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1 A REESTRUTURAÇÃO PRODUTIVA DA PECUÁRIA BOVINA LEITEIRA NO RIO GRANDE DO NORTE E SUA RELAÇÃO COM O PROCESSO DE DESENVOLVIMENTO RURAL (1990-2010) Rafael Pereira da Silva Universidade Federal do Rio Grande do Norte - UFRN [email protected] Francisco Fransualdo de Azevedo Universidade Federal do Rio Grande do Norte - UFRN [email protected] Resumo Desde a década de 1990, o setor de laticínios no Brasil, tem passado por profundas transformações, as quais caracterizam o processo de reestruturação da pecuária bovina leiteira no país. Nesse sentido o trabalho que ora se apresenta tem como objetivo discutir a relação existente entre o processo de reestruturação produtiva da pecuária bovina leiteira, o contexto de organização das políticas públicas face ao processo de desenvolvimento rural no estado do Rio Grande do Norte, apresentando alguns elos existentes entre estes. Utilizou-se como procedimento metodológico para a realização desse trabalho a realização de pesquisa bibliográfica e análise documental sobre o setor de laticínios do RN. Ao termino deste trabalho chegou-se a conclusão de que as políticas públicas e a reestruturação do setor de laticínios no RN têm favorecido, sobretudo a manutenção do status quo da elite econômica potiguar, mantendo e acirrando as desigualdades socioespaciais no campo e na cidade. Palavras-chave: Território. Reestruturação produtiva. Políticas Públicas. Desenvolvimento rural. Rio Grande do Norte. Introdução O trabalho que ora propõem-se, resulta das reflexões iniciais que se estar a realizar no âmbito do Programa de Pós-Graduação e Pesquisa em Geografia da Universidade Federal do Rio Grande do Norte para fins de concretização do trabalho de dissertação de mestrado, intitulado “A reestruturação produtiva da pecuária bovina leiteira no estado do Rio Grande do Norte: reflexões a partir do processo de produção do espaço e da redefinição das relações sociais de produção”, tendo este por objetivo principal analisar o processo de reestruturação produtiva da pecuária bovina leiteira no estado do Rio Grande do Norte, no período situado entre 1990 a 2010. Este trabalho especificamente tem como objetivo compreender a relação existente entre o processo de reestruturação produtiva da pecuária, as políticas públicas e o desenvolvimento rural no RN.

A REESTRUTURAÇÃO PRODUTIVA DA PECUÁRIA BOVINA … · conjuntos de transformações que vêm ocorrendo no setores produtivos, transformações estas que se dão a partir da redefinição

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A REESTRUTURAÇÃO PRODUTIVA DA PECUÁRIA BOVINA LEITEIRA NO RIO GRANDE DO NORTE E SUA RELAÇÃO COM O PROCESSO DE

DESENVOLVIMENTO RURAL (1990-2010)

Rafael Pereira da Silva

Universidade Federal do Rio Grande do Norte - UFRN [email protected]

Francisco Fransualdo de Azevedo

Universidade Federal do Rio Grande do Norte - UFRN [email protected]

Resumo Desde a década de 1990, o setor de laticínios no Brasil, tem passado por profundas transformações, as quais caracterizam o processo de reestruturação da pecuária bovina leiteira no país. Nesse sentido o trabalho que ora se apresenta tem como objetivo discutir a relação existente entre o processo de reestruturação produtiva da pecuária bovina leiteira, o contexto de organização das políticas públicas face ao processo de desenvolvimento rural no estado do Rio Grande do Norte, apresentando alguns elos existentes entre estes. Utilizou-se como procedimento metodológico para a realização desse trabalho a realização de pesquisa bibliográfica e análise documental sobre o setor de laticínios do RN. Ao termino deste trabalho chegou-se a conclusão de que as políticas públicas e a reestruturação do setor de laticínios no RN têm favorecido, sobretudo a manutenção do status quo da elite econômica potiguar, mantendo e acirrando as desigualdades socioespaciais no campo e na cidade. Palavras-chave: Território. Reestruturação produtiva. Políticas Públicas. Desenvolvimento rural. Rio Grande do Norte. Introdução

O trabalho que ora propõem-se, resulta das reflexões iniciais que se estar a realizar no

âmbito do Programa de Pós-Graduação e Pesquisa em Geografia da Universidade

Federal do Rio Grande do Norte para fins de concretização do trabalho de dissertação de

mestrado, intitulado “A reestruturação produtiva da pecuária bovina leiteira no estado

do Rio Grande do Norte: reflexões a partir do processo de produção do espaço e da

redefinição das relações sociais de produção”, tendo este por objetivo principal analisar

o processo de reestruturação produtiva da pecuária bovina leiteira no estado do Rio

Grande do Norte, no período situado entre 1990 a 2010. Este trabalho especificamente

tem como objetivo compreender a relação existente entre o processo de reestruturação

produtiva da pecuária, as políticas públicas e o desenvolvimento rural no RN.

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Nesse sentido cabe destacar que a cadeia produtiva do leite no Rio Grande do Norte é

formada por produtores de diversos níveis produtivos e realidades também distintas,

desde o pequeno produtor de leite ou derivados, a grandes produtores e industriais de

laticínios, todos estes beneficiados em diferentes escalas e modos pelas políticas

públicas direcionadas para o setor, que têm contemplado prioritariamente a atividade

criatória, cabendo aqui destacar a atuação do governo do estado que, por meio do

programa do leite, absorve boa parte da produção beneficiada pelo setor industrial,

assegurando demanda certa e garantindo um preço mínimo para o leite produzido.

O Rio Grande do Norte, embora não totalmente propício ao desenvolvimento da

pecuária sob a lógica do capital, tem nesta atividade, que é contraditoriamente irregular

e pouco lucrativa, no entanto perene em termos de geração de renda, um dos pilares de

sua economia, o que se constata principalmente quando se visita as suas áreas rurais e

percebe-se a presença predominante de pequenas propriedades familiares, nas quais a

criação de gado e a agricultura de subsistência são as principais atividades produtivas,

bem como a coexistência entre unidades artesanais e industriais de

processamento/beneficiamento de leite e produção de laticínios.

Dada a complexa realidade do setor de laticínios no estado, nos inquieta refletir sobre

qual a relação existente entre a reestruturação produtiva da pecuária, a ação do estado

por meio das politicas e programas de governo e a contribuição destes processos para a

efetivação do desenvolvimento no Rio Grande do Norte.

Território e Reestruturação produtiva: uma aproximação teórica

Em sua gênese o conceito de território esta associado diretamente à noção de uma base

material sobre a qual se desenvolve relações de poder, no entanto é valido destacar que,

a partir desta perspectiva, várias outras concepções foram formuladas, a partir de

desdobramentos diretos desta noção pelo acréscimo de novos elementos que

redimensionaram o conceito.

O entendimento acerca do conceito de território adotado neste trabalho, parte da

premissa já exposta de que o território se constitui através da efetivação de relações

sociais, estas sendo marcadas por manifestações de poder e pela construção de

estruturas materiais que viabilizam o desenvolvimento das ações humanas, sendo então

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o território, o espaço sobre o qual o homem projeta o trabalho (RAFFESTIN, 1993). Em

síntese quando se faz menção ao conceito de território faz-se referencia à noção de

limite que, mesmo não sendo traçado, como em geral ocorre, exprime a relação que um

grupo mantém com uma porção do espaço.

Raffestin (1993), em sua obra “Por uma Geografia do poder”, chama a atenção para a

necessidade de se distinguir espaço e território, uma vez que para ele, estes não são

termos equivalentes, pois possuem sentidos e significados distintos, embora estejam

intimamente relacionados. No entanto o referido geógrafo destaca um fato sutil, apesar

de muito válido para este entendimento, ao propor que o espaço antecede ao território, e

nesse sentido argumenta que

o espaço é, portanto anterior, preexiste a qualquer ação. O espaço é, de certa forma, “dado” como se fosse uma matéria-prima. Preexistente a qualquer ação. “Local” de possibilidades, é a realidade material preexistente a qualquer conhecimento e a qualquer prática dos quais será o objeto a partir do momento em que o ator se manifeste a intenção de se apoderar. O território se apoia no espaço, mas não é o espaço. (RAFFESTIN, 1993, p. 144)

Partindo desta compreensão, apreende-se que o território é historicamente construído,

socialmente delimitado, possuindo ainda temporalidades diversas e estruturas também

distintas. Isto se torna claro, ao se perceber que Raffestin para embasar as suas

formulações teóricas acerca do conceito de território, apoia-se na teoria da produção do

espaço, proposta por Henry Lefebvre, e nesse sentido enfatiza que o autor supracitado,

ilustra de forma bastante eficaz, o processo por meio do qual o espaço, se transforma em

território: “A produção de um espaço, o território nacional, espaço físico, balizado,

modificado, transformado pelas redes, circuitos e fluxos que ai se instala: rodovias,

canais, estradas de ferro, circuitos comerciais e bancários, autoestradas e rotas aéreas

etc.”

O conjunto dos objetos geográficos, socialmente construídos, implantados de forma

seletiva e organizados sobre o território, determina a existência e a conformação dos

sistemas territoriais. Nesse sentido pode-se inferir que os sistemas territoriais se

constituem no invólucro a partir do qual se desdobram as relações de poder, as

atividades produtivas e a realização da vida. Claude Raffestin ao lançar olhar sobre a

ideia de sistemas territoriais, afirma que

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O sistema é tanto um meio como um fim. Como meio, denota um território, uma organização territorial, mas como fim conota uma ideologia da organização. É portanto, de uma só vez ou alternadamente, meio e finalidade das estratégias. Toda combinação territorial cristaliza energia e informação, estruturadas por códigos. Como objetivo, o sistema territorial pode ser decifrado a partir das combinações estratégicas feitas pelos atores e, como meio, pode ser decifrado por meio dos ganhos e dos custos e, como meio, pode ser decifrado por meio dos ganhos e dos custos que acarreta para os atores; o sistema territorial é, portanto, produto e meio de produção. (RAFFESTIN, 1993, p.158).

Apoiando-se nessa ideia de sistemas territoriais, torna-se perceptível a relação existente

entre os sistemas territoriais e as estruturas produtivas vigentes, estes possuindo relação

direta com o processo de reestruturação produtiva e espacial desencadeado pelo

capitalismo em sua fase atual. A partir desse entendimento supõe-se que os sistemas

territoriais refletem, mas também condicionam o processo de reestruturação produtiva,

que tem como dimensão espacial, o território.

O processo de reestruturação produtiva é, em seu entendimento clássico, comumente

analisado como sendo um conjunto de transformações estruturais, organizacionais e

técnicas ocorridas no interior das empresas e das instituições financeiras. No entanto

dada a complexidade do mundo do presente e partindo do entendimento que o espaço

geográfico é uma totalidade dinâmica, composta por múltiplas temporalidades e

espacialidades diversas que estão em constantes transformações, é crucial inserir nas

discussões sobre a reestruturação produtiva, a dimensão territorial desse processo.

Em uma analise bastante simplória feita a partir da semântica da palavra reestruturação,

apreende-se esta associando-se clareamento a um processo de transformação,

independente de sua natureza. Soja (1993) ao analisar o conceito de reestruturação,

afirma que:

A reestruturação, em seu sentido mais amplo, transmite a noção de uma “freada”, se não de uma ruptura nas tendências seculares, e de uma mudança em direção a uma ordem e uma configuração significativamente diferentes da vida social, econômica e política. Evoca, pois, uma combinação sequencial de desmoronamento e reconstrução, de desconstrução e tentativa de reconstituição, provenientes de algumas deficiências ou perturbações nos sistemas de pensamento e ação aceitos. (SOJA, 1993, pág. 193)

É inegável que o emprego do termo reestruturação, em um primeiro momento remete-

nos a ideia de uma brusca transformação, por meio da qual uma nova estrutura, se

sobrepõe a uma estrutura pré-existente, o que desencadeia uma serie de transformações

sociais, politicas, técnicas e econômicas. (Alves, 2007)

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É valido destacar que tal entendimento acerca da reestruturação, distancia-nos da ideia

de processo, fato que em certa medida impossibilita uma leitura sobre a reestruturação

que leve em consideração as contradições inerentes a esse processo e afasta-nos do

entendimento de que a reestruturação produtiva acompanha os movimentos sociais e as

dinâmicas do território de forma reciproca.

Sobre a necessidade de se entender a reestruturação como um processo dinâmico que se

insere no movimento da totalidade do espaço, Lecionni (1998) adverte que

Cabe lembrar que as formas anteriores não se dissolvem nesse processo de reestruturação, elas se modificam e são modificadas pela teia de relações em movimento. Tornam-se, sim, subordinadas face ao desenvolvimento dessas novas formas que reestruturam tanto a sociedade como o espaço. (LENCIONNI, 1998, p. 08)

Ao adotar este entendimento Gomes (2011) destaca que reestruturação produtiva são

conjuntos de transformações que vêm ocorrendo no setores produtivos,

transformações estas que se dão a partir da redefinição das relações de produção, sejam

elas sociais ou técnicas, assim como pelo rearranjo espacial dos processos produtivos.

Nesse sentido a referida autora apresenta uma concepção de reestruturação, que pode

ser compreendida “como algo dinâmico, um processo dialético, em que elementos do

“novo” e do “velho” coexistem”. Tal visão de Gomes é valida tanto para as empresas

como para o setor agropecuário, onde é perceptível a relação existente entre o

tradicional e o moderno, nos modos de produção implantados.

Partindo desta compreensão, quando falamos em reestruturação produtiva estamos nos

referindo às mudanças ocorridas nos elementos que compõem a realização do processo

produtivo, devido à rearticulação das formas de acumulação do capital industrial

(MIZUSAKI, 2009). No entanto, é preciso compreender que essas transformações,

alteram não somente as formas de produzir, mas extrapola a elas, irradiando-se sobre

varias dimensões da realidade econômica, social e espacial a ela (reestruturação

produtiva) inter-relacionada.

A partir das reflexões realizadas sobre o processo de reestruturação produtiva, bem

como a partir da análise das concepções acima apresentadas, neste trabalho entende-se a

reestruturação produtiva como sendo um conjunto de transformações econômicas,

politicas, técnicas e sociais que ocorrem seletivamente em alguns setores da economia e

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de forma pontual sobre o território, o que requer para um entendimento satisfatório

deste processo, uma análise a partir de suas espacialidades e temporalidades.

Ao adotar esta concepção de reestruturação, encaminhamo-nos para a noção de

reestruturação do território, uma vez que em todo território, preexiste alguma estrutura

que o próprio capital construiu para sua reprodução, e que num determinado momento

para que ele continue sobrevivendo, torna-se necessário que se reorganize o sistema

territorial ou se estabeleça uma nova organização na divisão territorial do trabalho.

A destarte cabe ressaltar que tanto a reestruturação produtiva, como sua dimensão

espacial, a reestruturação territorial, são processos desencadeados pelo capital, de modo

a garantir a sua reprodução continua, bem como a sua acumulação ampliada.

No Brasil e de modo mais específico nas áreas rurais do país, tais processos,

socioeconômicos e espaciais, estão diretamente associados à formulação de politicas

publicas para essas áreas, as quais a priori deveriam agir como motores para o

desenvolvimento rural.

Estado, Políticas públicas e desenvolvimento rural: uma reflexão.

Nas ciências humanas e de forma mais expressiva nas ciências sociais, muito tem se

discutido sobre o conceito e as funções do Estado, principalmente a partir do

lançamento das obras de Poullantzas, Millimband e Claus offe. No entanto, neste

trabalho optar-se-á pelas leituras formuladas sobre o estado capitalista a partir da obra

do geógrafo David Harvey, uma vez que nas leituras feitas por este a partir das teorias

marxistas, privilegia como dimensões de análise o papel do estado no processo de

expansão geográfica do capital e na produção/organização do espaço, elementos

favoráveis para a realização de análises eminentemente geográficas.

Comumente ao se fazer menção ao estado, reportamo-nos a uma base territorial, sobre a

qual se desenvolve relações de poder, provenientes da manifestação das disputas de

classes, essas sendo controladas pelo governo.

A partir do exposto fica evidente que Estado e Governo, são interdependentes e

complementares, no então não se pode jamais, pensar que ambos significam a mesma

coisa, ou que tem a mesma representatividade.

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Hofling (2001) é bastante precisa ao estabelecer a diferença entre Estado e Governo, ao

afirmar que estes são respectivamente “o conjunto de instituições permanentes – como

órgãos legislativos, tribunais, exército e outras que não formam um bloco monolítico

necessariamente – que possibilitam a ação do governo”, este ultimo sendo então

O conjunto de programas e projetos que parte da sociedade (políticos, técnicos, organismos da sociedade civil e outros) propõe para a sociedade como um todo, configurando-se a orientação política de um determinado governo que assume e desempenha as funções de Estado por um determinado período (HOFLING, 2001, p.31).

Partindo desta compreensão o Estado assume uma função precisa no que diz respeito à

garantia da propriedade privada, assegurando assim a dominação dos proprietários dos

meios de produção sobre os não proprietários, atuando então como uma entidade

particular que, em nome de um suposto interesse geral defende os interesses comuns da

classe dominante. Nesse sentido é preciso se ter clareza sobre qual o entendimento que

se tem acerca do Estado que se configura no mundo capitalista. Para isso é crucial

resgatar as ideias de Marx, para o qual o Estado não é mais do que um comitê para

administrar os negócios coletivos de toda classe burguesa (MARX e ENGELS, 1998).

Na atualidade, de acordo com Harvey (2005/2012), o Estado tem atuado principalmente

de modo a garantir o processo de reprodução contínua e a acumulação ampliada do

Capital. O autor adverte que na atualidade o Estado desempenha um papel fundamental

na garantia do direito a propriedade privada dos meios de produção e da força de

trabalho, o cumprimento dos contratos, a proteção dos mecanismos de acumulação, a

eliminação das barreiras à circulação do capital e mobilidade da força de trabalho, sendo

responsável ainda pela estabilização dos sistemas monetários. A partir do exposto fica

clara a relação de interdependência entre o Estado e o capital, de modo que não se pode

compreendê-los de forma dissociada, pois para se analisar a expansão geográfica do

capital é preciso antes se entender a dinâmica e a lógica do Estado.

No entanto, para além das funções desempenhadas pelo Estado no processo de

reprodução do capital, este tem ainda por obrigação desenvolver ações que visem à

construção de infraestruturas físicas e sociais, assim como propor ações e serviços que

visem atender ao todo da sociedade, através do uso coletivo dos bens públicos. Para o

cumprimento satisfatório dessas funções o Estado utiliza como recurso a elaboração de

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políticas públicas ou políticas sociais, estas últimas, comumente direcionadas para as

camadas socialmente marginalizadas.

Em linhas gerais Políticas públicas são diretrizes, princípios norteadores de ação do

poder público; regras e procedimentos para as relações entre poder público e sociedade,

mediações entre atores da sociedade e do Estado. Estas devem ser pensadas não como

ações estáticas, mas sim como um processo dinâmico, com negociações, pressões,

mobilizações, alianças ou coalizões de interesses (TEIXEIRA, 2002). Comumente se

constituem a partir de ações explicitadas, sistematizadas ou formuladas em documentos

(leis, programas, linhas de financiamentos) que orientam ações que normalmente

envolvem aplicações de recursos públicos.

De acordo com Hofling (2001) as políticas públicas são o “Estado em ação,

implantando um projeto de governo, através de programas, de ações voltadas para

setores específicos da sociedade”. É valido destacar então que algumas políticas

públicas visam desde a sua formulação, atender demandas e necessidades básicas das

classes sociais menos favorecidas, estas se caracterizando então como políticas sociais.

Nesse sentido cabe evidenciar que toda politica social, é uma politica pública, no

entanto nem toda pública é um política social. As politicas sociais se referem a “ações

que determinam o padrão de proteção social implementado pelo Estado, ações essas

voltadas, em princípio, para a redistribuição dos benefícios sociais visando à diminuição

das desigualdades estruturais produzidas pelo desenvolvimento socioeconômico”

(HOFLING, 2001, p.31).

No Brasil percebe clara a existência de inúmeras politicas sociais, dentre as quais a mais

representativa é o programa Bolsa Família, este resultando em última instancia da

unificação de programas de governo como a Bolsa-Escola, Vale Gás, o Bolsa-

Alimentação e o Programa Nacional de Acesso à Alimentação – PNAA. Tal programa

destaca-se principalmente em virtude de sua área de abrangência que cobre todo o

território nacional, bem como pelo grande número de beneficiários. Nesse sentido é

valido destacar que outras políticas públicas encontram-se em vigência no País,

destinadas a áreas especificas do território ou a setores específicos da economia, como

por exemplo e o Programa Nacional de Fortalecimento da Agricultura Familiar

(PRONAF) e o Programa Nacional de Melhoria da Qualidade do Leite (PNMQL), este

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ultimo sendo de fundamental importância para se compreender a reestruturação da

pecuária bovina leiteira no Brasil.

O conjunto dessas politicas, assim como a modernização da agricultura e a criação de

infraestruturas instaladas no campo, são agentes motores do processo de

desenvolvimento rural, no entanto este não deve ser entendido simplesmente a partir da

dinamização ou urbanização do campo, uma vez que o desenvolvimento rural passa

antes pela valorização dos territórios rurais e dos sujeitos que nestes espações

desenvolvem as ações de sua vida cotidiana e neles se reproduzem socialmente.

Abramovay e Veiga (1999), partindo da concepção de desenvolvimento formulada por

Amartya Sen, que compreende o desenvolvimento a partir da aquisição e expansão das

liberdades individuais, defendem como elementos fundamentais do processo de

desenvolvimento rural a valorização e fortalecimento da agricultura familiar, a

diversificação das economias agropecuárias nos territórios rurais, o estímulo ao

empreendedorismo local, o fortalecimento do capital social nos territórios e a

contribuição do Estado para a formação de arranjos institucionais locais, implantados

sobre o território.

Nessa mesma perspectiva Locatel e Hespanhol (2006, p.09), destacam que

pensar o desenvolvimento rural a partir de uma perspectiva territorial, exige a elaboração de políticas estruturais que estabeleçam os instrumentos jurídicos, financeiros e formativos, a fim de atingir a todos os tipos de unidades de produção agrícola, ou seja, que atenda as necessidades de cada categoria de produtor, para que essas possam gerar mais renda, seja através do ganho de produtividade, do associativismo, ou através de alternativas como a diversificação da renda, a especialização produtiva voltada para nichos de mercados, a agroindustrialização, ou ainda o desenvolvimento da prestação de serviços.

Tal ponto de vista privilegia principalmente a ideia de desenvolvimento territorial como

processo e adota como referência espacial para esse processo, o território, com todas as

características e nuances. Nessa perspectiva as políticas públicas e os programas

voltados para o desenvolvimento territorial devem ser formuladas levando em

consideração os anseios da população, as necessidades da comunidade e as

características associadas à dinâmica do território, desse modo deve-se evitar a

transposição de politicas, pois como sugere Locatel e Hespanhol (2006) não se deve

pensar em transposição de programas de uma realidade para outra. O que se pode

realizar é a adoção dos mesmos paradigmas científicos e de elementos de intervenção e,

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a partir de então, criar um conjunto de medidas de intervenção adequadas à realidade do

território onde essas políticas serão aplicadas.

No Brasil a dimensão territorial tornou-se a unidade espacial de referência para a

formulação das políticas publicas a partir da década de 1990, no entanto, “a abordagem

territorial não é protagonista e sim coadjuvante, pois tal perspectiva foi apenas

parcialmente adotada e se restringe aos projetos voltados a dinamização de espaços

rurais” (HESPANHOL, 2008, p.12). Acerca das impossibilidades de efetivação concreta

do desenvolvimento territorial, o autor destaca que

a operacionalização do desenvolvimento territorial é praticamente impossível de ser implementada quando perduram a elevada concentração da propriedade da terra, a grande concentração social e regional da renda, o esgarçamento do tecido social e a falta de dinamismo econômico. Tais características associadas à permanência de uma estrutura institucional ainda vinculada a lógica produtivista e setorial obstam as iniciativas ligadas à implementação da abordagem territorial de desenvolvimento (HESPANHOL, 2008, p. 18).

Somado a esses fatores, alguns outros elementos agem dificultando as possibilidades

reais de efetivação do desenvolvimento territorial, tais como a ausência de dinâmicas

que valorizem a participação popular, a manutenção de relações de poder pautadas no

coronelismo, que assegura o status de superioridade das elites dominantes, somado a

tudo isso ainda aparece a ineficiência dos gestores das políticas públicas e a

precariedade das instituições de governo, responsáveis pela execução das políticas de

desenvolvimento rural.

O período no qual se insere a dimensão do território nas políticas para o

desenvolvimento rural no Brasil, é o mesmo no qual se inicia o processo de

reestruturação produtiva da pecuária no Brasil, o qual tem como marco a instituição e o

lançamento do Programa Nacional de Melhoria da Qualidade do Leite, que a partir de

então regulamenta a produção de laticínios em todo o país. Todas essas transformações

ocorreram na última década do século XX, a partir da ação do Estado, que legitima as

ações por meio das políticas públicas, algumas delas encaminhando-nos para a

efetivação concreta do processo de desenvolvimento rural.

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O Programa Nacional de Melhoria da Qualidade do Leite e sua relação com a reestruturação produtiva da pecuária no Brasil. O Brasil, a exemplo de outros países, esteve inserido nos processos de reordenação

econômica, oriundos das políticas neoliberais, a partir da década de 1990. Como

consequência disso, o Estado se tornou menos intervencionista, permitindo que as leis

de mercado atuassem com mais liberdade.

Assim, observa-se que no setor de laticíniois, a partir da liberalização do preço do leite,

proporcionando a desregulamentação do mercado desse produto, o Brasil se tornou um

país atrativo para a instalação e expansão de empresas multinacionais, e até mesmo

nacionais, relacionadas ao setor de lácteos. Isso porque essas empresas passaram a ter

mais liberdade para atuar nesse setor, podendo estabelecer, de acordo com as leis da

oferta e da procura, o preço pela compra do leite cru e também pela venda do leite

pasteurizado, o que lhes proporcionou uma margem elevada de lucros.

No que diz respeito estritamente aos derivados do leite, como o leite em pó, por

exemplo, de acordo com CORADINI e FREDERIC (1982) para esse tipo de produto

não havia regulamentação governamental no período que antecedeu as políticas de

liberalização dos preços. Assim, as empresas multinacionais, que já atuavam no setor

leiteiro, investiam principalmente no ramo dos derivados do leite, pois tinham liberdade

para comercializá-los impondo os preços que julgassem ser convenientes. Desse modo,

nesse período, o investimento na pasteurização do leite não era atrativo para as

empresas multinacionais.

Outra razão que explica as intensas transformações na cadeia produtiva do leite no

Brasil, a partir da década de 1990, dentro das políticas neoliberais, refere-se à abertura

comercial. Nesse contexto, pode-se inferir acerca da formação do Mercosul, o que

proporcionou a ampliação do mercado e a competição entre os países membros. Em

relação a isso, Pedroso (2002, p.24) enfatiza que:

A formação do Mercosul implicou uma ampliação do mercado interno para os países membros. A eliminação das barreiras ao comércio possibilitou que as demandas fossem satisfeitas pelo acesso aos produtos exportados. Com a ampliação da oferta de lácteos, intensificou-se a concorrência entre os países membros. Essa concorrência induziu a fortes investimentos de empresas locais e estrangeiras estimulando-se, assim, ganhos de produtividade através de modernização, especialização e incorporação de tecnologias.

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Devido às transformações inerentes à cadeia produtiva do leite no Brasil, a partir da

década de 1990, com a abertura comercial, a desregulamentação do mercado (com o fim

do tabelamento do leite) e a expansão das indústrias de transformação multinacionais

relacionadas ao setor leiteiro, o Brasil passou a elaborar e a desenvolver políticas

referentes à modernização da produção de lácteos. Isso porque, com a inserção

crescente do país no mercado internacional de laticínios, o mesmo precisa apresentar

um padrão de qualidade de seu produto que esteja à altura das exigências internacionais,

com o intuito de manter-se cada vez mais competitivo. Nesse sentido, toda a cadeia

produtiva do leite no Brasil tem como preocupação fundamental o melhoramento da

qualidade dos produtos lácteos, até mesmo porque o mercado consumidor está cada vez

mais exigente.

Desse modo, Mariani (2006) falando da conjuntura atual da cadeia do leite diz que há

fortes apelos, vindos da própria indústria de laticínios, para que todos se adaptem à

globalização da economia, para que os produtores produzam determinados tipos de

leite, que têm aceitação pelos consumidores, e se empenhem em melhorar os índices de

produção, pois todos estão sendo coagidos pela competitividade. Nesse sentido,

percebe-se a indução de uma política modernizante e globalizante para o setor,

desconsiderando, muitas vezes a dimensão histórica e o saber tradicional em sua

essência. Associada a isso se observa a importância do mercado consumidor como um

agente estimulante da melhoria da qualidade da produção leiteira, pois essa produção de

qualidade é influenciada pela demanda dos consumidores, que associa-se a lógica

modernizante do tempo atual.

Então, no intuito de atingir essa qualidade para a produção leiteira e modernizá-la, bem

como tornar o Brasil cada vez mais competitivo no setor de lácteos, iniciou-se em 1996

a construção do Programa Nacional de Melhoria da Qualidade do Leite (PNMQL),

conforme se pode verificar nas palavras de Mariani (2006, p.23):

A busca de mudança desta realidade, com vistas à oferta de qualidade sanitária para o consumidor nacional, mas também visando a maior participação brasileira do mercado internacional, passou a ser construída a partir de 1996, com o estabelecimento do Programa Nacional de Melhoria da Qualidade do Leite (PNMQL), visando o aumento da competitividade e a modernização do setor lácteo nacional.

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No entanto, a efetivação da lei que de fato estabeleceu as normas referentes à qualidade

do leite no Brasil somente se concretizou com a Instrução Normativa Nº 51 (IN 51) de

18/09/2002 do Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento (MAPA).

Nesse sentido é preciso se reconhecer que o Programa do Nacional de Melhoria da

Qualidade do Leite, foi um elemento chave para a reestruturação produtiva da pecuária

bovina leiteira no Brasil, no entanto criticas precisam ser feitas ao referido programa,

uma vez que este em certa medida, corroborou para o acirramento das disparidades

existentes entre os diferentes grupos de produtores que integram a atividade, visto que

suas ações priorizam os produtores especializados, já industrializados ou semi-

industrializados em detrimento dos produtores não especializados, que compõe o setor

artesanal.

A modernização da produção leiteira brasileira, como já fora ressaltado, deve ser

entendida a partir de uma conjuntura mais ampla, ou seja, dentro do contexto dos vários

agentes/atores da cadeia do leite. Além disso, deve-se ressaltar como ponto de partida,

as exigências internacionais para a qualidade do leite, as quais pressionam, de certa

forma, o Brasil a inserir-se nesse processo a fim de tornar-se competitivo

internacionalmente. Desse modo, com o intuito de atingir o cumprimento dessas normas

no contexto de toda a produção leiteira, o país está trabalhando, por exemplo, com

projetos de assistência aos produtores de leite, sendo que um desses projetos diz

respeito ao financiamento de resfriadores a granel aos pequenos produtores.

Desse modo, o governo federal transfere os seus recursos, por exemplo, para a

EMATER, a qual financia os resfriadores aos produtores. Dessa forma, o governo

federal está induzindo à modernização da produção leiteira brasileira. Nesse sentido,

Mariani (2006, p.138) ressalta que:

o Estado tem relações próximas com a cadeia do leite, tanto é que no caso brasileiro que até 1991 interferia diretamente tabelando o preço do leite, neste caso, tornando-se um ator social da cadeia. Mas, a sua força está situada enquanto um agente externo, tornando-se um agente que faz a auto-regulação externa. Esta relação interessa aos dois agentes de forma distinta; ao Estado, para implementar as suas políticas e aos agentes da cadeia permite que se organizem enquanto grupo de interesses e pressão para obter vantagem sobre uma atividade produtiva.

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No estado do Rio Grande do Norte, um dos pilares da reestruturação produtiva do setor

de laticínios, foi o Programa do Leite, implementado pelo governo estadual, como uma

politica social, que para além de visar o fortalecimento do setor, buscava minimizar os

aspectos da fome e das desigualdades sociais no estado.

A reestruturação produtiva da pecuária leiteira face ao processo de

desenvolvimento rural no Rio Grande do Norte: breves considerações.

O Programa do Leite, atualmente chamado de “Programa Leite Potiguar”, coordenador

pela Secretaria do Estado de Ação Social – SEAS – atende preferencialmente a

população carente das áreas periféricas localizadas nos centros urbanos, assim como

povoados e distritos situados no interior do estado.

O leite distribuído é pasteurizado do tipo “C”, acondicionado em embalagens plásticas

com o logotipo do governo do estado. A entrega do leite pela usina responsável pelo

abastecimento do município é feita diariamente em horário previamente marcado com o

coordenador local do programa, sendo as empresas fornecedoras do leite, as

responsáveis pela infraestrutura de armazenamento nos postos de distribuição (MELO,

1999).

As famílias beneficiárias do Programa do Leite são contempladas com um litro de leite

por dia e são selecionados de acordo com os seguintes critérios: famílias com renda

mensal de até um salario mínimo, com crianças de seis meses a um ano, ou que

apresentam deficiência ou encontram-se vitimados pela desnutrição; famílias com

chefes desempregados ou com renda mensal de até um salário mínimo, que possuem

uma gestante.

Não obstante a estas regras gerais, a seleção dos beneficiários do Programa do Leite está

vinculada ao cumprimento de algumas exigências, nesse sentido os requisitos

fundamentais para a permanência no referido programa são os seguintes: as crianças

devem apresentar a carteira de vacinação mensalmente, devidamente atualizada; as

gestantes devem apresentar o atestado médico do exame pré-natal trimestralmente; as

mães em período de amamentação devem apresentar a carteira de saúde do SUS; as

crianças desnutridas devem mostrar o atestado indicando o grau de desnutrição; os

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deficientes físicos devem apresentar a declaração médica comprovando a não condição

para o trabalho e comprovar que não são aposentados.

O programa em questão tem como objetivo principal reduzir as carências nutricionais e

a fome das famílias pobres que sobrevivem com regime alimentar irregular, através da

distribuição do leite pasteurizado. Outros objetivos embora não previstos inicialmente

pelo programa, foram adicionados a este durante a sua vigência, dentre estes objetivos

secundários destacam-se a manutenção e a industrialização do setor de laticínios no RN,

tal como a geração de emprego e renda no Estado, relacionados à cadeia produtiva do

leite.

No que se refere à composição dos agentes do setor de laticínios que participam

integralmente do programa do leite, destaca-se a maciça participação dos produtores

especializados, os quais de acordo com Jank e Galan (1999, p.190), caracterizam-se

como sendo

aqueles que têm como atividade principal a produção de leite, obtida a partir de rebanhos leiteiros especializados e outros ativos específicos para este fim, tendo investido em know-how, tecnologia, economias de escala, e até alguma diferenciação do produto (a exemplo dos leites tipo A e B). Por especialização entende-se a aplicação de recursos financeiros em elementos de incremento da produção de leite em termos de volume e qualidade, como vacas especializadas de raças europeias, alimentos concentrados (farelo de soja, fubá de milho, polpa cítrica, etc.), alimentos volumosos (pastagens e forrageiras de alta produção, silagem, fenação, etc.), equipamentos de ordenha, misturadores, resfriadores de leite, etc.

Em decorrência do processo de reestruturação produtiva da pecuária bovina leiteira e da

implementação do Programa do leite, observa-se no Rio Grande do Norte a expansão do

setor industrial de laticínios particular/ privado, uma vez que o estado apresentava no

início dos anos 1990 aproximadamente 5 indústria de laticínios, dispondo atualmente de

29 indústrias, todas incentivadas de algum modo pelo setor público, de acordo com

dados do Cadastro empresarial do RN (FIERN, 2011).

Sobre as indústrias de laticínios no RN, é notório como estas estão distribuídas de forma

irregular ao longo do território potiguar e não possuem alta capacidade de absorção de

força de trabalho, uma vez que a maioria dos estabelecimentos empregam no máximo

29 funcionários, conforme se evidencia no mapa abaixo.

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Mapa de Localização das indústrias de laticínios no Rio Grande do Norte classificadas por numero de empregados.

Para além dos dados expostos é preciso destacar que no Rio Grande do Norte, destaca-

se a presença e a atuação dos pequenos produtores familiares na pecuária bovina leiteira

do estado, os quais de acordo com o autor acima mencionado podem ser tratados como

sendo os produtores não especializados, os quais têm como principais particularidades,

trabalharem

com tecnologia extremamente rudimentar, para os quais o leite ainda é um subproduto do bezerro de corte (ou vice-versa, dependendo da época do ano) e, por isso mesmo, são capazes de suportar grandes oscilações de preços. Trata-se, na sua maioria, de produtores que encontram no leite uma atividade típica de subsistência, portanto não empresarial, que serve mais como uma fonte adicional de liquidez mensal, onde os custos monetários são, no geral, bastante reduzidos. (JANK; GALAN 1999, p.191).

Partindo deste entendimento é inegável que os produtores não especializados que

compõe o setor de laticínios no Rio Grande do Norte, ainda enfrentam inúmeras

dificuldades, principalmente em virtude do fato de não conseguirem se estabelecer em

programas e atividades produtivas ou comercias que funcionam de modo a atender a aos

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interesses do sistema capitalista, este pautado na competitividade e eficiência dos

setores produtivos.

Nesse sentido os produtores não especializados, em sua maioria se inserem na cadeia

produtiva do leite, por meio de suas afiliações a cooperativas, as quais comercializam o

leite para o abastecimento das demandas diárias do programa do leite. Na atualidade o

governo do estado paga por litro de leite o valor liquido de 0,85 R$ centavos,

pagamento este que em alguns períodos do ano não ocorre de maneira regular, fato que

enfraquece o setor e desestabiliza ainda mais os produtores não especializados. Parcelas

significativas dos pequenos produtores também comercializam sua produção no setor

artesanal de laticínios, representado pelas queijeiras, as quais enfrentam diversas

dificuldades, desde capacidade tecnológica, inexistência de um comércio justo, acesso a

politicas publicas, entre outros problemas.

É valido ressaltar que o leite repassado ao Programa do Leite no RN, precisa

obrigatoriamente atender as sanções normativas do Programa Nacional de Melhoria da

Qualidade do Leite, que regulamenta as condições de higiene adequadas para o

momento da ordenha. Exigências essas que se referem ao armazenamento, transporte e

distribuição do leite, obrigando os fornecedores a realizarem ainda a granelização e

pasteurização do leite fornecido. Por não terem condições de atender a tais existências

muitos pequenos produtores, encontram como alternativas para a sua manutenção no

setor a filiação as cooperativas, o entreposto de leite aos atravessadores ou a venda

direita do leite as unidades de beneficiamento e processamento do leite. Neste contexto

os pequenos produtores não especializados encontram-se triplamente marginalizados,

por não terem as condições essenciais para realizarem uma produção independente, por

se inserirem na cadeia produtiva do leite de forma perversa, necessitando da figura do

atravessador ou por terem que obedecer aos ditames, assim como por terem que aceitar

os preços e as condições impostas pelas unidades de beneficiamento do leite.

No entanto é preciso que se reconheça, que embora a pecuária não seja uma atividade

lucrativa e instável no Rio Grande do Norte, esta ainda se coloca como uma fonte de

renda reduzida, no entanto perene, para os pequenos produtores artesanais que atuam e

sobrevivem do setor de laticínios (Azevedo; Pessôa, 2005).

Deve-se considerar ainda que o Programa do Leite apresenta diversas fragilidades, no

entanto é preciso reconhecer que este programa, juntamente com o PRONAF, e outras

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politicas destinadas especificamente às áreas rurais, tem se apresentado como

ferramentas catalizadoras para o desenvolvimento rural no Rio Grande do Norte. Pois

como reconhece Azevedo (2005, p. 22) a eletrificação rural, a penetração dos meios de

comunicação no campo (rádio, televisão e telefone celular), as vias de circulação dando

maior acessibilidade às pessoas e produtos, a acessibilidade aos meios de transporte, o

impulso dado pelo governo ao conceder recursos para a aquisição de vacas leiteiras,

maquinas e equipamentos, e para a realização de outras benfeitorias para a propriedade,

assim como a implantação do Programa do Leite, que absorve boa parte do volume de

leite produzido no estado, associado aos benefícios de outros programas sociais, a

exemplo do bolsa família, são elementos que nos possibilita pensar a relação existente

entre as políticas públicas, a reestruturação produtiva da pecuária e o desenvolvimento

rural, não obstante as contradições inerentes a esse processo.

Deste modo é valido destacar que ações do Estado, frente à realidade e aos problemas

enfrentados pelo setor de laticínios no Rio Grande do Norte, deveriam ser mais amplas,

não se resumindo a um único programa, este deveria atuar de modo a garantir o

fortalecimento do setor através da diversificação dos produtos adquiridos, da injeção de

recursos nas pequenas propriedades rurais e do pagamento justo, pelos produtos

adquiridos, o que ampliaria as possibilidades de inserção e manutenção dos pequenos

produtores não especializados no setor, o que possivelmente corroboraria de fato para o

desenvolvimento rural.

Nesse sentido é preciso asseverar que no Rio Grande do Norte, as políticas setoriais do

Governo, bem como o processo de reestruturação produtiva da pecuária, não tem sido

suficientes na promoção do desenvolvimento rural, pois os recursos e projetos

implementados pelo estado, voltados para a reestruturação do setor de laticínios, têm

favorecido antes a geração e a manutenção das desigualdades, uma vez atende

primeiramente aos produtores especializados, que dispõem de melhor infraestrutura e

maior volume de recursos. Por outro lado, o contexto das políticas públicas em vigor

expõe os pequenos produtores não especializados a um quadro de marginalidade, uma

vez que estes em sua maioria não apresentam as condições exigidas para a participação

no referido programa, nem tampouco dispõem de recursos para melhorarem o sistema

produtivo dos seus estabelecimentos, de modo que possam atender as sanções

normativas do Programa Nacional de Melhoria da Qualidade do Leite.

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Considerações Finais Diante do contexto de mudanças e das intensas transformações que vem ocorrendo no

setor de laticínios no Brasil, verifica-se que a partir da década de 1990, tem se

desencadeado a (re)criação de classificações e estratificações dos produtores, devido

dentre outros fatores, a implementação e exigências do Programa Nacional de Melhoria

da Qualidade do Leite (PNMQL). Tudo isso ocorre de acordo com o grau e capacidade

de modernização dos produtores, sua capacidade de investimento, e seus índices de

produtividade, consequentemente dividindo e classificando os produtores em

especializados e não-especializados. Assim, os primeiros são privilegiados em relação

aos segundos no que se refere à participação nos dividendos, melhorias e avanços dentro

da cadeia produtiva leiteira.

No que diz respeito às indústrias de laticínios, um dos agentes da cadeia leiteira, há que

se ressaltar que as mesmas também têm interesse na modernização dos pequenos

produtores, haja vista que as exigências de qualidade, as quais hoje vigoram sobre a

forma de lei, dizem respeito a todo o contexto da produção, do qual essas empresas

fazem parte, e onde essas sobressaem em relação aos demais agentes. No entanto, é

ilusório pensar que as grandes empresas de laticínios serão solidárias em relação aos

pequenos produtores, pois o que interessa a estas de fato é a modernização da produção,

inclusive dos pequenos produtores, tendo em vista que é mais viável apropriar-se de um

produto que já atende minimamente as exigências dos órgãos fiscalizadores e do

mercado consumidor, sobretudo quando este se submete ao processo técnico-industrial

de beneficiamento.

Nesse sentido é crucial a atuação eficaz do Estado, no intento de assegurar a

organização dos produtores, a assistência técnica adequada, o crédito necessário, o

estímulo ao comércio justo e/ou a aquisição de parte expressiva da produção dos

pequenos produtores, oferecendo um valor justo pelo produto, de modo a assegurar a

estes produtores o suplemento básico para a manutenção de suas necessidades e as

condições mínimas para sua reprodução social.

Ademais, é importante que o Estado atue de modo a fomentar o desenvolvimento rural,

este pensando não como modernização do campo e nem sendo almejado por meio de

políticas setoriais, mas pensando a partir de uma perspectiva territorial, a qual deve

levar em conta as condições do local e os interesses dos sujeitos, bem como a

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participação destes na tomada das decisões e na formulação das intervenções a serem

realizadas, assim como na elaboração/concepção dos projetos a serem implementados.

No que se refere à ação do Estado no setor de laticínios do Rio Grande do Norte, bem

como no tocante ao processo de reestruturação produtiva da pecuária bovina leiteira

estadual, nota-se que esta não tem garantido a efetivação de um processo sólido de

desenvolvimento rural, uma vez que as políticas setoriais elaboradas para o setor têm

favorecido principalmente os produtores especializados e capitalizados, bem como o

setor industrial. Isso porque tais agentes já dispõem de uma melhor estrutura e maiores

recursos que garantem a adoção de práticas modernas de produção, ordenha e manuseio

do leite, além de terem maior facilidade de acesso ao crédito e ao mercado consumidor,

a exemplo da produção vendida para o governo, através de programas sociais.

Nesse sentido os produtores mais capitalizados e especializados são duplamente

favorecidos, primeiramente por terem maior facilidade de acesso ao crédito e às

políticas públicas, bem como por disporem de maior capacidade técnica, e segundo por

atenderem as exigências dos programas governamentais, de normatização e até mesmo

de aquisição da produção, o que garante a sua participação nestes últimos, assim como a

injeção cada vez maior de recursos no sistema produtivo.

Já os produtores não especializados encontram-se duplamente marginalizados, primeiro

porque muitas vezes enfrentam problemas de acesso ao crédito e/ou fazem uso de

técnicas rudimentares, o que compromete a sanidade do produto e a obtenção de

rendimento justo na atividade, e em segundo por terem as suas participações vetadas em

programas do governo, por não atenderem as exigências mínimas necessárias no que

concerne às condições sanitárias, o que os expõe a um alto grau de vulnerabilidade

dentro da cadeia produtiva do leite.

A partir dos estudos e análises já realizadas acredita-se que a atuação do Estado, se daria

de maneira mais eficaz e satisfatória, se as políticas públicas de fato valorizassem o

fomento ao desenvolvimento rural, necessitando para tanto priorizar em suas ações os

produtores não especializados, de modo a assegurar a manutenção, e quiçá, o

fortalecimento destes no setor, assim como assegurar as condições necessárias para a

sua reprodução social.

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