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1 Área 6 Subárea 6.2 Sessões ordinarias A Produção de Etanol e o Meio Ambiente: a economia política da análise de custo-benefício Luiz Niemeyer- PUC-SP* [email protected] Resumo O objetivo desse trabalho é examinar o impacto ambiental da produção de etanol no Brasil. Tanto a análise convencional de Custo e Beneficio (C&B)como as modificações propostas visando avaliar projetos que resultam em perdas ambientais são criticadas. A produção de etanol (Próalcool) pode ser usada como exemplo de como a análise convencional de C&B bem como as modificações propostas visando incorporar aspectos ambientais não seriam suficientes para avaliar importantes aspectos ambientais. Sérios impactos ambientais seriam esquecidos envolvendo, água, ar, e a produção de alimentos. Se estes fossem levados em consideração levantariam sérias dúvidas quanto à produção de etanol como substituto da gasolina. Palavras Chaves : meio ambiente e análise de Custo e Beneficio; etanol e meio ambiente; agricultura e energia Abstract The objective of this article is to evaluate the impact on the environment of the ethanol production in Brazil. Neither the conventional Cost and Benefit (C&B) analysis nor the updated one aiming to evaluate environment losses are the alternative to measure environment loss. The ethanol production in Brazil (Proálcool) can be used as an example of the conventional C&B analysis, or of its updated version, that disregarded important considerations on the environment. Serious environment impacts involving water, air and food production were and would be forgotten. If these impacts were taken into consideration it would cast a doubt on the social viability of the ethanol as a substitute for gasoline. Key Words: Environment and Cost Benefit Analysis; ethanol and the environment;Energy Cropping. JEL Classification Numbers : Q50, Q20, Q42 * O autor agradece os comentários e sugestões de Lance Taylor, Adalmir Marqueti , Carlos P. Bastos, Zilton Macedo e Rosana Corazza em versões preliminares do artigo os isentando de qualquer responsabilidade com relação ao produto final.

A Produção de Etanol e o Meio Ambiente: a economia ... · produção apresenta sérias ameaças ao meio ambiente, que não são levadas em consideração nas

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Área 6Subárea 6.2Sessões ordinarias

A Produção de Etanol e o Meio Ambiente: a economiapolítica da análise de custo-benefício

Luiz Niemeyer- PUC-SP*[email protected]

Resumo

O objetivo desse trabalho é examinar o impacto ambiental da produção de etanol no Brasil. Tanto a análiseconvencional de Custo e Beneficio (C&B)como as modificações propostas visando avaliar projetos que resultam emperdas ambientais são criticadas. A produção de etanol (Próalcool) pode ser usada como exemplo de como a análiseconvencional de C&B bem como as modificações propostas visando incorporar aspectos ambientais não seriamsuficientes para avaliar importantes aspectos ambientais. Sérios impactos ambientais seriam esquecidos envolvendo,água, ar, e a produção de alimentos. Se estes fossem levados em consideração levantariam sérias dúvidas quanto àprodução de etanol como substituto da gasolina.

Palavras Chaves: meio ambiente e análise de Custo e Beneficio; etanol e meio ambiente; agricultura e energia

Abstract

The objective of this article is to evaluate the impact on the environment of the ethanol production in Brazil. Neitherthe conventional Cost and Benefit (C&B) analysis nor the updated one aiming to evaluate environment losses are thealternative to measure environment loss. The ethanol production in Brazil (Proálcool) can be used as an example ofthe conventional C&B analysis, or of its updated version, that disregarded important considerations on theenvironment. Serious environment impacts involving water, air and food production were and would be forgotten. Ifthese impacts were taken into consideration it would cast a doubt on the social viability of the ethanol as a substitutefor gasoline.

Key Words: Environment and Cost Benefit Analysis; ethanol and the environment;Energy Cropping.JEL Classification Numbers: Q50, Q20, Q42

* O autor agradece os comentários e sugestões de Lance Taylor, Adalmir Marqueti , Carlos P. Bastos,Zilton Macedo e Rosana Corazza em versões preliminares do artigo os isentando de qualquerresponsabilidade com relação ao produto final.

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Introdução

O objetivo desse artigo é ilustrar, sob uma ótica da economia política, a relação entre análise de

Custo e Benefício (C&B) e o meio ambiente. Para tanto, avaliaremos a produção de etanol no Brasil,

destacando aspectos ambientais fundamentais, porém pouco levados em consideração. Nós avaliaremos,

de forma breve, as possíveis modificações na análise de C&B com o objetivo de avaliar projetos que

resultam em importantes perdas de benefícios associados à preservação do meio ambiente.

Também verificaremos as deficiências da análise de C&B, quando esta tenta incorporar os

impactos ambientais; tal deficiência será ilustrada por uma análise da produção de Etanol no Brasil e seu

impacto no meio ambiente. Essa análise tem como ponto de partida o Proálcool (Programa de Produção

de Álcool) que teve seu auge em 1985 e seus desdobramentos. Não se trata de um artigo teórico a

respeito das modificações introduzidas na análise convencional de C&B, de forma a incorporar aspectos

ambientais Trata-se, isto sim, de se utilizar discussão teórica a respeito das críticas a essas modificações

para obtermos subsídios que nos permitam avaliar os aspectos ambientais da produção de etanol

(Proálcool) no Brasil.

Nossa hipótese é a de que, apesar de ser apresentada como solução para problemas ambientais já

que, por exemplo, há a adequação da produção de etanol (Proálcool) ao Protocolo de Kioto, essa

produção apresenta sérias ameaças ao meio ambiente, que não são levadas em consideração nas

tradicionais análises de C&B. Vale ressaltar também que as alternativas propostas em nível de C&B que

incorporem tais ameaças não seriam a alternativa mais viável à avaliação dos impactos ambientais

resultantes do etanol.

A relevância desse estudo pode ser avaliada em função dos aspectos que elencamos a seguir.

Questões relativas à produção e ao consumo de álcool continuam sendo discutidas no Brasil em períodos

de crise energética. Apesar do “looby” intenso a favor do etanol, o uso sistemático de álcool anídrico e

hidratado1 no Brasil como fonte de energia ainda não está claramente definido. Correntemente, a questão

do álcool como combustível voltou à baila em função de pelos menos quatro aspectos, p. a) no ano de

2005, 95% dos caros produzidos no Brasil adotaram a tecnologia flex; b) O ano de 2006 se inicia com

uma crise de preços/ fornecimento de álcool; c) os preços do petróleo, a partir de 2005, têm apresentado

aumentos bastante expressivos; d) recente visita do Presidente Bush ao Brasil colocou a discussão a

respeito do etanol na mídia. É importante destacar que, sendo o Brasil o maior produtor mundial de

1 Álcool anídrico é aquele utilizado na mistura com a gasolina; já o álcool hidratado é aquele utilizado comocombustível exclusivo de veículos automotores.

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cana-de-açúcar com os menores custos, sua experiência pode servir de lição para outros países em

desenvolvimento.

Tem ocorrido um debate considerável entre economistas a respeito de formas alternativas de se

incorporarem os impactos ambientais nos projetos que seguem o modelo convencional de decisão

baseado em custos e benefícios. De um lado, nós temos as tentativas de incorporar perdas de

preservação ambiental permanentes como custos gerados por projetos de desenvolvimento de área

natural. Por outro lado, existe a prática tradicional de se avaliar um dado projeto de desenvolvimento,

ignorando-se as alternativas de preservação. Veremos nas seções a seguir que ambas alternativas são

passíveis de críticas.

A análise da produção de etanol no Brasil, chamada até recentemente de Proálcool, pode ser

utilizada como exemplo de análise convencional de C&B, que não leva em consideração o meio

ambiente. Toda vez que a sociedade brasileira deve discutir os problemas energéticos, como agora, dado

que o preço do petróleo encontra-se alto, existe uma discussão na imprensa e no meio político sobre a

ampliação da produção de etanol.

Nossa ênfase central será nos aspectos negativos (do Programa) da produção de etanol,

associados ao meio ambiente. Esses aspectos foram praticamente esquecidos no debate até meados de

1980 e também no debate atual sobre os carros flex. Além disso, os aspectos positivos da produção de

etanol têm sido muito bem apresentados pelo lobby nacional e internacional do etanol na mídia brasileira

e internacional. Nos anos 80, por exemplo, parecia que o Brasil havia alcançado uma solução para a

crise de energia. Hoje os carros flex (biocombustível)) ou os “aspectos positivos” do Programa com

relação ao meio ambiente são apresentados com o mesmo ufanismo.

A análise da produção de etanol no Brasil, chamada até recentemente de Proálcool, pode ser

utilizada como exemplo de análise convencional de C&B, que não leva em consideração o meio

ambiente. Toda vez que a sociedade brasileira deve discutir os problemas energéticos, como agora, dado

que o preço do petróleo encontra-se alto, existe uma discussão na imprensa e no meio político sobre a

ampliação da produção de etanol.

Na primeira seção discutiremos a relação entre a análise de C&B e o meio ambiente. Na seção

seguinte, faremos uma breve discussão a respeito da evolução do Proálcool. Na seção três, analisaremos

alguns exemplos de análise de C&B do Proálcool. Na última seção, antes de nossas conclusões,

apresentaremos os aspectos ambientais associados à produção de etanol.

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-A análise de C& B e o Meio ambiente

A análise de C&B tem suas origens nas avaliações de projetos de rios e bacias (docas) e portos

nos EUA, no início do século passado, realizadas pela ‘Army Engieer Corp’ com recursos alocados pelo

congresso americano. Nessa época, os membros do congresso estabeleceram a necessidade de levantar

todos os custos e benefícios do projeto, independentemente de quem iria se beneficiar ou se prejudicar

por eles. No seu início, as análises de C&B funcionaram bem, dado que o meio ambiente não era uma

questão central.

A Teoria da Escolha Social, um campo da Economia do Bem Estar, é dominada pelos

critérios de otimização de Pareto e pelo Teorema Fundamental da Economia do Bem Estar

(TFEBE). Toda a filosofia da análise de C&B é baseada no TFEBE. A análise de C&B procura

equacionar o problema da busca da maximização do interesse pessoal com o interesse coletivo.

A forma de resolver este conflito é dominada pelos critérios de compensação, baseados no

trabalho pioneiro de Kaldor (1939).

O TFEBE afirma na sua primeira parte que todo equilíbrio competitivo é um ótimo de

Pareto. Sua segunda parte afirma que todo ótimo de Pareto pode ser sustentado por um

equilíbrio competitivo, com uma distribuição de renda adequada, ou seja, um mercado de

competição perfeita gera um ótimo para si mesmo. Essa afirmação é extremamente poderosa

do ponto de vista ideológico porque fornece à economia neoclássica um critério de ação.

Podemos afirmar que, dado que pontos de Pareto ótimo são desejáveis, então será desejável

organizar a sociedade de forma a sustentar a otimização de Pareto. Isso significa, por exemplo,

estabelecer o livre mercado porque esse é o critério para a eficiência. O método tradicional das

análises de custo-benefício (C&B) é normalmente usado no discurso main stream como uma

justificativa por menor participação estatal (Mikesell, 1984, p.1).

O cálculo da relação custo - beneficio é normalmente apresentado por alguns teóricos e por

algumas instituições financeiras como bancos de desenvolvimento (nacional ou multilateral) como um

critério universal para a avaliação de projetos públicos. De maneira geral, o debate mais freqüente entre

os economistas neo-clássicos com relação a C&B não está associado à validade de sua utilização vis-à-

vis outras alternativas, mas sim ao aprimoramento de técnicas auxiliares. Esses aprimoramentos estão

associados à premissa de que os recursos naturais geram (“yelds”) um fluxo de benefícios para a

humanidade que podem ser avaliados em termos monetários (Farber, S., et al 2006). Exemplos destas

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técnicas são, p. a determinação de preços sombras; determinação da taxa social de desconto; Valor

Econômico Total (VET), Método de Valorização Contigencial (MVG) 2.

Pearce e Turner (1990, p. 20) observam que problemas ambientais são considerados resultados

inevitáveis do crescimento econômico em economias avançadas. Já faz algum tempo que os

institucionalistas3 aceitaram o enfoque que engloba a noção de custo social da poluição e acentuam a

importância de fundações ecológicas de qualquer sistema econômico. Eles propõem a adoção da

estrutura de C&B, utilizando-se a avaliação monetária, mas também incorporando o reconhecimento

explícito da incerteza (sobre a disponibilidade do meio ambiente no futuro); a irreversibilidade (por

exemplo, a perda permanente da área virgem e outros recursos ambientais, “wetlands”, solos produtivos,

etc); e (por exemplo, espécies em extinção, vista cênica única). O método do VET-Valor Econômico do

Projeto incorpora essas três importantes características.

Segundo Markandya, Pearce & Barbier podemos encontrar no “mainstream” duas abordagens

em conexão com o objetivo de proteger o meio ambiente nas análises de C&B. A primeira seria a

redução na taxa de desconto, de maneira que futuros custos/benefícios e futuras gerações não sejam

discriminadas. Quanto maior essa taxa, menor importância é dada a esses dois fatores ((Markandya,

Pearce & Barbier, 1992, p. 147). Todavia, esse processo é imperfeito, dado que a relação entre a taxa de

desconto e o meio ambiente não é tão simples. Dois efeitos contraditórios existem. De um lado, é

verdade que a redução da taxa de desconto iria implicar menos uso direto de recursos naturais, porque a

taxa de exploração de recursos naturais iria reduzir. Por outro lado, uma taxa de desconto menor implica

em mais investimentos, o que requer mais recursos naturais a serem explorados e provavelmente um

valor mais alto de poluição (ibidem, p. 135).

A segunda abordagem “mainstream” da C&B, creditada a Porter (Porter , 1982), consiste em

identificar e ajustar o fluxo de benefício e custo, principalmente o custo ambiental decorrente de um

dado projeto, e então aplicar a regra usual de investimento da C&B. Essa versão (modificada) da C&B

inclui dois novos elementos, p. a) a inclusão como custo de desenvolvimento, do benefício de manter a

preservação ambiental predeterminada; b) e a introdução na análise da crença de que os benefícios do

desenvolvimento declina vis-à-vis os benefícios da preservação.

Brookshire, Eubanks e Randall observam que a análise de C&B tradicionalmente tem se

concentrado no valor de uso dos recursos naturais. Todavia, outros valores deveriam ser considerados

como parte do valor total dos recursos naturais ou do meio ambiente. Eles propõem o Método de

2 Turner, Pearce e Bateman (1993) apresentam em detalhes este método bem como MVC.3 O autor classifica os institucionalistas como, p. a) neo-malthusianos, para os quais somente um sistema autoritáriolevaria às mudanças necessárias; b) os que acreditam em um sistema socialista centralizado.

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Valorização Contingencial (MVC), de maneira a valorizar mercadorias não comercializáveis no

mercado (“nonmarketed commodities”), que pode ser utilizado com sucesso na estimativa associada à

retenção da opção de uso futuro e a existência do meio ambiente natural (Brookshire, Eubanks e

Randall, 1992, p. 112).

O MVC pergunta às pessoas o que elas estariam dispostas a receber como compensação de

forma a tolerar o custo. Além disso, na opinião dos autores, o MVC permite a utilização de estimativas

de taxas de desconto a serem derivadas de mercadorias não comercializáveis no mercado. O que se

busca é a avaliação dos entrevistados com relação a aumentos ou diminuições na quantidade de algum

bem, conforme um mercado hipotético. Um mercado contingente deve incluir não somente o bem em si

mesmo (por exemplo, melhor qualidade da água), mas também o contexto institucional através do qual

ele seria obtido e a forma como ele seria financiado. Para os autores acima, o MVC pode ser aplicado na

maioria dos contextos de política ambiental

Com relação à abordagem do MVC, Sagoff (Sagoff, 1988, p.88) observa que, apesar de tentar

fazer com que os entrevistados expressem suas preferências ao invés de deliberar sobre idéias, o método

não atribui o status de seres políticos aos respondentes. Para Sagoff, idéias são diferentes da chamada

preferência do consumidor; esse autor vai ainda mais além ao afirmar que debates políticos e éticos são

bem distintos da análise de C&B baseada no MVC. Na sua visão, essas diferenças são talvez a principal

razão do fato de entrevistados freqüentemente entrarem em manifestações de protestos ou outra forma

de resistência a esse tipo de experimento.

Para o autor acima, a existência de legislação proibindo análise de C&B demonstra que, para os

cidadãos, as políticas deveriam resultar de deliberações éticas e da regra do Direito. Nos EUA, por

exemplo, a análise de C&B não é permitida no Clean Air Act e no Endangered Species Act. Sagoff

afirma também que os cidadãos tendem a rejeitar o “trade off “ entre saúde, segurança ou qualidade do

meio ambiente e crescimento econômico

Para Sagoff (1988, p. 1975), de maneira ampla, a análise de C&B atribui preços somente para

bens e serviços que podem ser comercializados no mercado e, portanto, são fáceis de serem

“precificáveis”. Certos economistas geralmente classificam outros valores como “intangíveis”. Os

valores “intangíveis” associados a meio ambiente, saúde e políticas de segurança tendem

freqüentemente a ser mais importantes que os “tangíveis”.

Martinez-Alier (Martinez-Alier, 1991, p. 119) observa que valores econômicos classificados de

maneira convencional como externalidades, (por exemplo, exaustão de recursos naturais não renováveis,

aquecimento global, e poluição radioativa) seriam tão arbitrários que não poderiam servir como base

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para políticas ambientais racionais. Externalidades - definidas como custos sociais incertos transferidos

para outros grupos sociais ou para futuras gerações - devem ser compreendidas antes de ser

quantificadas de forma monetária.

Sagoff (Sagoff, 1998, p.91) observa que a tentativa de interpretar princípios morais e convicções

políticas como externalidades de mercado e, portanto, lidar com elas estabelecendo-se preços de

mercado, não está restrita à questão ambiental. As crenças e opiniões dos cidadãos deveriam ser

classificadas e tratadas separadamente dos interesses e preferências dos consumidores! O autor destaca

que, se acreditamos que o debate político e ético são conceitualmente diferentes da análise econômica,

nós podemos concluir que esforços para criarem preços sombras para aspectos “intangíveis” não devem

dar certo. Isso ocorre não por questões empíricas ou razões técnicas; mas porque eles se baseiam em um

erro lógico, ou seja, na diferença, às vezes nebulosa, entre o público e o privado. Essa nebulosidade é

reflexo da diferença da competição por preferências (do consumidor) e o conflito de idéias. Nem sempre

preferências devem ser “precificadas”, p. elas devem também ser criticada, entendidas e ouvidas.

Para Sagoff (ibidem, p. 95), o método chamado de “disposição a pagar” em políticas públicas -

utilizado pela ONUDI (ONUDI, 1972) e adotado por Rocha Filho (Rocha Filho, 1992, p. 373) que

iremos discutir na próxima seção - remove as bases de legitimidade do processo político no sentido da

C&B lidar somente com valores ou preferências já existentes na sociedade.

Outro resultado proveniente de política pública baseada na metodologia de “disposição a pagar”

(MVC) pode ser ainda mais negativo. Sagoff destaca que a análise econômica tende a limitar o conflito

entre as partes que têm algo a perder e, por isso, estão dispostas a pagar. Esse método evita a

socialização de um conflito que é fundamental para o funcionamento de uma democracia (Sagoff 1988,

p. 95).

A tecnocracia localiza o conflito de forma que esse possa ser resolvido pela aplicação de alguma

regra mecânica ou de uma norma de procedimento. Um exemplo seria apresentar a produção de etanol

como viável, quando o preço do petróleo for acima de US$ 35,00 bbl4. Como veremos, a análise de

C&B do etanol (Proálcool) desconsidera importantes aspectos ambientais. O método analítico da C&B

para políticas públicas acabaria por, no limite, colocar essa análise no lugar do processo associado a um

governo democrático. Para Sagoff (ibidem, p. 97), o gênio ideológico da análise de C&B é o de localizar

o conflito entre as partes (indivíduos) afetadas e, portanto, evitar que esse conflito alcance o domínio

público.

4 Barril equivalente de petróleo.

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II. O Proálcool5

Evolução da produção de álcool 1970-71 a 2005-06- em milhões de litrosSafra Produção Safra Produção Safra Produção1970/1971 637,2 1982/1983 5824,0 1994/1995 12726,01971/1972 613,1 1983/1984 7864,0 1995/1996 12689,01972/1973 681,0 1984/1985 9244,0 1996/1997 14030,01973/1974 566,0 1985/1986 11820,0 1997/1998 15000,01974/1975 625,0 1986/1987 10516,0 1998/1999 13400,01975/1976 555,6 1987/1988 11454,0 1999/2000 12770,01976/1977 664,0 1988/1989 11713,0 2000/2001 10622,01977/1978 14470,3 1989/1990 11881,0 2001/2002 11059,01978/1979 2490,9 1990/1991 11783,0 2002/2003 13000,01979/1980 3383,8 1991/1992 12681,0 2003/2004 15000,01980/1981 3742,0 1992/1993 11736,0 2004/2005 13400,01981/1982 4240,0 1993/1994 11278,0 2005/2006* 16000,0Fonte, p. até 1979/80 Magalhaes (1991, p.29); de 1980/1981 a 2001/2002 Marjotta-Maistro (2002, p. 16). Demais dados, p.Veja (1 fevereiro , 2006, p. 92) *estimativa

A intervenção estatal no setor de álcool é anterior ao Programa. No início da década de 30, por

exemplo, houve uma queda acentuada no preço do açúcar no mercado internacional. Como medida de

proteção às culturas de cana-de-açúcar, adotou-se a adição de 5 % de álcool na gasolina. Em 1933 foi

criado o IAA, cuja função era controlar a produção e manter os preços em um nível adequado. Durante a

II GG, a proporção álcool/gasolina atingiu 20 %. (Arbex, 2001, p. 59)

O Próalcool foi introduzido no Brasil, em 1975. Na época de seu lançamento, o objetivo era

tornar o Brasil auto-suficiente em combustíveis para automóveis, até o final do século. No início de

1979, após a revolução iraniana e o aumento do preço de petróleo associado, o governo acelerou o seu

programa de combustíveis. Era o seu desejo atingir a auto-suficiência no final dos anos 80.

A produção brasileira de etanol aumentou de 600 milhões de litros em 1975, para 11 milhões de

litros em 1985. No período de 1975 a 1985, foram investidos oficialmente US$ 7 bilhões em toda sorte

de incentivos e subsídios ao álcool. O principal resultado desse investimento foi que, em 1985,

aproximadamente 20% dos carros de passageiros no Brasil estavam rodando com motor a álcool

Na imprensa brasileira da época (1980-985), a propaganda promovida pelo lobby do Proácool

(fabricante de automóveis e produtores de álcool6) enfatizava os seguintes pontos, p. a) o PIB brasileiro

estava declinando após mais de dez anos com uma taxa média acima de 8 % e associava-se a recessão à

5 Não é nossa intenção aqui discutir aspectos profundos Proálcool e de sua evolução. Estamos preocupados com osimpactos ambientais do programa e com sua C&B.6 A influencia política dos proprietários de carro não deve ser subestimada, dado que às pessoas que possuem carrossão as elites urbanas que também dominam a estrutura de poder político.

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falta de energia; b) o território brasileiro - com 8,5 milhões de quilômetros quadrados - era quase infinito

em termos de riqueza. Ao contrário da visão, talvez Malthusiana, de Pimentel et alii. (1976a) de que

somente 11 % da superfície terrestre seriam aráveis e, portanto, apropriadas para colheita; ou da de

Hespanhol (Hepanhol 2003, p. 38), segundo a qual a terra arável se aproxima muito rapidamente de seu

limite de expansão.

Todavia, no final da década de 80, o programa perdeu credibilidade junto à opinião pública. Na

esteira do Relatório Berg do Banco Mundial, o IAA foi extinto em 1990. Isso deu início ao processo de

abertura/desregulação do setor sucroalcooleiro. Marjotta-Maistro (2002, p. 3) informa que o preço do

açúcar foi liberado ainda em 1990; o do álcool anidro, em 1997 e o do álcool hidratado, em 1999.

Atualmente existe uma grande euforia com os chamados carros biocombustíveis. Nos primeiros dois

meses de 2006, cerca de 90 % dos carros vendidos seguiam essa tecnologia.

III- O Etanol (Proálcool) e a análise de C&B

Revisaremos agora análises de C&B do Próalcool na fase de expansão acelerada (1980-1985). A

maioria da literatura publicada, no tocante a C&B deste programa, concentra-se nesse período. Em 1985,

a produção de álcool atingiu o recorde de 11 bilhões de litros. Iremos nos basear em dois estudos de

Motta (Motta 1987) e Motta e Ferreira (1988) e em um estudo de Rocha Filho (Rocha Filho, 1992),

cujos dados e conclusões avançam até 1990.

De acordo com a análise do C&B, a viabilidade econômica do Proalcool é muito dependente do

preço do petróleo. Apesar de alguns anos de preços estáveis, esse preço dobrou em 1978 e atingiu

US$35-40/bbl (barril equivalente de petróleo) em 1981. Essa foi a principal justificativa econômica para

a ênfase no programa a partir de 1979. Entretanto, em 1982 os preços do petróleo começaram a cair,

atingindo níveis abaixo daqueles negociados em 1980. De acordo com Motta (1987, p. 181), no início de

1986 os preços atingiram US$10.0/bbl.

Motta (ibidem, p. 177) usou a técnica do preço sombra e calculou o “custo social” do etanol,

avaliando especificamente dois itens, p. trabalho e terra. Suas estimativas do custo social variaram entre

US$45,00/bbl (Estado de São Paulo) e US$ 66,00/bbl (Estado de Pernanbuco) ; Motta questionava se a

produção de etanol no Brasil era economicamente viável, se comparada aos preços pagos pela

importação de petróleo, que atingiram como valor máximo (desse período) US$ 37,92/bbl, em 1981(a

preços constantes de 1983). Isto é, para produzir um litro de etanol para uso combustível, a economia

incorre em custos mais altos de fatores e insumos do que os obtidos com a importação de um

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combustível substituto. Além disso, seu trabalho discutia a viabilidade econômica do programa a médio

e longo prazo e, de acordo com suas estimativas de custo social futuro do etanol, o preço internacional

da gasolina precisaria ser no mínimo US$37/bbl (a preços de dezembro de 1983), para o Proálcool ser

economicamente viável. Isso equivaleria a um preço do barril de petróleo equivalente a US$ 30/bbl7

(ainda a preços de dezembro de 1983). Aspectos relacionados ao meio ambiente não foram

considerados.

Outro estudo apresentado pelo mesmo autor (Motta e Ferreira, 1988) fez uma reavaliação do

Proálcool, mostrando que a viabilidade da produção de etanol se tornaria positiva se um considerável

aumento de produtividade fosse obtido juntamente com os preços do petróleo acima de US$30.00/bbl,

conforme os preços de dezembro de 1983. Em sua opinião, esse dois fatores só teriam a possibilidade de

ocorrer em conjunto no final dos anos 90. Entretanto, se o investimento já realizado no setor de

produção do álcool (US$ 7 bilhões) fosse considerado como sunk cost (só se cobrisse os custos

variáveis), então a perspectiva de viabilidade não seria tão remota. O Programa seria viável com o preço

do petróleo na faixa de US$15-20/bbl (a preços de dezembro de 1983). Aqui, novamente, os custos e

aspectos ambientais não foram mencionados.

Motta (Motta e Ferreira, 1988, p. 230) observa que o abandono do projeto resultaria em perdas

em custos fixos, como a capacidade de produção (US$ 7 bilhões de investimentos) e a cana-de-açúcar já

plantada (que é colhida por certo número de anos ). Além disso, a questão social era séria, já que a

produção de cana-de-açúcar e álcool era o terceiro maior gerador de empregos do setor agrícola, com

mais de 800.000 empregados diretamente, em 1986. O que ele propunha, basicamente em nome da

“justiça social”, era a manutenção do Programa no nível de 1985, ou seja, 11 bilhões de litros de etanol

com 30-40 % da frota de carros leves rodando com etanol (300.000 a 400.000 carros a álcool por ano).

Podemos ver agora que, em contraste com a justificativa anterior de aumento nos preços do

petróleo, o Próalcool seria agora, no Brasil, uma arma de “justiça social” . Mais uma vez, em sua análise

de C&B, os aspectos ambientais do Proálcool não foram considerados. A proposta do autor vai contra as

discussões de hoje em dia, que propõem a total mecanização da colheita como forma de eliminar a

queima da palha que apresenta sérios problemas ambientais (Tolmasquim, 2003), o que discutiremos na

seção IV.

A mecanização implica a dispensa da maioria dos trabalhadores rurais. Para Marjotta-Maistro

(2002, p. 11), o contexto econômico da análise de Motta (1987) e Motta e Ferreira ( 1988) que analisa o

7 Adicionar ao barril equivalente de gasolina US$ 5,00, referente ao custo de refino, e US$ 2,00, a título de frete eseguro (Motta, 1987, p. 182).

11

período entre 1971 e 1987 difere do atual. Antes a preocupação era a da predominância do álcool

hidratado sobre a gasolina. Nos anos 90, a preocupação era com a continuidade da utilização do álcool

como combustível. Podemos observar que as análises de Motta seguem a metodologia convencional de

C&B, não utilizando por exemplo as metodologias do VET ou MVC descritas na seção I, que

incorporam aspectos ambientais na análise de C&B.

Outra análise de C&B é aquela elaborada por Rocha Filho (Rocha Filho, 1992) e que estava

preocupada com a continuidade da utilização do álcool como combustível. Os dados do estudo vão até a

safra de 1986-87 e alguns dados utilizados são de 1990. A afirmação do autor demonstra que seu estudo

não levou em consideração a questão ambiental associada ao Proálcool,

A grande tarefa da análise de custo benefício consiste, portanto, emestimar um elenco de preços que se aproximem o máximo possível da posiçãoperdida, tendo que eliminar, para tanto, as distorções que provocaram essesdesvios. Ditos preços são conhecidos como preços-sombra (shadow price), preçosde conta, preços contábeis ou preços sociais. (Rocha Filho, 1992, p. 373)

A metodologia escolhida pelo autor foi a análise convencional de C&B, aquela baseada nos

conceitos de custo de oportunidade e na disposição a pagar (willingness to pay) - cujas limitações no

tocante ao meio ambiente foram analisadas na seção I. Para o autor, o custo social da terra é igual ao

valor do arrendamento; o custo social da mão de obra é igual ao preço social desta que, no caso em

questão, encontra-se abaixo do valor de mercado; a taxa social de desconto é igual à produtividade

marginal do capital ou à rentabilidade marginal do investimento. Ao converter os preços privados em

preços sociais, o autor determinou o custo social do litro de álcool, p. a) incluindo a depreciação, p. US$

36,70 barril de gasolina equivalente ou US$ 29,70 barril de petróleo equivalente8; b) excluindo a

depreciação, p. US$ 34,91 barril de gasolina equivalente ou US$ 27,91 barril de petróleo equivalente.

(Rocha Filho, 1992, p. 377). O cenário b inclui como benefício o bagaço como combustível, para gerar

energia elétrica a partir de 1987.

Rocha Filho conclui seu estudo afirmando que o álcool é para o Brasil uma alternativa viável a

longo prazo e pede que o projeto seja preservado e incentivado no sentido de se expandir o programa.(as

usinas não se beneficiaram dos incentivos da Industrialização por Substituição de Importações). Sua

conclusão é diferente da de Motta e Ferreira (1988), que propunham a manutenção da produção do

programa para se evitar a questão de desemprego.

8 Adicionar ao barril equivalente de gasolina US$ 5,00, referente ao custo de refino, e US$ 2,00, a título de frete eseguro (Motta, 1987, p. 187)

12

Nos dois estudos temos os números em barril equivalente de petróleo ou gasolina como o valor

de corte para decisões relativas ao Próalcool. Aqui nos reportamos a Sagoff, discutido na seção I, a

respeito da análise de C&B localizar o conflito entre as partes(indivíduos) afetadas, através da aplicação

de alguma regra mecânica e, portanto, evitando-se com isso que o conflito ou a discussão a respeito dos

impactos do Proálcool no meio ambiente alcançassem o domínio público!

Apresentamos a seguir diversos impactos ambientais associados ao programa que, se levados em

consideração, colocariam serias dúvidas a seu respeito. Alguns dos pontos levantados a seguir já foram

objetos de contestação pelos defensores do Programa - ver, por exemplo, Magalhães, Koperman e

Machado (2001).

IV. O Etanol e o meio ambiente, aspectos esquecidos9

Para efeito de apresentação, dividiremos a análise de cada impacto ambiental em dois items, p.

Proálcool e Etanol. Nesta seção, Proálcool significa a produção incentivada de etanol que teve seu auge

no ano de 1985 e que é bastante rica em bibliografia analítica. Etanol envolve aspectos mais recentes

desta produção. A intenção é verificar a atualidade das críticas ao programa. Seguindo o raciocínio

desenvolvido na seção II, descrevemos abaixo alguns aspectos “intangíveis” que, a nosso ver, não

seriam incorporados nas análises de C&B.

A produção de etanol e a água

Proálcool

Um aspecto ambiental associado ao Proálcool era a questão do vinhoto gerado na produção de

álcool. O vinhoto é o liquido que sobra depois que a massa fermentada foi destilada e os resíduos sólidos

foram separados e se tornaram ração para animais. Berton, Kovarik e Skair (1982) descrevem que o

vinhoto possui de 1 a 10 % de materiais orgânicos e minerais dissolvidos. Eles rapidamente se

dissolvem quando jogado em rios, roubando da água o oxigênio necessário para a sobrevivência dos

peixes e outras formas de vida aquática. Mesmo após todo ter desaparecido, um segundo estágio de um

processo de decomposição anaeróbica entra em ação, produzindo gás de hidrogênio sulfídeo com odor

extremamente forte.

9 A maioria da bibliografia e pesquisas disponíveis se referem ao Proálcool, que teve seu auge em 1985.

13

Bernton Berton, Kovarik e Skair ainda (Berton, Kovarik e Skair, 1982, p. 182) destaca os

problemas quanto à qualidade da água, que o Brasil sofreu no auge do Proálcool. Ele observa que se

produzia de 12 a 7 galões de vinhoto para cada galão de álcool. Ele lembra que o vinhoto era jogado nos

rios e seus afluentes durante os seis meses do período da seca quando a cana é colhida. Nessa época o

volume dos afluentes e dos rios estava reduzido e se encontravam menos capazes de assimilar a descarga

do vinhoto. O autor reporta que diversos sistemas de rios no Estado de São Paulo foram praticamente

destruídos pelo vinhoto. Ele cita como exemplo o Piracicaba, o Mogi-Guaçu e o Pardo.

Rothman, Greenchild e Rosilo (1983, p. 137) observavam que, no Estado de São Paulo,

responsável por dois terços da destilação do etanol, à época com 76 destilarias, havia um potencial de

poluição diária equivalente a 2,02 milhões de BOD (demanda bioquímica de oxigênio). Do total de

BOD, 88 % era demandado pelos diferentes tipos de produção de álcool. Os restantes 12 %

representavam uma poluição equivalente àquela produzida por 4,4 milhões de pessoas.

Ao longo dos anos 90, o problema do vinhoto foi atacado pela cogeração. Segundo Silva e

Simões (1999) o Brasil solucionou o seu impacto pela aspersão no próprio canavial dado o seu conteúdo

fertilizante. Esta técnica, como observa Corazza, é conhecida na literatura como fertirrigação.

...técnica amplamente adotada a partir da década de 80 em substituiçãoao lançamento do resíduo em cursos d’água, a qual consiste na infiltraçãoda vinhaça in natura (ou não tratada) no solo com o objetivo de fertilizá-loe, ao mesmo tempo, irrigar a cultura da cana-de-açúcar. A fertirrigacao eempregada como substituto ao uso da fertilização química...(Corazza, 2001,p. 231).

Esta autora em seu estudo, reconhece os pontos positivos desta técnica porém discute

com muita propriedade seus aspectos negativos. Ela também discute a adoção de tecnologia

alternativa, a de digestão anaeróbica. Entre os aspectos negativos ressaltam-se, p. a) risco de

salinização do solo; b) risco de contaminação dos lençóis freáticos (Corazza, 2001, p. 217).

No tocante a contaminação dos lençóis subterrâneos ela ilustra um outro aspecto

fundamental. Reportando-se a dados de 1986, ela informa que neste ano 40% da vinhaça10

produzida não era aproveitada pelas usinas sendo depositadas nas chamadas “áreas de sacrifício”

(usando-se mantas impermeáveis para proteger os lençóis freáticos). Além de poderem afetar os

mananciais de superfície que drenam água, poucos estudos foram realizados no tocante o

impacto dos resíduos nos mananciais subterrâneos (Corazza 2001, p. 215). Este último ponto se

10 Corazza (2001, p. 210) observa que a quantidade média de vinhaça decorrente da produção de um litro de álcoolnão apresentou melhora substancial pelo menos até 2001.

14

torna mais preocupante se levarmos em conta que na maior região produtora de álcool do Estado

de São Paulo (linha entre Campinas e Ribeirão Preto) encontra-se a região de recarga do

Aqüífero Guarani um dos maiores lençóis freáticos do continente Sul Americano (Corazza, 2001,

p. 216).

Etanol

Existe um conflito natural entre o uso de água para a agricultura e o abastecimento

humano. Sadeq (1999, p. 19) lembra a concorrência crescente entre diferentes tipos de

consumidores e destaca como situação mais grave aquelas dos ambientes urbanos onde as

necessidades são imensas. O autor observa que a agricultura capta 69 % da água consumida no

mundo; a indústria, 23 % e o consumo doméstico, 8 %.

No caso brasileiro, Hespanhol (Hespanhol, 2003, p. 38) avaliava o consumo para a

agricultura em 70 % e 15 % para uso industriais e esta mesma porcentagem para o consumo

doméstico. Ele estimava que, ao fim do milênio passado, a demanda de água por parte da

agricultura chegaria a 80 %. Hespanhol (ibidem, p.37) observa que esta atividade é totalmente

dependente do suprimento de água, a ponto deste ameaçar a produção de alimentos a um nível

sustentável.

A irrigação tornou-se um elemento fundamental para o aumento da produtividade

agrícola brasileira. Como conseqüência, nas principais bacias hidrográficas brasileiras, ocorreria

um aumento dos conflitos de uso, com destaque para aquelas bacias com desenvolvimento

agrícola e urbano expressivo.

Em outro estudo, Hespanhol (Hespanhol, 2001, p. 150) nos informa da ocorrência de

racionamentos freqüentes de água em Recife e São Paulo. Estudo da 5 Elementos (5 Elementos,

2005, p. 21) nos informa da necessidade da Região Metropolitana de São Paulo de importar

metade da água11, consumida por meio do Sistema Produtor da Cantareira.

Galvão (Galvão, 2000, p. 29), ao discutir essa importação, destaca que a Região

Metropolitana de São Paulo (bacia do Alto Tietê), que abriga 47 % da população do Estado, tem

que importar água da bacia do Rio Piracicaba, Capivari e Jundiaí. Ele observa que a Grande São

Paulo, com seus 16 milhões de habitantes e 20 % do PIB brasileiro tem que disputar água com o

vale do Piracicaba. A região desse vale (Campinas, Jundiaí, e Piracicaba) é bastante

industrializada e possui agricultura diversificada; representa 9 % do PIB brasileiro, possui cerca

11 Informação corroborada por Hespanhol (2001 p. 150).

15

de 4,5 milhões de habitantes e também não está em situação confortável em termos de oferta e

demanda de água.

O Estado de São Paulo, ano safra 2001/2002, foi responsável por cerca de 65 % tanto da

produção de álcool como da de açúcar (Marjotta-Maistro, 2002, p. 18). O cultivo de cana

responde por cerca de 8,22 % da área total do Estado (Arbex, 2001, p. 72). Temos um caso claro

de conflito de uso de água e isso, com certeza, repercute no abastecimento de água na Região

Metropolitana de São Paulo12. Essa Região disputa água com a região da Bacia do Piracicaba.

Esta última região, por sua vez, além de ser importante produtora de cana, está próxima a

grandes regiões produtoras de cana e também enfrenta conflito de uso de água.

Pode-se alegar que a necessidade de importação de água por parte da região

Metropolitana de São Paulo seria sanada se medidas que evitassem a contaminação de seus

mananciais fossem adotadas. Temos a ponderar dois aspectos, p. a) a água muito poluída eleva

“a níveis estratosféricos os custos de tratamento e conseqüentemente onera a produção de muitos

setores da industria lá instalada” (Galvão 2000, p. 29); b) Corazza (2000) alerta para o risco e

contaminação dos mananciais da região Metropolitana de São Paulo devido a produção de etanol

em regiões vizinhas.

A produção de álcool demanda quantidade substancial de água. Galvão (Galvão 2000, p.

31) baseando-se no importante trabalho “O Estado das Águas do Brasil de 1999”, informa que o

consumo médio de água por quilo produzido de açúcar é de 100 litros. Estudo do IDEC (IDEC,

2000) destaca que as usinas de açúcar consomem 75 litros de água por quilo de açúcar. Dado o

processo produtivo, o açúcar e o álcool são substitutos e, considerando que a destilação do álcool

vem depois da produção de açúcar, podemos tomar os dados acima como referência para o

consumo de água para um litro de álcool, ou seja, mais de 100 litros13. Silva e Simões (1999, p.

359) descriminam o consumo de água nos diferentes estágios de produção do álcool e do açúcar,

sem contar a irrigação da cana.

Rebouças (Rebouças, 1997, p. 97) informa que o potencial médio de água doce nos rios

da região Sudeste (maior produtora de álcool do país, com destaque para o Estado de São Paulo)

é de 334,2 km3/ano e representa 6 % do total nacional. A disponibilidade social da água

12 Segundo dados da SABESP (2002) no tocante à distribuição de água no Brasil, o Estado de São Paulo possui 1,6% e outros estados, 98,4 %. Deste total, a Região Metropolitana de São Paulo fica com 4 % e demais municípios 96%. Esta Região abriga 47 % da população do Estado.13 O consumo de água para cada membro de uma família na Europa é, em média, de 165 litros (Houria, 1999, p. 20).No Brasil, de acordo com dados da SABESP, o consumo é de 120 litros/hab/dia (5 Elementos, 2005, p. 15).

16

(5333m3/hab/ano) é ligeiramente inferior ao da Região Nordeste, com seus 186,2 km3/ano de

potencial médio de água doce. Um ponto final para reflexão, p. a região Sudeste, no ano safra

2001/2002, foi responsável por 83 % da produção de açúcar e 77 % da produção de álcool

(Marjotta-Maistro, 2002, p. 16).

A produção de etanol e o ar

Proálcool e Etanol

No Brasil a utilização do álcool hidratado como combustível de veículosautomotores ou a mistura álcool anidro/gasolina na proporção de 22 % de álcooltrouxe benefícios para o meio ambiente e para saúde da população,principalmente a que reside nos grandes centros urbanos.

Um dos grandes benefícios foi a diminuição da emissão de compostos dechumbo para a atmosfera, em decorrência da substituição de antidetonante à basede chumbo pelo álcool misturado à gasolina.

Porém, a grande utilização do álcool como combustível em veículosresultou num aumento substancial da área utilizada para o cultivo da cana-de-açúcar e, especialmente, no Estado de São Paulo. Nas regiões onde a cana deaçúcar é plantada, colhida e industrializada, a qualidade do ar foi prejudicadadevido a um aumento na quantidade de cana queimada, o que gera um aumento epoluentes na atmosfera... (Arbex, 2001, p. 126)

O trabalho de Arbex (2001, p. 85) encontra resposta positiva à pergunta se a fuligem, resultante

da queima da cana, que cai sobre as cidades e seus habitantes pode ter alguma influência na qualidade de

vida dos cidadãos, sob o ponto de vista médico. Para o autor, ocorre um agravamento dos sintomas de

asma e enfisema no período de queimada da cana, assim como o aumento de óbitos decorrente do

agravamento de doenças respiratórias.

O autor destaca que, em 1998, a lavoura da cana-de-açúcar era a que absorvia a maior quantidade

de trabalhadores agrícolas no Estado de São Paulo, cerca de 90000 e os sindicatos rurais estavam

resistindo ao decreto estadual 42056 de 06/08/1997 que propunha a eliminação gradual da palha por

queima, em prazo máximo de 8 a 15 anos.

Arbex (ibidem, p. 70) observa que, na safra de 1997/98 em São Paulo, 81,8 % da área plantada

era proveniente de colheita manual e queimada. Em trabalho recente, Tolmasquim (Tolmasquim, 2003,

p. 76) observa que a colheita manual predomina e continua sendo aplicada em 75 % dos canaviais

brasileiros. Esse tipo de colheita é auxiliado com a queima para eliminação da palha.

Alguns dados alarmantes no tocante ao impacto ambiental da queima da palha, p. a) a quantidade

de matéria seca queimada nos canaviais por ano, por unidade de área, é cerca de 15 vezes maior que na

17

Amazônia (Arbex, 2001, p. 72); b) no Estado de São Paulo são queimadas cerca de 82 milhões de

toneladas de palha (o cultivo da cana corresponde a 8,22 % da área total do Estado). Dessa queima

resulta a emissão de 285 toneladas de material particulados e de 33342 toneladas de monóxido de

carbono, por dia. Para se ter uma idéia de grandeza, Arbex (ibidem, p. 76) informa que a emissão pelos

veículos auto-motores na região metropolitana de São Paulo (2,82 % da área total do Estado) é de

respectivamente 62 toneladas e 4293 toneladas por dia!

Agricultura para energia ou agricultura para alimentos

Proálcool

Brown (Brown,1980, p. 28) apontava que a decisão de priorizar de forma mais intensa a partir

de 1979 o cultivo para energia, para abastecer a sempre crescente frota automotiva brasileira, iria

provocar, com certeza, uma alta nos preços dos alimentos e, portanto, levaria a sérios problemas

nutricionais entre as camadas mais pobres da população. Os 20 % mais ricos da população, que são os

proprietários da maioria dos carros, iriam aumentar substancialmente suas demandas individuais sobre

as terras agriculturáveis - de um acre de terra para aproximadamente três acres de terra. Esse fato

provocaria um achatamento ainda maior na renda dos seguimentos menos favorecidos da população. O

autor observa que, por volta de 1979, o Brasil era cronicamente deficiente na produção de grãos e que

importou cerca de 5,7 milhões de toneladas de grãos.

Calabi (1983) demonstrou a sua preocupação sobre o objetivo (alcançado) de se produzir 11

bilhões de litros de etanol em 1985. Ele observou que a importação de alimentos no Brasil alcançou US$

2 bilhões em 1979 (US$ 1,2 bilhões em 1978) e esse aumento se deveu à prioridade dada, no final dos

anos 60, à produção agrícola de exportação, cujo exemplo principal seria a soja. Esse autor observava

que o Proálcool poderia ampliar esse problema.

“A possibilidade de produção em larga escala da biomassa doálcool nos coloca a questão se, e em que intensidade, tal desenvolvimento poderiacompetir pela terra e demais insumos agrícolas que de outra forma poderiam estarsendo alocados na produção de alimentos... A questão é complexa e pode algumasvezes ser emocional. Para podermos avaliar essa competição pelos insumosdevemos considerar os movimentos do preço relativo entre alimentos e energia.Como observado, de uma forma global, um maior aumento nos preços da energiado que no de alimentos ou do que na maioria dos produtos agrícolas é bastanteplausível, pelo menos na próxima década. Assumindo que isso ocorra, o conflitopotencial sobre o uso da terra para produção de alimentos para exportação ou paracultivar energia irá aumentar na medida em que as forças (agentes) econômicoscrescentemente alocam seus recursos na produção de energia. (World Bank, 1980,p. 53)

18

Baseado no raciocínio acima, nós chegamos a um lado bastante importante da produção de

etanol (Proálcool). Motta (Motta, 1987, p. 178) observa que o Estado de São Paulo, em 1983, era

responsável por mais do que 50 % da produção de etanol. O autor observa que, ao contrário de outros,

nesse Estado o “cultivo para energia” substituiu outros cultivos como arroz, feijão ou milho.

Conseqüentemente, São Paulo se tornou menos suficiente na produção de alimentos. Como sabemos,

esse Estado é de longe a principal força econômica e onde se concentra a maior população urbana do

país. De acordo com Spitz (Spitz, 1978) as áreas urbanas detêm o maior poder na compra de alimentos e

isso tem implicações nas migrações para os centros urbanos em países em desenvolvimento.

“Os habitantes das cidades (as cidades são as sedes do poder político)estão, portanto, razoavelmente bem protegidos das crises de fome (famine), pelomenos durante o período de paz, e é por essa razão que, quando a oferta (dealimentos) é escassa, ocorre um êxodo em massa dos habitantes do campo para ascidades para onde eles são seduzidos pela esperança de encontrar comida barataou alguma forma de ganhar dinheiro, não importando o quão pouco. Nas áreasrurais a falta de alimentos é geralmente acompanhada pela redução no número detrabalhos disponíveis; o mesmo não ocorre nas cidades, que são menos afetadaspor variações sazonais. Essa migração para as cidades pode ser organizada deuma forma forte ou fraca pela própria população”. (Spitz, 1978, p. 868)

O poder que o Estado de São Paulo (e outros Estados urbanizados e poderosos) possui no

mercado de alimentos também contribuiu para a massiva migração da população proveniente dos

Estados rurais e pobres. Eles migraram para as grandes cidades como São Paulo, Rio de Janeiro, Belo

Horizonte, etc. Nessas cidades encontramos todo tipo de problema ambiental urbano. Um exemplo é o

caso de invasões de áreas em voltas das zonas de abastecimento de água (mananciais) e a conseqüente

poluição do fornecimento de água. O risco de contaminação dos mananciais na Região Metropolitana da

Grande São Paulo, como observamos anteriormente, é um dos principais responsáveis por esta região ser

um grande importador de água.

Outro caso perturbador para o meio ambiente é o crescimento da população que reside em

favelas nos grandes centros, com severa degradação no saneamento e no meio ambiente urbano.

Obviamente essa injustiça social não pode ser creditada ao Proálcool dado que está associada

primordialmente com o modelo de desenvolvimento adotado. Todavia, podemos inferir que o Proálcool

possa ter contribuído de alguma forma, mesmo que pequena, para ampliar esse tipo de problema.

19

Etanol

Um estudo recente da OCDE-FAO neste ano de 2007 (OCDE-FAO, 2007) observa que o debate

entre agricultura para energia ou agricultura para alimentos está bastante atual. A crescente demanda por

biocombustíveis, como etanol, está causando mudanças fundamentais nos mercados agrícolas, que

podem implicar em aumento no preço de vários desses produtos. O estudo observa que os custos

mundiais de importação de alimentos em 2007 crescem em 5 %, em função desta crescente demanda e

que os países em desenvolvimento serão os principais afetados por essa alta de custos.

A produção de etanol como substituto de energia

Proálcool

Algumas vezes se afirma que a agricultura pode se tornar uma fonte deenergia, significando isso que a biomassa pode ser utilizada como combustível,não meramente na forma de madeira ou esterco. É difícil entender a física (tãodistante da sociologia) de simultaneamente excluir a produção de açúcar do “setorde energia” e incluir o etanol da cana de açúcar. É somente um desvio/parcialidade (urban bias) urbana (um desvio/ parcialidade da classe social maisalta) dos mais potentes, que permite pessoas que talvez estivessem preocupadascom o excesso de calorias na sua dieta, a excluir a produção de alimentos do“setor de energia” da economia. (Martinez-Alier, 1987, p.20)

Martinez-Alier (Martinez-Alier, 1987, p. 15) com bastante propriedade, chama a atenção para o

fato de a economia não ser capaz de lidar de forma convincente com a crítica ecológica. Portanto, foi um

paradoxo o fato da renovada crença na força dos mercados coincidir com a crise de energia de 1973 e

seus desdobramentos.

Ao contrário de Pearce e Turner(1990)14, Martinez-Allier afirma que, dado que o etanol é usado

como combustível para carros, uma comparação relevante seria entre a eficiência energética da produção

de etanol e a produção de outros tipos de agricultura. Outra comparação relevante seria entre o custo de

energia proveniente do etanol e o custo da energia de outros recursos, como carvão, petróleo e

hidroelétrica; nesse sentido, o etanol produzido pela cana de açúcar parece bastante caro.

Considerando a indústria do etanol como um ramo do chamado “setor energético” da economia,

o custo de energia do etanol poderia ser comparado com aquele de outras fontes de energia (carvão,

extração de petróleo, energia hidroelétrica, etc). No caso do carvão ou extração de petróleo, transporte e

14 Que favorecem somente unidades de conta somente em termos monetários, quando se analisa aspectos ambientais.

20

refino implicam gastos de uma caloria de forma a se produzir de cinco a dez calorias; no caso da

produção de etanol, com as correções apropriadas, uma relação otimista seria de duas a três calorias

produzidas por caloria gasta. (Martinez-Alier, 1987, p. 27)

Para Martinez-Alier(1987, p. 27)15, a necessidade do insumo energia para a produção de etanol

seria uma razão adicional do porque o Programa é enganoso, pois ele é apresentado como um programa

substituto (oil saving) do petróleo que permite a motorização. A produção de etanol é bastante energia-

intensiva, quando comparada com o carvão e/o ou petróleo.

De acordo com Da Silva et al. [1978] (Apud Martinez-Alier, 1987, p. 26) o insumo/energia para

produção de etanol - cerca de 4,2 milhões de quilocalorias/hectare/ano – tem seu uso dividido em 50 %

representando combustível para maquinário; 30% para fertilizantes; 10% para outros equipamentos e os

10% restantes distribuídos entre pesticida, trabalho humano e sementes.

Prosseguindo, de acordo Da Silva et al. [1978] (Apud Martinez-Alier, 1987, p. 25) a relação

energia gerada pelo etanol e a energia consumida no estágio agrícola da cana de açúcar é de 4,4 : 1. O

autor ressalta que os dados de Da Silva podem ser considerados otimistas. Sua relação positiva é uma

exceção. A maioria dos estudos apresenta essa relação de forma negativa, por exemplo, Rothman

(Rothman, Greenchild e Rosillo, 1983, p. 124) e o estudo pioneiro, citado por Martinez-Alier, de

Chambers (Chambers, et al., 1979).

Para Martinez-Alier (1987, p. 22), o Proálcool brasileiro do início dos anos 80 era

impressionante. A produção de 10 bilhões de litros (11 bilhoões em 1985) requereria aproximadamente

3 milhões de hectares de cana - mais que a área de Cuba. Essa produção representava 10 % da terra

agriculturável brasileira (cropland). O autor analisou a hipótese de se converter essa área na produção de

alimentos. Isso iria adicionar 900 quilocalorias/dia/per capta para uma população de 150 milhões de

habitantes. A essência do Proálcool não é fornecer energia como alimentação (ou bebida); pelo

contrário, essa energia é fornecida especificamente para abastecer carros.

Etanol

Com relação ao custo-energia da força de trabalho fazemos referência ao estudo cordenado por

Pereira (2007, p.16) publicado na revista semanal Carta Capital. Este estudo apresenta analises de de

dois especialistas no trabalho envolvido na produção de cana, p. Dra. Maria A. Moraes e Silva da

UNESP e Dr. José Novaes da UFRJ. Ambos informam que a vida útil do trabalhador no setro de

produção de açúcar era de 15 anos até o ano de 2000. A partir deste ano esta se reuziu para cerca de 12

15 Em seu livro, ele enfatiza a crítica com relação à produção agrícola com petróleo (farming with petroleum) eapresenta sua preocupação com relação ao progresso técnico na moderna agricultura.

21

anos. A Professora Moraes e Silva, que realiza pesquisa sobre o trabalhador migrante há mais de 30

anos, observa que até 1850 a vida útil do escravo era de 10 a 12 anos.

O Professor Novaes informa que a produtividade destes trabalhadores esta aumentando

substancialmente. De 5 a 8 toneladas decana nos anos 80 para 8 a 9 toneladas de cana nos anos 90 e de

12 a 5 toneladas em 2004. Neste período não ocorreram melhoras tecnológicas consideráveis. Desde de

2004, a Igreja Católica tem contabilizado suspeita de morte por fadiga entre os trabalhadores da cana-de-

açúcar. O número de morte que vem sendo investigada desde este ano é acima de 20 pessoas.

Conclusões

A produção de etanol (Proálcool) pode ser apresentada como um bom exemplo das

imperfeições das análises de C&B discutidas na seção I. Na verdade, essa produção é um projeto

que afeta e facilita a vida dos 20 % mais rios do país, os proprietários de automóveis.

Adicionalmente, como observamos na seção III, o Programa pode ser apresentado como um

exemplo de análise de C&B convencional, em que os aspectos de meio ambiente são ignorados.

Mesmo se fazendo uso das inovações que incorporam os aspectos ambientais na análise

de C&B, os sérios aspectos levantados na seção IV não seriam, em sua maioria, incorporados,

pois - como discutido na seção I - eles seriam considerados “intangíveis”, embora tendam

freqüentemente a serem mais importantes do que os “tangíveis” .

A utilização dos instrumentos de análise de C&B como justificativa para a crescente

produção de etanol brasileira desvia a atenção da sociedade brasileira de importantes aspectos

ambientais negativos associado a essa produção, principalmente àqueles relacionados à água e à

qualidade do ar.

22

BIBLIOGRAFIA

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