas

de desemprego ou subemprego muito elevadas e habitados constantemente pela

obsessão do desemprego.

Observa-se que os desempregados e os trabalhadores destituídos de

estabilidade não possuem mobilização, pelo fato de terem sido atingidos em sua

capacidade de se projetar no futuro, condição esta importante para todas as

condutas classificadas como racionais. O proletário, diferente do subproletário,

possui um mínimo de garantias presente, de segurança, que é necessário para

conceber a ambição de modificar o presente em função do futuro esperado. Mas

esse proletário ainda tem algo a defender, algo a perder, o seu emprego, mesmo

sendo mal pago e exaustivo, e muitas de suas ações, serem descritas como

excessivamente prudentes ou mesmo conservadoras, se explicam em função do

medo de cair mais ainda, de recair no subproletariado. É o que Castel (1998)

chamou de “desestabilização dos estáveis”, em que a precarização atingiu certas

áreas de empregos estabilizados.

Atualmente em vários países europeus, quando o desemprego chega a taxas

muito altas e a precariedade afeta uma parte significativa da população, operários,

empregados no comércio e na indústria, jornalistas, estudantes, o trabalho se torna

uma coisa mais rara, desejável a qualquer custo, submete os trabalhadores aos

38

empregadores e estes usam e abusam do poder que lhes é dado. Nota-se que a

concorrência pelo trabalho é acompanhada por uma concorrência no trabalho, que

de uma certa maneira, é uma concorrência pelo trabalho, que tem que ser

preservado a qualquer custo, contra a chantagem de demissão. Essa concorrência,

selvagem como a que é praticada pelas empresas, está na raiz de uma verdadeira

luta de todos contra todos, destruidora de todos os valores de solidariedade e

humanidade, e, às vezes, de uma violência, sem rodeios.

Percebe-se que a precariedade atua diretamente sobre aqueles que ela afeta

e indiretamente sobre todos os outros, pelo temor que ela provoca e que é

metodicamente explorado pelas estratégias de precarização, como a introdução da

“flexibilidade” – que para Bourdieu (1998a), é inspirada tanto por razões econômicas

como políticas. Ele suspeita de que a precariedade é o produto de uma vontade

política, e não de uma fatalidade econômica, identificada pela famosa

“mundialiazação”. O que se observa é que a empresa “flexível” explora uma situação

de insegurança que ela contribui para reforçar: ela procura baixar os custos, mas

para isso ser feito, o trabalhador é colocado em risco permanente de perder o seu

emprego. Segundo Bourdieu (1998a), todo o universo de produção, material e

cultural, pública e privada, é assim atingido por um vasto processo de precarização,

inclusive com a desterritorialização da empresa: até então, esta estava ligada a um

Estado-nação ou a um lugar, esta dissociada cada vez mais dele, caracterizada de

“empresa rede”, que se articula na escala de um continente ou planeta inteiro,

conectando segmentos de produção, conhecimento tecnológico, redes de

comunicação, percursos de formação dispersos entre lugares muito afastados.

O “deslocamento” para países com salários mais baixos, em que o custo do

trabalho é reduzido, induziu a um favorecimento da concorrência entre os

trabalhadores em escala mundial. A empresa nacional, em que o território de

concorrência estava ligado ao território nacional, e ao sair para conquistar mercados

no estrangeiro, passou a ser empresa multinacional. Agora os trabalhadores não

estão mais em concorrência com seus compatriotas, ou mesmo, como os

demagogos dizem, com os estrangeiros implantados no território nacional, que, de

fato são as primeiras vítimas da precarização, mas com trabalhadores do outro lado

do mundo, que são obrigados a aceitar salários de miséria.

De acordo com Bourdieu (1998a), a precariedade é um modo de dominação

de tipo novo, fundado na instituição de uma situação generalizada e permanente de

39

insegurança, que obriga os trabalhadores à submissão, à aceitação da exploração.

Seus efeitos não se assemelham ao capitalismo selvagem das origens, mas esse

modo de dominação é com certeza sem precedentes, o que levou Bourdieu (1998a)

a usar o conceito de flexploração. Este termo evoca bem essa gestão racional de

insegurança, que instaurada, sobretudo no espaço da produção, a concorrência

entre os trabalhadores dos países com conquistas sociais mais importantes, com

resistências sindicais mais bem organizadas e os trabalhadores dos países menos

avançados socialmente, quebra-se as resistências e obtém a obediência e a

submissão. Essas disposições ao serem submetidas a aquelas produzidas pela

precariedade são a condição de uma exploração cada vez mais bem sucedida,

fundada na divisão entre aqueles que, cada vez mais numerosos, não trabalham e

aqueles que, cada vez menos numerosos, trabalham, mas trabalham cada vez mais.

Para Bourdieu (1998a) o que parece um regime econômico regido pelas leis

inflexíveis de uma espécie de natureza social é, na realidade, um regime político que

só é instaurado com a cumplicidade ativa ou passiva dos poderes propriamente

políticos. E a luta contra esse regime político é possível.

O movimento dos desempregados, segundo Bourdieu (1998b), é um

acontecimento único, extraordinário. Diferente do que repetem sem cessar os jornais

escritos e falados, a França é uma exceção que se deve orgulhar. Percebe-se que

os estudos científicos revelam que o desemprego destrói aqueles que atinge,

suprime suas defesas e suas disposições subversivas. Essa fatalidade foi frustrada

graças ao trabalho incansável de indivíduos e associações que estimularam,

sustentaram, organizaram o movimento.

De acordo com Bourdieu (1998b), a primeira conquista desse movimento é o

movimento em si, a sua própria existência: ele arranca os desempregados, e com

eles todos os trabalhadores precários – número que cresce a cada dia – da

invisibilidade, do isolamento, do silêncio, ou seja, da inexistência.

O desemprego e o desempregado obcecam o trabalho e o trabalhador. Há

temporários, substitutos, supletivos, intermitentes, detentores de contratos de

duração determinada, interinos na indústria, no comércio, na educação, no teatro ou

no cinema, mesmo que haja grandes diferenças que possam separá-los dos

desempregados e também entre si, todos eles vivem o medo do desemprego, e,

muitas vezes sob a ameaça da chantagem exercida sobre eles pelo desemprego. A

precariedade cria novas estratégias de dominação e exploração, tendo como base a

40

chantagem da dispensa, que se exerce hoje em toda a hierarquia, nas empresas

privadas e até nas públicas, e que impõe sobre o conjunto do mundo do trabalho, e

em especial nas empresas de produção cultural, uma censura esmagadora, que

impede a mobilização e a reivindicação. Segundo Bourdieu (1998b), a degradação

generalizada das condições de trabalho se torna possível ou até mesmo favorecida

pelo desemprego.

Percebe-se que o movimento dos desempregados franceses caracterizou

também um apelo a todos os desempregados e trabalhadores precários de toda a

Europa: surgiu uma idéia subversiva nova e que pode ser um instrumento de luta, do

qual cada movimento nacional pode se apoderar. Os desempregados lembram a

todos os trabalhadores que estes estão no mesmo barco que os desempregados.

41

04. A INDÚSTRIA AUTOMOBILÍSTICA NO BRASIL

É no início do século XX que começa a história da indústria automobilística no

Brasil, com a instalação de fábricas pela General Motors e Ford, na capital paulista.

O grande movimento, segundo Bresciani (1998), para promover a produção

brasileira é datada a partir dos anos 1950, em que notou-se a participação

governamental, com incentivos fiscais e creditícios, para atrair fabricantes

estrangeiros. Tais medidas atraíram: Volkswagen (VW), Ford, General Motors (GM).

Mercedes-benz, Scania-Vabis, Toyota e Willis Overland empresas que chegaram ao

Brasil com novas fábricas. A chamada região do ABC paulista foi a escolhida para a

instalação das empresas.

No ano de 1975, após vinte anos de crescimento, o ABC passou a responder

por mais de 75% do volume de produção e dos postos de trabalho nas montadoras

do país. (BRESCIANI, 1998). Sabe-se também que, no Brasil, novas fábricas

surgiram, como no Vale do Paraíba, na cidade mineira de Betim e na Região

Metropolitana de Curitiba, o que se observou, então foi a progressiva queda do

percentual de participação do ABC paulista na produção nacional.

E é isso que será detalhado neste capítulo: como surgiu a indústria

automobilística no Brasil o contexto histórico inicial e as mudanças recentes.

As relações econômicas que predominaram no Brasil são reflexos da história

do trabalho neste país. Até praticamente o século XX, o Brasil não desenvolveu

formas capitalistas relevantes de produzir.

Por muito tempo no Brasil trabalhar era considerado uma vergonha, era coisa

para escravos. Esta era a mentalidade predominante entre as elites brasileiras.

Diferente dos Estados Unidos, que com seus imigrantes, estavam os “germes” da

revolução industrial, o Brasil foi colonizado por um país que viveu na vanguarda da

revolução mercantil, não chegando à revolução industrial.

O Brasil era considerado para Portugal, fonte de recursos naturais a serem

comercializados internacionalmente e também fontes de produtos primários,

produzidos com mão-de-obra vinda da África. Era produzido excedente para o

mercado internacional. Concorria-se em alguns mercados internacionais, produzindo

com mão-de-obra escrava, podendo ser entendido como uma concorrência desleal,

pois rebaixava o custo de reprodução da força de trabalho. Na economia brasileira,

42

como nota-se, não havia lugar para o trabalho assalariado. O efeito da falta de

assalariamento sobre o mercado interno era amortecer seu dinamismo e sua

capacidade de expansão.

Já no século XVIII é possível perceber no Brasil várias tentativas isoladas de

modernização da economia, pela promoção da indústria. Mas a possibilidade de

sucesso dessas experiências era pequena, segundo Tauile (2001), pois o país

sempre foi caracterizado pela exploração e espoliação comercial por parte dos

colonizadores, governantes e herdeiros. A dinâmica interna da economia em si não

interessava como fonte de acumulação para os poderes maiores, que em última

instância se beneficiavam da exploração colonial da sociedade.

Os “surtos” locais de modernização industrial entravam em choque com os

interesses maiores, externos ao país que se formava e, por isso, sempre foram

contidos e destinados ao fracasso.

A República no Brasil foi apoiada por muitos escravocratas, em função da

oposição que faziam a Dom Pedro II, com medo de perder seu prestígio social e

econômico com o fim da escravidão. A nova República nascia envelhecida, contendo

características da antiga estrutura de poder e comprometida com formas já arcaicas

de produção de excedente econômico. A criação de uma economia industrial e de

uma sociedade moderna era uma tarefa difícil, pois a estrutura de poder colonial e

patrimonialistas estavam arraigadas.

As primeiras manifestações de capitalismo industrial que não foram fadadas

ao insucesso ocorreram no final do século XX, em torno do “capital cafeeiro”,

principal atividade econômica brasileira até meados do século XX.

No século XX, a partir de 1930 notou-se um acelerado movimento de

transformação econômico-produtiva em direção á industrialização, movimento esse

que foi anunciado já na década de 1920 pelo movimento modernista e tenentista. A

grande crise mundial acarretou para o Brasil, uma súbita e drástica restrição nas

exportações cafeeiras. Sem a exportação do café, o país não podia importar uma

considerável parte dos bens que consumia, em especial os industrializados. Para

Tauile (2001) talvez tenha começado aí o processo de industrialização brasileira.

A produção de bens de consumo não duráveis aumentou, a maioria dos quais

se importava. Notando que as condições para a industrialização se tornavam

propícias, Getúlio Vargas promulgou na década de 1930 as leis trabalhistas no país,

que foram consolidadas em 1943. A consolidação das leis trabalhistas (CLT) era

43

somente aplicável aos trabalhadores urbanos, deixando desprotegidos os

trabalhadores rurais.

As leis promulgadas por Getúlio Vargas foram inspiradas no corporativismo

italiano, independente dos anseios diretos da classe empresarial. Fazendo com que

tais leis entrassem para o rol daquelas que “não pegam” ou demoram a pegar. Foi

neste contexto que surgiu o “peleguismo”, usado pelo aparelho do Estado para

manipular o movimento sindical.

A luta explícita pela industrialização teve seu ponto alto nas iniciativas de se

instalar uma siderúrgica no Brasil, pois nada mais natural, para um país que quer se

industrializar, do que produzir o próprio aço que consome. Então fundou-se a

Companhia Siderúrgica Nacional (CSN) com ajuda norte-americana.

Outro ponto alto que aconteceu em direção a industrialização, foi a luta

travada pela produção nacional de petróleo no país. Seguindo então com a fundação

da Petrobrás.

Após a morte de Getúlio Vargas a opção pela industrialização ganhou cada

vez mais adeptos. A própria sociedade desejava alcançar, segundo Tauile (2001) a

modernização e, a industrialização era vista como agente dessa modernização.

A industrialização muda de rumo, mas continua a existir. A outra fase da

industrialização se deu com a ascensão de Juscelino Kubitschek à Presidência da

República (1956-1961). No plano do desenvolvimento econômico – e com o lema

“50 anos em 5” – Juscelino incorporou o capital estrangeiro ao Plano de Metas do

seu governo.

O projeto de industrialização com uma forte abertura internacional, resultou na

indústria eletromecânica (automobilística e demais bens duráveis), para o que se

apoiou, de maneira bem sucedida, a indústria de construção civil. Os capitais de

origem européia e japonesa trouxeram para o Brasil, investimentos significativos na

indústria automobilística, mecânica pesada, naval, siderúrgica etc.

Um dos processos que viabilizaram o sucesso do projeto industrial brasileiro,

para Tauile (2001), foi que a industrialização começou a necessitar de uma massa

muito maior de trabalhadores com qualificações muito pequenas, em que se exigia

pouca ou nenhuma educação escolar formal e a força de trabalho brasileira era

constituída de um alto grau de analfabetismo.

A aceleração dos processos de industrialização foi bem estimulada, era

permitida a importação de equipamentos sem cobertura cambial. Segundo Tauile

44

(2001), com isso empresas estrangeiras que vinham se instalar no Brasil podiam

trazer máquinas ou até fábricas inteiras desativadas em seu país de origem, sem

que a elas correspondessem um fluxo real de divisas (um pagamento em espécie).

Os anseios de uma nova classe operária emergente eram refletidos em

práticas de militância e de associação sindical qualitativamente diferente do que

existia até então.

No final dos anos 1950 e no início dos anos 1960, notou-se que não só

fatores internos de quadro político brasileiro, mas também fatores presentes no

contexto americano impediram, segundo Tauile (2001), o desenvolvimento “sadio”

de práticas de relacionamento entre trabalho e capital industrial.

A revolução cubana transformou-se em uma revolução socialista. E era

inadmissível para o poder hegemônico americano qualquer possibilidade de ocorrer

uma “nova Cuba” no continente, e muito menos em um país com as dimensões e

importância do Brasil. As preocupações e intenções americanas encontraram

respaldos nas estruturas de poder oligárquico.

As inseguranças políticas dessas estruturas de poder criaram uma espécie de

miopia econômica. Segundo Tauile (2001), em vez de incorporar à sociedade de

consumo a emergente classe operaria, a nova classe de trabalhadores passou a ser

vista como tendo um potencial subversivo e, logo, foco de repressão político/militar.

No ponto de vista econômico, isso acarretou uma repressão ao desenvolvimento de

uma “sociedade salarial”.

Já em 1990, segundo Bresciani (1998), pode-se observar uma grande

mudança no quadro da indústria automotiva. Foi o ano da vitória eleitoral de

Fernando Collor de Melo sobre Luiz Inácio “Lula” da Silva, líder dos metalúrgicos e

do Partido dos Trabalhadores. Após trinta anos de governo só privilegiando a

produção nacional, houve a reabertura do mercado nacional à importação de

veículos e autopeças. O que se observou foi uma queda na produção

automobilística de um milhão de unidades e em São Bernardo teve uma crise pior,

os cincos fabricantes montaram menos de 337 veículos em 1990, situando-se 18%

abaixo do patamar do ano anterior. (BRESCIANI, 1997).

Em 1991 mais de cinco mil trabalhadores perderam o emprego e importantes

fábricas fecharam, principalmente no setor de autopeças e máquinas. Diante da

crise ocorreu o acordo assinado no ano de 1992 pelo governo federal e do Estado

de São Paulo, associações empresariais e sindicatos dos trabalhadores. Segundo

45

Bresciani (1998) tal acordo era composto por decisões sobre redução de preços e

impostos, um cronograma para recuperação dos salários nos trinta meses seguintes

e a garantia do nível de emprego por ramo industrial. Percebeu-se que as vendas

recuperaram o ritmo, com a produção retornando ao patamar de 1,1 milhão de

veículos.

De acordo com Bresciani (1998), nesse período o Sindicato de São Bernardo

desenvolveu alternativas reais para a reestruturação automotiva, ultrapassando o

restrito debate sobre salários e inflação.

Em 1996 ocorreu o início da construção das novas plantas, notando-se o

início das operações da VW em Resende e São Carlos (motores). Na região de

Curitiba tem-se a instalação da Renault, e a Mercedes-Benz passaria a produzir

automóveis em Juiz de Fora. Chrysler e Audi-Volkswagen também foram para a

região de Curitiba, com novas fábricas, neste período.

O governo brasileiro, na época, destacou a construção das novas fábricas e a

chegada de novos fabricantes, mas, segundo Bresciani (1998) havia também

montantes expressivos de recursos destinados à reorganização das fábricas

tradicionais. Como exemplo disto, tem-se a Ford que reconstruiu quase que por

completo a sua fábrica em São Bernardo, e monta dois novos modelos desde 1996 -

– Fiesta e Ka. Neste contexto, a VW anunciou um investimento de US$1,5 bilhão

entre o período de 1995 – 2000 em suas plantas Anchieta e Taubaté. A Mercedes,

segundo Bresciani (1998), investiu US$ 500 milhões e a Scania US$ 200 milhões,

promoveram mudanças importantes em seus sistemas produtivos.

No que se refere ao emprego nas montadoras brasileiras, Bresciani (1998) diz

que houve um pequeno aumento entre os anos de 1992 e 1997, mantendo o

patamar próximo de 106 mil trabalhadores.

No ABC paulista, a taxa de emprego nas montadoras teve uma queda, tendo

70,4 mil trabalhadores – 60% do total do país – no fim de 1990, para 54,5 mil (52%)

em 1995. (BRESCIANI, 1998). Neste período ocorreram demissões por parte da

Mercedes-benz e da Scania, isto se deve ao fato das dificuldades registradas no

mercado de caminhões e ônibus, e também na Ford, em que após a ruptura com a

Autolatina a participação do mercado caiu.

46

4.1 A INDÚSTRIA AUTOMOBILÍSTICA NA REGIÃO METROLITANA DE CURITICA

(RMC): PERFIL DO TRABALHADOR E DO MERCADO DE TRABALHO.

Sabe-se que no ano de 1990 o Brasil foi aberto ao mercado externo, com

entrada de capitais, principalmente no setor industrial. Observou-se que São Paulo

continuou sendo o pólo de investimentos, contudo buscaram-se novos lugares para

investimento industrial, especialmente o setor automotivo, que é o que interessa

neste trabalho. Como nova sede do capital industrial, RMC foi escolhida para a

instalação da indústria automobilística. Em 1997, na Região Metropolitana de

Curitiba, em São José dos Pinhais instalou-se a Renault, dois anos depois no

mesmo lugar, foi instalada a Audi – Volkswagen. Segundo Motim, Firkwski e Araújo

(2002), ressaltam ainda que, as fábricas principais foram acompanhadas por vários

fornecedores – sistemistas – que assim como as montadoras, têm como

características novos padrões organizacionais e produtivos.

De acordo com Motim, Firkwski e Araújo (2002), com a nova fase industrial do

Paraná, a RMC começou a fazer parte de uma dinâmica industrial nacional de forma

mais relevante. Já o interior reforça a estrutura industrial produtiva anterior, que é

caracterizada pela produção agropecuária. Considerando-se os dados coletados no

Ministério do Trabalho e Emprego, Relação Anual de Informações Sociais (RAIS).

Apresentados nas tabelas anexas observou-se essa estrutura, ou seja, a RMC é

concentradora de mão-de-obra, pois aproximadamente 80% dos trabalhadores da

indústria automobilística encontram-se nesta região.

O objetivo dessa seção é discutir o perfil do trabalhador da indústria

automobilística e do mercado de trabalho. Para isso, foram coletados dados do

MTE/RAIS e elaboradas tabelas que traçam esse perfil. Para isso foram escolhidas

as variáveis faixa etária, gênero, grau de instrução e tipo de vínculo, analisadas em

relação à média da remuneração do mês de dezembro. Este dado quantitativo

permite precisar a remuneração do trabalhador da indústria automobilística, de forma

mais aproximada esse dado não inclui o décimo terceiro salário. O objetivo de traçar

o perfil do trabalhador é para compreender o alcance ou os limites da precarização

no caso da indústria automobilística. Trata-se de pesquisa explanatória, sem

conclusões definitivas, mas apenas abrir caminhos, fornecendo elementos para

discussões futuras.

47

A estrutura ocupacional do mercado de trabalho da indústria automobilística

no Paraná e na Região Metropolitana de Curitiba, no período analisado, de 2000 a

2005, é constituído por jovens adultos na faixa de 18 a 39 anos com porcentagem

aproximada de 80%;do sexo masculino aproximadamente 88 %; empregados

urbanos no regime da Consolidação das Leis Trabalhistas (CLT) por pessoa jurídica

por prazo indeterminado, configurando um cálculo aproximado de 98%. São

porcentagens constantes nos anos de 2000 a 2005, no que se refere ao tipo de

vínculo, como mostram as tabelas 01 e 02 em anexo.

Pode-se observar, nas tabelas 01 e 02 em anexo, evidencias de precarização

em curso, nos ano 2000 – 2005:

01) Diferentemente dos anos 2004 e 2005, notou-se, no período, o baixo

crescimento dos postos de trabalho contratados por prazo indeterminado no

regime da Consolidação das Leis Trabalhistas (CLT);

02) Houve aumento relevante no número de contratação de menores aprendizes,

a partir do ano 2002, intensificando-se em 2004 e 2005. Não pode-se,

afirmar, que este dado represente necessariamente precarização, pois

depende do número de aprendizes em relação ao total de trabalhadores de

cada empresa;

03) Há aumento expressivo de contratos no regime CLT por tempo determinado

em 2004 e 2005. Dado este que pode superestimar um aumento na geração

de postos de trabalho ao olhar o número total de trabalhadores, entretanto

não passa de trabalhadores por tempo determinado;

04) Da mesma forma que os trabalhadores contratados por tempo indeterminado

crescem pouco, também os salários destes trabalhadores tiveram pouco

acréscimo;

05) Pode-se notar também, a redução dos salários dos trabalhadores de regime

CLT por prazo determinado em 2004, ano este em que houve maior número

de contratos sob este vínculo.

Quanto ao grau de instrução, a maior parte dos trabalhadores, conforme

tabelas 03 e 04, têm segundo grau/ensino médio completo. Os trabalhadores com

ensino médio, no Paraná e na RMC, constituem aproximadamente 54% e 60%,

respectivamente. No Paraná, no período analisado, em torno de 31% dos

trabalhadores têm ensino fundamental. Número que não é muito diferente na RMC,

48

onde gira em torno de 25% dos trabalhadores. Como pode ser observado nas

tabelas 03 e 04 anexas.

Tanto no Paraná como na RMC, 15% dos trabalhadores da indústria

automobilística estão no ensino superior, e é a parcela com as melhores

remunerações, principalmente a que possui superior completo.

A análise do mercado de trabalho, no ramo automobilístico conforme tabelas

03 e 04 anexas, revela que a faixa de trabalhadores analfabetos e daqueles que

possuem até a oitava série incompleta, têm diminuído com o passar dos anos. Por

possuírem menor grau de instrução, geralmente, encontram maior dificuldade para

encontrar uma boa remuneração ou mesmo encontrar emprego.

Pode-se observar a precarização, no que diz respeito ao grau de instrução,

quando se observa a exclusão ou não inclusão, de trabalhadores que têm até a

oitava série incompleta do Ensino Fundamental, conforme tabelas 03 e 04.

Evidencia-se também na pouca diferença de remuneração existente entre os

trabalhadores com Ensino Fundamental completo e os que possuem Ensino Médio

completo, como foi observado nas tabelas 03 e 04.

Outro dado em que se percebe a precarização é o inexpressivo crescimento

da remuneração – em especial, os trabalhadores dos que possuem Ensino Médio

completo, e estes trabalhadores representam a maior parcela na indústria

automobilística – no decorrer dos últimos cinco anos (2000 a 2005). Isto tira o véu do

discurso que se mostra ideológico ao dizer que trabalhadores com maior grau de

instrução e qualificação encontrariam uma boa colocação no mercado de trabalho.

Também nas tabelas 05 e 06, pode-se observar o perfil dos empregos formais

da indústria automobilística no Paraná e na RMC, respectivamente, em que a

predominância do sexo masculino se faz evidente, assim como os maiores salários

que estes trabalhadores recebem. No Paraná, eles ganham em média 16,6% a mais

que as mulheres. Na RMC, esse percentual diminui um pouco, eles ganham em

média 10,4% a mais que elas.

No Paraná e na RMC a participação dos homens e mulheres na indústria

automobilística cresceu. Entretanto ao comparar os salários dos homens e das

mulheres, notou-se que a diferença destes, em 2000 e 2005, no Paraná aumentou

significativamente. E no que se refere a RMC, a diferença de salário, no mesmo

período, teve uma diminuição relativamente pequena. Com isso pode-se observar a

49

precarização, pois no Paraná a diferença salarial entre os gêneros duplicou e na

RMC a diferença permaneceu quase a mesma.

As tabelas 07 e 08 referem-se a faixa etária do trabalhador formal da indústria

automobilística, nos anos de 2000 a 2005 no Paraná e na RMC, respectivamente.

Pode-se observar que os trabalhadores com mais de 65 anos de idade

possuem menor remuneração, quando comparados a faixa etária dos 30 a 64 anos.

Os trabalhadores com mais de 65 anos são em baixíssimo número, se comparados

a todas as demais faixas etárias. Nota-se que 80% dos trabalhadores são jovens

adultos com 18 a 39 anos de idade, pois estes seriam mais escolarizados e mais

capazes de se adaptar e responderem às expectativas das empresas, na lógica dos

sistemas flexíveis de produção – que requer novos conhecimentos e habilidades.

Entretanto requerem – conforme foi constatado nas visitas feitas pelo Grupo de

Estudos Trabalho e Sociedade (GETS) 13 – muita força física também.

Ao analisar as freqüências, ou melhor, dizendo, o total das freqüências de

2000 a 2005 no Paraná e na RMC, nota-se que no ano de 2001, na RMC, houve

uma queda de 131 postos de trabalhos formais na indústria automobilística. Nos

outros anos, o aumento se deu principalmente na RMC, com pequenos aumentos de

2001 a 2003, com aumento significativo no ano de 2004, ou seja, dos 6375 postos

de trabalho gerados no Paraná, 5288 pertenciam a RMC. Número este que caiu em

2005, passando a corresponder 1138 postos de trabalhos gerados na RMC, dos

1625 novos postos no Paraná. Conforme gráficos 01 e 02:

13

Grupo este vinculado à Universidade Federal do Paraná, coordenado pela prof. Drª.Benilde Maria Lenzi

Motim e pela prof. Drª Silvia Maria Pereira de Araújo.

50

Gráfico 01: Variação do emprego no Paraná: 2000 –2005

140

1257

1199

6375

1625

0

1000

2000

3000

4000

5000

6000

7000

2001 2002 2003 2004 2005

Ano

Em

pre

go

s

Fonte: MTE/RAIS

Elaboração: NARDI, P. GETS/UFPR, 2006.

Gráfico 02: Variação do emprego na RMC: 2000 – 2005

1138

-131

712

857

5288

-1000

0

1000

2000

3000

4000

5000

6000

2001 2002 2003 2004 2005

Ano

Em

pre

go

s

Fonte: MTE/RAIS

Elaboração: NARDI, P. GETS/UFPR, 2006.

51

Com isso pode-se notar que, na maioria dos anos, exceto o ano de 2004, a

variação positiva foi pequena, na RMC, quanto a geração de postos de trabalho. Na

RMC, no ano de 2001 houve um crescimento negativo de 131 postos de trabalho.

Isso pode ser explicado por contratos em tempo determinado, feitos em situações

em que a demanda por mão-de-obra era maior. A grande variação do emprego nos

gráficos 01 e 02, no ano de 2004, com posterior queda, pode indicar uma

característica do modelo de produção flexível – a contratação por tempo

determinado. Pode significar também uma acomodação do forte crescimento

verificado no setor, em 2004.

Nota-se que a RMC é a grande concentradora de mão-de-obra, o que se

refere à indústria automobilística, pois em São José dos Pinhais há a sede da

Renault e da Audi-Volkswagen, e em Curitiba encontram-se trabalhadores da Volvo

e outras empresas automobilísticas que compõem a rede de relações inter-firmas,

forma nítida de flexibilização dos sistemas produtivos.

Sabe-se que, diferente de certas indústrias nacionais, as indústrias

automobilísticas no Paraná já vieram de uma forma flexível, enxuta. É sabido

também que dentro de uma mesma empresa, é possível ter trabalhadores de

diversas empresas, de empresas terceirizadas. São trabalhadores que prestam

serviços para atender a necessidade transitória de substituição de pessoal regular

ou permanente ou também para responder a acréscimo extraordinário de demanda.

De acordo com Motim, Firkwski e Araújo (2002) a realidade das indústrias

automobilísticas no Paraná, caracteriza-se pela instalação nos parâmetros de alta

tecnologia e flexibilização da produção, com planta já destinada a essa

horizontalização, com necessidades supridas através da rede de fornecedores que

as atendem. Percebe-se que a nova forma de organizar a produção implicou

precarização nas relações de trabalho e, com isso, na organização dos

trabalhadores.

Complementando o perfil do trabalhador na indústria automobilística pode-se

observar uma escolarização maior; um corpo de trabalhadores de diversas origens,

principalmente nos maiores escalões – estrangeiros da matriz das montadoras,

franceses (Renault) e alemães (Audi), mas também argentinos.

Pode-se observar ainda, que o mercado de trabalho – no ramo

automobilístico – torna-se mais precário à medida que se distancia das montadoras,

em direção às fornecedoras.

52

Contudo este fenômeno, não parece ser tão evidente aqui, como foi percebido

por Leite (2003) em São Paulo. Talvez porque aqui, as fornecedoras que chegaram

junto com as montadoras, já sob organização enxuta e flexível. Entretanto, esta, é

uma hipótese para pesquisas futuras, pois neste momento da análise não houve

essa preocupação.

53

05. CONSIDERAÇÕES FINAIS

Este estudo foi realizado a partir da análise teórica da Sociologia do Trabalho

visando compreender a divisão do trabalho utilizada no sistema taylorista/fordista e a

crise desse paradigma produtivo que implicou o deslocamento no sentido dos

sistemas flexíveis de produção. No âmbito deste quadro teórico e contexto histórico,

buscou-se compreender o mercado de trabalho nos sistemas flexíveis de produção e

a tendência à precarização, enfatizando o ramo da indústria automobilística. Para

tanto realizou-se coleta de dados junto ao banco de dados do Ministério do Trabalho

e Emprego, mais especificamente, os dados da RAIS.

A partir de meados de 1980, quando a organização dos sistemas flexíveis de

produção se desenvolveu no Brasil e, nas décadas de 1990 e 2000, quando esses

sistemas se intensificaram, ficou evidente a precarização do mercado de trabalho e

das condições de trabalho, em especial, na indústria. Observou-se, nas leituras

realizadas, que o destino da grande maioria dos trabalhadores que perderam seus

empregos na indústria de ponta sob reestruturação intensa e sistêmica mostraram-

se excluídos do mercado de trabalho formal.

Há a tendência em argumentar que o investimento social e pessoal em

educação é o principal meio de superação do desemprego, mas o que se observa é

o aumento do desemprego para a população com níveis mais elevados de instrução.

(DIEESE, 2001). Em um mercado de trabalho deprimido e sem perspectiva de

crescimento da oferta de postos de trabalho, corre-se o risco de se frustrarem as

expectativas dos indivíduos que investiram na própria educação e também, de

ocorrer adiamento em se direcionar políticas econômicas mais eficazes para

melhorar a capacidade da economia em gerar postos de trabalho em número

suficiente para atender o crescimento da força de trabalho.

Notou-se que um sistema que o mercado não regula e que não possui – como

no caso brasileiro – mecanismos públicos eficazes de proteção, tem como

conseqüência, gerar insegurança generalizada. Neste sentido, não é bom para os

trabalhadores e para as empresas, e muito menos para a grande parcela de

excluídos ou semi-excluídos. Gera um clima de guerra social, não criando a maior

força produtiva, que é o capital social, capacidade de gerar espaços articulados de

54

colaboração e cooperação. Segundo Dowbor (2002) herda-se, então, um sistema

patológico, onde a tecnologia avança e as relações sociais regridem.

O Brasil tem passado por várias transições, como a abertura comercial, o

avanço tecnológico, o surgimento de formas atípicas de contrato de trabalho, a

transferência de mão-de-obra para o setor terciário e para os serviços pessoais, o

acréscimo de trabalhadores no mercado informal, a remuneração e jornadas

variáveis, a polivalência, entre outros, que têm afetado significativamente o mercado

de trabalho.

O Sindicato dos Metalúrgicos de São Bernardo do Campo e Diadema faz uma

análise e diz que, aliado à crise econômica, o processo de inovação tecnológica e

organizacional em curso tem gerado uma série de resultados insatisfatórios do ponto

de vista dos trabalhadores, tais como: i) aumento dos níveis de desemprego e o

aumento do chamado trabalho precário; ii) qualificação profissional polarizada, com

razoável parcela de trabalhadores desqualificados, e pequeno alcance das

atividades de treinamento promovidas palas empresas (especialmente nos setores

fornecedores presente na cadeia produtiva); iii) continuidade das perdas salariais,

corte de benefícios (salários indiretos) e manutenção de políticas de cargos e

salários incompatíveis com determinadas transformações na organização do

trabalho; iv) aumento do desgaste físico e mental em setores automatizados ou sob

forte racionalização produtiva. Por outro lado alguns benefícios foram citados, como

a redução das taxas de rotatividade do setor montador e melhoria das condições

ambientais e de trabalho em setores como pintura e solda, quando automatizados –

do ponto de vista de quem continua no emprego.

O período analisado nos dados coletados, de 2000 a 2005, foi escolhido para

compreender a atual situação, e analisou-se os efeitos das transformações,

ocorridas no Brasil no final do século XX, no mercado de trabalho e no ramo da

indústria automobilística, em especial, na Região Metropolitana de Curitiba.

O complexo automotivo no Paraná segue padrões de organização enxuta e

flexível, com alto investimento em tecnologia, embora, alguns setores de produção

mantenham associados sistemas de organização fordista-taylorista.

No caso da indústria automobilística, o fato dos números relativos indicarem

crescimento do emprego no Paraná e na RMC, como em 2004, não significa muito,

quando se considera todo o período estudado e o desempenho total do setor no

55

Brasil – que puxa a geração de posto de trabalho para baixo, revelando um fraco

desempenho na geração de empregos.

Uma possível explicação para esta tendência é a reestruturação produtiva,

com o fechamento de algumas unidades industriais e a relocação de outras, além do

aumento da produção, sem o correspondente aumento de postos de trabalho, ou

seja, houve um significativo aumento da produtividade.

É importante notar que as mudanças ocorridas no Paraná, em especial na

RMC, estão inseridas no contexto das mudanças no mercado de trabalho no Brasil

dos anos 1990, que não estão só relacionadas ao modelo de produção flexível, mas

também com o nível de atividade, a reinserção externa, a reestruturação das

empresas privadas e o ajuste do setor público.

Pôde-se observar a existência de precarização no ramo automobilístico na

RMC, no período de 2000 – 2005. Tentou-se cercar a análise no tipo de vínculo,

grau de instrução, gênero e faixa etária em relação a média de remuneração do mês

de dezembro. E pôde-se notar a evidência de precarização nessas análises, no

sentido de um baixo crescimento dos postos de trabalho por tempo indeterminado

no regime da Consolidação das Leis Trabalhistas (CLT), exceto nos anos 2004 e

2005. E neste mesmo ano observou-se um aumento expressivo de contratos no

regime CLT por tempo determinado. Os salários dos trabalhadores sob regime CLT

por tempo determinado em 2004, ano este em que mais houve contratação deste

tipo.

A precarização se fez notar também na faixa de trabalhadores analfabetos e

daqueles que possuem até a oitava série incompleta, em que têm diminuído com o

passar dos anos. Este dado em si, não representaria precarização se revelasse um

aumento dos níveis de formação dos trabalhadores. Porém, o que se observa e que

os mesmos estão sendo empurrados para fora do mercado formal de trabalho e para

o setor informal. Notou-se também a pouca diferença de remuneração entre os

trabalhadores com Ensino Fundamental completo e os que possuem Ensino Médio

completo, e entre os analfabetos e os que possuem o Ensino Médio incompleto. A

maior parte de trabalhadores da indústria automobilística é composta por

trabalhadores que possuem o Ensino Médio completo, e no período analisado,

esses trabalhadores tiveram um aumento pouco expressivo. Contradizendo a

ideologia que o investimento em educação é a principal estratégia de boa colocação

no mercado de trabalho.

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No que se refere ao gênero, as diferenças salariais no Paraná, em 2000 e

2005, duplicou e na RMC a diferença salarial permaneceu quase a mesma. Não

tendo com isso ganhos significativos, no que diz respeito ao salário, no mercado de

trabalho para a população feminina.

Observou-se também que os trabalhadores com mais de 65 anos de idade

possuem menos remuneração, quando comparados à faixa etária dos 30 a 64 anos.

Notou-se também que 80% dos trabalhadores da indústria automobilística é

constituída por jovens trabalhadores com 18 a 39 anos de idade, pois estes seriam

mais capazes de se adaptar e a responder às expectativas das empresas na lógica

dos sistemas flexíveis de produção, que opta por trabalhadores com mais

conhecimentos e habilidades. Entretanto, foi observado, que a força física dos

trabalhadores, também é um requisito para o chão de fábrica.

De acordo com as autoras Motim, Firkowski e Araújo (2002), a supressão de

postos de trabalho formal, mesmo quando ocorre um aumento do trabalho informal,

autônomo e ampliação dos pequenos negócios, acarreta precarização das

condições sociais. Isso deve-se ao fato de que a diminuição do emprego formal

repercute na dinâmica do mercado de trabalho, nas condições de vida dos

trabalhadores, na organização sindical e na situação previdenciária.

Como foi observado o ramo automobilístico na RMC não foge do contexto

nacional no que se refere a precarização no mercado de trabalho.

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06. REFERÊNCIAS

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07. ANEXOS

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