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A RESPONSABILIDADE DA ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA NA TERCEIRIZAÇÃO REGULADA PELA LEI N.º 13.429/2017 SOB O ENFOQUE DA CONVENÇÃO N.º 94 DA OIT E DOS DIREITOS HUMANOS SOCIAIS DOS TRABALHADORES Antônio Leonardo Amorim 1 [email protected] Paola Serpa Flores 2 [email protected] Ynes da Silva Felix 3 [email protected] Resumo: Neste trabalho será abordada a responsabilidade da administração pública com os contratos de terceirização a partir da regulamentação da terceirização pela Lei n.º 13.429/2017 em conformidade com a Convenção n.º 94, da OIT, bem como com os Direitos Humanos Sociais dos trabalhadores. O objetivo é identificar a responsabilidade da administração pública quando da contratação da administração pública do terceirizado. No direito brasileiro vige segundo o art. 71, da Lei n.º 8.666/73 que a administração pública não tem responsabilidade pelo não adimplemento das verbas trabalhistas dos terceirizados pela empresa interposta. Ocorre, que diversamente da lei mencionada era a interpretação dada pela Súmula n.º 331, do TST, a qual reconhecia a responsabilidade subsidiária da administração pública, no caso do não adimplemento das verbas trabalhistas pela empresa interposta. Na Ação Direta de Constitucionalidade n.º 16, o STF reconheceu como constitucional o art. 71, da Lei n.º 8.666/73, porém, modulou os efeitos e trouxe a possibilidade da responsabilidade da administração pública pelas verbas não pagas pela empresa interposta, desde que verificada a sua não fiscalização durante o curso do contrato, o que foi objeto de alteração do item IV da Súmula n.º 331, do TST. Atualmente, no Brasil temos em vigor a Lei n.º 13.429/2017, que traz a possibilidade da realização da terceirização em qualquer atividade do tomador, o que em tese poderia se valer à administração pública para fins de contratação. Diametralmente oposto a isso, é o que dispõe a Convenção n.º 94, da OIT, a qual foi ratificada pelo Brasil, que em seu art. 2°, traz a possibilidade objetiva para à administração pública, assegurando assim, os direitos humanos sociais dos trabalhadores. Dessa forma, a presente pesquisa será desenvolvida a partir do método indutivo e dedutiva, e objetiva, por meio de material bibliográfico e documental. Palavras-chave: Responsabilidade, Administração Pública, Terceirização, Lei n.º 13.429/2017, Direitos Humanos Sociais. 1 INTRODUÇÃO A terceirização trabalhista na administração pública vem crescendo de forma descontrolada, uma vez que nas últimas décadas as leis brasileiras vêm permitindo que a administração pública possa optar pela contratação de empresas terceirizadas para a prestação de serviços que são de sua atribuição. 1 Mestrando em Direito pela Universidade Federal de Mato Grosso do Sul. ² Mestranda em Direito pela Universidade Federal de Mato Grosso do Sul. 3 Orientadora Doutora em Direito pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo. Anais do XIV Congresso Internacional de Direitos Humanos. Disponível em http://cidh.sites.ufms.br/mais-sobre-nos/anais/

A RESPONSABILIDADE DA ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA NA ... · contratos de terceirização a partir da regulamentação da terceirização pela Lei n.º 13.429/2017 ... e sua legitimidade

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A RESPONSABILIDADE DA ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA NA TERCEIRIZAÇÃO

REGULADA PELA LEI N.º 13.429/2017 SOB O ENFOQUE DA CONVENÇÃO N.º 94

DA OIT E DOS DIREITOS HUMANOS SOCIAIS DOS TRABALHADORES

Antônio Leonardo Amorim1

[email protected]

Paola Serpa Flores2

[email protected]

Ynes da Silva Felix3

[email protected]

Resumo: Neste trabalho será abordada a responsabilidade da administração pública com os

contratos de terceirização a partir da regulamentação da terceirização pela Lei n.º 13.429/2017

em conformidade com a Convenção n.º 94, da OIT, bem como com os Direitos Humanos

Sociais dos trabalhadores. O objetivo é identificar a responsabilidade da administração

pública quando da contratação da administração pública do terceirizado. No direito brasileiro

vige segundo o art. 71, da Lei n.º 8.666/73 que a administração pública não tem

responsabilidade pelo não adimplemento das verbas trabalhistas dos terceirizados pela

empresa interposta. Ocorre, que diversamente da lei mencionada era a interpretação dada pela

Súmula n.º 331, do TST, a qual reconhecia a responsabilidade subsidiária da administração

pública, no caso do não adimplemento das verbas trabalhistas pela empresa interposta. Na

Ação Direta de Constitucionalidade n.º 16, o STF reconheceu como constitucional o art. 71,

da Lei n.º 8.666/73, porém, modulou os efeitos e trouxe a possibilidade da responsabilidade

da administração pública pelas verbas não pagas pela empresa interposta, desde que verificada

a sua não fiscalização durante o curso do contrato, o que foi objeto de alteração do item IV da

Súmula n.º 331, do TST. Atualmente, no Brasil temos em vigor a Lei n.º 13.429/2017, que

traz a possibilidade da realização da terceirização em qualquer atividade do tomador, o que

em tese poderia se valer à administração pública para fins de contratação. Diametralmente

oposto a isso, é o que dispõe a Convenção n.º 94, da OIT, a qual foi ratificada pelo Brasil, que

em seu art. 2°, traz a possibilidade objetiva para à administração pública, assegurando assim,

os direitos humanos sociais dos trabalhadores. Dessa forma, a presente pesquisa será

desenvolvida a partir do método indutivo e dedutiva, e objetiva, por meio de material

bibliográfico e documental.

Palavras-chave: Responsabilidade, Administração Pública, Terceirização, Lei n.º

13.429/2017, Direitos Humanos Sociais.

1 INTRODUÇÃO

A terceirização trabalhista na administração pública vem crescendo de forma

descontrolada, uma vez que nas últimas décadas as leis brasileiras vêm permitindo que a

administração pública possa optar pela contratação de empresas terceirizadas para a prestação

de serviços que são de sua atribuição.

1 Mestrando em Direito pela Universidade Federal de Mato Grosso do Sul.

² Mestranda em Direito pela Universidade Federal de Mato Grosso do Sul. 3 Orientadora – Doutora em Direito pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo.

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A opção pela terceirização inicialmente na administração pública se deu nos serviços

de limpeza e segurança, em razão da permissão dada pela Lei n.º 8.863/94, a qual permitiu

que a administração pública realizasse a contratação dessa forma de terceirização.

No Brasil em razão de um dispositivo que consta na Lei n.º 8.666/93 que traz a

irresponsabilidade da administração pública quando do não pagamento pela empresa

terceirizada das verbas trabalhistas de seus empregados, passou-se a questionar tal dispositivo

e sua legitimidade em arrimo com princípios constitucionais e protetivos do direito do

trabalho.

Em Ação Declaratória de Constitucionalidade do Supremo Tribunal Federal

reconheceu que a administração pública não é responsável diretamente pelas verbas

trabalhistas dos terceirizados, mas tão somente será quando da prova de sua omissão no

cumprimento do contrato estabelecido com aquela, vindo a incluir o item V na Súmula 331,

do TST.

Este trabalho tem por objetivo demonstrar a responsabilidade da administração

pública quando da contratação de terceirizados para a prestação de serviços de sua

competência, com fundamento na Convenção n.º 94, da Organização Internacional do

Trabalho e nos Direitos Humanos Sociais dos trabalhadores.

Essa pesquisa foi dividida em três partes. A primeira traz a terceirização como forma

de trabalho, conceituando a mão de obra e exemplificando os avanços legislativos. A segunda

parte traz a discussão a responsabilidade da administração pública nos contratos de

terceirização e seus impactos. Na última parte apresenta-se a disposição contida na

Convenção n.º 94 da Organização Internacional do Trabalho e seus mandamentos, como

forma de garantia do pleno emprego.

Pois bem, considerando tais explanações fazem-se necessários verificar o que a

doutrina vem relatando sobre a terceirização e seus efeitos na comunidade, bem como o

posicionamento da jurisprudência, em especial a responsabilidade da administração pública

quando do não cumprimento das verbas trabalhistas pela empresa interposta.

Por essa razão, faz-se necessário trazer a discussão esse tema que é demasiadamente

importante para a sociedade.

2 TERCEIRIZAÇÃO COMO FORMA DE MÃO DE OBRA

A terceirização trabalhista surge no Brasil em meados dos anos de 1960, como uma

forma de dinamizar a prestação de trabalho em larga escala pelas empresas, para Maurício

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Godinho Delgado o surgimento da terceirização se deu no seguinte contexto (2014, p. 408).

Vejamos:

Em fins da década de 1960 e início dos anos 70 é que a ordem jurídica instituiu

referência normativa mais destacada ao fenômeno da terceirização (ainda não

designado por tal epíteto nessa época, esclareça-se). Mesmo assim tal referência

dizia respeito apenas ao segmento público (melhor definido: segmento estatal) do

mercado de trabalho – administração direta e indireta da União, Estados e

Municípios. É o que se passou com o Decreto Lei n° 200/67 (art. 10) e Lei n°

5.645/70.

Quanto à legislação pertinente sobre forma de trabalho terceirizado, temos a Lei n°

6.019/74, a primeira a regulamentar timidamente sobre o tema, porém, em seu corpo

normativo fala sobre o trabalho temporário, que pela doutrina é considerado como uma forma

de trabalho terceirizado.

A Lei 6.019/74, em seu art. 2° informa que o trabalhador temporário é uma pessoa

física que presta serviço a uma empresa, visando atender as necessidades transitórias ou ainda

de substituição de pessoal ou acréscimo de trabalho extraordinário.

Vale ressaltar, que entre o tomador do serviço temporário e o empregado não pode

haver subordinação e pessoalidade, sob pena de ser reconhecido vínculo empregatício

diretamente com o tomador do trabalho. A empresa interposta por outro lado, deve estar

devidamente inscrita junto ao Ministério do Trabalho e Emprego, conforme art. 5º, Lei n°

6.019/74.

Esta, portanto, foi à primeira regulamentação considerada pela doutrina de

terceirização legalmente instituída no Brasil. No entanto, para o empregado não é benéfica,

haja vista que o trabalho temporário ocorrerá em situações peculiares e terá o seu termo por

no máximo 180 (cento e oitenta) dias, podendo ser prorrogado por 90 (noventa) dias, nada

mais que isso, e essa regulamentação impedem que este tenha vínculos com a empresa e com

os colegas de trabalho, conforme artigo 10, da Lei 6.019/74.

A segunda regulamentação brasileira sobre terceirização se deu com a Lei n°

7.102/83, que trouxe a primeira possibilidade concreta de contratação da figura do

terceirizado, regulamentando a contratação do vigilante terceirizado pelo setor bancário.

Após, tivemos a Lei n° 8.863/94, a qual abrandou a possibilidade de contratação do

vigilante, podendo se dar em qualquer estabelecimento, seja ele privado ou público, o qual

pode por lei efetuar a contratação do terceirizado.

Deve ser observado pela empresa interposta e o tomador do serviço à falta de dois

requisitos da relação de emprego, quais sejam, pessoalidade e subordinação, vez que

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verificados em casos concretos atrairiam o vínculo empregatício do terceirizado direto com o

tomador do serviço, conforme art. 3°, CLT.

A Emenda Constitucional n° 9/1995 introduziu a possibilidade da terceirização pelo

Estado no monopólio de exploração do petróleo e seus derivados. Textualmete:

§ 1º A União poderá contratar com empresas estatais ou privadas a realização das

atividades previstas nos incisos I a IV deste artigo observadas as condições

estabelecidas em lei.

Art. 2º Inclua-se um parágrafo, a ser enumerado como § 2º com a redação seguinte,

passando o atual § 2º para § 3º, no art. 177 da Constituição Federal:

Art. 177 (...) § 2º A lei a que se refere o § 1º disporá sobre: I - a garantia do

fornecimento dos derivados de petróleo em todo o território nacional; II - as

condições de contratação; III - a estrutura e atribuições do órgão regulador do

monopólio da União.

No mesmo sentido, a Emenda Constitucional n° 8/1995 trouxe a possibilidade da

terceirização parcial na atividade das telecomunicações, vejamos:

Art.1º O inciso XI e a alínea "a" do inciso XII do art. 21 da Constituição Federal

passam a vigorar com a seguinte redação:

Art. 21. Compete à União: (...) XI - explorar, diretamente ou mediante autorização,

concessão ou permissão, os serviços de telecomunicações, nos termos da lei, que

disporá sobre a organização dos serviços, a criação de um órgão regulador e outros

aspectos institucionais; XII – (...) a) explorar, diretamente ou mediante autorização,

concessão ou permissão: a) os serviços de radiodifusão sonora e de sons e imagens;

Art. 2º É vedada a adoção de medida provisória para regulamentar o disposto no

inciso XI do art. 21 com a redação dada por esta emenda constitucional.

O Congresso Nacional editou a Lei n° 9.472/97, que trata da terceirização nos

serviços de telecomunicações, e em seu art. 94 traz a previsão da terceirização. In verbis:

Art. 94. No cumprimento de seus deveres, a concessionária poderá, observadas as

condições e limites estabelecidos pela Agência: I - empregar, na execução dos

serviços, equipamentos e infra-estrutura que não lhe pertençam; II - contratar com

terceiros o desenvolvimento de atividades inerentes, acessórias ou complementares

ao serviço, bem como a implementação de projetos associados. V. art. 117, II, desta

Lei. § 1º Em qualquer caso, a concessionária continuará sempre responsável perante

a Agência e os usuários. § 2ºº Serão regidas pelo direito comum as relações da

concessionária com os terceiros, que não terão direitos frente à Agência, observado

o disposto no art. 117 desta Lei.

Nota-se que ocorria avanços no sentido de se ver regulamentado a terceirização no

Brasil, porém, se deu de forma progressiva, mas não diretamente foi tratado. Em busca de dar

soluções a casos práticos, o Tribunal Superior do Trabalho teve que enfrentar o tema, e

expressou seu entendimento em Súmulas.

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A primeira Súmula a tratar do tema terceirização é a de n° 256 (em 1986), que de

forma incisiva fala que a terceirização é ilegal, e gera vínculo empregatício direto com o

tomador, sendo posteriormente revogada. Vejamos:

Salvo os casos previstos nas Leis ns. 6.019, de 3.1.74 e 7.102, de 20.6.1983, é ilegal

a contratação de trabalhadores por empresa interposta, formando-se o vínculo

empregatício diretamente com o tomador dos serviços.

Após revogar a Súmula 256, em 1993 o TST editou a Súmula n° 331, que tratava e

regulamentava a terceirização trabalhista no Brasil. In verbis:

331. Contrato de prestação de serviço. Legalidade.

I – A contratação de trabalhadores por empresa interposta é ilegal, formando-

se vínculo diretamente com o tomador dos serviços, salvo no caso de trabalho

temporário (Lei n. 6.019, de 3-1-1974).

II – A contratação irregular de trabalhador, mediante empresa interposta, não gera

vínculo de emprego com os órgãos da Administração Pública direta, indireta ou

fundacional (art. 37, II, da CF/1988).

III – Não forma vínculo de emprego com o tomador a contratação de serviços

de vigilância (Lei n. 7.102, de 20-6-1983) e de conservação e limpeza, bem como

a de serviços especializados ligados à atividade-meio do tomador, desde que

inexistente a pessoalidade e a subordinação direta. IV – O inadimplemento das obrigações trabalhistas, por parte do empregador,

implica a responsabilidade subsidiária do tomador dos serviços quando àquelas

obrigações, desde que haja participado da relação processual e conste também do

título executivo judicial4.

V – Os entes integrantes da Administração Pública direta e indireta respondem

subsidiariamente, nas mesmas condições do item IV, caso evidenciado a sua

conduta culposa no cumprimento das obrigações da Lei n. 8.666 de 21-6-1993,

especialmente na fiscalização do cumprimento das obrigações contratuais e legais da

prestadora de serviço como empregadora. A aludida responsabilidade não decorre de

mero inadimplemento das obrigações trabalhistas assumidas pela empresa

regularmente contratada5.

VI – A responsabilidade subsidiária do tomador de serviços abrange todas as verbas

decorrentes de condenação referentes ao período da prestação laboral. (grifos

acrescidos).

A referida súmula inicialmente informa que a terceirização seja para qualquer fim é

meio ilegal de contratação e traz como consequência o vínculo empregatício entre tomador de

serviço e empregado terceirizado. Após, arremata informando que não gera vínculo

empregatício com o tomador nos casos de terceirização na atividade meio da empresa, desde

que não exista pessoalidade e subordinação, caso contrário à consequência será o

reconhecimento de vínculo empregatício direto.

4 Aqui temos a responsabilidade objetiva imposta ao tomador de serviços. Estamos diante da teoria do risco,

onde independe da ação do tomador para incidir responsabilidade. 5 Aqui temos a responsabilidade subjetiva, pois é necessário que se prove a culpa no cumprimento do contrato

estabelecido com a administração pública.

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Pois bem, esta Súmula do TST solucionava os litígios que versavam exclusivamente

sobre a terceirização, e era o meio utilizado pelos tribunais para dirimir conflitos dessa

natureza, porém, agora temos a Lei n.º 13.429/2017, que trata sobre terceirização.

Valendo-se dos ensinamentos de Georgeonor de Sousa Franco Filho (2015, p. 31), o

a terceirização pode ser conceituada da seguinte forma. Vejamos:

Por terceirização devemos entender a contratação, feita por uma empresa de

prestação de serviços de uma pessoa física (profissional autônomo) ou jurídica

(empresa especializada), para realizar determinadas atividades de que necessite,

sem que possua os elementos naturais de relação de emprego, tais como

subordinação, habitualidade, horário, pessoalidade e salário, e não sejam

relacionados às suas atividades-fim. (grifos acrescidos)

Exemplificando como ocorre a terceirização, temos o que dispõe a doutrina de

Glaucia Barreto (2008, p. 94). Textualmente:

A terceirização consiste na possibilidade de contratar terceiro para a realização de

atividades que não constituem, em regra, o objeto principal da empresa. Em

princípio, a vantagem da terceirização está na possibilidade da empresa contratante

centralizar seus esforços na atividade-fim ou principal, deixando as atividades

secundárias ou meio para um terceiro realizar.

Antes da Lei n.º 13.429/2017, tínhamos a súmula 331, do TST, que regulava a

situação dos terceirizados. A referida súmula falava em atividade meio para que não gerasse

vínculo empregatício direto com o tomador. Como atividade meio pode entender como aquela

realizada pelo empregado terceirizado nas atividades secundárias da empresa.

Outra característica era a ausência de pessoalidade e subordinação, as quais são

requisitos para a ocorrência do vínculo empregatício direto com o tomador. A pessoalidade

está ligada a uma pessoa física, que pessoalmente presta o serviço ao empregador, já a

subordinação está ligada aos poderes diretivos do empregador, que determina ao empregado

como deve ser realizado o trabalho.

A discussão sobre essa parte não está clara pela doutrina se presentes a pessoalidade

e a subordinação estaríamos diante do reconhecimento do vínculo empregatício, mesmo com

a regulamentação da terceirização pela Lei n.º 13.429/2017, que não traz qualquer distinção

sobre.

O primado do que é melhor para o empregado, e usando como base de

fundamentação o princípio do in dubio pro operário, analisando a Súmula 331, do TST, que

não diz nada sobre subordinação e pessoalidade e a doutrina considerava esses requisitos para

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considerar a terceirização como ilegal, utilizamos desse mesmo fundamento para reconhecer o

vínculo empregatício do empregado terceirizado com a empresa tomadora de serviços.

Com a Lei n.º 13.429/2017 podemos conceituar a terceirização como sendo o

trabalho realizado por um terceiro, mediante a contratação da tomadora dos serviços, para

laborar em qualquer atividade da empresa, desde que previamente pactuado, podendo ser nas

dependências da empresa ou não.

A terceirização surge com o objetivo de dinamizar e especializar os serviços

prestados as empresas, veja que temos em tese uma boa justificativa para o surgimento da

terceirização, porém, não bem assim que funciona o instituto da terceirização no Brasil.

Na terceirização temos 3 (três) sujeitos envolvidos: (i) empregado (trabalhador); (ii)

empresa prestadora de serviço ou intermediária; (iii) empresa tomadora de serviços. Nessa

relação empregatícia o vínculo é entre o empregado (trabalhador) com a empresa prestadora

de serviço ou intermediária, via de regra, não gerando vínculo empregatício com a empresa

tomadora de serviços.

Entre a empresa tomadora de serviços e a empresa prestadora de serviço ou

intermediária existe um contrato de natureza civil.

Os empregados terceirizados têm praticamente os mesmos direitos que os

empregados diretamente vinculados à empresa, exceto na garantia ao trabalho. A OJ n.º 383,

da SDI 1, do TST, traz a seguinte informação. Vejamos:

383. TERCEIRIZAÇÃO. EMPREGADOS DA EMPRESA PRESTADORA DE

SERVIÇOS E DA TOMADORA. ISONOMIA. ART. 12, “A”, DA LEI Nº

6.019, DE 03.01.1974. (mantida) - Res. 175/2011, DEJT divulgado em 27, 30 e

31.05.2011 A contratação irregular de trabalhador, mediante empresa interposta, não gera

vínculo de emprego com ente da Administração Pública, não afastando, contudo,

pelo princípio da isonomia, o direito dos empregados terceirizados às mesmas

verbas trabalhistas legais e normativas asseguradas àqueles contratados pelo

tomador dos serviços, desde que presente a igualdade de funções. Aplicação

analógica do art. 12, “a”, da Lei nº 6.019, de 03.01.1974.

Os empregados (terceirizados ou não) em tese devem ter os mesmos direitos, a única

diferença está com relação à continuidade do vínculo laboral, já que o trabalho do terceirizado

é bem mais frágil que a do empregado mantido diretamente pela empresa.

A Lei n.° 13.429/2017 alterou a Lei n.° 6.019/1974 (trabalho temporário), e como

primeira regulamentação sobre terceirização trouxe a seguinte disposição. Textualmente:

Art. 2o A Lei no 6.019, de 3 de janeiro de 1974, passa a vigorar acrescida dos

seguintes arts. 4o-A, 4o-B, 5o-A, 5o-B, 19-A, 19-B e 19-C:

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“Art. 4º-A. Empresa prestadora de serviços a terceiros é a pessoa jurídica de direito

privado destinada a prestar à contratante serviços determinados e específicos6.

§ 1o A empresa prestadora de serviços contrata, remunera e dirige o trabalho

realizado por seus trabalhadores, ou subcontrata outras empresas para realização

desses serviços.

§ 2o Não se configura vínculo empregatício entre os trabalhadores, ou sócios das

empresas prestadoras de serviços, qualquer que seja o seu ramo, e a empresa

contratante.

A regulamentação da terceirização por si só não é ruim, visto que uma Súmula do

Tribunal Superior do Trabalho era quem regia essa relação de trabalho, assim, a

regulamentação era algo esperado e necessário.

Porém, a forma como se deu a regulamentação da terceirização não foi da melhor

forma, já que trouxe a possibilidade da sua realização em qualquer atividade da empresa, o

que era impedido pela Súmula 331, do TST, a qual permitia a terceirização apenas na

atividade meio do tomador, e nos casos de trabalho temporário, vigia e limpeza.

A abrangência do termo serviços determinados e específicos é tendenciosa e pode

levar a terceirização de toda mão de obra da empresa para um terceiro, ou pelo menos boa

parte dela.

A previsão do §1°, do art. 4°-A, é ainda pior, pois traz a possibilidade da

quarteirização, visto que quando dispõe que “ou subcontrata outras empresas para realização

desses serviços” traz essa possibilidade, o que pode ser ainda pior para o empregado

terceirizado.

Por outro lado, temos a seguinte disposição sobre a forma como se realizará o

trabalho do terceirizado. Textualmente:

Art. 5º-A. Contratante é a pessoa física ou jurídica que celebra contrato com

empresa de prestação de serviços determinados e específicos.

§ 1o É vedada à contratante a utilização dos trabalhadores em atividades

distintas daquelas que foram objeto do contrato com a empresa prestadora de

serviço.

§ 2o Os serviços contratados poderão ser executados nas instalações físicas da

empresa contratante ou em outro local, de comum acordo entre as partes.

§ 3o É responsabilidade da contratante garantir as condições de segurança, higiene e

salubridade dos trabalhadores, quando o trabalho for realizado em suas

dependências ou local previamente convencionado em contrato.

§ 4o A contratante poderá estender ao trabalhador da empresa de prestação de

serviços o mesmo atendimento médico, ambulatorial e de refeição destinado aos

seus empregados, existente nas dependências da contratante, ou local por ela

designado7.

6 Ocorreu a substituição do termo atividade meio previsto na Súmula 331, do TST, pelo termo serviços

determinados e específicos. Nota-se que houve alargamento na possibilidade da prestação de serviços pelo

terceirizado. 7 Essa disposição vejo como algo bom a ser garantido ao empregado terceirizado, pois a ele é assegurado os

mesmos direitos que o empregado formal da empresa.

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§ 5o A empresa contratante é subsidiariamente responsável pelas obrigações

trabalhistas referentes ao período em que ocorrer a prestação de serviços, e o

recolhimento das contribuições previdenciárias observará o disposto no art. 31 da

Lei no 8.212, de 24 de julho de 1991.

Esse artigo ele traz algumas disposições que para nós é de suma importância, pois ele

expressamente veda em seu §1°, a utilização do empregado terceirizado na realização de outra

atividade da que foi previamente contratado. Vale lembrar que o art. 4º, traz a previsão que o

terceirizado será contratado para prestar serviços determinados e específicos, assim, o §1°, do

art. 5°-A, corrobora essa disposição.

O §4º, veio como algo bom para os terceirizados, pois ele assegura que esses poderão

ter os mesmos direitos que o empregado formal, desde que o contratante estenda a eles esses

direitos.

Algo que não é novo e que já estava disposto na Súmula 331, do TST, é a

responsabilidade do tomador dos serviços, como visto, é subsidiária, o que depende da

participação do tomador no processo e de sua inclusão quando da constituição do título

executivo judicial (sentença).

3 RESPOSANBILIDADE DA ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA SOB O ENFOQUE DA LEI

N.º 13.429/2017

A administração pública para dinamizar sua atividade e exercício, nos últimos vinte

anos tem aumentado e muito a ocorrência da terceirização no seu setor, onde vem contratando

em larga escala a atuação de empresa terceirizada na limpeza, segurança e vigia.

Esses agentes que atuam por extensão ao poder da administração pública são

equiparados a servidores públicos, em razão do ofício que exercem e mandamento legal.

Maria Sylvia Zanella Di Pietro (2017, p. 98) define serviço público como sendo atividade

estatal. Vejamos:

Toda atividade material que a lei atribui ao Estado para que a exerça diretamente ou

por meio de seus delegados, com o objetivo de satisfazer concretamente às

necessidades coletivas, sob o regime jurídico total ou parcialmente público.

Esse conceito é importante para que possamos entender o que é atuação da

administração pública e como pode ocorrer, mas podemos acrescentar ainda como conceito de

atividade da administração pública como sendo serviços públicos próprios com atribuições

essenciais, diretamente desempenhadas pelo Estado (MEIRELLES, 2017).

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No entanto, a terceirização na administração pública não deve ocorrer de forma

indiscriminada, muito embora possa se verificar a existência de diversas formas de serviços

que o Estado possa exercer sem que haja a necessidade de sua direta execução.

Pois terceirizar irrestritamente por meio de normas de autorização genérica, a

terceirização estará, a princípio, vedada se existirem dentro da organização administrativa

outro órgão ou entidade pública cargos criados para o exercício daquelas atividades passíveis

de terceirização (RAMOS, 2001).

Nesse sentido, Felipe Silva da Conceição (2014, p. 121) informa que:

O ato de terceirizar deve ser considerado em toda as amplitude pela Administração,

de modo que suas desvantagens sejam consideradas. A empresa terceirizada, para

reduzir custos, tende a promover a rotatividade de pessoal e investir pouco em seu

treinamento. Uma grande rotatividade de mão de obra gera um elevado risco para a

contratante, pois, no caso da inadimplência das verbas trabalhistas pelo empregador

principal, é comum o reconhecimento da responsabilidade subsidiária da

Administração Pública pelos tribunais trabalhistas.

No tocante a responsabilidade da administração pública dos serviços prestados pelo

terceirizado não está pacificado na doutrina e na jurisprudência, com relação a antiga

interpretação dada pela Súmula n.º 331, do TST, era necessário que se comprovasse a falta de

diligência da administração pública para que dela então pudesse ser cobrado as verbas não

adimplidas pela empresa interposta.

Muito embora tenha o Tribunal Superior do Trabalho pacificado seu entendimento

nesse sentido, boa parte da doutrina se filiava na irresponsabilidade da administração pública

pelas verbas trabalhistas dos terceirizados, trazendo a discussão o art. 71, da Lei n.º 8.666/73.

O Art. 71, da Lei n.º 8.666/73, informa que quando da ocorrência de licitação, a

administração pública não será responsável pelas verbas trabalhistas. Textualmente:

Art. 71. O contratado é responsável pelos encargos trabalhistas, previdenciários,

fiscais e comerciais resultantes da execução do contrato.

§ 1º A inadimplência do contratado, com referência aos encargos estabelecidos neste

artigo, não transfere à Administração Pública a responsabilidade por seu pagamento,

nem poderá onerar o objeto do contrato ou restringir a regularização e o uso das

obras e edificações, inclusive perante o Registro de Imóveis.

§ 2º A Administração poderá exigir, também, seguro para garantia de pessoas e

bens, devendo essa exigência constar do edital da licitação ou do convite.

§ 1o A inadimplência do contratado, com referência aos encargos trabalhistas,

fiscais e comerciais não transfere à Administração Pública a responsabilidade por

seu pagamento, nem poderá onerar o objeto do contrato ou restringir a regularização

e o uso das obras e edificações, inclusive perante o Registro de Imóveis. (Redação

dada pela Lei nº 9.032, de 1995)

§ 2o A Administração Pública responde solidariamente com o contratado pelos

encargos previdenciários resultantes da execução do contrato, nos termos do art. 31

da Lei nº 8.212, de 24 de julho de 1991. (Redação dada pela Lei nº 9.032, de 1995)

§ 3º (Vetado). (Incluído pela Lei nº 8.883, de 1994)

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Aqui temos a expressa consagração da não responsabilização da administração

pública pelas verbas trabalhistas não pagas pela empresa interposta ao terceirizado, o que é

demasiadamente prejudicial ao empregado, visto que na condição comum de contratação da

terceirização o tomador é subsidiariamente responsável pelas verbas não adimplidas pela

empresa interposta.

O Supremo Tribunal Federal no controle da Ação Declaratória de

Constitucionalidade n.° 16, julgou constitucional o art. 71, da Lei n.° 8.666/73, porém,

modulou os efeitos da decisão e trouxe a possibilidade de responsabilização pelas verbas

trabalhistas subsidiária da administração pública, desde que provado a sua culpa no

cumprimento do contrato firmado pela administração pública com a empresa interposta.

A Ementa do caso ficou nos seguintes termos:

EMENTA: RESPONSABILIDADE CONTRATUAL. Subsidiária. Contrato com a

administração pública. Inadimplência negocial do outro contraente. Transferência

consequente e automática dos seus encargos trabalhistas, fiscais e comerciais,

resultantes da execução do contrato, à administração. Impossibilidade jurídica.

Consequência proibida pelo art., 71, § 1º, da Lei federal nº 8.666/93.

Constitucionalidade reconhecida dessa norma. Ação direta de constitucionalidade

julgada, nesse sentido, procedente. Voto vencido. É constitucional a norma inscrita no

art. 71, § 1º, da Lei federal nº 8.666, de 26 de junho de 1993, com a redação dada pela

Lei nº 9.032, de 1995.

Esse julgamento foi fato ensejador a alteração da Súmula 331, do TST, e inclusão do

item V, o qual traz que a administração pública será responsável pelo inadimplemento da

empresa interposta desde que evidenciado sua conduta culposa no cumprimento das

obrigações contidas na Lei n.º 8.666/73.

Nesse diapasão, passou a discussão sobre a quem incumbirá a prova de que a

administração pública deixou de cumprir com a fiscalização no contrato que tinha com a

empresa interposta, o empregado ou a própria administração pública.

Dificilmente o empregado terceirizado conseguirá demonstrar em um processo que

não houve pela administração pública a devida fiscalização no cumprimento do contrato, até

mesmo porque, esse não detém de elementos suficientes a demonstrar como isso ocorreu.

Por essa razão, passou a entender que a administração pública deve demonstrar no

processo que procedeu com a devida fiscalização no cumprimento do contrato com a empresa

terceirizada (CONCEIÇÃO, 2014).

Felipe Silva da Conceição (2014, p. 121) dispõe do seguinte entendimento sobre a

responsabilidade da administração pública. Vejamos:

Nos casos em que a Administração Pública e contratante, quando há o

inadimplemento de obrigações trabalhistas pela contratada, o trabalhador

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terceirizado que prestou serviços sem receber seus direitos sai prejudicado, pela ação

imoral, imprudente e relaxada dos agentes públicos, responsáveis pela gerência dos

contratos administrativos. Aqueles escolheram mal a empresa, não se cercaram das

garantias legalmente previstas, ou ainda, omitiram-se na fiscalização da execução do

contrato. Acreditamos estar aí o nexo de causalidade que justifica a responsabilidade

do Estado.

Realmente é em situações assim que os terceirizados vivem, pois quando da busca

pela empresa terceirizada não encontram nem sequer patrimônio para a execução e garantia de

suas verbas trabalhistas, ficando a mercê de uma prévia demonstração de culpa da

administração pública no cumprimento e observância de normas, o que praticamente nunca

ocorre.

Assim, boa parte da doutrina informa que é necessário que se tenha prova cabal da

culpa da administração pública na vigilância do cumprimento do contrato, para que possa ser

responsabilizada.

A Lei n.º 8.666/93 traz em seu corpo normativo meios suficientes para minimizar a

possível ocorrência de violação e descumprimento de cláusulas contratuais pelas empresas

terceirizadas, como é o caso dos artigos 29, III, 31, I, III e parágrafos, que são mecanismos

suficientes a dificultar a ruptura contratual com inadimplência.

Além do mais, o art. 37, II, da Constituição Federal, veda expressamente o

reconhecimento de vínculo empregatício entre particulares com a administração pública que

não seja pela realização de concurso púbico. Vejamos:

Art. 37. A administração pública direta e indireta de qualquer dos Poderes da União,

dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios obedecerá aos princípios de

legalidade, impessoalidade, moralidade, publicidade e eficiência e, também, ao

seguinte: (Redação dada pela Emenda Constitucional nº 19, de 1998) (...) II - a investidura em cargo ou emprego público depende de aprovação prévia

em concurso público de provas ou de provas e títulos, de acordo com a natureza e

a complexidade do cargo ou emprego, na forma prevista em lei, ressalvadas as

nomeações para cargo em comissão declarado em lei de livre nomeação e

exoneração;

O Supremo Tribunal Federal concluiu no dia 30.06.2017 o julgamento do Recurso

Extraordinário (RE) 760931, com repercussão geral reconhecida. Por maioria, o Plenário

confirmou o entendimento adotado na Ação Declaratória de Constitucionalidade (ADC) n.º

16 que veda a responsabilização automática da administração pública, só cabendo sua

condenação se houver prova inequívoca de sua conduta omissiva ou comissiva na fiscalização

dos contratos.

Muito embora tenhamos essas situações para ensejar a responsabilidade da

administração pública a terceirização representa um verdadeiro risco para o poder público,

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principalmente se o gestor não for diligente suficiente no cumprimento do contrato com a

administração pública.

E mais, quando a administração pública outorga a um terceiro a responsabilidade

pela execução de um serviço que é de sua competência, o qual ela mesma poderia ter

realizado, assume intimamente os riscos desse repasse, trazendo para si a responsabilidade.

Caso haja descumprimento, não podemos se vincular a prova estritamente

documental que a administração pública tenha sido diligente, pois na pratica se verifica que

não é assim que funciona, pois a administração pública não controla os contratos de

terceirização.

Ainda, tem que ser observado que no caso concreto o terceirizado laborou, prestou

devidamente serviço para a administração pública, colocando sua força de trabalho à

disposição tanto da empresa terceirizada quanto da administração pública, logo, é

imprescindível que receba.

Na doutrina de Dora Maria de Oliveira Ramos (2001, p. 152) encontramos os

seguintes dizeres:

A responsabilização do Estado, enquanto tomador de serviços terceirizados, em caso

de inadimplemento da contratada, é um potencial incremento de risco aos cofres

públicos gerado pela terceirização, duplamente onerados em caso de

descumprimento do contrato. Essa questão deve, em consequência, ser ponderada

pelo administrador público quando da decisão de terceirizar.

Não responsabilizar o Estado pela ocorrência da terceirização é algo ensejador a

caracterizar o retrocesso social, pois estaríamos além do mais diante de violações expressas de

princípios expostos na CF, como o da igualdade, da proteção e da norma mais favorável.

Aline Paula Bonna (2008, p. 63) aduz que:

As noções de progresso e de não retrocesso social ainda se relacionam ao princípio

da proteção ao trabalhador, pedra angular do Direito do Trabalho. O princípio da

proteção ao trabalhador, como se sabe, grava a originalidade do justrabalhismo,

enunciando o seu sentido teleológico. Com lastro na dignidade da pessoa humana e

no valor ínsito ao trabalho do homem, o princípio tutelar enuncia ser a missão deste

ramo jurídico a proteção do trabalhador, com a retificação jurídica da desigualdade

socioeconômica inerente à relação entre capital e trabalho. O sentido tuitivo, em

uma perspectiva dinâmica, se relaciona à ideia de ampliação e aperfeiçoamento de

institutos e normas trabalhistas. Assim, afiança-se o compromisso da ordem jurídica

promover, quantitativamente, o avanço das condições da pactuação da força de

trabalho, bem como a garantia de que não serão estabelecidos recuos na situação

sociojurídica dos trabalhadores.

Vale ressaltar que esses princípios enumerados pela autora são formas primordiais a

garantia da tutela estatal para que se efetive a dignidade da pessoa humana, a qual está

inserida no art. 1º, III e 170, da Constituição Federal.

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4 CONVENÇÃO N.º 94 DA ORGANIZAÇÃO INTERNACIONAL DO TRABALHO E

DIREITOS HUMANOS SOCIAIS DOS TRABALHADORES COMO FORMA DE

GARANTIA DE DIREITOS MÍNIMOS

A Organização Internacional do Trabalho com suas normas mandamentais traz

conceitos e mandamentos de otimização para os Estados membros signatários, e como

apontada, o Brasil é membro fundador da OIT e dela participa desde sua primeira reunião.

Como meio de regulamentar e de garantir Direitos Humanos Sociais dos

trabalhadores a OIT trouxe a Convenção n.º 94, a qual regula e impõe aos Estados como deve

ocorrer a forma de trabalho pela administração pública.

Para que possa ser considerada e aplicada a presente Convenção, em seu art. 1°, traz

as condições de aplicabilidade, como sendo, uma das partes deve ser a administração pública,

que a execução do contrato acarrete gastos para a administração pública.

No caso da terceirização no Brasil em todos os casos podemos verificar a ocorrência

desses requisitos, pois a contratante é a própria administração pública que se vale de uma

empresa intermediadora para prestar-lhe serviços, e esses contratos são de cunho oneroso para

a administração pública.

Dispõe ainda a referida Convenção que quando do descumprimento de normas de

saúde, higiene e segurança pelos Estados membros a autoridade competente deve adotar

medidas suficientes a assegurar esses direitos. Vejamos:

Art. 3 — Quando as disposições apropriadas relativas à saúde, à segurança e ao

bem-estar dos trabalhadores ocupados na execução de contratos ainda não forem

aplicáveis em virtude da legislação nacional, e de uma convenção coletiva ou de

uma sentença arbitral, a autoridade competente deve adotar medidas adequadas para

assegurar aos trabalhadores interessados condições de saúde, de segurança e de bem-

estar justas e razoáveis.

Essa disposição assegura o devido cumprimento as normas básicas legalmente

asseguradas aos empregados, as quais devem ser estritamente observadas, como forma de

garantia do pleno emprego e da melhor condição para o empregado.

O principal meio assegurador de condições dignas de trabalho ocorrido na

administração pública está no art. 2°, da Convenção. Textualmente:

Art. 2 — 1. Os contratos aos quais se aplica a presente convenção conterão cláusulas

garantindo aos trabalhadores interessados salários, inclusive os abonos, um horário

de trabalho, e outras condições de trabalho que não sejam menos favoráveis do que

as condições estabelecidas para um trabalho da mesma natureza, na profissão ou

indústria interessada da mesma região: (...)

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Nota-se que a norma internacional expressa que ao empregado que exerce suas

funções na administração pública deve receber um salário condizente com sua condição de

trabalho.

No Brasil verificamos que não há pela administração pública o mesmo tratamento

dado para os terceirizados, mas de forma diametralmente oposta os terceirizados recebem

menor salário, tem jornada de trabalho maior e suas funções são exercidas em condições

peculiares.

Para que os terceirizados se sintam como seres humanos em sua plenitude é

necessário que pelo menos o Estado (administração pública) exerça efetivamente e cumpra

com a função social do trabalho, até mesmo porque sem dignidade não há trabalho decente.

Nos dizeres de HANNAH ARENDT (2014, p. 223) igualdade faz com que os seres

humanos sejam considerados em sua plenitude. Textualmente:

A igualdade em dignidade e direitos dos seres humanos não é um dado. É um

construído da convivência coletiva, que requer o acesso ao espaço público. É este

acesso ao espaço público que permite a construção de um mundo comum através do

processo de asserção dos direitos humanos.

A plenitude do ser humano com o seu trabalho justamente ocorrerá quando ele

próprio verificar que tem dignidade na realização do seu trabalho como força humana, apenas

idealiza-lo pelo salário e remuneração equitativa não será suficiente, é imprescindível que a

ele seja garantido condições dignas de exercício.

O fato da administração pública terceirizar vai de encontro com o que pactua a

Convenção n.° 94, da OIT, pois estaríamos diante de um retrocesso das relações de emprego.

E esse retrocesso implica em níveis cada vez mais precários de proteção social, propiciando as

chamadas inseguranças no mundo do trabalho (VARGA, 2005).

Além do mais, ações como essa de violar normas internacionais, bem como de

instituir dentro da administração pública a terceirização fará com que ocorra a divisão de

trabalhadores entre eles, pois entre eles existe um estatuto convencional, o qual traz o estado

mínimo de tolerância no trabalho.

Nesse interín, temos o que dispõe Saulo Caetano Coelho (2014, p. 169).

Textualmente:

Além de indesejável participação em classes dos trabalhadores, há também a

inevitável insegurança acerca do recebimento das parcelas devidas pelos trabalhos

prestados. Diminuída a responsabilidade dos tomadores, não há garantia de

pagamento, quando verificado o inadimplemento do empregador. A administração

pública, entoando tal assertiva, alega o cumprimento de sua parte no contrato

firmado com a empresa cliente e desconsidera a situação do trabalhador

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hipossuficiente que serviu ao setor público sem a contrapartida da justa

remuneração.

E é nesse sentido que devemos levar em consideração a terceirização a ser instituída

na administração pública, como forma de assegurar aos terceirizados o cumprimento de seu

contrato de trabalho em observância a Convenção n.° 94, da OIT.

Desse modo, deve a administração pública evitar a forma de contratação de

terceirizado, o fazendo, deve preferir por dar cumprimento integral ao contrato de trabalho

dos terceirizados, independente da responsabilidade existente no Brasil, com vistas a dar

cumprimento ao art. 2°, da Convenção n.º 94, da Organização Internacional do Trabalho.

5 CONSIDERAÇÕES FINAIS

Como se verificou nesse trabalho a terceirização ocorre na administração pública

principalmente no setor de limpeza e segurança, no tocante a responsabilidade do Estado

temos como firmado pelo STF a constitucionalidade do art. 71, da Lei n.º 8.666/93.

Porém, modulou os efeitos de sua decisão e entendeu que caso a administração

pública não proceda com a devida fiscalização no contrato de trabalho será responsável pelas

verbas trabalhistas não adimplidas pela terceirizada, o que foi fato ensejador a inclusão do

item V na Súmula 331 do TST.

Muito embora essa situação de possível responsabilidade da administração pública

possa ocorrer depende sempre da demonstração de sua culpa pela não fiscalização no curso do

contrato com a empresa terceirizada, o que é de difícil mensuração e prova do empregado

terceirizado.

Além do mais, a forma de contratação da terceirização pela administração pública

como visto pela Convenção n.º 94, da OIT, é forma excepcional de contratação, e quando da

sua ocorrência deve o ente público garantir o integral cumprimento aos deveres trabalhistas

devidos aos empregados.

Assim, há um contrassenso da norma internacional com o entendimento

consubstanciado pelo Supremo Tribunal Federal, e o entendimento desse tribunal é prejudicial

aos empregados terceirizados, que por vezes poderão não receber suas verbas trabalhistas.

Pelo que foi exposto, deve-se observar a norma internacional a qual inclusive foi

ratificada pelo Brasil, para que então se cumpra no plano nacional o pleno desenvolvimento

do emprego produtivo, bem como dos Direitos Humanos Sociais dos trabalhadores.

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Desse modo, em estrita observância a norma mais benéfica, bem como aos preceitos

protetivos dos quais se originam os mandamentos da Organização Internacional do Trabalho,

devemos observar essa norma como forma de aplicabilidade da responsabilidade da

administração pública pelo não pagamento das verbas trabalhistas do terceirizado pela

empresa interposta.

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