A RECEPÇÃO DO ‘LIVRO CRISTÃO’. · PDF fileXI Congresso Internacional da ABRALIC Tessituras, Interações, Convergências 13 a 17 de julho de 2008 USP – São Paulo, Brasil

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  • XI Congresso Internacional da ABRALIC Tessituras, Interaes, Convergncias

    13 a 17 de julho de 2008USP So Paulo, Brasil

    A RECEPO DO LIVRO CRISTO. ALGUMASQUESTES DO ESTATUTO DE LEITURA NA ANTIGUIDADE TARDIA: UMA

    ESTRATGIA NO DESLOCAMENTO DA FUNO E DO USO DO LIVRO. Prof. Dr. Pe. Pedro Paulo Alves dos Santos1.

    Resumo: Por quais razes se pode afirmar que exista uma concepo do livro cristo? Talvez a partir das profundas mudanas ocorridas a partir da criao do livro? Ou proviria do desempenho de leitura de novos circuitos de leitores, na medida em que, a leitura crist implicava numa indita forma de fruio? (CATALBIANO, 1996). Ou ainda proviria do ambiente scio-cultural, mas tambm do aspecto do prprio livro, que, em seu formato, aps o quarto sculo cristo, segundo alguns autores, teria sofrido uma radical transformao? Quase se poderia dizer, teria passado por uma mudana na sua natureza? (PETRUCCI, 2003). A escritura sem dvida o instrumento por excelncia da comunicao e da difuso do pensamento. Pode-se ainda pensar que o aspecto figurativo, a visibilidade do sinal grfico e das sries de sinais grficos, que podem assumir, e assim o foi, em perodos e ambiente culturais diversos, ora um significado mgico-evocativo, ora um significado esttico, ora uma sntese destes aspectos.

    Palavras-Chave: Texto cristo - o conceito de imaginrio - Cristianismo antigo - estudos clssicos

    Introduo. O que me estimula o conceito de uma histria literria que combina, e que poderia combinar uma histria pragmtica das formas com a histria funcional, esta combinao poderia ser coordenada com a histria das coletividades mentais, ou para usar outros termos, com a histria da distribuio e da transformao dos constituintes estruturais (...) talvez ele viesse a realizar o antigo sonho da histoire totale (GUMBRECHT, 1988. p. 93).

    Uma compreenso mais profunda da historiografia proto-medieval passa necessariamente pela renovao trazida pela histria Nova (LE GOFF, J. 1980; 1998; 1997, 2005; GILSON, 1999; DE LIBERA,1998; LIMA VAZ 1986). Sem este panorama no possvel avaliar o desenvolvimento das abordagens que vieram a construir a renovao do cenrio sobre os estudos medievais (LE GOFF, 2004). E o epteto de Gumbrecht nos recorda tambm, que, atravs dos compromissos empreendidos, em vista de uma nova historiografia medieval, resgataram-se novos espaos de interpretao de (con) textos da vida e da mentalidade. Pde-se, ento, manipular melhor os dados da religio e do pensamento (VERNANT, 2001:87-94). Uma histria do gnero, do homem e da mulher, e at das concepes cientficas e crendices, que re-alocaram nosso desprezo iluminista pela razo do perodo (proto) medieval (CAVALLO, 2004).

    Ao mesmo tempo, re-inscreve-se o problema da elaborao de portais temporais pelos quais se alude passagem do tempo e da representao literria em forma de escritas de histrias de literatura. O fazer - literrio cristo indica uma passagem entre a mentalidade antiga (LE GOFF, 2003), antes e depois do cristianismo, pensando-se na datao Constantiniana (sc. IV), pelo fato de assistir-se ecloso de uma leitura histrica do tempo, a partir das premissas da Providncia Divina. Enquanto o tempo romano, antes de Constantino marcado, segundo as premissas bblicas, por uma viso pessimista e purgativa, aps a concesso Constantiniana (sc.III), o tempo cristo visto como a expresso da vitria temporal do reino de Deus.

    NellEsamerone cosmico la principale consequenza della riconduzione a tale modello della cronologia biblica luinersalizzazione di essa cio la sua funzione di quadro onnicomprensivo del tempo umano nel contesto di um piano divino di Salvezza orientato teleologicamente verso l A 5500 (ANDREI, 1995: 165-183)2.

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    E depois, aquela passagem para o perodo medieval, gera-se um novo projeto historiogrfico, na medida em que o imprio romano ir lentamente tornar-se imprio cristo, atravs da tarefa da copiagem, da transmisso e da interpretao do texto sacro, criando um verdadeiro corpus, agora, no epicentro da nervura societria (proto) medieval (PINHEIRO apud DOCTORS, 1999: 65-80).

    Questo furore di ricerca di opere, commitenze, richieste, scambi, doni, prestiti, trascrizioni, revisioni, letture e riletture che caratterizza l intelighenzia cristiana antica dipendeva meno da concrete disponibilit di libri o da distanzse e assai pi da relazioni tra individui, cerchie, Chiese e proprio per questo un altro significato. Si trattava di una communicazione letteraria in qualche modo istrumentale, che creava o cementava relazioni tra figure di spicco del sapere cristiano, tra centri che si organizzavano intorno ai vescovi e tra i fedeli docti fino a costituire una sorte di societas in cui assumeva consistenza e si definiva lidentit culturale cristina (CAVALLO, 2004. p. 15)3.

    Os pressupostos para uma discusso acerca da doutrina sobre as relaes de produo cultural entre o Estado e a Religio, no chamado mundo tardo-antigo (SAENGER apud CAVALLO, 2004: p. 117-154), supem a conscincia da evoluo permanente dos estudos historiogrficos sobre a mentalidade greco-romana assimilada e transformada no decurso da formao do Cristianismo do sc. V (RUGGINI, 1965: 3-81; DUVAL, 2003, MARASCO, 2005). Deve-se considerar a operao historiogrfica (CERTEAU, 2000), a partir de seus diversos focos renovadores. Se considerarmos o ponto de vista da filologia, inevitvel pensar na valiosa utilizao das tecnologias da imagem e do texto, entre outros, para a elucidao dos segredos guardados nas entrelinhas de velhos documentos. Mas tem sido a Histria do Pensamento a perguntar-se se podemos conhecer o passado, de uma s vez, e o que significa conhecer o passado, para as questes urgentes do Presente, ubiquao do narrador e do hermeneuta do texto e do fato histrico?Trata-se da problemtica de fundo, que,desde o sc. XIX, com a emergncia dos mtodos histrico-crticos e com a anlise metdica dos elementos de produo e de interpretao de textos antigos (corte diacrnico), tornou-se um pressuposto sine qua non para a compreenso exegtica do sentido destes antigos textos para o Presente4. Uma discusso cada vez mais calorosa, cheia de iniciativas e conflitos, quando se trata de Hermenutica de textos sacros (R.A. HARRISSVILLE R.A. & SUNDBERG, 1995; MILBANK, 1990. H. CANCIK, 1996; THISELTON, 1992). Por isso o primeiro passo ser aquele de passar a limpo, algumas questes da histria das mentalidades, e em particular, o enfoque sobre o Imaginrio (CAVALLO, 1997; GURIVITCH, 2003) (Proto) Medieval na expressiva produo de J. Le Goff (2005, 2007, 2008). Das questes tericas apresentadas neste trabalho do famoso medievalista francs, passaremos questo da concepo do livro cristo, isto , o imaginrio do texto sacro, encarnado na dimenso simblica do livro e em seus processos de leitura.

    I. Histria do Imaginrio? Um dos leit-motivs de sua obra o imaginrio humano, de categoria da criao artstica, o lImaginaire em Le Goff (como em Duby) se transforma numa poderosa fora socioistrica, em fator inalienvel de vida e sociedade. (GURIVITCH, 2003. p. 208).

    A literatura alcana neste ambiente uma atmosfera densa de perspectiva da construo do leitor e da obra infinita e misteriosa, mas ao mesmo tempo, no processo de leitura, seu formato capaz criar uma dialtica de transformao do horizonte de expectativa do leitor. A partir da experincia das mentalidades possvel avaliar a proposta de construo de uma histria do imaginrio. O domnio do imaginrio constitudo por um conjunto de representaes que transbordam os limites postos pela constatao de experincias e encadeamentos dedutivos que da se autorize. O imaginrio dos homens, incluindo esferas irracionais como os sonhos e devaneios, alimentado pela realidade, mas o principal consiste em que a realidade do pensamento dos homens imprime sua marca poderosa e indelvel em todas as suas obras (SCHMITT, 2002; DUBY, 1998), na atividade e no comportamento social. A histria ganha uma nova sensibilidade para a necessidade do

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    estudo de duas realidades: da realidade em si e das representaes que dela se formam nos homens que vivem na poca. Como separ-las ou dividi-las? Por ventura, a produo, os costumes, o cotidiano, no esto inteiramente penetrados de representaes humanas, por um sistema de valores e crenas, e, por acaso, no unicamente, nesse aspecto humanizado, que eles ganham sentido para aqueles que estavam ocupados com a produo e viviam nesse cotidiano? O historiador, por conseqncia, deve se dar conta dos mitos e fantasias dos homens, das suas construes mentais, que a conscincia racionalista dos homens da Idade Moderna tende a qualificar como preconceitos e incluir na lista de falsa conscincia. Mas, tudo isso determinou grandemente o contedo medieval, que fonte para o historiador e que a primeira coisa que o pesquisador encontra a estrutura da conscincia humana produzida em monumentos. Decorre, por isso, que antes de emitir um juzo sobre a falsidade ou a veracidade da informao neles contida, necessrio compreender a natureza das fontes histricas, seu condicionamento sociocultural e sua funo no contexto da poca que os gerou:

    (...) o historiador, ciente do papel do imaginrio na formao de qualquer texto, de sua natureza semitica, no pode enfoc-lo como fonte de dados do qual seria capaz de haurir a informao sem nenhum obstculo () as informaes sobre eles passaram pelos complexos filtros da conscincia dos autores ou compositores de textos e trazem a marca da conscincia, indelvel, mas nunca identificvel sempre facilmente (GURIVITCH, 2003. p. 208).

    Le Goff distingue o imaginrio de outras instncias consentneas e que, muitas vezes, aparecem citadas como conceitos sinnimo