18
Ortolan, Maria Lucia Mantovanelli; Nakano, Patricia Sayuri; Zanetti, Sandra Aparecida Serra; Sei, Maira Bonafe. A relação mãe-filha em “sonata de outono”: considerações psicanalíticas | Analytica | São João de-Rei | v.6 | n. 11 | julho/ dezembro de 2017 | 205 A RELAÇÃO MÃE-FILHA EM “SONATA DE OUTONO”: CONSIDERAÇÕES PSICANALÍTICAS Maria Lúcia Mantovanelli Ortolan 1 Patrícia Sayuri Nakano 2 Sandra Aparecida Serra Zanetti 3 Maíra Bonafé Sei 4 1 Psicóloga, residente em Saúde da Família pela Universidade Estadual de Londrina. 2 Psicóloga pela Universidade Estadual de Londrina. 3 Psicóloga, mestrado, doutorado e pós-doutorado em Psicologia Clínica pelo Instituto de Psicologia da USP. 4 Psicóloga, mestrado, doutorado e pós-doutorado em Psicologia Clínica pelo Instituto de Psicologia da USP, docente do departamento de Psicologia e Psicanálise e orientadora do programa de Mestrado em psicologia da Universidade Estadual de Londrina.

A RELAÇÃO MÃE-FILHA EM “SONATA DE OUTONO”: …pepsic.bvsalud.org/pdf/analytica/v6n11/11.pdf · 2019-02-07 · Ortolan, Maria Lucia Mantovanelli; Nakano, Patricia Sayuri; Zanetti,

  • Upload
    others

  • View
    1

  • Download
    0

Embed Size (px)

Citation preview

Page 1: A RELAÇÃO MÃE-FILHA EM “SONATA DE OUTONO”: …pepsic.bvsalud.org/pdf/analytica/v6n11/11.pdf · 2019-02-07 · Ortolan, Maria Lucia Mantovanelli; Nakano, Patricia Sayuri; Zanetti,

Ortolan,MariaLuciaMantovanelli;Nakano,PatriciaSayuri;Zanetti,SandraAparecidaSerra;Sei,Maira

Bonafe.Arelaçãomãe-filhaem“sonatadeoutono”:consideraçõespsicanalíticas

| Analytica | São João de-Rei | v.6 | n. 11 | julho/ dezembro de 2017 |

205

ARELAÇÃOMÃE-FILHAEM“SONATADEOUTONO”:CONSIDERAÇÕESPSICANALÍTICAS

MariaLúciaMantovanelliOrtolan1

PatríciaSayuriNakano2

SandraAparecidaSerraZanetti3

MaíraBonaféSei4

1Psicóloga,residenteemSaúdedaFamíliapelaUniversidadeEstadualdeLondrina.2PsicólogapelaUniversidadeEstadualdeLondrina.3Psicóloga,mestrado,doutoradoepós-doutoradoemPsicologiaClínicapeloInstitutodePsicologiadaUSP.4Psicóloga,mestrado,doutoradoepós-doutoradoemPsicologiaClínicapeloInstitutodePsicologiadaUSP,docentedodepartamentodePsicologiaePsicanáliseeorientadoradoprogramadeMestradoempsicologiadaUniversidadeEstadualdeLondrina.

Page 2: A RELAÇÃO MÃE-FILHA EM “SONATA DE OUTONO”: …pepsic.bvsalud.org/pdf/analytica/v6n11/11.pdf · 2019-02-07 · Ortolan, Maria Lucia Mantovanelli; Nakano, Patricia Sayuri; Zanetti,

Ortolan,MariaLuciaMantovanelli;Nakano,PatriciaSayuri;Zanetti,SandraAparecidaSerra;Sei,Maira

Bonafe.Arelaçãomãe-filhaem“sonatadeoutono”:consideraçõespsicanalíticas

| Analytica | São João de-Rei | v.6 | n. 11 | julho/ dezembro de 2017 |

206

A temática do feminino é uma questão debatida em vários âmbitos, tanto científico

quantonasconversasdocotidiano.Frasescomo“Afinal,oquequeremasmulheres?”sefazemtão

popularesexatamentepelomistérioquerondaafeminilidade.Mistérioessetãocomumentreos

psicanalistas,poisatéoprópriopaidaPsicanálise,Freud,sepôsemabertoquantoàsmulheres,o

que elas são e o que elas desejam. Além do desafio científico que é estudar as questões do

feminino,háumajustificativaclínicasocialemseinvestigarafeminilidade,enãosóafeminilidade

em si, mas as relações entre esses femininos, entre as mulheres, entre mãe e filha,

especificadamente:háumademandacadavezmaiordemulhereschegandoàsclínicas,mulheres

estassofrendoporsuasrelaçõesparentaisconturbadas,filhasquesesentemnãomaisfilhas,mas

prisioneiras (Ribeiro, 2011). Este trabalho, então, se propôs a investigar os encontros e

desencontros da relação mãe e filha, dando enfoque ao processo de diferenciação e

indiferenciaçãoentreelas,apartirdofilme“SonatadeOutono”,noqualéretratadaumarelação

entremãeefilha.

Fundamentaçãoteórica

Aquestãodofeminino,segundoWolff(2009),remeteaumadimensãopsíquicaarcaica,

ligada à fundação do sujeito, e não atrelada às questões de sexo e/ou gênero. Vários autores

(Laplanche,1985;Stoller,1993;André,1996;Ribeiro,2011)entendemquetratardefeminilidade

é,antesdetudo,tratardaconstituiçãopsíquicadosujeito,sejaeledosexofemininooumasculino.

Para Wolff (2009), o feminino está ligado à capacidade de continência e de contemporização,

refere-seaoqueéreceptivo,sendoconstituídopelasidentificaçõesprimáriasepelastransmissões

parentais até mesmo antes do nascimento. Essa teorização do feminino se aproxima do que

Ribeiro (2011) traz ao apresentar o termo passividade primitiva como antecedente da

feminilidade. Observa-se assim que esse termo se mostra subsidiado pela teoria da sedução

generalizada,de JeanLaplanche.Tal concepçãocolocaobebê, independentementedosexo,em

umasituaçãooriginária(passividadeoriginária):umfemininoprimário(Ribeiro,2011).

Já Yi (2013), para conceitualizar a feminilidade, o ser feminino, dota-se do conceito da

invejadopênis,comoseessainvejaproporcionasseumtornar-semulher,pormeiodoscaminhos

Page 3: A RELAÇÃO MÃE-FILHA EM “SONATA DE OUTONO”: …pepsic.bvsalud.org/pdf/analytica/v6n11/11.pdf · 2019-02-07 · Ortolan, Maria Lucia Mantovanelli; Nakano, Patricia Sayuri; Zanetti,

Ortolan,MariaLuciaMantovanelli;Nakano,PatriciaSayuri;Zanetti,SandraAparecidaSerra;Sei,Maira

Bonafe.Arelaçãomãe-filhaem“sonatadeoutono”:consideraçõespsicanalíticas

| Analytica | São João de-Rei | v.6 | n. 11 | julho/ dezembro de 2017 |

207

que esta impulsiona o sujeito psíquico a se constituir. Freud (1996a), ao discorrer sobre a

sexualidade infantil, abordaaquestãoda invejadopênisapartirdapremissa fálica, fantasiana

qual as crianças, antes da partilha sexual, acreditam que todos têm, ou tiveram em algum

momento,oórgãofálico.Nessesentido,osmeninosserecusamaperceberadiferençaentreos

sexos, e asmeninas reconhecem tal diferença sentindo-se prejudicadas por não o possuir. São,

assim,tomadaspelointeresseporessapartedocorpomasculino,seguidopelainvejadesseórgão,

queconcentratodasasatençõesduranteainfância,resultandonodesejodeterumórgãoigualao

deles,serummenino.

A invejaadvémdodesejodepossuir algoqueela sabequenão tem.A constataçãoda

diferenciação sexual – e consequentemente a rejeição em ser-castrado –, segundo Yi (2013),

suscitaainvejadopênis,aangústiadaperdaeaambivalênciaoriginal,constituindo-se,então,a

estrutura que ordena a vida das mulheres. Nessa mesma linha de pensamento, Lima (2002)

completaqueaquestãodamulheré,antesde tudo,encaradacomoum lugar, lugaressequeé

vazio, não há significante/representante, assim como para omasculino há o falo, por exemplo.

Comisso,sermulhercorrespondeàbuscaporpreencheresselugar,preenchimentoessefeitopor

algumsemblantefálico,queinclusivepodeviraserumfilho.

Ao encarar amulher como um lugar vazio, que precisa de um semblante, Lima (2002)

problematizaamaternidade,odesejodesermãe,deterumfilho,comoumasaídaàfeminilidade,

uma resposta à pergunta “o que é ser mulher”. Essa teorização é baseada na ideia de Freud

(1996b)dequeodesejodeterumfilhoévestigiadopelainvejadopênis,jácomentadaacima.

ArelaçãoentrefeminilidadeematernidadetambémédebatidaporFariaseLima(2004)

quando comentam sobre o mito do instinto materno e a teorização freudiana da equivalência

pênis-criança. Assim, estabelece-se uma ligação entre maternidade e castração. Seguindo esse

raciocínio, em uma relação mãe e filha, faz-se importante entender qual é o lugar que a

maternidadetemparaamulher.Stellinetal.(2011)questionamamaternidadeeafeminilidadee

verificam que há recursos psíquicos necessários para que umamulher se constitua comomãe,

diferenciandootornar-semãeeosentir-semãe.Adependerdolugarqueamaternidadeocupana

vidadamãe,acriançapodeviraserumsintomaouumobjetodafantasiamaterna–acriança

podevirapreencherumafaltadamãeoubarraressamãe,fazerfunçãodecastraçãoaessamãe,

denunciando-lhe a falta, apontando-lhe sua condição como mulher. Entender como é a

Page 4: A RELAÇÃO MÃE-FILHA EM “SONATA DE OUTONO”: …pepsic.bvsalud.org/pdf/analytica/v6n11/11.pdf · 2019-02-07 · Ortolan, Maria Lucia Mantovanelli; Nakano, Patricia Sayuri; Zanetti,

Ortolan,MariaLuciaMantovanelli;Nakano,PatriciaSayuri;Zanetti,SandraAparecidaSerra;Sei,Maira

Bonafe.Arelaçãomãe-filhaem“sonatadeoutono”:consideraçõespsicanalíticas

| Analytica | São João de-Rei | v.6 | n. 11 | julho/ dezembro de 2017 |

208

maternidadeparaamãe,eacimadisso,entendercomosedáasexualidadeparaessamãeéde

extrema importância para que se esclareça a relação mãe-filha: “a maneira como a mãe

experiência sua sexualidade, ou seja, aquilo que para ela (mãe) também é da ordem do

enigmático,marcaopsiquismoemergentedeseubebê”(Ribeiro,2011,p.74).

Na tentativa de compreenderopapel da relaçãomãee filha, Seron,Del Prette eMilani

(2011)estudaramoprocessodeconstruçãodaidentidadefeminina.Osautoresproblematizaram

aindaoquantoqueaidentidadefemininadeumaadolescenteestáatreladaàdiferenciaçãoque

esta precisa se colocar em relação ao desejomaterno. A construção da identidade feminina na

adolescência sofre influências da relação entremãe e filha, segundo os autores, pois as jovens

procuram na figura materna um modelo, do qual com o passar do tempo conseguem se

diferenciar,entretantocarregamconsigocaracterísticasessenciaisvividasdessarelação.

Sobreoprocessodeidentificação,GomeseZanetti(2009)entendemovínculomãe-filha

como potencializador na construção da identidade feminina para a filha, em um processo de

tornar-semulher. Assim, o vínculomãe-filha é explorado não em seu poder sintomático, e sim

identitário. A identificação, diferentemente da cópia, coloca a adolescente diante do

desconhecido, possibilitando a composição de uma identidade feminina própria apoiada em

atributoscompartilhadosnarelaçãocomamãe,masquesópuderamfazerpartedessaconstrução

porcausadapresençaafetivadamãe(Seronetal.,2011).Entenderqueaidentificaçãocomamãe

emummomentomaisprimitivo (na feminilidadeprimária)nãoéumacópia,épensarqueesse

processo “requer uma potência de liberdade e criação, mas sua produção sempre estará

‘reproduzindo’aliberdadedeumaoutrapotênciaprodutora”(Ribeiro,2011,p.76).

A imago da mãe se fazer tão presente pode ter muitos aspectos melancólicos,

angustiantesedepressivosque são relacionadoscoma fidelidadeaoobjetomaterno (Yi,2013),

entendendo-se que a relação mãe-filha é perpassada por um conflito de ambivalência. Os

conceitos de catástrofe (Freud, 1996c) e devastação (Lacan, 1972/2001) foram designados para

ilustrar os efeitos psíquicos da relação da filha com a mãe. Evidenciam em suas teorizações o

quantoa filhabuscanamãealgoqueasustentecomomulher, todavia,amãe,por tambémser

mulher, não lhe responde. Assim, é evidenciado o poder da ligação ambivalente de mãe-filha,

sendoqueénessaligaçãoqueosujeitopsíquicoseencontracomafaltaestruturante.

Page 5: A RELAÇÃO MÃE-FILHA EM “SONATA DE OUTONO”: …pepsic.bvsalud.org/pdf/analytica/v6n11/11.pdf · 2019-02-07 · Ortolan, Maria Lucia Mantovanelli; Nakano, Patricia Sayuri; Zanetti,

Ortolan,MariaLuciaMantovanelli;Nakano,PatriciaSayuri;Zanetti,SandraAparecidaSerra;Sei,Maira

Bonafe.Arelaçãomãe-filhaem“sonatadeoutono”:consideraçõespsicanalíticas

| Analytica | São João de-Rei | v.6 | n. 11 | julho/ dezembro de 2017 |

209

Quandoumamãegeraumafilha,portratar-sedeumarelaçãoentresemelhantes,ocorre

umavianarcísicade identificação,naquala fronteiraentreoeueooutroémaisdelicadaede

difícildiferenciação.Tem-seumamaiordificuldadeparaameninanaconstruçãodesuaidentidade

separadadamãe,oquepodelevaraumaciladanarcísica,naqualháaformaçãodeumduplo.As

meninas precisam damãe para diferenciarem-se delas, fato que as tornammais suscetíveis às

demandas e insatisfações da mãe. Experiências traumáticas nesse processo podem ocorrer, no

sentidodeamãeaprisionarafilhaaosideaisnarcísicosmaternos,resultandoemumenredamento

dameninanessacondição(Ribeiro,2011).

Sobre a importância da relação saudável entre mãe-bebê para o desenvolvimento

adequadodoindivíduo,emqueafunçãomaternaécrucialparaqueessedesenvolvimentopossa

ocorrer,Winnicott(1971a)discorrequeoserhumanopossuiemsuaconstituiçãoumatendência

inataparaoamadurecimento,aintegraçãoeasrelaçõesinterpessoais.Paraesseautor,oprocesso

de amadurecimento pessoal abarca três aspectos cruciais, sendo eles: a hereditariedade, o

indivíduoeo ambiente, esseúltimo compreendido inicialmentena relaçãomãe-filho, quepode

atuar facilitandooudificultandoarealizaçãodessa tendência.AindaparaWinnicott (1971a),um

serhumanosaudáveléaqueleque,nosestágiosiniciaisdodesenvolvimentoinfantil,encontrouas

condiçõesnecessáriasparaoamadurecimentoeconseguiucaminharparaa integração.Ouseja,

umestadopormeiodoqualsetornaumindivíduointegrado,umapessoaconscientedesimesma

edaexistênciadasoutraspessoas,capazdeamadurecereserelacionarcomosoutroseenfrentar

as dificuldades existentes no mundo. Em contrapartida, para o autor, o adoecimento psíquico

relaciona-secomainterrupçãonoprocessodeamadurecimentodevidoàsfalhasambientais,que

se equivale a falhas de umamãe suficientemente boa. Amãe, quando suficientemente boa, é

aquelaqueconsegueseadaptarcompletamenteàsnecessidadesdobebêdesdequeelenasceaté

queestesejacapazdeirseseparandogradativamentedela.Nessepercurso,éimportantequeo

bebêvivano inícioa ilusãode fusãocomsuamãe,queproduza sensaçãodeonipotênciaeda

magia, guardando ao bebê o prenúncio de uma vida que poderá ser vivenciada com prazer,

criatividadeeespontaneidade,osprincípiosdasaúdepsíquica,paraoautor.

Tendo em vista tais aspectos, objetivou-se neste trabalho compreender os encontros e

desencontrosnoprocessodeindiferenciação/diferenciaçãoentremãeefilhaapartirdaanálisedo

filme“SonatadeOutono”,tendocomoescopoumreferencialpsicanalítico.

Page 6: A RELAÇÃO MÃE-FILHA EM “SONATA DE OUTONO”: …pepsic.bvsalud.org/pdf/analytica/v6n11/11.pdf · 2019-02-07 · Ortolan, Maria Lucia Mantovanelli; Nakano, Patricia Sayuri; Zanetti,

Ortolan,MariaLuciaMantovanelli;Nakano,PatriciaSayuri;Zanetti,SandraAparecidaSerra;Sei,Maira

Bonafe.Arelaçãomãe-filhaem“sonatadeoutono”:consideraçõespsicanalíticas

| Analytica | São João de-Rei | v.6 | n. 11 | julho/ dezembro de 2017 |

210

Quando se pensa na relação mãe e filha, na Psicanálise, mais especificamente, e nos

exemplosparticularesdecadaum,podeter-seavisãodamãedevoradora:“umgrandecrocodilo

emcujabocavocêsestão–amãeéisso.Nãosesabeoquelhepodedarnatelha,deestalofechar

asuabocarra”(Lacan,1969[1970]/1992,p.105).Todavia,apartirdofilme“SonatadeOutono”e

das leituras feitas para possibilitar a análise deste, a pergunta não mais seria por que a mãe

devora, por que a mãe ignora a Lei que a proíbe introjetar o fruto de seu ventre (Lacan,

1957[1958]/1999). A pergunta agora é convocada ao ser que é engolido ou que tem a

possibilidadedeserdevorado:quala implicação,oumelhor,quala responsabilidadeda filhana

relaçãocomamãedevoradora?Aprincípio,parecequepodehaverum“deixar-sedevorar”,ouaté

mesmoum“quererserdevorada”.Porque,paraqueecomoesseprocessoocorre?Aoapresentar

ametáforada“grandearanhaqueéprisioneiradateiaquetecia”(Ribeiro,2011,p.10),indaga-se

sobreaparticipaçãoqueafilhatemnaconstruçãodateiadamãe,participaçãoessaquetornatão

difícilparaameninaseparar-sedesuamãe.

Dessamaneira,acenadofilmeemqueasautorasdestapesquisasentiram-seconvidadas

a produziremum saber foi quando Eva, após sete anos semver amãe faz-lhe um convite para

passar um tempo em sua casa. Então, a análise do filme perpassa, principalmente, tentando

entenderessareivindicaçãodeEva:porqueEvaclamaporessamãe?Porqueelafazumconvite

para amãe?Mãe essa que, ao decorrer do filme, entende-se que a fez sofrer tanto… E, como

desdobramentodessaperguntainicial,tem-seoutraindagaçãoque,inclusive,ajudaarespondera

primeira:porqueCharlotte,amãe,aceitaoconvitedeiraoencontrodafilha?

Método

O método de trabalho desta pesquisa apoia-se no tratamento dos dados de maneira

qualitativa, tendo como procedimento visual o filme Höstsonaten, intitulado no Brasil como

“Sonata deOutono”, lançado em 1978 sob a direção de Ingmar Bergman. A produção trata do

relacionamentoentreCharlotte,umamãepianistabem-sucedida,esuafilhaEva,emocionalmente

fragilizada.

Apesquisaqualitativacombasenaanálisedefilmesjáfoimuitousadaevalidadanomeio

acadêmico (Loizos, 2002; Neiva-Silva & Koller, 2002; Ratcliff, 2003). Ressalta-se que este artigo

Page 7: A RELAÇÃO MÃE-FILHA EM “SONATA DE OUTONO”: …pepsic.bvsalud.org/pdf/analytica/v6n11/11.pdf · 2019-02-07 · Ortolan, Maria Lucia Mantovanelli; Nakano, Patricia Sayuri; Zanetti,

Ortolan,MariaLuciaMantovanelli;Nakano,PatriciaSayuri;Zanetti,SandraAparecidaSerra;Sei,Maira

Bonafe.Arelaçãomãe-filhaem“sonatadeoutono”:consideraçõespsicanalíticas

| Analytica | São João de-Rei | v.6 | n. 11 | julho/ dezembro de 2017 |

211

analisaofilmecitadopeloviésdaPsicanálise,oqueenquadraestapesquisanumenfoquedeuma

Psicanálise aplicada (Froemming, 2002). A análise fílmica enquadra-se como uma estratégia de

observaçãonãoparticipante,indireta,naqualoobservador,emtese,nãoinfluenciaoocorridodo

fenômeno(Flick,2004), tornandoaanálisemenostendenciosa (Cooper&Schindler,2003;Leite,

Nishimura&Leite,2010).Sobreautilizaçãodaanálisefílmica,FreitasLeiteetal.(2015)eAraújo,

(2015) consideram o cinema uma arte que proporciona ao indivíduo a percepção do todo

acompanhado de elementos temporal, visual e sonoro. Segundo Denzin (1989), os filmes são

textos visuais que, ao serem transcritos, podem ser analisados como tal, afirmando, então, a

validadedaanálisedeumfilmeparaproduçãodemateriaiscientíficos,porexemplo.

Osdadosdessapesquisaforam,então,coletadospormeiodaobservaçãoindiretaenão

participante, com registros de falas das personagens. Duas pesquisadoras assistiram ao filme,

separadaseseminterrupções,discutindo-oposteriormente.Ocritériodeescolhadofilmedeu-se

pelovalordearticulaçãodestecomalgunsaspectosdatemáticadarelaçãomãe-filha,apartirde

uma leiturapsicanalíticado filme.Pormaisqueo filmenão tenhaum roteirobaseadoemuma

históriareal,entende-sequeesteretrataumadasfacetaspossíveisemumrelacionamentoentre

mãeefilha.

Para análise dos dados, fez-se um levantamento bibliográfico, por meio das seguintes

palavras-chave: feminilidade,mulher, feminino, relaçãomãe e filha,maternidade e transmissão

geracional/psíquica.Alémdisso,adiscussãoalicerçou-senotrabalhodeRibeiro(2003,2004,2010,

2011),comênfasenaobra“DeMãeemFilha–aTransmissãodaFeminilidade”(Ribeiro,2011).

Análiseediscussãoteóricasobreofilme

Como dito, o filme analisado foi Höstsonaten, intitulado no Brasil como “Sonata de

Outono”,lançadoem1978sobadireçãodeIngmarBergman.Apóstersidoumamãeausentepor

anos, Charlotte (Ingrid Bergman), uma renomada pianista, vai até a casa de sua filha Eva (Liv

Ullmann)para lhefazerumavisita.Elasesurpreendeaoencontrarsuaoutrafilha,Helena(Lena

Nyman), que tem problemas mentais. Eva tirou Helena da instituição que Charlotte a havia

internadoparacuidardelaemcasa.Atensãoentremãeefilhacomeçaacrescerdevagaratéelas

colocaremtudoempanoslimpos,dizendotudoquesempregostariamdedizer.

Page 8: A RELAÇÃO MÃE-FILHA EM “SONATA DE OUTONO”: …pepsic.bvsalud.org/pdf/analytica/v6n11/11.pdf · 2019-02-07 · Ortolan, Maria Lucia Mantovanelli; Nakano, Patricia Sayuri; Zanetti,

Ortolan,MariaLuciaMantovanelli;Nakano,PatriciaSayuri;Zanetti,SandraAparecidaSerra;Sei,Maira

Bonafe.Arelaçãomãe-filhaem“sonatadeoutono”:consideraçõespsicanalíticas

| Analytica | São João de-Rei | v.6 | n. 11 | julho/ dezembro de 2017 |

212

Inicia-se a reflexão relativa às perguntas deste trabalho, propondo-se pensar sobre a

precáriarelaçãodeCharlottecomEva.OfilmemostracomoEvafoinegligenciadaporCharlotte,

comoseocrocodiloserecusasseaabrirabocaparaacalentarseufilhote,mostrando-seumamãe

totalmentenarcisista,queusao trabalhopara sustentarumeu frágil.Asautorasdeste trabalho

entendemquesejaimportanteressaltarqueCharlottenãofoinegligentenosentido“proposital”,

por“maldade”.

A rejeição de Charlotte em relação a Eva e a conturbada relação entre elas pode ser

observada na fala de Eva: “Na realidade, você detesta Helena e eu. Eu a amava,mas vocême

achava repulsiva, burrae fracassada.Você conseguiume ferir parao restoda vida, assim como

vocêestá ferida” (Helenaé filhadeCharlotte.Ela foiacometidaporumaparalisiaeagoramora

comairmãEva.CharlottequasenãovêHelena,epelooqueofilmedeixamostrar,arelaçãodelas

tambémsedádemaneiraconturbada).Assim,aprecarizaçãodesseprimeirovínculoentremãee

filha pode ser uma resposta para o enlaçamento tão forte entre as duas, pois “quanto mais

precárioouinsatisfatório,maisardentementedesejadoéoencontrocomamãe”(Ribeiro,2011,p.

121).

Tãodesejadoesseencontroqueapósumhiatodeseteanosasduas–asduas,poisuma

convoca(Eva)eaoutrafazsuplênciaaochamado(Charlotte)–aindaprecisam“acertarascontas”.

Aomesmotempoemquemãeefilhadesejamseencontrar,elassabem,emalgumgrau,embora

tenhamaesperançadooposto,queesseencontrodesembocanofracasso,poiséatentativade

reviveralgoquenaverdadenuncafoivivido.Sobreesse“algoquenuncafoivivido”,Ribeiro(2011,

p.121)conceituaotermonostalgiacomo“algoquenãoaconteceunopassado,nãoaconteceno

presente,porémésempredesejado”.

Nesse encontro, a conversa entre elas é carregada de emoção e sentimentos

ambivalentes,comoexemplificadonodiálogoemqueEvacomparacomosesentiaemrelaçãoà

suamãenopassadoenopresente:“Quandoeueracriança,euaadmiravademais.Depois,eume

canseidevocêedeseuspianos.Agora,euaadmirodenovo,masdeoutraforma”.Comoresposta,

Charlotte, questiona: “Ainda resta uma esperança?” e Eva, então demonstrando uma ponta de

esperança,responde:“Creioquesim”.

Oencontro,queconcretamenteeraavindadeCharlotteàcasadeEva,simbolicamente

fazreferênciaaomomentodeilusão,comopostoporWinnicott(1971b).Énessemomentoquese

Page 9: A RELAÇÃO MÃE-FILHA EM “SONATA DE OUTONO”: …pepsic.bvsalud.org/pdf/analytica/v6n11/11.pdf · 2019-02-07 · Ortolan, Maria Lucia Mantovanelli; Nakano, Patricia Sayuri; Zanetti,

Ortolan,MariaLuciaMantovanelli;Nakano,PatriciaSayuri;Zanetti,SandraAparecidaSerra;Sei,Maira

Bonafe.Arelaçãomãe-filhaem“sonatadeoutono”:consideraçõespsicanalíticas

| Analytica | São João de-Rei | v.6 | n. 11 | julho/ dezembro de 2017 |

213

podefalarsobreosdesdobramentosdoprocessodeindiferenciação.Noestágiodadependência

absoluta, o bebê precisa experienciar uma relação com o objeto primário que lhe dê uma

confiançaparacaminharrumoàintegraçãoeàseparaçãoeu/não-eu(Galván,2012).Éimportante

quenessemomentomãeebebêpossamviverjuntosessaexperiênciaparaqueelesintaquevale

apenainvestirnomundoquelheestásendoapresentado.“Opapeldoambientenomomentode

dependência absoluta é a adaptação sensível e total às necessidades do bebê. Ao fazer essa

adaptação,amãesuficientementeboapermitequeobebêvivaailusãodeonipotência”(Galván,

2012,p.45).

Ailusãodeonipotênciasefaznecessárianodesenvolvimentoemocionaldobebêporque

énessafasequesepreparaterrenoparaaintroduçãodarealidadeexterna.Essailusãosóocorre

demaneirasatisfatóriacasoamãeestejaidentificadacomoseubebêpermanentementeafimde

trazeraeleomundodeumamaneiraque lheserácompreensívelemenos traumáticapossível,

adequando-seàsnecessidadesdobebê(Winnicott,1971b).Esseéumdostiposmaisprimitivosde

relacionamentomãe-bebê,umafasequeapontaparaumaindiferenciação.

ApersonagemEvaparecenão ter vivido com satisfaçãoessaprimeira fase, que seria a

fasedetotalidentificaçãocomamãe,favorecendoumaindiferenciaçãonecessária,quepropiciaa

ilusão onipotência, necessário, segundo Winnicott (1971b), para o posterior processo de

diferenciaçãosaudável.PorissoEvaclamatantopelamãe,nãopelamãereal,maspelamãeque

lhefaltou.Mãeque,aodarparaotrabalhoumstatusfálico,esquecededarlugaràfilha,fazendo

comqueEvafique,avidainteira,tentandoentenderqualposiçãoocupaemrelaçãoaodesejoda

mãe.AconfusãodeEvaquantoaolugarqueocupaemrelaçãoàsuamãeficaevidentenafalaque

EvadirigeaCharlotte:

eu era uma boneca que você brincava quando tinha tempo, se eu adoecia ou eramalcriada,vocêmepassavaparaababá[...].Eunãomeatreviaadizer“não”paranãoaaborrecer,masumacoisaeuentendia:você jamaismeamariaoumeaceitariacomoeuera. Você era obcecada,meumedo aumentava e eume anulava. Eu falava o que vocêmandava e imitava o seu jeito. Eu nãome atrevia a ser eumesma nem quando estavasozinha…porqueeudetestavatudoqueerameu.

EssetrechoevidenciaoqueWinnicott(1971d)propõequantoàconstruçãodeumfalso-

self.Oserhumanosomentepoderásercriativoesentir-serealapartirdodesenvolvimentodeum

verdadeiroself,queexigedoambienteaaceitaçãoincondicionaldaquiloqueacriançaapresenta.

Page 10: A RELAÇÃO MÃE-FILHA EM “SONATA DE OUTONO”: …pepsic.bvsalud.org/pdf/analytica/v6n11/11.pdf · 2019-02-07 · Ortolan, Maria Lucia Mantovanelli; Nakano, Patricia Sayuri; Zanetti,

Ortolan,MariaLuciaMantovanelli;Nakano,PatriciaSayuri;Zanetti,SandraAparecidaSerra;Sei,Maira

Bonafe.Arelaçãomãe-filhaem“sonatadeoutono”:consideraçõespsicanalíticas

| Analytica | São João de-Rei | v.6 | n. 11 | julho/ dezembro de 2017 |

214

Do contrário, ela sente a necessidade de se submeter ao que lhe é exigido, e no lugar do

verdadeiroself,temosonascimentodeumfalso-self.

Alémdisso,háumjogomuitograndedeprojeçõeseexpectativasdiantedeumagravidez

(Mannoni,1981),expectativasessasqueestãofadadosaofracasso.Umamãesempreesperaalgo

de seu filho, principalmente de sua filha, algo que jamais será encontrado ali (Ribeiro, 2011),

consequenciando,assim,adecepção,afrustração.Asreediçõeseastentativasdeelaboraçãodos

conflitos entre mãe e filha se dão por toda a vida dessas mulheres: em cada fase do

desenvolvimentodeumafilha,elatemquelidarcomacorrespondênciaquesuamãelhedeposita

dassensaçõesqueela(mãe)viveunessemesmoperíodo.Arelaçãoentremãeefilhatrazcomo

especificidadeofatodequesetratadeumarelaçãoentreiguais,oquepodelevaràfacilitaçãodo

fenômeno da ilusão simbiótica, na qual há um fracasso no momento em que deve haver a

separaçãoentreelas(André,2003).Aomesmotempoemqueparecetãoameaçador–eé–,essa

relação tão fusional, ela se faz de extrema importância como um pré-requisito de uma

diferenciação posterior saudável, como apontouWinnicott (1971b), a fim de proporcionar uma

feminilidademaisadequadaàmeninaeelaboraçõesmaisefetivasporpartedessamãe(Ribeiro,

2011).

APsicologia infantil,nogeral,eespecificamenteaPsicanálise infantil,entendemoquão

importanteéovínculomãe-bebêequantoobebêestátotalmentedependentedessamãe.Com

Winnicott(1971b),pode-seproblematizaressadependência,essevínculo,oquantoeledeveestar

estabelecidodeumamaneiraquesepossafalardeuma“mãesuficientementeboa”–aquelaque

se adapta ativamenteàsnecessidadesda sua criança– edeumbebêque consigaplenamente,

sentir-seintegrado.

Uma boa adaptação da mãe para com o seu bebê proporcionará à criança ilusão de

onipotência, como já posto, a partir de uma identificação consciente damãe como bebê,mas

tambémumaidentificaçãoextremamenteinconsciente,“maispoderosa”(Winnicott,1971b).Essa

ligaçãoinconscientesedápormeiodoqueoautorchamoude“PreocupaçãoMaternaPrimária”,

estadoesseemqueamãeestátotalmentevoltadaaoseubebê,éumconceitowinnicottianoese

refere ao estado psicológico da mãe, no qual sua sensibilidade em relação ao filho torna-se

exacerbada(Esteves,Anton&Piccinini,2011).

Page 11: A RELAÇÃO MÃE-FILHA EM “SONATA DE OUTONO”: …pepsic.bvsalud.org/pdf/analytica/v6n11/11.pdf · 2019-02-07 · Ortolan, Maria Lucia Mantovanelli; Nakano, Patricia Sayuri; Zanetti,

Ortolan,MariaLuciaMantovanelli;Nakano,PatriciaSayuri;Zanetti,SandraAparecidaSerra;Sei,Maira

Bonafe.Arelaçãomãe-filhaem“sonatadeoutono”:consideraçõespsicanalíticas

| Analytica | São João de-Rei | v.6 | n. 11 | julho/ dezembro de 2017 |

215

Aimplicaçãodessafase,comoapontaWinnicott(1971b),équealgumasmãesounãotêm

condições psíquicas para se disponibilizarem aos seus bebês, ou elas se configuram em uma

entrega tão grande ao filho que chega um a ponto no qual não conseguem se desligar,

prejudicando, assim, o desenvolvimento de uma criança independente, autônoma, criativa e

saudável.

Pensando nesse processo de entrega da mãe ao seu bebê e posteriormente uma

necessária separação gradual nesse tipo de relação, entende-se que para amãe e sua filha, do

mesmosexo,oprocessosedádemaneiramaiscomplicada.SegundoRibeiro(2011,pp.85-86),“a

duplamãe-bebêdosexofemininofundaeinauguraavidapsíquicaapartirdasemelhança,istoé,

de uma relação homo, entre iguais”, e entendendo a semelhança, há uma dificuldade de

diferenciar-se.Éumencontrocomomesmoqueprecisaencontraralgumaformadenãosermais

omesmo,sendoquenoprincípioprecisavaseromesmo.ÉoquedizAndré(2003)quandopostula

o“impériodomesmo”.

Oprocessosefazmaisdifícilaindaquandosepensaaorganizaçãodessamãeeoquanto

estãobemelaboradas as questões dela coma suaprópriamãe (Mannoni, 1981).No filme, fica

explícita como a organização psíquica de Charlotte (mãe) também foi fragilmente estruturada,

comoseobservanafalaquedirigeaEva:“Eumelembrodemuitopoucodaminhainfância.Não

melembrodemeuspaistocandoemmim,fossefazendocarinhooumecastigando.Eunãosabia

nada das coisas ligadas ao amor, carinho, contato, intimidade, calor. Estoumorta demedo. Eu

jamaisamadureci”.

Quando,emmeioaesseprocesso,fala-sedeumadificuldadepatológicadedescolarmãe

efilha,fala-se,então,deumriscodeinstaurar-seofenômenododuplo(Freud,1919[1996]),ou,

para Halberstadt-Freud (2001, p. 145), uma “ilusão simbiótica, que seria um fracasso total da

separaçãomãeefilha”.Oparadoxodarelaçãodeencontrosedesencontrosentremãesefilhasé

queessasfilhasprecisamdesuasmãesparadiferenciar-se,posteriormente,delas.Esseprecisarda

mãe,essequasesefundiràmãe,éperigoso,poissepodecairnessailusãosimbióticaetambém

fazcomqueacriançaestejabemmaisexpostaàsdemandasdamãe,aodesejomaterno,desejo

essequepodetrazeràtonamuitasinsatisfaçõesnarcísicasdessamãe.Tem-se,então,umsegundo

riscodosprocessosde indiferenciaçãoediferenciação:aCiladaNarcísica (Bidaud,1998). Faz-se,

então,comqueafilhasejaumreceptáculodeidealizaçõesafimdeseraprotagonistadeumavida

Page 12: A RELAÇÃO MÃE-FILHA EM “SONATA DE OUTONO”: …pepsic.bvsalud.org/pdf/analytica/v6n11/11.pdf · 2019-02-07 · Ortolan, Maria Lucia Mantovanelli; Nakano, Patricia Sayuri; Zanetti,

Ortolan,MariaLuciaMantovanelli;Nakano,PatriciaSayuri;Zanetti,SandraAparecidaSerra;Sei,Maira

Bonafe.Arelaçãomãe-filhaem“sonatadeoutono”:consideraçõespsicanalíticas

| Analytica | São João de-Rei | v.6 | n. 11 | julho/ dezembro de 2017 |

216

queamãesonharaparaelaprópria–afilhacomoumduplodesimesmo,oqueacarretanuma

dificuldadedediferenciaçãofilha-mãe,emdecorrênciadasprojeçõesdaúltimafazendocomquea

filhasesintaresponsávelemdarsustentoaessamãe(Ribeiro,2011).Sobreessaexposiçãodafilha

àdemandadamãe,afaladeEvaexemplificaoexpostoanteriormente:

Eutinha14anosevocêdirigiatodasuaenergiareprimidacontramim.[...]Eutenteimedefender,masnãotivechance.Aívocêvomitousuasopiniõescomumavozpreocupada.Nenhumdetalheescapavadesuaafetuosaenergia.Euandavacurvada,vocêdizia“Vocêprecisa corrigir com ginástica”. Você achava que meu cabelo era comprido demais emandoucortarcurtinho.Ficouhorrível.Aívocêcismouquemeusdenteseramtortoseeupusaparelho.Eufiqueimedonha.Vocêfalouqueeunãopodiamaisusarcalçasemandoufazervestidossemperguntarminhaopinião.

Comoconsequênciaessa filhapode,emalgumgrauede certamaneira, “rebelar-se”. E

entãofalamosdasrelaçõesdeódioentremãeefilha.Klein(1963/1991)dedicou-seaestudaresse

tipode vínculoe constataquemuitoprovavelmenteuma relaçãoentremãee filhapautadano

ódioremeteàfantasiadafilhaemsentir-senãoamadasuficientementeporessamãe.Tendoem

vistaqueamoreódiosãodoisladosdamesmamoeda,Godfrind(1994)teorizaqueoódionessa

relação pode apontar um contrainvestimento: a filha entende que é tão dependente

emocionalmentedamãequeprecisaseprotegercasoesseobjetováemboraounãosejabomo

bastante,poisissoseriamuitodesestruturante,assim,atacaoobjetoemformadehostilidade.

Oódionarelaçãoentreelas,sejaporumavertentedecontrainvestimentoouporfantasia

de não ser amada, é uma forma de escancarar a impossibilidade de diferenciar-se dessa mãe,

como se estivessem ligadas pelo ódio. A dependência e a ambivalência emocional de Eva em

relaçãoàsuamãeficamevidenciadasnapassagemqueeladirigeàCharlotte:

Eu a amava,mamãe, eraumaquestãode vidaoumorte.Maseunão confiava em suaspalavras.Elasnãoexpressavamoqueseusolhosdiziam.Vocêtemumavozlinda.Quandoeueracriançaeuasentianomeucorpotodo.Maseusentiaquenãofalavadecoração.Eunãoconseguiaentendersuaspalavras.[...]Eunãopercebiaqueaodiava,poisachavaquenosamávamos.Eunãopodiaodiá-la,emeuódiosetornouummedoinsano.

Geralmente, relaçõespautadasnessesmoldes apontamparauma falhanoobjetomãe,

que foi faltosoemalguma instância:“nãoépossível,ou torna-semaisdifícil, separar-sedeuma

mãecomquemrealmente(eprazerosamente)nãoestivemosjuntos”(Ribeiro,2011,p.54).

Page 13: A RELAÇÃO MÃE-FILHA EM “SONATA DE OUTONO”: …pepsic.bvsalud.org/pdf/analytica/v6n11/11.pdf · 2019-02-07 · Ortolan, Maria Lucia Mantovanelli; Nakano, Patricia Sayuri; Zanetti,

Ortolan,MariaLuciaMantovanelli;Nakano,PatriciaSayuri;Zanetti,SandraAparecidaSerra;Sei,Maira

Bonafe.Arelaçãomãe-filhaem“sonatadeoutono”:consideraçõespsicanalíticas

| Analytica | São João de-Rei | v.6 | n. 11 | julho/ dezembro de 2017 |

217

A singularidade dessa relação entre iguais aponta ainda para o risco que se corre se a

mãe,tomadaporumanostalgiaemrelaçãoaoencontrocomasuaprópriamãe,escolherreeditar

essacenacomasuafilha(Godfrind,1990),enlaçando,assim,umcasoquefalhanosprocessosde

indiferenciação e diferenciaçãomãe-filha. Acarretam-se complicações psíquicas para essas duas

mulheres,comoarelaçãodelascomumterceiromasculino.Nessesentido,Ribeiro(2011)entende

que o encontro com a mãe ser vivido de forma “suficientemente boa” é requisito para um

relacionamentoadequadocomumhomem,posteriormente.

Entendendo que houve uma falha, houve algo que não se deu satisfatoriamente, em

algumpontodarelaçãoentreCharlotteeEva,a filha tentavoltar,dealgumamaneira,aoponto

dessafalhaparaque,assim,possaelaboraroquefoiimpedidodesersimbolizado,podendoseguir

comoseudesenvolvimentopsíquico.PorissoqueseinterpretaoconvitedeEvaaCharlottepara

ficar em sua casa como uma tentativa de reencontro no ponto da falha, uma tentativa de

elaboração.Percebe-sequeessemovimentoensaiadoporEvaémuitosemelhanteaoprocessode

regressãonosettinganalítico,postuladoporWinnicott(1971c)ecomentadoporGalván(2012,p.

45)comoumcursoembuscadacura.

A regressão nesse contexto [...] indica um retorno a uma condição anterior aocongelamento da situação da falha, na qual é essencial a adaptação do ambiente àsnecessidades do indivíduo como uma nova oportunidade deste encontrar a provisãoambientaladequadae,assim,descongelarasituaçãodafalha.Trata-se,aqui,deregressãoàdependência.

Ressalta-se aqui a diferença do conceito de regressão paraWinnicott e para Freud. O

primeiro interpretacomoalgonecessárioemproldeumdesenvolvimentosaudável,enquantoo

segundopostularegressãoemumcarátermaispatológico.Aregressão,nessesmoldesdosetting

foi tentadaporEva, todaviaadiferençaéqueCharlotte,ao“voltar”comEvanopontoda falha,

nãolheofereceuumambientequepropiciasseaadaptaçãodeEva,eassimodescongelamentoda

situação da falha – o que, provavelmente, teria acontecido caso Eva regredisse em análise, por

exemplo.

Finalizando,oquesepodeentender,comreferênciaaosobjetivosdestetrabalho,éque

Evareivindicaamãeemumatentativadereeditarseusconflitoscomelaparaquepossaelaborá-

los de maneira satisfatória e poder ter um desenvolvimento mais saudável. Especula-se, por

exemplo, que a relação de Eva com seumarido seria diferente caso seu conflito comCharlotte

Page 14: A RELAÇÃO MÃE-FILHA EM “SONATA DE OUTONO”: …pepsic.bvsalud.org/pdf/analytica/v6n11/11.pdf · 2019-02-07 · Ortolan, Maria Lucia Mantovanelli; Nakano, Patricia Sayuri; Zanetti,

Ortolan,MariaLuciaMantovanelli;Nakano,PatriciaSayuri;Zanetti,SandraAparecidaSerra;Sei,Maira

Bonafe.Arelaçãomãe-filhaem“sonatadeoutono”:consideraçõespsicanalíticas

| Analytica | São João de-Rei | v.6 | n. 11 | julho/ dezembro de 2017 |

218

fosse elaborado, pois, pelo o que se pode ver no filme, seu marido tenta fazer uma função

materna:temumaposturaresignada,acolhedora,nãoseimportandocomosataquesqueEvafaz

aeleoumesmoquandoeladizquenãooama.

Dessa maneira, conclui-se que houve falhas no processo de indiferenciação e no de

diferenciação,nessecaso,pois,parasedardemaneirasuficientementeboaessesprocessos,eles

precisamocorrernapresença,enãonaausênciadamãe,eaindaqueestaseja“suficientemente

boa”.

Para finalizar, Eva, no fim do filme, faz uma explanação que traduz muito o que a

Psicanáliseentendedarelaçãomãeefilha.

mãeefilha,quemisturaterrível…misturadesentimentos,confusãoedestruição.Tudoépossíveletudosefazporamoreporpreocupação.Ascicatrizesdamãesãopassadasparaa filha. As falhas damãe são pagas pela filha. A infelicidade damãe é a infelicidade dafilha.Parecequeocordãoumbilicalnuncafoicortado.É isso?Seráquea infelicidadedafilhaéotriunfodamãe?Mamãe,seráqueaminhatristezaéasuasatisfaçãosecreta?

Consideraçõesfinais

Aolongodestetrabalho,foipossívelobservaroquantoarelaçãomãe-bebêécomplexa,

envolvendo o processo de indiferenciação/diferenciação, importante para o desenvolvimento

posterior. As consequências de tal processo estão em operações que são constitutivas a todo

humano.Contudo,percebe-sequeaquestãoéaindamaiscomplexaemarcadaporsingularidades

quandoacriançaédosexofeminino,emqueosdesdobramentosdependemdessarelaçãoentre

semelhantes e a presença da mãe é necessária para que a filha possa diferenciar-se dela,

dificultandoparaameninaaconstruçãodesua identidadeseparadadamãeepodendotorná-la

mais suscetível às demandas damãe. Dessa forma, tem-se uma relação ambivalente que deixa

umamarcanospróximosrelacionamentosquepossamviraacontecer.

Ofilme“SonatadeOutono”nosajudaapensaroquantoafilha(Eva)emsuabuscapor

sustentação psíquica para organizar sua vida demanda respostas da figuramaterna (Charlotte),

que se assemelha a ela. Mas, apesar de supor que a mãe tem as respostas para seus

questionamentos, ambas estão diante dos mesmos impasses, pois a mãe, por ter tido uma

fragilizada constituição egoica, que tende mais para uma organização narcísica, também está

inseridaaessalógicapsíquica.

Page 15: A RELAÇÃO MÃE-FILHA EM “SONATA DE OUTONO”: …pepsic.bvsalud.org/pdf/analytica/v6n11/11.pdf · 2019-02-07 · Ortolan, Maria Lucia Mantovanelli; Nakano, Patricia Sayuri; Zanetti,

Ortolan,MariaLuciaMantovanelli;Nakano,PatriciaSayuri;Zanetti,SandraAparecidaSerra;Sei,Maira

Bonafe.Arelaçãomãe-filhaem“sonatadeoutono”:consideraçõespsicanalíticas

| Analytica | São João de-Rei | v.6 | n. 11 | julho/ dezembro de 2017 |

219

Entende-sequeestudoscomoestepodemcontribuirparaacompreensãoeilustraçãode

processos psíquicos apresentados pela teoria psicanalítica, ampliando a aplicabilidade de seus

conceitos. Quanto aos estudos futuros, pensa-se ser pertinente a investigação do papel do

masculino,doterceiro,dooutro,narelaçãoentremãeefilha.

Referências

André,J.(1996).Asorigensfemininasdasexualidade.RiodeJaneiro:JorgeZahar.André,J.(2003).Mèresetfilles.LêsMenacesdeL´identique.Paris:PUF.Bidaud,E.(1998).Anorexiamental,ascese,mítica:Umaabordagempsicanalítica.RiodeJaneiro:

CompanhiadeFreud.Cooper, D. R., & Schindler, P. S. (2003).Métodos de pesquisa em administração. Porto Alegre:

Bookman.Denzin,N.K.(1989).Theresearchact:atheoreticalintroductiontosociologicalmethods.Chicago:

AldinePublishingCompany.Esteves, C. M., Anton, M. C., & Piccinini, C. A. (2011). Indicadores da preocupação materna

primárianagestaçãodemãesquetiverampartopré-termo.PsicologiaClínica,23(2),75-99.Farias, C. N. F., & Lima, G. G. (2004). A relaçãomãe-criança: esboço de um percurso na teoria

psicanalítica.EstilosdaClínica,IX(16),12-27.Flick,U.(2004).Umaintroduçãoàpesquisaqualitativa.PortoAlegre:Bookman.FreitasLeite,F.,Martins,E.S.,CastroPontes,N.,&Araújo,L.A.B.(2015).Editorial:miguilim,um

instrumentodedivulgaçãocientíficanaáreadeletras/linguística.Miguilim-revistaeletrônicadonetlli,4(1),1-3.

Freud,S.(1996a).Algumasconsequênciaspsíquicasdadistinçãoanatômicaentreossexos.EdiçãoStandard Brasileira das obras psicológicas completas de Sigmund Freud (Vol. XIX). Rio deJaneiro:Imago.(Obraoriginalpublicadaem1925).

Freud, S. (1996b). Sexualidade Feminina. Edição standard brasileira das obras psicológicascompletas de Sigmund Freud (pp. 137-149). Rio de Janeiro: Imago, 21. (Obra originalpublicadaem1931).

Freud, S. (1996c). O estranho. Edição standard brasileira das obras psicológicas completas deSigmundFreud(pp.297-324).RiodeJaneiro:Imago.(Obraoriginalpublicadaem1919).

Froemming, L. S. (2002). A montagem no cinema e a associação-livre na Psicanálise. Tese dedoutorado,UniversidadeFederaldoRioGrandeDoSul,PortoAlegre,RioGrandedoSul.

Galván, G. (2012). O conceito de regressão em Freud e Winnicott: algumas diferenças e suasimplicaçõesnacompreensãodoadoecimentopsíquico.Winnicotte-prints,7(2),38-51.

Godfrind, J. (1990).Demèreen fille: à la rechercheduplaisir.RevueFrançaisePsychanalytique,54(1),83-98.

Godfrind,J.(1994).Lepactenoir.RevueFrançaisePsychanalytique,54(1),135-146.Gomes, I. C., & Zanetti, S. A. S. (2009). Transmissão psíquica transgeracional e construção de

subjetividade: Relato de uma psicoterapia psicanalítica vincular.Psicologia USP, 20(1), 93-108.

Page 16: A RELAÇÃO MÃE-FILHA EM “SONATA DE OUTONO”: …pepsic.bvsalud.org/pdf/analytica/v6n11/11.pdf · 2019-02-07 · Ortolan, Maria Lucia Mantovanelli; Nakano, Patricia Sayuri; Zanetti,

Ortolan,MariaLuciaMantovanelli;Nakano,PatriciaSayuri;Zanetti,SandraAparecidaSerra;Sei,Maira

Bonafe.Arelaçãomãe-filhaem“sonatadeoutono”:consideraçõespsicanalíticas

| Analytica | São João de-Rei | v.6 | n. 11 | julho/ dezembro de 2017 |

220

Halberstadt-Freud,S.(2001).Electracativa:sobreasimbioseeailusãosimbióticaentremãeefilhaeasconsequênciasparaocomplexodeÉdipo.RevistaBrasileiradePsicanálise,35(1),143-168.

Klein, M. (1991). Inveja e gratidão e outros trabalhos. Rio de Janeiro: Imago. (Obra originalpublicadaem1963).

Lacan,J.(1992).Oseminário.Livro17.OavessodaPsicanálise.RiodeJaneiro:JorgeZahar.(Obraoriginalpublicadaem1969[1970]).

Lacan, J. (2001). L’ Étourdie.Autres écrits. Paris: Editions du Seuil. (Obra original publicada em1972).

Lacan, J. (1999).Oseminário, livro5:As formaçõesdo inconsciente.Riode Janeiro: JorgeZahar.(Obraoriginalpublicadaem1957[1958]).

Laplanche,J.(1985).VidaemorteemPsicanálise.PortoAlegre:ArtesMédicas.Leite,N.R.P.,Nishimura,A.T.,&Leite,F.P.(2010).OestudodoconstrutoamoremAdministração:

ciênciaousensocomum.RevistaReuna,15(2),59-81.Lima,G.G.(2002).Arelaçãomãe-criançaeafeminilidade:Questõesparaclínicapsicanalítica. In

ColóquiodoLEPSIIP/FE-USP,SãoPaulo.Loizos,P. (2002).Vídeo, filmee fotografias comodocumentosdepesquisa. InM.W.Bauer&G.

Gaskell(Orgs.).Pesquisaqualitativacomtexto,imagemesom:ummanualprático(pp.137-155).(P.A.Guareschi,Trad.).Petrópolis:Vozes(Obraoriginalpublicadaem2000).

Mannoni,M.(1981).Acriançaatrasadaesuamãe.Lisboa:Moraes.Neiva-Silva, L.,&Koller, S.H. (2002).Ousoda fotografianapesquisa emPsicologia.Estudosde

Psicologia,7(2),237-250.Ratcliff,D.(2003).Videomethodsinqualitativeresearch.InP.M.Camic,J.E.Rhodes&L.Yardley

(Orgs.). Qualitative research in psychology: Expanding perspectives in methodology anddesign(pp.113-129).Washington:AmericanPsychologicalAssociation.

Ribeiro,M.(2003).Psicanáliseeinfertilidade:desafioscontemporâneos.DissertaçãodeMestrado,PontifíciaUniversidadeCatólica,SãoPaulo.

Ribeiro, M. (2004). Infertilidade e reprodução assistida: desejando filhos na famíliacontemporânea.SãoPaulo:CasadoPsicólogo.

Ribeiro,M. (2010). Infertilidade e reprodução assistida. Coleção Clínica Psicanalítica. São Paulo:CasadoPsicólogo.

Ribeiro,M.(2011).Demãeemfilha:atransmissãodafeminilidade.SãoPaulo:Escuta.Seron, C., Del Prette, A., & Milani, R. G. (2011). A construção da identidade feminina na

adolescência:umenfoquenarelaçãomãeefilha.Psicologia:teoriaeprática,13(1),154-164.SonatadeOutono.(1978).Títulooriginal:Höstsonaten.DireçãodeIngmarBerman.Stellin,R.M.R.,Monteiro,C.F.A.,Albuquerque,R.A.,&Marques,C.M.X.C.(2011)Processosde

construçãodematernagem.Feminilidadeematernagem:recursospsíquicosparaoexercíciodamaternagememsuassingularidades.EstilosdaClínica,16(1),170-185.

Stoller,R.(1993).Masculinidadeefeminilidade(apresentaçõesdegênero).PortoAlegre:Artmed.Winnicott, D. W. (1971a). Desenvolvimento emocional primitivo. In D. W. Winnicott. Textos

selecionados:daPsicanáliseàPediatria(pp.269-285).RiodeJaneiro:FranciscoAlves.(Obraoriginalpublicadaem1945).

Winnicott,D.W. (1971b).A preocupaçãomaternaprimária. InDapediatria à psicanálise: obrasescolhidas(pp.399-405).RiodeJaneiro:ImagoEditora.(Obraoriginalpublicadaem2000).

Page 17: A RELAÇÃO MÃE-FILHA EM “SONATA DE OUTONO”: …pepsic.bvsalud.org/pdf/analytica/v6n11/11.pdf · 2019-02-07 · Ortolan, Maria Lucia Mantovanelli; Nakano, Patricia Sayuri; Zanetti,

Ortolan,MariaLuciaMantovanelli;Nakano,PatriciaSayuri;Zanetti,SandraAparecidaSerra;Sei,Maira

Bonafe.Arelaçãomãe-filhaem“sonatadeoutono”:consideraçõespsicanalíticas

| Analytica | São João de-Rei | v.6 | n. 11 | julho/ dezembro de 2017 |

221

Winnicott, D. W. (1971c). Aspectos clínicos e metapsicológicos da regressão dentro do settinganalítico.InDapediatriaàpsicanálise:obrasescolhidas(pp.374-392).RiodeJaneiro:ImagoEditora.(Obraoriginalpublicadaem2000).

Winnicott,D.W.(1971d).Obrincarearealidade.RiodeJaneiro:ImagoEd.Wolff,M.P.(2009).Reflexõessobreofeminino.JornaldePsicanálise,42(77),157-165.Yi,M.K.(2013).Tristefalo:umaimagemdarelaçãomãe-filha.Tempopsicanalítico,45(2),367-381.

THEMOTHER-DAUGHTERRELATIONSHIPIN“AUTUMNSONATA”:PSYCHOANALYTIC

CONSIDERATIONS

LARELACIÓNENTREMADREEHIJAEN“SONATADEOTOÑO”:CONSIDERACIONES

PSICOANALÍTICAS

LARELATIONMÈRE-FILLEDANS“SONATED'AUTOMNE”:CONSIDÉRATIONS

PSYCHANALYTIQUES

ResumoEste trabalho se propôs a investigar, combase na Psicanálise, os encontros e desencontros da relaçãomãe e filha,dandoenfoqueaoprocessodeindiferenciaçãoediferenciaçãoentreelas,apartirdofilme“SonatadeOutono”.Trata-sedeumapesquisaqualitativacombasenaanálisedefilmesnumenfoquedePsicanálise.Osdadosforamcoletadospormeiodaobservaçãoindiretaenãoparticipante,comregistrosdefalasdaspersonagens.Ocritériodeescolhadofilme deu-se pela articulação deste com alguns aspectos da temática da relação mãe-filha. Os resultados destapesquisa indicamquepodehaverummovimentodamãeabandonara filhaeestadesenvolverumapropensãoemquerersercuidada,insatisfeitaquantoaoqueamãepôdeofereceraela,poisseentendeque,paradoxalmente,afilhaprecisa da mãe para poder separar-se dela. No filme analisado, a dupla mãe e filha transitou ao longo da vidaconstituindo um dueto inseparável e ao mesmo tempo distante que parece não ter permitido à filha uma vidasatisfatória.Palavras-chave:Relaçãomãe-filha.SonatadeOutono.Psicanálise.AbstractThis study aimed to investigate, based on psychoanalysis, meetings and divergences of the mother and daughterrelationship,givingfocustotheprocessofindifferentiationanddifferentiationbetweenthem,fromthefilm"AutumnSonata". This is a qualitative research based on film analysis in a psychoanalytical approach. Data were collectedthrough indirect andnon-participant observation,with the characters speech records. The criteria for choosing thefilmwas due to the articulation of thiswith some aspects of the theme of themother-daughter relationship. Theresultsofthisresearchindicatethattheremaybeamother'smovementtoabandonherdaughterandshedevelopapropensitytowanttobelookedafter,dissatisfiedastowhatthemothercouldofferher,becauseitisunderstoodthat,paradoxically, thedaughterneedshermother tobeable tobeseparated fromher.Over this film,bothmotheranddaughtertransitedlifelongconstitutingaduetinseparableandatthesametimeapart,thatseemstohaveallowedhisdaughterafulfillinglife.Keywords:Themother-daughter.AutumnSonata.Psychoanalysis.Résumé

Page 18: A RELAÇÃO MÃE-FILHA EM “SONATA DE OUTONO”: …pepsic.bvsalud.org/pdf/analytica/v6n11/11.pdf · 2019-02-07 · Ortolan, Maria Lucia Mantovanelli; Nakano, Patricia Sayuri; Zanetti,

Ortolan,MariaLuciaMantovanelli;Nakano,PatriciaSayuri;Zanetti,SandraAparecidaSerra;Sei,Maira

Bonafe.Arelaçãomãe-filhaem“sonatadeoutono”:consideraçõespsicanalíticas

| Analytica | São João de-Rei | v.6 | n. 11 | julho/ dezembro de 2017 |

222

Cetteétudevisaitàétudier,baséesurlapsychanalyse,lesréunionsetlesdésaccordsdelarelationmèreetfille,enseconcentrantsurleprocessusdeindifférenciationetdedifférenciationentreeux,àtraverslefilm"Sonated'automne".Ceciestunerecherchequalitativebaséesurl'analysedefilmdansuneapprochepsychanalytique.Lesdonnéesontétérecueilliespar l'observation indirecteetnon-participant,avec lesenregistrementsdesdiscoursdespersonnages.Lescritèresde choix du filmest due à l'articulationde ce avec certains aspects du thèmede la relationmère-fille. Lesrésultatsdecetterecherche indiquentqu'ilpeutyavoir ledéménagementd'unemèred'abandonnersa filleetceladévelopperunepropensionàvouloirobtenirdessoins,insatisfaitdecequelamèrepouvaitluioffrir,carilestentenduque,paradoxalement,lafilleabesoindesamèrepourêtreenmesuredeàséparer.Aucoursdecefilm,lamèreetlafilleonttransitépendantlavieenmettantunduoinséparableetenmêmetempsàpartquisembleavoirpermisàsafilleuneviesatisfaisante.Motsclés:Lamère-fille.Sonated'automne.Psychanalyse.ResumenEsteestudiotuvocomoobjetivoinvestigar,basadoenelpsicoanálisis,encuentrosydesencuentrosdelarelaciónentremadre e hija, centrándose en el proceso de indiferenciación y la diferenciación entre ellos, a través de la película"Sonata de otoño". Se trata de una investigación cualitativa basada en el análisis de la película en un enfoquepsicoanalítico.Losdatosfueronrecolectadosatravésdelaobservaciónindirectaynoparticipante,conlosregistrosdelos personajes del habla. El criterio para la elección de la película se debió a la articulación de esto con algunosaspectos del temade la relación entremadre e hija. Los resultados de esta investigación indicanquepuedehabermovimientode lamadreaabandonara suhija yelladesarrollarunapropensiónaquerer ser cuidada, insatisfechacuantoaloquelamadrepodíaofrecerla,porqueseentiendeque,paradójicamente,lahijanecesitaasumadreparapoder para separar de ella. Sobre esta película, madre y la hija transitaron durante la vida constituyendo un dúoinseparabley,almismotiemposeparadodequeparecehaberpermitidoasuhijaunavidaplena.Palabrasclave:Lamadreysuhija.Sonatadeotoño.Psicoanálisis.