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11 RESUMO Rev. Sociol. Polít., Curitiba, 19, p. 11-29, nov. 2002 O artigo busca realizar, a partir de uma perspectiva histórica, um balanço da situação dos países periféricos nos últimos trinta anos, abordando especificamente os impasses do desenvolvimento na atual fase da chamada globalização do capital. O trabalho baseia-se fundamentalmente em estudos de extensa bibliografia publicada recentemente. Em que medida a retomada do desenvolvimento para diversas áreas estagnadas da periferia coloca-se como uma possibilidade palpável? Em torno dessa questão, que reportamos central na atual conjuntura, buscamos tecer algumas reflexões. Pretendemos mostrar que a estagnação econômica vivida por inúmeros países não desenvolvidos decorre, em parte, de uma crise social e econômica aberta na década de 1970 e que se estende até os dias de hoje, apesar das tentativas de reestruturação da sociedade capitalista. As estratégias e as políticas de cunho neoliberal também teriam contribuído sobremaneira para essa situação à medida que reforçaram as amarras financeiras que sufocaram boa parte das economias periféricas. Sobrepondo-se a esses problemas, esses países também se defrontariam com os limites ecológicos do capitalismo. A retomada do desenvolvimento em um novo patamar, que requer crescimento econômico, justiça social e preservação da natureza, implicaria rupturas com o capitalismo. PALAVRAS-CHAVE: desenvolvimento; globalização; projeto nacional; crise econômico-social. Francisco Luiz Corsi Universidade Estadual Paulista A QUESTÃO DO DESENVOLVIMENTO À LUZ DA GLOBALIZAÇÃO DA ECONOMIA CAPITALISTA I. INTRODUÇÃO A situação de miséria vivida por parcela consi- derável da humanidade e a estagnação econômica de vastas regiões da periferia do capitalismo têm tornado cada vez mais premente a retomada da questão do desenvolvimento. A discussão acerca desse tema perdeu terreno nas últimas décadas. Esse recuo vincula-se ao avanço do neoliberalismo, à abertura das economias nacionais, à crise da dívida externa dos países subdesenvolvidos, à busca da competitividade a todo custo e ao fra- casso de vários projetos de desenvolvimento em países subdesenvolvidos. O caso do Brasil é ilustrativo. A partir da década de 1980, a questão do desenvolvimento, que tinha ocupado um lugar central no debate econômico desde o período Vargas, perdeu espaço ante os problemas da crescente inflação e da crise fiscal do Estado, que passaram a galvanizar as atenções da mídia, da academia e da política. O avanço da ideologia neoliberal em escala mundial, que acabou atingindo o Brasil, também corroborou, e muito, para essa reversão de prioridades. Preocupar-se com o problema do desenvolvimento, até pouco tempo atrás, significava contrapor-se aos temas hegemônicos. Embora as questões relativas à estabilidade, à desregulamentação das economias nacionais etc. continuem ocupando um enorme espaço nos debates, a problemática do desenvolvi- mento, em virtude da severa crise social e econô- mica, vem novamente ganhando importância, não apenas no Brasil. Até mesmo os setores mais conservadores passaram a preocupar-se com o problema, como ficou evidente no último Fórum Econômico Mundial, realizado em Nova York. Entretanto, a retomada dessa discussão tem que romper com os termos estabelecidos por esses setores. Isso implica assumir uma postura crítica. Dessa forma, pretendemos, a partir de uma inves- tigação de caráter histórico, fazer um balanço da situação dos países periféricos abarcando os últimos trinta anos. II. O FRACASSO DOS PROJETOS NACIO- NAIS, A PERDA DE DINAMISMO ECONÔ- MICO E A GLOBALIZAÇÃO A necessidade de repensar o desenvolvimento funda-se, em parte, na constatação do esgotamen- to da maioria dos chamados projetos nacionais de desenvolvimento no contexto de mundialização da economia capitalista. A Grande Depressão e a Recebido em 24 de março de 2002. Aprovado em 6 de setembro de 2002. DOSSIÊ “GLOBALIZAÇÃO”

A QUESTÃO DO DESENVOLVIMENTO À LUZ DA GLOBALIZAÇÃO …

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REVISTA DE SOCIOLOGIA E POLÍTICA Nº 19: 11-29 NOV. 2002

RESUMO

Rev. Sociol. Polít., Curitiba, 19, p. 11-29, nov. 2002

O artigo busca realizar, a partir de uma perspectiva histórica, um balanço da situação dos países periféricosnos últimos trinta anos, abordando especificamente os impasses do desenvolvimento na atual fase da chamadaglobalização do capital. O trabalho baseia-se fundamentalmente em estudos de extensa bibliografia publicadarecentemente. Em que medida a retomada do desenvolvimento para diversas áreas estagnadas da periferiacoloca-se como uma possibilidade palpável? Em torno dessa questão, que reportamos central na atualconjuntura, buscamos tecer algumas reflexões. Pretendemos mostrar que a estagnação econômica vividapor inúmeros países não desenvolvidos decorre, em parte, de uma crise social e econômica aberta nadécada de 1970 e que se estende até os dias de hoje, apesar das tentativas de reestruturação da sociedadecapitalista. As estratégias e as políticas de cunho neoliberal também teriam contribuído sobremaneira paraessa situação à medida que reforçaram as amarras financeiras que sufocaram boa parte das economiasperiféricas. Sobrepondo-se a esses problemas, esses países também se defrontariam com os limites ecológicosdo capitalismo. A retomada do desenvolvimento em um novo patamar, que requer crescimento econômico,justiça social e preservação da natureza, implicaria rupturas com o capitalismo.

PALAVRAS-CHAVE: desenvolvimento; globalização; projeto nacional; crise econômico-social.

Francisco Luiz CorsiUniversidade Estadual Paulista

A QUESTÃO DO DESENVOLVIMENTO À LUZ DAGLOBALIZAÇÃO DA ECONOMIA CAPITALISTA

I. INTRODUÇÃO

A situação de miséria vivida por parcela consi-derável da humanidade e a estagnação econômicade vastas regiões da periferia do capitalismo têmtornado cada vez mais premente a retomada daquestão do desenvolvimento. A discussão acercadesse tema perdeu terreno nas últimas décadas.Esse recuo vincula-se ao avanço do neoliberalismo,à abertura das economias nacionais, à crise dadívida externa dos países subdesenvolvidos, àbusca da competitividade a todo custo e ao fra-casso de vários projetos de desenvolvimento empaíses subdesenvolvidos.

O caso do Brasil é ilustrativo. A partir da décadade 1980, a questão do desenvolvimento, que tinhaocupado um lugar central no debate econômicodesde o período Vargas, perdeu espaço ante osproblemas da crescente inflação e da crise fiscaldo Estado, que passaram a galvanizar as atençõesda mídia, da academia e da política. O avanço daideologia neoliberal em escala mundial, que acabouatingindo o Brasil, também corroborou, e muito,para essa reversão de prioridades. Preocupar-secom o problema do desenvolvimento, até poucotempo atrás, significava contrapor-se aos temas

hegemônicos. Embora as questões relativas àestabilidade, à desregulamentação das economiasnacionais etc. continuem ocupando um enormeespaço nos debates, a problemática do desenvolvi-mento, em virtude da severa crise social e econô-mica, vem novamente ganhando importância, nãoapenas no Brasil. Até mesmo os setores maisconservadores passaram a preocupar-se com oproblema, como ficou evidente no último FórumEconômico Mundial, realizado em Nova York.Entretanto, a retomada dessa discussão tem queromper com os termos estabelecidos por essessetores. Isso implica assumir uma postura crítica.Dessa forma, pretendemos, a partir de uma inves-tigação de caráter histórico, fazer um balanço dasituação dos países periféricos abarcando osúltimos trinta anos.

II. O FRACASSO DOS PROJETOS NACIO-NAIS, A PERDA DE DINAMISMO ECONÔ-MICO E A GLOBALIZAÇÃO

A necessidade de repensar o desenvolvimentofunda-se, em parte, na constatação do esgotamen-to da maioria dos chamados projetos nacionais dedesenvolvimento no contexto de mundialização daeconomia capitalista. A Grande Depressão e a

Recebido em 24 de março de 2002.Aprovado em 6 de setembro de 2002.

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Segunda Guerra Mundial, ao acarretarem umarelativa desarticulação da economia mundial, comonossos estudos tinham sugerido (CORSI, 2000;2001), abriram novas possibilidades de desenvolvi-mento para alguns países subdesenvolvidos quejá tinham alcançado certo patamar de desenvolvi-mento capitalista.

A reorganização da economia mundial no pós-guerra, sob a hegemonia dos EUA, não fechouessas possibilidades. As dificuldades dos EUA emlevar a cabo seu projeto de reorganizar a economiamundial sob a égide do livre comércio e da livrecirculação de capital forçaram-no a aceitar apermanência, por longo tempo, dos controles decâmbio e dos fluxos de capital, especialmente osde curto prazo. As dificuldades das economias des-troçadas pela guerra, as lições da Grande Depres-são, a correlação de forças favorável aos trabalha-dores no centro e o avanço dos movimentos dedescolonização, muitos deles de inspiração marxis-ta, no contexto da Guerra Fria, abriram espaçopara a economia mundial organizar-se com baseem fortes economias nacionais, sendo que nospaíses desenvolvidos contribuíram para o flores-cimento do Estado de Bem-Estar Social. A grandefinança internacional, enfraquecida pela Depres-são, teve que se adaptar à nova situação.

Contudo, observou-se também, nesse período,a retomada do processo de internacionalização docapital. A retomada dessa tendência, nos anos1950, marcou o fortalecimento dos grandes oligo-pólios e da grande finança, o que seria um dosfatores da crise da ordem econômica internacionalde Bretton Woods, na década de 1970.

Esse processo também teve conseqüênciaspara os países subdesenvolvidos. A forte expansãodas empresas multinacionais em direção às regiõesperiféricas redefiniu a divisão internacional dotrabalho e colocou novas questões para os projetosnacionais de desenvolvimento, que, em muitoscasos, estavam em um beco sem saída, em virtudede sérios problemas de financiamento interno eexterno. Para alguns países, abriu-se a possibilidadede um desenvolvimento associado ao capital es-trangeiro. Nessa fase, começaram a ficar evidentesas crescentes dificuldades de projetos de desenvol-vimento com autonomia nacional, embora algunspaíses continuassem a desenvolver-se nessa di-reção.

Os projetos voltados para a industrializaçãocom soberania nacional, que proliferaram na perife-

ria do sistema entre as décadas de 1930 e 1970,vieram em sua maioria a ruir a partir dos anos1980. O fracasso dos projetos socialistas tambémpode ser visto sob essa ótica, pois eles, entre outrosaspectos, representavam alternativas de desenvol-vimento ao sistema capitalista. Embora tivessemobtido êxito parcial no tocante à industrialização,ao desenvolvimento tecnológico e à melhoria donível de vida de suas populações, o fracasso dessesprojetos reforçaria, segundo vários autores, asenormes dificuldades de um desenvolvimento eco-nômico, social, político e cultural fora do âmbitoda sociedade capitalista global.

Acerca desse ponto, Ianni (1992, p. 46-47)assinala que “O alcance mundial do capitalismono século XX tem sido tão forte que todos osprojetos de desenvolvimento nacional, com preten-sões de soberania, têm sido frustrados. Os proje-tos do cardenismo no México, do peronismo naArgentina e do varguismo no Brasil não se rea-lizaram a não ser limitadamente [...]. Na época dogrande capital monopolista, ou do capital finan-ceiro, já não é mais possível o capitalismo nacionalque teve êxito na época do capitalismo competitivo.Os modelos bismarkiano ou bonapartista, que ha-viam tido êxito na Alemanha, França, Itália e Japãodo século XIX, já não são mais possíveis no séculoXX [...]. No século XX, em escala cada vez maisacentuada ao longo de seu transcurso, parece nãohaver qualquer possibilidade de desenvolvimentoeconômico-social, político e cultural autônomo,nacional, independente, soberano. A reproduçãoampliada do capital, compreendendo a concentra-ção e a centralização, o desenvolvimento das forçasprodutivas e das relações de produção em escalamundial, tudo isso reduz drasticamente, ou mesmoelimina, qualquer possibilidade de projetos nacio-nais. Isto é, qualquer projeto nacional somentepode ser proposto e realizado a partir do patamarestabelecido por uma economia política de âmbitomundial”.

Contudo, não foram somente os projetos na-cionais de desenvolvimento, que buscavam umdesenvolvimento autônomo, que ruíram em suamaior parte. As experiências de desenvolvimentoassociado, particularmente aquelas baseadas noreceituário neoliberal, também se mostraram catas-tróficas. O caso da Argentina é emblemático. Essasconsiderações levam-nos a indagar se o desenvol-vimento para os países periféricos não seria umamera ilusão, como sugere Arrighi (1997).

Para o referido autor, o sistema capitalista es-

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trutura-se em três categorias quanto ao desenvol-vimento (centro, periferia e semiperiferia). Elebusca mostrar, com base na distribuição do PNB(Produto Nacional Bruto) per capita, que, nos úl-timos 60 anos, não ocorreram alterações signifi-cativas na distribuição dos países entre essas trêscategorias. Verifica-se uma grande estabilidade emcada uma delas, e as exceções confirmariam aregra. Os casos mais relevantes seriam o do Japãoe o da Itália, que teriam passado da semiperiferiapara o núcleo do sistema, e o da Coréia, que teriapassado da periferia para a semiperiferia. A cadaalteração na distribuição dos países pelascategorias, as estruturas da economia mundialficariam mais rígidas, dificultando sobremaneiranovos deslocamentos. Para o conjunto dos paísespobres não haveria alternativa (idem).

Essas observações sugerem não haverpossibilidade de desenvolvimento para os paísespobres dentro do capitalismo. Conclusões dessetipo não representam, contudo, novidade alguma.André Gunder Frank (1980), entre outros, já nosanos 1960 defendia que dentro do capitalismo ospaíses pobres estariam condenados aosubdesenvolvimento. Sem desconsiderar suasimportantes contribuições, os problemas dessasanálises preocupadas com as tendências de longoprazo, como as de Arrighi (1997), residem no fatode tornarem as estruturas sociais algo muito rígido,transformando a história em um processo semsujeito. Assim, o destino dos países periféricosseria determinado, em grande medida, peladinâmica das estruturas da economia mundial,deixando em segundo plano as determinaçõessociais, políticas, econômicas e culturais, assimcomo as lutas sociais internas a cada país, quetambém são de suma importância para enten-dermos a situação dessa região. As exceçõeslevantadas por Arrighi – Itália, Japão e Coréia –são importantes demais e mereceriam um estudomais detido que comparasse suas trajetórias e quedesse conta da intrincada articulação das dimen-sões internas e externas do problema do desen-volvimento.

O aumento da miséria em escala mundial,embora corrobore as conclusões de Arrighi,obriga-nos a refletir mais detidamente acerca daspossibilidades históricas de desenvolvimento naatual fase do capitalismo.

Nos últimos 25 anos, justamente quando nau-fragaram os programas de desenvolvimento,

aprofundou-se a distância que separa as regiõesricas das subdesenvolvidas. O avanço de algunspaíses periféricos nas décadas de 1950-1970, queparecia sugerir, à época, uma redução dessadistância, retrocedeu nas duas décadas seguintes.Para os coevos, contudo, parecia que, pelo menospara alguns países subdesenvolvidos, apossibilidade de superar o atraso e a miséria erapalpável. Entretanto, confirmou-se a tendência dedesenvolvimento desigual e combinado do sistemacapitalista1.

Fiori (1999, p. 13-14), com base em um rela-tório da UNCTAD (Conferência das Nações Unidaspara o Comércio e o Desenvolvimento) que mostrao aumento das desigualdades entre os países desen-volvidos e os em desenvolvimento, e também den-tro de cada um desses blocos, afirmou: “Em 1965,a renda média per capita dos 20% dos habitantesmais ricos do planeta era 30 vezes maior que ados 20% mais pobres (U$ 74 contra U$ 2 281),enquanto em 1980 essa diferença já havia puladopara 60 vezes (U$ 284 contra U$ 17 056). A rendaper capita dos latino-americanos, por exemplo,que em 1979 correspondia a 36% da renda percapita dos países ricos, baixou para 25% em 1995.Até o fim da década de 1970, três países naAmérica Latina mantiveram crescimento da suarenda per capita: Brasil, Colômbia e México. Mas,a partir de 1980, o crescimento destes paísesdespencou e eles perderam as posições que haviamconquistado em termos de participação na rendamundial. No caso do Brasil, por exemplo, as taxasmédias de crescimento do seu PIB (ProdutoInterno Bruto) per capita passaram de 6% nadécada de 1970 para 0,96% na década de 1980 ealgo em torno de 0,6% entre 1990 e 1998 [...].Essa evolução perversa adquiriu novas dimensõesa partir de 1985, com a aceleração exponencial doprocesso de ‘financerização’ acompanhado desucessivas crises, cada vez mais freqüentes e com

1 Arrighi (1997, p. 59), comparando o PNB per capita dediversas regiões do mundo com o PNB per capita do núcleoorgânico do capitalismo (países desenvolvidos), mostra atendência de aumento das desigualdades mundiais. Em 1960,o PNB per capita da América Latina correspondia a 14,4%PNB per capita do núcleo orgânico; subiu para 19,8%, em1980, e caiu para 10,6% em 1988. A situação da Áfricasubsaariana é pior: em 1960, o PNB per capita da regiãorepresentava 5,1% do do núcleo orgânico e caiu para 2,5%em 1988.

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efeitos cada vez mais devastadores sobre as eco-nomias da periferia capitalista mundial [...]. A sim-ples competição intercapitalista em mercadosdesregulamentados e globalizados não assegura odesenvolvimento, nem muito menos a convergên-cia entre as economias nacionais do centro e daperiferia do sistema capitalista mundial”.

A questão do incremento das desigualdadessociais em escala mundial é, sem dúvida, bastantecomplexa e não pode, de maneira simplista, serreduzida ao incremento da desigualdade entre re-giões pobres e ricas do mundo. O aumento damiséria não é apenas observado nas regiões peri-féricas, mas também ganhou relevância em vári-as regiões nos próprios países que compõem onúcleo do sistema capitalista (ALTVATER, 1995;HOBSBAWM, 1995). Muitos autores, entre elesCastoriadis (1982), consideravam, até há poucotempo atrás, com base na experiência da chamada“Era de ouro” do capitalismo (1945-1973), queesse problema estaria superado nos países desen-volvidos, mostrando que o sistema capitalistapoderia vencer a pobreza. Estavam enganados. Ascontradições e desigualdades, que estão presentesde forma marcante em um mundo cada vez maisintegrado, também aparecem no interior de cadapaís e de cada cidade do mundo. Mesmo no centrodo sistema. Ou seja, o contraste entre os ricos eos pobres presente em quase toda grande cidadedo mundo é similar ao que se manifesta entre asregiões pobres e ricas do planeta.

“No Harlem a expectativa de vida média éinferior à de Bangladesh: ali, somente 40% dapopulação masculina atinge 65 anos, enquanto emBangladesch são 55%. Los Angeles é consideradasimultaneamente uma pomopolis (postmodern city)e uma capital do Terceiro Mundo com todas ascontradições e os conflitos correspondentes [...].O contraste entre o rico e o pobre em quase todaa ‘cidade global’ se reproduz na aldeia global, entreNorte e Sul [...]. O mundo unificado é um mundodividido” (ALTVATER, 1995, p. 24-25).

O aprofundamento da miséria, do desempre-go e das desigualdades sociais vincula-se intima-mente à relativa fase de estagnação vivida pelocapitalismo desde a crise de 1973. Se comparar-mos a média anual das variações do PNB dos setepaíses mais ricos do mundo, podemos verificaruma nítida tendência para o declínio da atividadeeconômica: 1960-1973: 4,8%; 1972-1979: 2,8%;

1979-1990: 2,5%, e 1990-1996: 1,6% (FIORI,1999, p. 12-13). É óbvio que ocorreram exceções:o caso do bom desempenho da economia norte-americana na década de 1990 é ilustrativo. O de-sempenho dos países pobres acompanhou essatendência. Nas regiões pobres, no entanto, as con-seqüências sociais e econômicas foram mais da-nosas em virtude da frágil estrutura econômica eda inserção subordinada desses países na econo-mia mundial. Mas isso não significa que seja, comoveremos, a única razão para a estagnação eco-nômica de vastas áreas da periferia e para o au-mento do fosso entre as regiões pobres e ricas domundo. O PIB latino-americano cresceu em mé-dia por ano 5,5% na década de 1960 e 5,6% nadécada seguinte. Entre 1981 e 1990, esse cresci-mento foi de 0,9%. Entre 1990 e 1997, o cresci-mento médio anual do PIB foi de 3,3% (CANO,1999, p. 294-311). Em parte, como resultado dessequadro, observa-se relevante incremento das ta-xas de desemprego. Segundo Pochmann (1999,p. 39), estima-se que, de uma população econo-micamente ativa de 2,5 bilhões de pessoas em todoo mundo, cerca de 35% encontra-se desempre-gada ou subempregada.

A razão fundamental para o comportamentodeclinante da economia mundial nas últimasdécadas parece residir, como aponta Chesnais(1998, p. 18), na queda das taxas de investimentosnas principais economias do mundo a partir demeados da década de 1970. A diminuição no ritmoda acumulação de capital significa que o sistemanão consegue produzir valor e mais-valia capazde sustentar a valorização do capital, embora asgrandes empresas tenham recuperado alucratividade a partir de meados da década de1980. Não é de se estranhar, portanto, o contínuoinchaço dos mercados financeiros globais.

Ultrapassaria os limites do presente artigo dis-cutir detalhadamente as razões do baixo dinamis-mo do capitalismo nas últimas décadas. De ma-neira sintética, parece que tal desempenho decor-re de uma crise geral da sociedade capitalista, ini-ciada no final dos anos 1960 e que abriu uma fasede “crise continuada” (HOBSBAWM, 1995, p.393-420).

De um lado, como assinalam Chesnais (1998,p. 18-19) e Brenner (1999, p. 37-47), o capitalis-mo entrou em uma crise de superprodução a par-tir do início dos anos 1970, que teria se tornado

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crônica2. O forte incremento da produção e dacapacidade produtiva mundial, decorrente, emparte, da entrada maciça de produtos alemães ejaponeses no mercado mundial a partir do inícioda década de 1960, ao incrementar a concorrên-cia intercapitalista, acabou afetando a lucratividadedas empresas e gerou capacidade ociosa acimada planejada. Agravando a situação, o ímpeto domovimento sindical empurrava para cima os salá-rios, impedindo que os capitalistas recompuses-sem a lucratividade por meio do arrocho salarial.A economia norte-americana foi a mais afetada. Asua perda de competitividade contribuiu sobrema-neira para minar a posição do dólar, comprome-tendo os acordos de Bretton Woods. Dessa forma,sobrepôs-se à crise de superprodução a crise dosistema financeiro internacional.

De outro lado, entre meados dos anos 1960 emeados dos anos 1970, aprofundou-se o conflitosocial na Europa, com o avanço das forças deesquerda. Os EUA também foram varridos porfortes movimentos de contestação social. Flores-

cia uma cultura anticapitalista. Surgiram váriosmovimentos sociais setoriais, alternativos aos bu-rocratizados movimentos da esquerda tradicional,que lutavam pelos interesses de minorias especí-ficas. Na periferia, os EUA foram derrotados noVietnã e os movimentos nacionalistas e de esquerdapareciam tomar conta da região. Os produtoresde petróleo, como desdobramento da Guerra doYom Kippur, impuseram um choque nos preçosdo produto, eliminando um dos pilares que sus-tentaram a fase áurea de crescimento econômicocapitalista (FIORI, 1999, p. 34-38). A União So-viética parecia, nesse contexto, ganhar terreno.Muitos contemporâneos sonhavam com o fim pró-ximo do capitalismo, ou, pelo menos, da hegemo-nia norte-americana. A possibilidade de profundastransformações sociais à época era palpável.

Entretanto, as possibilidades de revolução so-cial em pouco tempo se dissolveram no ar. A par-tir da crise de 1973, a correlação de forças pas-sou a pender gradativamente para o lado dos con-servadores. Embora não caiba aqui discutirmosesse ponto em detalhe, dados os limites deste arti-go, é preciso, mesmo que de maneira demasiada-mente esquemática, assinalar o início de uma rea-ção capitalista naquele momento. No embate comos trabalhadores, dadas as circunstâncias sociais,políticas, culturais e econômicas do momento, ossetores capitalistas acabaram levando a melhor efizeram prevalecer os seus interesses3. Os gran-des capitalistas, associados principalmente aosgovernos conservadores dos EUA, da Grã-Breta-nha e da Alemanha, buscaram reorganizar o siste-ma para enfrentar a contestação social, o avançodo socialismo soviético e a crise econômica.

A superprodução não levou a uma crise quequeimasse o excesso de capital, recompondo as-sim as suas condições de valorização. Contudo, aofensiva da burguesia contra a classe trabalhado-ra fez-se presente como no passado, buscandorecompor a taxa de exploração e, dessa forma, arentabilidade. A reestruturação produtiva e adesregulamentação do mercado de trabalho são,em parte, aspectos dessa ofensiva dos capitalis-tas contra os trabalhadores. Sem dúvida que a criseeconômica, a elevação do desemprego, a burocra-tização dos partidos de trabalhadores e dos sindi-

2 Em um contexto dominado pela oligopolização dos prin-cipais setores da economia, que foram dominados por em-presas gigantes – sólidos blocos de capital –, a destruição docapital excedente parece cada vez mais difícil, estendendoassim a duração das crises, como já tinha ficado evidente naGrande Depressão dos anos 1930. Segundo Brenner (1999,p. 37-47), a superprodução tem persistido, até hoje, devidoa uma série de fatores: 1) a existência de enormes montantesde capital fixo não totalmente depreciados em vários ramosde produção. Seria irracional destruir esse capital já pagoenquanto fosse possível auferir retornos razoáveis sobre ocapital circulante; dessa forma, as empresas não saem dosramos em superprodução; 2) as grandes empresas que domi-nam os mercados mundiais possuem vasta experiência emseus ramos e, portanto, um enorme capital intangível (cone-xões com fornecedores e consumidores e conhecimentotecnológico), que as levam a permanecer nos ramos em queatuam e a reinvestir pelo menos parte dos lucros nesses mes-mos setores; 3) a existência de monopólios tecnológicos per-mite às empresas auferir temporariamente taxas de lucroselevadas, desestimulando a saída do setor; 4) a relativa es-tagnação (reduzidos aumentos de investimentos e salários)restringe o crescimento mais acelerado de novas linhas deprodutos que poderiam atrair maiores montantes de investi-mentos, e 5) a Alemanha e particularmente o Japão (nasdécadas de 1970 e 1980) e os países do leste asiático (1970-1997), continuaram a investir pesadamente, contando comas vantagens da associação de mão de obra barata com altatecnologia, e abocanharam crescentes parcelas do mercadomundial, embora agravassem a crise de superprodução glo-bal. Todos esses fatores parecem dificultar sobremaneira asolução da crise de superprodução.

3 Cabe mencionar, no entanto, que muitos movimentos se-toriais, que floresceram a partir daquela época, como o mo-vimento feminista, alcançaram expressivas vitórias.

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catos, a segmentação da classe trabalhadora, ofracasso das estratégias reformistas e a desilusãocom o socialismo soviético e posteriormente adebâcle da União Soviética contribuíram para al-terar a correlação de forças em favor da burgue-sia. Sem essa alteração teria sido impossível aimplementação da reestruturação produtiva, que,somada ao baixo crescimento, acabou gerando umenorme exército industrial de reserva, essencialpara dobrar os trabalhadores.

A resposta que as grandes empresas, os gran-des bancos, os fundos de investimento e pensão eimportantes governos deram à crise, como é am-plamente conhecido, foi, de um lado, procurar,no centro do capitalismo, desmontar o Estado deBem-Estar Social, que, juntamente com os sindi-catos, era considerado pelos neoliberais como araiz última da crise do capitalismo. O resultadofoi o redirecionamento dos fundos públicos, queoutrora eram direcionados para os gastos sociais,para a sustentação da valorização financeira docapital, sobretudo por meio da ampliação da dívi-da pública (OLIVEIRA, 1998, 223-230).

Na periferia, como veremos, buscou-se im-por políticas voltadas para o pagamento das dívi-das externas e, posteriormente, políticas voltadaspara a abertura e desregulamentação das econo-mias nacionais, o que contribuiu para o fim daspolíticas desenvolvimentistas até então em modana região. É óbvio que o resultado desses proces-sos não foi homogêneo, variando de país para paísde acordo com as lutas sociais internas, com asestratégias adotadas pelos diferentes governos ecom a situação geopolítica de cada país. Alguns,como a Coréia, conseguiram preservar uma mar-gem de manobra maior e continuaram a implemen-tar seus projetos de desenvolvimento. Hoje, sãoesses países que se encontram em melhor situa-ção e isso se deve, em parte, às decisões e às es-tratégias políticas adotadas por seus governos, queconseguiram reduzir a vulnerabilidade externa.

De outro lado, os capitalistas buscaram espa-ços mais amplos e desregulamentados de acumu-lação, além de reestruturar e reorganizar a produ-ção. A constituição de oligopólios internacionaisem importantes setores, a ampliação da aberturadas economias nacionais, a formação de merca-dos regionais, a utilização intensa de novastecnologias, a organização de processos produti-vos mais flexíveis, a redução da força de trabalhoempregada, a introdução de vínculos variados e

relativamente frouxos entre o trabalhador e a em-presa, a realocação espacial entre alguns paísesde vários segmentos produtivos e a marginalizaçãode inúmeras regiões caracterizam o atual momen-to. Essas mudanças se deram sob a égide do libe-ralismo, que ressurgiu das cinzas depois de umlongo inverno, sob o rótulo de neoliberalismo.

Outro elemento essencial para entendermos areação do grande capital à crise foi a tentativa derecompor, a partir do governo Reagan, a hege-monia norte-americana, que estava em questão nosanos 1970, depois da derrota no Vietnã, do avan-ço de movimentos nacionalistas e socialistas nochamado Terceiro Mundo e do avanço das forçasde esquerda no próprio núcleo do sistema. A polí-tica do dólar forte, a desregulamentação dos mer-cados, a intensificação da Guerra Fria, que seriaum dos fatores do posterior colapso da União So-viética e o ataque às “indisciplinas” de vários paí-ses subdesenvolvidos completam esse quadro(FIORI, 1999, p. 49-83).

Nesse contexto, abriu-se espaço para a prepon-derância de um capital financeiro rentista com aconsolidação de um mercado de câmbio, de capi-tais e de títulos de âmbito mundial (CHESNAIS,1996, p. 237-322). Esse capital rentista, inchadosistematicamente pelos capitais formados na pro-dução, mas que não encontram aí condições favo-ráveis de valorização, é muito sensível a qualqueralteração nas variáveis reais da economia. O in-cremento da inflação, os desequilíbrios mais acen-tuados das contas externas ou das contas do gover-no e a queda da rentabilidade das empresas podemacarretar intensos movimentos de fuga de capitais,o que pressiona os Estados a adotar políticas or-todoxas, visando a controlar a demanda agregadae assim a evitar pressões inflacionárias e desequilí-brios externos e fiscais que poderiam levar a re-pentinas mudanças cambiais.

Esse processo tende a pôr em questão a capa-cidade de os Estados controlarem suas economi-as na medida em que o capital financeiro buscaimpor políticas de abertura das economias nacio-nais e políticas deflacionistas. A existência de ummercado financeiro global, sem coordenação e sempadrão monetário estável, coloca difíceis proble-mas para países subdesenvolvidos adotarem polí-ticas de desenvolvimento (COUTINHO, 1996, p.219-238). Isso não significa, porém, que os paí-ses devam adequar-se passivamente à chamadaglobalização nem que esse processo atinja de ma-

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neira homogênea e integradora o conjunto do pla-neta.

A perda de graus de liberdade na definição dapolítica econômica por parte dos Estados dependeda situação econômica, social e política de cadapaís. Os EUA parecem não sofrer maiores cons-trangimentos. Em situação diversa encontram-seos países da América Latina ou da África. Esseaspecto também depende da posição ideológicade cada governo. Muitos governos atuam comoagentes da globalização, criando “vantagenscomparativas”, desregulando a economia e agindocomo parceiros das grandes empresas multina-cionais. A diversidade de respostas à nova situaçãoda economia mundial aponta para a necessidadede estudos de caráter histórico comparativo queabordem as experiências particulares, o quepermitiria aprofundarmos nossa compreensãosobre o assunto.

A utopia liberal de uma economia baseada emmercados auto-regulados continua sendo umamiragem. O capitalismo não vive sem uma fortepresença estatal na economia. Observam-semudanças nas formas dessa intervenção. Verifica-se, por exemplo, uma alteração na natureza dogasto público. Observa-se também a redução dosgastos sociais em nome do controle do déficitpúblico e da inflação, ao mesmo tempo em queocorre uma explosão da dívida pública, relaciona-da, em grande medida, à sustentação da especula-ção financeira. Os mercados, mesmo o exterior,continuam sendo regulados pelo Estado, emborao livre comércio tenha avançado.

A constituição de uma economia mundial cadavez mais integrada, delineada a partir da segundametade da década de 1970, abarcou inicialmenteo núcleo do sistema capitalista (Europa Ocidental,Japão e EUA) e mais alguns outros países,particularmente os “tigres asiáticos” e a China.Até o final dos anos 1980, os fluxos de capitais, aintrodução de novas tecnologias, a reestruturaçãoorganizacional da produção e dos processos detrabalho concentraram-se nessas regiões (ibidem).Muitas outras permanecem à margem dessesprocessos.

III. O PREDOMÍNIO DO CAPITAL FINAN-CEIRO E OS OBSTÁCULOS AO DESEN-VOLVIMENTO

A questão que nos preocupa é discutir maisdetidamente a relação entre a mundialização do

capital e o bloqueio ao desenvolvimento na maio-ria dos países subdesenvolvidos. É óbvio que nãopretendemos esgotar o problema. Os projetos dedesenvolvimento voltados para uma industrializa-ção com autonomia nacional, que proliferaramcom maior ou menor sucesso na periferia dosistema capitalista desde o final dos anos 1930,parece que tiveram, em muitos casos, sua últimachance na década de 1970. As condições pareciampropícias. De um lado, a hegemonia norte-ame-ricana estava em questão depois da derrota noVietnã e do desmoronamento do sistema monetáriointernacional estabelecido em Bretton Woods. Deoutro, os movimentos de esquerda e/ounacionalistas pareciam avançar de modo irresistívelpela periferia e os trabalhadores conquistavam cadavez mais espaço nos países mais desenvolvidos.Também florescia uma cultura de contestação dasociedade burguesa. O preço das matérias-primasvinha subindo persistentemente. Esses eventosindicavam existir, à época, uma possibilidade deromper com o subdesenvolvimento. Não se podiaprever que em poucos anos o quadro mudariasubstancialmente.

Muitas forças políticas sonhavam ainda poderconstruir sociedades modernas com autonomiaatravés da industrialização e manter a independên-cia nacional por meio de políticas de não-alinha-mento com os blocos dominantes do Ocidente oudo Leste. E isso, naquele momento, parecia ple-namente factível. Predominavam políticas deplanejamento econômico visando a uma rápidaindustrialização tanto nos países socialistas comonos capitalistas. O governo militar brasileiro, porexemplo, lançou, em 1974, um megaprojeto deindustrialização centrado na ação estatal na eco-nomia, o II PND (Plano Nacional de Desenvolvi-mento), com o objetivo de completar a industria-lização brasileira. A Coréia também implementavaum largo planejamento visando a industrializar-se.Muitos países seguiam essa receita. Ou seja, “NaÁfrica, na Ásia e na América Latina iniciava-seuma renovada iniciativa de recuperação do atrasona industrialização” (ALTVATER, 1995, p. 13).

Um dos problemas centrais residia na questãode como países pobres, ou relativamente pobres,iriam financiar um salto quantitativo e qualitativoem suas economias de tal forma que fossem ca-pazes de superar o subdesenvolvimento, garan-tindo, ao mesmo tempo, a predominância do ca-pital nacional e a definição da política econômica

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a partir de interesses internos, pois é justamenteisso que caracteriza o desenvolvimento autônomo.Dada a existência de grande liquidez no mercadointernacional, muitos acreditaram ser possível fi-nanciar o desenvolvimento com base em créditosprivados externos, que seriam pagos com as recei-tas provenientes das exportações dos produtosprimários, cujos preços então estavam em ascen-são no mercado mundial. Além disso, com astransformações em curso em suas economias,passariam também a exportar produtos industriali-zados e diminuiriam as necessidades de financia-mento externo.

A questão é obviamente mais complexa, pois,desde os anos 1950, vários países da periferiavinham industrializando-se a partir de substancialcontribuição do capital estrangeiro, seja na formade empréstimos, seja na forma de investimentosdiretos. As empresas multinacionais já tinham fortepresença nas economias dos países mais desenvol-vidos da periferia, o que colocava de há muito emquestão as possibilidades de desenvolvimentosautônomos. É o caso típico do Brasil. Ou seja: aevolução da economia mundial após os anos 1950,caracterizada, entre outros aspectos, pela expan-são mundial das grandes empresas oligopolistasnorte-americanas, européias e japonesas pelomundo e pela crescente integração financeira ecomercial, colocava novas questões. Para algunsautores, como Benayon (1998), o crescente volu-me de investimento externo direto, ao criar cone-xões e alianças entre o capital estrangeiro e setoresdas classes dominantes e ao influir na definiçãodas políticas econômicas, limitava a possibilidadede desenvolvimento autônomo4.

Uma outra característica, presente em váriosprojetos de desenvolvimento, residia em umamudança de estratégia em relação ao período an-terior. Buscava-se desenvolver o país enfatizandoas exportações, como no caso da Coréia, que, emvirtude de sua dotação de fatores de produção,tentava fazê-lo desde os anos 1960. Mas é preci-so lembrar que esse país, especialmente na déca-da de 1950, também levou a cabo uma política deampla substituição de importações, que era maisconsistente que as implementadas na AméricaLatina, à medida que condicionava a proteção eos incentivos às metas de nacionalização e quali-dade do produto estabelecidas nos planos qüin-qüenais. As duas estratégias de desenvolvimentocaminharam juntas. A Coréia seguiu esse caminhomantendo forte presença do Estado na economiae privilegiando o capital nacional, criando ascondições para constituição de fortes empresasnacionais, os chamados chaebols, grandes conglo-merados de capital.

Muitos autores, entre eles Goldenstein (1994),ressaltam que a posição da Coréia na Guerra Friateria sido fundamental para entendermos o seudesenvolvimento, pois a ajuda financeira norte-americana e o acesso privilegiado aos mercadosdos EUA e do Japão teriam sido peças importantesdaquele processo. Ao ressaltarem esse ponto,acabam criticando análises que enfatizam asdeterminações internas na compreensão do desen-volvimento, como as realizadas por Mello (1982)e Tavares (1986) para o caso do Brasil. A críticade Goldenstein é, sem dúvida, relevante, mastemos que tomar cuidado para não cairmos naposição oposta, que só vê as possibilidades dedesenvolvimento como que determinadas funda-mentalmente pelas forças externas, pois conside-ramos que o desenvolvimento só pode ser enten-dido se levarmos em conta as múltiplas e com-plexas condições internas e externas5.

4 Como mostrou Francisco de Oliveira (1989, p. 76-113), oPlano de Metas, rompendo com o projeto de Vargas deenfatizar o desenvolvimento da infra-estrutura e da indús-tria de bens de produção, buscou implantar um padrão deacumulação de capital calcado na produção de bens de con-sumo duráveis, o que estava de acordo com os interesses dasempresas multinacionais à época, que almejavam penetrarnos fechados mercados da periferia justamente nesse setor.De repente, problemas que se arrastavam por décadas foramresolvidos. “Essa inversão restaurou [...] um padrão de rela-ções centro-periferia num patamar mais alto da divisão in-ternacional do trabalho do sistema capitalista, instaurandopor sua vez – e aqui constitui sua singularidade – uma criserecorrente de balanço de pagamentos, que se expressa nacontradição entre uma industrialização voltada para o mer-cado interno mas financiada ou controlada pelo capital es-trangeiro e a insuficiência de geração de meios de pagamentointernacionais para fazer voltar à circulação internacional.

Em outras palavras, esse tipo de crise é radicalmente distintoda crise tradicional dos balanços de pagamentos das economi-as dependentes, pois o padrão agroexportador das fasesanteriores gerava, ao produzir a mercadoria exportável, osmeios de pagamento do capital internacional; as crises dessepadrão eram, rigorosamente, crises da circulação internacio-nal de mercadorias. Agora, sob o novo padrão, as crises são decirculação internacional do dinheiro-capital” (idem, p. 87).5 A ênfase de Conceição Tavares (1986, p. 102-108 et passim)nas determinações internas é clara: “Nossa proposição [...]privilegia [...] os aspectos internos do movimento de acumu-lação do capital, pondo ênfase no andamento cíclico carac-

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Façamos um paralelo com o caso brasileiro. OII PND representou para uns uma ambiciosa epara outros uma irrealista tentativa feita pelogoverno Geisel visando a completar a industrializa-ção brasileira por meio do desenvolvimento dossetores de máquinas, siderúrgico, petroquímico,informática, nuclear, alumínio, papel e celulose edo desenvolvimento da infra-estrutura de trans-portes, energia e comunicações. Esse ambiciosoplano, que pretendia transformar o Brasil em umapotência, tinha, no entanto, pés de barro, pois nãocontava com o apoio de parte significativa dasclasses dominantes e nem das multinacionais, àmedida que implicava priorizar o departamentoprodutor de meios de produção em detrimento dodepartamento de bens de consumo duráveis, comovinha acontecendo desde o Plano de Metas. Parteconsiderável da burguesia brasileira associada aocapital estrangeiro não via com bons olhos essamudança, que feria os seus interesses e os de seussócios. Além disso, dada a inexistência de um mer-cado financeiro e de capitais robustos ou de outrosesquemas internos de financiamento consistentes,não restava alternativa senão recorrer ao capitalexterno para financiar o plano (FIORI, 1995, p.57-84). A dívida externa brasileira, entre 1970 e1980, cresceu de US$ 5,3 bilhões para US$ 53,9bilhões. Embora parte considerável desse cresci-mento tenha tido um caráter meramente financei-ro, parcela não desprezível financiou o II PND(CRUZ, 1984, p. 11-27; CASTRO & SOUZA,1985, p. 11-97).

Essa saída contribuiu sobremaneira para en-

veredar o Brasil no caminho de um processo deendividamento externo que, anos mais tarde, junta-mente com a crise fiscal do Estado e a exacerbadaelevação da inflação (processos também vinculadosao endividamento externo), acabaria sufocando aeconomia brasileira6. Desta maneira, essa saídapôs fim ao modelo de desenvolvimento perseguidodesde os anos 1930, ao Estado desenvolvimentistaque o sustentava e talvez a possibilidade de umdesenvolvimento mais extenso. A possibilidade deum desenvolvimento autônomo tinha, aparente-mente, ficado para trás, nos idos do Estado Novo(CORSI, 2000, p. 51-194).

O Brasil não foi o único a seguir esse cami-nho. As dívidas externas de toda a periferia cres-ceram assustadoramente nessa década: na Améri-ca Latina de US$ 16 bilhões para US$ 130 bilhõesentre 1970 e 1980; na África e Oriente Próximo,de US$ 9 bilhões para US$ 97 bilhões; na EuropaOriental, de US$ 3 bilhões para US$ 47 bilhões;na Ásia, de US$ 17 bilhões para US$ 83 bilhõesno mesmo período (ALTVATER, 1995, p. 13-14).A crise da dívida, que acabou configurando-se nosanos 1980, jogou boa parte da periferia na estagna-ção econômica, o que deteriorou ainda mais a já

terístico das estruturas industriais que incorporam empresasnacionais, públicas e estrangeiras com poder desigual de acu-mulação”. Em relação ao aparente grau de autonomia noperíodo, afirmou: “Essa maior autonomia não se deve, aonosso juízo, nem ao nacionalismo de Vargas, nem a umapossível ‘hegemonia’ da burguesia industrial nacional. Signi-fica, sobretudo, a impossibilidade de articular o processo deacumulação interna com a entrada de capital estrangeironovo” (idem, p. 108). Acerca desse ponto, concordamos, emparte, com as críticas de Lídia Goldenstein (1994) a essacorrente. Essa autora, ao comentar o debate econômico dosanos 1970, particularmente as obras inspiradas em visõespróximas às de Conceição Tavares, assinalou: “[...] a preocu-pação com a ‘dinâmica interna’ acabou eclipsando a ‘dinâ-mica externa’ e comprometeu as conclusões. A análise domovimento do capital internacional foi relegada a um planosecundário e a estrutura industrial dos países avançados to-mada como paradigma, um modelo estático a ser alcançado.Criou-se, assim , uma ilusão sobre os limites da nossa indus-trialização” (idem, p. 48).

6 A política de endividamento externo, particularmente aestatização da dívida externa, levada a cabo pelos dois últi-mos governos militares, contribuiu bastante para o cresci-mento explosivo da dívida interna, em virtude do seguinte:1) implicava crescente emissão de títulos públicos para neu-tralizar o aumento do meio circulante decorrente doendividamento necessário para fechar o balanço de paga-mentos, objetivando, com isso, não alimentar o processoinflacionário, e 2) a crescente emissão de títulos visando acobrir os gastos decorrentes das resoluções que possibilita-vam às empresas privadas protegerem-se de desvalorizaçõesdo câmbio. Essa política também contribuiu para asfixiarfinanceiramente as empresas estatais, obrigadas a endivida-rem-se no exterior para ajudar a fechar as contas externas.Esse processo, somado à política pouco criteriosa de subsídi-os e à política de juros altos, que exacerbava ainda mais ocrescimento da dívida interna, acabou gerando uma crisefiscal do Estado. A explosão da inflação a partir do iníciodos anos 80 também vinculava-se ao problema da dívidaexterna, pois as maxidesvalorizações da moeda, observadasno período, que tanto impacto tiveram sobre a inflação,visavam a melhorar a competitividade das exportações bra-sileiras, ponto importante no quadro de deterioração dosetor externo da economia brasileira O explosivo endi-vidamento interno e externo corroeu o esquema interno definanciamento da acumulação, baseado sobretudo em fundospúblicos, inviabilizando a forma de desenvolvimentocentrada no Estado (CRUZ, 1984; OLIVEIRA, 1998).

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grave situação social dessa região, e pôs fim àmaioria dos projetos de desenvolvimento.

Esse desfecho não pode ser entendido sem le-varmos em conta as transformações em curso naeconomia capitalista no período. Em primeiro lu-gar, grande parte dos empréstimos contraídospelos países subdesenvolvidos ocorreu nos cha-mados euromercados de dólares a juros flutuantes.Esses mercados foram os precursores do mercadofinanceiro global. Surgidos na década de 1960,no bojo da crise do sistema monetário internacio-nal, eram mercados supranacionais, fora do con-trole das autoridades monetárias de qualquer país,que se expandiram aceleradamente depois da crisedo petróleo em 1973 com os chamados petro-dólares. A sua capacidade de criar liquidez tornouos créditos internacionais baratos e abundantes, oque acabou induzindo muitos governos a endivi-darem-se até o pescoço.

Quando no final dos anos 1970, o governoReagan, preocupado com os enormes déficits ex-ternos norte-americanos e buscando recuperar asupremacia dos EUA, então em xeque, imple-mentou uma política de fortalecimento do dólarpor meio da majoração acentuada das taxas dejuros, que subiram de um patamar de 6% ao anopara cerca de 20%, ao mesmo tempo em que leva-va a cabo, juntamente com o governo inglês, adesregulamentação dos mercados financeiros e decapitais, a situação dos países periféricos deterio-rou-se rapidamente. Os serviços da dívida sofre-ram forte aumento, o que levou muitos países aendividarem-se ainda mais para pagarem as dívidascontraídas anteriormente, gerando assim um cres-cimento financeiro das mesmas. Esse processolevou a periferia a uma situação de insolvênciageneralizada. A crise da dívida iniciada no México,em 1982, rapidamente atingiu inúmeros outrospaíses.

Entre 1980 e 1990 as dívidas da periferia cres-ceram assustadoramente: na América Latina, deUS$ 130 bilhões para US$ 319 bilhões; na África,de US$ 97 bilhões para US$ 257 bilhões; na Ásia,de US$ 87 bilhões para US$ 264 bilhões, e noLeste europeu, de US$ 47 bilhões para US$ 140bilhões. Paralelamente, observou-se o declínio dospreços dos produtos primários em relação aos dosprodutos industrializados no mercado mundial, emvirtude da crise aberta pela política de juros altosdos EUA. Queda que já vinha se delineando desdea década anterior com a crise de superprodução.

Entre 1980 e 1990, os preços dos produtos manu-faturados subiram 36,8%, enquanto os dos pro-dutos minerais caíam 37,7% e os dos agrícolas40%. Isso dificultava sobremaneira o pagamentodas dívidas externas (ALTVATER, 1995, p. 14).

Boa parte dos países endividados, como o Brasil,entrou em um período de estagnação. A adoçãode políticas recessivas, inspiradas ou impostaspelo FMI – que só podem ser entendidas a partirda interação do quadro internacional com a situa-ção social e política desses países – levou as suaseconomias a girar em torno do pagamento dasdívidas externas, do combate à inflação e da crisefiscal do Estado. O emprego de políticas recessi-vas, baseadas no corte do gasto público, no arro-cho dos salários, no corte do crédito, no apertomonetário e na desvalorização da moeda, resultouem estagnação econômica e agravamento dainflação e da crise fiscal do Estado, embora melho-rasse a situação das contas externas, permitindoo pagamento dos juros das dívidas. Preservavam-se, assim, os interesses dos credores estrangeiros.Dessa forma, inviabilizou-se o desenvolvimentode boa parte da periferia, que passou a ser expor-tadora de capitais para o centro. Segundo dadosapresentados por Cano (2001, p. 23-41), a AméricaLatina exportou, na forma de remessas de juros eamortizações da dívida externa na década de 1980,cerca de US$ 200 bilhões – recursos que contri-buíram para sustentar a valorização do capitalfinanceiro no período.

Mesmo países como o Brasil, que já não eramexportadores de produtos primários e, portanto,tinham uma pauta de exportação diversificada, nãoconseguiram sair desse círculo de ferro. Os paísesdo leste asiático conseguiram fugir dessa situaçãoe acelerar o seu desenvolvimento até meados dadécada de 1990, quando também entraram emcrise, em virtude de uma série de peculiaridades:1) estratégias de desenvolvimento voltadas paraas exportações criaram uma economia mais com-petitiva e avançada tecnologicamente; 2) políticaslevadas a cabo em períodos anteriores consegui-ram criar fortes grupos nacionais e consistentesesquemas de financiamento interno (caso da Co-réia); 3) o preço das suas exportações não caiu noperíodo; 4) o endividamento externo não foi tãodramático; 5) essas economias conseguiram esta-belecer fortes vínculos com a economia japone-sa, que então crescia a altas taxas. Dessa forma,essas economias não ficaram alijadas do mercadofinanceiro internacional e não sofreram grandes

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carências de capitais para financiar seu desenvol-vimento, podendo, então, acompanhar asprofundas transformações em curso na econo-mia capitalista (COUTINHO, 1999, p. 219-235).

A América Latina, como assinalou Coutinho(1996, p. 219-238), ao contrário dos países dosudeste asiático, não se integrou a essas mudançasno período. As razões disso residem no fato de aregião ter mergulhado, a partir de 1982, em umafase de estagnação, marcada por baixos índicesde crescimento, graves crises inflacionárias e gra-ves problemas de endividamento externo. A pre-dominância de governos conservadores impediu,naquele momento, uma ruptura com o grandecapital internacional. Nessas circunstâncias, ospaíses latino-americanos, de um lado, não desper-tavam interesse do grande capital – que, aliás, nãoestava disponível em virtude da crise do endivi-damento externo – e, de outro lado, não tinhamcondições de implementar com um maior grau deautonomia programas de desenvolvimento paraincorporar as novas tecnologias e enfrentar as mu-danças em curso na economia mundial. De maneirageral, os modelos de desenvolvimento perseguidosdesde pelo menos os anos 1930 pareciam esgo-tados.

Para a América Latina a situação começouaparentemente a mudar no início da década de1990, quando o Japão, a Europa Ocidental e osEUA entraram em crise, o que para as duas pri-meiras regiões abriu um período de estagnação ebaixo crescimento econômico, respectivamente.A falta de boas oportunidades de investimento,associada à queda das taxas de juros dos paísescentrais, gerou um volume significativo de capitaisávidos por melhores condições de valorização emoutras regiões do mundo. A América Latina entãovoltou a chamar a atenção das grandes empresase do capital financeiro (ibidem).

Concomitantemente a esses acontecimentos,como assinalou Fiori (1997, p. 11-23), no FMI,no Banco Mundial, no Banco Interamericano deDesenvolvimento e no mundo acadêmico travava-se um intenso debate acerca das políticas deestabilização das economias latino-americanas.Chegou-se à conclusão de que as políticas orto-doxas recomendadas pelo FMI e adotadas ao longoda década de 1980 tinham sido um fracasso,embora tivessem evitado uma onda de moratóriasdas dívidas externas. Tinham sido insuficientesparticularmente no tocante à redução da inflação

e à retomada do crescimento econômico. Essasdiscussões culminaram em seminários realizadosem Washington, em 1989. As conclusões dessesseminários, que ficaram conhecidas como o“consenso de Washington”7, propunham, ao ladode políticas de estabilidade econômica, um planode reformas para os países da região.

O esgotamento do modelo de desenvolvimen-to baseado na ampla ação do Estado na economiae em mercados nacionais relativamente fechadosseria, segundo essa visão, a causa básica dos gra-ves problemas econômicos enfrentados pelos paí-ses latino-americanos a partir dos anos 1980. Demaneira geral, esse modelo de desenvolvimentoteria desembocado em um sistema produtivo ine-ficiente e não competitivo e no que os liberaischamavam de populismo econômico. Ou seja, osgovernos latino-americanos teriam criado umterreno fértil para majoração de salários acima daprodutividade do trabalho, para a expansão deempresas ineficientes, para a alocação ineficientedos recursos públicos, para a corrupção desen-freada etc. Tudo isso feria a lei sacrossanta dateoria neoclássica segundo a qual os mercadosseriam a forma mais eficiente de alocar recursose tenderiam para o equilíbrio. Portanto, os dese-quilíbrios econômicos seriam, em última análise,fruto de desequilíbrios do setor público.

Vários planos de estabilização implementados

7 Esse termo já vinha sendo utilizado desde o final dadécada de 1980 por J. Williamson para designar o programaliberal de reformas que propunha para a América Latina(FIORI, 1997, p. 11-23). Em linhas gerais, as propostaseram as seguintes: 1) estabilização macroeconômica pelaadoção de planos monetários que atrelassem as moedas naci-onais ao dólar e de políticas monetárias, creditícias e fiscaiscontracionistas. Um dos pontos centrais seria a questão doajuste fiscal, que deveria obter-se por meio de um superávitprimário. A reforma dos sistemas de previdência social e areforma administrativa seriam fundamentais para alcançaressa meta; 2) introdução de reformas estruturais visando àabertura das economias nacionais, o que implicava reduçõesde tarifas e desregulamentação dos mercados financeiro e decapitais, e 3) redução da presença do Estado na economia,centrada em um vasto programa de privatização das empre-sas estatais. Considerava-se que só depois de implementadoesse conjunto de reformas seria possível retomar o cresci-mento de maneira mais sustentada. Considerava-se tambémque, para implementar programas dessa natureza, seriamprecisos governos estáveis e com larga base de sustentaçãopolítica e social, pois os ônus das reformas seriam pesadospara o grosso das populações dos países latino-americanos(ibidem; os próximos parágrafos baseiam-se nessa obra).

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na América Latina seguiram essas análises e dire-trizes. Assim, vários países latino-americanos con-tinuaram presos às amarras financeiras que vinhamdificultando o desenvolvimento desde a crise dadívida externa dos anos 1980. Foi o caso do Méxicoe da Argentina, que adotaram planos baseados emâncoras cambiais. Essa estratégia, que acarretavafortes déficits comerciais devido à valorização dasmoedas combinada com a maior abertura da eco-nomia, só foi possível graças à elevada liquidezinternacional e às baixas taxas de inflação nos paí-ses centrais no início dos anos 1990. Essas condi-ções conjunturais, que garantiam um fluxo volu-moso de recursos externos, eram intrinsecamenteinstáveis (TAVARES, 1999, p. 17-123).

O Plano Real também inspirou-se nessa estra-tégia e, com algum atraso, o Brasil ajustou-se àonda neoliberal. Esse atraso vinculava-se à situaçãopolítica do país na década de 1980. Uma guinadaneoliberal parecia difícil naquele momento, sobre-tudo devido ao intenso movimento social autô-nomo dos trabalhadores, centrado no movimentosindical combativo dos metalúrgicos do ABCpaulista, que culminou na criação do Partido dosTrabalhadores, e ao movimento pela redemocrati-zação do país. A Constituição de 1988 refletia, pelomenos em parte, esse contexto social, quecontrastava com o clima de recuo dos setores deesquerda vigente na maioria dos outros países daregião. O grosso da burguesia também não pareciaainda convicta da nova estratégia de desenvolvi-mento. Dessa forma, as políticas de ajusteneoliberais não tinham base de sustentação social.O ponto de virada parece ter sido a derrota deLuís Inácio Lula da Silva para Fernando Collor deMelo em 1989, que abriu espaço para o governoimplementar políticas neoliberais8.

A esse respeito Oliveira (1998, p. 169) assinalouque, “Ao lado do processo hiperinflacionárioconstante nos últimos dez anos, que elaborou umaespécie de pedagogia perversa, a contra-revolu-ção tresloucada de Collor mandou ‘pro brejo’ todaesperança de mudança social progressista, valedizer, mudança que tentasse varrer com as vastasdesigualdades. Instaurou-se – e a eleição do rei dokitsch já era seu indício mais forte, com o forteapelo messiânico de salvação – uma espécie deconservadorismo que pode resumir em mudançasocial regressiva, isto é, um anseio generalizado edifuso por estabilidade, segurança, ordem e, parcontre, o medo à mudança social progressista”.

A queda de Fernando Collor, no entanto, nãodeteve a virada conservadora. Fernando HenriqueCardoso, contando com uma base social maisampla graças à estabilização dos preços e com forteapoio das classes dominantes e do capitalestrangeiro, colocou em prática um vastoprograma de reformas inspiradas no ideárioneoliberal. Ao optar por políticas neoliberais, FHCcolocou, de forma subordinada, o Brasil na trilhada globalização.

No entanto, mais uma vez a realidade parecedesmentir as expectativas otimistas dosneoliberais. Embora esse novo programa tenha sidoadotado por vários países da região ao longo dosúltimos dez anos, eles não conseguiram retomaro prometido desenvolvimento. Pelo contrário, essespaíses vivem uma situação de estagnação crônicae de crises recorrentes toda vez que a economiamundial entra em um período de instabilidade9.

8 Sobre esse ponto ver Oliveira (1998, p. 157-223). Pode-mos destacar outros fatores que dificultavam sobremaneiraa integração ao processo de globalização: 1) o intenso pro-cesso inflacionário; 2) a crise fiscal do Estado, fruto, emgrande medida, do endividamento interno e externo; 3) aestagnação econômica decorrente da queda dos investimen-tos e da adoção de políticas recessivas; 4) a inexistência depolíticas voltadas para o desenvolvimento em virtude de apolítica econômica estar direcionada para o combate da in-flação e para o pagamento da dívida externa, e 5) a incapa-cidade de o governo articular internamente uma base socialsólida para políticas desenvolvimentistas. As fragilidades doBrasil decorriam também, segundo Coutinho (1996, p. 219-238), de problemas estruturais mais antigos, a saber: ainexistência de um consistente esquema de financiamentointerno, o que torna o avanço da acumulação de capital

demasiado dependente de financiamento externo ou gover-namental, em um momento em que essas alternativas mos-travam-se difíceis; o tamanho relativamente pequeno dasempresas brasileiras diante das gigantescas empresastransnacionais, o que dificultava a concorrência com essasempresas. O problema não se reduz à defasagem tecnológica:é também uma questão de solidez financeira e de capacidadede centralizar capital nas empresas nacionais.9 A taxa média de desemprego aberto para o setor urbano,na América Latina, passou de 5,9% da PEA (PopulaçãoEconomicamente Ativa), em 1990, para 7,9% em 1998.Mas essas cifras não dão conta da precarização do mercadode trabalho, tendo a informalidade saltado de 40%, em 1980,para 56% em 1995. Para essa região, em 1980, o nível de po-breza correspondia a 25% da população urbana e o de indi-gência a 9%. Em 1994, esses números eram respectivamente34% e 12%. Para a população rural os números são maisdramáticos: os pobres e indigentes, em 1994, correspondiama 55% e 33% respectivamente (CANO, 1999, p. 317-318).

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Os programas de estabilização baseados emâncoras cambiais jogaram esses países em umaarmadilha, pois se, de um lado, conseguiramdebelar o processo inflacionário, de outrodificultaram a retomada do desenvolvimento. Issoporque implicam altas taxas de juros, necessáriaspara atrair um volume crescente de capitais parafecharem os também crescentes déficits em suascontas externas, decorrentes da abertura comercialassociada à valorização das moedas locais, dopagamento dos serviços da dívida externa e doincremento das remessas de lucros, dividendosetc. A entrada maciça de produtos importados apreços relativamente baixos e estáveis controloua inflação, mas causou enormes déficits na balançacomercial. Os resultados de tudo isso, bastantevisível no Brasil e na Argentina, foram a crescen-te vulnerabilidade das economias nacionais anteas oscilações da economia mundial, o incrementoda dependência em relação ao capital estrangeiroe a estagnação econômica, que implica crescentedesemprego e deterioração da situação social devastas parcelas da população10.

O núcleo de sustentação dessas políticas residena manutenção de elevadas taxas de juros, querecompensam regiamente o capital financeiro. A

elevação dos juros, sobretudo nos períodos deinstabilidade da economia mundial, é necessária,de um lado, devido à necessidade de evitar fugasde capitais e atrair capitais externos para cobriros déficits em conta corrente. De outro lado, essasaltas taxas são necessárias para deprimir a atividadeeconômica e, assim, conter as importações eincentivar as exportações, contribuindo paraamenizar os problemas do déficit nas contasexternas. Mas a manutenção de taxas de juroselevadas impede o crescimento econômico, inflaa dívida interna e aprofunda a crise social. A lógicadessa política impõem a recessão crônica comoforma de enfrentar os desequilíbrios externos egarantir os interesses do capital financeiro. Aredução significativa dos juros, ao estimular aatividade econômica, poderia exacerbar o desequi-líbrio externo, o que provavelmente acarretariadificuldades para fechar as contas externas e fortedesvalorização cambial com reflexos nos preços,o que exigiria, de acordo com a lógica dos neo-liberais, a retomada de medidas contencionistas.O descontentamento social crescente não possibi-litou até o momento articular um projeto alterna-tivo, embora indícios nessa direção eclodam portoda a parte na América Latina. Dessa forma,recoloca-se a questão da viabilidade do desenvol-vimento em regiões periféricas no atual contextoda economia mundial.

Os países não-desenvolvidos defrontam-se nãoapenas com os entraves colocados pela atual faseda economia mundial, mas também com um ou-tro obstáculo, até agora não mencionado: os limi-tes ecológicos do desenvolvimento.

IV. OS LIMITES ECOLÓGICOS DO DESEN-VOLVIMENTO CAPITALISTA

O problema dos limites ecológicos do desen-volvimento parece ser relevante não só porque adistância entre a riqueza e a pobreza parece au-mentar na economia globalizada e no interior decada economia nacional, mas também porque osrecursos naturais da terra são limitados. Se isso éverdade, poderíamos dizer que o modelo dedesenvolvimento capitalista seguido pelos EUA,pelo Japão e pela Europa Ocidental, calcado naindustrialização e em uma sociedade de consumode massas, não só não é universalizável como ten-de, mais cedo ou mais tarde, a esbarrar nos limi-tes naturais do planeta.

Como expandir uma forma de desenvolvimentoque consome um volume descomunal de energia

10 A dívida externa da América Latina entre 1989 e 1999cresceu de US$ 450 bilhões para cerca de US$ 750 bilhões(CANO, 2001, p. 23-41). Em muitos países, observou-seum crescimento explosivo da dívida interna, agravando acrise fiscal. A título de exemplo podemos citar a dívidainterna brasileira, que saltou de cerca de R$ 60 bilhões, em1995, para R$ 685 bilhões em janeiro de 2002, em grandeparte devido às altas taxas de juros e à desvalorização damoeda a partir de 1999. A necessidade de obter recursospara fechar o balanço de pagamentos e honrar a dívida inter-na fragiliza os governos diante do capital financeiroglobalizado. Interessa a esse capital garantir o pagamento dasdívidas e, por conseguinte, procura, respaldado pelo FMI eBanco Mundial, impor políticas que garantam a estabilidadede preços, a livre circulação de capitais e a saúde das finançaspúblicas, compreendida como a capacidade de gerar cres-centes superávits primários. O não-cumprimento dessas metascoloca os países periféricos à mercê dos movimentos volá-teis dos capitais financeiros. Mas a situação é insustentável.No caso do Brasil, embora o governo FHC tenha obtidosuperávit primário da ordem de 3,5% do PIB nos últimosanos, o serviço da dívida pública corresponde a cerca de 7%do PIB. Dessa forma, ao contrário do que apregoam os de-fensores da atual política econômica, a trajetória da dívida éascendente. Estagnação econômica, aprofundamento da crisefiscal e deterioração da situação econômica e social das po-pulações mais carentes é o resultado dessa política (LACER-DA, 2002; SINGER, 2002).

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e de outros recursos naturais não-renováveis?Teria o planeta condições de sustentar um nívelde consumo relativamente elevado para o conjuntoda população mundial? Se isso é impossível, aspopulações da periferia estariam condenadas àmiséria? O modelo de desenvolvimento perseguidonos últimos 50 a 70 anos, pelos países periféricose socialistas, de uma maneira ou de outra, ao ba-searem-se na industrialização, não seria uma merailusão? Não estaria colocado na ordem do dia abusca de outras formas de desenvolvimento, maiscondizentes com os recursos naturais limitados ecom a possibilidade de uma distribuição da riquezamais eqüitativa em escala mundial? Mas isso nãocolocaria em xeque o capitalismo juntamente comsua sociedade de consumo de massas?

Sobre essas questões Altvater assinala (1995,p. 28): “[A] industrialização é um luxo exclusivode parcelas da população mundial, mas não paraampla maioria dos 6,25 bilhões de habitantes navirada do milênio. É impossível simplesmente darcontinuidade às estratégias de desenvolvimento ede industrialização das décadas passadas. É umailusão, e por isto uma desonestidade, alimentar edifundir a idéia de que todo o mundo poderia atingirum nível industrial equivalente ao da EuropaOcidental, da América do Norte e do Japão [...]. Aindustrialização constitui um bem oligárquico [...].Portanto, as sociedades industriais só podem rei-vindicar para si as benesses da afluência enquantoo mundo ainda hoje não-industrializado assimpermanecer”.

De acordo com Löwy (1999, p. 102), se oconjunto da população mundial tivesse um con-sumo de energia igual ao consumo médio de ener-gia dos EUA, as reservas conhecidas de petróleodurariam aproximadamente 19 anos11. O que estáem questão é a própria forma capitalista de de-senvolvimento. Somos céticos quanto à possibili-dade de um desenvolvimento sustentado, que bus-que, ao mesmo tempo, evitar a destruição da na-tureza, garantir altas taxas de crescimentoeconômico e superar a miséria. Essa questão émais premente em virtude do tamanho dapopulação mundial, cerca de 6 bilhões de pessoas.

Estima-se que em 2025 sejam cerca de 9 bilhões(HIRST & THOMPSON, 1998, p. 189). Discutiras possibilidades de desenvolvimento dos paísesperiféricos implica discutir as próprias formas dodesenvolvimento.

Durante muito tempo o desenvolvimento foiidentificado, particularmente pelos economistasneoclássicos, com crescimento econômico. Ou-tros identificavam o conceito à industrialização12.Essas duas formas de entender desenvolvimentosão inadequadas. Desde meados de nosso século,vários países cresceram de maneira acelerada eindustrializaram-se, como o Brasil, mas nem porisso os problemas sociais (melhores condições devida, saúde, educação, moradia, saneamento bá-sico etc.) e os problemas relativos à distribuiçãoda renda melhoram substancialmente. Hoje, parteconsiderável da população brasileira vive na misé-ria e o país tem uma das piores distribuições darenda do mundo, embora observemos a melhorade uma série de indicadores sociais (mortalidadeinfantil, expectativa de vida, escolaridade etc.).

Não basta um país ser industrializado paraconsiderarem-no desenvolvido. Essa relaçãotambém começa a apresentar problemas porquese observa em vários países desenvolvidos umprocesso de desindustrialização. Ou seja, o setorindustrial, no que se refere ao PIB, perdeu terreno,

11 O problema não se reduz à finitude dos recursos naturais,como petróleo, ferro, bauxita etc.; também pressionam odesenvolvimento os perigos da poluição: emissões de CO2,CFCs e outros gases, extinção de espécies, esgotamento dossolos, poluição dos mares, diminuição da água potável etc.

12 De maneira geral, podemos identificar na teoriaeconômica, no tocante à concepção de desenvolvimento,duas correntes, embora não haja necessariamentehomogeneidade teórica e metodológica entre os autores queas compõem. Uma, englobando economistas de tradiçãoneoclássica e pós-keynesiana, que concebem o desenvolvi-mento como crescimento econômico. Para esses um país ésubdesenvolvido à medida que apresenta um crescimentoeconômico inferior aos desenvolvidos e cresce menos doque seria possível, dado os seus recursos em termos de terra,mão de obra e recursos naturais. Ou seja, o país é subdesen-volvido, nesse caso, porque subutiliza os recursos de quedispõe, observando-se recursos produtivos ociosos. A outracorrente considera que o desenvolvimento não pode ser iden-tificado a crescimento porque esse crescimento pode nãoestar beneficiando a economia e a população como um todo,seja em virtude da transferência de excedente econômicopara outros países, seja pelo fato de o excedente estar sendoapropriado por uma parcela diminuta da população. Desen-volvimento envolve, nessa versão, mudanças quantitativas equalitativas na estrutura produtiva, na produtividade dotrabalho, nas instituições e no modo de vida das pessoas,com a melhoria do nível de vida do conjunto da população.Enquadram-se nessa corrente, entre outros, economistascepalinos e marxistas (SOUZA, 1995, p. 13-32).

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enquanto cresceu a importância dos setorescomercial e de serviços. Isso ocorreu em virtudede muitas indústrias terem deixado alguns paísesdesenvolvidos em busca de regiões na periferiacom mão de obra mais barata, com recursosnaturais mais abundantes e regulamentos maisbrandos de proteção ao meio ambiente. Esse pon-to consiste em um dos mais importantes da cha-mada mundialização do capitalismo. No entanto,devemos ver com cuidado esse problema, poisesses países continuam industrializados, concen-trando em suas mãos a produção de bens de capitale de tecnologia. Industrialização parece ser umacondição necessária, mas não suficiente para iden-tificar se um determinado país é ou não desenvol-vido.

Segundo Altvater (1995, p. 21), o fato de algunspaíses altamente desenvolvidos estarem transfor-mando-se em países pós-industriais torna a indus-trialização, “enquanto encarnação de modernizaçãoe de progresso”, uma definição inadequada. Outrosautores criticam de maneira mais contundente essaidentificação entre industrialização e desenvolvi-mento, como Arrighi (1997, p. 209): “é precisoabandonar o postulado de que industrialização é oequivalente de desenvolvimento”.

O desenvolvimento e o subdesenvolvimento sópodem ser entendidos a partir de uma perspectivahistórica. Os modelos excessivamente genéricose abstratos não conseguem dar conta das espe-cificidades históricas de cada país ou região àmedida que os englobam em um todo homogêneo,como se realidades sociais, econômicas e políticasbem diversas pudessem ser reduzidas a umpunhado de variáveis abstratas. Desse ponto devista, os chamados países subdesenvolvidos, quemais recentemente foram denominados de mer-cados emergentes, não poderiam constituir umaunidade de análise consistente e as políticas eco-nômicas voltadas para desenvolvê-los não pode-riam ser necessariamente as mesmas, como comu-mente apregoam as instituições financeiras inter-nacionais.

A dificuldade de aplicação desses modelos re-side, sobretudo, no fato de eles serem demasiada-mente abstratos. A apreensão das condiçõeshistóricas específicas de cada país subdesenvol-vido seria essencial para explicar a própria situaçãode subdesenvolvimento. O problema do desen-volvimento, de acordo com a teoria ortodoxa, seriareduzido à questão da melhor maneira de acelerar

o crescimento econômico e, portanto, o problema-chave seria o do incremento dos investimentos edas formas de financiá-los. Entretanto, o quedeveria ser explicado são as condições históricasespecíficas que obstam o crescimento e condicio-nam os investimentos. Isso só poderia ser explica-do a partir da realidade concreta de cada paíssubdesenvolvido e de sua inserção na economiamundial (PRADO JR., 1989, p. 12-48).

A crítica que a CEPAL (Comissão Econômicapara a América Latina e o Caribe) e Prado Jr.(idem), entre outros, desenvolveram à visão unili-near segundo a qual todos os países passariaminvariavelmente pelas mesmas formas ou estágiosde desenvolvimento e a diferença entre os paísesnesse aspecto seria apenas de grau e ritmo de de-senvolvimento também precisa ser recuperada,pois muitos parecem tê-la esquecido. Além disso,a teoria ortodoxa reduz os indicadores de desen-volvimento a umas poucas variáveis. Assim, aRenda Nacional, o Produto Interno Bruto, o Pro-duto Nacional Bruto e a renda per capita passari-am a ser indicadores precisos do grau de desen-volvimento, deixando em segundo plano questõesqualitativas.

Mais recentemente, o desenvolvimento temsido concebido como resultante da evolução deum conjunto de variáveis. Um dos autores quetem desenvolvido essa linha é Amartya Sen (2000).A obra desse autor tem exercido grande influên-cia sobre os trabalhos e as pesquisas realizadaspela ONU acerca do tema, particularmente sobreo índice de desenvolvimento humano e social.

Esse autor concebe o desenvolvimento comoum processo de expansão da liberdade desfrutadapelos membros de uma sociedade. Ou seja, eleressalta a importância de as pessoas terem apossibilidade de terem acesso aos meios e aosrecursos que lhes propiciem condições reais deexercerem seus direitos e sua liberdade. Em suaspalavras, “[O] desenvolvimento pode ser vistocomo um processo de expansão das liberdadesreais que as pessoas desfrutam. O enfoque nasliberdades humanas contrasta com visões maisrestritas de desenvolvimento, como as queidentificam desenvolvimento com crescimento doProduto Nacional Bruto (PNB), aumento derendas pessoais, industrialização, avançotecnológico ou modernização social [...]. Odesenvolvimento requer que se removam asprincipais fontes de privação de liberdade: pobreza

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e tirania, carência de oportunidades econômicas edestituição social sistemática, negligência dosserviços públicos e intolerân-cia ou interferênciaexcessiva de Estados repressivos” (idem,p. 17-18).

A melhor forma de alcançar esses objetivosseria, segundo esse autor, por meio da expansãoda economia de mercado, calcada na livreiniciativa. Contudo, ele não descarta a atuaçãoestatal na economia, como forma de suplementara iniciativa privada, visando a alcançar essas metas.Suas colocações são bastante pertinentes, poisindustrialização, crescimento do PIB, crescimentoda renda etc. não significam necessariamentemelhora das condições de vida do conjunto dapopulação de um país. A experiência brasileira éilustrativa. O desenvolvimento seria fruto daevolução de um conjunto de variáveis econômicas(PIB, renda per capita etc.), sociais (acesso àeducação e saúde, mortalidade infantil, expectati-va de vida etc.) e políticas (respeito aos direitoshumanos, participação política etc.)

Entretanto, esse autor não questiona um pon-to fundamental, qual seja: a natureza do desenvol-vimento capitalista. A questão do desenvolvimen-to não pode residir somente na elevação dos ní-veis de consumo, no usufruto de serviços (edu-cação, saúde, saneamento básico etc.) e no aces-so às liberdades políticas e às oportunidadeseconômicas e sociais, embora esses pontos se-jam de suma importância. Voltamos a indagar: issoseria possível de ser alcançado expandindo-se omodo de produção e as formas de consumo capi-talistas? O que fazer com o consumo desmedidoda sociedade de consumo de massa?

O problema não pode ser, aparentemente, re-solvido agregando o termo sustentável ao conceitode desenvolvimento. Desenvolvimento sustentávelentendido como uma forma de crescimentoeconômico associado à integridade dos sistemasecológicos, a justiça e à igualdade entre toda apopulação mundial, nos parâmetros da sociedadecapitalista, parece bastante improvável, pois, comotentamos apontar acima, o capitalismo no seumovimento de expansão cria e recria, ao mesmotempo, uniformidade e desigualdade. Um sistemaregido pelo mercado, em que o móvel dasempresas é a busca incessante do lucro, enfrentariaenormes dificuldades para respeitar a integridadeda natureza e promover a igualdade entre os povosda terra. Parece que dentro do capitalismo não é

possível expandir o desenvolvimento para oconjunto da população do planeta.

V. CONSIDERAÇÕES FINAIS

Ao abordarmos a questão do desenvolvimentovisamos apenas a tecer alguns comentários quejulgamos pertinentes. A retomada da discussãoacerca do desenvolvimento parece indispensávelnos dias de hoje, seja em razão da situação deestagnação econômica e da deterioração dascondições sociais de vastas regiões da periferiacapitalista nesse contexto de globalização, seja emrazão dos próprios limites ecológicos da sociedadede consumo. O grande desafio consiste emrepensar o desenvolvimento levando em consi-deração esse conjunto de problemas.

A crescente integração da economia mundialtornou as tendências econômicas maishomogêneas, embora as desigualdades sociais eeconômicas tenham aumentado. Apesar dealgumas exceções importantes, em geral tanto ospaíses desenvolvidos quanto os não-desenvolvi-dos entraram em uma fase de baixo crescimentonas últimas décadas e particularmente estes últi-mos enfrentam crescentes problemas sociais. Cre-ditamos, pelo menos em parte, esse fenômeno àcrise social e econômica que se arrasta desde adécada de 1970 e que abriu as portas para o pre-domínio dos interesses financeiros. A derrota dostrabalhadores abriu espaço para uma larga ofensi-va da burguesia, mas as suas tentativas dereestruturar o sistema até agora se mostrarambastante problemáticas: não criaram as condiçõespara uma vigorosa retomada do crescimento emescala global, contribuíram para a estagnação deuma vasta zona do mundo e não enfrentaram demaneira consistente os problemas ecológicos. Asenormes dificuldades enfrentadas pelos paísessubdesenvolvidos não se deveram, no entanto, ape-nas à tendência declinante da economia mundial,mas também ao aprofundamento dos mecanismosde dependência sobretudo financeira, que dificul-taram a adoção de políticas voltadas para o de-senvolvimento e aprofundaram as crises financeirase nas contas externas, além de terem possibilitadoa drenagem de parcela do excedente econômicopara os países ricos.

É preciso assinalar, contudo, que esse resulta-do não decorreu apenas das pressões e dos limi-tes impostos pelas estruturas da economia mun-dial aos países não-desenvolvidos. Decorreu tam-bém, embora talvez não tenhamos frisado o su-

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ficiente, das decisões dos governos desses paísese do contexto social, econômico e político inter-no a cada um deles no qual se desenrolam as lutassociais.

Dessa forma, o desenvolvimento, como ten-tamos indicar, tem que ser entendido em suas com-plexas e múltiplas articulações sociais, econômicase políticas internas e externas. Este tipo de aborda-gem implica em análises históricas das experiênciasparticulares e como elas inserem-se na economiamundial. Tentamos sugerir também a necessidadede estudos comparativos mais amplos, que levemem conta as diferentes estratégias de inserção nocenário atual do mundo globalizado.

Embora o problema do desenvolvimento eco-nômico com preservação da natureza e superaçãoda miséria seja um desafio para qualquer formade sociedade, ainda mais quando a população atingea cifra de bilhões, parece estar colocado na ordemdo dia, como assinalamos acima, a questão dos

limites ecológicos do desenvolvimento capitalista.A busca cega pelo lucro tem implicado a destrui-ção sistemática da natureza. Nada indica, até omomento, que o capitalismo seja passível de refor-mas que consigam dominar suas tendências des-trutivas da natureza. Está em questão todo umestilo de vida, uma civilização – exceto se ocorrerum brutal salto tecnológico, que permita sustentara vida de bilhões de seres humanos com base emmateriais recicláveis.

Nesse contexto, um dos problemas centraisparece ser o do controle social da economia. Aprodução, a distribuição e o consumo devem su-bordinar-se aos interesses, às necessidadesobjetivas e subjetivas, aos valores do grosso dapopulação. Uma economia como essa só poderiaexistir se fosse regida pelo valor de uso e não pelovalor de troca. Como diz Löwy (1999, p. 234),uma espécie de economia moral, “no sentido queE. P. Thompson dava a essa expressão, isto é,uma política econômica baseada em critérios não-monetários e extra-econômicos”.

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Versão dos resumos para o inglês: Miriam Adelman

DEVELOPMENT AND CAPITALIST ECONOMICS GLOBALIZATION

Francisco Luiz Corsi (Universidade Estadual Paulista – Marília)

This article proposes to take an historical inventory of the situation of the countries of the peripheryover the last thirty years, looking specifically at the impasses in development belonging to the currentphase of so-called globalization of capital. It is based primarily on the study of an extensive literatureof recent publication. We ask to what extent the return to development in the various stagnatedareas of the periphery can be considered a concrete possibility and engage in a series of reflectionsaround this issue, which we consider as fundamental for the present conjuncture. We seek to showthat the economic stagnation that characterizes many non-developed countries is due in part to thesocial and economic crisis that began in the decade of the seventies and continues to date, efforts torestructure capitalist society notwithstanding. Strategies and policies of a neo-liberal type have alsocontributed significantly to this situation, to the extent that they have reinforced the financial knotsthat have suffocated a large portion of the peripheral economies. Adding to these problems, suchcountries have also been faced with the ecological limits of capitalism. Reinitiating development onanother plane, involving economic growth, social justice and the preservation of nature would meanbreaking with capitalism itself.

KEYWORDS: development; globalization; national project; social and economic crisis.

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SANTIAGO DE CHILE FACES GLOBALIZATION: ANOTHER CITY?

Carlos A. de Mattos (Pontificia Universidad Católica de Chile)

This paper proposes to identify and characterize the “other city” that has sprung from thetransformations taking place in the metropolitan area of Santiago de Chile. These changes are aresult of a new macro-economic strategy adopted from the middle of 1970 in which growing economicliberalization as well as a wide opening-up to the exterior promoted increased globalization of thenational economy. Within this context, we see that together with significant changes in the metropolitanarea´s economic base came a radical re-structuring of its labor market and a greater territorialdispersion of productive activities and population. Against the backdrop of this new scenario, welook at how the changes that effected this emerging city have confirmed, on the one hand, a socialmorphology based on polarization and residential segregation and on the other, a territorial morphologybased on suburbanization and multiple centers. These changes correspond to the tendencies thatcan be observed today in all large metropolitan areas, both within the core countries and the emergingeconomies.

KEYWORDS: globalization; informality; metropolitanization; suburbanization; multiple centers;residential segregation.

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GLOBALIZATION AND DIRECT FOREIGN INVESTMENT: AN EXPLORATORY STUDYOF THE BRAZILIAN AUTOMOBILE INDUSTRY

Ana Lucia Guedes (Pontifícia Universidade Católica do Paraná)

Alexandre Faria (Pontifícia Universidade Católica do Paraná)

This article presents preliminary results of research that aims to develop a theoretical framework toanalyze the antecedents and implications of economic globalization in Brazil. More specifically, thearticle focuses on questions of governing and environmental sustainability related to the direct foreign

ABSTRACTS

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REVISTA DE SOCIOLOGIA E POLÍTICA Nº 19: 165-167 NOV. 2002RÉSUMÉS

Versão dos resumos para o francês: Maria Fernanda Araújo Lisbôa

LE DEVELOPPEMENT À LA LUMIERE DE LA GLOBALISATION DE L’ECONOMIECAPITALISTE

Francisco Luiz Corsi (Universidade Estadual Paulista – Marília)

Cet article cherche à dresser, sous la perspective historique, le bilan de la situation des payspériphériques dans les dernières trentes années. Pour cela, il aborde particulièrement les enjeux dudéveloppement dans la phase de la globalisation du capital. Ce travail s’appuie surtout sur les étudesde la vaste bibliographie publiée récemment. Dans quelle mesure la relance du développementconcernant plusieurs secteurs stagnés de la périphérie deviendrait-elle une réelle possibilité? Autourde cette question, que nous trouvons centrale dans l’actuelle conjoncture, nous entamons quelquesréflexions. Nous envisageons montrer que la stagnation économique à laquelle des nombreux paysnon développés font face ne découle pas en partie d’une crise sociale et économique ouverte dansles années soixante-dix et qui s’élargit jusqu’à nos jours malgré les tentatives de restructuration dela société capitaliste. Les stratégies et les mesures politiques à caractère néo-liberal aussi auraienténormément contribué à cette situation étant donné qu’elles ont renforcé les amarres financièresqui ont étranglé pour une part les économies périphériques. Outre ces difficultés, ces paysaffronteraient les limites écologiques du capitalisme. La relance du développement dans un nouveaustade exigeant la croissance économique, la justice sociale et la préservation de la nature amèneraità une rupture face au capitalisme.

MOTS-CLÉS: développement; globalisation; projet national; crise socioéconomique.

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SANTIAGO DU CHILI FACE À LA GLOBALISATION: UNE AUTRE VILLE?

Carlos A. de Mattos (Pontificia Universidad Católica de Chile)

Ce travail a pour but d’identifier et de caractériser “l’autre ville” originaire des transformations quiont touché la ville de Santiago en fonction de l’assomption, à partir du milieu des années 1970, d’unenouvelle stratégie macroéconomique, où non seulement une croissante libéralisation économiquemais aussi une vaste ouverture externe ont favorisé la progressive globalisation de l’économie nationale.Dans ce contexte, on observe comment parallèlement aux importantes modifications de la baseéconomique de la ville a commencé à se mettre en place une restructuration radicale de son marchédu travail et un plus grand éparpillement territorial des activités productives et de la population. Dansce nouveau décor, on analyse comment les transformations qui ont touché la ville émergente ontinfluencé l’affirmation, d’une part, d’une morphologie sociale où persiste la polarisation sociale et laségrégation résidentielle et, d’autre part, d’une morphologie territoriale où la sous-urbanisation et lapolicentralité l’emportent. Ces transformations correspondent aux tendances qu’on observeactuellement sur les aires métropolitaines non seulement dans les pays au centre mais aussi dans leséconomies émergentes.

MOTS-CLÉS: globalisation, informalité; métropolisation; sous-urbanisation; policentrisme; ségrégationrésidentielle.

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GLOBALISATION ET INVESTISSEMENT DIRECT ETRANGER: UNE ETUDEEXPLORATOIRE DE L’INDUSTRIE AUTOMOBILE BRESILIENNE

Ana Lucia Guedes (Pontifícia Universidade Católica do Paraná)

Alexandre Faria (Pontifícia Universidade Católica do Paraná)