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UNIVERSIDADE CANDIDO MENDES INSTITUTO A VEZ DO MESTRE PÓS-GRADUAÇÃO “LATO SENSU” A PRESCRIÇÃO DA PRETENSÃO PUNITIVA PELA PENA EM PERSPECTIVA Por Ricardo Gonçalves da Silva Júnior Prof. Orientador Francis Rajzman Rio de Janeiro 2010

A PRESCRIÇÃO DA PRETENSÃO PUNITIVA PELA PENA EM PERSPECTIVA · O quarto capítulo fora destinado à definição do conceito de prescrição, trazendo a definição dos estudiosos

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UNIVERSIDADE CANDIDO MENDES

INSTITUTO A VEZ DO MESTRE

PÓS-GRADUAÇÃO “LATO SENSU”

A PRESCRIÇÃO DA PRETENSÃO PUNITIVA PELA

PENA EM PERSPECTIVA

Por

Ricardo Gonçalves da Silva Júnior

Prof. Orientador Francis Rajzman

Rio de Janeiro

2010

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UNIVERSIDADE CANDIDO MENDES

PÓS-GRADUAÇÃO “LATO SENSU”

INSTITUTO A VEZ DO MESTRE

A PRESCRIÇÃO DA PRETENSÃO PUNITIVA PELA

PENA EM PERSPECTIVA

OBJETIVOS

Esta publicação atende a complementação

didático-pedagógica de metodologia da

pesquisa e a produção e desenvolvimento

de monografia, para o curso de pós-

graduação em Direito e Processo Penal pelo

pós-graduando Ricardo Gonçalves da Silva

Júnior.

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SUMÁRIO

RESUMO ...........................................................................................................07

INTRODUÇÃO ...................................................................................................08

1.O PODER-DEVER DO ESTADO DE PUNIR ................................................11

2.OS FUNDAMENTOS DO DIREITO DE PUNIR .............................................17

3.EVOLUÇÃO HISTÓRICA DA PRESCRIÇÃO ...............................................20

4.CONCEITO E NATUREZA JURÍDICA DA PRESCRIÇÃO ...........................23

5.PRESCRIÇÃO DA PRETENSÃO PUNITIVA PROPRIAMENTE DITA .......26

6.PRESCRIÇÃO DA PRETENSÃO PUNITIVA INTERCORRENTE ...............29

7.PRESCRIÇÃO DA PRETENSÃO PUNITIVA RETROATIVA ......................31

8.PRESCRIÇÃO EXECUTÓRIA ......................................................................34

9.CAUSAS INTERRUPTIVAS DA PRESCRIÇÃO ........................................36

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10.CAUSAS SUSPENSIVAS (IMPEDITIVAS) DA PRESCRIÇÃO .................38

11.PRESCRIÇÃO DA PRETENSÃO PUNITIVA PELA PENA EM

PERSPECTIVA (OU ANTECIPADA, OU VIRTUAL, OU PROJETADA) .........41

11.1 ARGUMENTOS CONTRÁRIOS .....................................................42

11.2 ARGUMENTOS FAVORÁVEIS .....................................................49

CONCLUSÃO....................................................................................................55

BIBLIOGRÁFIA..................................................................................................56

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Dedico este trabalho a Deus. A minha querida mãe maravilhosa, Regina de Souza Oliveira, exemplo de talento e determinação na busca de nossos objetivos. Ao meu precioso padrasto, Geraldo Eurípedes de Souza Porto, que nos momentos mais difíceis sempre prestou seu auxílio de forma sensacional.

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AGRADECIMENTOS

Ao meu Tio, Renato Gonçalves da Silva e minha Tia Maria de Fátima Esteves

Bandeira de Mello, pelo amor, pelo carinho e pela amizade, no incentivo a

trilhar a honrosa carreira jurídica. Agradeço ainda a todos aqueles que me

apoiaram e torceram por cada vitória, em especial, minha esposa, Aline

Ferreira de Mendonça, e minha amada filha, Ana Paula Mendonça Gonçalves

da Silva.

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RESUMO

Este trabalho tem por finalidade o estudo da prescrição da pretensão punitiva

estatal pela pena em perspectiva, também chamada de prescrição pela pena

ideal, antecipada, virtual, ou projetada, como forma de extinção da punibilidade,

com base na legislação penal vigente e na Constituição Federal de 1988,

passando por um estudo histórico da evolução da prescrição, suas teorias e

espécies. É analisada de forma mais profunda a espécie de prescrição a que

se destina este trabalho, ou seja, a prescrição pela pena em perspectiva, sendo

analisados os argumentos contrários e favoráveis à aplicação desta

espécie/modalidade de prescrição, trazendo à baila o posicionamento de parte

da doutrina que, baseada principalmente no princípio da obrigatoriedade e na

possibilidade de haver mutatio libelli, rechaça a aplicabilidade da referida

espécie de prescrição. Traz também o posicionamento de outra parte da

doutrina que, baseada principalmente na economia processual e no

funcionalismo penal defende a aplicação da prescrição antecipada. O trabalho

coleciona ainda breves considerações sobre as causas interruptivas e

suspensivas da prescrição, o aspecto polêmico da prescrição na medida de

segurança e a posição de diversos julgados à respeito da aplicabilidade da

prescrição pela pena em perspectiva. A exposição é feita com fundamento de

cooperar com a discussão e definir o futuro desta espécie de prescrição, seja

ela abarcada pela nossa legislação (positivada de forma clara) ou não.

Palavras-chave: Prescrição; Prescrição pela pena ideal; Prescrição antecipada;

Prescrição virtual; Prescrição pela pena em perspectiva; Prescrição projetada.

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INTRODUÇÃO

Este trabalho tem como objetivo o estudo da prescrição da

pretensão punitiva do estatal pela pena em perspectiva, também chamada de

antecipada, virtual, pela pena ideal ou projetada, como forma de fomentar a

discussão a cerca da aplicabilidade desta espécie de prescrição, e foi realizado

através de uma pesquisa exploratória, de levantamento bibliográfico e

jurisprudencial, com ênfase nas principais questões teóricas disponíveis,

oferecendo subsídio para a argumentação favorável e contrária a aplicação do

enunciado.

Cabe ressaltar que este tema fora escolhido por despertar grande

interesse, uma vez que se trata de uma espécie de prescrição da pretensão

punitiva que não está abarcada em nosso ordenamento jurídico, sendo uma

criação doutrinária e jurisprudencial que vem ganhando força a cada dia.

A extinção da punibilidade pode-se dar por vários motivos, dentre

eles a prescrição, que pode ser da pretensão punitiva ou da pretensão

executória, esta quando o Estado demora na execução de uma sentença,

aquela quando o Estado demora em prolatar uma sanção.

O artigo 107 do Código Penal prevê as formas de extinção da

punibilidade, dentre elas em seu inciso IV a prescrição, enquanto os artigos

109 a 119 do Código Penal são dedicados a prescrição, passando pelo termo

inicial, causas impeditivas e interruptivas, os prazos, a forma de contagem e

aplicação em caso de transito em julgado ou não, até aplicação da prescrição

em caso de concurso de crimes.

Para um estudo mais alicerçado, no primeiro capítulo é traçado

breves linhas quanto ao poder-dever do Estado de punir, com um estudo

voltado para bases filosóficas e históricas.

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No segundo capítulo é tratado dos fundamentos do direito de punir

estatal, novamente, com base filosófica e histórica, dando continuidade ao

primeiro capítulo.

O terceiro capítulo traz bases da evolução histórica da prescrição em

si, a fim de entendermos melhor todas as espécies de prescrição e para que

foram criadas, quando do estudo específico de cada uma.

O quarto capítulo fora destinado à definição do conceito de

prescrição, trazendo a definição dos estudiosos sobre o assunto.

No quinto capítulo começa-se a tratar das subespécies ou

modalidades de prescrição, sendo tratada neste capítulo a prescrição da

pretensão punitiva propriamente dita, trazendo explicações teóricas e exemplos

práticos.

O sexto capítulo examina a subespécie ou modalidade de prescrição

da pretensão punitiva intercorrente, trazendo explicações teóricas e exemplos

práticos.

O sétimo capítulo é dedicado a analisar a subespécie ou modalidade

de prescrição da pretensão punitiva retroativa, observando ser, certamente, a

subespécie mais comum e a que se baseia a prescrição pela pena em

perspectiva, objeto deste estudo, sendo de profunda importância a explanação

desta espécie, por isso, traz-se também explicações teóricas e exemplos

práticos.

No oitavo capítulo é estudado de forma a alinhavar breves

comentários sobre a espécie de prescrição da pretensão executória, quando o

Estado se delonga na aplicação de uma sanção.

No nono capítulo estudamos as causas interruptivas da prescrição,

com breve análise das causas constante em nossa legislação.

No décimo capítulo estudamos as causas impeditivas, ou, mais

conhecidas como causas suspensivas, com breve análise das causas

constantes em nossa legislação.

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Por fim, no último capítulo é estudado de forma mais aprofundada a

espécie de prescrição pela pena em perspectiva, ou virtual, ou pela pena ideal,

ou projetada, ou retroativa, apresentando, na medida do possível, de forma

exaustiva os principais argumentos contrários e favoráveis à aplicação desta

espécie de prescrição que fora originada dos tribunais e dos estudiosos, é

apresentado, ainda, de forma concisa a origem desta subespécie ou

modalidade como forma de uma melhor elucidação das questões atuais e

futuras, bem como colecionamos algumas jurisprudências contrárias e

favoráveis.

Visto isso, ficará demonstrado ao final da pesquisa, o entendimento

sobre a aplicabilidade desta subespécie ou modalidade de prescrição, por parte

da doutrina e dos Tribunais.

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1.O PODER-DEVER DO ESTADO DE PUNIR

Ao passo que o poder público foi se afirmando ao longo da história,

o Estado passou a intervir também nas infrações de interesses privados, e. g. o

homicídio, o furto, a injúria, entre outros, além dos interesses do próprio Estado

ou da sociedade que já vinham sofrendo intervenções do Estado.

Nas espécies de infrações relativas aos interesses privados, a

intervenção do Estado se deu não apenas para a satisfação do particular de

ver o infrator punido, mas, certamente, por se tratar de forma indireta de

interesse da sociedade como um todo, que desejava a reparação àquele mal

gerado pelo infrator, como por exemplo a sensação de insegurança gerada

para sociedade por um homicídio.

Não obstante à reparação aos danos causados, seja ao particular,

seja à sociedade, o Estado teve que intervir as infrações de interesses privados

como forma de evitar a regressão na própria sociedade e forma de estado,

pois, se não interviesse nessas espécies de infrações, culminaria na vingança

do particular diretamente sobre o ofendido.

Decorre daí o nascimento do Direito Penal Público, na acepção

moderna da palavra, sobre o qual Carla Rahal Benedetti diz que

esse direito penal do Estado necessita fornecer de

maneira rápida e eficaz o sentido da paz, da ordem e da

segurança aos cidadãos. Para tanto, o legislador deve

conceber delitos e penas de acordo com o juízo de valor e

em conformidade com a consciência moral de um povo

para que assim possa declarar-se o delito não apenas um

ato anti-social, mas também e sobretudo, ofensa ao

sentido de justiça. Com uma visão panorâmica do

ordenamento jurídico, podemos dizer que o direito penal é

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formado pelo conjunto de normas que se relacionam e

interagem com o direito de punir.1

Sendo assim, para que o Estado seja soberano deve este ter

capacidade de originar as regras as quais estarão sujeita a sociedade e,

principalmente, de aplicar suas decisões, impondo aos subordinados, que na

verdade compõem o próprio Estado, pois decorre deles a vontade de instituir o

ente qual irá regular suas relações até mesmo entre particulares.

Miguel Reale Júnior nos diz a respeito que

no dizer e aplicar o direito, mesmo porque o Estado

(moderno) existe na medida em que dita o Direito e se

põe como pessoa jurídica. (...) Assim, uma vez havendo o

Direito positivo, de maneira originária, o Estado, ente

então soberano, declara o Direito que regula a sociedade,

exercendo, inclusive, o monopólio da jurisdição, isto é, o

Estado possui o poder de legislar e de aplicar o direito,

ficando, pois, superada a autorização da vingança

privada, bem como a composição entre a vítima ou seus

familiares e o réu.2

Assim como todos os ramos jurídicos, o Direito Penal se distingue

entre o direito subjetivo e o direito objetivo, bem como o direito penal material e

o direito penal adjetivo.

No direito material é difundida a idéia do direito de punir do Estado,

já no direito adjetivo é a idéia de direito subjetivo público independente que

1 BENEDETTI, Carla Rahal. Presc rição Penal Antecipada. São Paulo: Quartier Latin, 2009, p.82. 2 REALE JÚNIOR, Miguel. Instituições de Direito Penal. Parte Geral. vol. I. 2ª ed. Rio de Janeiro: Editora Forense, 2004, p.14 e 15.

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domina, nada mais é que o nascimento do próprio processo, de onde decorre o

direito de punir.

Neste sentido afirma Giulio Battaglini

isso significa que a existência em concreto desse direito

de punir está intimamente ligada com o resultado do

processo, que pode ser comprovado como verdadeiro, ou

não, o fato histórico afirmado que foi objeto do processo.

O direito penal adjetivo (formal ou processual) pode ser

definido como o conjunto de normas que regulam os

modos e as formas, mediante os quais se comprova, no

caso concreto, positiva ou negativa, o direito de punir.3

O jus puniendi do Estado, ou seja, o direito de punir, como direito

penal subjetivo para Carla Rahal Benedetti significa que somente ao Estado é

permitido o exercício desse direito, que é posto em prática pela autoridade

pública que representa o Estado.4

Deste direito subjetivo de punir emanam duas vertentes: a primeira,

faculdade ou pretensão; e a segunda obrigação.

Pretensão não é conceituada de forma pacífica na doutrina, quanto a

sua aplicabilidade e abrangência.

Para Pontes de Miranda, pretensão é a posição subjetiva de poder

exigir de outrem alguma prestação positiva ou negativa, é a tensão para algum

ato ou omissão dirigida a alguém. Na pretensão, o direito tende para si,

dirigindo-se para que alguém cumpra o seu dever jurídico.5

3 BATTAGLINI, Giulio. Direito Penal. Parte Geral. São Paulo: Editora da Universidade de São Paulo, 1973, p. 11. 4 Ob. cit. P. 84. 5 MIRANDA, Pontes de. Tratado de Direito Privado. Parte Geral. Tomo V. Rio de Janeiro: Editor Borsoi, 1996, §615, p.451 e 452.

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Para Aníbal Bruno, não há um direito penal subjetivo. Entendo o

autor que o direito penal subjetivo, nada mais é do que uma tentativa de

relacionar a doutrina dos direitos públicos subjetivos coma excessiva tendência

dos dogmáticos em construir o Direito Penal sobre o padrão estrutural do

Direito Privado.6

Já para Miguel Reale Júnior, mais que um direito, o Estado possui o

dever de aplicar a lei penal e executar as sanções inerentes ao caso concreto

que decorrem dela, não podendo deixar de atuar sob pena de gerar uma

grande insegurança jurídica para a sociedade e fragilizar a sua soberania.7

No aspecto objetivo, segundo Basileu Garcia, o Direito Penal

representa o conjunto de normas jurídicas que o Estado estabelece para

combater as infrações penais, que consistem em crimes ou delitos e

contravenções, bem como a aplicação de suas respectivas penas ou medidas

de segurança.8

Pontua Carla Rahal Benedetti que

verificada, porém, a violação de um bem juridicamente

preexistente, intervém a norma penal secundária que é a

sanção, pois sujeita o infrator (réu) à pena correlata ao

direito do Estado de impor essa pena, e possui, ainda, a

pretensão de que a ela o réu se submeta, surgindo o

direito concreto de punir, cuja titulação é sempre Estado-

Administração, jamais do particular ofendido, ainda que se

trate de ação penal de natureza privada.9

6 BRUNO, Aníbal. Direito Penal. Parte Geral. 3ª ed. Rio de Janeiro: Forense, 1967, p.19 e 20. 7 Ob. cit. P. 15. 8 GARCIA, Basileu. Instituições de Direito Penal. vol. 1, Tomo I. 3ª ed.São Paulo.: Max Limonad, 1956, p. 8. 9 Ob. ciit. p. 86

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Surgindo então ao Estado o direito de executar o título penal

executivo (jus executionis), nesse diapasão nos ensina Nelson Hungria que

direito de punir não é só direito de exigir a imposição da pena cominada, mas

também o direito de reclamar a imposição da pena in concreto.10

Tobias Barreto segue a linha de pensamento de Rudolf Ihering e diz:

ou o direito seja o conjunto das condições de existência

da sociedade asseguradas por uma coação externa, isto

é, pelo poder público, ou se defina mais concisamente,

segundo Wilhelm Arnold, uma função da vida nacional, ou

seja, enfim o que quer que seja, que não se pode conter

dentro dos limites de uma definição, o certo é que o

direito, da mesma forma quue a gramática, da mesma

forma que a lógica, é um sistema de regras, é, como tal,

um produto de indução, um edifício levantado sobre base

puramente experimental.11

Assim, segundo Carla Rahal Benedetti

O Estado não possui o direito de escolher se deve ou não

punir, isto é, não possui a liberdade de aplicar ou não a lei

penal. Possui, sim, o dever, por meio de órgãos dotados

de autoridade, pelo ministério Público e pelo Judiciário, de

agir contra todo indivíduo ao qual apenas a ameaça da lei

penal tornou-se insuficiente. Não se trata, portanto, de um

10 HUNGRIA, Nelson. A extinção da punibilidade em face do novo Código Penal. vol. 87. Rio de janeiro: Forense, 1958, p. 580. 11 BARRETO, Tobias. Estudos de Direito. 1ª ed., Campinas: Bookseller, 2000, p. 170.

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direito de ser, ou não, a pena executada contra um

infrator, mas um dever do Estado soberano.12

Os princípios penais constitucionais limitam o jus puniendi do

Estado, assim como o princípio político do nulla poena sine judicio, acerca

disso assevera a referida autora.

esses limites tutelam o direito individual de liberdade, ou

seja, direito subjetivo público e inerente a todo cidadão,

embora exercido pelo poder do Estado. Na verdade, o

direito individual de liberdade, que todo cidadão possui, é

um direito natural, e a sua garantia de integridade é

justamente o direito subjetivo de punir, e cabe somente ao

Estado dele se utilizar.13

12 Ob. cit. p. 87 e 88. 13 Ibidem, p. 88.

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2.OS FUNDAMENTOS DO DIREITO DE PUNIR

Para alguns a palavra pena vem do latim poena, para outros vem da

palavra pondus que significa peso.

Há quem acredite ter origem no vocabulário grego da palavra ponus,

que significa trabalho, ou do sânscrito punya, que significa pureza e virtude.

Já para uma outra parcela de pessoas, a origem da palavra pena

tem procedência medieval da palavra expiar que originada do grego Eus (pius),

bom, religioso, afável – não podemos nos esquecer que Platão julgava a pena

como um bem.

Historicamente primeiro se aplicou as penas antes mesmos de se ter

os direitos fixados, pois, como as sociedades evoluíram, passaram a aplicar

penas a qualquer forma de dano, sem que existisse o próprio direito.

Tais regras são indispensáveis ao convívio da sociedade como

expõe Carla Rahal Benedeti

e foi, com interesse de se defenderem contra os que se

recusavam a obedecer às convenções ditadas pelo grupo,

que o homem naturalmente passou a exigir um complexo

de normas disciplinadoras das regras que são

indispensáveis ao convívio dos indivíduos.14

Como nos ensina Cesare Bonesana, ou mais conhecido como o

Marquês de Baccaria, “os povos, cansados de só viver no meio de temores e

14 Ob. cit. p. 89.

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de encontrar inimigos por toda a parte, sacrificam uma parcela de sua liberdade

para gozar do resto com mais segurança”15

Segue o referido Autor

só a necessidade constrange os homens a ceder uma

parte de sua liberdade; daí resulta que cada indivíduo só

consente em pôr no depósito comum a menor porção

possível dela, isto é, precisamente o que era necessário

para empenhar os outros a mantê-lo na posse do resto. 16

Cessare Beccaria termina aduzindo que “são justamente essas

pequenas porções de liberdade que fundamentam o direito de punir”17

No século XVIII os professores, tratadistas e monografistas criaram

teorias para fundamentar a pena e o fim do direito penal, são elas: absolutas,

relativas e mistas.

Para a teoria absoluta, fundamenta-se a pena em sua própria

natureza, ou seja, não se leva em consideração sua justiça e utilidade,

bastando o crime para fundamentar a pena.

Já para a teoria relativa, atribuía-se à pena uma finalidade política e

utilitária, como fundamento de preservar a segurança coletiva. Nesta teoria o

crime era considerado pressuposto e não como fundamento da pena.

Para a teoria mista, atribuí-se ora uma, ora outra, tentando conjugar

a retribuição da teoria absoluta com a prevenção da teoria relativa, entretanto,

há discussão desafiando tal conciliação.

15 BECCARIA, Cesare. Dos delitos e das penas. Trad. Florio de Angelis. Bauru/SP: Edipro, 2001, p. 16. 16 Ibidem, p. 17. 17 Ibidem, mesma página.

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Para Tobias Barreto, o conceito da pena é um conceito político e não

jurídico. O direito é uma obra do homem, ao mesmo tempo em que é uma

causa e um efeito do desenvolvimento humano.18

Roberto Lyra também defende a mesma linha de raciocínio de

Tobias Barreto e aduz que

o fundamento da pena, que não resulta de um conceito

jurídico, mas de um conceito político, foi conduzido para

abstração filosófica. Formaram-se, a respeito, teorias que

somente são classificáveis para fins didáticos, tantas as

sutilezas das opiniões e dos pontos de vistas.19

Para Carla Rahal Benedetti seja qual for a linha de raciocínio ou a

origem que se defenda da palavra pena “as teorias que fundamentam o direito

de punir podem ser consideradas em três idéias: justiça ou expiação; defesa

social ou intimidação; contrato social”20.

18 Ob. cit. p. 169. 19 LYRA, Roberto. Comentários ao Código Penal. vol. II. Rio de Janeiro: Forense, 1958, p. 22. 20 Ibidem, p. 96.

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3.EVOLUÇÃO HISTÓRICA DA PRESCRIÇÃO

A previsão legal mais antiga de prescrição remonta ao Direito

Romano do século 17 ou 18 a. C., mais precisamente à Lex Iulia adulteriiss.

Segundo Carla Rahal Benedetti

os romanos não conheceram instituto da prescrição da

pena. Foi somente no século XVIII que o instituto da

prescrição da pena foi incorporado na legislação francesa

pelo Código Penal francês de 1791, por influência do

liberalismo.21

No direito comparado, o direito germânico na lei dos visigodos foi o

primeiro a se referir à prescrição, apontando suas raízes no direito romano.

No direito francês antigo existia a imprescritibilidade de alguns

delitos e como regra o prazo de 20 anos dos romanos.

Como prescrição da pena afirma Carla Rahal Benedetti

como fontes de prescrição, os franceses também tiveram

o Direito Romano. Entretanto, uma vez não tendo sido

encontradas disposições acerca da prescrição após a

sentença condenatória, a jurisprudência francesa avançou

e estipulou o prazo de prescrição de 30 (trinta) anos, a

partir da data da sentença. Surgiu, então, a prescrição da

pena na história do Direito Penal.22

21 Ob. cit. p. 121. 22 Ibidem, mesma página.

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No direito italiano em geral o prazo era de 20 anos para a

prescrição, excetuando-se apenas as infrações sexuais que era de 15 anos.

No Brasil Colônia não havia qualquer menção à prescrição no Livro

V das Ordenações Filipinas, legislação vigente à época.

No Brasil Império destaca Carla Rahal Benedetti

coube o pioneirismo à Lei de 30 de setembro de 1830 –

projeto de Gonçalves Ledo – que, com o objetivo de

regulamentar dispositivo da Constituição de 1824, instituiu

os crimes de abuso de liberdade de imprensa e previu,

para esses casos, a prescrição da pretensão punitiva,

estabelecendo o prazo de 1 (um) ano, contado do

momento em que foi dada a publicidade ao abuso para as

ações públicas e de 3 (três) anos para as ações

privadas.23

Já o Código criminal do Império (1830) determinava expressamente

no art. 65 que não haveria a prescrição das penas, contrariando as idéias

liberais que passavam a assolar o mundo.

Somente o Código de Processo Penal, promulgado em 29 de

novembro de 1832 passou a abarcar o instituto da prescrição da ação.

Posteriormente, em 1841 surgiu a Lei nº 261, sobre a qual Carla

Rahal Benedetti nos conta

o conservadorismo da Lei nº 261, de 03 de dezembro de

1841, elevou, com o intuito reparador das idéias liberais

do Código de Processo de 1832, o prazo prescricional

para 20 (vinte) anos (art. 33) e aumentou o rol dos crimes 23 Ibidem, p. 123.

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inafiançáveis (art. 38). (...) Posteriormente, o

Regulamento nº 120, editado em complemento à Lei nº

261, abandonou o prazo de 20 anos como termo

exclusivo da prescrição e retornou ao prazo anterior de 6

a 10 anos previstos inicialmente no Código de Processo

Criminal de primeira Instância.24

No Brasil República surgiu o Decreto nº 774 que segundo Carla

Rahal Benedetti

aboliu a pena de galés e reduziu a 30 anos as penas

perpétuas, Fez com que fossem computados os prazos

de prisão preventiva na execução da pena e, finalmente,

estabeleceu a prescrição das penas que não haviam

entrado em execução, tendo como termo inicial da

contagem prescricional a data do trânsito em julgado da

sentença condenatória ou a data em que tenha sido

interrompida, por qualquer modo, inclusive evasão, a

execução da pena.25

Passando por mais algumas alterações até chegarmos ao

estabelecido nos dias atuais com o artigo 109 do Código Penal estabelecendo

a prescrição antes do trânsito em julgado (prescrição da ação) e no artigo 110

estabelecendo a prescrição após o trânsito em julgado (prescrição da pena).

24 Ibidem, p. 124. 25 Ibidem, p. 125.

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4.CONCEITO E NATUREZA JURÍDICA DA PRESCRIÇÃO

Em Relação ao instituto da prescrição, Carla Rahal Benedetti nos

apresenta que

o decurso do tempo atenua normalmente o interesse do

Estado em perquirir o crime, bem como em impor e

executar a pena pelo esvaimento de memória do fato e de

suas conseqüências sócias. Na hipótese de não ser a

instrução criminal proposta de pronto e da inexistência de

uma sentença condenatória irrecorrível, são geradas, com

o passar do tempo, dificuldades para se obter elementos

probatórios, como provas materiais, testemunhas etc.

Esses são alguns dos motivos que estão na base desse

instituto tradicional.26

José Frederico Marques define a prescrição como sendo “a perda do

direito de punir pelo não uso da pretensão punitiva durante certo espaço de

tempo”.27

De acordo com Valério Rodrigues Dias, é, em linhas gerais

uma, regra jurídica cuja hipótese de incidência é o

transcurso de um lapso temporal associado com a inércia

do titular do direito subjetivo lesado ou violado, que não

26 Ibidem, p. 103. 27 MARQUES, José Frederico. Tratado de Direito Penal. Campinas: Bookseller, 1997, p. 497.

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24

exercita sua pretensão no tempo assinalado pela norma

jurídica.28

Para muitos ilustres penalistas, o instituto da prescrição é, com o

passar do prazo prescricional, a renúncia ou abdicação do Estado Soberano,

extinguindo-se, assim, o seu poder-dever punitivo.

Ensina-nos José Frederico Marques com relação à renúncia que

somente pode ocorrer “renúncia” na fase legislativa da

norma penal, não mais na esfera de aplicação após sua

promulgação que, uma vez reconhecida como lei, a

prescrição é a perda do poder-dever de punir pelo não

uso da pretensão punitiva durante certo tempo.29

Sobre a definição de prescrição, Carla Rahal Benedetti conclui nos

dizendo que

o Estado Soberano delibera, previamente, a possibilidade

de perder o seu direito conferido pelo povo em exercer

uma de suas funções estatais, que é o poder-dever de ser

instaurada uma persecução criminal diante da

perpetração de um crime, bem como o de executar a

pena anteriormente imposta, pelo decurso de tempo.

Pode-se dizer que a prescrição funciona como limite ao

Estado Soberano, que deve exercer a sua tarefa dentro

de um prazo razoável estipulado em lei, sob a

28 DIAS, Valério Rodrigues. O conceito de prescrição aplicável aos principais institutos de Direito Administrativo. Dissertação apresentada à Banca Examinadora da Pontifica Universidade católica de São Paulo, sob orientação do Prof. Doutor Sílvio Luís Ferreira da Rocha. São Paulo, 2005, p. 30. 29 Ob. cit. p. 497 e 498.

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25

possibilidade de se esvair no tempo tudo o que se

relaciona com o fato delituoso.30

Quanto à natureza jurídica do instituto da prescrição penal existem

três posicionamentos: o de caráter penal; o processual e o misto.

Essa discussão se deve à forma de contagem de prazo contida no

art. 10 do Código Penal, como bem observa Carla Rahal Benedetti

Para os que entendem ser a natureza jurídica da

prescrição um instituto de direito material ou substantivo,

o fundamento usado ampara-se no fato de o prazo

prescricional obedecer à regra insculpida no art. 10 do

Código Penal, bem como estão dispostas todas as regras

pertinentes a ela no mesmo diploma legal, embora

admitam ter algumas de suas conseqüências imediatas

(ação penal ou condenação) pertencentes ao direito

adjetivo.31

Apesar de ser a posição dominante da doutrina é a de que é uma

regra de natureza material com conseqüências processuais, há quem defenda

ser uma regra de natureza processual, é o caso, e. g. de Carnelutti e Lourié.

30 Ob. cit. p. 106 e 107. 31 Ibidem, p. 120.

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26

5.PRESCRIÇÃO DA PRETENSÃO PUNITIVA

PROPRIAMENTE DITA

Existem duas espécies de prescrição: a prescrição da pretensão

punitiva e a prescrição da pretensão executória, como uma das subespécies de

prescrição da pretensão punitiva temos a propriamente dita.

Antes de adentrarmos na explanação da subespécie propriamente

dita, devemos tecer alguns comentários quanto à espécie.

A prescrição da pretensão punitiva ocorre sempre antes do trânsito

em julgado da sentença e tem como conseqüência o fenômeno do

esquecimento, ou seja, desaparecem todos os efeitos da sentença (principais e

secundários, penais e extrapenais), se houver, bem como a própria pena.

Impede, também, o início ou interrompe a persecução penal em

juízo.

E, por fim, mas não menos importante, por ocorrer o fenômeno do

esquecimento, não poderá acarreta qualquer responsabilidade ou culpabilidade

do agente, não gerando reincidência futura.

Cabe ressaltar que a prescrição da pretensão punitiva pode ser

declarada de ofício a qualquer momento da ação penal, conforme o artigo 61,

caput do Código de Processo Penal, que diz:

Art. 61 – Em qualquer fase do processo, o juiz, se

reconhecer extinta a punibilidade, deverá declará-lo de

ofício.

A prescrição da pretensão punitiva propriamente dita é regulada pelo

artigo 109 do Código Penal e pode ocorrer entre a data da consumação do

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27

crime até o recebimento da denúncia ou queixa, ou a partir desse momento até

a sentença.

O artigo 111 do mesmo diploma legal, regula o termo inicial da

prescrição, que diz:

Art. 111 – A prescrição, antes de transitar em julgado a

sentença final, começa a correr:

I – do dia em que o crime se consumou;

II – no caso de tentativa, do dia em que cessou a

atividade criminosa;

III – nos crimes permanentes, do dia em que cessou a

permanência;

IV – no de bigamia e nos de falsificação ou alteração de

assentamento do registro civil, da data em que o fato se

tornou público.

Como nos explica Carla Rahal Benedetti

O prazo desta prescrição regula-se pela pena em

abstrato, ou seja, pelo máximo da pena privativa de

liberdade cominada ao crime, de acordo com a tabela do

artigo 109 do Código Penal.32

Para melhor explanação, vejamos, por exemplo, se um sujeito

comete o injusto penal tipificado no artigo 155, caput do Código Penal (furto), o

qual a pena máxima cominada abstratamente é de 4 (quatro) anos, prescreverá

em 8 (oito) anos, pois de acordo com a regra estabelecida no art. 109, IV: 32 Ibidem, p. 132.

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28

Art. 109 – A prescrição, antes de transitar em julgado a

sentença final, salvo o disposto nos §§1º e 2º do art. 110

deste Código, regula-se pelo máximo da pena privativa de

liberdade cominada ao crime, verificando-se:

(...)

IV – em 8 (oito) anos, se o máximo da pena é superior a 2

(dois) anos e não excede a 4 (quatro);

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29

6.PRESCRIÇÃO DA PRETENSÃO PUNITIVA

INTERCORRENTE

A prescrição da pretensão punitiva intercorrente, também conhecida

como superveniente ou subseqüente é calculada pela pena efetivamente

aplicada ao caso concreto, ou seja, pela pena em concreto, conforme se

depreende da inteligência do artigo 110, §1º do Código Penal, vejamos:

Art. 110 (...)

§1º - A prescrição, depois da sentença condenatória com

trânsito em julgado para a acusação, ou depois de

improvido seu recurso, regula-se pela pena aplicada.

Entretanto a base de cálculo para a prescrição é a mesma da

prescrição da pretensão punitiva propriamente dita, os prazos estabelecidos no

artigo 109 do Código Penal, como nos indica o caput do artigo 110 do mesmo

diploma legal que ainda nos traz a observação de que se reincidente aumenta-

se de 1/3 o prazo fixado para a prescrição.

Art. 110 – A prescrição depois de transitar em julgado a

sentença condenatória regula-se pela pena aplicada e

verifica-se nos prazos fixados no artigo anterior, os quais

se aumentam de 1/3 (um terço), se o condenado é

reincidente.

Sobre a prescrição superveniente nos explica Carla Rahal Benedetti

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30

a sentença condenatória recorrível interrompe a

prescrição, fazendo o prazo correr novamente por inteiro.

O prazo que começa a correr após a sentença

condenatória recorrível é o prazo da prescrição

superveniente (ou subseqüente ou, ainda, intercorrente),

que vai da sentença até o dia do trânsito em julgado

definitivo. É requisito para que ocorra esta prescrição que

a sentença tenha transitado em julgado para a acusação

(CP, art. 112, I, primeira parte), mas não para a defesa,

ou ainda, depois de improvido o recurso da acusação

(sentença inicial confirmada).33

Observa a referida Autora que

entende-se que pode ocorrer a prescrição superveniente

se o tribunal, embora dando provimento ao recurso da

acusação, não eleva a pena imposta de modo a alterar o

prazo prescricional. Exemplo: o réu é condenado a 4

(quatro) meses de detenção; a promotoria e a defesa

recorrem; passados mais de 2 (dois) anos, o tribunal dá

provimento ao recurso da acusação e eleva para 8 (oito)

meses de detenção. Observando-se a tabela dos prazos

prescricionais, prevista no art. 109 do Código Penal,

verificar-se-á que tanto a primeira pena quanto a segunda

prescrevem em 2 (dois) anos (CP, Art. 109 VI) e, portanto,

não houve alteração do prazo prescricional. Neste caso,

considera-se extinta a punibilidade por ter ocorrido a

prescrição superveniente.34

33 Ibidem, p. 133. 34 Ibidem, mesma página.

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31

7.PRESCRIÇÃO DA PRENTENSÃO PUNITIVA

RETROATIVA

A prescrição da pretensão punitiva retroativa foi durante muito tempo

alvo de discussão entre doutrinadores e até mesmo na jurisprudência nacional,

pois não há no direito alienígena qualquer instituto semelhante e somente após

muito debate ao longo dos anos e o advento da Lei 7.209 de 11 de julho de

1984 que pôs fim ao entrave dando redação aos §§ 1ª e 2º do art. 110 do

Código Penal de onde decorre a prescrição retroativa, vejamos:

Art. 110 (...)

§1º - A prescrição, depois da sentença condenatória com

trânsito em julgado para a acusação, ou depois de

improvido seu recurso, regula-se pela pena aplicada.

§2º - A prescrição, de que trata o parágrafo anterior, pode

ter por termo inicial data anterior à do recebimento da

denúncia ou da queixa.

Nesta modalidade, ou subespécie, de prescrição da pretensão

punitiva, igualmente à intercorrente, é necessário que haja sentença

condenatória com trânsito em julgado para acusação, de acordo com o artigo

112, I, primeira parte, verbis:

Art. 112 – No caso do art. 110 deste Código, a prescrição

começa a correr:

I – do dia em que transita em julgado a sentença

condenatória, para a acusação, ou a que revoga a

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32

suspensão condicional da pena ou o livramento

condicional;

Nesse diapasão Antonio Rodrigues Porto nos conta que

não contemplada por nenhum outro Código do direito

alienígena, a prescrição retroativa teve sua origem no

Pretório Excelso a partir de uma corrente jurisprudencial

que formou após alguns anos do advento do Código

Penal de 1940, que passou a considerar a pena concreta

aplicada na sentença de forma retroativa, isto é, enquanto

não havia sentença condenatória, a prescrição era

regulada pelo máximo da pena cominada ao crime (pena

in abstracto). Contudo, após a sentença condenatória e

fixada a pena na sentença, o respectivo montante era

utilizado para ser verificado o cálculo da prescrição, em

fases anteriores do processo (da data do fato até o

recebimento da denúncia ou deste até a sentença).35

Na aplicação da prescrição retroativa se leva em consideração os

períodos anteriores à sentença, com os prazos estabelecidos no art. 109 do

Código Penal, de acordo com a pena efetivamente aplicada, conforme explica

Carla Rahal Benedetti

volta-se para períodos anteriores à sentença, tendo como

base de cálculo para o prazo prescricional a pena em

concreto (pena efetivamente aplicada); serve para

verificar se houve prescrição em algumas das faixas 35 PORTO, Antonio Rodrigues. Da prescrição penal. 2ª ed. atual. São Paulo: José Bushatsky, 1977, p. 95.

Page 33: A PRESCRIÇÃO DA PRETENSÃO PUNITIVA PELA PENA EM PERSPECTIVA · O quarto capítulo fora destinado à definição do conceito de prescrição, trazendo a definição dos estudiosos

33

prescricionais que precederam a sentença (CP, art. 110,

§2º).36

Esta modalidade de prescrição é bem semelhante com a modalidade

intercorrente, porém, se difere no seu “ponto de partida”, como bem assevera

Carla Rahal Benedetti

A prescrição superveniente parte-se “para frente”, para

período posterior à sentença condenatória recorrível; já, a

prescrição retroativa parte-se “para trás”, ou seja, aos

períodos anteriores à sentença.37

Lívia Maria Armentano Koenigstein Zago resume dizendo que

a possibilidade de ser atingida a prescrição retroativa

vicula os agentes da persecução penal à rapidez, os

impulsionando para a obtenção da garantia da punição

efetiva, bem como atua como “proibição de persecução

prolongada, além dos limites temporais traçados”.38

36 Ob. cit., p. 134. 37 Ibidem, mesma página. 38 ZAGO, Lívia Maria Armentano Koenigstein. Princípio da Impessoalidade. São Paulo: Renovar, 2001, p. 355.

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8.PRESCRIÇÃO EXECUTÓRIA

A prescrição da pretensão executória nada mais é que a delonga do

Estado em executar uma sentença condenatória transitada e julgado para

ambas as partes.

Devemos observar apenas algumas particularidades, como por

exemplo os efeitos secundários da sentença condenatória que permanecem,

ou seja, a reincidência; e sendo o condenado reincidente deverá ser feito o

acréscimo de 1/3 (um terço), de acordo com o art. 110, caput, última parte, em

relação ao prazo prescricional do art. 109, ambos do Código Penal.

Devemos observar também a regra contida no art. 113 do referido

Diploma Legal, que trata da evasão do condenado a qual será regulada pelo

tempo restante da pena, verbis:

Art. 113 – no caso de evadir-se o condenado ou de

revogar-se o livramento condicional, a prescrição é

regulada pelo tempo que resta da pena.

Carla Rahal Benedetti resumidamente explica a prescrição

executória nos seguintes termos:

ocorre após o efetivo trânsito em julgado da sentença

(para ambas as partes). Essa prescrição extingue a pena

imposta, livrando o condenado do seu cumprimento.

Contudo, afasta os efeitos secundários da sentença

condenatória como: inscrição no rol dos culpados, a

reincidência etc. O prazo desta prescrição começa a fluir

a partir do trânsito em julgado da sentença condenatória

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35

para a acusação (CP, art. 112, primeira parte), todavia,

como já mencionado, exige-se que haja trânsito em

julgado inclusive para a defesa. Tem-se como base de

cálculo para o prazo prescricional dessa espécie de

prescrição, a pena em concreto (pena efetivamente

aplicada e concretizada), utilizando-se, como todas as

demais prescrições, a tabela do art. 109 do Código Penal.

Caso seja o condenado reincidente, o prazo de prescrição

será aumentado em um terço (reconhecimento expresso

na sentença condenatória) (CP, art. 110, caput, última

parte). Há de se observar que o acréscimo se faz sobre o

prazo prescricional e não sobre a pena.39

39 Ob. cit. p. 134 e 135.

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9.CAUSAS INTERRUPTIVAS DA PRESCRIÇÃO

As causas interruptivas da prescrição são marcos interruptivos de

seu curso, ou seja, é reiniciada a contagem do zero.

Essas interrupções estão dispostas no Código do Penal em seu

artigo 117 e incisos, como bem assevera Carla Rahal Benedetti

assim, o curso da prescrição é interrompido: 1 – pelo

recebimento da denúncia ou queixa (CP, art. 117, I); 2 –

pela pronúncia (CP, art. 117, II); 3 – pela decisão

confirmatória da pronúncia (CP, art. 117, III); 4 – pela

publicação da sentença ou acórdão condenatórios

recorríveis (CP, art. 117, IV); 5 – pelo início ou

continuação da pena (CP, art. 117, V); 6 – pela

reincidência (CP, art. 117, VI).40

Outros detalhes sobre a interrupção são observados pela referida

Autora que diz:

uma vez interrompido, a prescrição volta a correr

novamente por inteiro. Conta-se o prazo do dia da

interrupção até chegar ao seu termo final fixado em lei, ou

até que ocorra outra interrupção. O prazo interrompido

desaparece como se nunca tivesse existido. Como

exceção, há a interrupção provocada pelo início ou

continuação do cumprimento da pena, da revogação do

livramento condicional ou, ainda, no caso de evadir-se o

40 Ibidem, p. 136 .

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37

condenado: nesta situação, em conformidade com o

disposto nos artigos 113 e 117, §2º, do Código Penal, não

correrá o prazo prescricional novamente por inteiro; o

prazo prescricional, nestas hipóteses, será regulado pelo

tempo que resta cumprir de pena.41

41 Ibidem, p. 136 e 137.

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10.CAUSAS SUSPENSIVAS (IMPEDITIVAS) DA

PRESCRIÇÃO

Diferentemente da interrupção, a suspensão da prescrição, como o

nome mesmo denota, apenas suspende a contagem, ou seja, devendo

recomeçar de onde parou e não mais do zero como nas interrupções.

Explica Carla Rahal Benedetti que o prazo da prescrição

também pode ser suspenso. Tais causas, ao contrário do

que ocorre na interrupção, fazem com que recomece a

correr apenas pelo que resta de prazo, aproveitando o

tempo anteriormente decorrido. Não há cancelamento do

prazo já decorrido e nova contagem por inteiro, mas

apenas a suspensão e o reinício da contagem, pelo tempo

que ainda restar para contar.42

As causas suspensivas ou impeditivas da prescrição estão

relacionadas no art. 116 do Código penal, vejamos:

Art. 116 Antes de passar em julgado a sentença final, a

prescrição não corre:

I – enquanto não resolvida, em outro processo, questão

de que dependa o reconhecimento da existência do crime;

II – enquanto o agente cumpri pena no estrangeiro;

42 Ibidem, p. 137.

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39

Parágrafo único – depois de passada em julgado a

sentença condenatória, a prescrição não corre durante o

tempo em que o condenado está preso por outro motivo.

A referida autora nos traz mais detalhes sobre as causas

impeditivas, como por exemplo:

a lei nº 9.271 de 17.04.96, introduziu uma nova causa de

suspensão do prazo prescricional: se o réu for citado por

edital, e não comparecer nem constituir advogado, o

curso do prazo prescricional ficará suspenso (CPP, art.

366). Discute-se, neste caso, se ocorre uma forma

indireta de imprescritibilidade. Em relação à carta

rogatória, o tempo será o necessário para o cumprimento

estando o acusado no estrangeiro.43

Elucida ainda a referida autora

no caso de deputados e senadores, a prescrição é

suspensa enquanto durar o mandato se a respectiva casa

indeferir o pedido de licença para processo criminal ou

não deliberar sobre o assunto. Contudo, com a Emenda

Constitucional nº 35 de 2001, os parlamentares tiveram

diminuída a denominada imunidade processual. Isso

significa que se cometerem crimes após a diplomação, o

Supremo Tribunal Federal poderá dar início à ação penal

recebendo a denúncia ou queixa sem a autorização prévia

da Casa Legislativa respectiva. Contudo deverá

comunicar o fato à Casa, que poderá, pela maioria dos

43 Ibidem, mesma página.

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votos de seus membros, impedir o prosseguimento do

feito. Neste caso, suspende-se a prescrição a partir da

comunicação ao Supremo Tribunal Federal.44

44 Ibidem, p. 138.

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11. PRESCRIÇÃO DA PRETENSÃO PUNITIVA PELA

PENA EM PERSPECTIVA (OU ANTECIPADA, OU

VIRTUAL, OU PROJETADA)

A cada dia vem ganhando mais força entre os órgãos do Ministério

Público e do Poder Judiciário de primeira instância, uma forma anômala de

prescrição, que consiste em reconhecer a prescrição da pretensão punitiva

retroativa antes mesmo do início da ação penal ou já no curso desta com base

numa eventual pena a ser aplicada (pena hipotética).

Entretanto, sabe-se que, antes da sentença penal, só se calcula a

prescrição da pretensão punitiva propriamente dita, tomando-se como

paradigma o máximo da pena prevista para o delito, conforme já explicado

anteriormente. Já a prescrição retroativa, ao invés, é calculada somente após a

sentença condenatória, com base na pena efetivamente aplicada.

A prescrição da pretensão punitiva pela pena em perspectiva nada

mais é do que reconhecer a prescrição retroativa antes da haver sentença, ou

antes mesmo de haver processo, tomando-se por base a pena hipotética a que

seria atribuída ao caso concreto.

No entanto, o conceito dessa modalidade de prescrição é dissonante

entre os doutrinadores.

Para CARLOS GABRIEL TARTUCE JR., por exemplo, prescrição

em perspectiva "é a prescrição retroativa reconhecida antes mesmo do

oferecimento da denúncia, tendo por base a suposta pena em concreto que

seria fixada na sentença pelo magistrado."45

No diapasão de um conceito em sentido mais amplo, tem-se o

magistério de OSWALDO PALOTTI JR., que a conceitua como o

45 JUNIOR, Carlos Gabriel Tartuce. Prescrição da pretensão punitiva antecipada. Boletim do Instituto Brasileiro de Ciências Criminais. São Paulo: IBCCRIM, n.º 35: 1995, p.113.

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42

"reconhecimento da prescrição retroativa, tomando-se por base a pena que

possível ou provavelmente seria imposta ao réu no caso de condenação."46

O instituto da prescrição em perspectiva teve sua origem nos

Tribunais de Alçada do Estado de São Paulo no início dos anos noventa e

desde então muitas foram as manifestações favoráveis e contrárias a ele na

jurisprudência nacional. Não foram poucos os acórdãos publicados em revistas

especializadas de jurisprudência e doutrina penal que enfrentaram o tema.

Todas essas manifestações, bastantes razoáveis para a produção

mais intensa de decisões e manifestações doutrinárias, serviram para realçar

as diversas correntes de entendimento que foram sendo firmadas, as quais

trouxeram à baila uma coletânea de argumentos favoráveis e contrários ao

novo instituto, gerando a formação de dois grandes blocos de entendimento.

De um lado, encontramos a maioria dos Tribunais de nosso país, contrários ao

novo instituto; de outro, parte dos órgãos do Ministério Público e do Poder

Judiciário de primeira instância, além de uma minoria da jurisprudência,

favoráveis a ele.

11.1Argumentos contrários

Muitos são os argumentos contrários à aplicabilidade desta

modalidade de prescrição, como por exemplo, o princípio da legalidade; o

devido processo legal; e a possibilidade de mutatio libelli e emendatio libelli.

Carla Rahal Benedetti elenca entre esses outros argumentos

contrários, vejamos:

para aqueles que rejeitam a prescrição penal antecipada,

alguns argumentos são invocados: inobservância dos 46 JUNIOR, Osvaldo Palotti. Considerações sobre a prescrição retroativa antecipada. Revista dos Tribunais. São Paulo: Revista dos Tribunais, n.º 709: 1994, p. 304.

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43

princípios da legalidade, da obrigatoriedade, do

contraditório e da ampla defesa, presunção de inocência;

a aplicação de uma sentença de mérito; observância dos

efeitos secundários da condenação; a incorreta prestação

jurisdicional; a possibilidade da “mutatio libelli”; e, por fim,

a impossibilidade de ser previsto antecipadamente o

“quantum” a ser punido.47

Um dos primeiros argumentos levantados em desfavor da prescrição

pela pena em perspectiva foi o argumento da observância do princípio da

legalidade, ou seja, por ser notório que esta modalidade de prescrição não está

contemplada em nosso ordenamento jurídico, não se poderia utilizar-se desta

subespécie de prescrição da pretensão punitiva, pois como já expusemos

anteriormente o art. 110 §§1º e 2º do Código Penal determina o

reconhecimento da prescrição retroativa após a sentença condenatória com

trânsito em julgado para a acusação, ou depois de desprovido o seu recurso.

Neste diapasão Carla Rahal Benedetti diz que justamente por isso

a jurisprudência entende que, uma vez não sendo

contemplada no ordenamento jurídico vigente a

prescrição antecipada pela pena em perspectiva, não se

pode reconhecê-la, pois a prescrição retroativa pela pena

concretizada na sentença pressupõe a efetiva existência

de sentença condenatória, que vai conferir ao réu o status

de condenado, com a aplicação da pena correspondente,

e o trânsito em julgado daquela para a acusação.48

47 Ob. cit. p. 162. 48 Ibidem, p. 163.

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O argumento do devido processo legal que é disciplinado no art. 5º,

LIV da Constituição Federal é trazido à baila com o fundamento de que todo

acusado merece o devido processo com todas as garantias e direitos a ele

assegurados, como por exemplo a presunção de inocência; e a produção de

provas (contraditório e ampla defesa) para ao final livrar-se absolvido,

reconhecendo a prescrição antecipada não se tem essa oportunidade,

tampouco se tem a oportunidade do Ministério Público insurgir-se contra a

sentença aplicada em primeira instância.

Nesta esteira pontua Carla Rahal Benedetti

outra observação feita contrariando a prescrição

antecipada é que da ampla defesa e da presunção de

inocência pode o acusado ser efetivamente absolvido,

sendo proclamada sua inocência, pois é pelo devido

processo legal, isto é, com o adequado percurso

processual que pode ser conferida a ampla possibilidade

de produção de provas.49

O princípio da obrigatoriedade é outro argumento utilizado para

rechaçar a aplicação da prescrição retroativa antecipada, pois, sendo a ação

penal obrigatória, não possui o Ministério Público a discricionariedade de

postular ou não em favor do Estado, como explica Carla Rahal Benedetti:

“apesar de exercer o Ministério Público, no processo penal, o comando sobre

os atos judiciais (dominus litis) não possui a faculdade de dispor da ação penal

pública”.50

49 Ibidem, p. 165. 50 Ibidem, mesma página.

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José Frederico Marques diz que “apesar de não haver explícita

manifestação textual sobre o assunto, deduz-se que no Direito Brasileiro vigora

o princípio da ação penal obrigatória”.51

Resumi Carla Rahal Benedetti dizendo que aqueles que rejeitam a

prescrição penal retroativa antecipada argumentam que

pelo princípio da obrigatoriedade da ação penal, o não

recebimento pelo juiz da denúncia, fundamentado nessa

modalidade de prescrição, viola o princípio da

obrigatoriedade, atentando contra os princípios de justiça

que, uma vez declarados, têm o dever de orientar a

atividade repressiva do Estado.52

Como um dos mais fortes argumentos apresentados pelos que são

contrários à prescrição da pretensão punitiva pela pena em perspectiva está a

possibilidade de haver a mutatio libelli ou até mesmo a emendatio libelli, que

Carla Rahal Benedetti nos define a mutatio libelli como sendo a situação

prevista no art. 384 do Código de Processo Penal

que determina caber ao juiz, diante da possibilidade do

reconhecimento de uma nova definição jurídica, diante de

uma circunstância elementar, baixar os autos a fim de que

a defesa possa se manifestar sobre o fato não contido

anteriormente explícita ou implicitamente na denúncia ou

na queixa, ou produzir prova.53

51 MARQUES, José Frederico. Elemento de Direito Processual Penal. vol. I. 2ª ed. Campinas: Millenium, 2000, p. 377. 52 Ob. cit. p. 167. 53 Ibidem, p. 170 e 171.

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46

Continua a referida autora definindo a emendatio libelli, por sua vez,

prevista no art. 383 do Código de Processo Penal

permite ao juiz, diante de uma análise mais acurada dos

fatos, dar definição jurídica diversa na sentença , ainda

que tenha que aplicar pena mais grave, pois o réu,

determina a lei, não responde pela capitulação, e, sim,

pelos fatos apresentados da peça vestibular acusatória.54

Baseia-se a fundamentação contrária à aplicação da modalidade de

prescrição estudada no sentido de que se houver o reconhecimento antecipado

da prescrição, não haverá chance de o juiz averiguar no desenrolar do

processo se seria o caso de mutatio libelli e/ou emendatio libelli, o que poderia

mudar substancialmente a pena hipotética a que se atribuiu para o

reconhecimento da prescrição pela pena em perspectiva, mudando assim os

parâmetros para a prescrição do art. 109.

Seguindo o raciocínio contrário à aplicação da prescrição pela pena

em perspectiva está os tribunais superiores, nos seguintes termos:

STF: DIREITO PROCESSUAL PENAL E PENAL.

HABEAS CORPUS. PRESCRIÇÃO POR ANTECIPAÇÃO

OU PELA PENA EM PERSPECTIVA. INEXISTÊNCIA DO

DIREITO BRASILEIRO. DENEGAÇÃO. 1. A questão de

direito argüida neste habeas corpus corresponde à

possível extinção da punibilidade do paciente em razão da

prescrição "antecipada" (ou em perspectiva) sob o

argumento de que a pena possível seria a pena mínima.

2. No julgamento do HC nº 82.155/SP, de minha relatoria,

54 Ibidem, p. 171.

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essa Corte já assentou que "o Supremo Tribunal Federal

tem repelido o instituto da prescrição antecipada" (DJ

07.03.2003). A prescrição antecipada da pena em

perspectiva se revela instituto não amparado no

ordenamento jurídico brasileiro. 3. Habeas corpus

denegado.55

***

STF: HABEAS CORPUS. CRIME DE PECULATO-

FURTO (§ 1º DO ART. 312 DO CP). FUNCIONÁRIO

PÚBLICO. CONDIÇÃO ELEMENTAR DO TIPO.

COMUNICAÇÃO AO PARTICULAR, CO-AUTOR DO

DELITO (ART. 30 DO CP). PRESCRIÇÃO ANTECIPADA:

IMPOSSIBILIDADE. O particular pode figurar como co-

autor do crime descrito no § 1º do art. 312 do Código

Penal (Peculato-furto). Isto porque, nos termos do artigo

30 do CP, "não se comunicam as circunstâncias e as

condições de caráter pessoal, salvo quando elementares

do crime". Se a condição de funcionário público é

elementar do tipo descrito no artigo 312 do Código Penal,

esta é de se comunicar ao co-autor (particular), desde que

ciente este da condição funcional do autor. Precedentes:

HC 74.588, Relator o Ministro Ilmar Galvão; e HC 70.610,

Relator o Ministro Sepúlveda Pertence. A firme

jurisprudência do Supremo Tribunal Federal repele a

alegação de prescrição antecipada, por ausência de

previsão legal. Precedentes: HC 88.087, Relator o

Ministro Sepúlveda Pertence; HC 82.155, Relatora a

Ministra Ellen Gracie; HC 83.458 e RHC 86.950, Relator o

Ministro Joaquim Barbosa; RHC 76.153, Relator o

55 STF - HC 94729 / SP - SÃO PAULO Relator(a): Min. ELLEN GRACIE Julgamento: 02/09/2008 Órgão Julgador: Segunda Turma

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Ministro Ilmar Galvão; entre outros. Habeas corpus

indeferido.56

***

STJ: PROCESSUAL PENAL. RECURSO ORDINÁRIO

EM HABEAS CORPUS. SONEGAÇÃO FISCAL. 1. RÉ

PRIMÁRIA E DE BONS ANTECEDENTES.

PRESCRIÇÃO EM PERSPECTIVA.

RECONHECIMENTO. IMPOSSIBILIDADE.

PRECEDENTES. 2. EXISTÊNCIA DE EXECUÇÃO

FISCAL EM TRÂMITE. IRRELEVÂNCIA. CRÉDITO

TRIBUTÁRIO DEFINITIVAMENTE CONSTITUÍDO.

SUSPENSÃO DA AÇÃO PENAL. IMPOSSIBILIDADE. 3.

RECURSO A QUE SE NEGA PROVIMENTO. 1. Inviável

o reconhecimento de prescrição antecipada, por ausência

de previsão legal. Trata-se, ademais, de instituto

repudiado pela jurisprudência desta Corte e do Supremo

Tribunal Federal, por violar o princípio da presunção de

inocência e da individualização da pena a ser

eventualmente aplicada. 2. O fato de ainda encontrar-se

em trâmite processo de execução fiscal para a satisfação

do crédito tributário é irrelevante para os fins penais, uma

vez que já houve o lançamento definitivo do crédito

tributário em questão. 3. Recurso a que se nega

provimento.57

56 STF - HC 90337 / SP - SÃO PAULO Relator(a): Min. CARLOS BRITTO Julgamento: 19/06/2007 Órgão Julgador: Primeira Turma 57 STJ - RHC 18569 / MG Relator(a) Ministra MARIA THEREZA DE ASSIS MOURA Órgão Julgador - SEXTA TURMA Data do Julgamento 25/09/2008

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11.2Argumentos favoráveis

Como explana Carla Rahal Benedetti

São variados os argumentos apresentados por aqueles

que defendem a prescrição antecipada, dentre eles

temos: falta de interesse de agir; princípio da economia

processual; constrangimento ilegal causado ao réu pela

“penalização desnecessária” da morosidade do processo

penal; a instrumentalidade do processo; a lógica; a

funcionalidade; o dispêndio de tempo inútil da Justiça; o

desgaste do prestígio da Justiça; e, as favoráveis

circunstâncias judiciais (art. 59 do Código Penal

Brasileiro) de que se vale o juiz para aplicar a pena

mínima.58

Um dos primeiros argumentos levantados para manter a prescrição

pela pena em perspectiva é o da falta de interesse de agir do Ministério Público

ou do particular, quando se tem uma visão dos requisitos do interesse de agir,

que são: adequação, necessidade e utilidade.

Nesse diapasão defende Fernando Capez que

(...) a utilidade do processo traduz-se na utilidade do

provimento jurisdicional para satisfazer o interesse do

autor. Se, de plano, for possível perceber a inutilidade da

persecução penal aos fins que se presta, dir-se-á que

inexiste interesse de agir. É o caso, e.g., de se oferecer

58 Ob. cit. p. 153.

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denúncia quando, pela análise da pena possível de ser

imposta ao final, se eventualmente comprovada a

culpabilidade do réu, já se pode antever a ocorrência da

prescrição retroativa. Nesse caso, toda a atividade

jurisdicional será inútil; falta, portanto, interesse de agir.59

Do mesmo entendimento compartilha Ada Pellegini Grinover,

Antonio Scarance Fernandez e Antonio Magalhães Gomes Filho:

(...) o provimento pedido deve ser eficaz: de modo que

faltará interesse de agir quando se verifique que o

provimento condenatório não poderá ser aplicado (como,

por exemplo, no caso de denúncia ou queixa ser oferecida

na iminência de consumar-se a prescrição da pretensão

punitiva. Sem aguardar-se a consumação desta, já se

constata a falta de interesse de agir).60

Outro argumento utilizado para defender a prescrição antecipada é o

princípio da economia processual que se baseia no fundamento de que seriam

gastos esforços materiais e mentais para uma ação penal fadada ao insucesso,

muito provavelmente em detrimento de outras plenamente possíveis.

Edison Aparecido Brandão diz que “é absolutamente inútil dar

prosseguimento à ação penal porque gera o dispêndio de esforços inúteis em

prejuízo de outros processos que, por esta razão, também alcançaram a

prescrição”.61

59 CAPEZ, Fernando. Curso de Processo Penal. São Paulo: Saraiva, 2000, p. 97. 60 GRINOVER, Ada Pellegrini; FERNANDES, Antonio Scarance; FILHO, Antonio Magalhães Gomes. As Nulidades no Processo Penal. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2000, p. 61. 61 BRANDÃO, Edison Aparecido. Prescrição em perspectiva. Revista dos Tribunais nº 710/391 (dez/1994), p. 392.

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51

A instrumentalidade do processo é mais um argumento utilizado

pelos defensores da prescrição da pretensão punitiva pela pena em

perspectiva, sobre a instrumentalidade do processo diz Cândido Rangel

Dinamarco

é vaga e pouco acrescenta ao conhecimento do processo

a usual afirmação de que ele é um instrumento, enquanto

não acompanhada da indicação dos objetivos a serem

alcançados mediante o seu emprego. Todo instrumento,

como tal, é meio; e todo meio só é tal e se legitima, em

função dos fins a que se destina.62

Pontua Carla Rahal Benedetti “assim, o processo, sem a devida

instrumentalidade, infere-se numa inútil e desproporcional medida do Estado”.63

Em consonância com os entendimentos dos que defendem a

prescrição pela pena em perspectiva está os magistrados de 1º grau e tribunais

regionais, vejamos:

TJRJ: CONDIÇÕES DA AÇÃO - JUSTA CAUSA

AUSÊNCIA - REJEIÇÃO - DECISÃO MANTIDA. Para o

recebimento da denúncia se exige que a acusação esteja

escorada em algum início de prova, não podendo aquela

peça decorrer de mera presunção da autoridade policial.

A doutrina apenas diverge em colocar a justa causa como

quarta condição da ação ou no contexto da demonstração

do interesse de agir. O que não se controverte é que a

instauração da ação penal contra terceira pessoa, por si

só, atinge a dignidade do demandado, daí a

indispensabilidade que a inicial acusatória venha 62 DINAMARCO, Cândido Rangel. A instrumentalidade do processo. 10ª ed. Malheiros Editora: São Paulo, 2002, p. 181. 63 Ob. cit. p. 159.

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acompanhada de suporte mínimo de prova. No caso

presente, sendo imputado ao acusado o delito de lesão

corporal grave por ter resultado incapacidade para as

ocupações habituais por mais de 30 dias e não havendo

nos autos laudo complementar, sendo a lesão constatada

na peça técnica realizada no dia seguinte ao do fato, falta

justa causa para escorar o início da ação, mormente

porque o fato ocorreu há quase 08 anos. Tal lapso

temporal, aliás, escorou a decisão que rejeitou a

denúncia, eis que ausente o interesse no campo da

utilidade, porque, na certa, em caso de condenação, será

inevitável o reconhecimento da prescrição.64

***

TRF 4ª Região: A prescrição pela pena em perspectiva,

embora não prevista na lei, é construção jurisprudencial

tolerada em casos excepcionalíssimos, quando existe

convicção plena de que a sanção aplicada não será apta

a impedir a extinção da punibilidade.65

***

TJRJ: RECURSO EM SENTIDO ESTRITO. Crime de

estelionato. Recurso de assistente de acusação não

habilitado nos autos. Falta de legitimidade para

interposição do recurso. Acolhimento de preliminar de

prescrição pela pena ideal. Extinção da punibilidade.

Decurso de mais de 08 (oito) anos da data da prática

delituosa. Ausência do binômio necessidade/utilidade da

prestação jurisdicional. Descumprimento contratual e

celebração de instrumento particular de confissão de 64 TJRJ – processo nº 2008.051.00280 - Recurso em Sentido Estrito - Des. Marcus Basilio - Julgamento: 14/08/2008 - PRIMEIRA CAMARA CRIMINAL. 65 TRF4ªRegião - 8ª Turma – Habeas Corpus nº. 2004.04.01.049737-1 – Relator Élcio Pinheiro de Castro – Acórdão de 16 de março de 2005, publicado no DJU de 30 de março de 2005.

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53

dívida que indicam a natureza civil da lide entre as partes.

Ausência de relevância penal da conduta, e, portanto,

interesse de agir. Sentença que se confirma.

Desprovimento do recurso.66

***

TJRJ: CRIME CONTRA A ORDEM ECONÔMICA

DENÚNCIA - REJEIÇÃO - AUSÊNCIA DE LEGÍTIMO

INTERESSE DO MINISTÉRIO PÚBLICO - INEFICÁCIA

DO EVENTUAL PROVIMENTO CONDENATÓRIO -

FALTA DE JUSTA CAUSA PARA AÇÃO PENAL,Se da

prática do fato delituoso imputado ao denunciado já

decorreram mais de 8 anos até a data do julgamento que

deu ensejo ao recebimento da vestibular acusatória,

merece inteira acolhida o voto divergente que se inclinou

pela rejeição reconhecendo a absoluta falta de interesse

processual do Ministério Público, por isso que

escancarada a falta de justa causa, pois ainda que da

instauração da ação penal resultasse o provimento

condenatório, seria ele inócuo pela ausência de

executoriedade, eis que a pena possível de ser

concretizada estaria alcançada pela prescrição retroativa

da pretensão punitiva, considerando que o longo tempo

decorrido não tornaria eficaz nem mesmo a imposição de

uma sanção penal igual a 4 anos de prisão,

exageradamente superior a pena mínima, que é de 1 ano

de detenção.Embargos infringentes providos.67

66 TJRJ - Recurso em Sentido Estrito 2007.051.000410 - Des. Marco Aurelio Bellizze - Julgamento: 30/10/2007 - TERCEIRA CAMARA CRIMINAL. 67 TJRJ – processo nº 2008.054.00023 - Embargos Infringentes e de Nulidade - 1ª Ementa Des. Valmir de Oliveira Silva - Julgamento: 17/06/2008 - TERCEIRA CAMARA CRIMINAL.

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Além da jurisprudência o próprio Ministério Público vem orientando

seus membros à aplicação da prescrição antecipada, é o caso da Procuradoria-

Geral do Estado do Rio de Janeiro que em seu enunciado diz:

Enunciado nº 4: É admissível o arquivamento do inquérito

policial com base na falta do interesse de agir, na hipótese

de prescrição pela pena ideal ou prescrição antecipada.68

68Enunciados da Assessoria Criminal do Procurador-Geral de Justiça/2009. Disponível em: http://www.mp.rj.gov.br/portal/page/portal/Internet/Conheca_o_MP/Legislacao/Enunciados_teses_assessorias_CAOPS/Assessorias/Enunciados_da_Assessoria_Criminal. Acesso em 15 de setembro de 2009.

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55

CONCLUSÃO

A prescrição é uma das formas de extinção da punibilidade, sendo

possíveis duas formas ou espécies de prescrição, quais sejam: a prescrição da

pretensão punitiva e a prescrição da pretensão executória.

Inserida na espécie de prescrição da pretensão punitiva está a

prescrição pela pena em perspectiva e apesar de não está abarcada pelo

ordenamento jurídico atual, esta vem sendo a cada dia mais aplicada pelos

juízes de primeiro grau e tribunais regionais.

Os fundamentos contrários não são suficientes para impedir o

avanço desta subespécie de prescrição da pretensão punitiva, pois, como

vimos, o Estado tem o poder-dever de agir e punir, entretanto, paralelamente

com esse poder-dever está o dever de uma medida adequada e útil.

Os doutrinadores estão a cada dia mais adeptos a esta modalidade

de prescrição, a jurisprudência idem, só restando os tribunais superiores, por

terem, ainda, uma visão estritamente legalista não reconheceram está

subespécie de prescrição.

Contudo, a prescrição da pretensão punitiva pela pena em

perspectiva é o avanço do Direito Penal no tempo e no espaço, e como todo

avanço é preciso de tempo para de fincar, dependendo apenas de uma

positivação pelos nossos legisladores.

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