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PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO PUC/SP FERNANDA GARCIA ESCANE A RESPONSABILIDADE DO ESTADO NA RESSOCIALIZAÇÃO DO SENTENCIADO DOUTORADO EM DIREITO SÃO PAULO 2013

A RESPONSABILIDADE DO ESTADO NA RESSOCIALIZAÇÃO … Garcia... · de tantas outras vidas e, da mesma forma, quão importante são minhas atitudes perante todas as demais vidas. Por

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PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO

PUC/SP

FERNANDA GARCIA ESCANE

A RESPONSABILIDADE DO ESTADO NA

RESSOCIALIZAÇÃO DO SENTENCIADO

DOUTORADO EM DIREITO

SÃO PAULO

2013

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PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO

PUC/SP

FERNANDA GARCIA ESCANE

A RESPONSABILIDADE DO ESTADO NA

RESSOCIALIZAÇÃO DO SENTENCIADO

DOUTORADO EM DIREITO

Tese apresentada à banca examinadora

da Pontifícia Universidade Católica de

São Paulo, como exigência parcial para

obtenção do título de Doutor em Direito

Constitucional, sob orientação da

Professora Doutora Flávia Cristina

Piovesan.

SÃO PAULO

2013

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Banca Examinadora

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Fantômes

Les fantômes la nuit font revivre ces murs

Combien de désespoirs, de souffrances, et dáttentes

Dans ces pierres gravées depuir combien d´années

Combien d´hommes enfermés, de coupables et de pur

De familles brisées par une longue attente?

Ils en ont vu ces murs divisant la prison

Ces murs où sont graves d´étranges souvenirs

Quand vient la nuit ils parlent, ils gémissent et ils souffrent

Ils transparent de haines et de lointains soupirs

Ils transparent un parfum plus âcre que le soufre

Treize mètres carrés forment une société

De quatre numéros sans personnalité

Treize mètres carrés où à quatre serrés

Il n´y a plus de place pour savoir espérer

Ces murs ont un passé, une histoire profonde

Un désespoir aigu grave en chaque pierre

Une accumulation de haines et de frondes

Un condensé de fiel et une crasse fière

Xavier

(Guéno, 2000)

Fantasmas

Os fantasmas, à noite, essas paredes fazem reviver

Quantos desesperos, sofrimentos, e esperas

Nessas paredes gravadas há tantos anos

Quantos homens enfermos, culpados e inocentes

Famílias destruídas por uma longa espera?

Eles viram essas paredes dividindo a prisão

Essas paredes onde são gravadas estranhas lembranças

Quando vem a noite, eles falam, gemem e sofrem

Transpiram ódio e suspiros antigos

Transpiram um perfume ainda mais acre que o enxofre

Treze mestros quadrados formam uma sociedade

De quatro números sem personalidade

Treze metros quadrados onde, espremidos em quatro,

Não há mais lugar para saber esperar

Essas paredes têm um passado, uma história profunda

Um desespero profundo gravado em cada tijoso

Uma acumulação de ódios e de revoltas

Um condensado de fel e muita sujeira

(tradução livre)

Vania Conselheiro Sequeira, em “Vidas Abandonadas –

crime, violência e prisão”

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DEDICATÓRIA

A Deus, pela oportunidade da vida e de toda a sua

decorrência.

A minha mãe, por quem tenho tanto amor. Tudo que

faço será pouco para demonstrar o quanto eu a amo

incondicionalmente.

A minha irmã, que é parte de mim mesma, a quem

também amo, mesmo em meio às nossas diferenças.

Ao meu pai, que tanta falta me faz...

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AGRADECIMENTOS

Agradeço ao meu amor incondicional, Deus – meu Pai, por me

conceder uma vida inteira para eu perceber o quanto insignificante sou perto

de tantas outras vidas e, da mesma forma, quão importante são minhas

atitudes perante todas as demais vidas. Por me agraciar com situações que,

por mais difíceis que parecessem e pareçam ser, despertam em mim um

conhecimento raramente obtido por outro meio. Ao Pai, que rege minha vida

em todos os momentos, até mesmo quando minha fé parece esmorecer. Ele

está ao meu lado e me renova as forças para superar toda e qualquer

dificuldade.

Agradeço por ter tão presente uma grande família, que

extrapola os vínculos de sangue. Vocês são imprescindíveis para eu continuar,

independentemente de toda e qualquer adversidade.

Por isso, agradeço:

- Aos meus pais. Minha mãe, por ser tão especial e por ter me

ensinado tudo e muito. Obrigada pelo amor, pelo afeto, por ser minha mãe.

Sinto-me honrada por ser sua filha, mãe. Meu pai, que iguais ensinamentos

me deixou. A morte me privou de tê-lo ao meu lado neste momento que para

ele seria tão especial e para mim, tão eterno. Após o falecimento do meu pai,

quando pensei em desistir, lembrei: tenho minha mãe... Que eu possa ter dado

a vocês mais orgulho que decepções.

- A minha irmã, Juliana: mesmo sem partilhar de muitas das

minhas opiniões, quero que saiba: eu a amo por ser parte de mim.

- Ao meu amor, que talvez nunca saiba o quanto eu o amo e o

quanto me despertou para a vida.

- À Profª. Drª. Flávia Cristina Piovesan: faltam-me palavras

para descrever ser humano tão singular. Você me ensinou que a vida não se

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passa sem obstáculos, mas que estes, no entanto, são superáveis. Apesar deles,

deve-se olhar adiante. Obrigada por me sustentar em momentos tão decisivos.

Talvez nunca imagine quão importantes foram suas palavras e seu incentivo.

Sem seu apoio, Profª. Flávia, eu não conseguiria concluir o doutorado.

- Às minhas admiráveis Professoras – Drª. Maria Helena Diniz

e Drª. Maria Garcia –, sem as quais eu jamais teria alcançado o doutorado.

Vocês fazem ideia de como foram e serão importantes na minha vida? Minha

eterna admiração e respeito!

- Ao Felipe, por me auxiliar com o compartilhamento de

ideias, textos, pesquisas, indicação de livros. Enfim, por se fazer presente

sempre.

- Ao Prof. Maurício Bronzatto, que, com tanta atenção,

compreensão e disposição, revisou o texto, desdobrando-se para me auxiliar

no momento mais difícil da minha carreira. Registro, meu querido amigo, o

meu “muito obrigada” e o meu “desculpas” pela necessidade de tempo que já

não mais existia.

- Não posso deixar de consignar meu agradecimento ao Prof.

Jefferson Capeletti, que, acreditando no meu trabalho, sempre me apoiou em

momentos difíceis e especialmente neste da conclusão do curso.

- Um registro especial para os Doutores José Renato Félix

Bauab e Nilton Alves Lara Júnior, médicos que me devolveram a qualidade

de vida que eu havia perdido por praticamente cinco longos meses. Obrigada

por terem realizado o que ninguém queria – minha cirurgia –, entregando-me

de volta os movimentos e a audição. Durante o doutorado, vocês não

imaginam o quanto me ajudaram, mesmo que indiretamente.

- Um registro especial de agradecimento aos meus amigos, que

também são responsáveis por este momento: Clarissa Cristina Gonçalves

Bonaldo, Terezinha de Oliveira Domingos, Rui de Oliveira Domingos,

Fabiana Cerqueira dos Santos, Ana Paula de Petta, Marcia Moreira, Fernanda

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Macedo, Jackson Passos, Alexandre Luna, Adilson Souza de Deus, Moacir

Alves Faria, Rejane Zenebre, Ricardo Rios, Clóvis de Souza Dias. Cada um

de vocês, à sua maneira, me ajudou de forma ímpar. Cada um de vocês sabe,

exatamente, quando, quanto e como me ajudou...

Algumas pessoas também merecem o meu "muito obrigada":

Huber, Jucineide, Miriam, Silvia, Isaura, Paulo, Sérgio, Junqueira, Ricardo,

d. Janete, Robson (Uninove), enfim, todos que colaboram, diariamente

comigo.

Não quero correr o risco de ter me esquecido de agradecer

alguém por me falhar a memória neste momento tão exíguo. Assim, mesmo

que eu tenha cometido esta falha, espero que compreendam o momento

Por fim, agradeço à Faculdade de Administração e Ciências

Contábeis de São Roque – FAC São Roque e a Universidade Nove de Julho –

UNINOVE pelo apoio que me concederam durante o transcurso do

doutorado, bem como aos meus alunos, que, dia a dia, ensinam-me como me

tornar um ser humano melhor.

Muito obrigada!

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RESUMO

A presente tese, tomando como base a vertente constitucional, de direitos

humanos e, ainda, a efetividade da Lei de Execução Penal, tem por objeto

desenvolver um estudo que contempla a demonstração da responsabilidade do

Estado na ressocialização do Sentenciado. Para tanto, abordam-se as garantias

mínimas dos direitos fundamentais do Sentenciado em face da Constituição

Federal, considerando-se a finalidade da pena e a responsabilização do

Estado. Diante da difícil tarefa de demonstrar a responsabilidade objetiva do

Estado por omissão, em face da falência do sistema prisional, procurou-se

descrever a situação penitenciária contemporânea, especialmente do Estado

de São Paulo, para o que contribuiu uma coleta de depoimentos de presos.

Com a apresentação e análise desses dados, pretendeu-se ampliar a

compreensão das necessidades para a transformação da sociedade. Concluiu-

se com a apresentação de considerações gerais acerca da perspectiva do

estudo e do trabalho como alternativas à ressocialização e, especialmente, à

reinserção do Sentenciado na sociedade.

Palavras-chave: Ressocialização. Responsabilidade do Estado. Sentenciado.

Remição de pena.

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ABSTRACT

This thesis, based on the constitutional aspect of human rights, and also the

effectiveness of the Penal Execution Law, is engaged in developing a study

that addresses the demonstration of state responsibility in the rehabilitation of

the sentenced. Therefore, it deals with the minimum guarantees of

fundamental rights of one sentenced in the face of the Federal Constitution,

considering the purpose of punishment and governmental liability. Faced with

the difficult task of demonstrating the strict liability of the State for failure to

act in the face of the collapse of the prison system, we sought to describe the

contemporary prison conditions, especially in Sao Paulo, for which a

collection of testimonies from prisoners contributed. With the presentation

and analysis of these data, we sought to expand the understanding of the

requirements for the transformation of society as a whole. The thesis is

concluded with the presentation of general considerations about the prospect

of studying and working as alternatives able to promote rehabilitation and

especially reintegration of the Sentenced back in society.

Keywords: Resocialization. State responsibility. Sentenced. Redemption.

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SUMÁRIO

INTRODUÇÃO ................................................................................................................ 13

1 - A CONSTITUIÇÃO FEDERAL COMO GARANTIA DOS DIREITOS

FUNDAMENTAIS ........................................................................................................ 17

1.1 Princípio da Dignidade da Pessoa Humana................................................................... 19

1.2 Princípios Específicos da Execução Penal .................................................................. 27

1.2.1 Princípio da legalidade ..................................................................................... 27

1.2.2 Princípio da personalidade da pena ou da pessoalidade da pena ..................... 30

1.2.3 Princípio da Isonomia ..................................................................................... 30

1.2.4 Princípio da Proporcionalidade ........................................................................ 31

1.2.5 Princípio da Humanidade ou da Humanização da Pena .................................. 33

1.2.6 Princípio da prevenção ..................................................................................... 39

1.2.7 Princípio da ampla defesa e contraditório......................................................... 40

2 - A PENA ................................................................................................................... 41

2.1 Breve histórico sobre a sanção penal ........................................................................... 41

2.2 Finalidades da pena ...................................................................................................... 43

2.3 As garantias mínimas para o cumprimento da pena digna ........................................... 57

2.3.1 Direito básicos - integridade física, moral e tratamento humano ............... 57

2.3.2 Dever ou Direito ao Trabalho ..................................................................... 61

2.3.3 Direito ao Estudo ........................................................................................ 63

3 - SUGESTÕES PARA A RESSOCIALIZAÇÃO E REINSERÇÃO DO

REEDUCANDO NA SOCIEDADE ................................................................................ 67

3.1 A ressocialização no regime disciplinar diferenciado (RDD) e no regime disciplinar

especial (RDE) ................................................................................................................... 70

3.2 Considerações para desenvolvimento do estudo no âmbito prisional .......................... 82

3.3 Considerações para desenvolvimento da formação profissional no âmbito prisional .. 89

3.4 Formação moral............................................................................................................. 91

4 - RESPONSABILIDADE CIVIL DO ESTADO NA RESSOCIALIZAÇÃO DO

REEDUCANDO ........................................................................................................... 94

4.1 Reponsabilidade Civil Subjetiva............................................................................... 96

4.2 Responsabilidade Civil Objetiva ...................................................................... ........97

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4.3 Responsabilidade Civil Do Estado: Educação ......................................................... 103

4.4 Responsabilidade Civil do Estado: Trabalho ............................................................. 108

4.5 Formas de Reparação ................................................................................................. 114

CONCLUSÃO ............................................................................................................ 120

REFERÊNCIAS BIBLIOGRAFICAS ......................................................................... 122

ANEXOS ..................................................................................................................... 131

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INTRODUÇÃO

Esta tese abordará, tomando como base o disposto no texto constitucional, a

responsabilidade do Estado na ressocialização do sentenciado.

A ressocialização, como este estudo procurará demonstrar, deve ser compreendida

como fruto de uma garantia constitucional que alcança todos os sentenciados e, ato contínuo,

a coletividade, à medida que, ao tutelar os primeiros, fornecendo-lhes condições adequadas

para serem reinseridos na sociedade, o Estado proporciona a esta última a manutenção de sua

segurança.

Reconhece-se o sistema vicariante adotado no Brasil não só pelo objetivo primordial

de se dar efetividade às sentenças ou decisões criminais, mas, especialmente, para retirar do

plano das ideias a teoria mista ou eclética, com o que se poderá, desde que se observe o

caráter de retributividade, humanização e, especialmente, precaução de sua natureza jurídica,

possibilitar, de fato, a integração social do sentenciado.

Discutir-se-á a responsabilidade do Estado como direito fundamental e serão

propostas, com base no princípio da humanização da pena, formas de dirimir os conflitos

existentes entre a lei e a efetivação dos direitos, sobretudo os constitucionais.

Pretende-se, ainda, evidenciar uma alternativa para que a progressão do regime

fechado ao semiaberto, por exemplo, se dê por meio de efetivo estudo (disponibilizado pelo

Estado dentro da estrutura penitenciária) e de posterior profissionalização. Tal proposição

apoia-se na seguinte justificativa: reputa-se como inaceitável o fato de analfabetos poderem

progredir sem, minimamente, atingirem o estudo e a profissão, ou somente esta última no caso

dos que estejam impossibilitados de estudar.

A omissão do Estado pode ser vista não só através da ineficiência em se promover o

aprimoramento das capacidades dos sentenciados, mas também na não oferta de meios que,

efetivamente, garantam a dignidade deles, de modo que, ao progredirem ao regime aberto ou

semiaberto, tenham condições reais de proverem o seu sustento e deixem de ser, como os

considera geralmente a sociedade, uma ameaça.

Objetivamos explicar as razões pelas quais o sistema prisional do Brasil tem sido

considerado falido por estudiosos da área e as formas que, em princípio, julgamos possíveis

de serem aplicadas para que o sentenciado seja efetivamente recuperado, nos termos da

Constituição Federal e, especialmente, segundo a Lei de Execução Penal.

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Nossa pesquisa será realizada na perspectiva da responsabilidade do Estado na

ressocialização do sentenciado. Procuraremos demonstrar quais os impasses que tornam a

própria prática ineficaz.

A convicção que nos levou a pesquisar o tema proposto foi o de que ressocializar, nos

termos em questão, deve ser a preocupação primeira de qualquer Estado que esteja,

efetivamente, comprometido com a evolução da sua sociedade, mesmo a despeito de alguns

cidadãos que insistem em desrespeitar as leis.

No entanto, é público e notório que as penitenciárias do nosso país nem de longe estão

preocupadas com o caráter da ressocialização.

Grande parte delas, para não dizermos a maioria, aplica nos detentos o direito do

diretor daquela unidade prisional, o que causa o caos e, muitas vezes, realiza a vingança

privada em nome da sociedade que, após um lapso de tempo, receberá estes cidadãos de volta.

Nossa justificativa para o desenvolvimento da pesquisa ganha relevo com a declaração

do ministro da Justiça, José Eduardo Cardozo, que diz preferir morrer a cumprir pena nas

prisões brasileiras, conforme palestra organizada pelo Grupo de Lideres Empresarias (Lide)

no dia 13 de novembro de 2012. A propósito, destacamos a coragem de sua declaração,

sobretudo se levado em conta o momento atual por que passam as principais capitais e cidades

brasileiras, onde se multiplicam protestos e convulsões sociais, alguns dos quais inicialmente

atribuídos a facções criminosas que deixam autoridades perplexas e confusas quanto a que

atitudes tomar.

Ora, se houvesse a possibilidade de uma ressocialização mínima e digna, tais

problemas poderiam ser minimizados, considerando-se que ao menos metade da população

carcerária poderia ser atraída pela efetividade e constância de tal programa.

A sociedade e as autoridades brasileiras não desconhecem que as medidas para

modificar ou, minimamente, fazer valer a Lei de Execução Penal são primordiais. Como

consequência de seu descumprimento parcial ou total, temos os “ataques” de organizações

criminosas que, vale dizer, ganham força em face da inércia do Estado. Quando, porém, o

Estado se posiciona – como, por exemplo, por meio de transferências de sentenciados

considerados perigosos para presídios federais –, há de se considerar a total ineficácia da

ressocialização.

O Estado parece ignorar que um dia, mesmo que postergado pelas autoridades,

inclusive a judiciária, os seus custodiados deixarão o sistema prisional e ganharão novamente

as ruas. Como produto da efetivação da Lei de Execução Penal, teremos de volta o histórico

sem fim de violência que, exemplificativamente, hoje já se vivencia.

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Devemos também aduzir que as razões que suscitam o tema proposto é a ausência de

estudos mais aprofundados acerca das formas de minimizar os efeitos, tanto para a sociedade

quanto para os sentenciados, das ações pelos últimos cometidas.

Dessa forma, não é difícil perceber que o que se tem em relação aos sentenciados, de

forma geral, são planos que estão longe de lhes garantir, minimamente, a dignidade inerente

ao fato de serem pessoas. Quanto àquela que diz respeito a sua condição de reabilitados, sua

concretização é ainda mais improvável.

Uma de nossas principais preocupações neste trabalho é demonstrar a possibilidade de

se trilharem caminhos alternativos que, como direitos, sejam exercidos pelos sentenciados. Ou

melhor, trata-se de ir ao encontro do direito básico mínimo preconizado em nossa

Constituição Federal: o estudo e o trabalho – e reivindicar sua efetivação, com a qual se

garantirão os meios para se chegar à dignidade prevista pela Constituição Federal. Há,

portanto, um caminho e este passa por uma veemente reclamação, capaz de realizar os direitos

previstos na letra da lei.

É para a consecução desse direito real que converge a problematização desta tese.

Antes de qualquer coisa, os sentenciados estão submersos no contexto do Direito

Constitucional, devendo ser tratados em condições de igualdade no que se refere à dignidade

da pessoa humana e em acordo com os direitos mencionados nos artigos 5º e 6º da

Constituição Federal.

Levando-se em conta que o atual regime de progressão não alcança uma das

finalidades da pena, a ressocialização, indaga-se: poderia a inserção da formação básica e

profissionalizante, com fundamento constitucional, tornar-se requisito legal para o

sentenciado progredir de regime, garantindo-se um processo de ressocialização eficiente?

Tal problematização remete-nos a uma verificação para apurarmos se a inserção da

obrigação da educação básica e profissionalizante nos presídios poderia contribuir com a

ressocialização do sentenciado. De saída, antes de qualquer prognóstico, cumpre-nos aqui

referendar a importância histórica dos educadores, bem como sua responsabilidade, no

enfrentamento da marginalização social.

Podemos, assim, formular a hipótese de que a formação básica e profissionalizante

trará uma grande contribuição para a ressocialização dos sentenciados.

No que diz respeito ao referencial teórico, este estudo partirá da análise das garantias

constitucionais já consagradas e não aplicadas aos sentenciados. Partirá, portanto, da análise

das leis e de bibliografia que contornam o objeto de estudo, qual seja: a responsabilidade do

Estado na ressocialização do sentenciado.

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Incluem-se, ainda, entre os nossos objetivos de pesquisa, o de promover a reflexão das

autoridades do Brasil e o de possibilitar uma forma de, ao menos, melhorar a estrutura

prisional brasileira.

No fundamento principal do processo de ressocialização, está o dever do Estado de

atender aos princípios constitucionais no que tange à dignidade da pessoa humana. O

cumprimento desse dever possibilita meios para que os sentenciados possam estudar com

vistas à formação profissional, sem o que não se pode falar em condição mínima de

reabilitação.

Se deixa de fazer sua parte, o Estado deveria indenizar não apenas o sentenciado, que

se vê privado do pleno e universal direito à ressocialização concedido pela Constituição

Federal, mas também a coletividade, que receberá novamente uma pessoa que, muito

provavelmente, sem dispor de outras opções, seguirá como ameaça à ordem social. Nesse

caso, a criação de um fundo decorrente das indenizações que o Estado, na condição de réu,

fosse condenado a pagar, poder-se-ia constituir num bom insumo financeiro para melhorar as

condições da atual estrutura penitenciária brasileira.

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1. A CONSTITUIÇÃO FEDERAL COMO GARANTIA DOS DIREITOS DOS

SENTENCIADOS

Afirmar que o criminoso não deve ser tratado como um cidadão é,

desde já, admitir que somos vingativos e não justos. O direito está

sendo negado.

Melina Duarte

A Constituição Federal, no que se refere à execução penal, a nosso ver, tutela garantias

mínimas dos direitos fundamentais dos sentenciados.

Dessa forma, há de se considerar como finalidade da pena, especialmente, a

ressocialização, ainda mais se se levar em conta que o Brasil é signatário de Tratados

Internacionais que priorizam de maneira categórica a dignidade do ser humano.

Seguindo este mesmo raciocínio, a Lei de Execução Penal não pode fugir ao contexto

da ressocialização sem deixar de violar as fronteiras do Direito Penal. Deve, isto sim,

contemplar visões constitucionais presentes entre tantos outros ramos do Direito, como é o

caso dos direitos humanos internacionais, e assim garantir à pessoa a oportunidade de se

reintegrar à sociedade.

Flávia Piovesan ensina que

A Constituição de 1988, por força do art. 5º, símbolo de parágrafo 1º, 2º e 3º,

atribuiu aos direitos humanos internacionais hierarquia de norma constitucional,

incluindo-os no elenco dos direitos constitucionalmente garantidos, que apresentam

aplicabilidade imediata. (...) A conclusão advém de interpretação sistemática e

teleológica do Texto de 1988, especialmente em face da força expansiva dos valores

da dignidade humana e dos direitos fundamentais, como parâmetros axiológicos a

orientar a compreensão do fenômeno constitucional. Com a Carta democrática de

1988, a dignidade da pessoa humana, bem como os direitos e garantias

fundamentais, vêm a constituir os princípios constitucionais que incorporam as

exigências de justiça e dos valores éticos, conferindo suporte axiológico a todo o

sistema jurídico brasileiro. Com esse raciocínio se conjuga o princípio da máxima

efetividade das normas constitucionais, particularmente das normas concernentes a

direitos e garantias fundamentais, que hão de alcançar a maior carga de efetividade

possível – o princípio vem a consolidar o alcance interpretativo que se propõe

relativamente aos parágrafos do art. 5º do Texto.1

Na mesma direção, Paulo Bonavides destaca: “com o Direito Penal, no caso da

Constituição brasileira, a relação manifesta-se diante das garantias penais de natureza

1 PIOVESAN, Flávia. Direitos humanos e direito constitucional internacional. 12ª ed. rev. e atual. São Paulo:

Saraiva, 2011, p. 417-418.

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constitucional que se estendem do inciso XXXVII ao inciso LXVII do art. 5º do Capítulo I,

sobre direitos e deveres individuais e coletivos”2.

Vale ressaltar, no entanto, que a definição de direito fundamental não é unânime na

doutrina. Alguns o compreendem como sendo sinônimo de direitos humanos, outros

estabelecem uma distinção. Ingo Wolfgang Sarlet, por exemplo, evidencia a importância na

diferenciação, ainda que meramente didática, explicando que os “direitos do homem” seriam

aqueles no sentido de direitos naturais não, ou ainda não, positivados: os “direitos humanos”

são os positivados na esfera do direito internacional, e os “direitos fundamentais” são os

direitos reconhecidos ou outorgados e protegidos pelo direito constitucional internado de cada

Estado3.

É interessante observar que para a análise dos princípios constitucionais, destaca-se o

estudo dos direitos fundamentais, pois estes “nascem e se desenvolvem com as Constituições

nas quais foram reconhecidos e assegurados, e é sob este ângulo (não excludente de outras

dimensões) que deverão ser prioritariamente analisados ao longo deste estudo”4.

A propósito, José Afonso da Silva explica que

A palavra princípio é equívoca. Aparece com sentidos diversos. Apresenta a acepção

de começo, de início. Norma de princípio (ou disposição de princípio), por exemplo,

significa norma que contém o início ou esquema de um órgão, entidade ou de

programa, como são as normas de princípio institutivo e as de princípio

programático. Não é nesse sentido que se acha a palavra princípios da expressão

princípios fundamentais do Título I da Constituição. Princípio aí exprime a noção de

“mandamento nuclear de um sistema”5.

É neste último sentido, o de mandamento nuclear de um sistema, que fundamentamos

esta tese.

No âmbito constitucional e considerando o Estado Democrático de Direito6, torna-se

imprescindível observar os princípios norteadores da execução penal.

Na seara da execução penal, a percepção da vivência na prática é que inexistem

quaisquer direitos, tampouco princípios que pautem a efetividade de uma execução de forma a

2 BONAVIDES, Paulo. Curso de direito constitucional. São Paulo: Malheiros Editores LTDA., 2011, p. 45.

3 SARLET, Ingo Wolfgang. A eficácia dos direitos fundamentais. 7ª ed. rev., atual. e ampl. Porto Alegre:

Livraria do Advogado Ed., 2007, p. 36. 4 Ibid., p. 42.

5 SILVA, José Afonso da. Curso de direito constitucional positivo. 27ª edição, revista e atualizada até a

Emenda Constitucional nº 52, de 8.3.2006. São Paulo: Malheiros Editores LTDA., 2006, p. 91. 6 O conceito de Estado Democrático de Direito, aqui adotado, baseia-se nos termos propostos por José Afonso da

Silva (Ibid., p.118): “Aonde a concepção mais recente do Estado Democrático de Direito, como Estado de

legitimidade justa (ou Estado de Justiça material), fundante de uma sociedade democrática, qual seja a que

instaure um processo de efetiva incorporação de todo o povo nos mecanismos do controle das decisões, e de sua

real participação nos rendimentos da produção.”

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garantir não apenas os direitos dos Sentenciados, mas, igualmente, o direito da sociedade de

ver reinseridas pessoas que, por meio da execução penal, possam conseguir outra forma de

sobrevivência diferente da delinquência.

A observância aos princípios constitucionais são, minimamente, condição para que se

possa falar em execução de pena séria e satisfativa, ao ponto de reintegrar seres humanos na

sociedade em que vivem.

A execução penal tem característica muito própria, uma vez que sua condução é

realizada no âmbito administrativo. No entanto, “como toda função administrativa do Estado,

tem como discricionários a maioria de seus atos, o que não lhes retira a legalidade, mas

invoca a indicação do motivo e a fundamentação do servidor que os pratica”7, muito embora,

na sua aplicação cotidiana, ocorra exatamente o inverso, em afronta aos princípios

constitucionais.

Se é difícil a observância da lei, no âmbito da execução penal, para quem a conhece e

lhe respeita os ditames, quanto mais para aqueles que pretendem se utilizar da execução penal

como forma de vingança privada.

Há de se destacar que os princípios constitucionais – o princípio democrático, o

princípio do sistema de direitos fundamentais, o princípio da justiça social, o princípio da

igualdade, o princípio da divisão de poderes, o princípio da legalidade e o princípio da

segurança jurídica – são como tarefas a serem alcançadas pelo Estado Democrático de

Direito, de acordo com o que ensina José Afonso da Silva8.

Feita esta breve introdução, passa-se ao estudo dos princípios separadamente.

1.1 Princípio da dignidade da pessoa humana

Em dezembro de 2012, a população carcerária do Estado de São Paulo era de 195.695.

Desse total, 103.509 estavam custodiados no regime fechado, sendo que o número de vagas

disponibilizadas era de 59.5919.

Observando a tabela abaixo, dados fornecidos pelo Ministério da Justiça, constata-se o

número de presos de acordo com o grau de instrução:

7 BRITO, Alexis Augusto Couto de. Execução penal. São Paulo: Quartier Latin, 2006, p. 43.

8 SILVA, José Afonso da. Curso de direito constitucional positivo. 27ª edição, revista e atualizada até a

Emenda Constitucional nº 52, de 8.3.2006. São Paulo: Malheiros Editores LTDA., 2006, p. 122. 9 Disponível em: http://portal.mj.gov.br/main.asp?View={D574E9CE-3C7D-437A-A5B6-

22166AD2E896}&BrowserType=IE&LangID=pt-br&params=itemID%3D%7BC37B2AE9-4C68-4006-8B16-

24D28407509C%7D%3B&UIPartUID=%7B2868BA3C-1C72-4347-BE11-A26F70F4CB26%7D. Acessado em

25 de fevereiro de 2013.

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20

Categoria: Perfil do Preso Masculino Feminino Total

Indicador: Quantidade de Presos por

Grau de Instrução 179,552 11,276 190,828

Item: Analfabeto 5,551 166 5,717

Item: Alfabetizado 32,626 267 32,893

Item: Ensino Fundamental

Incompleto 69,313 2,321 71,634

Item: Ensino Fundamental Completo 28,607 1,588 30,195

Item: Ensino Médio Incompleto 24,779 1,018 25,797

Item: Ensino Médio Completo 17,06 1,135 18,195

Item: Ensino Superior Incompleto 1,175 139 1,314

Item: Ensino Superior Completo 661 91 752

Item: Ensino acima de Superior

Completo 8 0 8

Item: Não Informado 4,601 42 4,643

Fonte: Disponível em: http://portal.mj.gov.br/main.asp?View=%7BD574E9CE-3C7D-437A-

A5B6-22166AD2E896%7D&Team=&params=itemID=%7BC37B2AE9-4C68-4006-8B16-

24D28407509C%7D;&UIPartUID=%7B2868BA3C-1C72-4347-BE11-A26F70F4CB26%7D. Acessado em:

17 de julho de 2013.

O que seria a dignidade da pessoa humana?

A Declaração Universal dos Direitos Humanos de 1948, em seu preâmbulo, preconiza

os direitos humanos como sendo “a expressão direta da dignidade da pessoa humana, a

obrigação dos Estados de assegurarem o respeito que decorre do próprio reconhecimento

dessa dignidade”.

Foi a conscientização, após a II Guerra Mundial, sobretudo de pessoas preocupadas com

as grandes questões éticas, originando esta Declaração. Para Flávia Piovesan,

A Declaração Universal de 1948, ao introduzir a concepção contemporânea de

direitos humanos, acolhe a dignidade humana como valor a iluminar o universo de

direitos [...]. A condição humana é requisito único e exclusivo, reitere-se, para a

titularidade de direitos. Isto porque todo ser humano tem uma dignidade que lhe é

inerente, sendo incondicionada, não dependendo de qualquer outro critério, senão

ser humano. O valor da dignidade humana se projeta, assim, por todo o sistema

internacional de proteção. Todos os tratados internacionais, ainda que assumam a

roupagem do positivismo jurídico, incorporam o valor da dignidade humana.10

10

PIOVESAN, Flávia. Direitos humanos: o princípio da dignidade humana e a constituição brasileira de

1988. Revista dos Tribunais, São Paulo, ano 94, v. 833, p. 41-53, mar. 2005.

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21

O que torna o Sentenciado digno? Simplesmente sua condição de ser humano. A partir

do momento em que se delega ao Estado o poder-dever de punir, cobra-se, tanto quanto, o

respeito aos princípios e normas que regem o direito, independentemente do que praticou o

Sentenciado.

Fundamentada nesta ideia, surge a reflexão para que se responsabilize o Estado, quando

este deixa de observar as leis por ele mesmo ditadas.

Além dos aspectos mínimos, tais como moradia, educação, trabalho, lazer, entre outros

tantos direitos previstos na Constituição Federal, a questão é a de conseguir desenvolver um

cidadão, e não marginais.

Nessa linha teórica (correspondência da punição às relações produtivas do sistema

socioeconômico), Ivan Jankovic (1977, p. 17-31) estuda a prisão, simultaneamente,

como variável dependente e variável independente, em relação ao mercado de

trabalho, desenvolvendo duas hipóteses implícitas na teoria originial: a) existe

relação negativa entre condições do mercado e prisão: se aquelas se deterioram, esta

aumenta, e se aquelas progridem, esta diminui; b) existe relação entre a forma de

punição e a situação do mercado: se a força do trabalho é insuficiente, a economia e

a punição a preservam; se a força de trabalho é abundante, a economia e a punição a

destroem11

.

Pensamos, sem embargo de entendimento diverso, que todas as vezes em que há

violação do direito fundamental, estar-se-á, efetivamente, violando o princípio da dignidade

da pessoa humana e, talvez, incentivando o recrudescimento das ações criminosas.

O estudo do princípio constitucional da dignidade da pessoa humana se faz

imprescindível pelo prisma da efetividade da ressocialização do Sentenciado, uma vez que o

estigma ou o rótulo do presidiário ou ex-presidiário afronta veementemente tal dignidade e

toda sua reinserção na sociedade.

O Estado, no momento em que aplica a execução penal, querendo ou não, impõe ao

apenado não apenas as sanções cabíveis, como igualmente submete-o à chancela que, mesmo

após cumprimento e pagamento da pena imposta, fica-lhe como um estigma incondicional:

ex-presidiário.

Embora se possa argumentar contrariamente, utilizando o exemplo do denominado

“crime de colarinho branco”, ou seja, “praticado contra a ordem econômico-social por agentes

11

KAZMIERCZAK, Luiz Fernando. Direito penal constitucional e exclusão social. Porto Alegre: Núria Fabris

Ed., 2010, p. 27.

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22

econômico-financeiros, por executivos que trabalham ou não em órgãos governamentais”12

,

há de se considerar que a imensa maioria dos Sentenciados denuncia a vulnerabilidade social

do sistema de execução penal vigente, o que se constatou, inclusive, na CPI do Sistema

Carcerário:

A CPI observou a total ausência nas cadeias e presídios brasileiros de gente

de posses, embora sejam freqüentes as denúncias publicadas pela mídia,

relatando o envolvimento de pessoas das classes média e alta em crimes de

homicídio, corrupção, fraude, acidente de trânsito e outros classificados

como delitos do “colarinho branco”. São rotineiras e em elevado número as

prisões de envolvidos com estes tipos de crimes, mas a permanência dos

mesmos atrás das grades é uma raridade.

No caso de crimes do colarinho branco, os “peixes grandes” como

magistrados, promotores, delegados, políticos, empresários, advogados,

raramente o processo chega ao fim e mais raro ainda serem condenados. E

quando condenados quase sempre escapam das grades, sobrando a prisão

apenas para os “peixes miúdos”.

Um levantamento publicado pela Revista Época, de março de 2008, sobre as

operações realizadas pela Polícia Federal, revela o retrato da impunidade

quando se trata de suspeitos “ricos” ou “influentes”, que cometem crimes de

colarinho branco. De 2003 a 2006, a Polícia Federal realizou em todo o país

216 operações, prendendo 3.712 pessoas, entre magistrados, promotores,

delegados, políticos, empresários, advogados, contadores e servidores

públicos em geral.

Apesar das operações caras e cinematográficas – registradas pela mídia –

com figurões sendo retirados dos seus lençóis de cetim – algemados com

fatias de queijo do café da manhã nas mãos e jogados com seus ternos

importados em camburões insalubres, os resultados são poucos: a maioria

dos detidos foi solta horas ou dias após a prisão.

Nessas operações, dos 3.712 presos, 1.098 eram servidores públicos. Essas

quadrilhas fraudaram cofres públicos e o sistema financeiro; traficaram

drogas, fizeram contrabando e cometeram crimes ambientais. Apenas 432

foram condenados e, destes, só 265 ficaram realmente presos.

O prejuízo para os governos Federal, Estaduais e Municipais com a ação

dessas quadrilhas é estimado em 18 bilhões de reais, segundo cálculos da

própria Polícia Federal, Receita Federal, INSS, IBAMA e Procuradoria-

Geral da República13

.

Pelos próprios dados anteriormente fornecidos pelo Ministério da Justiça, observa-se

que quanto maior a falta de formação educacional, maior o índice de criminosos.

Não é por outra razão que Heleno Cláudio Fragoso explica que

A pena não visa fazer sofrer o condenado, e a ressocialização pretendida não se pode

fazer sem respeitar a dignidade e a autonomia do réu, motivo pelo qual deve ela ser

12

HOUAISS, Antônio (1915-1999) e VILLAR, Mauro de Salles (1939-). Dicionário Houaiss da língua

portuguesa, elaborado pelo Instituto Antônio Houaiss de Lexicografia e Banco de Dados da Língua Portuguesa

S/C Ltda. 1. Ed. Rio de Janeiro: Objetiva, 2009, p. 571. 13

Disponível em: http://bd.camara.gov.br/bd/bitstream/handle/bdcamara/2701/cpi_sistema_carcerario.pdf

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oferecida (e não imposta), como forma de prevenir a prática de novos crimes,

possibilitando ao condenado uma vida adaptada à sociedade14

.

Observa-se, assim, que o objetivo é garantir a dignidade da pessoa humana, cujo

princípio, é sabido, abarca a condição de que o ser humano sempre deve ser tratado como um

fim e em hipótese alguma como meio. Isso implica dizer que apenas por ser humano tem de

ser tratado com respeito. A característica de ser humano já lhe concede a condição de ser

tratado com dignidade, nos termos que preceitua a nossa própria Constituição Federal.

Para Guilherme de Souza Nucci,

O princípio constitucional da dignidade da pessoa humana possui dois prismas:

objetivo e subjetivo. Objetivamente, envolve a garantia de um mínimo existencial ao

ser humano, atendendo as suas necessidades vitais básicas, como reconhecido pelo

art. 7º, IV, da Constituição Federal, ao cuidar do salário mínimo (moradia,

alimentação, educação, saúde, lazer, vestuário, higiene, transporte, previdência

social). Inexiste dignidade se a pessoa humana não dispuser de condições básicas de

vivência. Subjetivamente, cuida-se do sentimento de respeitabilidade e autoestima,

inerentes ao ser humano, desde o nascimento, quando passa a desenvolver sua

personalidade, entrelaçando-se em comunidade e merecendo consideração,

mormente do Estado.15

É importante salientar, como adverte Carmen Silvia de Moraes Barros, que,

Embora não expressamente declarado na Lei de Execução Penal, mas decorrência

direta das garantias consagradas na Constituição, a dignidade da pessoa humana

assegura os direitos essenciais para o livre desenvolvimento do ser e determina,

portanto, os contornos de todos os demais direitos fundamentais. A dignidade deve

permanecer inalterada em qualquer situação em que a pessoa se encontre. Assim, a

execução da pena deve dar-se em condições que assegurem o respeito à dignidade e

ao livre desenvolvimento do condenado.16

Por essa razão, é que se sustenta que a ressocialização do Sentenciado é fundamental e,

a nosso ver, não obstante existam posições divergentes, ela só será possível por meio do

estudo e do trabalho, já que ambos cooperam para a formação de todo e qualquer ser humano

e contribuem para a conquista de sua dignidade17

.

14

FRAGOSO, Heleno Cláudio. Lições de direito penal: parte geral. Rio de Janeiro: Editora Forense, 2003, p.

347. 15

NUCCI, Guilherme de Souza. Princípios constitucionais penais e processuais penais. 2ª ed. rev., atual. e

ampl. São Paulo: Editora Rebista dos Tribunais, 2012, p. 46. 16

BARROS, Carmen Silvia de Moraes. A individualização da pena na execução penal. São Paulo: Editora

Revista dos Tribunais, 2001, p. 130. 17

“O trabalho externo é da essência do regime semiaberto, independentemente do tempo de cumprimento da

pena, satisfeitos os demais requisitos legais. 2. O trabalho do apenado insere-se na finalidade ressocializadora da

pena privativa de liberdade e na afirmação da base constitucional da dignidade da pessoa humana, não

comportando restrições. 3. Ao apenado, o trabalho é a principal maneira de permitir a coexistência e/ou

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Ademais, constitucionalmente, os princípios devem ser considerados norteadores da

execução penal, uma vez que são pressupostos para o exercício do Estado Democrático de

Direito, atendendo, inclusive, às finalidades da pena18

.

Immanuel Kant dá os contornos perfeitos do que, a nosso ver, sem embargo de

entendimento diverso, seria a aplicabilidade do princípio da dignidade da pessoa humana:

No reino dos fins, tudo tem um preço ou uma dignidade. Quando uma coisa tem um

preço, pode pôr-se, em vez dela, qualquer outra coisa, como equivalente; mas

quando uma coisa está acima de todo o preço, e portanto não permite equivalente,

então ela tem dignidade.19

Obviamente, o Sentenciado começa, a partir do momento em que está custodiado pelo

Estado, a perder diariamente sua dignidade.

Os dados disponibilizados pelo Ministério da Justiça mostram de forma inequívoca a

precariedade das condições dessa custódia. Um exemplo eloquente disso é a superlotação20

.

Mas tantas outras ações são relatadas pelos presos: agressões físicas e morais, falta de espaço

físico, falta de água, comida estragada, maus-tratos de toda ordem tanto infligidos à própria

pessoa do preso, como igualmente aos membros de sua família que, no ambiente prisional,

acabam sendo tratados, ou melhor, destratados pelos agentes penitenciários no ritual dos dias

de visita.

Trata-se, portanto, de questões basilares e indiscutíveis sobre o direito fundamental da

pessoa humana, que, desrespeitado, torna possível a flagrante violação do princípio da

dignidade a que temos nos referido.

De acordo com Ingo Wolfgang Sarlet, importa referir

[...] a função decisiva exercida pelos direitos fundamentais num regime democrático

como garantia das minorias contra eventuais desvios de poder praticado pela maioria

no poder, salientando-se, portanto, ao lado da liberdade de participação, a efetiva

garantia da liberdade-autonomia.21

sobrevivência minimamente ‘saudável numa sociedade carcerária, sabidamente doentia, patológica, excludente,

desumana e irracional’.” (HC 70034083857 – TJRS, 6ª C.C., rel. Nereu José Giancomolli, 10.02.2010, v.u.). 18

“É certo, ainda, que o caráter retributivo da pena, como uma forma de exemplo social, não deve ser esquecido.

Deve, entretanto, ser mitigado pela necessidade de reintegração social do condenado em respeito à dignidade da

pessoa humana e, até porque, não há em nosso país, nos tempos de paz, penas perpétuas ou capitais, do que se

infere a certeza do retorno do condenado ao seio social, situação para a qual deve ser preparado da melhor forma

possível”. (HC 26.552-SP, 5ª Turma, rel. Ramza Tartuce, 20.08.2007, v.u.). 19

KANT, Immanuel. Fundamentação da metafísica dos costumes e outros escritos. São Paulo: Martin Claret,

2003, p. 77. 20

Isso porque nosso trabalho concentrou as análises apenas no Estado de São Paulo. 21

SARLET, Ingo Wolfgang. A eficácia dos direitos fundamentais. 7ª ed. rev. atual. e ampl. Porto Alegre:

Livraria do Advogado Ed., 2007, p. 73.

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Como decorrência do princípio da dignidade da pessoa humana, pode-se compreender

por princípio o da convivência justa, o da solidariedade, o da não discriminação e,

especialmente, o princípio de respeito dos direitos fundamentais.

Atender ao que preconiza a Constituição Federal, em face do princípio da dignidade da

pessoa humana, é possibilitar ao Sentenciado sua reinserção na sociedade, devendo ser este

um dos objetivos nucleares da execução penal.

Feitas estas considerações, destaca-se que a dignidade humana não é, aos olhos do

direito constitucional, apenas uma declaração como estrutura de tal sistema. Antes, ganha

relevo como sendo norma jurídica que gera, consequentemente, direito.

Ingo Wolfgang Sarlet destaca que

A qualificação da dignidade da pessoa humana como princípio fundamental traduz a

certeza de que o artigo 1º, inciso III, de nossa Lei Fundamental não contém apenas

(embora também e acima de tudo) uma declaração de conteúdo ético e moral, mas

que constitui norma jurídico-positiva dotada, em sua plenitude, de status

constitucional formal e material e, como tal, inequivocadamente carregado de

eficácia alcançando, portanto, a condição de valor jurídico fundamental da

comunidade. Importa considerar, nesse contexto, que, na sua qualidade de princípio

fundamental, a dignidade humana constitui valor-guia não apenas dos direitos

fundamentais, mas de toda a ordem jurídica (constitucional e infraconstitucional),

razão pela qual, para muitos, se justifica plenamente sua caracterização como

princípio constitucional de maior hierarquia axiológico-valorativa.22

Merece destaque, ainda, a distinção clássica realizada por Robert Alexy entre regras e

princípios. Para este autor, as regras são mandamentos definitivos, ou seja, revelam-se como

prescrições imperativas de condutas que permitem às pessoas cumprirem-nas ou não. Se há

determinada regra, deve-se cumpri-la nos seus exatos termos. Já os princípios, a seu ver,

trazem mandamentos de otimização, o que significa dizer que são postos na prática, diante das

possibilidades reais, isto é, fáticas, permitindo, inclusive, uma avaliação quanto a sua

exequibilidade jurídica23

.

Diante disso, não há dúvida de que a Constituição Federal de 1988 disciplina a

dignidade da pessoa humana como norma, mas com natureza de princípio. Toda e qualquer

conceituação do princípio da dignidade da pessoa humana traz em si a ideia de mandamento

nuclear de um sistema e, consequentemente, atinge as demais normas24

.

22

SARLET, Ingo Wolfgang. Dignidade da pessoa humana e direitos fundamentais na Constituição Federal

de 1988. Porto Alegre: Livraria do Advogado, p. 72. 23

ALEXY, Robert. Teoria de los derechos fundamentales. Madrid: Centro de Estudios Constitucionales, 1997,

p. 81 e ss. 24

BANDEIRA DE MELLO, Celso Antonio. Curso de direito administrativo. 21ª ed. São Paulo: Melheiros,

2006, p. 912-913.

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José Joaquim Gomes Canotilho ensina que [...] nestes princípios se condensam as opções

políticas nucleares e se reflete a ideologia inspiradora da Constituição. Expressando as

concepções políticas triunfantes ou dominantes numa assembleia constituinte, os princípios

político-constitucionais são o cerne de uma constituição política25, ou seja, a dignidade da

pessoa humana se traduz como princípio constitucional fundamental, decorrente de decisão

política fundamental e que se revela no sistema constitucional positivo como sendo uma

norma conformadora.

No âmbito da execução penal, fácil é observar a adequação do princípio da dignidade

humana, uma vez que o seu conteúdo faz com que se reconheça a proteção integral do ser

humano, tanto nos aspectos físicos, como nos morais e psíquicos.

Nesse contexto, bem esclarece esta amplitude Ricardo Maurício Freire Soares, como se

pode apreender da seguinte afirmação:

A dignidade da pessoa humana, sob os influxos do pós-positivismo

neoconstitucionalista, converteu-se em verdadeira fórmula de justiça substancial,

passível de ser invocada concretamente pelos sujeitos de direitos, sem os limites

decorrentes das concepções jusnaturalista e positivista de fundamentação do direito

justo26

.

Não por outra razão, sustenta-se que apenas com as formações educacional e

profissional, data venia, possibilitar-se-á a ressocialização de maneira a observar o disposto

na Constituição Federal.

Como bem pondera Flávia Piovesan,

O valor da dignidade humana impõe-se como núcleo básico e informador do

ordenamento jurídico brasileiro, como critério e parâmetro de valoração a orientar a

interpretação e compreensão do sistema constitucional instaurado em 1988. A

dignidade humana e os direitos e garantias fundamentais vêm a constituir os

princípios constitucionais que incorporam as exigências de justiça e dos valores

éticos, conferindo suporte axiológico ao sistema jurídico brasileiro. Os direitos e

garantias fundamentais passam a ser dotados de uma especial força expansiva,

projetando-se por todo o universo constitucional e servindo como critério

interpretativo de todas as normas do ordenamento jurídico nacional.27

25

CANOTILHO, José Joaquim Gomes; MOREIRA, Vital. Fundamentos da Constituição. Coimbra: Almedina,

1998, p. 73. 26

SOARES, Ricardo Maurício Freire. O princípio constitucional da dignidade da pessoa humana: em busca

do direito justo. São Paulo: Saraiva, 2010, p. 128. 27

PIOVESAN, Flávia. Direitos humanos e direito constitucional internacional. 12ª ed. rev. e atual. São

Paulo: Saraiva, 2011, p. 423.

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27

Cabe ao Poder Judiciário zelar pelo princípio da dignidade da pessoa humana, no

âmbito da execução penal28

.

1.2 Princípios específicos da execução penal

Além dos princípios constitucionais anteriormente mencionados, na seara da execução

penal há princípios específicos que devem caminhar em observância aos princípios

constitucionais.

Destacam-se os que para este trabalho revelam grande importância.

1.2.1 Princípio da legalidade

O princípio da legalidade está consagrado na Constituição Federal, artigo 5º, inciso II,

estabelecendo que “ninguém será obrigado a fazer ou deixar de fazer alguma coisa senão em

virtude de lei”29

.

Christiano Jorge Santos ensina que

Alguns autores apontam o princípio da legalidade como sinônimo do princípio da

reserva legal, portanto equiparando-os em significado. Contudo, sem embargo de

todo respeito sempre devotado às doutas vozes em sentido contrário, temos que o

aludido comando legal e constitucional traz ínsito o princípio da legalidade (gênero),

o qual compreende duas espécies, o princípio da reserva legal e o da anterioridade.30

Quando se pensa num Estado Democrático de Direito, a observância ao princípio da

legalidade é fundamental, já que todos os conflitos são resolvidos com base na legalidade.

No âmbito da execução penal, também se pode falar da legalidade penal contida no

inciso XXXIX da Constituição Federal, que assim estabelece: “não há crime sem lei anterior

que o defina, nem pena sem prévia cominação legal”. Este é o princípio que garantirá ao

28

“RECURSO SUBSTITUTIVO DE HABEAS-CORPUS. ART. 75 DO CÓDIGO PENAL. MUDANÇA DO

REGIME CARCERÁRIO. – A dignidade da pessoa humana, um dos fundamentos do Estado Democrático de

Direito, ilumina a interpretação da lei ordinária. Ordem concedida”. (STJ, HC 9892/RJ. Relator Ministro

HAMILTON CARVALHIDO. Relator(a) p/ Acórdão Ministro FONTES DE ALENCAR. Órgão Julgador: Sexta

Turma. Julgado em 16/12/1999. Data da publicação/Fonte DJ 26.03.2001, p. 473). 29

“Por isso, à vista do princípio da legalidade penal, no seu corolário da taxatividade da norma penal, e à falta de

disposição legal manifesta, não se pode admitir que a prática de infração disciplinar grave cause interrupção na

contagem do prazo à obtenção do benefício. Este raciocínio só não é cabível em relação à remição, por força da

disposição existente, muito embora sua constitucionalidade também já tenha sido alvo de diversas objeções. 6. É

mais adequado, portanto, que a prática de infrações disciplinares venha a ser ponderada na aferição dos

requisitos subjetivos, e não como impeditivo à progressão, dentro da categoria das exigências objetivas”. (TJSP,

HC 990.256536-2-SP, 1ª C.D.C., rel. Márcio Bártoli, 22.03.2010, v.u.). 30

SANTOS, Christiano Jorge. Direito penal: parte geral. Rio de Janeiro: Elsevier, 2007, p. 18.

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Sentenciado que todos os direitos não atingidos pela sentença ou pela lei lhe sejam

assegurados, efetivamente31

.

Concordam com isso as palavras de Carmen Silvia de Moraes Barros:

Através do princípio da legalidade dota-se o sistema de segurança jurídica,

estipulando-se que na execução penal há de observar-se uma série de requisitos

previamente estabelecidos e que a limitação dos direitos fundamentais dos

sentenciados só pode efetuar-se por meio de lei. Assegura-se, assim, que a execução

da pena se desenrole nos estritos limites da sentença condenatória – o juiz da

execução não poderá modificá-la em prejuízo do sentenciado –, que se possibilitem

ao condenado as condições para sua integração social – adaptando-se a pena a ser

cumprida à sua realidade, quando necessário para alcançar os fins da pena no Estado

de direito.32

Não se concebe a ressocialização do Sentenciado sem demonstrar que o Estado o

percebe como ser humano e que visualiza e concede meios para que ele se reintegre à

sociedade.

Se a melhor forma para educar e conscientizar é por meio do exemplo, o Estado, que é o

detentor da execução das leis, não pode se eximir de observar e de se submeter aos princípios

ditados pela Constituição Federal e por todas as demais normas que integram o ordenamento

jurídico.

O Poder Judiciário tem grande importância nesse contexto, o que se depreende da

seguinte afirmação:

[...] tampouco a legalidade qualifica a Execução Penal de atuação puramente

administrativa, pois a jurisdicionalidade está assegurada pela indispensável

condução do processo por um juiz de direito (...). Caberá a ele a decisão

fundamentada do reconhecimento de direitos ou da aplicação de sanções, sempre

que possam implicar a quantidade ou qualidade da pena.33

Infelizmente, a execução penal é uma deliberação em que podem ser verificados e

constatados vários exemplos de violações dos princípios que a norteiam. Apenas para nos

determos em um dos inúmeros exemplos, citemos o Regime Disciplinar Especial – RDE, que

31

“RHC – CONSTITUCIONAL – PROCESSO PENAL – PENA – EXECUÇÃO – REGIME – O

CONDENADO CONSERVA TODOS OS DIREITOS NÃO ATINGIDOS PELA PENA. NENHUMA

RESTRIÇÃO MAIOR PODE SER IMPOSTA. OBEDIÊNCIA AO PRINCÍPIO DA LEGALIDADE. Já se

disse, no início do século, que o Código Penal é a constituição do réu. Se o Estado condena alguém a

determinado regime, e não promove os meios para realizá-lo, não pode submeter o condenado a regime mais

grave. Assim, na falta de casa de albergado, exigir a disciplina do regime fechado”. (STJ, RHC 2238/RS Relator

Ministro JOSÉ CÂNDIDO DE CARVALHO FILHO. Órgão Julgador: Sexta Turma. Julgado em 30/11/1992.

Data da Publicação/Fonte DJ 29.03.1993. p. 5267). 32

BARROS, Carmen Silvia de Moraes. A individualização da pena na execução penal. São Paulo: Editora

Revista dos Tribunais, 2001, p. 130-131. 33

BRITO, Alexis Augusto Couto de. Execução penal. São Paulo: Quartier Latin, 2006, p. 43.

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29

não se confunde com o Regime Disciplinar Diferenciado – RDD, devidamente amparado por

lei.

O RDE, ao contrário, sequer tem previsão legal, mas é aplicado constantemente em,

pelo menos, duas penitenciárias do Estado de São Paulo: Penitenciária "Maurício Henrique

Guimarães Pereira" - Venceslau II e Penitenciária "Nelson Marcondes do Amaral" - Avaré II.

Muito embora o Poder Judiciário tenha conhecimento, não há uma decisão que afaste a

ilegalidade desse regime. Ademais, embora defensores tentem alegar sua

inconstitucionalidade, em verdadeira afronta ao princípio da legalidade, ele continua sendo

aplicado nos dias atuais.

Não é por outra razão que a possibilidade de se ressocializar seja praticamente nula.

Louk Hulsman bem pontua a questão, que fundamentamos nos dois princípios inicialmente

analisados: o da dignidade da pessoa humana e o da legalidade.

Gostaríamos que quem causou um dano ou um prejuízo sentisse remorso, pesar,

compaixão por aquele a quem fez mal. Mas, como esperar que tais sentimentos

possam nascer no coração de um homem esmagado por um castigo desmedido, que

não compreende, que não aceita e não pode assimilar? Como este homem

incompreendido, desprezado, massacrado, poderá refletir sobre as consequências de

seu ato na vida da pessoa que atingiu? [...] Para o encarcerado, o sofrimento da

prisão é o preço a ser pago por um ato que uma justiça fria colocou numa balança

desumana. E, quando sair da prisão, terá pago um preço tão alto que, mais do que se

sentir quite, muitas vezes acabará por abrigar novos sentimentos de ódio e

agressividade. [...] O sistema penal endurece o condenado, jogando-o contra a

“ordem social” na qual pretende reintroduzi-lo.34

Se há violação do princípio da legalidade, como pensar num contexto em que o

submetido, neste caso o Sentenciado, possa se manter num padrão de modo a não reincidir?

Inexiste esta condição.

1.2.2 Princípio da intranscendência, da personalidade da pena ou da pessoalidade da pena

O fundamento do princípio da personalidade da pena está no artigo 5º, inciso XLV, da

Constituição Federal, que assim dispõe: "Nenhuma pena passará da pessoa do condenado,

podendo a obrigação de reparar o dano e a decretação do perdimento de bens ser, nos termos

da lei, estendidas aos sucessores e contra eles executadas, até o limite do valor do patrimônio

transferido".

34

HULSMAN, Louk. Penas perdidas. Tradução: Maria Lucia Karam. Niterói: Luam, 1993, p. 71-72.

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30

O princípio da personalidade da pena ou da pessoalidade da pena se compatibiliza com

o princípio da responsabilidade pessoal, já que ninguém pode ser responsabilizado por fato de

terceiro.

Carmen Silvia de Moraes Barros cita Javier Balanguer Santamaria, que destaca:

A atividade penitenciária se exercerá respeitando, em todo caso, a personalidade

humana dos reclusos e seus direitos e interesses jurídicos não afetados pela

condenação. Portanto, os internos poderão exercitar os direitos civis, políticos,

sociais, econômicos e culturais, sem exclusão do direito de sufrágio, salvo se forem

incompatíveis com o objeto de sua detenção ou do cumprimento da condenação.”

Completa aduzindo que são direitos fundamentais dos reclusos o direito à vida, à

integridade física, à honra, à intimidade, à liberdade religiosa, à não discriminação, o

direito à propriedade, o de contrair matrimônio com plena igualdade jurídica, o

direito das internas de terem em sua companhia os filhos que não tenham alcançado

a idade escolar obrigatória, o direito de manter contatos e comunicações com a

família; o direito à educação e instrução, ao trabalho e à previdência social e o

direito de reunião em determinadas circunstâncias.35

Por meio do princípio da personalidade da pena é que se pode alcançar a efetiva

retribuição e, especialmente, a ressocialização da pena.

1.2.3 Princípio da isonomia

O artigo 3º, parágrafo único, da Lei de Execução Penal, e o item 23 da exposição de

motivos consagram o princípio da isonomia, sendo certo que não deve haver quaisquer

distinções entre os Sentenciados, sejam de cunho racial, social ou político.

No entanto, como restou demonstrado por meio do Relatório Final da Comissão

Parlamentar de Inquérito do Sistema Carcerário36

,

Observou-se a total ausência nas cadeias e presídios brasileiros de gente de posses,

embora sejam frequentes as denúncias publicadas pela mídia do envolvimento de

pessoas das classes média e alta em crimes de homicídio, corrupção, fraudes,

acidentes de trânsito e outros classificados como delitos do “colarinho branco”. São

rotineiras e em elevado número as prisões de envolvidos com estes tipos de crime,

mas a permanência dos mesmos atrás das grades é uma raridade.37

35

BARROS, Carmen Silvia de Moraes. A individualização da pena na execução penal. São Paulo: Editora

Revista dos Tribunais, 2001, p. 130. 36

Disponível em: http://bd.camara.gov.br/bd/bitstream/handle/bdcamara/2701/cpi_sistema_carcerario.pdf,

Acessado em 01 de junho de 2012, p. 47. 37

Disponível em: http://bd.vsmsts.gov.br/bd/handle/bdcamara/2701. Acessado em 14 de maio de 2012.

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31

Ressalta-se que o princípio da isonomia é consagrado constitucionalmente, por meio do

artigo 5º, caput, da Constituição Federal, do que se depreende que se deve tratar igual os

iguais e desigualmente os desiguais, exatamente na proporção de suas desigualdades.

Carmen Silvia de Moraes Barros explica que

Na execução penal, o princípio da igualdade assegura o direito de ser diferente dos

demais, de não se submeter a tratamentos tendentes à modificação de personalidade;

determina, também, a proibição de tratamentos discriminatórios, sejam de ordem

social, econômica, religiosa, racial ou político-ideológica.38

O princípio da isonomia, em sede de execução penal, garantirá aos Sentenciados que

não haja, entre eles, nenhum tratamento desigual. Se houver, inevitavelmente, ocorrerá

violação ao princípio da isonomia, cabendo, neste caso, a atuação do Poder Judiciário.

1.2.4 Princípio da proporcionalidade

O princípio da Declaração dos Direitos do Homem e do Cidadão, de 1789, assim

preceitua, no artigo 15: “A lei só deve cominar penas estritamente necessárias e proporcionais

ao delito”, o que demonstra não ser, a princípio, novidade.

Willis Santiago Guerra Filho explica que, embora o princípio da proporcionalidade não

esteja expressamente previsto na Constituição Federal, pode-se dizer que está em vigor, com

base no parágrafo segundo, do artigo 5º, deste mesmo texto, que preceitua: “Os direitos e

garantias expressos nesta Constituição não excluem outros decorrentes do regime e dos

princípios por ela adotados etc.”39

.

Quanto à questão de ser um direito ou uma garantia fundamental, Willis Santiago

Guerra Filho apresenta o seguinte posicionamento:

Considerando que tanto o princípio da proporcionalidade como o princípio da

isonomia são necessários ao aperfeiçoamento daquele sistema de proteção

organizado pelos autores de nossa lei fundamental em segurança da pessoa humana,

da vida humana e da liberdade humana, como refere Rui Barbosa às garantias

constitucionais em sentido estrito (...) as quais, para nós, não são essencialmente

diversas dos direitos fundamentais propriamente ditos, que sem esse sistema de

tutela, essa dimensão processual, não se aperfeiçoam enquanto direitos”40

.

38

BARROS, Carmen Silvia de Moraes. A individualização da pena na execução penal. São Paulo: Editora

Revista dos Tribunais, 2001, p. 132. 39

GUERRA FILHO, Willis Santiago. Processo constitucional e direitos fundamentais. 4ª ed. rev. e ampl. São

Paulo: RCS Editora, 2005, p. 85. 40

Ibid., p. 86.

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32

Além do exposto, pode-se afirmar que o princípio da proporcionalidade da pena é

desmembramento do próprio princípio da personalidade da pena. De acordo com o artigo 5º,

da Lei de Execução Penal, pretende-se, embora nem sempre ocorra na prática, que os

sentenciados sejam classificados por meio da análise de seus antecendentes e da

personalidade, com o objetivo de se garantir a individualização da execução penal.

O objetivo é que, por meio do regime de cumprimento da pena, se alcance a

ressocialização do sentenciado41

, uma vez que a pena privativa de liberdade poderia ser

considerada como tratamento.

Giuseppe Bettiol entende que “o réu deve ser submetido a um tratamento reeducativo,

ou de recuperação, no interesse precípuo do grupo ou da sociedade.”42

Cezar Roberto Bitencourt, por sua vez, assevera:

Com base no princípio da proporcionalidade é que se pode afirmar que um sistema

penal somente estará justificado quando a soma das violências – crimes, vinganças e

punições arbitrárias – que ele pode prevenir for superior à das violências

constituídas pelas penas que cominar. Enfim, é indispensável que os direitos

fundamentais do cidadão sejam considerados indisponíveis (e intocáveis), afastados

da livre disposição do Estado, que, além de respeitá-los, deve garanti-los.43

O princípio da personalização da pena, bem como o da proporcionalidade, alcançarão,

em tese, este objetivo: ressocializar.

1.2.5 Princípio da humanidade ou da humanização da pena

José Afonso da Silva, num breve histórico sobre a integridade físico-corporal e o direito

fundamental à sua proteção, demonstra a seguinte evolução:

As constituições anteriores já o consignavam, com pouca eficácia. Utilizavam-se

habitualmente várias formas de agressão física a presos, a fim de extrair-lhes

confissões de delitos. Fatos esses que já estão abolidos desde a Constituição de

1824, quando, em seu art. 179, XIX, suprimiu os açoites, a tortura, a marca de ferro

41

Exposição de motivos da LEP: “26. A classificação dos condenados é requisito fundamental para demarcar o

início da execução científica das penas privativas da liberdade e da medida de segurança detentiva. Além de

constituir a efetivação de antiga norma geral do regime penitenciário, a classificação é o desdobramento lógico

do princípio da personalidade da pena, inserido entre os direitos e garantias constitucionais. A exigência

dogmática da proporcionalidade da pena está igualmente atendida no processo de classificação, de modo que a

cada sentenciado, conhecida a sua personalidade e analisado o fato cometido, corresponda o tratamento

penitenciário adequado”. 42

BETTIOL, Giuseppe. O mito da reeducação, em O Problema Penal. Coimbra Ed., 1967, p. 271. 43

BITENCOURT, Cezar Roberto. Tratado de direito penal: parte geral, 1. 16ª ed. São Paulo: Saraiva, 2011,

p. 58.

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33

quente, e todas as mais penas cruéis, o que foi completado pelo art. 72, parágrafo 20,

da Constituição de 1891, ao abolir a pena de galés e o banimento judicial.44

O princípio da humanidade pretende atender aos princípios constitucionais, sendo certo

que “o sentimento de humanidade descende da natureza comum do ser humano, que repugna

em sua sã consciência a aplicação de castigos cruéis e ofensivos à dignidade, que ‘sempre

permanecem em maior ou menor escala, até no pior delinquente”45

.

O fundamento primordial do princípio da humanização da pena é o de reconhecer o

condenado como ser humano e, consequentemente, respeitá-lo com respaldo no princípio da

dignidade da pessoa humana, vedando-se toda e qualquer forma de sanções que violem o

direito à vida e a integridade física, psíquica e moral dos sentenciados.

A vedação de penas cruéis não é recente. Ensina Luiz Luisi que “já a Emenda VIII à

Constituição de Filadélfia de 1787, ratificada em 1791, proibia as penas cruéis e incomuns.

Linguagem similar vamos encontrar praticamente em todas as Constituições do século XIX, e

nas atualmente vigentes”46

.

Na Constituição de 1988, observa-se a adoção do princípio da humanidade por meio da

análise dos dispositivos que vedamn o tratamento desumano ou degradante, a pena de morte,

o caráter perpétuo das penas, os trabalhos forçados, de banimento ou cruéis (III, XLVII).

Observa-se, ainda, como reflexo do princípio da dignidade da pessoa humana na

aplicação da pena privativa de liberdade, o exposto por José Luis Gusmán Dalbora:

Las proyecciones del principio de humanidad sobre las penas y la extinción de la

responsabilidad penal forman un cuadro sumamente rico y complejo, que aquí sólo

puedo abocetar, y con este bosquejo termino. Primero, la proporción de las

penalidades a la gravedad de los delitos. Segundo, la exigencia de suprimir aquellas

incompatibles con la dignidad humana, esto es, la capital y todas las que inciden en

la entidad fisica del condenado, las que por su ser o ejecución menosprecien sus

derechos fundamentales y las perpetuas. Tercero, la limitación cualitativa e

cuantitativa de las penas privativas de la libertad. Cuarto, la búsqueda de nuevas y

más inteligentes formas de castigar, que sean a un tiempo eficaces y aceptables en el

conglomerado social. Quinto, la prescriptibilidad de todos los delitos y todas las

penas”47

.

O Brasil ratificou alguns tratados internacionais que priorizam o princípio da

humanização da pena. Um deles, o Pacto Internacional sobre Direitos Civis e Políticos (1966),

44

SILVA, José Afonso da. Curso de direito constitucional positivo. São Paulo: Malheiros, 1998, p. 202. 45

BRITO, Alexis Augusto Couto de. Execução penal. São Paulo: Quartier Latin, 2006. p. 43-44. 46

LUISI, Luiz. Os princípios constitucionais penais. Porto Alegre: Sérgio Antonio Fabris Editor, 2003, p. 47. 47

DALBORA, José Luis Guzmán. Justicia penal y principio de humanidad. Dogmática penal del tercer

milenio. Peru: ARA, 2008, p. 297-298.

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no seu artigo 10, 1, estabelece que “toda pessoa privada de sua liberdade deverá ser tratada

com humanidade e respeito à dignidade humana”.

No mesmo sentido, a Convenção Americana sobre Direitos Humanos – Pacto de San

José da Costa Rica (1969), disciplina em seu artigo 5º, 2, que “ninguém deve ser submetido a

torturas, nem a penas ou tratos cruéis, desumanos ou degradantes. Toda pessoa privada de

liberdade deve ser tratada com o respeito devido à dignidade inerente ao ser humano”.

Destaque-se, ainda, a Convenção Americana de Direitos Humanos, que sugere a

abolição da pena de morte e sua restrição quando ainda aplicada.

Constitucionalmente, observa-se, de maneira implícita, o princípio da humanização da

pena, por meio da análise do artigo 5º, inciso XLIX, que preceitua o respeito à integridade

física e moral do preso.

A relevância dos tratados internacionais e sua repercussão na ordem jurídica brasileira

são imensas. Como explica Flávia Piovesan,

Intenso é o impacto jurídico do Direito Internacional dos Direitos Humanos no

ordenamento interno. Considerando a natureza constitucional dos direitos

enunciados nos tratados internacionais de proteção dos direitos humanos, três

hipóteses poderão ocorrer. O direito enunciado no tratado internacional poderá: a)

reproduzir direito assegurado pela Constituição; b) inovar o universo de direitos

constitucionalmente previstos; e c) contrariar preceito constitucional. Na primeira

hipótese, os tratados internacionais de direitos humanos estarão a reforçar o valor

jurídico de direitos constitucionalmente assegurados. Na segunda, esses tratados

estarão a ampliar e estender o elenco dos direitos constitucionais, complementando e

integrando a declaração constitucional de direitos. Por fim, quanto à terceira

hipótese, prevalecerá a norma mais favorável à proteção da vítima.48

No âmbito da execução penal, como dito anteriormente, vários são os tratados

aplicáveis e que, até o presente momento, o Estado não atende.

O princípio da humanização da pena pretende que não haja punições cruéis, desumanas,

degradantes, torturas. Tenta-se, enfim, fazer com que o cumprimento da pena se dê,

efetivamente, apenas com o que o Estado-Juiz determinou por meio da sua sentença

condenatória, não sendo possível admitir meios que fogem às raias do tratamento do ser

humano.

A questão da humanização da pena não é atual. Cesare Beccaria já pontuava, em sua

época:

Como pode um corpo político, que, longe de se entregar às paixões, deve ocupar-se

exclusivamente em pôr um freio nos particulares, exercer crueldades inúteis e

empregar o instrumento do furor, do fanatismo e da covardia dos tiranos? Poderão

48

PIOVESAN, Flávia. Direitos humanos e o direito constitucional internacional. 12ª ed. rev. e atual. São

Paulo: Saraiva, 2011, p. 162-163.

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os gritos de um infeliz nos tormentos retirar do seio do passado, que não volta mais,

uma ação já cometida? Não. Os castigos têm por fim único impedir o culpado de ser

nocivo futuramente à sociedade e desviar seus concidadãos da senda do crime.49

O significado de humanizar, segundo o dicionário Houaiss, é: 1. “ato ou efeito de

humanizar(-se), de tornar(-se) benévolo ou mais sociável”. Assim, compreende-se o ato de

humanizar como o de “tornar(-se) humano, dar ou adquirir condição humana; humanar(-se)

(...). 2. Tornar(-se) benévolo, ameno, tolerável; humanar(-se) (...) 3. Tornar(-se) mais sociável,

mais tratável; civilizar(-se), socializar(-se) (...)”. Como adjetivo, temos: “que mostra piedade,

indulgência, compreensão para com outra(s) pessoa(s)”50

.

O Sentenciado deve, efetivamente, ser responsabilizado pela violação à ordem legal a

que todos somos submetidos. Para isso, tem-se o Poder Judiciário, com o fim de determinar a

quantidade de pena, a forma pela qual esta pena deverá ser cumprida e a humanização dos

procedimentos durante o cumprimento da pena.

Entende-se que o princípio da humanização da pena seja decorrente do da dignidade da

pessoa humana.

Assim e em poucas palavras, seria tratar o Sentenciado como ser humano que é,

independentemente de seus atos, uma vez que para avaliá-los, há o Estado, que determina a

pena, bem como a sua dosimetria. É a vedação da justiça privada por meio da execução penal,

uma vez que o Sentenciado já foi julgado e condenado com base nos princípios

constitucionais.

Nigel Rodley, Relator Especial das Nações Unidas Contra a Tortura, realizou uma

missão no período de 20 de agosto a 12 de setembro de 2000, apresentando seu Relatório

Final em Genebra, durante a 75ª Sessão da Comissão de Direitos Humanos das Nações

Unidas. O documento reuniu 348 denúncias em unidades prisionais de 18 Estados da

Federação. As péssimas condições carcerárias denunciavam a tortura indireta, como também

se pôde constatar a efetivação de tortura, já que foram visualizadas marcas de agressões nos

presos, além da existência de máquinas de choque elétrico, barras de ferrro, bastões de

madeira, entre tantos outros instrumentos congêneres nas unidades visitadas.

Em face dessa situação, foi exarada a Recomendação nº 16, em que se destaca a

relevante e fundamental função do Poder Judiciário, já que, a nosso ver, cabe a este Poder

“socorrer” a questão penitenciária degradante em nosso país. A Recomendação assim expõe:

49

BECCARIA, Cesare. Dos delitos e das penas. 2ª ED. Trad. Lucia Guidicini e Alessandro Berti Contessa.

Rev. da trad. Roberto Leal Fereria. São P|aulo: Martins Fontes, 2002, p. 85. 50

HOUAISS, Antônio (1915-1999) e VILLAR, Mauro de Salles (1939- ). Dicionário Houaiss da língua

portuguesa, elaborado pelo Instituto Antônio Houaiss de Lexicografia e Banco de Dados da Língua Portuguesa

S/C Ltda. 1. Ed. Rio de Janeiro: Objetiva, 2009, p. 1037.

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Se não houver o fim da superlotação crônica nos lugares de detenção (um problema

que improvavelmente será solucionado com a construção de outros lugares), um

programa de conscientização dentro do judiciário é imperativo para assegurar que tal

profissão, no âmago da lei e da garantia dos direitos humanos, torne-se sensível à

necessidade de proteger os direitos dos suspeitos e também dos condenados para

evidentemente reprimir a criminalidade.51

Embora teoricamente sejam atendidos os comandos principiológicos, sabe-se, como

visto anteriormente, que se está longe de atingir o banimento total das penas cruéis no Brasil.

Como observa José Eduardo Goulart,

As penas cruéis, infamantes, degradantes e desumanas, como é óbvio, estão a longo

tempo banidas de nossa legislação. No entanto, a realidade mostra que vários tipos

de castigo extralegais são impostos aos presos. A propósito, lembrava o ilustre Juiz

José Gaspar Fr

anceschini, quando exerceu a magistratura na Vara de Execuções Criminais de São

Paulo, as visitas investigatórias a repartições policiais, a que se viu obrigado,

alertado por “advogados da Comissão de Direitos Humanos da OAB, de religiosos e

até de moradores vizinhos a Delegacias que, não suportando gritos e gemidos de

pessoas submetidas a maus-tratos, nos telefonam...52

Atualmente esta situação ainda não se modificou. É o que atesta Cezar Roberto

Bitencourt, ao dar relevo ao pensamento de Howard, dotado de grande carga humanitária:

Howard nunca aceitou as condições deploráveis em que se encontravam as prisões

inglesas. Não admitia que o sofrimento desumano fosse consequência implícita e

iniludível da pena privativa de liberdade, embora nessa época, como agora, a

reforma da prisão não fosse um tema que interessasse ou preocupasse muito ao

público ou aos governantes.53

Não parece, salvo entendimento em contrário, que seja objeto de preocupação dos

governantes eliminar os maus tratos de forma ampla, até porque, em face do foro privilegiado

que detêm, dificilmente tais autoridades estarão cumprindo pena no regime fechado. É como

se o próprio sistema as protegesse.

De qualquer forma e considerando que a lei deveria ser para todos, hipótese que

admitimos nesta nossa argumentação, é imprescindível compreender e dar vida à finalidade da

pena: punir, mas, efetivamente, ressocializar, posicionamento em perfeita consonância com o

de Guilherme de Souza Nucci:

51

Sumário Executivo do Relator Especial em Tortura das Nações Unidas, p. 4. Disponível em:

<www.global.org.br>. 52

GOULART, José Eduardo. Princípios informadores do direito da execução penal. São Paulo: Editora

Revista dos Tribunais, 1994, p. 110. 53

BITENCOURT, Cezar Roberto. Falência da pena de prisão: causas e alternativas. 4ª ed. São Paulo: Saraiva,

2011, p. 4ª ed. São Paulo: Saraiva, 2011, p. 59.

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Temos sustentado que a pena tem vários fins comuns e não excludentes: retribuição

e prevenção. Na ótica da prevenção, sem dúvida, há o aspecto particularmente

voltado à execução penal, que é o preventivo individual positivo (reeducação ou

ressocialização). Uma das importantes metas da execução penal é promover a

reintegração do preso à sociedade. E um dos mais relevantes fatores para que tal

objetivo seja atingido é proporcionar ao condenado a possibilidade de trabalhar e,

atualmente, sob enfoque mais avançado, estudar.54

A ideia da humanização da pena é antiga. Cesare Beccaria já criticava as prisões de sua

época, o que podemos depreender da seguinte manifestação: “Porque parece que no presente

sistema criminal, segundo a opinião dominante, prevalece a ideia da força e a prepotência da

justiça, porque se atiram confundidos em uma mesma caverna os denunciados e os

condenados”55

.

Humanizar a pena, portanto, é conferir ao sentenciado a dignidade da pessoa humana de

forma plena. É tratá-lo como ser humano que é, possibilitando, nos termos da Lei de

Execução, inclusive, sua ressocialização.

Para Cezar Roberto Bitencourt, é “paradoxal falar da ressocialização como objetivo da

pena privativa de liberdade se não houver o controle do poder punitivo e a constante tentativa

de humanizar a justiça e a pena.”56

Por isso entende-se que a responsabilização do Estado é

fundamental para se conquistar a execução penal de forma legal.

Atualmente o que existe no ambiente prisional é o total descaso com a observância dos

direitos fundamentais dos Sentenciados e a certeza de que, inclusive, o Poder Judiciário

contribui para esta inobservância, muitas vezes.

Pode-se, assim, afirmar que o apenado está sujeito a toda sorte de desgraças e

infortúnios, dependendo exclusivamente de si para se “ressocializar” e se ver “reinserido” na

sociedade no momento em que tiver, em suas mãos, o alvará de soltura.

Por fim, vale ressaltar que a Declaração Universal dos Direitos Humanos, no artigo V,

assim disciplina: “ninguém será submetido à tortura, nem a tratamento ou castigo cruel,

desumano ou degradante”.

No mesmo sentido, o item 57, das Regras Mínimas para o Tratamento de Reclusos,

dispõe:

A prisão e outras medidas que resultam na separação de um criminoso do mundo

exterior são dolorosas pelo próprio fato de retirarem à pessoa o direito de

54

NUCCI, Guilherme de Souza. Leis penais e processuais penais comentadas. 5ª ed. rev. atual. e ampl. São

Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2010, p. 452. 55

B BECCARIA, Cesare. Dos delitos e das penas. 2ª ED. Trad. Lucia Guidicini e Alessandro Berti Contessa.

Rev. da trad. Roberto Leal Fereria. São P|aulo: Martins Fontes, 2002, p. 82. 56

BITENCOURT, Cezar Roberto. Falência da pena de prisão: causas e alternativas. 4ª ed. São Paulo: Saraiva,

2011, p. 4ª ed. São Paulo: Saraiva, 2011, p. 57.

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autodeterminação, por a privarem da sua liberdade. Logo, o sistema penitenciário

não deve, exceto pontualmente por razões justificáveis de segregação ou para a

manutenção da disciplina, agravar o sofrimento inerente a tal situação.

O princípio da humanização da pena objetiva um tratamento digno para que a pessoa

que cometeu um crime possa ter nela despertada a vontade de se regenerar. Sem um

tratamento digno, não há outro resultado senão a piora do caráter do ser humano.

O Poder Judiciário reconhece a falta de humanização da pena, como se observa da

seguinte decisão:

O que ressalta no sistema penitenciário brasileiro, de forma indiscutível, é sua

inépcia para se adequar a qualquer teoria que busque a humanização da reprimenda.

Não há reeducação, condições dignas de sobrevivência, assistência física ou

psicológica, envolvimento sério com laborterapia ou formação profissional. Em

suma, com raras exceções, a prisão serve para conter as populações marginalizadas,

econômica e moralmente. A desigualdade das ruas aplica-se ao sistema

penitenciário: apenas os absolutamente desvalidos – também com raríssimas

exceções – é que acabam encarcerados. Se a decisão em feitos desta natureza deve

se louvar em superficiais análises, uma vez que o sistema nada mais oferece que

tenha um resquício de cientificismo, ao magistrado resta o exame destes elementos e

proferir decisão. Mas de nada servem eles sem a consciência dos anteriormente

elencados. A se acreditar na impiedosa e superficial análise psicológica do

agravante, teremos uma trágica conclusão: é ele delinquente por natureza e está

irremediavelmente condenado a permanecer FECHADO! Só faltou esclarecer como

deverá a sociedade reagir quando terminar a pena deste irrecuperável. Contrapondo-

se estas considerações aos limites do pedido, verifica-se que o presidiário preenche

os requisitos objetivos para a progressão pretendida. Quanto àqueles de índole

subjetiva, (...) não se confundem com a inadaptação pessoal. Não há pena que

impeça o homem de reincidir. (...) O agravante cumpriu durante anos o que o

sistema lhe impôs; não lhe resta, assim, nenhuma outra condição, salvo a de

progressão, eis que é a concretização da promessa do sistema com a qual contribuiu

através de seu comportamento. Em local algum está dito que o preso terá direito à

progressão de regime se estiver com sua personalidade, conduta e mérito adequados

aos padrões da estrita normalidade. (...) Do exposto, DÁ-SE PROVIMENTO AO

AGRAVO, deferindo a progressão (...).57

Há de se destacar que o princípio da humanidade “(...) afirma Bustos Ramirez –

recomenda que seja reinterpretado o que se pretende com ‘reeducação e reinserção social’,

uma vez que se forem determinados coativamente, implicarão atentado contra a pessoa como

ser social”58

.

Assim sendo, há esperança de que em algum momento, a efetivação das leis da

execução penal limite-se a sua observância pura e exclusiva, afastando-se resquícios da

vingança privada e responsabilizando todos, independentemente do seu estado social, pelas

ações praticadas contra a lei.

57

Agravo em execução 1.046.927/8, TACrim SP, rel. Juiz Lagastra Neto. 58

BITENCOURT, Cezar Roberto. Tratado de direito penal: parte geral, 1. 16ª ed. São Paulo: Saraiva, 2011,

p. 47.

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1.2.6 Princípio da prevenção

Christiano Jorge Santos ensina que uma das finalidades da pena é a prevenção, podendo

esta ser geral ou especial. Explica, ainda, que

O caráter preventivo geral é destinado a todos os membros da coletividade, com fim

intimidativo, a fim de evitar que estes pratiquem delitos. Vale dizer: a

exemplaridade de uma condenação serve de alerta às demais pessoas para que não

ajam do mesmo modo (“Não vou delinquir porque soube da prisão de um

determinado criminoso”). Já o preventivo especial é semelhante, com enfoque dado

ao indivíduo, pois este é retirado do convívio social, estando, portanto, impedido de

cometer novas infrações penais.59

Estudando-se as finalidades da pena, verificam-se algumas teorias. Para discorrer sobre

o princípio da prevenção e de forma sucinta, pode-se afirmar que a teoria absoluta sustenta a

posição da retribuição, e a teoria relativa fundamenta-se na prevenção.

A teoria relativa se divide em: prevenção geral (que se subdivide em prevenção geral

negativa60

e prevenção geral positiva61

) e prevenção especial (que também se subdivide em

prevenção especial negativa62

e prevenção especial positiva63

).

Em uma análise do artigo 59 do Código Penal64

, pode-se observar a adoção da teoria

mista ou unificadora da pena, bem como o princípio da prevenção. Há o caráter de

retribuição, mas, também e especialmente, o da prevenção.

Esse princípio é fundamental no âmbito da execução penal para coibir a prática de

novos delitos e reduzir a reincidência.

59

SANTOS, Christiano Jorge. Direito penal: parte geral. Rio de Janeiro: Elsevier, 2007, p. 121. 60

Também denominada de prevenção por intimidação: o objetivo é que a pena aplicada ao sujeito ativo reflita

junto à sociedade. Dessa forma, o ocorrido com o autor de um delito servirá de exemplo para que os demais,

antes de praticarem quaisquer infrações, reflitam na consequência. 61

Objetiva-se que haja consciência geral no sentido da observância ao respeito e aos valores de forma a garantir

a integração social. 62

Coloca-se na prisão o autor da conduta típica, de maneira que este fica fora do convívio em sociedade. Apenas

ocorre com a pena privativa de liberdade. É a verdadeira segregação do delinquente. 63

Há o caráter ressocializador, no sentido de aguardar que o delinquente reflita sobre o crime, pensando nas

consequências e, assim, deixe de praticar o crime. O objetivo é a desistência, por parte do delinquente, da prática

de crimes. 64

“Art. 59 - O juiz, atendendo à culpabilidade, aos antecedentes, à conduta social, à personalidade do agente, aos

motivos, às circunstâncias e consequências do crime, bem como ao comportamento da vítima, estabelecerá,

conforme seja necessário e suficiente para reprovação e prevenção do crime:

I - as penas aplicáveis dentre as cominadas;

II - a quantidade de pena aplicável, dentro dos limites previstos;

III - o regime inicial de cumprimento da pena privativa de liberdade;

IV - a substituição da pena privativa da liberdade aplicada, por outra espécie de pena, se cabível”.

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Em face de tantas omissões do Estado (demora na prestação jurisdicional, falta de

pessoal qualificado para desenvolver os trabalhos, falta de estrutura...), o princípio da

prevenção também não é, na prática, aplicado.

1.2.7 Princípio da ampla defesa e contraditório

Em sede de execução penal, os princípios constitucionais da ampla defesa e do

contraditório também estão assegurados ao sentenciado.

O artigo 5º, inciso LV, da Constituição Federal estabelece: “Aos litigantes, em processo

judicial ou administrativo, e aos acusados em geral são assegurados o contraditório e ampla

defesa, com os meios e recursos a ela inerentes”.

Na execução penal, o sentenciado pode responder processo administrativo para

apuração de falta grave, por exemplo, devendo ter os princípios preservados.

Como bem destacava John Donne,

Nenhum homem é uma ilha isolada; cada homem é uma partícula do continente,

uma parte da Terra; se um torrão é arrastado para o mar, a Europa fica diminuída,

como se fosse um promontório, como se fosse o solar de teus amigos ou o teu

próprio; a morte de qualquer homem me diminui, porque sou parte do gênero

humano. E por isso não perguntes por quem os sinos dobram: eles dobram por ti.65

Todos os princípios analisados até o momento são de observância irrestrita. Vale para

qualquer homem, sentenciado ou não, com ou sem caráter, bandido ou não. Afeta a todos.

65

DONNE apud GARCIA, Maria. Limites da ciência: a dignidade da pessoa humana: a ética da

responsabilidade. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2004, p. .

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2 - A PENA

“Abandonais milhões de crianças aos estragos de uma educação viciosa e imoral. A

corrupção emurchece, à vossa vista, essas jovens plantas que poderiam florescer

para a virtude, e vós as matais quando, tornadas homens, cometem os crimes que

germinavam desde o berço, em suas almas. E, no entanto, que é que fabricais?

Ladrões, para ter o prazer de enforcá-los”.

Thomas More

2.1 Breve histórico sobre a sanção penal

Em direito penal, a sanção é de duas espécies: a pena e a medida de segurança.

De forma geral, entende-se a pena como:

Privação ou castigo previsto por uma lei positiva para quem se torne culpado de uma

infração. O conceito de pena varia conforme as justificações que lhe foram dadas, e

tais justificações variam segundo o objetivo que se tenha em mente: 1º ordem da

justiça; 2º salvação do réu; 3º defesa dos cidadãos.66

No âmbito de direito penal, a pena pode ser compreendida como sendo a “sanção

restritiva de liberdade ou pecuniária aplicada pelo Poder Judicário a quem praticar

contravenção ou crime.”67

Ou, ainda, como sendo a

Sanção penal de caráter aflitivo, imposta pelo Estado, em execução de uma sentença,

ao culpado pela prática de uma infração penal, consistente na restrição ou privação

de um bem jurídico, cuja finalidade é aplicar a retribuição punitiva ao delinquente,

promover a sua readaptação social e prevenir novas transgressões pela intimidação

dirigida à coletividade.68

Como se observa das definições, com a imposição da sanção penal não se pretende

apenas a retribuição da sociedade ao delinquente. Há também o caráter ressocializador, bem

como, e especialmente, o princípio da prevenção, no sentido de coibir a coletividade da

prática de novos ilícitos.

66

ABBAGNANO, Nicola. Dicionário de filosofia. Tradução da 1ª edição brasileira coordenada e revista por

Alfredo Bosi; revisão da tradução e tradução dos novos textos Ivone Castilho Benedetti. 4ª ed. São Paulo:

Martins Fontes, 2000, p.. Tradução da 1ª edição brasileira coordenada e revista por Alfredo Bosi; revisão da

tradução e tradução dos novos textos Ivone Castilho Benedetti. 4ª ed. São Paulo: Martins Fontes, 2000, p. 749. 67

DINIZ, Maria Helena. Dicionário jurídico. 2ª ed. re., atual. e aum. São Paulo. Saraiva, 2005, v. . 2ª ed. re.,

atual. e aum. São Paulo. Saraiva, 2005, v. 3, p. 631. 68

CAPEZ, Fernando. Curso de direito penal, volume 1: parte geral. 5ª ed. rev. e atual. São Paulo: Saraiva,

2005, p. 357.

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Quanto à evolução das sanções penais, observa-se uma mudança do caráter de

crueldade que antigamente caracterizava sua aplicação, como se depreende da Lei de Talião,

cuja máxima mais conhecida era “olho por olho, dente por dente”, para uma compatibilidade,

com o passar do tempo, entre o conteúdo da sanção e a gravidade dos fatos. Além disso,

crescem em requintes os esforços para a apuração da culpabilidade.

A Constituição Federal, no inciso XXXIX, estabelece que “não há crime sem lei

anterior que o defina, nem pena sem prévia cominação legal”, dispositivo em cujo princípio

evidencia-se a preocupação com a segurança jurídica.

O artigo 5969

do Código Penal estabelece o critério de retribuição, bem como o

princípio da prevenção.

Oswaldo Henrique Duek Marques, citando Marat, bem alerta que “ao impor uma pena,

não basta satisfazer a justiça, é necessário corrigir os culpados. Se são incorrigíveis, é preciso

fazer com que seu castigo redunde em proveito da sociedade.”70

Enrico Ferri expõe:

O homem que comete um delito, ou por seu preponderante impulso fisiopsíquico

(causa endógena) ou por predomínio de condições de ambiente (causa exógena),

pelo menos no momento em que se realiza o fato, está em condições anormais. Se

assim não fosse, a repugnância do senso moral e a previsão das consequências

dolorosas a que vai de encontro, impedi-lo-iam de fazer mal. Se delinqui, isso

significa que, ou por condição transitória ou por condição permanente (congênita ou

adquirida), a sua atividade psíquica funciona anormalmente, quer dizer, de modo

“não adaptado” às condições de existência social, segundo o ambiente especial em

que todo homem vive e trabalha.71

Por essa razão, entende-se que as formas de ressocializar só são possíveis por meio da

educação e do trabalho.

69

“Art. 59 - O juiz, atendendo à culpabilidade, aos antecedentes, à conduta social, à personalidade do agente, aos

motivos, às circunstâncias e consequências do crime, bem como ao comportamento da vítima, estabelecerá,

conforme seja necessário e suficiente para reprovação e prevenção do crime:

I - as penas aplicáveis dentre as cominadas;

II - a quantidade de pena aplicável, dentro dos limites previstos;

III - o regime inicial de cumprimento da pena privativa de liberdade;

IV - a substituição da pena privativa da liberdade aplicada, por outra espécie de pena, se cabível”. 70

MARQUES, Oswaldo Henrique Duek. Fundamentos da Pena. 2º ed. São Paulo: WMF Martins Fontes, 2008,

pág. 90. 71

FERRI, Enrico. Princípios de direito criminal. 2ª ed. Campinas: Bookseller, 1998, p. 251.

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2.2 Finalidades da pena

A Lei de Execução Penal disciplina, em seu artigo 10, de forma clara e inequívoca,

que as finalidades da pena são dever do Estado e objetivam “prevenir o crime e orientar o

retorno à convivência em sociedade”.

A função da pena não se confunde com o seu conceito.

Segundo o conceito que adotam, a pena é um mal que se impõe por causa da prática

de um delito: conceitualmente, a pena é um castigo. Porém, admitir isso não implica,

como consequência inevitável, que a função, isto é, fim essencial da pena, seja a

retribuição.72

As finalidades da pena não são tema pacífico perante a doutrina, o que explica a

existência de algumas teorias a respeito.

1. A teoria absoluta ou da retribuição baseia-se na retribuição do mal injusto para

quem viola o ordenamento jurídico. Assim, pode-se afirmar que a sua finalidade é a punição

do autor da prática delituosa.

Nas palavras de Cezar Roberto Bitencourt,

Segundo este esquema retribucionista, é atribuída à pena, exclusivamente, a difícil

incumbência de realizar a justiça. A pena tem como fim fazer justiça, nada mais. A

culpa do autor deve ser compensada com a imposição de um mal, que é a pena, e o

fundamento da sanção estatal está no questionável livre-arbítrio, entendido como a

capacidade de decisão do homem para distinguir entre o justo e o injusto.73

Embora com algumas diferenças, Kant e Hegel eram adeptos dessa teoria74

.

Ensina Luiz Regis Prado que

A teoria de Hegel tem em comum com a de Kant a ideia essencial de retribuição e de

reconhecimento de que entre o delito praticado e a sua punição deve haver uma

relação de igualdade. A diferença entre elas repousa no fato de que a teoria

hegeliana se aprofunda mais na construção de uma teoria positiva acerca da

retribuição penal e na renúncia à necessidade de uma equivalência empírica no

contexto do princípio da igualdade.75

72

BITENCOURT, Cezar Roberto. Falência da pena de prisão: causas e alternativas. 4ª ed. São Paulo:

Saraiva, 2011, p. 4ª ed. São Paulo: Saraiva, 2011, p. 116-117. 73

Idem, ibidem, p. 118. 74

Kant, por meio do imperativo categórico, que se refere à ética: “Não devo obrar nunca mais senão de modo que

possa querer que minha máxima deva converter-se em lei universal”; Hegel, ao referir-se à ordem legal: “A pena

é a negação da negação do Direito”. 75

PRADO, Luiz Regis. Curso de direito penal brasileiro, volume 1: parte geral, arts. 1º a 120. 11ª ed. rev.

atual. e ampl. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2011, p. 628.

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A nosso ver, data venia, levar em conta apenas o caráter retributivo da pena seria o

mesmo que considerá-la como um fim em si mesma, o que foge ao disposto, inclusive, na

letra da Lei de Execução Penal.

2. Teoria relativa, finalista, utilitária ou da prevenção: por esta teoria, a

segregação social da pessoa que pratica a infração penal, bem como sua readaptação são

denominadas prevenção especial. A prevenção geral, ao contrário, revela-se como a

intimidação que provoca à coletividade, incutindo-lhe o receio da punição.

Por outras palavras, pode-se dizer que

São duas as ideias básicas em que se enraíza essa teoria, a saber: a ideia da

intimidação ou da utilização do medo e a ponderação da racionalidade do homem.

Tal teoria valeu-se dessas ideias fundamentais para não cair no terror e no

totalitarismo absoluto. Teve, necessariamente, de reconhecer, “por um lado, a

capacidade racional absolutamente livre do homem – que é uma ficção como o livre

arbítrio – e, por outro lado, um Estado absolutamente racional em seus objetivos,

que também é uma ficção.76

3. Teoria mista, eclética, intermediária ou conciliatória, que apresenta dupla

função: punição da pessoa que pratica um crime e prevenção da prática de novos crimes. A

primeira, pela reeducação; a segunda, pela intimidação da coletividade.

Para esta teoria,

A sanção punitiva não deve fundamentar-se em nada que não seja o fato praticado,

qual seja, o delito. Com essa afirmação, afasta-se um dos princípios básicos da

prevenção geral: a intimidação da pena, inibindo o resto da comunidade de praticar

delitos. E, com o mesmo argumento, evita-se uma possível fundamentação

preventivo-especial da pena, na qual esta, como já vimos, tem como base aquilo que

o delinquente “pode” vir a realizar se não receber o tratamento a tempo, e não o que

já foi realizado, sendo um critério ofensivo à dignidade do homem ao reduzi-lo à

categoria de doente biológico ou social.77

Guilherme de Souza Nucci sustenta

que a pena tem vários fins comuns e não excludentes: retribuição e prevenção. Na

ótica da prevenção, sem dúvida, há o aspecto particularmente voltado à execução

penal, que é o preventivo individual positivo (reeducação ou ressocialização). Uma

das mais importantes metas da execução penal é promover a reintegração do preso à

sociedade. E um dos mais relevantes fatores para que tal objetivo seja atingido é

76

Id. Ibidem, p. 135. 77

Id. Ibidem, p. 150-151.

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proporcionar ao condenado a possibilidade de trabalhar e, atualmente, sob enfoque

mais avançado, estudar.78

Cezar Roberto Bitencourt, por sua vez, acentua que

A teoria da prevenção geral positiva fundamentadora não constitui uma alternativa

real que satisfaça as atuais necessidades da teoria da pena. É criticável também sua

pretensão de impor ao indivíduo, de forma coativa, determinados padrões éticos,

algo inconcebível em um Estado social e democrático de Direito. É igualmente

questionável a eliminação dos limites do ius puniendi, tanto formal como

materialmente, fato que conduz à legitimação e desenvolvimento de uma política

criminal carente de legitimidade democrática.79

No que concerne à prevenção geral positiva limitadora, esta diz respeito aos limites

do poder que o Estado tem para punir.

Para Hasseemer, citado por Bitencourt, a função da pena consiste na

prevenção geral positiva: “a reação estatal perante fatos puníveis, protegendo, ao

mesmo tempo, a consciência social da norma. Proteção efetiva deve significar

atualmente duas coisas: a ajuda que obrigatoriamente se dá ao delinquente, dentro do

possível, e a limitação desta ajuda imposta por critérios de proporcionalidade e

consideração à vítima. A ressocialização e a retribuição pelo fato são apenas

instrumentos de realização do fim geral da pena: a prevenção geral positiva. No fim

secundário de ressocialização, fica destacado que a sociedade corresponsável e

atenta aos fins da pena não tem nenhuma legitimidade para a simples imposição de

um mal. No conceito limitador da responsabilidade pelo fato, destaca-se que a

persecução de um fim preventivo tem um limite intransponível nos direitos do

condenado”. Uma teoria da prevenção geral positiva não só pode apresentar os

limites necessários para os fins ressocializadores, como também está em condições

de melhor fundamentar a retribuição pelo fato80

.

Bem adverte Júlio Fabrini Mirabete que “há uma convicção quase unânime entre os

que militam no exercício da aplicação do direito de que a Lei de Execução Penal é

inexequível em muitos de seus dispositivos”81

, os quais, ressalta o autor, encontram-se

[...] distanciados e separados por um grande abismo da realidade nacional, o que a

transformará, em muitos aspectos, em letra morta pelo descumprimento e total

desconsideração dos governantes quando não pela ausência de recursos materiais e

humanos necessários à sua efetiva implantação.82

78

NUCCI, Guilherme de Souza. Leis penais e processuais penais comentadas. 5ª ed. rev. atual. e ampl. São

Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2010, p. 452. 79

BITENCOURT, Cezar Roberto. Tratado de direito penal: parte geral, 1. 16ª ed. São Paulo: Saraiva, 2011,

p. 117. 80

Ibid., p. 118. 81

MIRABETE, Júlio Fabrini. Execução penal: comentários à lei nº 7.210, de 11.07.84. 5ª ed. rev. e atual. São

Paulo: 1992, p. 38. 82

Ibid., p. 38

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A nosso ver, com respeito a entendimentos em contrário, a finalidade da pena não

pode ser apenas punir. Obviamente, o caráter punitivo é intrínseco à sua finalidade, mas além

da prevenção, seu caráter deve ser o de ressocializar o condenado, sob pena de, caso isso não

aconteça, a sociedade suportar um número considerável de pessoas que infringem a lei e que

recebem de volta do Estado apenas a punição.

Guilherme de Souza Nucci ensina que a pena é a sanção imposta pelo Estado, em

observância ao devido processo legal, que recai sobre o autor da infração penal como forma

de retribuição ao delito praticado e para prevenção de novos crimes. E acrescenta que o

caráter retributivo encontra-se no artigo 59 do Código Penal, mas que o caráter preventivo da

pena se dá em dois aspectos:

O geral, subdividido noutros dois: a) preventivo positivo: a aplicação da pena tem

por finalidade reafirmar à sociedade a existência e força do Direito Penal; b)

preventivo negativo: a pena concretizada fortalece o poder intimidativo estatal,

representando alerta a toda a sociedade, destinatária da norma penal. O especial

também se subdivide em dois aspectos: a) preventivo positivo: é o caráter

reeducativo e ressocializador da pena, buscando preparar o condenado para uma

nova vida, respeitando as regras impostas pelo ordenamento jurídico”83

.

Antonio García-Pablos de Molina e Luiz Flávio Gomes explicam que

Um setor da doutrina, com efeito, estima que a ressocialização do agente culpável

constitui o fundamento de toda a função penal: a razão de ser do sistema. Outro,

atualmente majoritário, partindo da distinção entre “fins da pena” e “fins da

execução da pena”, que é uma distinção, por certo, um tanto artificial, entende que o

objetivo ressocializador afeta tão só e exclusivamente o limitado e concreto âmbito

da execução das penas, como princípio orientador. Com isso, outorga-se ao conceito

de ressocialização um conteúdo mínimo, que se converte em sinônimo de execução

humanitária do castigo.84

Cezar Roberto Bitencourt ensina que “se o castigo ao autor do delito se impõe,

segundo a lógica das teorias absolutas, somente porque delinquiu, nas teorias relativas a pena

se impõe para que não volte a delinquir”. E continua:

83

NUCCI, Guilherme de Souza. Individualização da pena. 3ª ed. rev., atual. e ampl. São Paulo: Editora Revista

dos Tribunais, 2009, p. 56-57. 84

GARCÍA-PABLOS de Molina, Antonio; GOMES, Luiz Flávio. Criminologia: introdução a seus

fundamentos teóricos: introdução às bases criminológicas da lei 9.099/95, lei dos juizados especiais

criminais. 3ª ed. rev. atual. e ampl. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2000, p. 387.

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A formulação mais antiga das teorias relativas costuma ser atribuída a Sêneca, que,

se utilizando de Protágoras de Platão, afirmou: “nenhuma pessoa responsável castiga

pelo pecado cometido, mas sim para que não volte a pecar”. Para as duas teorias a

pena é considerada um mal necessário. No entanto, para as teorias preventivas, essa

necessidade da pena não se baseia na ideia de realizar justiça, mas na função, já

referida, de inibir, tanto quanto possível, a prática de novos fatos delitivos.85

Quanto à função preventiva da pena, ela se divide em prevenção geral (valendo-se da

intimidação ou propriamente do medo e da racionalidade de cada homem) e prevenção

especial (que objetiva evitar a prática de novos delitos e, consequentemente, a reincidência).

Filiamo-nos a esta teoria, sobre a qual Luiz Regis Prado explica:

A justificação da pena envolve a prevenção geral e especial, bem como a

reafirmação da ordem jurídica, sem exclusivismos. Não importa exatamente a ordem

de sucessão ou de importância. O que deve ficar patente é que a pena é uma

necessidade social – ultima ratio legis –, mas também indispensável para a real

proteção de bens jurídicos, missão primordial do Direito Penal. De igual modo, deve

ser a pena, sobretudo em um Estado constitucional e democrático, sempre justa,

inarredavelmente adstrita à culpabilidade (princípio e categoria dogmática) do autor

do fato punível.86

Dizer que o objetivo da pena é, com efeito, a transformação do delinquente em um ser

social e integrado à sociedade a que pertence é, em outras palavras, afirmar o dever que tem o

Estado de propiciar os meios necessários para que esta transformação seja possível de ser

alcançada.

Se é quase impossível pensar em um sistema em que a pena privativa de liberdade não

possa, ou melhor, não “queira” ser suprimida do ordenamento jurídico em vigor, mister se faz

criar alternativas para que esta privação de liberdade não se torne a tão famosa “escola do

crime”.

Só há uma forma para interromper este ciclo vicioso: conceder ao Sentenciado, como

um dever, a formação educacional (ensino fundamental, médio e superior) e uma profissão.

Não há outra forma, senão a combinação de formação e profissão, que garanta ao ser humano,

inclusive, sua dignidade.

85

BITENCOURT, Cezar Roberto. Tratado de direito penal: parte geral, 1. 16ª ed. São Paulo: Saraiva, 2011,

p. 106. 86

PRADO, Luiz Regis. Curso de direito penal brasileiro, volume 1: parte geral, arts. 1º a 120. 11ª ed. rev.

atual. e ampl. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2011, p. 639.

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Embora estejamos ainda no âmbito das finalidades da pena, há de se destacar que

caberia, neste sentido, se fossem aplicadas condições mínimas para se retirarem os

Sentenciados da ociosidade, o princípio da igualdade, que consiste, basicamente, em tratar os

iguais igualmente, e os desiguais desigualmente, na exata medida de suas desigualdades.

Dessa forma, seria possível conceder aos sentenciados privilégios que atualmente os

alcançam independentemente de quaisquer esforços deles para se regenerarem.

No contexto presente, a própria violência existente dentro do ambiente prisional faz

com que este reduto se revele como um cofre de ódio. Cada dia mais as finalidades da pena

são desviadas e, como consequência, aumenta o número de Sentenciados sem quaisquer

perspectivas.

Afirma-se que há desvios da finalidade da pena, abusos há inúmeros, conforme

testemunham as colocações de Vania Conselheiro Sequeira:

Alguns funcionários abusam de seu poder, aproveitam todas as chances para

humilhar os presos por obterem satisfação com isso ou por estarem de certo modo

embriagados com o poder. A maioria dos funcionários acredita que a cadeia já faz

muito alimentando e mantendo vivos os presos. Um preso, geralmente, respeita a

distância que o separa dos funcionários e dos que não cometeram crimes; mas

destrato e humilhação os colocam no limbo, como não humanos. Um erro fatal.87

Para usarmos uma ilustração retirada da literatura clássica, sobrevém a esses

Sentenciados o mesmo que a Jean Valjean, protagonista de “Os miseráveis”, de Victor Hugo,

pobre infrator que experimentou na própria pele um castigo desmedido, produto de uma

sentença expiatória. Encaminhado para os trabalhos forçados das galés, viu distanciando-se

dele a primitiva bondade e se avizinhando a penúria moral. “O característico das punições

dessa natureza, nas quais domina o inexorável, isto é, o elemento embrutecedor, é

transformarem gradualmente, por uma espécie de estúpida transfiguração, um homem num

animal feroz”88

.

O homem, convém lembrar, é um animal dotado de inteligência e, no entanto, cada

vez mais sujeito à reclusão. Vale destacar que o encarceramento pode ser apenas a porta de

entrada para diferentes tipos de prisão que lhe sucederão.

87

SEQUEIRA, Vania Conselheiro. Vidas abandonadas: crime, violência e prisão. São Paulo: EDUC:

FAPESP, 2011, p. 37. 88

HUGO, Victor. Os miseráveis. Tradução de Carlos dos Santos. São Paulo: Círculo do livro, [1862/19--], p.

99.

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De que forma isso acontece? Coloque-o no RDD (Regime Disciplinar Diferenciado)

ou no RDE (Regime Disciplinar Especial), este último, inclusive, sem qualquer amparo legal.

Além da limitação normal do espaço que ocorre em qualquer penitenciária, algumas que

elegem estes dois regimes – diferenciado ou especial – mantêm seus presos por 21 ou 22

horas trancados dentro da própria cela. Logo, o preso pode ser mais ou menos preso.

Luciano Silva, ainda na condição de detento, bem questiona, em seu depoimento:

[...] Pois aqui não tem escola, trabalho, e ficamos 21 horas trancados sem fazer nada

e nem sequer eles autorizam pessoas cristãs a entrar na unidade e nos trazer palavras

de conforto. São mensageiros de Deus. Temos este direito garantido pela nossa

Constituição Federal, por isso faço uma pergunta as nossas autoridades: o que vocês

fazem para ressocializar um presidiário? Pois um país sem educação e um presídio

sem um trabalho social de ressocialização de sentenciados é um país sem futuro.

Tanto é que o nosso Ministro da Justiça, Eduardo Cardozo, em um Jornal de Rede

Nacional, deu uma entrevista [dizendo] que entre cumprir uma longa pena em um

presídio brasileiro e a morte, ele preferia a morte. Então através de uma declaração

desta de um Ministro da Justiça, só se confirma o quanto é deplorável e desumano os

modos que somos tratados dentro dos presídios brasileiros, sem dizer que nos dias

de hoje nossas prisões nada mais são do que a herança das prisões do tempo da

ditadura. [...]89

E o que surpreende?

Hoje, na prática, muito embora vedadas pela Constituição Federal, a discriminação e

as penas cruéis estão presentes no sistema prisional, expediente que, no Estado de São Paulo,

pode ser constatado em duas penitenciárias: Avaré e Presidente Venceslau.

Ora, neste contexto fático, onde se observam as finalidades da pena?

Em verdade, são inexistentes, quando analisados os aspectos práticos da execução

penal.

A Lei nº 12.433/11 alterou os artigos referentes à remição da pena, possibilitando

expressamente ao Sentenciado, seja pelo trabalho, seja pelo estudo, uma redução de parte do

tempo de sua reclusão.90

89

Procuramos manter as respostas dos sujeitos entrevistados tais como eles no-las forneceram. Realizamos,

quando necessário, pequenos ajustes para o bem da inteligibilidade, sem, no entanto, nenhum tipo de

interferência no conteúdo. Há autorização por escrito de todos os Sentenciados que optaram por fornecer o

depoimento que estão inseridos ao longo de todo o trabalho. 90

Art. 126. O condenado que cumpre a pena em regime fechado ou semiaberto poderá remir, por trabalho ou

por estudo, parte do tempo de execução da pena.

§ 1o A contagem de tempo referida no caput será feita à razão de:

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Quanto ao trabalho, esta questão já era pacificada, pois havia previsão legal.

A novidade, que a nosso ver atende à segunda finalidade da pena – ressocializar –, foi

permitir que, por meio do estudo, também se garanta a remição aos sentenciados, o que, salvo

melhor juízo, permitirá que estejam capacitados, verdadeiramente, para que, além de se

ressocializarem, possam ser reinseridos na sociedade a que retornarão em momento oportuno.

Se é quase impossível pensar em um sistema em que a pena privativa de liberdade não

possa, ou melhor, não “queira” ser suprimida do ordenamento jurídico em vigor, mister se faz

criar alternativas para que esta privação de liberdade não se torne a tão famosa “escola do

crime”.

Só há uma forma para interromper este ciclo vicioso: conceder ao sentenciado, como

um dever, a formação educacional (ensino fundamental, médio e superior) e profissional. Não

há outra forma, senão a combinação entre essas formações, que garanta ao ser humano,

inclusive, sua dignidade.

Michel Foucault já destacava que

O trabalho é definido, junto com o isolamento, como um agente da transformação

carcerária. E isso desde o código de 1808:

Se a pena infligida pela lei tem por objetivo a reparação do crime, ela pretende

também que o culpado se emende, e esse duplo objetivo será cumprido se o

malfeitor for arrancado a essa ociosidade funesta que, tendo-o atirado à prisão, aí

viria encontrá-lo de novo e dele se apoderar para conduzi-lo ao último grau da

depravação [...] É da maior importância ocupar o mais possível os detentos. Deve-se

fazer nascer neles o desejo de trabalhar, diferenciando o destino dos que se ocupam

I - 1 (um) dia de pena a cada 12 (doze) horas de frequência escolar - atividade de ensino fundamental, médio,

inclusive profissionalizante, ou superior, ou ainda de requalificação profissional - divididas, no mínimo, em 3

(três) dias;

II - 1 (um) dia de pena a cada 3 (três) dias de trabalho.

§ 2o As atividades de estudo a que se refere o § 1

o deste artigo poderão ser desenvolvidas de forma presencial ou

por metodologia de ensino a distância e deverão ser certificadas pelas autoridades educacionais competentes dos

cursos frequentados.

§ 3o Para fins de cumulação dos casos de remição, as horas diárias de trabalho e de estudo serão definidas de

forma a se compatibilizarem.

§ 4o O preso impossibilitado, por acidente, de prosseguir no trabalho ou nos estudos continuará a beneficiar-se

com a remição.

§ 5o O tempo a remir em função das horas de estudo será acrescido de 1/3 (um terço) no caso de conclusão do

ensino fundamental, médio ou superior durante o cumprimento da pena, desde que certificada pelo órgão

competente do sistema de educação.

§ 6o O condenado que cumpre pena em regime aberto ou semiaberto e o que usufrui liberdade condicional

poderão remir, pela frequência a curso de ensino regular ou de educação profissional, parte do tempo de

execução da pena ou do período de prova, observado o disposto no inciso I do § 1o deste artigo.

§ 7o O disposto neste artigo aplica-se às hipóteses de prisão cautelar.

§ 8o A remição será declarada pelo juiz da execução, ouvidos o Ministério Público e a defesa.

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e dos detentos que querem permanecer ociosos. Os primeiros serão mais bem

nutridos, mais bem acomodados que os segundos.91

Dessa forma, seria possível conceder aos Sentenciados privilégios que atualmente os

alcançam independentemente de quaisquer esforços deles para se regenerarem.

Claus Roxin bem expõe a realidade que se acredita, sem embargo de entendimento

diverso, ser uma alternativa para ressocialização dos sentenciados: “Qualquer esforço

ressocializador somente pode ser uma oferta ao delinquente para que se ajude a si mesmo com

o trabalho, mas tem que fracassar quando não está disposto a ele.”92

Não há dúvida quanto ao caráter retributivo da pena. Nesse sentido, o Brasil bem

cumpre a lei.

No entanto, no que concerne à ressocialização, muito ainda há que se fazer para

oferecer ao sentenciado uma realidade em que, como cidadão, tenha diante de si não mais que

estas duas escolhas: praticar ilícitos porque quer – não porque precisa – ou, alternativamente,

manter-se na vida em sociedade, com educação e minimamente em condições de desenvolver

algum trabalho que lhe dê possibilidades de alcançar uma vida digna.

Cada dia mais as finalidades da pena são desviadas e, como consequência, aumenta o

número de sentenciados vivenciando situações que só os fazem pensar em vingança, seja

contra aqueles que exercem suas funções no sistema prisional (os agentes penitenciários, por

exemplo), seja contra um alvo indefinido, fomentada, neste último caso, em razão de não

encontrarem o seu lugar na sociedade.

Basta conhecer alguns relatos para se constatar, efetivamente, a realidade dos

bastidores das penitenciárias.

Anderson Souza Roza é um presidiário que narra vários episódios vivenciados no

período de sua detenção, despertando interesse um trecho especial do seu depoimento:

Quero também, através deste histórico, relatar uma vivência que eu passei no RDD

de Presidente Bernardes. As características do regime de RDD são as piores que eu

vivi na cadeia desde quando cheguei, em 12/10/94. Quero iniciar deixando bem

claro como o Estado faz para te internar neste regime. Estava preso no CDP SP onde

91

FOUCAULT, Michel. Vigiar e punir: nascimento da prisão. tradução de Raquel Ramalhete. 37ª ed.

Petrópolis, Rio de Janeiro: Vozes, 2009, p. 226. 92

Roxin, Claus. “Sentido Y limites de la pena estatal”, em problemas basicos de derecho penal, p. 32. (Colocar

título em negrito, incluir cidade, editora e ano de publicação)

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veio acontecer uma situação, no pavilhão onde eu estava: fui espancado, fiquei

quase morto de tanto espancamento e fui levado para uma cadeia que é desconhecida

de qual é o regime [cujo regime é desconhecido], em Presidente Venceslau PI.

Chegando lá, fui espancado novamente e fiquei sem poder andar por vários dias.

Fiquei trancado por 60 dias, sem assistência médica e nenhuma outra assistência.

Estava muito machucado e, assim mesmo, fui torturado e espancado por vários

funcionários lá da PI de Presidente Venceslau. Foi feito o pedido de minha

internação no RDD pelo Diretor do CDP, com várias acusações falsas, e o juiz ou a

juíza concedeu minha internação com [base nessas] várias acusações falsas, por 1

ano. O RDD é um inferno para o preso: ficamos 22 horas trancados, [temos] 2 horas

de sol, 2 horas de visita no parlatório, podemos receber sedex 1 vez por mês,

[ficamos] sem televisão, sem rádio; [existem] vários funcionários opressores; fui

espancado na chegada por funcionários e durante este 1 ano que fiquei lá, sofri

perseguição por vários funcionários. Devido estar sendo acusado de agressões a

funcionários da SAP, fiquei 1 ano neste lugar, e esta falta disciplinar virou um

processo. Quando fui desinternado [deixei o regime] do RDD, depois de algum

tempo, fui ao fórum sumariar, e todos os funcionários da SAP declararam que em

momento algum eu participei de nada e não agredi nenhum funcionário. O juiz me

absolveu. Agora eu pergunto para o Estado: eu fiquei 1 ano sem dever nada no

RDD, quase perdi minha vida pelas torturas e os espancamentos que sofri devido a

estas falsas acusações (quero que a sentença e meu alvará sejam colocados como

prova deste meu depoimento e histórico que faço) e, além disso, agora sou obrigado

a ficar preso numa cadeia de regime diferenciado como [esta] onde estou aqui em

Presidente Venceslau PII. Devido ao RDD, quando vence o período de castigo,

somente mandam para este presídio. Qual será a resposta do Estado para mim que

até hoje estou no silêncio, sofrendo e pagando por toda esta injustiça que fizeram

comigo. Peço resposta!93

O regime diferenciado a que Anderson Souza Roza se refere é o Regime Disciplinar

Especial – RDE, que sequer tem previsão legal. Atualmente, na prática, muito embora vedada

pela Constituição Federal, a discriminação está presente no sistema prisional. No Estado de

São Paulo, por exemplo, esse tratamento dispensado aos presos pode ser constatado em duas

penitenciárias: 1. "Maurício Henrique Guimarães Pereira", na cidade de Presidente

Venceslau; 2. "Dr. Paulo Luciano Campos", na cidade de Avaré. Em ambas, vigora o Regime

Disciplinar Especial, que não se confunde com o Regime Disciplinar Diferenciado.

Com respeito às posições em contrário, entende-se que os depoimentos dos presos

demonstram não apenas a violação aos princípios constitucionais tratados no capítulo 1, como

igualmente o abuso de poder e, consequentemente, o desvio da finalidade da pena, nos termos

da Lei de Execução Penal. Mesmo se se considerar que a finalidade seja exclusivamente

retributiva, ainda assim, em momento algum, esse objetivo é alcançado quando se extrapolam

os limites da lei.

93

Procuramos manter as respostas dos sujeitos entrevistados tais como eles no-las forneceram. Realizamos,

quando necessário, pequenos ajustes para o bem da inteligibilidade, sem, no entanto, nenhum tipo de

interferência no conteúdo.

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A propósito da problematização desenvolvida neste trabalho, acerca da ressocialização

como uma das finalidades da pena, devemos ressaltar, com base em uma análise do artigo

12694

, que o direito à remição está garantido aos sentenciados que se encontram no regime

fechado ou semiaberto.

Merece destaque a redação do parágrafo 6º, que concede a remição, inclusive, para os

sentenciados que se encontram no regime aberto ou semiaberto, beneficiados com a liberdade

condicional, podendo também ocorrer a remição pela frequência a curso de ensino regular ou

de educação profissional.

Embora o artigo 126, parágrafo 7º, da Lei de Execução Penal possibilite a remição

pelo estudo aos presos cautelares (prisão preventiva), a dificuldade está em como viabilizar

este direito.

Se se trata de um direito, deve ser dever do Estado promover os meios para que a

remição seja obtida, minimamente, para aqueles que dela queiram se beneficiar.

No entanto, quando se pensa em execução de pena, segundo os ditames de uma lei que

tem abrangência nacional, seu cumprimento deve se destinar a todos os presos,

independentemente de onde estejam custodiados.

A alteração da Lei de Execução Penal veio, em nosso entender e no de alguns

doutrinadores, em boa hora, principalmente quando se pensa numa ressocialização capaz de

transformar a pessoa que se encontra privada de sua liberdade e, não obstante, sob a garantia

de seus direitos, incluído o de se aperfeiçoar.

Embora pela Lei o sentenciado tenha a possibilidade de se transformar por meio do

estudo e, ainda, atenuar a quantidade da sua pena por meio da remição, fato é que muitas

penitenciárias vedam este direito aos seus custodiados.

Há de se esclarecer que, no âmbito da ressocialização, não se está clamando à

sociedade e ao Estado o perdão deste sentenciado. É óbvio que a remição auxiliará na redução

da pena. No entanto, não basta ignorar, de forma deliberada, a situação e deixar os

94

A súmula nº 341, do Superior Tribunal de Justiça, que determinava: “Frequência a Curso de Ensino Formal -

Remição do Tempo de Execução de Pena - Regime Fechado ou Semiaberto. A frequência a curso de ensino

formal é causa de remição de parte do tempo de execução de pena sob regime fechado ou semiaberto”, perdeu

objeto, haja vista a alteração do artigo 126, da LEP.

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sentenciados como estão, sem quaisquer possibilidades de se ressocializarem, se a vivência

demonstra que a criminalidade tem, inclusive, aumentado.

Não é o endurecimento das normas que transforma a sociedade. Aliás, nesse sentido,

Claus Roxin assevera:

A teoria da retribuição é ademais danosa do ponto de vista da política criminal. Pois

uma teoria da pena que considera como essência da mesma o “irrogar um mal”, não

conduz a nenhum caminho para uma execução moderna da pena que sirva a uma

efetiva prevenção do delito. A execução da pena só pode ter êxito enquanto procure

corrigir as atitudes sociais deficientes que levaram o condenado ao delito; ou seja,

quando está estruturada como uma execução ressocializadora preventiva especial.

Para isso, a ideia de retribuição não oferece, em troca, nenhum ponto de apoio

teórico.95

O Estado deve punir. Ninguém questiona o dever do Estado no que se refere a esse

ponto. No entanto, tem ele também o dever de ressocializar, pois, do contrário, não estará

ajustando o sentenciado para uma nova possibilidade de vida, de maneira digna e longe da

delinquência.

É a certeza da aplicação das normas, mas também e especialmente um Estado mais

justo, que transformam e mantêm a sociedade.

Retomando a ideia da viabilização da obtenção da remição por meio do estudo, a

dificuldade reside em se obter a possibilidade prática de demonstrar sua concretização.

A nosso ver, data venia, nas penitenciárias onde inexistam quaisquer formas de

remição, deverá o defensor promover pedido junto à Vara de Execução Criminal para que seja

possibilitada alguma forma de estudo a distância.

Dessa forma, seria imprescindível, por parte do Estado, a formação de convênios com

instituições de ensino em todos os níveis de formação: fundamental, médio e superior, além

dos cursos profissionalizantes, para que os sentenciados possam, efetivamente, se valer deste

direito.

A forma para a verificação do conteúdo de aprendizado deve ser feita por meio da

aplicação de avaliações, devendo ser concedidas ao Sentenciado vistas da correção com

possibilidade de recurso para conferência das avaliações. Para que se mantenha a

95

ROXIN, Claus. A culpabilidade como critério limitativo da pena. Revista de direito penal. Órgão oficial do

Instituto de Ciências Penais da Faculdade de Direito Cândido Mendes. Jul-Dez/73, nº 11/12, p. 9.

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imparcialidade, que é medida de proteção aos sentenciados, tais correções têm de ser

realizadas por pessoas estranhas ao ambiente carcerário, isto é, pelos professores que estarão

vinculados a esta parceria do Estado com os convênios, estabelecida para oferecer formação

aos sentenciados.

Uma gestão negligente desse processo de ensino, com uma população carcerária

atingindo níveis vergonhosos de instrução, traz, a nosso ver, uma implicação importante e

com impacto social direto, haja vista a ineficácia do Poder Público em garantir a segurança

pública: o sentenciado terá seu tempo de reclusão abreviado, e a sociedade arcará com os

danos de uma periculosidade, novamente de volta às ruas, que as medidas de ressocialização,

pela via do estudo, não foram capazes de diminuir.

Não é o tempo do cárcere que reabilita o condenado. Aliás, o tempo de permanência e

convívio numa sociedade apartada (típica do sistema prisional, em que há regras de

comportamentos próprios, estranhas às da sociedade fora das prisões) acentua a marginalidade

e as condutas que lhe são características. Portanto, há de se cuidar para que, quando de seu

retorno, o ex-detento possa estar se ambientando e com possibilidades efetivas de deixar o

mundo da delinquência para ser reinserido no contexto social “adequado”.

Ressalte-se a inovação trazida pela Lei de Execução Penal, que possibilitou, inclusive,

a cumulação da remição para casos em que haja conciliação de trabalho e estudo, em horários

não conflitantes. Se compatíveis, tais ocupações oferecem ao sentenciado maior possibilidade

de enxergar um futuro que compete ao Estado promover.

Acertadamente, a nosso ver, agiu o Poder Legislativo ao possibilitar ao magistrado

apenas a revogação de até um terço da pena nos casos em que o infrator incorrer em falta

grave. Anteriormente às alterações legislativas, caso o sentenciado cometesse falta grave,

estaria sujeito a perder todo o tempo da pena remido o que, data venia, demonstra o total

despreparo em pensar numa ressocialização.

Embora o espírito da lei costume apontar para um ideal de perfeição, possibilitando,

inclusive, a diminuição da população carcerária, por meio da ressocialização, há indícios de

que falta ao vontade do Estado de propiciar os meios adequados para que a lei ganhe vida, o

que se pode apreender da seguinte afirmação:

Existem homens com diversas habilidades sem utilizá-las ou realizando, de vem em

quando, alguma atividade de acordo com seus talentos. Não há incentivo para essas

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coisas. Existem algumas oficinas, as mais comuns são costurar bola, montar

pregador, reformar carteiras escolares. Alguns presos são chamados para mostrar

suas habilidades quando ocorrem visitas de autoridades, apenas nesses momentos.96

Corrobora com o posicionamento da autora, o depoimento do sentenciado Luciano

Silva:

Eu tenho uma profissão e eu me reciclarei; por se passar tantos anos sem exercê-la,

perdi um pouco a prática, mas acredito arrumar um emprego adequado e retomar

minha vida com minha família. Graças a Deus, não tenho a mente voltada para o

crime e viverei dignamente minha vida.

Na prática, várias são as violações dos direitos dos apenados. Isso fica em relevo – não

se pode olvidar – quando, a despeito de existir uma forma para pleitear o direito que, embora

mínima, possa se converter em objeto de discussão, o Estado trabalhe no sentido de

desacreditá-la.

Aqui é oportuna uma reflexão: cabe, a nosso ver, ao Poder Judiciário dar vida à norma

que restará em letra morta se não forem levadas a efeito decisões judiciais que obriguem o

Estado a fornecer os meios para que este direito seja garantido.

Se a reflexão considerar que o estudo e o trabalho são formas que garantem a

dignidade da pessoa humana, estar-se-ia dando a devida atenção a um direito fundamental,

sem o qual nenhum homem pode sobreviver e, muito menos, se ressocializar.

Nesse sentido, Luciano Silva ainda relata uma situação de aviltamento total a que se

viu sujeito, em total desacordo com o que a lei lhe garante:

[...] A dificuldade é tanta que eu tentei fazer um curso por correspondência, e a

unidade prisional onde me encontro não autorizou este curso. Aí eu pergunto: como

que as autoridades querem que um preso se ressocialize se não dá as mínimas

condições possíveis para que isto aconteça? [...].

O estudo propiciará ao sentenciado a base para que possa se desenvolver

profissionalmente.

Se o Estado é incapaz de promover a ressocialização do sentenciado, deixando de

observar uma das finalidades da pena, comete ilícito, minimamente civil. E sendo assim,

96

SEQUEIRA, Vania Conselheiro. Vidas abandonadas: crime, violência e prisão. São Paulo:

EDUC:FAPESP, 2011, p. 34.

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deverá responder pela falta de amparo aos Sentenciados que, como Luciano Silva, querem, a

todo custo, uma nova oportunidade de vida.

2.3 As garantias mínimas para o cumprimento da pena digna

As garantias e os direitos dos sentenciados estão descritos em vários diplomas legais.

No entanto, para esta pesquisa, vamos nos ater mais à Constituição Federal, à Lei de

Execução Penal e ao Regimento Interno Padrão dos Estabelecimentos Prisionais da Secretaria

da Administração Penitenciária do Estado de São Paulo, que, a nosso ver, garantirão a

humanização da pena.

Jeremias Bentham bem explica a função do Governo e, a nosso ver, sem embargo de

entendimento em contrário, o conceito de Estado Democrático de Direito:

Um bom Governo é a imagem de um pai, que não mortifica; nem desterra seus

filhos, senão depois de esgotar todos os meios de os poder emendar. Facilitai os

meios de cada um poder ganhar a sua vida, desterrai a ociosidade, e os delitos serão

menos: educai a mocidade; na boa educação e na paz e felicidade das famílias estão

as sementes da felicidade geral.97

Data venia, torna-se difícil compreender um Estado Democrático de Direito que não

objetive a ressocialização e a reinserção de seus presos à comunidade.

Caso se perpetue tal disposição, o prognóstico será previsível: cada dia mais a

sociedade receberá pessoas que, sem opção, trilharão o caminho da marginalidade. O ex-

presidiário, estigma que dificilmente sairá de seus ombros, terá poucas chances de conseguir

uma recolocação lícita na sociedade para a qual é devolvido, ainda mais se lhe faltar

qualificação educacional e profissional.

2.3.1 Direitos básicos - integridade física, moral e tratamento humano.

A Constituição Federal98

, como já visto, garante aos Sentenciados todos os direitos

que a condenação não lhes retirou.

97

BENTHAM, Jeremias. Teoria das penas legais. Trad. Clássica revisada. São Paulo: Logos, p. 11. 98

“Art. 5º Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos

estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à

propriedade, nos termos seguintes: [...]

III - ninguém será submetido a tortura nem a tratamento desumano ou degradante; [...]

XLIX - é assegurado aos presos o respeito à integridade física e moral; [...].”

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Sidnei Agostinho Beneti destaca a colocação de Anabela Miranda Rodrigues, no

sentido de que “a visão do recluso impõe-se hoje, pois, como a de uma pessoa sujeita a um

‘estatuto específico’ e não como a de alguém submetido a uma relação especial de poder, em

nome da qual lhe podem ser discricionariamente limitados ou negados direitos

fundamentais.”99

Será mesmo verdade que não incidem sobre o recluso os tratamentos desumanos?

Quando algum crime é cometido no interior do sistema prisional, sendo possível

identificar o transgressor, este poderá ser, inclusive, transferido de unidade para garantir a

efetividade dentro do contexto prisional100

.

Essa transferência motiva, na prática, o chamado “boas-vindas”. Assim que os

sentenciados são transferidos, especialmente para as penitenciárias denominadas vulgarmente

de “trancas” e/ou “para cumprimento do castigo”, eles são recebidos com o “boas-vindas”.

Normalmente, isso ocorre da seguinte forma: o caminhão101

que os transporta é estacionado

dentro da unidade prisional. Quando a porta de trás é aberta, eles são obrigados a descer no

meio de um corredor feito, obviamente, pelos agentes penitenciários perfilados. Tais agentes

os recebem com pancadarias e chutes, entre outras formas de violência, dando-lhes o “boas-

vindas”. Nessa situação, ocorre violação de toda sorte: integridade física, integradade moral e,

especialmente, tratamento degradante.

99

BENETI, Sidnei Agostinho. Execução penal. São Paulo: Saraiva, 1996, p. 59. 100

O Regimento Interno Padrão nº 144, da SAP, dispõe: Artigo 49 - o diretor da unidade prisional pode

determinar, por ato motivado, e como medida cautelar, o isolamento preventivo, por período não superior a 10

(dez) dias, quando pesem contra o preso informações devidamente fundamentadas de que cometeu ou estaria

prestes a cometer infração disciplinar de natureza grave, no interesse da disciplina e da averiguação do fato.

Parágrafo único - Determinado o isolamento preventivo, é dever do diretor da unidade prisional comunicar à

Vara de Execução Criminal ou à autoridade judicial competente sobre a motivação da adoção da medida tratada

no caput deste artigo, bem como determinar a instauração do correspondente procedimento disciplinar.

Artigo 50 - Deve ser aplicada a medida preventiva de segurança pessoal, quando, provocada pelo próprio

interessado ou quando pesem informações, devidamente fundamentadas, de que estaria ameaçada sua

integridade física, observando-se, nesse caso, as normas específicas da Secretaria da Administração

Penitenciária, das coordenadorias regionais e das unidades prisionais, quanto aos procedimentos a serem

adotados e seus respectivos prazos.

§1º - Nos casos em que a medida preventiva de segurança pessoal for solicitada pelo próprio interessado, deve, o

pedido, ser feito por escrito ou colhida sua declaração, devendo, em ambos, constar as razões que levaram à

solicitação.

§2º - Nos casos de adoção da medida preventiva de segurança pessoal, sem prejuízo dos prazos estipulados, deve

o preso manifestar-se, por escrito, pela continuidade ou não, a cada 30 (trinta) dias.

§3º - As celas destinadas à medida preventiva de segurança pessoal devem ser totalmente separadas das alas

destinadas ao restante da população prisional, não sendo admitido agrupar os presos vulneráveis em alas ou celas

de destinação diversa desse fim.

Artigo 51 - Nos demais casos a administração deve adotar as providências necessárias para garantir a ordem e a

disciplina na unidade prisional. 101

Vulgarmente pelos presos denominado de bonde.

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O pior é que quando os operadores dos direitos, especialmente os advogados, tomam

providências previstas pela própria lei, como a lavratura de boletim de ocorrência, solicitando

exame de corpo de delito, o sentenciado sofre as consequências. Por essa razão e uma vez que

dificilmente o Poder Judiciário manifesta-se favoravelmente, mesmo conhecendo todos os

princípios e normas que norteiam a execução penal, tantas são as omissões.

Como todo preso tem de passar pelo regime de observação (RO)102

, ele fica um

período sem nenhum contato externo. Dessa forma, todo e qualquer vestígio de prova que

ensejaria a apuração do tratamento cruel e desumano é “apagado” pelo transcurso do tempo.

Quando a defesa, em tempo, tenta realizar o que a própria lei dispõe103

, as autoridades

administrativas, que têm todo o poder para remover, prejudicar ou realizar quaisquer atos que

prejudiquem o Sentenciado, fazem-no sempre com o intuito de interromper todo e qualquer

movimento que possa apurar as irregularidades por elas cometidas, manipulação que as torna

tão deliquentes quanto aqueles a quem estão agredindo, seja de forma física ou psíquica.

Quanto à observação e cumprimento da Constituição Federal, leis de execução penal e

todos os demais instrumentos disponíveis na ordem jurídica, não se aplicam, efetivamente, no

âmbito da execução penal. Até porque os atos da defesa na tentativa de coibir tais abusos

acabam por prejudicar de forma direta o Sentenciado, que é “punido” com medidas não

previstas na lei, contrariando, inclusive, a Constituição Federal.

Inúmeros são os casos que a própria jurisprudência nos aponta como violação dos

direitos humanos, cujas medidas de acautelamento do direito só surgem, muitas vezes, por

força do quarto poder: a mídia.

102

No Regimento Interno Padrão das Unidades Prisionais – Resolução nº 144 da SAP, o regime de observação é

assim regulamentado:

Artigo 17 – o regime de observação deve ser contado a partir do término do período de inclusão, devendo

vigorar por até 20 (vinte) dias.

Artigo 18 – Permitindo a arquitetura da unidade prisional assim como suas características, durante o período de

observação, deve o preso habitar cela situada em local distinto das outras, podendo ser concedida até 02 (duas)

horas por dia de sol, em horário diverso dos demais presos.

Artigo 19 – o preso que estiver em regime de observação tem direito à audiência com seu defensor.

Artigo 20 – o preso que estiver em regime de observação tem direito a receber visita de pessoa devidamente

inscrita em seu rol de visitantes, por até 02 (duas) horas, a critério da Direção.

Artigo 21 – As atividades relacionadas à escola e ao trabalho somente são exercidas após encerrado o regime de

observação. 103

O Regimento Interno Padrão, assim preceitua como sendo direito do preso, no artigo 22, “XXXIV- apresentar

solicitação ou queixa por escrito a autoridade administrativa, judiciária ou a qualquer outra autoridade

apropriada, por meio dos canais competentes;”.

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Defende-se a integridade do sentenciado, pois se não estiver bem, do ponto de vista

físico e psicológico, dificilmente conseguirá êxito no estudo e/ou no trabalho quanto a sua

ressocialização.

Se o sentenciado tem direito ao cumprimento de pena que não seja cruel, nos termos

do artigo 5º, inciso XLVII, da Constituição Federal104

, tal garantia não vem se efetivando, o

que demonstram as condições praticamente generalizadas dos presídios: superlotação,

fornecimento de comida estragada ou em pouca quantidade105

, calor exagerado, falta de água

provocada106

e, o que resume tudo, falta de respeito à condição de ser humano107

.

O rol, nesse caso, é meramente exemplificativo. A inobservância efetiva do princípio

da dignidade da pessoa humana é o que mais acaba por obstar qualquer forma de

ressocialização.

Os sentenciados precisam, como pessoas que são, receber tratamento adequado, sem o

que é pouco provável que obtenham algum tipo de ressocialização. Se nem mesmo dentro do

contexto prisional isso ocorre, como exigir por livre e espontânea vontade a ressocialização?

Se o sentenciado não é tratado sequer como pessoa, como ele dará a resposta para todo e

qualquer sistema pensado para apenas punir?

Diante do exposto, causa certa perplexidade notar que, em tese, assiste ao Sentenciado

ter seus direitos assegurados pelos diretores e funcionários das penitenciárias, pois além de

toda a legislação, há de se destacar o disposto no Regimento Interno Padrão das Unidades

Prisionais do Estado de São Paulo – Resolução nº 144, da SAP108

, que consagra o tratamento

com humanidade.

Nesse sentido, todo sentenciado deveria receber no momento da sua inclusão no

estabelecimento penal o Regimento Interno Padrão para conhecer, efetivamente, seus direitos

e deveres.

Vania Conselheiro Sequeira nos leva à prudente reflexão, ao expor:

104

“Não haverá penas: a) de morte, salvo em caso de guerra declarada, nos termos do art. 84, XIX; b) de caráter

perpétuo; c) de trabalhos forçados; d) de banimento; e) cruéis; [...]”. 105

Regras Mínimas de Tratamento dos Reclusos: “20. 1) A administração deve fornecer a cada recluso, a horas

determinadas, alimentação de valor nutritivo adequado à saúde e à robustez física, de qualidade e bem preparada

e servida”. 106

Regras Mínimas de Tratamento dos Reclusos: “20. 2) Todos os reclusos devem ter a possibilidade de se

prover com água potável sempre que necessário”. 107

Regras Mínimas de Tratamento dos Reclusos: “Pessoal penitenciário 46. 1) A administração penitenciária

deve selecionar cuidadosamente o pessoal de todas as categorias, dado que é da sua integridade, humanidade,

aptidões pessoais e capacidades profissionais que depende uma boa gestão dos estabelecimentos penitenciários”. 108

“Artigo 22 - Constituem direitos básicos e comuns dos presos provisórios, condenados e internados: ser

tratado com humanidade, com respeito à dignidade inerente ao ser humano e com igualdade, exceto quanto às

exigências de individualização da pena”.

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Com suas características de vigilância e controle, é a prisão que cria o perigo. Os

presos são pessoas como outras quaisquer, não são os monstros que o aparelho penal

ostenta. Há homens violentos, sem dúvida, mas aqui fora também. É possível ver

presos gentis, atenciosos e tranquilos. Não são bonzinhos, mas não são os monstros,

nem tão diferente de nós.109

Curiosamente, há penitenciárias que devolvem o Regimento, inclusive quando

remetido pelo próprio defensor do Sentenciado. Se o preso deve ser informado sobre os seus

direitos, causa espanto a negativa em muitas delas.

Enfim, dentre todos os direitos, dois são os que merecem destaque neste trabalho: o

direito à educação e o direito ao trabalho.

2.3.2 Dever ou direito ao trabalho

Ilusoriamente, o artigo 31110

, da Lei de Execução Penal, disciplina que o condenado à

pena privativa de liberdade está obrigado ao trabalho, na medida de suas aptidões e

capacidade.

Há de se observar que ao preso provisório o trabalho é facultativo.

No mesmo sentido, o artigo 22111

, do Regimento Interno Padrão das Unidades

Prisionais do Estado de São Paulo, disciplina que é direito básico dos presos, entre outros, a

educação e o trabalho.

Não há dúvida alguma de que tanto a Lei de Execução Penal quanto o Regimento

Interno Padrão das Unidades Prisionais do Estado de São Paulo disciplinam de forma

inequívoca o direito do sentenciado.

109

SEQUEIRA, Vania Conselheiro. Vidas abandonadas: crime, violência e prisão. São Paulo:

EDUC:FAPESP, 2011, p. 35. 110

“Art. 31. O condenado à pena privativa de liberdade está obrigado ao trabalho na medida de suas aptidões e

capacidade.

Parágrafo único. Para o preso provisório, o trabalho não é obrigatório e só poderá ser executado no interior do

estabelecimento”. 111

“Constituem direitos básicos e comuns dos presos provisórios, condenados e internados: [...]

I - receber assistência material que garanta as necessidades básicas no que concerne:

[...]

d) às instalações e aos serviços de saúde, educação, trabalho, esporte e lazer, proporcionando a distribuição do

tempo para o trabalho, o descanso e a recreação.

[...]

X- participar do processo educativo de formação para o trabalho produtivo, que envolva hábitos e demanda do

mercado externo.

XI- executar trabalho remunerado, de acordo com sua aptidão, ou aquele que exercia antes da prisão, desde que

cabível na unidade prisional, seja por questão de segurança ou pelos limites da administração;

XII- a constituição de pecúlio;

XIII- a possibilidade de trabalho particular em horas livres, a critério do diretor da unidade prisional;

XIV- a laborterapia, conforme suas aptidões e condições psíquicas e físicas [...]”.

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Há de se destacar que o trabalho é um direito social garantido, inclusive, por meio do

artigo 6º da Constituição Federal.

Dessa forma, verifica-se que é dever do Estado propiciar meios para que o sentenciado

possa desenvolver um trabalho digno e de forma restaurativa, enquanto cumpre a sua pena,

seja ela qual for.

É por meio da realização do trabalho que ele conquistará a sua dignidade e uma

esperança de poder ser reinserido no contexto social a que um dia voltará.

Ademais, o trabalho lhe fornece meios para que possa ter sua remuneração, como se

observa do artigo 41112

, inciso II, da Lei de Execução Penal.

A pergunta que se faz é: Por que o Estado insiste em não possibilitar os meios

adequados para o desenvolvimento do que poderá ser uma forma de ressocializar o

sentenciado?

Nenhuma resposta será passível de aceitação, uma vez que a premissa é que se há

violação de um direito, há, de forma direta, o nascimento da responsabilidade. E quando

estamos diante do Estado, sabe-se que, inclusive constitucionalmente, sua responsabilidade é

objetiva, dispensando a análise da culpa.

O não atendimento ao direito do Sentenciado o fere, pelo menos, três vezes: a

primeira, por lhe negar uma consequência da própria lei e decorrente do trabalho: a remição

de pena; a segunda, por lhe negar a possibilidade de se ressocializar; e, por fim, por privá-lo,

quando o alija do trabalho, de utilizar a remuneração que daí adviria para efetuar o pagamento

da sua pena de multa113

ou prestação pecuniária114

, podendo voltar à sociedade, no mínimo,

sem ter dívida para com quem quer que seja.

Refletindo sobre a humanização da pena, Cezar Roberto Bitencourt aborda o

pensamento de John Howard, cujas ideias a esse respeito foram muito avançadas para o seu

tempo. Entre outras coisas, Howard

Insistiu na necessidade de construir estabelecimentos adequados para o cumprimento

da pena privativa de liberdade, sem ignorar que as prisões deveriam proporcionar ao

apenado um regime higiênico, alimentar e de assistência médica que permitisse

112

“Art. 41 - Constituem direitos do preso: [...]

II - atribuição de trabalho e sua remuneração; [...]”. 113

Pena de multa é sanção penal que obriga o condenado a efetuar o pagamento ao Fundep (Fundação de

Desenvolvimento da Pesquisa), um valor em dinheiro, calculado em dias-multa “dies a quo”. Atinge, assim, o

patrimônio do condenado. 114

A prestação pecuniária tem origem na Lei 9.714/18. É sanção aplicada por meio da sentença, sendo fixado um

valor que deve ser pago à vítima, dependentes ou entidades públicas ou privadas. Para isso, o juiz, utilizando-se

do princípio da equidade, considerará a condição financeira do condenado para fixação da prestação pecuniária.

O valor fixado não pode ser inferior a um salário mínimo nem superior a 369 salários mínimos.

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cobrir as necessidades elementares. Considerava que o trabalho obrigatório,

inclusive penoso, serviria de meio adequado para a regeneração moral. Deu grande

importância ao trabalho como meio reabilitador. Apesar de tal ideia ser muito

discutível atualmente, vigora até nossos dias. Não considerava obrigatório o trabalho

para os processados, o que ainda se mantém na prática penitenciária

contemporânea”115

.

Ora, o trabalho é a dignidade da pessoa. É por meio dele que se conquista status no

meio social e são atendidas as necessidades primordiais do indivíduo e de seus entes queridos.

Sem trabalho, não há qualquer embasamento para se falar em dignidade da pessoa humana e,

consequentemente, humanização da pena.

Nos termos das Regras Mínimas para Tratamento de Reclusos, sobre o trabalho é

disposto, no item 70, item 3, que:

Deve ser dado trabalho suficiente de natureza útil aos reclusos de modo a conservá-

los ativos durante o dia normal de trabalho”. Dispõem, ainda, sobre a necessidade de

providências para indenizar os presos pelo acidente do trabalho ou em enfermidades

profissionais em condições similares àquelas que a lei dispõe para o trabalhador

livre (74.2).

A Lei de Execução Penal ainda determina, em seu artigo 41, a Previdência Social

como direito do preso. O Código Penal, da mesma forma, preceitua, no artigo 39, que “o

trabalho do preso será sempre remunerado, sendo-lhe garantidos os benefícios da Previdência

Social”.

Não basta, todavia, ter leis que concedem direitos se, na prática, como este trabalho

tem procurado demonstrar, eles são inexistentes.

2.3.3 Direito ao estudo

A Constituição Federal estabelece, em seu artigo 205: “A educação, direito de todos e

dever do Estado e da família, será promovida e incentivada com a colaboração da sociedade,

visando ao pleno desenvolvimento da pessoa, seu preparo para o exercício da cidadania e sua

qualificação para o trabalho”.

O artigo 41116

, da Lei de Execução Penal, também prioriza o estudo como direito.

115

BITENCOURT, Cezar Roberto. Falência da pena de prisão: causas e alternativas. 4ª ed. São Paulo:

Saraiva, 2011, p. 4ª ed. São Paulo: Saraiva, 2011, p. 60. 116

Art. 41 - Constituem direitos do preso: [...]

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A Declaração Universal dos Direitos Humanos, no mesmo sentido, preconiza, no

artigo XXVI:

1. Toda pessoa tem direito à instrução. A instrução será gratuita, pelo menos nos

graus elementares e fundamentais. A instrução elementar será obrigatória. A

instrução técnico-profissional será acessível a todos, bem como a instrução superior,

esta baseada no mérito. 2. A instrução será orientada no sentido do pleno

desenvolvimento da personalidade humana e do fortalecimento do respeito pelos

direitos humanos e pelas liberdades fundamentais. A instrução promoverá a

compreensão, a tolerância e a amizade entre todas as nações e grupos raciais ou

religiosos, e coadjuvará as atividades das Nações Unidas em prol da manutenção da

paz.

Se assim é, o Estado também comete ilícito civil se não disponibiliza educação aos

sentenciados, especialmente àqueles que, embora desejem prosseguir seus estudos, não obtêm

êxito, uma vez que na unidade prisional em que estão custodiados, faltam meios para o

exercício deste direito.

Por isso afirma-se que o Estado é o responsável por dizer o direito. É vedada a justiça

privada, muito embora, em diversas situações, no âmbito da execução penal, ela ocorra, mas

nunca em desfavor do Estado.

Vale a reflexão: em entrevista concedida ao Jornal A Tarde (17/02/2007), a Secretária

da Justiça, Cidadania e Direitos Humanos do Estado da Bahia, em Salvador, Marília Muricy

Machado Pinto, afirma:

É inconveniente separar o preso, levando-o para um ambiente em que ele perde a

conexão com a família e o meio social, porque ele vai criar vínculos afetivos com a

população carcerária [...] Cabeça vazia é oficina do demônio. É preciso dar trabalho

para eles, digno, remunerado, que garanta inclusive sua saída direta para o mercado

de trabalho. No Brasil, esse tipo de ação ou é inexistente ou, quando ocorre,

dificilmente está programada para preparar a saída do preso. Para que isso se efetive,

é preciso, obviamente, que se tenha uma política carcerária que garanta a dignidade

do preso em todos os sentidos, desde a prática de atividade física até o acesso ao

trabalho profissionalizante. Tudo isso por uma questão fundamental: a necessidade

de individualizar a pena. Sempre se diz isso. E nunca se faz. É preciso criar a

consciência social de que o respeito à dignidade do preso e a preparação para o

retorno à sociedade são de interesse de todos. Não se trata apenas de praticar um

gesto humanitário – o que, por si só, já seria um treinamento importante, porque a

questão ética não pode ser esquecida. Mas do ponto de vista pragmático, a sociedade

está trabalhando contra si mesma quando joga o preso no presídio e o abandona.

VII - assistência material, à saúde, jurídica, educacional, social e religiosa; [...].

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A prisão é o único lugar em que o delinquente tem à sua inteira disposição fatores que

podem ensejar-lhe o aumento gradativo da delinquência: ociosidade, cofre do ódio em face da

violação dos seus direitos e pessoas envolvidas com o crime e que vivem do crime.

O isolamento, por si só, não recupera ninguém. Se o fizesse, a grande maioria dos

encarcerados não voltaria para lá, jamais. É um tempo de pura expiação, sem quaisquer

esperanças para se alcançar um meio de vida diferente do já conhecido.

Jeremy Bentham bem esclarece isso, ao afirmar que

Os presos saem dali para serem impelidos outra vez ao delito pelo aguilhão da

miséria, submetidos ao despotismo subalterno de alguns homens geralmente

depravados pelo espetáculo do delito e o uso da tirania. Esses desgraçados podem

ser sujeitos a mil penas desconhecidas que os irritam contra a sociedade, que os

endurecem e os fazem insensíveis às sanções. Em relação à moral, uma prisão é uma

escola onde se ensina a maldade por meios mais eficazes que os que nunca poderiam

empregar-se para ensinar a virtude: o tédio, a vingança e a necessidade presidem

essa educação de perversidade.117

Os direitos fundamentais dos presos devem ser garantidos para se ter minimamente

respeitada sua condição de ser humano no contexto prisional.

Faz-se imprescindível a adoção do conceito do direito constitucional para que se

alcance, efetivamente, a garantia dos direitos fundamentais.

Ensina Maria Helena Diniz que o direito constitucional revela-se como o

Conjunto de normas jurídicas atinentes à organização político-estatal nos seus

elementos essenciais, definindo o regime político e a forma de Estado e

estabelecendo os órgãos estatais substanciais, suas funções e relações com os

cidadãos, ao limitar suas ações mediante o reconhecimento e a garantia de direitos

fundamentais dos indivíduos de per si considerados ou agrupados, formando

comunidades.118

Se as autoridades constituídas pela própria Constituição Federal deixam de observar e

fazer cumprir as leis e/ou eximem-se de sua responsabilidade quanto a fiscalizar aqueles que,

igualmente e em suas instâncias, deveriam fazê-lo e se negam, porventura não seriam elas,

117

BENTHAM, Jeremy. Princípios de legislación y jurisprudencia; extractados de las obras del filósofo

inglés J. Bentham por Francisco Ferrer y Vall. Imprenta de Tomás Jordán, 1934, p. 51. (CIDADE E

EDITORA) 118

DINIZ, Maria Helena. Dicionário jurídico. 2ª ed. re., atual. e aum. São Paulo. Saraiva, 2005, v. . Volume 2.

2ª ed. rev., atual. e aum. São Paulo: Sraiva, 2005, p. 170.

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tanto quanto aqueles que se encontram encarcerados dentro do sistema prisional, tidas como

condenáveis e sujeitas à aplicação da lei?

Qual a diferença entre um e outro grupo? Vale a reflexão: não é possível conceituar

uma pessoa, de quem se avaliou os valores, como sendo meio ética. Ou se é ético, ou não se é

ético. O mesmo raciocínio vale para as questões que versam sobre a observância da lei: todos

os que não a observam, são indistintamente réus, mesmo que investidos do poder.

Aliás, a investidura do poder deveria ser uma das agravantes no momento do

julgamento desses infratores, justiça que, obviamente, não se concretiza em nosso país.

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3 – CONSIDERAÇÕES QUANTO À RESSOCIALIZAÇÃO E REINSERÇÃO DO

SENTENCIADO NA SOCIEDADE

A prisão é uma lixeira humana, um lugar de horror, um lugar de aniquilamento do

homem, de aprisionamento do ser, além da constatação óbvia de que a prisão não

ressocializa, não reeduca e contribui muito para a reincidência.

Vania Conselheiro Sequeira

A prisão é um mundo isolado da sociedade em que imperam regras próprias. Uma vez

nesse lugar, rompem-se os vínculos familiares, profissionais, da vida como um todo; sozinho,

o interno inicia uma jornada descendente que, dia a dia, saqueia-lhe o que resta de

humanidade.

Alguns chamam esse processo de prisionização: os internos adquirem hábitos e

valores condizentes com o ambiente prisional, cuja ética e moral diferem dos valores

socialmente incentivados. O processo de institucionalização desenvolve-se em várias

etapas, até alcançar desculturamento (Goffman, 1961), uma ruptura com a cultura de

fora da prisão para melhor uso de estratégias para domesticação. No início, temos o

processo de admissão, de enquadramento, rupturas com os papéis desempenhados lá

fora, barreiras entre o interno e externo da prisão. A rotina exerce uma função de

controle e domesticação, o controle do espaço que o sujeito pode ocupar, de seu

tempo, de forma que haja disciplinarização do corpo pelo horário e pelas atividades

impostas a ele, com uma vigilância contínua dos agentes de segurança e dos outros

presos. A submissão à instituição aparece nas pequenas coisas: horário de acordar,

dormir, comer, trabalhar, estudar. Os testes de obediência também são poderosos;

são marcados, inicialmente, pelos funcionários que dão as boas vindas e transmitem

as regras do local; sabemos que esses rituais incluem a nudez para inspeção e

higienização dos corpos, além de surras que demarcam quem manda e quem deve

obedecer. Depois, temos as boas vindas dos presos entre si, diferenças entre grupos,

acertos de contas vão dar o tom da vida do recém-chegado. A perda do nome é outra

forma de domesticação do eu; a substituição do nome por um número de matrícula e

por apelidos é uma estratégia eficaz de despersonalização, somada à perda de

objetos particulares, que não são oficialmente permitidos dentro das prisões (com

algumas exceções). A perda de controle da imagem pessoal pelo uso de uniformes,

cortes de cabelos padronizados e marcas no corpo confirmam a submissão. A

humilhação verbal e corporal também faz parte da situação cotidiana da

mortificação do eu. [...] Há uma avaliação do bom comportamento do preso, o que

lhe dá o direito de sair da prisão antes do cumprimento integral de sua pena pelo

regime progressivo de pena; com isso, temos uma reorganização do eu com

respostas de ajustamentos à situação institucional. Surge um novo homem,

desenraizado, filho do sistema prisional.119

Para se considerarem quaisquer formas de ressocialização do Sentenciado, é

necessário e fundamental pautar-se pela ética.

119

SEQUEIRA, Vania Conselheiro. Vidas abandonadas: crime, violência e prisão. São Paulo: EDUC:

FAPESP, 2011, p. 44-45.

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De acordo com a filosofia, entende-se como ética:

a) Estudo filosófico dos valores morais e dos princípios ideais do comportamento

humano; b) deontologia; c) ciência dos costumes ou moral descritiva (Ampère); d)

conjunto de prescrições admitidas por uma sociedade numa dada época; e) ciência

que tem por objeto a conduta humana; etologia; etografia; f) ciência que toma por

objeto imediato o juízo de apreciação de atos; juízo de valor relativo à conduta

(Lalande); g) ciência do comportamento moral do ser humano no convívio social

(Geraldo Magela Alves); teoria ou investigação de uma forma de comportamento

humano.120

Embora os Sentenciados tenham praticado condutas típicas, consideradas desprezíveis

pela sociedade, nem por isso a própria sociedade e, muito menos, o Estado podem se portar da

mesma maneira.

Sob essa perspectiva, quais as medidas adequadas, jurídicas e moralmente corretas

para se adotar em face do Sentenciado? É momento de lançarmos mão do conceito de ética

que estivemos anteriormente nos dedicando a definir.

Pode-se afirmar que a ética tem por objetivo dar o contorno do que se entende por bom

ou ruim para a sociedade e, em regra, de forma absoluta.

Dessa forma e sem embargo de entendimento contrário, a ética tem por escopo o saber

agir com todos os integrantes da sociedade, inclusive com os Sentenciados. Sob seu primado,

as pessoas devem se responsabilizar por eventuais danos que provoquem ao próximo. A ética

transcende o apenas lidar com as questões de bem e mal, certo e errado. Antes, ocupa-se com

o discernimento sobre que conduta adotar ao agir.

A nosso ver, data venia, a questão crucial que a envolve é saber o que se apreende

com determinada prática considerada certa ou errada, justa ou injusta, boa ou má. Como cada

indivíduo concebe valores diferentemente dos demais, esse é um problema que ocorre quando

se estuda a ressocialização do sentenciado.

A experiência de cada um faz com que seu posicionamento diante da vida seja desta

ou daquela forma, sendo certo que a ética liga-se ao subjetivismo.

Quando se trata do Sentenciado, vale relembrar o disposto nas Regras Mínimas de

Tratamentos de Reclusos, que preceitua:

120

Maria Helena Diniz. Dicionário jurídico, v. 2. São Paulo: Saraiva, 2005, p. 509.

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59. Nesta perspectiva, o regime penitenciário deve fazer apelo a todos os meios

terapêuticos, educativos, morais, espirituais e outros e a todos os meios de

assistência de que pode dispor, procurando aplicá-los segundo as necessidades do

tratamento individual dos delinquentes.

60. 1) O regime do estabelecimento deve procurar reduzir as diferenças que podem

existir entre a vida na prisão e a vida em liberdade na medida em que essas

diferenças tendam a esbater o sentido de responsabilidade do detido ou o respeito

pela dignidade da sua pessoa.

Em se tratando de seres humanos, mesmo que tenham cometido fatos típicos, em

qualquer estágio de desenvolvimento, vale consignar as considerações de Fernando Savater,

citado por Jorge Pinheiro Castelo: “Devemos manipular as coisas como coisas e tratar as

pessoas como pessoas, deste modo as coisas nos ajudarão em muitos aspectos, e as pessoas

em um aspecto fundamental, que nenhuma coisa pode suprir, o de sermos humanos.”121

Por mais difícil que possa parecer, não se pode admitir afastar o raciocício de questões

éticas quando se fala em Sentenciados.

Nesse mesmo sentido, Fábio Konder Comparato expõe:

Ora, o princípio primeiro de toda a ética é o de que “o ser humano e, de modo geral,

todo ser racional, existe como um fim em si mesmo, não simplesmente como meio

do qual esta ou aquela vontade possa servir-se a seu talante. Os entes, cujo ser na

verdade não depende de nossa vontade, mas da natureza, quando irracionais, têm

unicamente um valor relativo, como meios, e chamam-se por isso coisas; os entes

racionais, ao contrário, denominam-se pessoas, pois são marcados, pela sua própria

natureza, como fins em si mesmos; ou seja, como algo que não pode servir

simplesmente de meio, o que limita, em consequência, nosso livre arbítrio.122

Fácil seria ignorar a existência do Sentenciado, o que, na prática, efetivamente ocorre.

A sociedade ignora a existência deles, mas se esquece de que o tempo de prisão um dia chega

ao fim.

Se não forem tomadas medidas que, efetivamente, ressocializem e reinsiram estes

Sentenciados no meio social, qual a perspectiva de melhora da violência, entre tantas outras

questões que envolvem a criminalidade nos dias de hoje?

Embora sua população ignore a existência de Sentenciados,

121

CASTELO, Jorge Pinheiro. A prova do dano moral trabalhista. Revista do advogado, ano XXII, nº 66, junho

2002, p. 53. 122

COMPARATO, Fábio Konder. A afirmação histórica dos direitos humanos. 4ª ed. São Paulo: Saraiva,

2005, p. 21.

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São Paulo, estado com a maior população carcerária do país (190.818 presos até

junho de 2012), apresentou uma média de 234 presos em cada 1.000 que estão

desenvolvendo atividades laborais dentro dos presídios nos últimos 5 anos. Em São

Paulo, em 2012, do total da população carcerária, 22% estavam em atividades

laborais, entre as mulheres esse número era de 31% e entre os homens 22%.123

Não é possível ignorar os fatos que, diariamente, ganham vulto na realidade cotidiana:

os Sentenciados, ressocializados ou não, voltarão a integrar a nossa sociedade.

Dessa forma, salvo entendimento em contrário, é dever do Estado, por força dos

dispositivos constantes na Lei de Execução Penal, bem como por meio da ratificação pelo

Brasil de Tratados Internacionais, garantir condições mínimas para a ressocialização. Não é

nada honroso, tampouco ético, continuar ignorando o horror que ainda vigora no sistema

prisional brasileiro.

3.1 A ressocialização no Regime Disciplinar Diferenciado (RDD) e no Regime Disciplinar

Especial (RDE)

É sabido que três são os regimes penitenciários para cumprimento da pena: fechado,

semiaberto e aberto.

Em razão dos objetivos propostos para este trabalho, concentrar-nos-emos, de forma

especial, em analisar as questões do regime fechado.

Como o afirmamos anteriormente, há uma espécie de gradação na qualidade da

reclusão do Sentenciado, podendo este ficar mais ou menos preso, dependendo do regime sob

cuja égide estiver submetido – o denominado Regime Disciplinar Diferenciado – RDD ou o

Regime Disciplinar Especial – RDE.

O Regime Disciplinar Diferenciado está disciplinado no artigo 52124

da Lei de

Execução Penal. O Sentenciado fica encarcerado por vinte e duas ou vinte e três horas diárias,

123

Disponível em: http://www.lfg.com.br/conteudos/artigos/direito-criminal/artigo-prof-luiz-flavio-gomes-

populacao-carceraria-e-trabalho-nas-penitenciarias, Acesso em 25 de maio de 2013. 124

Art. 52. A prática de fato previsto como crime doloso constitui falta grave e, quando ocasione subversão da

ordem ou disciplina internas, sujeita o preso provisório, ou condenado, sem prejuízo da sanção penal, ao regime

disciplinar diferenciado, com as seguintes características:

I - duração máxima de trezentos e sessenta dias, sem prejuízo de repetição da sanção por nova falta grave de

mesma espécie, até o limite de um sexto da pena aplicada;

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sendo que o tempo para o banho de sol não ultrapassa duas horas. Sob tal regime, o preso não

é autorizado a receber jornais, revistas e, tampouco, a assistir à televisão. Ele fica restrito ao

seu mundo de, no máximo, seis metros quadrados.

Esse regime pode perdurar por 360 dias, não podendo ultrapassar 1/6 da pena a

cumprir.

Há um conflito, a nosso ver, na Lei de Execução Penal: como é possível ressocializar

se não existe possibilidade alguma dentro do contexto do Regime Disciplinar Diferenciado?

O Sentenciado permanece vinte e duas ou vinte e três horas encarcerado, dentro da sua

cela, sem nenhum incentivo para se ressocializar. O convívio familiar é interrompido

bruscamente; o convívio com outras pessoas, igualmente. E, se isso não fosse suficiente,

retira-se do problemático Sentenciado a possibilidade de se ressocializar.

O RDD, sem embargo de entendimento em contrário, afronta as Regras Mínimas para

Tratamento de Reclusos, que, como vimos e aqui o reiteramos, estabelece:

60. 1) O regime do estabelecimento deve procurar reduzir as diferenças que podem

existir entre a vida na prisão e a vida em liberdade na medida em que essas

diferenças tendam a esbater o sentido de responsabilidade do detido ou o respeito

pela dignidade da sua pessoa.

No mesmo sentido, há violação expressa do inciso XLVV, artigo 5º, da Constituição

Federal, que preconiza a não existência de penas cruéis. Se a falta de contato físico com os

familiares no dia de visita não for tratamento cruel; se a sua permanência em um quadrado

fechado, sem quaisquer informações e privado de um televisor, rádio ou revistas, não se

considerar cruel, o que, então, o será?

Se a segregação total do Sentenciado do seu meio já limitado (prisão), dos familiares,

entre tantas outras questões que envolvem este regime tão rígido, recuperasse e ressocializasse

alguém, provavelmente não haveria reincidentes, uma vez que estes, tendo passado pela dura

experiência de estarem custodiados num tal regime, evitariam ao máximo para lá retornar.

II - recolhimento em cela individual;

III - visitas semanais de duas pessoas, sem contar as crianças, com duração de duas horas;

IV - o preso terá direito à saída da cela por 2 horas diárias para banho de sol.

§ 1o O regime disciplinar diferenciado também poderá abrigar presos provisórios ou condenados, nacionais ou

estrangeiros, que apresentem alto risco para a ordem e a segurança do estabelecimento penal ou da sociedade.

§ 2o Estará igualmente sujeito ao regime disciplinar diferenciado o preso provisório ou o condenado sob o qual

recaiam fundadas suspeitas de envolvimento ou participação, a qualquer título, em organizações criminosas,

quadrilha ou bando.

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Vale destacar o depoimento de Abílio Fidelis Dias Junior:

Já fiquei no RDD quando era na Penitenciária de Avaré. É um lugar de total

isolamento, onde a depressão e a tortura psicológica convivem com a gente. Lá não

se pode nem dar um abraço num familiar num dia de visita. [...] Tanto aqui quanto

no RDD não existe nenhuma chance de reintegração digna com a família,

principalmente com os filhos pequenos.

Pior situação, a nosso ver e em que pesem opiniões divergentes, ocorre no

denominado Regime Disciplinar Especial – RDE.

A pessoa que está custodiada numa penitenciária sujeita ao RDE está completamente

fora da égide do Estado, uma vez que não existe sequer previsão legal para este regime de

cumprimento de pena.

No Estado de São Paulo, este regime é adotado, por exemplo, na Penitenciária

"Maurício Henrique Guimarães Pereira", na cidade de Presidente Venceslau, e na

Penitenciária "Dr. Paulo Luciano Campos", na cidade de Avaré, muito embora a Secretaria de

Segurança Penitenciária informe que nestas casas se pratique o regime normal de

cumprimento de pena, omitindo-se quanto ao caos do sistema penintenciário.

Destaque-se que o próprio site125

da Secretaria de Administração Penitenciária do

Estado de São Paulo126

informa ser a Penitenciária "Dr. Paulo Luciano Campos", localizada

na cidade de Avaré, dotada de um regime assim designado: RDD/Regime Comum, o que

suscita, pelo inusitado da situação, não poucas indagações. Qual é o regime comum? O

Regime Disciplinar Diferenciado? Obviamente que não. Não se pode adotar o regime mais

gravoso como sendo o de cumprimento de pena normal.

Quanto às unidades prisionais de Presidente Venceslau, talvez por inexistir até mesmo

previsão legal, não se colocam em seu site quaisquer informações.

No entanto, na prática, o que se tem é um regime de cumprimento de pena totalmente

inconstitucional e incapaz de ressocializar qualquer ser humano.

As diferenças entre o RDD e o RDE são mínimas: no RDD, a visita é de duas horas;

preso e família não mantêm contato físico – conversam pelo parlatório. Já no RDE, a duração

125

Disponível: http://www.sap.sp.gov.br/common/unidades.html, Acesso em 02 de abril de 2012. 126

Disponível em:

http://www.sap.sp.gov.br/common/unidprisionais/crn/pen_avare_dr_paulo_luciano_campos_I.html, Acesso em

11 de março de 2013.

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da visita é de quatro horas, com contato físico, no entanto o Grupo de Intervenção Rápida é

que permanece para condução das visitas, e, além disso, as visitas são trancadas juntas com os

sentenciados nas respectivas celas. No RDD, a cela é individual; no RDE, a cela é coletiva.

No RDD, o banho de sol tem a duração de duas horas; no RDE, o banho de sol é de três horas.

Como se constata, as diferenças são mínimas, sem a intervenção do Poder Judiciário ou da

própria Secretaria de Administração Penitenciária.

Como ressocializar, se o Sentenciado assim percebe tais circunstâncias? Observemos

os seguintes depoimentos:

Me encontro preso na Penitenciária II de Presidente Venceslau que, segundo as

autoridades do Estado dizem, é uma unidade prisional de regime comum. Mas como

uma penitenciária dessa pode ser comum, sendo que nossas visitas, ao adentrarem

no presídio e entrarem para as celas, para verem seus filhos, maridos e irmãos, são

trancadas dentro das celas juntamente com outras visitas e outros presos durante 4

horas, não podendo sair [antes do término desse período]? A justificativa para tal

abuso de poder é, segundo eles alegam, por motivos de segurança. Isto que eles

fazem com os nossos familiares é inaceitável, um crime, pois se caracteriza como

cárcere privado. De visitantes, os nossos familiares se tornam prisioneiros. E todo

este abuso é de conhecimento do Estado, que nada faz para cumprirmos a nossa pena

dignamente. (Luciano Silva).

Cumpro pena atualmente no presídio de Segurança Máxima de Presidente

Venceslau, onde estou sendo rotulado por algo que não sou. Classifico como

excesso as 21 horas que permanecemos trancados sem direito à escola, trabalhos ou

cursos. Acho que nenhum ser humano deve ser submetido a ficar 21 horas trancado

e também acho que tanta ditadura no sistema carcerário não regenera o ser humano.

50 ou 60 policiais fortemente armados entram, todos os dias, nos pavilhões para [nos

fazer] voltar para a cela, após 3 horas de sol, e todos com toucas ninja no rosto.

No dia de visita, fora os constrangimentos que os nossos familiares passam, ao

adentrar na unidade nossas visitas são mantidas em cárcere privado juntamente

conosco, pois permanecem 4 horas trancadas no horário da visita. (Alex Leandro

Bispo dos Santos).

Se violência transformasse o caráter das pessoas, possivelmente a população carcerária

teria sofrido uma sensível redução. É o que atestam as palavras de Jacques-Auguste de Thou,

em sua Epístola Dedicatória ao rei Henrique IV: “a experiência nos ensina que a violência é

mais capaz de irritar do que de curar qualquer mal que esteja enraizado no espírito.”127

No Regime Disciplinar Diferenciado, como não há acesso a televisores, jornais ou

rádio, os Sentenciados que sabem ler se apoderam da leitura. Mas, obviamente, tudo o que é

feito exaustivamente desmotiva e torna-se outro castigo. E nem por isso – pela prática da

127

VOLTAIRE. Tratado sobre a intolerância: por ocasião da morte de Jean Calas. Tradução de William

Lagos. Porto Alegre: L&PM, 2010, p. 88.

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leitura – recebem algum tipo de recompensa do Estado, a remição pelo estudo, por exemplo,

amplamente possível nessa situação.

Na maioria dos casos, após a punição imposta pelo Regime Disciplinar Diferenciado,

o Sentenciado é encaminhado a uma penitenciária com características semelhantes à anterior

em alguns aspectos: trata-se do Regime Disciplinar Especial. Não existe nenhuma lei ou

regulamento que o contemple como regime.

Tanto quanto ocorre no Regime Disciplinar Diferenciado, no Regime Disciplinar

Especial não há nenhum esforço por parte do Estado na ressocialização. Além de não haver

trabalho ou estudo, o Sentenciado permanece por mais um período neste estado de

“armazenagem”, devendo ser um autodidata e acumular os conhecimentos necessários a sua

reintegração/reinserção social.

Mas isso não é tudo. Para obter algum benefício, em muitos casos será submetido a

testes psicológicos rápidos (com duração aproximada de, no máximo, quinze minutos) por

profissionais nomeados e remunerados pelo Estado, avaliações mediante cujos resultados a

reprovação é quase que invariavelmente certa. Merece, ainda, um destaque, em virtude do

caráter questionável de seus resultados, as semelhanças entre os exames criminológicos, que

acabam despertando suspeitas quanto à existência da generalização de um único diagnóstico a

todos os examinados, com vistas à facilitação do trabalho, pouco importanto o sujeito de

direitos que está sendo analisado para o restante da sua vida.

É oportuno, neste ponto, lançar mão das palavras de Michel Foucault:

O psiquiatra intervém para dizer qual será a forma de pena; portanto, ele tem um

papel judicial no próprio interior do desenvolver da justiça. E o mal-estar dos

advogados está ligado a isso, pois ele tem de se haver com dois juízes, um dos quais

é esse pseudojuiz que vai modular a pena. E quanto mais o papel de modulador da

pena torna-se grande na psiquiatria penal, menos os conceitos utilizados por esses

psiquiatras são médicos.128

Diante dessas circunstâncias, o Sentenciado tem de se valer de assistentes técnicos.

Apenas por meio da contratação dos assistentes técnicos, surge, ainda que de maneira

incipiente, uma esperança de se ver realizado um exame em conformidade com os parâmetros

ditados: seriedade e comprometimento com o trabalho desenvolvido. O que se busca, por

128

FOUCAULT, Michel. Problematização do sujeito: psicologia, psiquiatria, psicanálise. Tradução Vera

Lucia Avellar Ribeiro. 3ª ed. Rio de Janeiro: Forense Universitária, 2011, p. 302.

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meio da nomeação dos assistentes técnicos, nada mais é do que a imparcialidade dos

profissionais nomeados pelo Estado, então “coagidos”, por se encontrarem diante de

“testemunhas”, a se atentarem aos detalhes que cada situação requer.

Ainda assim, por vezes e na maioria dos casos, a nomeação dos assistentes técnicos

não é obtida de forma pacífica no Poder Judiciário. Faz-se necessário um recurso, por meio do

agravo, para que o Tribunal possa se manifestar favoravelmente.

Ora, tanto o RDD quanto o RDE são contrários à ideia de ressocialização do

Sentenciado.

Carmen Silvia de Moraes Barros destaca o posicionamento de Hilde Kaufmann, no

sentido de que a “prisionalização consiste na compenetração tão profunda do preso na cultura

carcerária que mais tarde será incapaz de viver em liberdade com outros indivíduos. [...] isso

rege sobretudo para os presos que têm penas longas.”129

Até mesmo para o contexto de inexistência total de previsão legal, o nosso Poder

Judiciário se mantém inerte aos abusos que ocorrem nas unidades prisionais, fazendo crescer

a certeza de injustiça e de violação dos direitos daqueles que estão submetidos à custódia do

Estado.

Questiona-se: o artigo 38 do Código Penal ainda é válido?

Dizer que “o preso conserva todos os direitos não atingidos pela sentença, impondo-se

a todas as autoridades o respeito a sua integridade física e moral” significa conceber que os

abusos deveriam ser coibidos, minimamente, pelo Poder Judiciário o que, na prática, sequer

ocorre.

Melina Duarte propõe a seguinte reflexão, reportando-se ao artigo 38 do Código

Penal:

Será que as pessoas o desconhecem? Será que ele foi um artigo imposto para

satisfazer a pressão de associações nacionais e internacionais de proteção dos

direitos humanos e não reflete o verdadeiro espírito do povo? Na sua Filosofia do

Direito, Hegel tem uma frase que cabe muito bem nesta ocasião: “Não se importa

uma Constituição”. E ele diz isso porque a Constituição, para que seja efetiva, ou

seja, válida na teoria e aplicada na prática, tem que ser coerente, tem que refletir e

manifestar o espírito do povo. De nada adianta redigir uma constituição muito

avançada para um povo que ainda não é capaz de compreendê-la. Mitchel P. Roth

129

BARROS, Carmen Silvia de Moraes. A individualização da pena na execução penal. São Paulo: Revista dos

Tribunais, 2001, p. 146.

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diz que “a maneira com que uma sociedade trata seus prisioneiros diz muito sobre a

sua cultura”. Assim, a situação lastimável dos presídios brasileiros é resultado de

nossa cultura.130

Como concordar que o endurecimento dos regimes, sem quaisquer amparos com o fim

de ressocializar, pode ser adotado e amplamente aceito para a sociedade que, dia após dia,

receberá de volta os seus Sentenciados?

Se houvesse, ao menos, junto com o endurecimento dos regimes, uma dinâmica capaz

de recuperar os Sentenciados, então se poderiam aceitar os regimes disciplinar diferenciado e

especial, que sequer têm amparo legal, como meios de ressocialização das pessoas.

Mas ao contrário, o que se tem por meio da adoção desses regimes é o endurecimento,

inclusive, das pessoas que a eles estão submetidas, a quem não resta senão a alternativa do

aumento da reincidência. Para tempo de ócio mais direitos violados o resultado é único: não

ressocialização.

A sugestão para ressocialização, ainda mais nesses regimes, é a inclusão de todos os

Sentenciados em formação educacional e, para aqueles que já a possuem, formação

profissional.

Nas unidades prisionais que adotam o RDD131

ou o RDE132

, espaço não é

preocupação, haja vista que a população carcerária sempre é menor do que a capacidade

oferecida.

Embora a Defensoria tente afastar do sistema prisional as mazelas, seria

imprescindível a atuação de todo o Poder Judiciário para, por exemplo, declarar a

inconstitucionalidade da Resolução 93/04, que dispõe sobre o Regime Disciplinar Especial.

Além disso, é imperioso determinar, por meio do artigo 66, incisos VI e VII133

da Lei

de Execução Penal, a inspeção das unidades prisionais que, em face da apuração de faltas dos

130

DUARTE, Melina. Punição ou vingança? Revista Filosofia – ciência & vida, ano VII nº 79 – fevereiro de

2013, p. 70. 131

Disponível em: http://www.sap.sp.gov.br/, 18 de maio de 2013. Penit. I "Dr. Paulo Luciano Campos" de

Avaré. População prisional - atualizada em 16/05/13. Capacidade: 520 População: 494. 132

Disponível em: http://www.sap.sp.gov.br/, 18 de maio de 2013. Penit. II "Maurício Henrique Guimarães

Pereira" de Presidente Venceslau. População prisional - atualizada em 16/05/13. Capacidade: 1248

População: 801. 133

“Art. 66. Compete ao Juiz da execução: [...]

VI - zelar pelo correto cumprimento da pena e da medida de segurança;

VII - inspecionar, mensalmente, os estabelecimentos penais, tomando providências para o adequado

funcionamento e promovendo, quando for o caso, a apuração de responsabilidade; [...]”.

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custodiados, acabam por “castigá-los” e, consequentemente, cometem abusos, o que

acarretaria, nos termos da lei, apuração de responsabilidades, sindicância que, na prática, não

costuma ocorrer.

Por que afirmamos categoricamente a inconstitucionalidade do Regime Disciplinar

Especial?

Analisando a Constituição Federal, a Lei de Execução Penal e até mesmo o Regimento

Interno Padrão das Unidades Prisionais do Estado de São Paulo, fácil é constatar que inexiste

o Regime Disciplinar Especial.

Se inexiste, não poderia ser criado por mera resolução, o que afronta, cabalmente, os

dispositivos constitucionais, até porque é meio de cumprimento de pena mais gravoso ao

custodiado, diferenciando-se do RDD, como dissemos alhures, em pouquíssimas situações.

Agrava, assim, ainda mais, a situação do Sentenciado que pretende outra forma de sobreviver,

fora do crime.

A autoridade administrativa nunca foi critério ideal para determinar a lista de nomes

que deverão ser incluídos no Regime Disciplinar Especial, haja vista que, em muitos casos, os

custodiados são transferidos para o Regime Disciplinar Especial apenas para manter ocultos

os abusos que são cometidos contra eles nas unidades prisionais.

Convém repetir o depoimento de Anderson Souza Roza, que ratifica o que se expõe:

Quero também, através deste histórico, relatar uma vivência que eu passei no RDD

de Presidente Bernardes. As características do regime de RDD são as piores que eu

vivi na cadeia desde quando cheguei, em 12/10/94. Quero iniciar deixando bem

claro como o Estado faz para te internar neste regime. Estava preso no CDP SP onde

veio acontecer uma situação, no pavilhão onde eu estava: fui espancado, fiquei

quase morto de tanto espancamento e fui levado para uma cadeia que é desconhecida

de qual é o regime [cujo regime é desconhecido], em Presidente Venceslau PI.

Chegando lá, fui espancado novamente e fiquei sem poder andar por vários dias.

Fiquei trancado por 60 dias, sem assistência médica e nenhuma outra assistência.

Estava muito machucado e, assim mesmo, fui torturado e espancado por vários

funcionários lá da PI de Presidente Venceslau. Foi feito o pedido de minha

internação no RDD pelo Diretor do CDP, com várias acusações falsas, e o juiz ou a

juíza concedeu minha internação com [base nessas] várias acusações falsas, por 1

ano. O RDD é um inferno para o preso: ficamos 22 horas trancados, [temos] 2 horas

de sol, 2 horas de visita no parlatório, podemos receber sedex 1 vez por mês,

[ficamos] sem televisão, sem rádio; [existem] vários funcionários opressores; fui

espancado na chegada por funcionários e durante este 1 ano que fiquei lá, sofri

perseguição por vários funcionários. Devido estar sendo acusado de agressões a

funcionários da SAP, fiquei 1 ano neste lugar, e esta falta disciplinar virou um

processo. Quando fui desinternado [deixei o regime] do RDD, depois de algum

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tempo, fui ao fórum sumariar, e todos os funcionários da SAP declararam que em

momento algum eu participei de nada e não agredi nenhum funcionário. O juiz me

absolveu. Agora eu pergunto para o Estado: eu fiquei 1 ano sem dever nada no

RDD, quase perdi minha vida pelas torturas e os espancamentos que sofri devido a

estas falsas acusações (quero que a sentença e meu alvará sejam colocados como

prova deste meu depoimento e histórico que faço) e, além disso, agora sou obrigado

a ficar preso numa cadeia de regime diferenciado como [esta] onde estou aqui em

Presidente Venceslau PII. Devido ao RDD, quando vence o período de castigo,

somente mandam para este presídio. Qual será a resposta do Estado para mim que

até hoje estou no silêncio, sofrendo e pagando por toda esta injustiça que fizeram

comigo? Peço resposta!

Salvo melhor juízo e com todo respeito que há pelas opiniões em contrário, é difícil

aceitar que mera resolução tenha o condão de revogar a Lei de Execução Penal, o que, na

prática, é o que se verifica.

O que mais é impactante, quando se observam os termos da Resolução, é o fato de ela

sequer exigir o cometimento de falta grave para a transferência do custodiado ao Regime

Disciplinar Especial.

O enquadramento em qualquer regime mais gravoso não se dá sem que a Lei de

Execução Penal tenha o cuidado de promover, por meio de sindicâncias, a devida apuração de

faltas. Mas para o Regime Disciplinar Especial, muito ao contrário, sequer se faz necessário o

cometimento de faltas. E embora devesse existir petição fundamentada com oitiva do preso e

da defesa, com submissão ao Coordenador Regional da Unidade que, se de acordo, encaminha

o expediente ao Secretário Adjunto para decisão final, não é o que acontece na prática (artigos

3º e 4º da Resolução da SAP).

Ora, o processo de execução penal, como o sugere sua natureza e tramitação, está

submetido ao Poder Judiciário. Mesmo quando se noticiam tais abusos de poder – assim o

entendemos –, nada acontece para apuração das responsabilidades.

Além disso, na Resolução ainda é determinado que antes de sua transferência, deverá

o preso ser cientificado do fato que a ele se imputa, caracterizando a fundamentação para que

a transferência ao Regime Disciplinar Especial ocorra.

Embora todo o expediente devesse ser submetido ao Poder Judiciário, isso não ocorre.

Na prática, observa-se que, por meio da justiça privada, e não sendo caso da imposição do

Regime Disciplinar Diferenciado, os responsáveis pela custódia dos sentenciados realizam sua

transferência para o Regime Disciplinar Especial de forma sumária, sem nenhuma decisão

judicial para validação desses procedimentos.

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Não é por outra razão que afirmamos categoricamente que o Regime Disciplinar

Especial é inconstitucional, violador das garantias mínimas e dos direitos humanos dos

custodiados, tudo porque, embora dito especial, como o próprio nome sugere, não é o que se

observa em seu funcionamento. De acordo com as autoridades administrativas, trata-se de

regime fechado de cumprimento de pena comum, validado pelo Poder Judiciário, que se

mostra alheio a toda a realidade ali encontrada.

Algumas reflexões nos levam a validar, ou não, a argumentação de que se trata de

cumprimento de pena normal:

1. Se, efetivamente, se tratasse de cumprimento de pena normal, parece-nos,

salvo melhor juízo, desnecessária a criação do Regime Disciplinar Especial por meio de

resolução da Secretaria de Administração Penitenciária.

2. Tal resolução estabelece sanções que a Lei de Execução Penal não prevê, o que

afronta diretamente o princípio constitucional de que não há crime sem lei anterior que o

defina, já que não nos parece possível a criação de sanções por meio de resolução de âmbito

administrativo.

3. A própria Resolução ainda determina tempo certo para que os custodiados

permaneçam neste regime, uma decorrência de seu rigor excessivo. Se são violados os direitos

dos presos nas unidades prisionais “normais”, muito mais sujeitos a arbitrariedades ainda

maiores eles estarão no ambiente do Regime Disciplinar Especial.

Dessa forma, é improvável afirmar que se trata de regime fechado comum. Se assim

fosse, qual a motivação para que a Resolução o trate como Regime Disciplinar Especial?

A resposta é clara e certa: não se trata de regime de cumprimento de pena comum,

pois, do contrário, haveria estudo, trabalho, recreação, enfim, haveria respeito e atendimento

integral ao princípio da dignidade da pessoa humana e da humanização da pena, o que, nem

de longe, se observa.

Nesse contexto, que alguns diriam mais se assemelhar à tortura do que a qualquer

outro ambiente ressocializador, pergunta-se: como fica a ressocialização do preso?

Ora, se é direito do preso estudar, trabalhar e ter condições para que seja

ressocializado, parece-nos que tudo o que esteja estipulado de forma contrária e em afronta à

Constituição Federal ou a qualquer lei processual ou de direito material penais, especialmente

a Lei de Execução Penal, é inconstitucional, merecendo a devida responsabilização em cada

caso concreto.

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Se todos os abusos de autoridade e de constrangimento ilegais fossem devidamente

apurados com a mesma dedicação dirigida à apuração de faltas cometidas pelos sentenciados,

certamente o número de vagas nas penitenciárias tenderia a subir drasticamente. A explicação

para isso é simples: as autoridades administrativas responsáveis pela custódia dos

sentenciados, movidas pela certeza da impunidade, cometem arbitrariedades seriíssimas.

Tanto o Regime Disciplinar Diferenciado quanto o Regime Disciplinar Especial só

afastam do sentenciado a esperança de se ressocializar.

Fica-se à mercê de um Estado que fecha os olhos ao que acontece nos contextos da

execução penal, o que só faz perpetuar as arbitrariedades. Tal motivação, por paradoxal que

pareça, é diametralmente oposta à do ícone feminino que, de olhos vendados, carrega a

balança do Direito, cujo simbolismo é a manutenção da imparcialidade.

Numa sociedade em que se paga “na mesma moeda”, a ressocialização torna-se

impossível. E a reinserção do preso na sociedade será apenas a continuidade de um círculo

vicioso, que alternará invariavelmente reclusão, soltura e reincidência. Se não são tratados

como seres humanos no ambiente prisional, como se sentirão em meio à sociedade a que

voltarão, encontrando-se eles – se não piores – tais quais eram quando dela foram alijados?

Lamentamos que formas de isolamento como as preconizadas no RDD e no RDE

ainda sejam meios utilizados para se alcançar a punição do Sentenciado. Em tempo: ele tem

de ser punido pelas ações que praticou. Em momento algum, pensa-se que o comportamento

alheio ao Direito deva ser presenteado. Todavia, discordamos de que o isolamento seja a

medida com a qual se possa fazer justiça nesse caso. E mais: se a pena tem como finalidade a

ressocialização, sabe-se que esta será impossível de ser alcançada por meio do isolamento,

que, vale destacar, só pode ser imposto por meio de decisão judicial.

No entanto, quanto ao Regime Disciplinar Especial, embora a Resolução faça alusão à

necessidade de apreciação judicial, esta nunca ocorre.

Quando se passa a refletir sobre as considerações até aqui expostas, é inevitável

constatar que embora o direito penal observe diretamente os princípios estabelecidos

constitucionalmente, tais como o da legalidade, da igualdade, da culpabilidade, da

individualização da pena, da dignidade da pessoa humana e, especialmente, o da humanização

da pena, eles apenas serão alcançados por meio de decisões judiciais.

A figura do juiz ganha um destaque enorme, especialmente se se considerar que ele se

lembrará de que o preso já está com a sentença fixada. Mas compete ao juiz da vara de

execuções penais e da corregedoria dos presídios estar atento e verificar que, no sistema

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prisional, uma gama de abusos de poder e de autoridade são cometidos e que se não houver o

mínimo de dignidade e de humanização da pena, não se ressocializará pessoa alguma.

Não é por outra razão que Alberto Silva Franco assim preleciona em relação à atuação

do juiz:

Não pode, por isso, em face de violações ou de ameaças de lesão aos direitos

fundamentais constitucionalmente consagrados, permanecer em estado de inércia ou

de indiferença ou mesmo admitir que o legislador se interponha indevidamente entre

ele e a Constituição.134

Tutelar os direitos fundamentais é requisito nuclear no Estado Democrático de Direito.

Vale destacar que a própria Lei de Execução Penal, no artigo 66, incisos VI, VII e

VIII, determina que:

Compete ao juiz da execução zelar pelo correto cumprimento da pena e da medida

de segurança; inspecionar, mensalmente, os estabelecimentos penais, tomando

providências para o adequado funcionamento e promovendo, quando for o caso, a

apuração de responsabilidade; interditar, no todo ou em parte, estabelecimento penal

que estiver funcionando em condições inadequadas ou com infringência dos

dispositivos desta Lei.

Pensamos que o juízo da execução penal e da corregedoria dos presídios detém o

dever de garantir os direitos fundamentais dos sentenciados porque, como se abordou, eles já

foram devidamente julgados e sentenciados em face da prática delituosa que cometeram.

Entretanto, no momento em que se executa a pena, é impossível não reconhecer a

hipossuficiência do sentenciado, que está sujeito, efetivamente, ao arbítrio das autoridades

administrativas, o que pode resultar em abusos.

O objetivo da ressocialização é garantir o exercício dos direitos fundamentais, como

preceituados nos artigos 3º e 66, inciso VI, da Lei de Execução Penal. Devem-se, sempre que

isso não ocorrer, apurar abusos e desvios e responsabilizar os implicados.

Toda e qualquer ação relacionada aos Sentenciados, seja no ambiente prisional, seja no

âmbito judicial, deve ter fins garantistas, relembrando sempre o artigo 38, do Código Penal,

que informa que todos os demais direitos dos Sentenciados são resguardados.

Logo, os direitos fundamentais não poderão ser relativizados, minorados ou

prejudicados. É imprescindível o cumprimento da Lei de Execução Penal, bem como de todas

as demais normas que regem a execução penal, desde que estejam de acordo com a

134

FRANCO, Alberto Silva. O juiz e o modelo garantista. Boletim do IBCCrim, n. 56, jul. 1997, p. 2.

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Constituição Federal e as Regras Mínimas de Tratamento do Recluso, o que hoje não se

visualiza no contexto em estudo.

Dessa forma, a progressão de regimes só deveria ser concedida se o Sentenciado se

esforçasse, fosse por meio do estudo, fosse por meio do trabalho. Significaria o exercício do

próprio direito para ele garantido e a responsabilidade do Estado em conceder condições para

esse exercício.

Se o Sentenciado não quiser se integrar, deixando de participar dos estudos ou da

estrutura profissionalizante, deverá cumprir sua pena integralmente, sem direitos à progressão.

No entanto, se ele deseja se ressocializar, de forma a aprimorar sua formação

educacional e/ou profissional, deve lhe ser concedida a remição. Não sendo a ele

disponibilizados os meios, deverá o Poder Judiciário reconhecer a remição mesmo assim, já

que o Sentenciado não pode ter seus direitos diminuídos em razão da falência do Estado que o

custodia.

Como não há atendimento aos direitos fundamentais do Sentenciado e cumprimento

da lei a que todos estamos submetidos, há de se responsabilizar o Estado e dele requerer

indenização, se assim o decidir o Sentenciado, pelos danos da omissão do primeiro quanto à

oferta das medidas de ressocialização devidas a este último.

3.2 Considerações para desenvolvimento do estudo no âmbito prisional

O Capítulo II da Lei de Execução Penal, no artigo 10, dispõe que “a assistência ao

preso e ao internado é dever do Estado, objetivando prevenir o crime e orientar o retorno à

convivência em sociedade.”

O artigo 11 acrescenta que a assistência será I - material; II - à saúde; III -jurídica; IV -

educacional; V - social e VI - religiosa.

Não há quaisquer dúvidas sobre o dever do Estado: prevenção do crime e orientação

do preso quanto a seu retorno à convivência em sociedade.

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Quaisquer pensamentos sobre responsabilidade civil têm ocasião exatamente quando

se viola um dever legal.

Ao dispor, na seção V, do Capítulo II da Lei de Execução Penal135

, sobre a assistência

educacional, o legislador o faz com o objetivo precípuo de ressocializar.

Em plena era digital, em que muitas escolas, faculdades e universidades oferecem

ensino a distância, é inconcebível pensar que o Estado prescinda de estrutura básica para o

atendimento desta regra que, minimamente, deveria ser fundamental.

Há de se destacar que:

Em um espaço repressivo, como é o caso das prisões, a escola tem seu significado e

sua essência mantidos, no estabelecimento de vínculos e de intersubjetividades. Se

buscamos caminhos para a educação brasileira por se acreditar na sua

transformação, se buscamos uma sociedade mais justa em favor daqueles que

historicamente tiveram negado o acesso aos direitos essenciais à vida humana, e

entre eles os direitos educativos, se apostamos no poder dos educadores porque em

qualquer situação o possível existe e pode ser realizado, desde que tenhamos desejo

de mudança, há que se incluir, nessa possibilidade, a educação dos excluídos que

vivem no interior das unidades prisionais.136

Na prisão, há leis próprias que são criadas pelo “poder legislativo” dos Sentenciados,

para uma convivência “harmônica”.

Se o Estado fornecesse apenas os meios para que eles pudessem estudar,

exemplificativamente, não haveria quaisquer empecilhos como superlotação, falta de pessoal

preparado, pois eles mesmos se organizariam para a realização da tarefa, simplesmente

porque teriam um objetivo: remição da pena e progressão de regime.

Não desconsideramos que, obviamente, muitos, por opção, não participariam do

processo restaurativo, mas o que não se pode negar é que parte deles participaria. No entanto,

135

Art. 17. A assistência educacional compreenderá a instrução escolar e a formação profissional do preso e do

internado.

Art. 18. O ensino de 1º grau será obrigatório, integrando-se no sistema escolar da Unidade Federativa.

Art. 19. O ensino profissional será ministrado em nível de iniciação ou de aperfeiçoamento técnico.

Parágrafo único. A mulher condenada terá ensino profissional adequado à sua condição.

Art. 20. As atividades educacionais podem ser objeto de convênio com entidades públicas ou particulares, que

instalem escolas ou ofereçam cursos especializados.

Art. 21. Em atendimento às condições locais, dotar-se-á cada estabelecimento de uma biblioteca, para uso de

todas as categorias de reclusos, provida de livros instrutivos, recreativos e didáticos. 136

Disponível em: http://alb.com.br/arquivo-morto/edicoes_anteriores/anais16/sem01pdf/sm01ss09_01.pdf.

Acessado em: 30 de maio de 2013. EDUCAÇÃO DE ADULTOS PRESOS: RESGATANDO A CIDADANIA

PELA LEITURA E ESCRITA. Elenice Maria Cammarosano Onofre.

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a propósito de uma pretensa pequena adesão e dadas as desculpas do Estado quanto a

superlotação e falta de pessoal, retira-se complementamente do Sentenciado sua única

possibilidade de sair da vida da delinquência: formação educacional e profissional.

O não atendimento ao que preceitua o artigo 20 da Lei de Execução Penal, sobre a

possibilidade de realizações de convênios com entidades públicas ou particulares, expõe a

desprezível, e ao mesmo tempo incompreensível, atuação do Estado: opta-se por manter na

ignorância um número grande de presos e, em decorrência, continuar a construir dezenas de

penitenciárias, em vez de por iniciar o processo de ressocialização, talvez em razão de esta

última iniciativa conter o potencial de subsidiar pessoas intelectualmente, com o que

poderiam se voltar contra tantas arbitrariedades do Estado.

Interessa-nos, nesse sentido, determo-nos sobre o depoimento de Luciano Silva:

[...] sem dizer que, nos dias de hoje, nossas prisões nada mais são que a herança das

prisões do tempo da ditadura. Eu não vi e não vivi na época, mas li muitos livros e

artigos a respeito. Vivo hoje a ditadura de 2013: do passado até o presente, o que

mudou só foram os governantes e a forma que eles agem nestes tempos modernos. E

vale lembrar que grandes chefes de nações, por exemplo o Lula e a Dilma, no Brasil,

e Nelson Mandela, na África do Sul, foram presidentes da República em seus países

e com uma coisa em comum comigo: todos foram ex-presidiários, [assim] também

tantos outros políticos do nosso país que estão em pleno poder. Então, por que não

olham com mais humanidade e menos preconceito [para nós, os sentenciados, e

reconheçam] que merecemos o direito de oportunidade? Que vocês, governantes,

façam algo concreto para ressocializar o sentenciado, pois só assim as condições dos

presos do nosso país verdadeiramente mudarão. E que possamos viver dignamente

as nossas vidas ao lado de nossas famílias. [Dessa forma,] com certeza menos

reincidência de crime haverá! [...]

A propósito desse investimento na formação educacional dos presos, podemos evocar

a utilidade e conveniência do ensino a distância para o processo. Bastaria, para sua

operacionalização, que o Estado autorizasse a remessa de material de estudo, sem restrições

quanto ao endereço de onde partisse a demanda.

Esse primeiro passo, no entanto, ainda não seria suficiente. A superlotação, a falta de

higiene, entre outras condições desumanas que caracterizam as celas brasileiras, não

forneceriam um ambiente adequado para ensejar qualquer tipo de estudo. Às dificuldades que

o preso atravessa em razão da violação de seus direitos, somar-se-ia uma outra: estudar em

meio a tão conturbado e inapropriado ambiente.

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Há iniciativas que pretendem efetivar a formação educacional, tal como ocorre com

um projeto de incentivo à leitura voltado aos presos catarinenses.

A gente vive apenas dentro deste mundo, e ler me ajuda bastante”, revela,

timidamente, M.Z., que está cumprindo pena no Presídio Regional de Joaçaba (SC)

por tráfico de drogas. Agora, aos 40 anos, ela começa a descobrir o prazer da leitura

e desbravar outra realidade a partir de grandes clássicos. Márcia e outros 60 detentos

fazem parte do Projeto Reeducação do Imaginário, implementado há oito meses na

Vara Criminal do município, pelo juiz de Direito Márcio Umberto Bragaglia.137

Para este juiz,

O projeto visa à reeducação do imaginário dos apenados pela leitura de obras que

apresentam experiências humanas sobre a responsabilidade pessoal, a percepção da

imortalidade da alma, a superação das situações difíceis pela busca de um sentido na

vida, os valores morais e religiosos tradicionais e a redenção pelo arrependimento

sincero e pela melhora progressiva da personalidade, o que a educação pela leitura

dos clássicos fomenta.138

Observa-se, aqui, que por meio da ação do Poder Judiciário, intervenção importante

para dar vida à lei, implantou-se o Projeto Reeducação do Imaginário.

O entrave da inadequação do ambiente para a implementação dos estudos teria, ainda,

um desdobramento: seria necessário destacar um recinto específico para a realização das

avaliações, prática obrigatória na modalidade de ensino a distância.

Outra demanda, além do lugar, seria pessoal administrativo para aplicar as avaliações,

algo, no entanto, bem mais plausível de ser resolvido do que o atendimento às providências

anteriores. Sob que justificativa se alegaria a insuficiência de funcionários para esse mister,

uma vez que tais aplicações costumam ocorrer, em média, duas ou três vezes no semestre, seis

vezes ao ano, no máximo?

Considerando-se a necessidade – diríamos, inclusive, urgência – da implementação

das medidas até aqui discutidas, que proporcionem reeducação ao Sentenciado, devemos

perguntar: qual é o dano que o Estado causa na vida do indivíduo quando não o ressocializa?

Podem-se tecer algumas considerações.

137

Disponível: http://www.livrosepessoas.com/2013/07/23/projeto-com-presos-catarinenses-estimula-a-

reeducacao-atraves-da-leitura/ Acesso em 25 de junho de 2013. 138

Disponível: http://g1.globo.com/sc/santa-catarina/noticia/2012/11/presos-que-lerem-dostoievski-terao-pena-

reduzida-em-comarca-de-sc.html. Acesso em 25 de junho de 2013.

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1. Ao retornar à sociedade, qual será a função social deste indivíduo dentro dela?

Independentemente do crime cometido, este indivíduo é um filho, um pai de família,

um irmão, um tio, enfim, um parente de alguém, possivelmente com a necessidade de manter

a própria família ou a si próprio.

Mas em quais condições a sociedade o recebe? Nas mesmas em que acabou de sair da

cadeia: como um preso, ou melhor, como sendo, a partir de então, o eterno ex-presidiário,

que, obviamente, não recebeu do Estado quaisquer amparos para que se ressocializasse. De

volta à sociedade, dificilmente encontrará empresas que lhe deem bolas para serem costuradas

ou condições mínimas de sobrevivência.

Quando este indivíduo for procurar se recolocar no mercado de trabalho, quais serão

as suas chances reais, considerando-se, além do rótulo inseparável que lhe deprecia, a

ausência quase completa de qualificação?

Se, por um lado, a sociedade lhe fecha as portas, ele e sua família, por outro, não

deixam de ter necessidades. E estas, sobretudo quando não são satisfeitas, costumam

transformar negativamente as pessoas.

2. A pecha de ser o eterno ex-presidiário.

Quando se pensa na ressocialização, há de se considerar que dificilmente um ex-

presidiário consegue um trabalho. O estudo, sem dúvida, pode lhe deparar oportunidades, mas

a folha de antecedentes sempre deporá contra ele. Ora, se ele já pagou o que devia para a

sociedade, não lhe caberia como direito estar isento de tal negativação? Em outras palavras, o

acesso ao histórico passado de condenações não deveria ser uma prerrogativa exclusiva do

Poder Judiciário, especificamente dos membros do Ministério Público e dos Magistrados?

No entanto, subsiste, à semelhança de um traço hereditário, para quem quer que deseje

examiná-la, a marca de ex-presidiário, com a qual, efetivamente, sua reinseção na sociedade

fica bem difícil.

Na prática, as seguintes situações são encontradas pelos egressos do cárcere:

Depois que saí de [fui posto em] liberdade pela primeira vez, me deparei com

diversas dificuldades. Exemplo: donos de empresas (empresários) não me deram

uma simples oportunidade; ao contrário, fecharam as portas e ignoraram minha força

de vontade. Em pouco tempo, fiz diversas entrevistas para empregos, algumas

empresas até gostaram da minha postura, do meu diálogo etc. Mas ao se depararem

com minha ficha criminal, fui condenado pelo passado. Só esqueceram que sou ser

humano e mereço uma oportunidade. (Alex Leandro Bispo dos Santos)

[...] Neste período que estive em liberdade, não tive a oportunidade de trabalho,

porque infelizmente todas as portas foram fechadas para mim. Vagas para emprego

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até tinha [havia]. Mas quando relatava minha vida de ex-presidiário, ninguém me

aceitava. Sempre alegavam que não seria possível, por eu ter problema com a justiça

e ser ex-presidiário, e isso me deixava muito frustrado. (Luciano Silva)

[...] Minha primeira dificuldade foi me ressocializar com as pessoas, pois pude ver

como as pessoas são preconceituosas com quem passa na [pela] cadeia,

principalmente nos [em razão dos] crimes de assalto. As pessoas olham pra você

com desconfiança, observam todos os seus movimentos quando você entra em

algum lugar, como numa casa de uma pessoa que saiba que você estava preso, numa

loja, supermercado etc. São muitos os preconceitos sofridos pelas pessoas que

passam na [pela] cadeia. Um emprego? Nem pensar! Quando é puxado seu

antecedente criminal e é visto que você foi condenado por assalto, a primeira coisa

que vão pensar é que você vai trabalhar ali para mandar alguém até o local cometer

um roubo. Ou até mesmo, quando acontece alguma situação onde você trabalha, a

primeira pessoa que vai se tornar um suspeito é aquele que tem antecedente

criminal. Isso quando não corre o risco de ir preso, injustamente, na covardia.

Muitas vezes presenciei acontecer isso, já estive preso com várias pessoas assim [...].

(Anderson Souza Roza)

Embora a Lei de Execução Penal discipline a assistência aos egressos139

, constata-se,

como exposto anteriormente, a inexistência de sua aplicação.

Vale pôr em relevo a descrição de Percival de Souza:

O Brasil possui hoje 514 mil prisioneiros, representação da quarta maior população

carcerária do mundo, perdendo apenas para os EUA (2,2 milhões), China (1,6

milhão) e Rússia (740 mil). Só que a disponibilidade brasileira de vagas é de 306

mil, em 1.312 estabelecimentos prisionais – déficit, portanto, de 208 mil vagas. Criar

uma vaga nova custa hoje pelo menos R$ 20 mil. Assim, suprir as vagas custaria R$

4,2 bilhões. O DEPEN (Departamento Penitenciário Nacional) calcula que deste

meio milhão de presos, 37% são provisórios. Laborterapia? 82% não trabalham. É

preciso subsidiar a ociosidade. O custo de um preso chega a R$ 1.500,00,

aumentando para R$ 4.500,00 em presídios de segurança que se pretende máxima,

mas não consegue ser. Nelson Mandela, com o seu sofrimento de 30 anos no

cárcere, ensinou: “Para avaliar a situação socioeconômica de um país, visite as suas

prisões”.140

Pergunto a um homem que passou aproximadamente cinco anos no Regime

Disciplinar Diferenciado (em que só se dispõe de livros, não há televisores nem rádios, e o

sentenciado fica sozinho em uma cela fechada a ponto de não enxergar sequer o pátio, em um

139

Art. 25. A assistência ao egresso consiste:

I - na orientação e apoio para reintegrá-lo à vida em liberdade;

II - na concessão, se necessário, de alojamento e alimentação, em estabelecimento adequado, pelo prazo de 2

(dois) meses.

Parágrafo único. O prazo estabelecido no inciso II poderá ser prorrogado uma única vez, comprovado, por

declaração do assistente social, o empenho na obtenção de emprego.

Art. 26. Considera-se egresso para os efeitos desta Lei:

I - o liberado definitivo, pelo prazo de 1 (um) ano a contar da saída do estabelecimento;

II - o liberado condicional, durante o período de prova.

Art. 27. O serviço de assistência social colaborará com o egresso para a obtenção de trabalho. 140

SOUZA, Percival de. Cárceres Selvagens. Tribuna do Direito. Ano 20, nº 237 (São Paulo, janeiro de 2013),

p. 12.

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universo que é equivalente, em tamanho, a um banheiro de um apartamento médio – mais ou

menos, cinco metros quadrados) se ele gosta de determinado gênero literário, pois havia lido

inúmeros livros durante o confinamento. A resposta é surpreendente: o hábito da leitura que,

sem dúvida, é excelente, para ele tornou-se algo difícil, pois leu compulsoriamente muitos

livros, já que foi esta a opção encontrada para não enlouquecer. Atualmente, a experiência

com a leitura o remete inescapavelmente a lembranças ruins e sensações que transformaram

um hábito prazeroso numa tarefa insuportável e traumática.

Esta opinião reflete a experiência comum de um sem-número de Sentenciados.

Vejamos, a seguir, a divulgação de dois exemplos de situações em que o Estado

viabiliza condições mínimas para a ressocialiazão, prova inequívoca de que a adoção desta

medida é possível.

Presos do Sistema Penitenciário participam até quinta-feira (25) da próxima semana

do Curso de Mediação de Leitura. Parceria entre a Secretaria de Estado da Justiça,

Cidadania e Direitos Humanos e a Fundação Cultural de Curitiba permitiu também a

doação de livros para o programa de remição de pena pelo estudo e leitura,

implantado pela Secretaria nos estabelecimentos penais do Estado.

Participam do curso 35 mulheres na Penitenciária Central Feminina do Paraná

(PCEF) e 20 homens da Penitenciária Central do Estado (PCE), unidades de regime

fechado instaladas em Piraquara, Região Metropolitana de Curitiba. O curso é

ministrado pela Fundação, no recesso escolar, como reforço ao Projeto de Remição

da Pena pelo Estudo através da Leitura.

A parceria foi firmada com a Coordenadoria de Educação, Qualificação e

Profissionalização de Apenados, do Departamento de Execução Penal (Depen),

vinculado à Secretaria de Estado da Justiça.

DOAÇÃO – Em outra ação, a FCC vai doar cerca de 500 livros ao Depen, pela Casa

da Leitura. A entrega será feita às 10 horas desta quarta-feira (17/07), na sede da

FCC. A doação de livros surgiu com o curso de Mediação de Leitura denominado

“A Fase Hieroglífica do Pensamento”, que será ministrado por dois servidores da

FCC. O curso consiste em intervenções orientadas e quatro eixos condutores:

Leitura, Literatura, Contação de Histórias e Ludicidade.141

Presos vão poder diminuir pena com horas de leitura.

BRASÍLIA - Os presos que se dedicarem à leitura de obra literária clássica,

científica ou filosófica poderão ter as penas, em regime fechado ou semiaberto,

reduzidas. A cada publicação lida, a pena será diminuída em quatro dias. No total, a

redução poderá chegar a 48 dias em um ano com a leitura de até 12 livros, de acordo

com a Portaria 276 do Departamento Penitenciário Nacional (Depen) publicada

nesta sexta-feira no Diário Oficial da União.

As normas preveem que o detento terá o prazo de 21 a 30 dias para a leitura de uma

obra literária disponibilizada na biblioteca de cada presídio federal. Ao final, terá

que elaborar uma resenha que será analisada por uma comissão de especialistas em

assistência penitenciária. O participante do projeto contará com oficinas de leitura.142

141

Disponível em: http://www.aen.pr.gov.br/modules/noticias/article.php?storyid=75563&tit=Parceria-leva-

estudo-e-leitura-para-presos. Acessado 27/07/2013. 142

Disponível em: http://oglobo.globo.com/pais/presos-vao-poder-diminuir-pena-com-horas-de-leitura-5284411.

Acessado em 19 de dezembro de 2012.

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Já na antiguidade clássica, Platão escrevia em sua obra “A República” um raciocínio, a

nosso ver ainda hoje atual, que tomamos à guisa de censura não aos projetos em si, mas à

forma como são levados a efeito: “tudo que é imposto pela força não permanece na alma”.

Não existe estímulo, o famoso “mecanismo de recompensa” é anulado. Não há, por

parte do Estado, nada que mereça ser chamado de “ressocialização”. Apenas o “punir”

permanece.

3.3 Considerações para desenvolvimento da formação profissional no âmbito prisional

É possível conceder ao Sentenciado formação educacional e profissional, embora não

se possa negar o imenso trabalho que demandará a implementação destas práticas.

“O ditado ‘com o suor do teu rosto hás de comer o teu pão’ é tão verdadeiro quanto o

que lhe opomos: ‘na luta, hás de encontrar o teu direito’. No momento em que o direito

desiste de sua capacidade de luta, está desistindo de si mesmo.”143

Não é por outra razão que,

enxergando a hipossuficiência dos Sentenciados, mesmo dos piores criminosos que se possa

imaginar, o Poder Judiciário deve coibir todo tipo de abuso de poder contra eles, estando para

os seus direitos fundamentais tanto quanto a Constituição Federal está para tutelar quaisquer

leis que a violem. No entanto, é preferível crer na resistência a crer que “nem mesmo o senso

de justiça mais forte resiste, por muito tempo, a um sistema jurídico corrupto – ele acaba

embotado, estilado e degenerado.”144

O trabalho é um direito social, garantido constitucionalmente, inclusive ao preso, que

segundo o artigo 39 do Código Penal, “[...] conserva todos os direitos não atingidos pela perda

da liberdade, impondo-se a todas as autoridades o respeito à sua integridade física e moral.”

Se ele conserva todos os direitos, imagina-se que especialmente os fundamentais

integrem essa lista. Mas sabe-se que se trata de utopia legal, como o atestam os dados a

seguir:

Segundo levantamento feito pelo Instituto Avante Brasil, com dados do InfoPen,

apenas 17% do total de presos brasileiros exerciam algum tipo de atividade laboral

143

IHERING, Rudolf von (1818-1892). A luta pelo direito. Tradução de J. Cretella Jr. e Agnes Cretella. 6ª ed.

rev. da tradução. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2010, p. 127. 144

Ibid., p. 105.

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dentro do sistema penitenciário, em 2012. Dos quase 550.000 presos, cerca de

92.000 trabalhavam em atividades dentro dos presídios, 167 para cada grupo de

1.000 presos. Nos últimos 5 anos, o número de presos que trabalham dentro das

prisões cresceu 6%, mas a média ainda é baixa, 164 presos para cada 1.000

habitantes.145

Se, por um lado, a realização deste estudo tem como justificativa a precariedade ou a

inexistência de medidas de ressocialização dirigidas aos Sentenciados, por outro, à medida

que descreve e desvenda tal realidade, passa a propor intervenções, sobretudo quando delineia

mudanças substanciais que a formação educacional dos presos, desde que efetivamente

garantida pelo Poder Judiciário, pode desencadear.

Se for superada a primeira fase da ressocialização, que deveria, em nosso entender,

partir sempre do estudo, com o qual ter-se-ia mão de obra qualificada, o passo seguinte seria

garantir o trabalho em todas as prisões brasileiras, independentemente das desculpas

administrativas que costumam oferecer resistência a essa concretização.

Tais desculpas para inviabilizar o direito do Sentenciado só persistem porque os

operadores do direito que trabalham na execução penal não cobram das autoridades

competentes o seu posicionamento.

Já mostramos anteriormente que o trabalho é direito do preso. Logo, se o Estado não

estabelece a conexão para desenvolvê-lo, estará cometendo um ilícito, minimamente civil.

Vale ressaltar que a responsabilidade do Estado é objetiva e, nestes termos, os únicos

requisitos para a demonstração do ilícito são: dano e nexo de causalidade, sendo dispensada,

por completo, a análise da culpa que, neste caso especialmente, traria como previsíveis

justificativas, entre outras, a falta de mão de obra e a falta de locais adequados.

A lei não admite desculpas para o que a viola. Resta saber se essa máxima se sustenta

quando, do lado oposto, está o Estado.

O trabalho deve ser possibilitado sempre ao sentenciado, competindo a este optar ou

não por realizá-lo.

Nunca deveria restar-lhe uma única opção, a de não trabalhar nem estudar, em razão

da inexistência da oferta, mesmo que o tom de cobrança da sociedade seja elevado, haja vista

145

Disponível em: http://www.lfg.com.br/conteudos/artigos/direito-criminal/artigo-prof-luiz-flavio-gomes-

populacao-carceraria-e-trabalho-nas-penitenciarias. Acessado em 19 de maio de 2013.

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que o sentenciado está em situação de hipossuficiência: se não lhe derem as refeições básicas,

ele não come; se não lhe derem o tratamento médico necessário, ele morre; se não lhe derem

os pertences que a família leva, ele não sobrevive. O Sentenciado encontra-se vulnerável e

dependente, necessitado, tal qual uma criança, de que outrem o assista.

O trabalho é o que garantirá sua ressocialização. Só por meio da capacitação

educacional e do amparo do trabalho é que ele terá uma oportunidade de não voltar para trás

das grades.

Apenas visualizando a possibilidade de sair e ter algo com o que se ocupar licitamente,

é que o Sentenciado agirá motivado a conquistar a reeducação que, até o presente momento, o

Estado lhe recusa ou dificulta.

Não adianta o Estado postergar o retorno do preso à sociedade, pois há uma certeza:

ele voltará! Do contexto que envolve sua saída e das perspectivas com as quais deixa o

cárcere dependem a maneira como se conduzirá e as interações sociais que passará doravante

a ter.

O Estado viola diariamente o direito do Sentenciado ao trabalho, pois ao mesmo

tempo em que o afirma, deixa de propiciar os meios para sua concretização. Dessa forma,

toda vez que não cumpre o seu papel de ressocializador, omitindo-se quanto à formação

profissional de seus custodiados, o Estado deve ser responsabilizado.

3.4 Formação moral

Por meio do trabalho, garante-se ao Sentenciado a remuneração, como determina o

Código Penal: “Art. 39 - O trabalho do preso será sempre remunerado, sendo-lhe garantidos

os benefícios da Previdência Social.”

O que é remuneração?

Nos termos utilizados no artigo 39, significa “Ato ou efeito de remunerar. 1.

retribuição por serviço ou favor prestado; recompensa, prêmio. 2. gratificação, ger. em

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dinheiro, por trabalho realizado; salário, recompensa, gratificação.”146

Já para o direito do

trabalho, o sentido é outro: “REMUNERAÇÃO. 1. Direito do trabalho. A) Pagamento

esporádico a que faz jus o empregado, apesar de não estar incluído no salário, por ter sido

ajustado no contrato trabalhista (Othon Sidou). [...]”.147

O sentenciado pode ter sido condenado também na pena restritiva de direito de

prestação pecuniária e na pena de multa.

A prestação pecuniária é uma das penas restritivas de direito, prevista no artigo 43,

inciso I, do Código Penal. Sua finalidade visa exclusivamente ao ressarcimento dos danos

causados em decorrência do cometimento do delito.

Ao contrário da prestação pecuniária, a pena de multa é aplicada em alguns crimes,

diferenciando-se por seu caráter personalíssimo. Os valores obtidos por intermédio da pena de

multa são destinados ao Fundo Penitenciário.

Há critérios próprios para sua fixação. No entanto, o que nos interessa é a pena com

caráter cumulativo à pena privativa de liberdade.

Para o cálculo da pena, utiliza-se o critério “dia-multa”, considerando o rendimento do

condenado durante um mês e dividindo-o pelo total de dias de um ano, isto é, 365. Há, ainda,

a regra de que o juiz não poderá fixá-la em menos de um trigésimo do salário mínimo mensal

de referência vigente no tempo do fato, nem em mais de cinco vezes esse mesmo salário. A

ideia é de que a pena de multa deva corresponder à renda média adquirida por meio do crime

em um dia.

Nesse ponto, divisa-se a terceira responsabilidade do Estado: se a pena de multa for

atribuída juntamente com a pena privativa de liberdade, como terá o Sentenciado condições

de efetuar este pagamento? Sem muito rodeio e salvo entendimento em contrário, apenas se

delinquindo novamente.

Ora, como pode o Sentenciado progredir de regime se, em razão de ter sido condenado

em pagamento pecuniário, deve financeiramente ao Estado e, ato contínuo, assiste, impotente,

à omissão deste último quanto ao cumprimento da lei que poderia viabilizar sua

ressocialização?

146

HOUAISS, Antônio; VILLAR, Mauro de Salles. Dicionário Houaiss da língua portuguesa, elaborado pelo

Instituto Antônio Houaiss de Lexicografia e Banco de Dados da Língua Portuguesa S/C Ltda. 1. Ed. Rio de

Janeiro: Objetiva, 2009, p. 1643. 147

DINIZ, Maria Helena. Dicionário jurídico. 2ª ed. rev. autal. e aum. São Paulo: Saraiva, 2005, p. 154.

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Por essa razão, maior é a necessidade do atendimento integral ao direito do

Sentenciado ao trabalho.

Apenas por meio do trabalho, ele será remunerado e, em tese, ao progredir de regime,

terá efetuado um pagamento considerável do que deve como pena de multa.

O que precisa ser urgentemente reavaliado é a indevida atribuição a ele de toda a

responsabilidade: prover a própria ressocialização, que inclua formação educacional e

profissional, e deixar o cárcere sem ter tido oportunidade de amortizar, o mínimo que fosse,

sua dívida financeira com o Estado.

Quando o Sentenciado sair, vale lembrar, ele integrará uma sociedade. Mas não é só

isso: muito provavelmente, ele terá uma família, em relação à qual volta a assumir

responsabilidades que, ao menos inicialmente, deveriam ser compartilhadas com o Estado,

cujo compromisso constitucional não pode se desviar de continuar tutelando seu ex-

custodiado até que este recupere plenamente sua cidadania e dignidade.

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4 - RESPONSABILIDADE CIVIL DO ESTADO NA RESSOCIALIZAÇÃO DO

SENTENCIADO

“A nação precisa cuidar de seus presos e respeitá-los, pois hoje eles estão contidos,

mas amanhã eles estarão contigo.”

Frase atribuída ao Deputado Domingos Dutra, do PT.

Nesta seção, pretendemos apresentar um breve histórico da responsabilidade civil para

que se possa demonstrar a responsabilidade do Estado na ressocialização do Sentenciado.

Sabe-se que, nos primórdios da responsabilização, praticava-se a vingança privada e

coletiva, cabendo a cada pessoa que sofresse a lesão defender-se do mal da forma que melhor

lhe conviesse. A regra era que a pessoa que sofresse a lesão respondesse na mesma proporção

da agressão recebida, muito embora esta exatidão não fosse possível efetivamente.

Vê-se que neste momento inicial, não havia quaisquer regras ou limites para que as

pessoas observassem.

Superada essa fase, surge a lei que estipula o momento e a forma de o lesado poder

exercer o direito de retaliação. É a fase da Lei das XII Tábuas, em que se verifica a justiça

realizada pelas próprias mãos. Embora houvesse alguma norma, esta não era bem definida.

Prevalecia o exercício do brocardo “olho por olho, dente por dente”.

Após o período de retaliação, inicia-se o da composição.

Na composição, veda-se, em princípio, a utilização da justiça pelas próprias mãos,

devendo as partes acatarem o que a autoridade designar, uma vez que a composição é

disciplinada pelo legislador.

Como forma de composição, a pessoa que sofria a lesão recebia coisa ou valor para

compensar o dano experimentado, embora ainda lhe fosse possibilitada, mesmo que de forma

mínima, a escolha entre a vingança privada e a composição.

Em seguida, surge o Estado, que, além de assumir a função de punir, mantém

subordinados todos os seus cidadãos.

Em síntese, José de Aguiar Dias explica do seguinte modo a evolução da

responsabilidade civil no direito romano:

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da vingança privada ao princípio de que a ninguém é lícito fazer justiça pelas

próprias mãos, à medida que se afirma a autoridade do Estado; da primitiva

assimilação da pena com a reparação, para a distinção entre responsabilidade

civil e responsabilidade penal, por insinuação do elemento subjetivo da

culpa, quando se entremostra o princípio nulla poena sine lege. Sem dúvida,

fora dos casos expressos, subsistia na indenização o caráter de pena. Mas os

textos autorizadores das ações de responsabilidade se multiplicaram a tal

ponto que, no último estágio do direito romano, contemplavam, não só os

danos materiais, mas também os próprios danos morais.148

Realizada esta introdução à responsabilidade, convém destacar que o tema deste

trabalho remete-se diretamente à necessidade de se responsabilizar o Estado em face da não

ressocialização do Sentenciado.

Isso porque, como adverte Rui Stoco, “segundo a melhor doutrina, a ideia da

responsabilidade do Estado é uma consequência lógica, inevitável de Estado de Direito.”149

Sabe-se, igualmente, que o direito não se antecipa às situações de todas as ordens, não

sendo possível ao legislador antever todas as possibilidades de situações jurídicas que possam

ensejar a tutela do direito.

No entanto, uma vez constatada sua violação, cabe aos operadores possibilitar que o

direito seja amplamente efetivado, devendo se tornar eficaz o quanto antes possível.

No âmbito da responsabilidade civil não é diferente. Quanto, porém, à

responsabilidade civil específica do Estado na ressocialização do Sentenciado, inexiste

material acerca do assunto.

Não se fala, em momento algum, da responsabilidade do próprio Estado, muito

embora Celso Antônio, citado por Rui Stoco, afirme que “A responsabilidade do Estado

governa-se por princípios próprios, compatíveis com a peculiaridade de sua posição jurídica e,

por isso mesmo, é mais extensa que a responsabilidade que pode calhar às pessoas

privadas.”150

Independentemente da espécie, como assevera José de Aguiar Dias,

148

DIAS, José de Aguiar. Da responsabilidade civil. 11ª ed. Rio de Janeiro: Renovar, 2006, p. 29-30. 149

STOCO, Rui. Tratado de responsabilidade civil: doutrina e jurisprudência. 8ª ed. rev., atual. e ampl. São

Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2011, p. 1124. 150

Ibid.

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[...] todos os casos de responsabilidade civil obedecem a quatro séries de exigências

comuns: a) o dano, que deve ser certo, podendo, entretanto, ser material ou moral; b)

e a relação de causalidade, a causal connexion, laço ou relação direta de causa e

efeito entre o fato gerador da responsabilidade e o dano são seus pressupostos

indispensáveis; c) a força maior e a exclusiva culpa da vítima têm, sobre a ação de

responsabilidade civil, precisamente porque suprimem esse laço de causa e efeito, o

mesmo efeito preclusivo; d) as autorizações judiciárias e administrativas não

constituem motivo de exoneração de responsabilidade.”151

Assim, para se ter configurada a responsabilidade contratual verifica-se o dano

causado por uma das partes em face da outra, situação decorrente do não cumprimento das

disposições contratuais assumidas.

De forma diversa, a responsabilidade extracontratual ou aquiliana decorre

simplesmente da inobservância ao dever de conduta.

E, assim, a responsabilidade extracontratual comporta suas espécies: a)

responsabilidade subjetiva e responsabilidade objetiva.

4.1 Responsabilidade civil subjetiva

No que se refere à responsabilidade subjetiva, é imprescindível demonstrar a culpa do

causador do dano, de acordo com o disposto nos artigos 186152

e 927153

do Código Civil.

Além da culpa, há de se observar o ato ilícito, o nexo de causalidade e o dano.

A responsabilidade civil subjetiva é a regra geral no ordenamento jurídico brasileiro, o

que implica, necessariamente, a demonstração e prova da culpa.

O agente pode causar o dano por meio da negligência, imprudência e imperícia, não se

afastando o dolo.

O que diferenciará a culpa do dolo é que na primeira poderá haver excludente de

responsabilidade, o que não ocorre no caso do dolo. Agindo alguém com dolo, sempre haverá

a responsabilidade civil.

151

DIAS, José de Aguiar. Da responsabilidade civil. 11ª ed. Rio de Janeiro: Renovar, 2006, p. 131-132. 152

“Aquele que, por ação ou omissão voluntária, negligência, ou imprudência, violar direito e causar prejuízo a

outrem, ainda que exclusivamente moral, comete ato ilícito.” 153

“Aquele que, por ato ilícito, causar dano a outrem, fica obrigado a repará-lo.”

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Na execução penal, é inadmissível a aplicação da responsabilidade subjetiva, haja

vista que o Estado é responsável pelas pessoas que estão sob sua custódia. A responsabilidade

do Estado, portanto, é objetiva.

4.2 Responsabilidade objetiva

A responsabilidade objetiva é mais severa, por isso não é possível questionar a

existência ou não do elemento culpa naquele que causa o dano. O artigo 37 da Constituição

Federal preceitua: “A administração pública direta e indireta de qualquer dos Poderes da

União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios obedecerá aos princípios de

legalidade, impessoalidade, moralidade, publicidade e eficiência e, também, ao seguinte: [...]”

O parágrafo sexto, no entanto, assim disciplina:

As pessoas jurídicas de direito público e as de direito privado prestadoras de

serviços públicos responderão pelos danos que seus agentes, nessa qualidade,

causarem a terceiros, assegurado o direito de regresso contra o responsável nos casos

de dolo ou culpa.

No âmbito do direito civil, a responsabilidade civil objetiva está amparada no artigo

927154

, parágrafo único.

Como observa Rui Stoco,

O confinamento de pessoa condenada pelo Estado-Juiz por parte do Poder Executivo

pressupõe a entrega dessa pessoa à guarda e vigilância da administração carcerária.

Desse modo, qualquer lesão que esses presos sofram por ação dos agentes públicos,

por ação de outros reclusos ou de terceiros, leva à presunção absoluta (jure et de

jure) da responsabilidade do Estado, não admitindo a alegação de ausência de culpa.

Mostra-se, então, despiciendo indagar se a Administração falhou, se houve (ou não)

omissão, falta ou falha do serviço, nem se há de indagar da culpa do servidor ou

culpa anônima do serviço. A responsabilidade nasce tão só da existência de um dano

e da existência de nexo causal entre o fato e o resultado. Isto porque o preso fica sob

o poder, proteção e vigilância do Estado. Quando preso, não tem escolha quanto ao

local em que deve ficar, nem opção quanto aos próprios meios de sua proteção. [...]

154

“Art. 927. Aquele que, por ato ilícito (arts. 186 e 187), causar dano a outrem, fica obrigado a repará-lo.

Parágrafo único. Haverá obrigação de reparar o dano, independentemente de culpa, nos casos especificados em

lei, ou quando a atividade normalmente desenvolvida pelo autor do dano implicar, por sua natureza, risco para os

direitos de outrem.”

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Diante disso, submetido que está às imposições do regime prisional, por qualquer

dano que sofra, seja de ordem material, física ou moral, o Estado responde

independentemente da indagação de culpa.155

Os elementos da responsabilidade objetiva, pode-se dizer, são o nexo de causalidade e

a existência do dano.

Por ser esta espécie mais severa, sua interpretação deve ser restritiva, sendo possível

seu reconhecimento apenas com base nas hipóteses descritas na lei.

Se, todavia, não houver previsão legal, pode-se estar diante da responsabilidade

subjetiva, mas não da objetiva.

Como se trata da responsabilidade do Estado, para este estudo é necessário o

aprofundamento da responsabilidade civil objetiva.

Assim, vale destacar o ensinamento de Rui Stoco:

A doutrina objetiva, ao invés de exigir que a responsabilidade civil seja a resultante

dos elementos tradicionais (culpa, dano, vínculo de causalidade entre uma e outro),

assenta-se na equação binária cujos polos são o dano e a autoria do evento danoso.

Sem cogitar da imputabilidade ou investigar a antijuridicidade do fato danoso, o que

importa para assegurar o ressarcimento é a verificação se ocorreu o evento e se dele

emanou o prejuízo. Em tal ocorrendo, o autor do fato causador do dano é o

responsável. Com a teoria do risco, diz Philippe Le Tourneau, o juiz não tem de

examinar o caráter lícito ou ilícito do ato imputado ao pretenso responsável: as

questões de responsabilidade transformam-se em simples problemas objetivos que se

reduzem à pesquisa de uma relação de causalidade.156

Embora o artigo 10, da Lei de Execução Penal nº 7210/84, não descreva ser

responsabilidade objetiva do Estado a assistência ao preso, vale destacar que tal cuidado

figura entre os seus deveres.

Assim, salvo melhor juízo, todos os estabelecimentos penais, sejam eles públicos ou

geridos pela parceria público-privada157

, quando desenvolvem as atividades descritas nos

artigos 10 e 11 da Lei de Execução Penal mas não alcançam a finalidade consagrada pela Lei,

ficam sujeitos à responsabilização.

155

STOCO, Rui. Tratado de responsabilidade civil: doutrina e jurisprudência. 8ª ed. rev., atual. e ampl. São

Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2011, p. 1321. 156

Ibid., p. 151. 157

Disponível em: http://www.conjur.com.br/2012-mai-12/minas-inaugura-agosto-primeiro-presidio-privado-

brasil. Acessado em 29 de março de 2013.

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Embora a Lei de Execução Penal, em seus artigos 10 e 11, demonstre a preocupação

com a ressocialização do Sentenciado, uma vez que objetiva “prevenir o crime e orientar o

retorno à convivência em sociedade”, isso não ocorre na prática.

O coordenador do Departamento de Monitoramento e Fiscalização do Sistema

Carcerário e do Sistema de Execução de Medidas Socioeducativas do Conselho Nacional de

Justiça, Luciano Losekann, posiciona-se, quanto à efetivação da ressocialização, a favor da

parceria público-privada, haja vista a falência do Estado em proporcionar tais medidas

restaurativas:

Se esse modelo de parceria público-privada de gestão penitenciária possibilitar a

qualificação e a ressocialização dos presos, como prevê o contrato de concessão

administrativa, eu aposto nessa ideia. Hoje, pelo modelo público atual, o preso sai

pós-graduado em criminalidade.158

Losekann adverte, ainda, que a segurança e a disciplina do estabelecimento prisional,

sob o aspecto constitucional, é atividade típica do Estado, logo indelegável.

Mas essa disciplina não tem sido a realidade dos presídios brasileiros, pelo menos é o

que revela a descrição a seguir, numa referência ao conteúdo do Relatório da Comissão

Parlamentar de Inquérito da CPI do Sistema Carcerário de 2009.

De camarões a armas, drogas, celulares, prostitutas... tudo entra nas cadeias

brasileiras se o preso tiver dinheiro para pagar. E a corrupção não envolve só os

“peixinhos”, os agentes. Inclui diretores, assistentes de secretários, policiais civis e

militares, advogados e funcionários de empresas terceirizadas. [...] Mas a maioria

das armas, drogas e aparelhos celulares entram mesmo através de agentes e diretores

corruptos que, mediante pagamento, deixam entrar de tudo nas cadeias. O suborno

pode custar de R$ 200 a R$ 100 mil, dependendo do material e do assunto. Em caso

de fugas “permitidas”, o preço aumenta e varia de acordo com o “freguês”.159

Reconhecidamente, são inúmeros os problemas que a corrupção, por contornar a

observância da lei, enseja no meio prisional. Em seu lugar, deveria estar presente uma outra

realidade, a da ressocialização do Sentenciado por meio da educação e do trabalho. Já que

“tudo” entra na cadeia, educação e trabalho deveriam entrar também.

158

Disponível em: http://www.cnj.jus.br/noticias/cnj/23285:juiz-diz-apoiar-parceira-publico-privada-na-gestao-

de-presidios-se-houver-ressocializacao-de-presos. Acessado em 16 de maio de 2013. 159

Disponível em: http://bd.camara.gov.br/bd/bitstream/handle/bdcamara/2701/cpi_sistema_carcerario.pdf.

Acessado em 02 de abril de 2012.

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O fato de o Estado ser omisso quanto à disposição legal, torna-o sujeito passivo da

responsabilidade civil objetiva, figurando os Sentenciados como sujeitos ativos.

Como esclarece Sidio Rosa de Mesquita Júnior, “a administração penitenciária é,

indubitavelmente, do Poder Executivo”160

, devendo este, assim, ocupar o polo passivo de

possível ação de indenização.

Em outras palavras, pode-se afirmar que, embora a disponibilização dos meios para

que cada Sentenciado tenha a possibilidade de se ressocializar não garanta, efetivamente, sua

ressocialização, não se pode admitir, com base nessa probabilidade, nenhum tipo de omissão

da parte do Estado, sob pena de, existindo tal negligência, invariavelmente ela causar danos

àqueles que ao menos desejariam ter a oportunidade de aderirem à ressocialização.

Nesse sentido, vale a observação da exposição de José de Aguiar Dias:

Na doutrina do risco, nitidamente democrática, não se chega jamais à consequência

de afirmar o princípio, aparentemente individualista, mas, em essência, de sentido

oposto, nitidamente autocrático, de que o direito de um pode prejudicar o outro,

pode ultrapassar as raias da normalidade e fazer do seu titular um pequeno monarca

absoluto.161

Sabe-se que a responsabilidade objetiva decorre da lei. Sem embargo de entendimento

contrário, todas as vezes que inúmeros Sentenciados deixarem de visualizar possibilidades

para sua ressocialização (estudo e/ou trabalho), embora a lei o consigne como sendo seu

direito, sofrerão consequências que, agravadas pelo próprio estigma de presidiário,

dificultarão ainda mais a ressocialização.

O dever de indenizar, portanto, data venia, está estampado na Constituição Federal, na

Lei de Execução Penal e, inclusive, nas Regras Mínimas de Tóquio, que, em seu item 13.2,

estatui: “O tratamento deverá ser conduzido por profissionais com adequada formação e

experiência prática”. Se o ordenamento jurídico disciplina ser dever do Estado a prevenção

do crime e a orientação de forma a possibilitar o retorno do Sentenciado à sociedade, a

falência do Estado resulta em sua responsabilização, nos termos da lei.

A Lei de Execução Penal dispõe, respectivamente: “Art. 17. A assistência educacional

compreenderá a instrução escolar e a formação profissional do preso e do internado”; “Art.

160

MESQUITA JÚNIOR, Sidio Rosa de. Execução criminal: teoria ep rática: doutrina, jurisprudência,

modelos. 6ª ed. São Paulo: Atlas, 2010, p. 203. 161

DIAS, José de Aguiar. Da responsabilidade civil. 11ª ed. Rio de Janeiro: Renovar, 2006, p. 92.

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101

28. O trabalho do condenado, como dever social e condição de dignidade humana, terá

finalidade educativa e produtiva”.

A educação e o trabalho, como claramente o explicita o texto da lei, garantem a

dignidade da pessoa humana e permitem a ressocialização do Sentenciado.

Há de se lembrar que o Brasil é signatário das Regras Mínimas para o Tratamento dos

Reclusos - 1955, que consagra, como se observa a seguir, respectivamente, o trabalho e o

estudo como formas ressocializadoras do Sentenciado:

3) Deve ser dado trabalho suficiente de natureza útil aos reclusos de modo a

conservá-los ativos durante o dia normal de trabalho.

77.

1) Devem ser tomadas medidas no sentido de melhorar a educação de todos os

reclusos que daí tirem proveito, incluindo instrução religiosa nos países em que tal

for possível. A educação de analfabetos e jovens reclusos será obrigatória,

prestando-lhe a administração especial atenção.

2) Tanto quanto for possível, a educação dos reclusos deve estar integrada no

sistema educacional do país, para que depois da sua libertação possa continuar, sem

dificuldades, a sua educação.

Estuda-se responsabilidade civil para se atribuir ao causador do dano uma forma de

reparação. Em nosso trabalho, temos procurado evidenciar como lesado o Sentenciado, ainda

que para muitos seja difícil admitir tal condição.

Uma pergunta se impõe: não tendo sido possível previamente deter a consumação de

sua criminalidade, o que se pode realizar, a partir da penalização, de maneira a minimizar os

efeitos dessa escolha do Sentenciado? Se se imputa ao Estado o dever da assistência, não pode

este, simplesmente por ser o Estado, ficar isento de observar a lei.

Sidio Rosa de Mesquita Júnior explica que Paulo Lúcio Nogueira, ao citar outros

autores,

ensina que a remição deve alcançar aqueles que não estão classificados para o

trabalho. Aliás, eles merecem, também, a remuneração devida, pois não podem ser

penalizados por não trabalharem em decorrência de falha do Estado em implementar

condições para o fiel cumprimento da LEP. Esse posicionamento é, sem dúvida, o

melhor, razão pela qual a remição da pena só não alcançará aquele que recusar o

trabalho.162

Como primeira hipótese, pode-se pensar na possibilidade de tornar obrigatório o

estudo, até mesmo para se alcançar a progressão do regime, expediente que, categoricamente

o afirmamos, não feriria a ética, embora trouxesse outras consequências: a dificultação na

162

MESQUITA JÚNIOR, Sidio Rosa de. Execução criminal: teoria e prática: doutrina, jurisprudência,

modelos . 6ª ed. São Paulo: Atlas, 2010, p. 409.

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progressão dos regimes, por exemplo, já que nem todos querem estudar. Mas o estudo e a

qualificação, como formas de se alcançar a progressão, seriam um incentivo para despertar o

interesse do Sentenciado e, consequentemente, para promover sua ressocialização.

Não havendo competência para o estudo, ter-se-ia que tornar obrigatório o trabalho,

afinal, por meio deste, garante-se a dignidade não só do Sentenciado, mas também de sua

família.

Em face do aumento da criminalidade a cada dia, faz-se imprescindível a efetivação da

Lei de Execução Penal. A ressocialização tornou-se, ainda mais, um imperativo. Não cremos,

com todo respeito que temos por opiniões diversas, que a criação de leis mais severas seja a

solução dos problemas. Bastaria que o Estado cumprisse o seu papel já bem delineado na lei.

Ora, as consequências dessa negligência há muito são observadas em nosso país. Em seu

depoimento à CPI do Sistema Carcerário, Percival de Souza destacou:

Para que os senhores tenham ideia, por motivos politizados, enquanto uma facção

criminosa se desenvolvia em bases sólidas, o Governo do Estado simplesmente

negava a existência dessa facção, como se fosse uma miragem, uma ficção. Nós

poderíamos classificar isso de várias maneiras, inclusive na prevaricação de ordem

legal – entendo eu humildemente –, prevaricação. Agora, vejam só: não existia a

facção, segundo todos os pronunciamentos oficiais. Entretanto, no gabinete do

Secretário da Segurança Pública foi montado um grupo para combater a facção. Os

senhores estão entendendo? O Governo diz: “Não existe o PCC, mas vamos criar um

grupo para aniquilá-lo dentro do gabinete do Secretário de Segurança”. Isso é uma

heresia, isso é um absurdo.163

O próprio relatório da CPI, no mesmo sentido que o exposto por Percival de Souza,

indica que

O Estado abandonou o tratamento prisional e o espaço foi assumido pelos próprios

presos. A forma de se organizarem foi a criação de facções ou grupos. Mesmo nas

unidades em que não se assume a presença desses grupos criminosos, existe uma

massa que domina o local e lá fixa e determina suas regras de comportamento.164

Vale destacar, ainda, as palavras de Fátima Souza: “Pelo que eu pude constatar nesses

últimos anos, a inoperância e a incompetência do Estado favoreceram que os presos tomassem

163

Disponível em: http://bd.camara.gov.br/bd/bitstream/handle/bdcamara/2701/cpi_sistema_carcerario.pdf.

Acessado em 02 de abril de 2012, p. 63. 164

Disponível em: http://bd.camara.gov.br/bd/bitstream/handle/bdcamara/2701/cpi_sistema_carcerario.pdf.

Acessado em 02 de abril de 2012, p. 63

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um espaço que o Estado não ocupou, que, aliás, o Estado desocupou – ele se retirou – e que

ficou na mão dos detentos.”165

Por essa e tantas outras questões controvertidas acerca da ressocialização dos

Sentenciados, urge estudar o assunto profundamente, remetendo-o aos debates sociais e

objetivando, se possível, caminhos para ao menos tentar diminuir os índices no âmbito da

criminalidade e da reincidência.

A omissão do Estado na ressocialização do Sentenciado só agravará o aumento da

criminalidade. Não são necessários grandes esforços de dedução para constatar que a privação

atual de liberdade imposta aos presos é provisória. Num futuro próximo, ele receberá o alvará

de soltura e poderá vir a reincidir pura e simplesmente por carecer de um investimento em sua

reeducação – provimento que não lhe foi concedido da parte do Estado.

4.3 Responsabilidade civil do Estado: educação

Nos artigos 17 e 18 da Lei de Execução Penal, observa-se que a assistência

educacional engloba o estudo e a formação profissional, sendo obrigatório o ensino

fundamental. Os itens 40, 77 e 78 das Regras Mínimas para o Tratamento dos Reclusos

denotam a mesma preocupação, semelhantemente ao que dispõe a Constituição Federal,

precisamente no artigo 208, inciso I.

A Lei nº 12.433/11, vigente desde o dia 30 de junho de 2011, alterou a Lei de

Execução Penal quanto à remição da pena do Sentenciado pela via do trabalho e/ou do estudo.

Quanto ao trabalho, por existir anteriormente previsão legal para sua oferta, esta

questão já era pacificada.

A novidade, que a nosso ver cumpre com o atendimento da segunda finalidade da pena

– ressocializar, foi o de facultar que, por meio do estudo, também se garanta a remição aos

Sentenciados, o que, salvo melhor juízo, permitirá que estejam capacitados verdadeiramente

para, além de se ressocializarem, serem reinseridos na sociedade a que retornarão em

momento oportuno.

165

Disponível em: http://bd.camara.gov.br/bd/bitstream/handle/bdcamara/2701/cpi_sistema_carcerario.pdf.

Acessado em 02 de abril de 2012, p. 64.

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104

A única forma de transformar o contexto prisional brasileiro contemporâneo, como

esta tese vem procurando demonstrar, é por meio do estudo e da qualificação profissional.

Poucos teriam opinião contrária sobre o estudo como agente transformador de grandes

sociedades, ainda mais quando seriamente direcionado às pessoas que dele efetivamente

necessitam.

Reiterar o objetivo da pena como sendo a transformação do transgressor em um ser

social e integrado à sociedade a que pertence é, em outras palavras, afirmar o dever que tem o

Estado de propiciar os meios necessários para que essa transformação seja minimamente

possível.

Se é quase impensável conceber um sistema em que a pena privativa de liberdade não

possa, ou melhor, não “queira” ser suprimida do ordenamento jurídico em vigor, mister se faz

criar alternativas para que esta privação de liberdade não se torne a tão famosa “escola do

crime”.

Só há uma maneira de interromper esse ciclo vicioso: conceder ao Sentenciado, como

um dever, a formação educacional (ensino fundamental, médio e superior) e,

consequentemente, uma profissão. Não divisamos outra solução, senão a combinação de

formação educacional e profissional que garanta ao ser humano, inclusive, sua dignidade.

A falta de seriedade na condução desse processo de ensino traz, especialmente, duas

implicações diretas: a população carcerária se mantém em níveis vergonhosos de instrução e,

em decorrência, deixando de se instruir, passa a representar perigo à sociedade à qual estará

sendo devolvida, sobretudo se se levar em conta a ineficácia do Poder Público em garantir a

segurança pública. Portanto urge que se repensem as medidas com vistas à efetiva

ressocialização do preso.

O artigo 205, da Constituição Federal de 1988, preceitua a educação como direito de

todos e dever do Estado e da família, com o objetivo de se possibilitar o desenvolvimento da

pessoa, buscando o exercício da cidadania.

Como demonstrado anteriormente, a massa carcerária é composta por pessoas de

pouca instrução, constituindo-se os presos por práticas de crimes do colarinho branco, como

apontado pela CPI do Sistema Carcerário, uma exceção em nosso sistema.

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Assim, salvo melhor juízo, parece-nos que a falta de instrução deva ser observada e

tratada socialmente pelo Estado, ainda mais quando se leva em conta que parte da população

carente desse investimento encontra-se encarcerada.

A dificuldade reside em fazer com que a educação, não obstante o atual contexto de

universalização do acesso a ela, seja garantida e efetivada, com vistas à inserção social

daquele que se lhe submete.

Com efeito, sem educação não há cidadania, e sem cidadania não se permite ao

indivíduo uma participação política efetiva nos contextos em que está inserido. É o que atesta

Dalmo de Abreu Dallari:

A cidadania expressa um conjunto de direitos que dá à pessoa a possibilidade de

participar ativamente da vida e do governo de seu povo. Quem não tem cidadania

está marginalizado ou excluído da vida social e da tomada de deciões, ficando numa

posição de inferioridade dentro do grupo social.166

É dever do Estado, como dito anteriormente, a educação. Todos os entes públicos, isto

é, União, Estados, Distrito Federal e municípios, são responsáveis pelo sistema de ensino, de

forma colaborativa.

A educação mostra-se como condição fundamental para a formação do homem.

Por isso, entende-se, data venia, que a omissão do Estado no cumprimento do seu

dever ensejará responsabilização por dano moral e, inclusive, material, de acordo com o que

preceitua o artigo 37, parágrafo 6º, da Constituição Federal. Corroboramos nosso

posicionamento com a apresentação do de Regina Maria Fonseca Muniz:

Se é correto dizer que o Poder Público incumbe garantir a todos uma educação que,

de acordo com o art. 205 da CF/1988, visa ao desenvolvimento integral da pessoa,

também não podemos deixar de reconhecer que a ele cabe o dever de preservar e

proteger, de maneira efetiva, os que se acharem sob sua guarda, devendo empregar

todos os meios necessários para bem cumprir esse encargo jurídico. Na maioria das

vezes, os eventos lesivos são consequência da omissão, da inércia ou da displicência

de seus funcionários.167

A autora continua:

166

DALLARI, Dalmo de Abreu. Direitos humanos e cidadania. 2ª ed. São Paulo: Moderna, 2004, p. 22. 167

MUNIZ, Regina Maria Fonseca. O direito à educação. Dissertação de mestrado. São Paulo: PUC, 2001, p.

184.

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106

O Estado existe para que o homem se realize como vida, como pensamento, como

matéria, como espírito, como pessoa e como comunidade. Entretanto, só será

possível se o Estado estabelecer como prioridade absoluta a questão educacional.

Diz-se que a primeira educação do indivíduo se deve ao ambiente familiar e que o

Estado deve intervir tão somente quando a família não está em condições de assumir

tal responsabilidade. Porém, a ação do Estado não deve ficar assim tão limitada ou

negativa. Ora, a educação, como essência da personalidade, inserida no direito à

vida, deveria ser considerada com mais seriedade pelos agentes administrativos.

Embora se saiba que a influência doméstica é da mais alta importância nos primeiros

anos de vida do homem e que a educação estatal seja incapaz de alterar o fato de que

o caráter se forma no seio da família desde a tenra idade, sua atuação é fundamental

para formação da personalidade humana. Não devemos esquecer que o homem se

educa em primeiro lugar para superar a si mesmo, para se tornar melhor a cada dia e,

em seguida, para conviver em sociedade. Se o Estado , por meio de seus agentes

públicos, desinteressa-se por esse trabalho, as consequências maléficas de sua

omissão serão sentidas por toda a sociedade.168

A educação está inserida na “Ordem Social” – Título VIII, de acordo com o artigo 6º

da Constituição Federal, e se revela como direito social.

Entendem-se como direito social os oponíveis contra o Estado. Particularmente quanto

ao direito à educação, a Constituição Federal também a ele se refere no capítulo dos “Direitos

e Garantias Fundamentais”, caracterizando-o como cláusula pétrea.

Como bem apontou a pesquisa “Tecer Justiça: presos e presas provisórios da cidade de

São Paulo”, a escolaridade dos presos é “bastante baixa: as categorias analfabeto, Ensino

Fundamental incompleto e Ensino Fundamental completo somam 81,4% dos casos.”169

A

pesquisa ressalta “que se trata de pessoas marcadas pela fragilidade social, com pouco ou

nenhum acesso à escassa rede de serviços e equipamentos públicos”170

.

Com respeito a opiniões em contrário, entende-se, não como forma de justificar a

prática de crimes, mas de compreender o contexto prisional, que a falta de assistência do

Estado, no que se relaciona à garantia aos direitos fundamentais, enseja o cometimento dos

crimes.

A pesquisa “Tecer Justiça” comprova que “o dado sobre a escolaridade também sofre

uma inversão: entre as vítimas, a faixa de escolaridade mais representativa é a que abrange o

168

MUNIZ, Regina Maria Fonseca. O direito à educação. Dissertação de mestrado. São Paulo: PUC, 2001, p.

185. 169

Documento constante dos anexos. Disponível em: http://www.ittc.org.br/web/rel_tecer_justica_net.pdf.

Acessado em 25 de julho de 2013.

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107

Ensino Médio e o Ensino Superior (mais de 66%), ao passo que a escolaridade dos réus

concentra-se na faixa até o Ensino Fundamental completo (mais de 80%)”171

.

A partir dessa análise, é temerário não dar efetividade à Lei de Execução Penal.

Embora a finalidade da pena – ressocializar – não seja pacífica entre a doutrina, é difícil não

visualizá-la e não buscá-la num contexto prisional em que a maioria dos presos não tem

formação educacional.

O que transformará a sociedade, salvo melhor juízo, é a educação. Apenas por meio

dela é possível o ser humano ter sua dignidade preservada, bem como alcançar níveis

profissionais que o afastem da realidade criminal.

O Estado busca medidas temporárias, entre as quais aumento das penas, permanência

dos presos no cárcere além do período em que seria possível conceder progressões de regime.

No entanto, segue mantendo os encarcerados sem qualquer infraestrutura capaz de modificar a

sua formação.

Assim, o Sentenciado, quando deixa o sistema prisional, terá duas dificuldades

inicialmente percebidas: o fato de ser ex-presidiário e a falta da formação educacional.

Em razão disso, não há como afastar a responsabilidade objetiva do Estado quando

deixa de oferecer ressocialização. Aliás, educação de qualidade, segundo os dados abaixo, não

parece ser o caso desta que é oferecida no ensino básico brasileiro contemporâneo.

O Brasil ocupa o 53º lugar em educação, entre 65 países avaliados (PISA). Mesmo

com o programa social que incentivou a matrícula de 98% de crianças entre 6 e 12

anos, 731 mil crianças ainda estão fora da escola (IBGE). O analfabetismo funcional

de pessoas entre 15 e 64 anos foi registrado em 28% no ano de 2009 (IBOPE); 34%

dos alunos que chegam ao 5º ano de escolarização ainda não conseguem ler (Todos

pela Educação); 20% dos jovens que concluem o ensino fundamental, e que moram

nas grandes cidades, não dominam o uso da leitura e da escrita (Todos pela

Educação). Professores recebem menos que o piso salarial (et. al., na mídia).172

Naquilo que diz especificamente respeito às preocupações deste trabalho, não há

dúvida, data venia, que a educação – nós o reafirmamos – seja direito fundamental e social de

todos, inclusive e especialmente do Sentenciado.

171

Documento constante dos anexos. Disponível em: http://www.ittc.org.br/web/rel_tecer_justica_net.pdf.

Acessado em 25 de julho de 2013. 172

Disponível em: http://www.brasilescola.com/educacao/educacao-no-brasil.htm. Acessado em 20 de julho de

2013.

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108

A própria Lei de Diretrizes e Bases para a Educação Nacional afirma: “É direito de

todo ser humano o acesso à educação básica.”

Se isso não fosse suficiente, poderíamos recorrer à Declaração Universal dos Direitos

Humanos, que estabelece: “Toda pessoa tem direito à educação.”

Diante das inúmeras inovações no âmbito educacional – ensino a distância, por

exemplo –, fica nítido que um dos grandes problemas enfrentados pelo Brasil é a falta de

investimento na área educacional.

E em que pesem as opiniões em contrário, parece-nos inadmissível conviver com

situações como a exposta por Luciano Silva, em seu depoimento, que convém repetir:

[...] A dificuldade é tanta que eu tentei fazer um curso por correspondência, e a

unidade prisional onde me encontro não autorizou este curso. Aí eu pergunto: como

que as autoridades querem que um preso se ressocialize se não dá as mínimas

condições possíveis para que isto aconteça? [...].

A mesma perspectiva se demonstrou na pesquisa “Tecer Justiça”:

Mais da metade dos réus, em geral, declarou exercer atividade remunerada, sendo

bastante expressivo o número de desempregados (40,3% do total). Entre as

atividades registradas pela polícia, prevalecem aquelas que prescindem de

qualificação profissional e que usualmente são desempenhadas no mercado informal

de trabalho, como “ajudante”, “ambulante”, “carroceiro” e “pedreiro”, no caso dos

homens, e “do lar”, “diarista”, “doméstica” e “ambulante”, no caso das mulheres, o

que pode ser em grande medida explicado pelo dado da escolaridade [...]

Em face dessas considerações e levando em conta o futuro retorno dos Sentenciados à

sociedade, posicionamo-nos entre aqueles para quem sua ressocialização é fundamental.

4.4 Responsabilidade civil do Estado: trabalho

De acordo com os dados do DEPEN (Departamento Penitenciário Nacional), sobre os

quais já tivemos oportunidade de nos deter neste trabalho, a falta de formação educacional e

profissional é um fato no ambiente carcerário.

Corrobora esta realidade a pesquisa do “Tecer Justiça”, que assim diagnosticou:

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Quando perguntados a respeito da profissão ou ocupação desempenhada, foram

abundantes nas respostas atividades que exigem pouca ou nenhuma qualificação.

[...] Entre os homens foram mais corriqueiramente mencionadas atividades ligadas à

construção civil (18,6%), como ajudante de pedreiro, pedreiro, servente, pintor etc.,

e ajudante geral (18,6%). A categoria vendedor ambulante também foi significativa

entre as ocupações mencionadas (10,0%). Mais de um décimo dos homens

entrevistados atendidos pelo projeto declarou não ter ocupação e 5,2% dos homens

entrevistados não atendidos pelo projeto afirmaram estar nessa condição. A situação

das mulheres atendidas não é diversa, sendo recorrentes nas respostas atividades que

prescindem de qualificação: diarista, doméstica e faxineira (17,9%) e ajudante geral

(10,3%). O número de mulheres sem ocupação (14,4%) é mais alto do que o dos

homens. A categoria dona de casa ou do lar reúne 8,3% das mulheres, o que infla

ainda mais a quantidade de mulheres que declararam não ter uma profissão.

A insuficiência na qualificação profissional é um problema que atinge um número

considerável de adultos na população brasileira. Esse índice, se analisado separadamente, é

ainda maior entre os ex-presidiários, que, além disso, contabilizam a falta de formação

educacional.

Em 2012, obsevou-se que a maior causa de desemprego no Brasil era a falta de

qualificação, como se observa dos seguintes dados:

Duzentos milhões de jovens, com idade entre 15 e 24 anos, de países em

desenvolvimento não completaram o ensino primário, equivalente ao ensino

fundamental no Brasil, e precisam de caminhos alternativos para adquirir

habilidades básicas para o emprego. O número representa 20% da população desses

países nessa faixa etária e foi apresentado no 10º Relatório de Monitoramento

Global de Educação para Todos, publicado hoje (16) pela Organização das Nações

Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura (Unesco). [...]

No Brasil, aqueles que moram na zona rural têm o dobro de chance de ser pobres e

45% não completaram o ensino fundamental.

Segundo a diretora-geral da Unesco, Irina Bokova, o mundo está testemunhando

uma geração jovem frustrada pela disparidade crônica entre habilidade e emprego.

“A melhor resposta à crise econômica e ao desemprego de jovens é assegurar a

capacitação básica e relevante de que precisam para entrar no universo do trabalho

com confiança”, disse. Para ela, esses jovens precisam ter caminhos alternativos

para a educação, para conseguir as habilidades necessárias à sobrevivência, a viver

com dignidade e contribuir com suas comunidades.

O relatório mostra ainda que não investir nas habilidades de jovens tem efeitos de

longo prazo visíveis em todos os países. Mesmo nas nações desenvolvidas, a

estimativa é que 160 milhões de adultos, ou 20% deles, não tenham requisitos

mínimos para se candidatar a um emprego, como ler um jornal, escrever ou fazer

cálculos. Por isso, a Unesco defende que investir no desenvolvimento das

habilidades de jovens é uma estratégia inteligente para países que querem

impulsionar seu desenvolvimento econômico.

A partir dos dados, a entidade alerta que apesar de a área econômica ser a primeira a

se beneficiar da mão de obra mais qualificada, o setor privado contribui muito pouco

na educação dos jovens, com apenas 5% dos fundos oficiais. Além disso, recomenda

que governos e países doadores de fundos globais para a educação se empenhem

para garantir o investimento necessário.173

173

Disponível em: http://agenciabrasil.ebc.com.br/noticia/2012-10-16/falta-de-qualificacao-entre-jovens-e-

causa-de-desemprego-mostra-unesco. Acessado em: 23 de dezembro de 2012.

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A Lei de Execução Penal preceitua: “Art. 41 - Constituem direitos do preso: [...] III -

Previdência Social;”. O Código Penal, por sua vez, preceitua: “Art. 39 - O trabalho do preso

será sempre remunerado, sendo-lhe garantidos os benefícios da Previdência Social”.

A Resolução nº 14, de 11 de novembro de 1994, publicada no Diário Oficial da União

de 2 de dezembro de 1994174

, fixou as Regras Mínimas para o Tratamento do Preso no Brasil,

dispondo:

Art. 56. Quanto ao trabalho:

I - o trabalho não deverá ter caráter aflitivo;

II – ao condenado será garantido trabalho remunerado conforme sua aptidão e

condição pessoal, respeitada a determinação médica;

III – será proporcionado ao condenado trabalho educativo e produtivo;

IV – devem ser consideradas as necessidades futuras do condenado, bem como as

oportunidades oferecidas pelo mercado de trabalho;

V – nos estabelecimentos prisionais devem ser tomadas as mesmas precauções

prescritas para proteger a segurança e a saúde dos trabalhadores livres;

VI – serão tomadas medidas para indenizar os presos por acidentes de trabalho e

doenças profissionais, em condições semelhantes às que a lei dispõe para os

trabalhadores livres;

VII – a lei ou regulamento fixará a jornada de trabalho diária e semanal para os

condenados, observada a destinação de tempo para lazer, descanso. Educação e

outras atividades que se exigem como parte do tratamento e com vistas à reinserção

social;

VIII – a remuneração aos condenados deverá possibilitar a indenização pelos danos

causados pelo crime, aquisição de objetos de uso pessoal, ajuda à família,

constituição de pecúlio que lhe será entregue quando colocado em liberdade.

Por fim, as Regras Mínimas para o Tratamento dos Reclusos, no que se refere ao

trabalho, assim estabelecem:

71.

1) O trabalho na prisão não deve ser penoso.

2) Todos os reclusos condenados devem trabalhar, em conformidade com as suas

aptidões física e mental, de acordo com determinação do médico.

3) Deve ser dado trabalho suficiente de natureza útil aos reclusos de modo a

conservá-los ativos durante o dia normal de trabalho.

4) Tanto quanto possível, o trabalho proporcionado deve ser de natureza que

mantenha ou aumente as capacidades dos reclusos para ganharem honestamente a

vida depois de libertados.

5) Deve ser proporcionado treino profissional em profissões úteis aos reclusos que

dele tirem proveito, e especialmente a jovens reclusos.

6) Dentro dos limites compatíveis com uma seleção profissional apropriada e com as

exigências da administração e disciplina penitenciária, os reclusos devem poder

escolher o tipo de trabalho que querem fazer.

174

Disponível em:

http://portal.mj.gov.br/services/DocumentManagement/FileDownload.EZTSvc.asp?DocumentID=%7B3F19373

B-3AD2-4381-A3AE-DE18FD7DD67D%7D&ServiceInstUID=%7B4AB01622-7C49-420B-9F76-

15A4137F1CCD%7D. Acessado em: 20 de janeiro de 2013.

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Entende-se que a resposabilidade do Estado é objetiva, como dito anteriormente, com

base no artigo 37, parágrafo 6º, da Constituição Federal, e em face das normas anteriormente

apresentadas, no que se refere aos Sentenciados.

Afirma-se que não basta, porém, ter leis que apregoem direitos se, na prática, estes são

inexistentes. É fundamental dar vida às leis.

Sendo pobre a maioria dos Sentenciados, devem-se envidar esforços conjuntos,

orquestrados pelo Estado, para afugentar essa pobreza. A ressocialização é o primeiro passo

nesse enfrentamento, sem o qual resta-lhes um caminho descendente e ignominioso que os

precipitará infalivelmente na miséria social e humana.

Dostoiévski, utilizando-se do recurso simbólico da ficção, soube capturar bem tal

realidade.

[...] a pobreza não é um pecado, essa é a verdade. Sei também que a embriaguez não

é nenhuma virtude. Mas a miséria, meu senhor, a miséria... essa sim, essa é pecado.

Na pobreza ainda se conserva a nobreza dos sentimentos inatos; na miséria não há

nem nunca houve ninguém que os conserve. A um homem na miséria quase que o

correm a paulada; afugentam-no a vassouradas da companhia dos seus semelhantes

para que a ofensa seja ainda maior; e é justo, porque na miséria sou eu o primeiro

pronto a ofender a mim mesmo.175

Do contexto que envolve sua saída e das perspectivas com as quais deixa o cárcere

dependem a maneira como o sentenciado se conduzirá e as interações sociais que passará

doravante a ter.

O Estado viola diariamente o direito do Sentenciado ao trabalho, pois ao mesmo

tempo em que o afirma, deixa de propiciar os meios para sua concretização. Dessa forma,

toda vez que não cumpre o seu papel de ressocializador, omitindo-se quanto à formação

profissional de seus custodiados, deve ser responsabilizado, semelhantemente ao que ocorre a

estes últimos quando vêm a reincidir no crime depois de colocados em liberdade.

A efetivação da Lei de Execução Penal é responsabilidade do Estado. Tendo ele

próprio, por meio do Poder Legislativo, estatuído a norma, não pode, em razão disso, figurar

175

DOSTOIÉVSKI, Fiódor. Crime e castigo. Tradução de Natália Nunes e Oscar Mendes. Porto Alegre, RS:

L&PM, 2011, p. 23.

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112

acima dela e merecer algum tipo de isenção quando e se, porventura, a infringe. Até porque,

cumpre destacar, como bem destaca Hely Lopes Meirelles,

Na Administração Pública, não há liberdade nem vontade pessoal. Enquanto na

administração particular é lícito fazer tudo que a lei não proíbe, na Administração

Pública só é permitido fazer o que a lei autoriza. A lei, para o particular, significa

“pode fazer assim”; para o administrador público significa “deve fazer assim”.176

Outro aspecto que causa impacto direto na administração penitenciária, tornando

insuficientes os recursos a ela destinados, é a corrupção. É imprescindível reunir esforços para

trazer à realidade o que é necessário, em termos de estrutura, ao sistema prisional – em

sentido amplo, já que carências básicas não vêm sendo supridas. O problema mais sério, no

entanto, sem embargo de entendimento contrário, é a falta não de recursos – estes são

suficientes –, mas de competência do Estado para gerenciá-los corretamente.

Com uma carga tributária bastante onerosa e dono de uma economia que faz deste o

sexto país mais rico do planeta, resta ao Estado somente fazer valer a Lei de Execução Penal,

criada há quase trinta anos.

No Brasil, a propósito, a falta de investimentos em estrutura social e, principalmente,

em educação, nas décadas passadas e na atual, tornou-se a principal causa de miséria extrema

e, por consequência, de crimes.

A falta de investimentos e mudanças legais no tratamento ao Sentenciado implicou, ao

longo do tempo, o surgimento de organizações criminosas com princípios esquerdistas, uniu a

“classe dos miseráveis”, permanentes excluídos, portadores de conhecidas cicatrizes sociais,

que vêm consolidando sua união apoiados em fundamentos altruístas plagiados dos grupos

antiditadura, em atividade nas décadas de 60 e 70 do século anterior.

Na história da humanidade, muitas conquistas de direitos somente se efetivaram por

meio do uso da força. No caso do Brasil, atualmente, os direitos já existem e são legítimos,

porém não vão além de sua consignação no texto, por falta da responsabilização, a nosso ver,

inclusive do próprio Estado.

Compete à Administração Penitenciária, com base no princípio da conveniência e

oportunidade, determinar a existência de trabalho de presos, bem como indicar os locais e

horários para o seu cumprimento.

176

MEIRELLES, Hely Lopes. Direito administrativo brasileiro. 16ª ed. São Paulo: Malheiros, 1991, p. 78.

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Quanto à percepção do pagamento do trabalho do Sentenciado, este é feito ao diretor

do Presídio onde o Sentenciado estiver custodiado, podendo, inclusive, esta autoridade dispor

dos valores e empregá-los na indenização de danos causados pelos Sentenciados às suas

vítimas.

Celso Delmanto ensina:

O trabalho é direito e dever dos presos. Será sempre remunerado (em valor não

inferior a três quartos do salário mínimo), mas devendo a remuneração atender à

reparação do dano do crime, assistência à família etc. (LEP, art. 29). Garante-lhe,

ainda, este art. 9 do CP, os benefícios da Previdência Social. Assim, embora o

trabalho do preso não fique sujeito ao regime da Consolidação das Leis do Trabalho

(LEP, art. 28, § 2º), ele tem direito aos benefícios previdenciários.177

Heleno Cláudio Fragoso chama a atenção para o descumprimento da lei no âmbito

penitenciário:

Infelizmente, devemos dizer que as disposições da lei sobre o trabalho penitenciário

constituem uma bela e generosa carta de intenção que não está, e dificilmente estará

algum dia, de acordo com a realidade. A ociosidade é comum e generalizada em

nossas prisões.178

Embora de 2004, é oportuna a transcrição de parte do Agravo nº 450.318-0, da

Comarca de Itabirito, sendo o Juiz Relator Alexandre Victor de Carvalho, do já extinto

Tribunal de Alçada do Estado de Minas Gerais.

Todo ser humano, uma vez capacitado à atividade laboral para a manutenção de sua

própria subsistência e sua perfeita integração na sociedade, de onde é produto, tem

necessidade de fugir à ociosidade através do trabalho. A esta regra não escapa o

condenado à pena restritiva de liberdade, cujo trabalho, como dever social e

condição da dignidade humana, terá finalidade educativa e produtiva (art. 28 da

LEP). Educativa porque, na hipótese de ser o condenado pessoa sem qualquer

habilitação profissional, a atividade desenvolvida no estabelecimento prisional

conduzi-lo-á, ante a filosofia da Lei de Execução Penal, ao aprendizado de uma

profissão produtiva porque, ao mesmo tempo em que impede a ociosidade, gera ao

condenado recursos financeiros para o atendimento das obrigações decorrentes da

responsabilidade civil, assistência à família, despesas pessoais e, até, ressarcimento

ao Estado por sua manutenção. O trabalho, durante a execução da pena restritiva da

liberdade, além dessas finalidades, impede que o preso venha, produto da

ociosidade, desviar-se dos objetivos da pena, de caráter eminentemente

ressocializador, embrenhando-se cada vez mais nos túneis submersos do crime,

corrompendo-se ou corrompendo seus companheiros de infortúnio.

177

DELMANTO, Celso. Código penal comentado. 5ª ed.. Rio de Janeiro: Editora Renovar, 2000, p. 75. 178

FRAGOSO, Heleno Cláudio. Lições de direito penal, parte geral. 14ª ed. São Paulo: Editora Forense, 1993,

p. 298.

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Aos sentenciados também deve ser oferecida a possibilidade de se aprimorarem

profissionalmente. Uma das atividades comuns realizadas no interior dos presídios é costurar

bolas. Conquanto isso possa auxiliá-lo em sua remição, fato é que, fora das grades,

dificilmente será reinserido na sociedade exercendo tal ofício.

E em face das inovações tecnológicas e da dinâmica instaurada no ambiente do

trabalho, não poderá o Sentenciado se manter por meio de trabalhos braçais.

Como o trabalho é um direito social, vale destacar as considerações de Norberto

Bobbio:

É o direito que se dá aos chamados direitos de segunda geração, e refere-se à

exigência de que o Etado reconheça aos cidadãos não apenas seu direito à liberdade

pessoal (chamados de direitos de primeira geração), mas lhes conceda a proteção ao

trabalho contra o desemprego, a instrução contra o analfabetismo, a assistência para

a invalidez e velhice.179

Deverá o Estado, dessa forma, como maneira de ressocializar, propiciar meios, que

incluam o estudo, a fim de que o Sentenciado possa previamente se preparar para as situações

que enfrentará quando deixar o cárcere.

Não é por outra razão que se pensa que o estudo sem o trabalho não tem força

suficiente para ressocializar. Ambos estão estreitamente ligados.

4.5 Formas de reparação

Um dos maiores problemas enfrentados quando se busca empreender a ressocialização

dos Sentenciados pode ser apreendido da seguinte afirmação:

[...] a pena não ressocializa, mas estigmatiza, não limpa, mas macula, como tantas

vezes se tem lembrado aos “expiacionistas”; que é mais difícil ressocializar a uma

pessoa que sofreu uma pena do que outra que não teve essa amarga experiência; que

a sociedade não pergunta por que uma pessoa esteve em um estabelecimento

penitenciário, mas tão somente se lá esteve ou não.180

A CPI do sistema carcerário bem apontou em seu relatório que não é possível

combater o crime organizado se não houver alteração substancial do sistema penitenciário. Os

179

BOBBIO, Norberto. A era dos direitos. Rio de Janeiro: Campus, 1992, p. 63. 180

GARCIA, Pablos; MOLINA, Antônio. Régimen abierto y ejecución penal. Rep. nº 240. 1988, apud

BITTENCOURT, Cezar Roberto. Falência da pena de prisão: causas e alternativas. 4ª ed. São Paulo, Saraiva,

2011, p. 162.

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documentos da comissão, entre outros aspectos, denunciam a “fisiologia” das organizações

criminosas nesse ambiente.

No Centro de Detenção Provisória de Pinheiros, zona Sul de São Paulo, logo na

primeira cela – a de triagem que abriga detentos recém-chegados – a CPI viu, no

teto, escrito em tinta preta, a palavra PCC. Todos os presos ouvidos pela CPI

confirmaram pertencer à facção e exaltaram a “ajuda” do PCC à massa carcerária,

chamada por um dos presos de “minha família”. Confirmaram a ajuda que a

organização dá aos seus familiares, distribuindo cestas básicas e pagando transporte

e enterros.181

Sob uma perspectiva otimista, diríamos que o quadro descrito pela CPI em 2009 se

mantém. No entanto, com a ausência de políticas públicas efetivas dirigidas ao sistema

penitenciário desde o inquérito – algumas das quais vimos discutindo ao longo deste trabalho

–, ter-se-ia que admitir que houve um agravamento da situação.

A CPI também advertiu, em suas conclusões, que os Poderes Executivos Federal e

Estaduais devem cumprir o “estabelecido na Constituição, na Lei de Execução Penal, além de

respeitarem os tratados internacionais de direitos humanos dos quais o Brasil é signatário”182

,

o que não ocorre atualmente.

Como referido alhures, quando o Estado deixa de possibilitar o trabalho e/ou o estudo

ao Sentenciado, acaba por causar-lhe dano sob três aspectos iniciais:

1. Por lhe negar direito à remição de pena;

2. Por lhe obstar o direito ao aperfeiçoamento por meio do estudo, do trabalho ou

de ambos; e

3. Por não lhe viabilizar recursos financeiros com que possa efetuar o pagamento

de sua pena de multa, se a ela também for condenado.

Observe-se que a Resolução nº 14, de 11 de novembro de 1994, que fixou as Regras

Mínimas para o Tratamento do Preso no Brasil, dispõe, em seu artigo 64, que “o Conselho

Nacional de Política Criminal e Penitenciária adotará as providências essenciais ou

complementares para cumprimento das Regras Mínimas estabelecidas nesta resolução, em

todas as Unidades Federativas”. Estas regras também dispõem sobre a oferta de estudo e

trabalho aos Sentenciados. Diante de tão claro imperativo, que justificativa o Estado poderia

apresentar para o fato de não estar atendendo ao que preceitua essa Resolução, sobretudo

quanto às medidas socioeducativas de ressocialização?

181

Disponível em: http://bd.camara.gov.br/bd/bitstream/handle/bdcamara/2701/cpi_sistema_carcerario.pdf.

Acessado em 02 de abril de 2012, p. 59. 182

Disponível em: http://bd.camara.gov.br/bd/bitstream/handle/bdcamara/2701/cpi_sistema_carcerario.pdf.

Acessado em 02 de abril de 2012, p. 60.

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116

Vale dizer que a pessoa que é encarcerada e passa por situações que só ela é capaz de

exprimir – e especialmente por isso – pode recobrar a esperança ao ver que, em algum

momento, seus direitos são, de alguma forma, observados.

A experiência da prisão pode ser, dependendo da forma como se a concebe, positiva

ou negativa, afinal, “ocorre que um homem passa, às vezes, por transformações tais que não

seria fácil dizer que ele é o mesmo.”183

Se esta experiência for ruim o suficiente para coibir a prática de novos delitos e

possibilitar ao Sentenciado uma nova oportunidade de recomeço, então terá sido útil a

imposição da pena.

Por meio do trabalho, garante-se, ainda, ao Sentenciado a remuneração, como

determina o Código Penal.184

O que é remuneração?

Nos termos utilizados no artigo 39, remuneração, na Língua Portuguesa, significa

“Ato ou efeito de remunerar. 1. retribuição por serviço ou favor prestado; recompensa,

prêmio. 2. gratificação, ger. em dinheiro, por trabalho realizado; salário, recompensa,

gratificação.”185

Já para o direito do trabalho, o sentido é outro: “REMUNERAÇÃO. 1. Direito do

trabalho. A) Pagamento esporádico a que faz jus o empregado, apesar de não estar incluído no

salário, por ter sido ajustado no contrato trabalhista (Othon Sidou). [...]”.186

Em apoio ao que vimos discutindo sobre o trabalho no processo de ressocialização,

vale colacionar a decisão exarada por meio do AGRAVO EM EXECUÇÃO PENAL N.

0004179-79.2010.4.01.4100 (2010.41.00.001852-5)/RO:

[...] 1. Trata-se de agravo em execução interposto por BENIJOEL BASTOS

FERREIRA (réu preso) contra decisão proferida pelo Juiz Federal Corregedor da

Penitenciária Federal de Porto Velho/RO, Élcio Arruda, que indeferiu seu pedido de

183

SPINOZA, Benedictus de. Ética. Tradução de Tomaz Tadeu. Belo Horizonte: Autêntica Editora, 2009, p.

184. 184

“Art. 39 - O trabalho do preso será sempre remunerado, sendo-lhe garantidos os benefícios da Previdência

Social”. 185

HOUAISS, Antônio; VILLAR, Mauro de Salles. Dicionário Houaiss da língua portuguesa, elaborado pelo

Instituto Antônio Houaiss de Lexicografia e Banco de Dados da Língua Portuguesa S/C Ltda. 1. Ed. Rio de

Janeiro: Objetiva, 2009, p. 1643. 186

DINIZ, Maria Helena. Dicionário jurídico. 2ª ed. rev. autal. e aum. São Paulo: Saraiva, 2005, p. 154.

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117

remição independentemente de trabalho, sob o fundamento de que a ausência de

trabalho no ambiente carcerário impede o seu reconhecimento.

2. Dispõe a Lei de Execução Penal, instituída pela Lei 7.210, de 11/07/84, que:

Art. 31 – O condenado à pena privativa de liberdade está obrigado ao trabalho na

medida de suas aptidões e capacidade.

Parágrafo único. Para o preso provisório, o trabalho não é obrigatório e só poderá ser

executado no interior do estabelecimento.

Art. 32. Na atribuição do trabalho deverão ser levadas em conta a habilitação, a

condição pessoal e as necessidades futuras do preso, bem como as oportunidades

oferecidas pelo mercado. [...]

Art. 33 A jornada normal de trabalho não será inferior a 6 (seis) nem superior a 8

(oito) horas, com descanso nos domingos e feriados.

Parágrafo único. Poderá ser atribuído horário especial de trabalho aos presos

designados para os serviços de conservação e manutenção do estabelecimento penal.

Art. 34. O trabalho poderá ser gerenciado por fundação, ou empresa pública, com

autonomia administrativa, e terá por objetivo a formação profissional do condenado.

§ 1º. Nessa hipótese, incumbirá à entidade gerenciadora promover e supervisionar a

produção, com critérios e métodos empresariais, encarregar-se de sua

comercialização, bem como suportar despesas, inclusive pagamento de

remuneração adequada.

§ 2º Os governos federal, estadual e municipal poderão celebrar convênio com a

iniciativa privada, para implantação de oficinas de trabalho referentes a setores de

apoio dos presídios.

Art. 39. Constituem deveres do condenado:

.......

V- execução do trabalho, das tarefas e das ordens recebidas;

Parágrafo único. Aplica-se ao preso provisório, no que couber, o disposto neste

artigo.

Art.41 – Constituem direitos do preso:

I – omissis.

II – atribuição de trabalho e sua remuneração

VII - assistência material, à saúde, jurídica, educacional, social e religiosa;

[...]

Art. 126. O condenado que cumpre a pena em regime fechado ou semiaberto poderá

remir, pelo trabalho, parte do tempo de execução da pena.

§ 1º A contagem do tempo para o fim deste artigo será feita à razão de 1 (um) dia de

pena por 3 (três) de trabalho.

§ 2º O preso impossibilitado de prosseguir no trabalho, por acidente, continuará a

beneficiar-se com a remição.

§ 3º A remição será declarada pelo Juiz da execução, ouvido o Ministério Público.

Como se vê, a atribuição de trabalho e assistência educacional constitui direitos

conferidos ao encarcerado pela Lei de Execução Penal. E, quanto à atividade

laborativa, a LEP garante ao preso que cumpre pena em regime fechado ou

semiaberto o direito de remir, pelo trabalho, parte dela, tendo como objetivo a

formação profissional do condenado. Essa formação profissional é que dará a ele a

oportunidade de se integrar e voltar ao convívio social.

É obrigatório o trabalho para o preso, conforme dispõe o art. 31, da LEP e, ainda, lhe

é garantido, pela redação do art. 41, II, do mesmo diploma legal, o direito de

trabalhar. Portanto, não pode o Estado simplesmente alegar que o estabelecimento

prisional, onde o preso cumpre pena, não disponibiliza meios de realização da

atividade laborativa, impossibilitando o exercício do direito-dever pelo apenado,

pois assim estaria se negando a ele o direito de remir sua pena e mais rapidamente

gozar de sua liberdade, por motivo alheio à sua vontade.

Além disso, o art. 6º da Constituição Federal coloca o trabalho como um dos direitos

sociais e, desse modo, a indisponibilidade de vaga não deve obstar o exercício desse

direito pelo preso. Segundo Júlio Fabbrini Mirabete, in Execução Penal, 10ª edição,

Atlas, São Paulo, pág. 88:

[...] se o Estado tem o direito de exigir que o condenado trabalhe, conforme os

termos legais, tem o preso o “direito social” ao trabalho (art. 6º da Constituição

Federal de 1988). Como por seu status de condenado em cumprimento de pena

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privativa de liberdade, ou de objeto de medida de segurança detentiva, não pode

exercer esse direito, ao Estado incube o dever de dar-lhe trabalho. Por isso, dispõe-

se que é direito do preso a atribuição de trabalho e sua remuneração (art. 41, II, da

LEP).

De outra parte, não merece prosperar o pleito do agravante quanto à contagem dos

dias não laborados para fins de remição, pois que, na verdade, ainda que por motivos

alheios à sua vontade, não houve trabalho, e, conforme disposto no art. 130 da Lei

de Execução Penal:

Constitui o crime do artigo 299 do Código Penal declarar ou atestar falsamente

prestação de serviço para fim de instruir pedido de remição.

Sobre a matéria, o precedente deste Tribunal em caso semelhante, de que fui relator,

assim decidiu, in verbis:

PENAL. PROCESSO PENAL. AGRAVO EM EXECUÇÃO. AUTORIZAÇÃO

PARA TRABALHO INTRAMURUS. REMIÇÃO. LEI DE EXECUÇÕES

PENAIS, ARTIGOS 31 E 41, II. INDISPONIBILIDADE DE VAGAS.

CONTAGEM DE DIAS NÃO TRABALHADO. IMPOSSIBILIDADE. LEP,

ARTIGO 130.

1. A Lei de Execução Penal, instituída pela Lei 7.210/94, garante ao preso que

cumpre pena em regime fechado ou semiaberto o direito de remir, pelo trabalho,

parte dela, tendo como objetivo a formação profissional do condenado, de modo a

proporcionar-lhe a oportunidade de se integrar e voltar ao convívio social.

2. Mesmo não sendo obrigatório o trabalho para o preso provisório, conforme dispõe

o parágrafo único do art. 31 da Lei 7.210/94, foi-lhe garantido, pela redação de seu

art. 41,II, o direito de trabalhar. Não pode, portanto, o Estado alegar

indisponibilidade de vagas para o trabalho interno na penitenciária, impossibilitando

o exercício do direito-dever pelo preso, pois, assim, estar-se-ia negando a ele o

direito de remir sua pena e mais rapidamente gozar de sua liberdade, por motivo

alheio à sua vontade.187

Em suma, sendo o Sentenciado condenado à pena privativa de liberdade ou ao regime

semiaberto, deverá ele receber do Estado condições mínimas para se ressocializar: estudo e

trabalho. Deixando o Estado de garantir este direito ao Sentenciado, deverá responder objetiva

e civilmente pelos danos causados.

O valor da indenização deve atender ao mesmo parâmetro para a fixação da pena de

prestação pecuniária no que concerne ao patamar mínimo, ou seja, um salário mínimo.

Caberia ao magistrado, por meio do princípio da equidade, limitar o valor máximo das

indenizações, uma vez que se trata de violação, pelo Estado, de disposições legais.

187

Disponível: http://www.elciopinheirodecastro.com.br/documentos/primeira/agosto10/08_08_2010.pdf.

Acessado: 02 de maio de 2013. Em sentindo contrário: “AGRAVO EM EXECUÇÃO PENAL. PRETENSÃO

DE REMIÇÃO FICTA OU PRESUMIDA DA PENA. ARGUIÇÃO DE OMISSÃO DO ESTADO.

IMPOSSIBILIDADE. NECESSIDADE DE COMPROVAÇÃO DE EFETIVO TRABALHO, SOB PENA DE

AFRONTA AO PRINCÍPIO CONSTITUCIONAL DA ISONOMIA. “Só se forma o direito à remição se houve

efetiva prestação de trabalho. Inexistência na legislação brasileira de remição que se estribe em tempo de

trabalho não prestado, mas que seria possível ser exercido.” (Agravo em Execução Penal nº. 1. 0000. 00.

341049-5/000, Relator: Des. Kelsen Carneiro). (TJMG; AgExcPen 5127478-54.2009.8.13.0000; Alfenas;

Primeira Câmara Criminal; Rel. Desig. Des. Delmival de Almeida Campos; Julg. 09/11/2010; DJEMG

14/01/2011).” Disponível em: www2.mp.pr.gov.br/cpcrime/boletim84/cep_b84_j_16.doc. Acessado: 02 de maio

de 2013.

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Sem embargo de entendimento em contrário, há de se destacar, como bem o fez a CPI

do Sistema Carcerário, que:

O tratamento desumano dado aos presos e seus familiares é uma realidade histórica,

que não teve nenhuma alteração com a aprovação da Lei de Execução Penal, em

julho de 1984, que, caso fosse efetivamente aplicada, garantiria aos presos e seus

familiares uma outra perspectiva de futuro. Todavia, nas últimas três décadas, o

problema se agravou. Além da ampliação das dificuldades já existentes (como

superlotação, tortura e assassinatos), houve a expansão do narcotráfico e o aumento

significativo da população carcerária, e os estabelecimentos prisionais brasileiros

passaram a ser dominados por facções criminosas.188

Vale dizer que,

Além da repressão legal e institucional por parte do Estado contra as organizações

criminosas, que atuam no interior do sistema carcerário e também fora, deve o poder

público em todos os seus níveis eliminar as bases e as causas de sua existência,

mediante políticas públicas à população encarcerada e também aos seus familiares, a

partir do cumprimento da legislação em vigor.189

Além da indenização, se o Sentenciado deixar de estudar e/ou trabalhar em face da

omissão do Estado, deve ele ter computada, para fins da execução penal, a remição da pena

(remição ficta), na forma disciplinada em lei, a partir do momento em que demonstra seu

interesse pelo estudo e/ou trabalho e este lhe é negado.

Entende-se, assim, que todas as vezes que o Estado deixar de cumprir com os ditames

previstos em lei, sua responsabilidade precisará ser apurada.

Com base no artigo 37, parágrafo sexto, da Constituição Federal, bem como por meio

da Lei de Execução Penal e dos Tratados Internacionais, o Sentenciado poderá, desde que

assim o deseje, promover ação de Responsabilidade Civil contra a Fazenda Pública, para que

o Estado responda civilmente por sua omissão.

188

Disponível em: http://bd.camara.gov.br/bd/bitstream/handle/bdcamara/2701/cpi_sistema_carcerario.pdf.

Acessado em 02 de abril de 2012, p. 62. 189

Disponível em: http://bd.camara.gov.br/bd/bitstream/handle/bdcamara/2701/cpi_sistema_carcerario.pdf.

Acessado em 02 de abril de 2012, p. 65.

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CONCLUSÃO

O objetivo primordial do desenvolvimento deste trabalho está na percepção de que não

haverá redução dos índices de criminalidade enquanto o Estado não assumir e, efetivamente,

cumprir o que é seu dever, a saber: dar condições dignas para a formação do ser humano e,

consequentemente, amparar os que, por falta de sua assistência, enveredaram para a seara do

crime.

O Brasil é o quarto país da América Latina a apresentar maior desigualdade entre as

classes sociais, discrepância que reputamos, salvo melhor juízo, como a grande fomentadora

de criminalidade em nosso país.

O sistema prisional brasileiro contemporâneo colabora para o acirramento do ódio em

seus detentos, à medida que os submete a condições subumanas e nega-lhes o direito à

ressocialização.

De acordo com o artigo 37, parágrafo 6º, da Constituição Federal, observa-se que o

Estado responde objetivamente pelos danos que causar aos administrados. Basta a

demonstração do nexo de causalidade existente entre o dano e a lesão para que se constitua o

dever de indenizar por danos, sejam eles de natureza material e/ou moral.

O Estado deve responder, inclusive, por omissão, quando deixar de tutelar direitos e

garantias fundamentais, desviando-se do atendimento ao princípio da dignidade da pessoa

humana.

A nosso ver, com todo respeito a opiniões divergentes, o Sentenciado deve promover

ação de responsabilidade civil contra a Fazenda Pública, quanto não há tutela de seus direitos

e garantias fundamentais previstos na Constituição Federal, na Lei de Execução Penal, nos

Tratados Internacionais, enfim, quando a Administração deixa de cumprir a lei que a ela

também se impõe.

Ademais, compete ao Poder Judiciário, ao aplicar a lei ao caso concreto, decidir

obviamente pela responsabilização do Estado, quando nitidamente se caracteriza sua omissão

na ressocialização do Sentenciado ou quando deixa de lhe garantir condições dignas de

permanência no ambiente prisional em face da falência dessas instituições.

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A necessidade de se disponibilizar ao Sentenciado forma de ressocialização por meio

do estudo e do trabalho deve ser outorgada, uma vez que esta dinâmica foi inserida na LEP

por meio do próprio Estado. No entanto, para se isentar de responsabilidade, o Estado nega a

vigência da lei por ele mesmo sancionada.

A nosso ver, sem embargo de entendimento em contrário, convém repetir que

entendemos que o Sentenciado deve ser submetido à pena que o Estado lhe impuser por meio

de decisão judicial. Todavia e no mesmo sentido, deve o Estado haver-se com sua

responsabilidade, caso não possibilite aquilo que, a nosso ver, data venia, é direito e dever do

Sentenciado: o trabalho e a ressocialização.

Por mais utópico que possa parecer o discurso, não vemos como se possa distanciar

Sentenciados e ressocialização, sobretudo quando se leva em consideração um acréscimo nos

números da criminalidade, indicativo evidente, por um lado, da incapacidade do Estado em

fazê-los retroceder e, por outro, de sua omissão quanto ao investimento na recuperação, pela

via do estudo e do trabalho, daqueles que doravante devolverá à ordem social.

A responsabilidade do Estado por omissão já ocorre em várias situações, tais como:

"Morte de detento por colega de prisão – Omissão do serviço carcerário quanto à vigilância

adequada e quanto à prevenção – Responsabilidade objetiva caracterizada." Verba devida.

RT nº 713/193; "Fazenda Pública – Responsabilidade Civil – Suicídio de detento, preso em

razão de exaltação de ânimo, quando isolado na cela – Omissão e Negligência dos agentes

policiais na garantia de vida do acautelado – Nexo de causalidade evidenciado – Teoria do

Risco Administrativo – Obrigação do Estado de indenizar – Sentença confirmada" – TJSP – 3

ª Câm. De Direito Público, AC n º 21. 671-5 SP; Rel. Des. Ribeiro Machado; j. 30/06/1998;

v.u) JTJ 214/86.

Entendemos que a responsabilidade do Estado deve ser buscada para se ter efetividade

quanto ao cumprimento da Constituição Federal, da Lei de Execução Penal, dos Tratados

Internacionais, enfim quanto às normas que disciplinam, direta e indiretamente, a

responsabilidade do Estado na ressocialização do Sentenciado.

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ANEXO 1

Regras Mínimas para o Tratamento dos Reclusos - 1955

Adotadas pelo Primeiro Congresso das Nações Unidas sobre a Prevenção do Crime e o

Tratamento dos Delinqüentes, realizado em Genebra em 1955, e aprovadas pelo Conselho

Econômico e Social das Nações Unidas através das suas resoluções 663 C (XXIV), de 31 de

Julho de 1957 e 2076 (LXII), de 13 de Maio de 1977.Resolução 663 C (XXIV) do Conselho

Econômico e Social

O Conselho Econômico e Social

1. Aprova as Regras Mínimas para o Tratamento de Reclusos, adotadas pelo Primeiro

Congresso das Nações Unidas para a Prevenção do Crime e o Tratamento dos Delinqüentes

(37);

2. Chama a atenção dos Governos para o Conjunto destas regras e recomenda:

a) Que a sua adoção e aplicação nos estabelecimentos penitenciários e correcionais seja

favoravelmente encarada;

b) Que o Secretário-Geral seja informado de cinco em cinco anos dos progressos feitos

relativamente à sua aplicação;

c) Que os Governos adotem as medidas necessárias para dar a mais ampla publicidade

possível às Regras Mínimas, não apenas junto dos organismos públicos interessados, mas

também junto das organizações não governamentais que se ocupam da defesa social;

3. Autoriza o Secretário-Geral a adotar os procedimentos necessários para assegurar, em

termos adequados a publicação das informações recebidas nos termos da alínea b) do

parágrafo 2, supra, e a pedir, se necessário, informações suplementares.

Regras Mínimas para o Tratamento de Reclusos

Resolução adotada a 31 de Agosto de 1955

O Primeiro Congresso das Nações Unidas para a Prevenção do Crime e o Tratamento dos

Delinqüentes,

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Tendo adotado as Regras Mínimas para o Tratamento de Reclusos, anexas à presente

resolução,

1. Solicita ao Secretário-Geral que, de acordo com a alínea d) do anexo à Resolução 415(V)

da Assembléia Geral das Nações Unidas, submeta estas Regras à aprovação da Comissão dos

Assuntos Sociais do Conselho Econômico e Social;

2. Confia em que estas Regras sejam aprovadas pelo Conselho Econômico e Social e, se o

Conselho considerar oportuno, pela Assembléia Geral, e que sejam transmitidas aos Governos

com a recomendação de (a) que examinem favoravelmente a sua adoção e aplicação na

administração dos estabelecimentos penitenciários, e (b) que o Secretário-Geral seja

informado de três em três anos dos progressos realizados no que respeita à sua aplicação;

3. Expressa o desejo de que, para manter os Governos informados dos progressos realizados

neste domínio, se solicite ao Secretário-Geral que publique na Revista Internacional de

Política Criminal as informações enviadas pelos Governos, em cumprimento do disposto no

parágrafo 2, e que autorize o pedido de informação suplementar, se necessário;

4. Expressa ainda o desejo de que se solicite ao Secretário-Geral que tome as medidas

necessárias para assegurar que a mais ampla publicidade seja dada a estas Regras.

ANEXO

Regras Mínimas para o Tratamento de Reclusos*

OBSERVAÇÕES PRELIMINARES

1. As regras que se seguem não pretendem descrever em pormenor um modelo de sistema

penitenciário. Procuram unicamente, com base no consenso geral do pensamento atual e nos

elementos essenciais dos mais adequados sistemas contemporâneos, estabelecer os princípios

e regras de uma boa organização penitenciária e as práticas relativas ao tratamento de

reclusos.

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2. Tendo em conta a grande variedade das condições legais, sociais, econômicas e geográficas

do mundo, é evidente que nem todas as regras podem ser aplicadas indistinta e

permanentemente em todos os lugares. Devem, contudo, servir como estímulo de esforços

constantes para ultrapassar dificuldades práticas na sua aplicação, na certeza de que

representam, em conjunto, as condições mínimas aceites pelas Nações Unidas.

3. Além disso, os critérios que se aplicam às matérias tratadas por estas regras evoluem

constantemente. Não se pode excluir a possibilidade de experiências e da adoção de novas

práticas, desde que estas se ajustem aos princípios e objetivos que informaram a adoção das

regras. De acordo com este princípio, pode a administração penitenciária central autorizar

exceções às regras.

4.

1) A primeira parte das regras trata das matérias relativas à administração geral dos

estabelecimentos penitenciários e é aplicável a todas as categorias de reclusos, dos foros

criminal ou civil, em regime de prisão preventiva ou já condenados, incluindo os que estejam

detidos por aplicação de medidas de segurança ou que sejam objeto de medidas de reeducação

ordenadas por um juiz.

2) A segunda parte contém as regras que são especificamente aplicáveis às categorias de

reclusos de cada secção. Contudo as regras da secção A, aplicáveis aos reclusos condenados,

serão também aplicadas às categorias de reclusos a que se referem às secções B, C e D, desde

que não sejam contraditórias com as regras específicas destas secções e na condição de

constituírem uma melhoria de condições para estes reclusos.

5.

1) Estas regras não têm como objetivo enquadrar a organização dos estabelecimentos para

jovens delinqüentes (estabelecimentos Borstal, instituições de reeducação, etc.). Contudo, e na

generalidade, deve considerar-se que a primeira parte destas regras mínimas também se aplica

a esses estabelecimentos.

2) A categoria de jovens reclusos deve, em qualquer caso, incluir os menores que dependem

da jurisdição dos Tribunais de Menores. Como norma geral, não se deveriam condenar os

jovens delinqüentes a penas de prisão.

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PARTE I

Regras de aplicação geral

Princípio básico

6.

1) As regras que se seguem devem ser aplicadas imparcialmente. Não haverá discriminação

alguma com base em raça, cor, sexo, língua, religião, opinião política ou outra, origem

nacional ou social, meios de fortuna, nascimento ou outra condição.

2) Por outro lado, é necessário respeitar as crenças religiosas e os preceitos morais do grupo a

que pertença o recluso.

Registro

7.

1) Em todos os locais em que haja pessoas detidas, haverá um livro oficial de registro, com

páginas numeradas, no qual serão registrados, relativamente a cada recluso:

a) A informação respeitante à sua identidade;

b) Os motivos da detenção e a autoridade competente que a ordenou;

c) O dia e a hora da sua entrada e saída.

2) Nenhuma pessoa deve ser admitida num estabelecimento penitenciário sem uma ordem de

detenção válida, cujos pormenores tenham sido previamente registrados no livro de registro.

Separação de categorias

8. As diferentes categorias de reclusos devem ser mantidas em estabelecimentos

penitenciários separados ou em diferentes zonas de um mesmo estabelecimento penitenciário,

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tendo em consideração o respectivo sexo e idade, antecedentes penais, razões da detenção e

medidas necessárias a aplicar. Assim:

a) Na medida do possível, homens e mulheres devem estar detidos em estabelecimentos

separados; nos estabelecimentos que recebam homens e mulheres, a totalidade dos locais

destinados às mulheres será completamente separada;

b) Presos preventivos devem ser mantidos separados dos condenados;

c) Pessoas presas por dívidas ou outros reclusos do foro civil devem ser mantidos separados

de reclusos do foro criminal;

d) Os jovens reclusos devem ser mantidos separados dos adultos.

Locais de reclusão

9.

1) As celas ou locais destinados ao descanso notório não devem ser ocupados por mais de um

recluso. Se, por razões especiais, tais como excesso temporário de população prisional, for

necessário que a administração penitenciária central adote exceções a esta regra, deve evitar-

se que dois reclusos sejam alojados numa mesma cela ou local.

2) Quando se recorra à utilização de dormitórios, estes devem ser ocupados por reclusos

cuidadosamente escolhidos e reconhecidos como sendo capazes de serem alojados nestas

condições. Durante a noite, deverão estar sujeitos a uma vigilância regular, adaptada ao tipo

de estabelecimento prisional em causa.

Locais destinados aos reclusos

10. As acomodações destinadas aos reclusos, especialmente dormitórios, devem satisfazer

todas as exigências de higiene e saúde, tomando-se devidamente em consideração as

condições climatéricas e especialmente a cubicagem de ar disponível, o espaço mínimo, a

iluminação, o aquecimento e a ventilação.

11. Em todos os locais destinados aos reclusos, para viverem ou trabalharem:

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a) As janelas devem ser suficientemente amplas de modo a que os reclusos possam ler ou

trabalhar com luz natural,

e devem ser construídas de forma a permitir a entrada de ar fresco, haja ou não ventilação

artificial;

b) A luz artificial deve ser suficiente para permitir aos reclusos ler ou trabalhar sem prejudicar

a vista.

12. As instalações sanitárias devem ser adequadas, de modo a que os reclusos possam efetuar

as suas necessidades quando precisarem, de modo limpo e decente.

13. As instalações de banho e ducha devem ser suficientes para que todos os reclusos possam,

quando desejem ou lhes seja exigido, tomar banho ou ducha a uma temperatura adequada ao

clima, tão freqüentemente quanto necessário à higiene geral, de acordo com a estação do ano

e a região geográfica, mas pelo menos uma vez por semana num clima temperado.

14. Todas as zonas de um estabelecimento penitenciário usadas regularmente pelos reclusos

devem ser mantidas e conservadas sempre escrupulosamente limpas.

Higiene pessoal

15. Deve ser exigido a todos os reclusos que se mantenham limpos e, para este fim, ser-lhes-

ão fornecidos água e os artigos de higiene necessários à saúde e limpeza.

16. A fim de permitir aos reclusos manter um aspecto correto e preservar o respeito por si

próprios, ser-lhes-ão garantidos os meios indispensáveis para cuidar do cabelo e da barba; os

homens devem poder barbear-se regularmente.

Vestuário e roupa de cama

17.

1) Deve ser garantido vestuário adaptado às condições climatéricas e de saúde a todos os

reclusos que não estejam autorizados a usar o seu próprio vestuário. Este vestuário não deve

de forma alguma ser degradante ou humilhante.

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2) 2) Todo o vestuário deve estar limpo e ser mantido em bom estado. As roupas interiores

devem ser mudadas e lavadas tão freqüentemente quanto seja necessário para manutenção da

higiene.

3) Em circunstâncias excepcionais, sempre que um recluso obtenha licença para sair do

estabelecimento, deve ser autorizado a vestir as suas próprias roupas ou roupas que não

chamem a atenção.

18. Sempre que os reclusos sejam autorizados a utilizar o seu próprio vestuário, devem ser

tomadas disposições no momento de admissão no estabelecimento para assegurar que este

seja limpo e adequado.

19. A todos os reclusos, de acordo com padrões locais ou nacionais, deve ser fornecido um

leito próprio e roupa de cama suficiente e própria, que estará limpa quando lhes for entregue,

mantida em bom estado de conservação e mudada com a freqüência suficiente para garantir a

sua limpeza.

Alimentação

20.

1) A administração deve fornecer a cada recluso, há horas determinadas, alimentação de valor

nutritivo adequado à saúde e à robustez física, de qualidade e bem preparada e servida.

2) Todos os reclusos devem ter a possibilidade de se prover com água potável sempre que

necessário.

Exercício e desporto

21.

1) Todos os reclusos que não efetuam trabalho no exterior devem ter pelo menos uma hora

diária de exercício adequado ao ar livre quando o clima o permita.

2) Os jovens reclusos e outros de idade e condição física compatíveis devem receber durante o

período reservado ao exercício, educação física e recreativa. Para este fim, serão colocados à

disposição dos reclusos o espaço, instalações e equipamento adequados.

Serviços médicos

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22.

1) Cada estabelecimento penitenciário deve dispor dos serviços de pelo menos um médico

qualificado, que deverá ter alguns conhecimentos de psiquiatria. Os serviços médicos devem

ser organizados em estreita ligação com a administração geral de saúde da comunidade ou da

nação. Devem incluir um serviço de psiquiatria para o diagnóstico, e em casos específicos, o

tratamento de estados de perturbação mental.

2) Os reclusos doentes que necessitem de cuidados especializados devem ser transferidos para

estabelecimentos especializados ou para hospitais civis. Quando o tratamento hospitalar é

organizado no estabelecimento este deve dispor de instalações, material e produtos

farmacêuticos que permitam prestar aos reclusos doentes os cuidados e o tratamento

adequados; o pessoal deve ter uma formação profissional suficiente.

3) Todos os reclusos devem poder beneficiar dos serviços de um dentista qualificado.

23.

1) Nos estabelecimentos penitenciários para mulheres devem existir instalações

especiais para o tratamento das reclusas grávidas, das que tenham acabado de dar à luz

e das convalescentes. Desde que seja possível, devem ser tomadas medidas para que o

parto tenha lugar num hospital civil. Se a criança nascer num estabelecimento

penitenciário, tal fato não deve constar do respectivo registro de nascimento.

2) Quando for permitido às mães reclusas conservar os filhos consigo, devem ser

tomadas medidas para organizar um inventário dotado de pessoal qualificado, onde as

crianças possam permanecer quando não estejam ao cuidado das mães.

24. O médico deve examinar cada recluso o mais depressa possível após a sua admissão no

estabelecimento penitenciário e em seguida sempre que, necessário, com o objetivo de

detectar doenças físicas ou mentais e de tomar todas as medidas necessárias para o respectivo

tratamento; de separar reclusos suspeitos de serem portadores de doenças infecciosas ou

contagiosas; de detectar as deficiências físicas ou mentais que possam constituir obstáculos a

reinserção dos reclusos e de determinar a capacidade física de trabalho de cada recluso.

25.

1) Ao médico compete vigiar a saúde física e mental dos reclusos. Deve visitar

diariamente todos os reclusos doentes, os que se queixem de doença e todos aqueles

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para os quais a sua atenção é especialmente chamada.

2) O médico deve apresentar relatório ao diretor, sempre que julgue que a saúde física

ou mental foi ou será desfavoravelmente afetada pelo prolongamento ou pela

aplicação de qualquer modalidade de regime de reclusão.

26.

1) O médico deve proceder a inspeções regulares e aconselhar o diretor sobre:

a) A quantidade, qualidade, preparação e distribuição dos alimentos;

b) A higiene e asseio do estabelecimento penitenciário e dos reclusos;

c) As instalações sanitárias, aquecimento, iluminação e ventilação do

estabelecimento;

d) A qualidade e asseio do vestuário e da roupa de cama dos reclusos;

e) A observância das regras respeitantes à educação física e desportiva, nos

casos em que não haja pessoal especializado encarregado destas atividades.

2) O diretor deve tomar em consideração os relatórios e os conselhos do médico

referidos nas regras 25(2) e 26 e, se houver acordo, tomar imediatamente as medidas

sugeridas para que estas recomendações sejam seguidas; em caso de desacordo ou se a

matéria não for da sua competência, transmitirá imediatamente à autoridade superior a

sua opinião e o relatório médico.

Disciplina e sanções

27. A ordem e a disciplina devem ser mantidas com firmeza, mas sem impor mais restrições

do que as necessárias para a manutenção da segurança e da boa organização da vida

comunitária.

28.

1) Nenhum recluso poderá desempenhar nos serviços do estabelecimento qualquer

atividade que comporte poder disciplinar.

2) Esta regra, contudo, não deve impedir o bom funcionamento de sistemas baseados

na autogestão, nos quais certas atividades ou responsabilidades sociais, educativas ou

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desportivas podem ser confiadas, sob controlo, a grupos de reclusos tendo em vista o

seu tratamento.

29. Os seguintes pontos devem ser determinados por lei ou regulamentação emanada da

autoridade administrativa competente:

a) A conduta que constitua infração disciplinar;

b) O tipo e a duração das sanções disciplinares que podem ser aplicadas;

c) A autoridade competente para pronunciar essas sanções.

30.

1) Um recluso só pode ser punido de acordo com as disposições legais ou

regulamentares e nunca duas vezes pela mesma infração.

2) Nenhum recluso pode ser punido sem ter sido informado da infração de que é

acusado e sem que lhe seja dada uma oportunidade adequada para apresentar a sua

defesa. A autoridade competente examinará o caso exaustivamente.

3) Quando necessário e possível, o recluso deve ser autorizado a defender-se por meio

de um intérprete.

31. As penas corporais, a colocação em "segredo escuro" bem como todas as punições cruéis,

desumanas ou degradantes devem ser completamente proibidas como sanções disciplinares.

32.

1) As penas de isolamento e de redução de alimentação não devem nunca ser

aplicadas, a menos que o médico tenha examinado o recluso e certificado, por escrito,

que ele está apto para as suportar.

2) O mesmo se aplicará a outra qualquer sanção que possa ser prejudicial à saúde

física ou mental do recluso. Em nenhum caso devem tais sanções contrariar ou

divergir do princípio estabelecido na regra 31.

3) O médico deve visitar diariamente os reclusos submetidos a tais sanções e deve

apresentar relatório ao diretor, se considerar necessário pôr fim ou modificar a sanção

por razões de saúde física ou mental.

Instrumentos de coação

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33. A sujeição a instrumentos tais como algemas, correntes, ferros e coletes de força nunca

deve ser aplicada como sanção. Mais ainda, correntes e ferros não devem ser usados como

instrumentos de coação. Quaisquer outros instrumentos de coação só podem ser utilizados nas

seguintes circunstâncias:

a) Como medida de precaução contra uma evasão durante uma transferência,

desde que sejam retirados logo que o recluso compareça perante uma

autoridade judicial ou administrativa;

b) Por razões médicas sob indicação do médico;

c) Por ordem do diretor, depois de se terem esgotado todos os outros meios de

dominar o recluso, a fim de o impedir de causar prejuízo a si próprio ou a

outros ou de causar estragos materiais; nestes casos o diretor deve consultar o

médico com urgência e apresentar relatório à autoridade administrativa

superior.

34. O modelo e o modo de utilização dos instrumentos de coação devem ser decididos pela

administração penitenciária central. A sua aplicação não deve ser prolongada para além do

tempo estritamente necessário.

Informação e direito de queixa dos reclusos

35.

1) No momento da admissão, cada recluso deve receber informação escrita sobre o

regime aplicável aos reclusos da sua categoria, sobre as regras disciplinares do

estabelecimento e sobre os meios autorizados para obter informações e formular

queixas; e sobre todos os outros pontos que podem ser necessários para lhe permitir

conhecer os seus direitos e obrigações, e para se adaptar à vida do estabelecimento.

2) Se o recluso for analfabeto estas informações devem ser-lhe comunicadas

oralmente.

36.

1) Todo o recluso deve ter, em qualquer dia útil, a oportunidade de apresentar

requerimentos ou queixas ao diretor do estabelecimento ou ao funcionário autorizado a

representá-lo.

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2) Qualquer recluso deve poder apresentar requerimentos ou queixas ao inspetor das

prisões no decurso da sua visita. O recluso pode dirigir-se ao inspetor ou a qualquer

outro funcionário incumbido da inspeção fora da presença do diretor ou de outros

membros do pessoal do estabelecimento.

3) Qualquer recluso deve ser autorizado a dirigir, pela via prescrita, sem censura

quanto ao fundo, mas em devida forma, requerimentos ou queixas à administração

penitenciária central, à autoridade judiciária ou a qualquer outra autoridade

competente.

4) O requerimento ou queixa deve ser estudado sem demora e merecer uma resposta

em tempo útil, salvo se for manifestamente inconsistente ou desprovido de

fundamento.

Contactos com o mundo exterior

37. Os reclusos devem ser autorizados, sob a necessária supervisão, a comunicar

periodicamente com as suas famílias e com amigos de boa reputação, quer por

correspondência quer através de visitas.

38.

1) A reclusos de nacionalidade estrangeira devem ser concedidas facilidades razoáveis

para comunicarem com os representantes diplomáticos e consulares do Estado a que

pertencem.

2) A reclusos de nacionalidade de Estados sem representação diplomática ou consular

no país, e a refugiados ou apátridas, devem ser concedidas facilidades semelhantes

para comunicarem com representantes diplomáticos do Estado encarregado de zelar

pelos seus interesses ou com qualquer autoridade nacional ou internacional que tenha

a seu cargo a proteção dessas pessoas.

39. Os reclusos devem ser mantidos regularmente informados das notícias mais importantes

através da leitura de jornais, periódicos ou publicações penitenciárias especiais através de

transmissões de rádio, conferências ou quaisquer outros meios semelhantes, autorizados ou

controlados pela administração.

Biblioteca

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40. Cada estabelecimento penitenciário deve ter uma biblioteca para o uso de todas as

categorias de reclusos, devidamente provida com livros de recreio e de instrução e os reclusos

devem ser incentivados a utilizá-la plenamente.

Religião

41.

1) Se o estabelecimento reunir um número suficiente de reclusos da mesma religião,

deve ser nomeado ou autorizado um representante qualificado dessa religião. Se o

número de reclusos o justificar e as circunstâncias o permitirem, deve ser encontrada

uma solução permanente.

2) O representante qualificado, nomeado ou autorizado nos termos do parágrafo 1),

deve ser autorizado a organizar periodicamente serviços religiosos e a fazer, sempre

que for aconselhável, visitas pastorais, em particular aos reclusos da sua religião.

3) O direito de entrar em contacto com um representante qualificado da sua religião

nunca deve ser negado a qualquer recluso. Por outro lado, se um recluso se opõe à

visita de um representante de uma religião, a sua vontade deve ser respeitada.

42. Tanto quanto possível cada recluso deve ser autorizado a satisfazer as exigências da sua

vida religiosa, assistindo aos serviços ministrados no estabelecimento e tendo na sua posse

livros de rito e prática de ensino religioso da sua confissão.

Depósito de objetos pertencentes aos reclusos

43.

1) Quando o regulamento não autorizar aos reclusos a posse de dinheiro, objetos de

valor, peças de vestuário e outros objetos que lhes pertençam, estes devem, no

momento de admissão no estabelecimento, ser guardados em lugar seguro. Deve ser

elaborada uma lista destes objetos, assinada pelo recluso. Devem ser tomadas medidas

para conse rvar estes objetos em bom estado.

2) Estes objetos e o dinheiro devem ser restituídos ao recluso no momento da sua

libertação, com exceção do dinheiro que tenha sido autorizado a gastar, dos objetos

que tenham sido enviados pelo recluso para o exterior ou das peças de vestuário que

tenham sido destruídas por razões de higiene. O recluso deve entregar recibo dos

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objetos e do dinheiro que lhe tenham sido restituídos.

3) Na medida do possível, os valores e objetos enviados do exterior estão submetidos a

estas mesmas regras.

4) Se o recluso for portador de medicamentos ou estupefacientes no momento da

admissão, o médico decidirá sobre a sua utilização.

Notificação de morte, doença, transferência, etc.

44.

1) No caso de morte, doença grave, ou acidente grave de um recluso ou da sua

mudança para um estabelecimento para o tratamento de doenças mentais, o diretor

deve informar imediatamente o cônjuge, se o recluso for casado, ou o parente mais

próximo e, em qualquer caso, a pessoa previamente designada pelo recluso.

2) Um recluso deve ser informado imediatamente da morte ou doença grave de

qualquer parente próximo. No caso de doença crítica de um parente próximo, o recluso

deve ser autorizado, quando as circunstâncias o permitirem, a ir junto dele, quer sob

escolta quer só.

3) Cada recluso deve ter o direito de informar imediatamente a sua família da sua

prisão ou da sua transferência para outro estabelecimento penitenciário.

Transferência de reclusos

45.

1) Quando os reclusos sejam transferidos de ou para outro estabelecimento, devem ser

vistos o menos possível pelo público, e devem ser tomadas medidas apropriadas para

os proteger de insultos, curiosidade e de qualquer tipo de publicidade.

2) Deve ser proibido o transporte de reclusos em veículos com deficiente ventilação ou

iluminação, ou que de qualquer outro modo os possa sujeitar a sacrifícios físicos

desnecessários.

3) O transporte de reclusos deve ser efetuado a expensas da administração, em

condições de igualdade para todos eles.

Pessoal penitenciário

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46.

1) A administração penitenciária deve selecionar cuidadosamente o pessoal de todas as

categorias, dado que é da sua integridade, humanidade, aptidões pessoais e

capacidades profissionais que depende uma boa gestão dos estabelecimentos

penitenciários.

2) A administração penitenciária deve esforçar-se permanentemente para suscitar e

manter no espírito do pessoal e da opinião pública a convicção de que esta missão

representa um serviço social de grande importância; para o efeito, devem ser utilizados

todos os meios adequados para esclarecer o público.

3) Para a realização daqueles fins, os membros do pessoal devem desempenhar

funções a tempo inteiro na qualidade de funcionários penitenciários profissionais,

devem ter o estatuto de funcionários do Estado e ser-lhes garantida, por conseguinte,

segurança no emprego dependente apenas de boa conduta, eficácia no trabalho e

aptidão física. A remuneração deve ser suficiente para permitir recrutar e manter ao

serviço homens e mulheres competentes; as vantagens da carreira e as condições de

emprego devem ser determinadas tendo em conta a natureza penosa do trabalho.

47.

1) O pessoal deve possuir um nível intelectual adequado.

2) Deve freqüentar, antes de entrar em funções, um curso de formação geral e especial

e prestar provas teóricas e práticas.

3) Após a entrada em funções e ao longo da sua carreira, o pessoal deve conservar e

melhorar os seus conhecimentos e competências profissionais, seguindo cursos de

aperfeiçoamento organizados periodicamente.

48. Todos os membros do pessoal devem, em todas as circunstâncias, comportar-se e

desempenhar as suas funções de maneira que o seu exemplo tenha boa influência sobre os

reclusos e mereça o respeito destes.

49.

1) Na medida do possível, deve incluir-se no pessoal um número suficiente de

especialistas, tais como psiquiatras, psicólogos, trabalhadores sociais, professores e

instrutores técnicos.

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2) Os trabalhadores sociais, professores e instrutores técnicos devem exercer as suas

funções de forma permanente, mas poderá também se recorrer a auxiliares em tempo

parcial ou a voluntários.

50.

1) O diretor do estabelecimento deve ser bem qualificado para a sua função, quer pelo

seu caráter, quer pelas suas competências administrativas, formação e experiência.

2) Deve exercer a sua função oficial a tempo inteiro.

3) Deve residir no estabelecimento ou nas imediações deste.

4) Quando dois ou mais estabelecimentos estejam sob a autoridade de um único

diretor, este deve visitar ambos com freqüência. Em cada um dos estabelecimentos

deve haver um funcionário responsável.

51.

1) O diretor, o seu adjunto e a maioria dos outros membros do pessoal do

estabelecimento devem falar a língua da maior parte dos reclusos ou uma língua

entendida pela maioria deles.

2) Deve recorrer-se aos serviços de um intérprete sempre que seja necessário.

52.

1) Nos estabelecimentos cuja dimensão exija os serviços de um ou mais de um médico

a tempo inteiro, um deles pelo menos deve residir no estabelecimento ou nas suas

imediações.

2) Nos outros estabelecimentos, o médico deve visitar diariamente os reclusos e residir

suficientemente perto para acudir a casos de urgência.

53.

1) Nos estabelecimentos destinados a homens e mulheres, a secção das mulheres deve

ser colocada sob a direção de um funcionário do sexo feminino responsável que terá à

sua guarda todas as chaves dessa secção.

2) Nenhum funcionário do sexo masculino pode entrar na parte do estabelecimento

destinada às mulheres sem ser acompanhado por um funcionário do sexo feminino.

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3) A vigilância das reclusas deve ser assegurada exclusivamente por funcionários do

sexo feminino. Não obstante, isso não impede que funcionários do sexo masculino,

especialmente médicos e professores, desempenhem as suas funções profissionais em

estabelecimentos ou secções de estabelecimentos destinados a mulheres.

54.

1) Os funcionários dos estabelecimentos penitenciários não devem usar, nas suas

relações com os reclusos, de força, exceto em legítima defesa ou em casos de tentativa

de fuga, ou de resistência física ativa ou passiva a uma ordem baseada na lei ou nos

regulamentos. Os funcionários que tenham de recorrer à força não devem usar senão a

estritamente necessária, e devem informar imediatamente o diretor do estabelecimento

penitenciário quanto ao incidente.

2) Os membros do pessoal penitenciário devem receber se necessário uma formação

técnica especial que lhes permita dominar os reclusos violentos.

3) Salvo circunstâncias especiais, os agentes que assegurem serviços que os ponham

em contacto direto com os reclusos não devem estar armados. Aliás, não deverá ser

confiada uma arma a um membro do pessoal sem que ele seja treinado para o seu uso.

Inspeção

55. Haverá uma inspeção regular dos estabelecimentos e serviços penitenciários, por

inspetores qualificados e experientes, nomeados por uma autoridade competente. É seu dever

assegurar que estes estabelecimentos sejam administrados de acordo com as leis e

regulamentos vigentes, para prossecção dos objetivos dos serviços penitenciários e

correcionais.

PARTE II

Regras aplicáveis a categorias especiais

A. Reclusos condenados

Princípios gerais

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56. Os princípios gerais a seguir enunciados têm por finalidade a definição do espírito dentro

do qual os sistemas penitenciários devem ser administrados e os objetivos a que devem

tender, de acordo com a declaração feita na observação preliminar 1 do presente texto.

57. A prisão e outras medidas que resultam na separação de um criminoso do mundo exterior

são dolorosas pelo próprio fato de retirarem à pessoa o direito de autodeterminação, por a

privarem da sua liberdade. Logo, o sistema penitenciário não deve, exceto pontualmente por

razões justificáveis de segregação ou para a manutenção da disciplina, agravar o sofrimento

inerente a tal situação.

58. O fim e a justificação de uma pena de prisão ou de uma medida semelhante que priva de

liberdade é, em última instância, de proteger a sociedade contra o crime. Este fim só pode ser

atingido se o tempo de prisão for aproveitado para assegurar, tanto quanto possível, que

depois do seu regresso à sociedade, o criminoso não tenha apenas à vontade, mas esteja apto a

seguir um modo de vida de acordo com a lei e a sustentar-se a si próprio.

59. Nesta perspectiva, o regime penitenciário deve fazer apelo a todos os meios terapêuticos,

educativos, morais, espirituais e outros e a todos os meios de assistência de que pode dispor,

procurando aplicá-los segundo as necessidades do tratamento individual dos delinqüentes.

60.

1) O regime do estabelecimento deve procurar reduzir as diferenças que podem existir

entre a vida na prisão e a vida em liberdade na medida em que essas diferenças tendam

a esbater o sentido de responsabilidade do detido ou o respeito pela dignidade da sua

pessoa.

2) Antes do termo da execução de uma pena ou de uma medida é desejável que sejam

adotadas as medidas necessárias a assegurar ao recluso um regresso progressivo à vida

na sociedade. Este objetivo poderá ser alcançado, consoante os casos, por um regime

preparatório da libertação, organizado no próprio estabelecimento ou em outro

estabelecimento adequado, ou por uma libertação condicional sob um controlo que

não deve caber à polícia, mas que comportará uma assistência social.

61. O tratamento não deve acentuar a exclusão dos reclusos da sociedade, mas sim fazê-los

compreender que eles continuam fazendo parte dela. Para este fim, há que recorrer, na medida

do possível, à cooperação de organismos da comunidade destinados a auxiliar o pessoal do

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estabelecimento na sua função de reabilitação das pessoas. Assistentes sociais colaborando

com cada estabelecimento devem ter por missão a manutenção e a melhoria das relações do

recluso com a sua família e com os organismos sociais que podem ser-lhe úteis. Devem

adoptar-se medidas tendo em vista a salvaguarda, de acordo com a lei e a pena imposta, dos

direitos civis, dos direitos em matéria de segurança social e de outros benefícios sociais dos

reclusos.

62. Os serviços médicos de o estabelecimento esforçar-se-ão por descobrir e tratar quaisquer

deficiências ou doenças físicas ou mentais que podem constituir um obstáculo à reabilitação

do recluso. Qualquer tratamento médico, cirúrgico e psiquiátrico considerado necessário deve

ser aplicado tendo em vista esse objetivo.

63.

1) A realização destes princípios exige a individualização do tratamento e, para este

fim, um sistema flexível de classificação dos reclusos por grupos; é por isso desejável

que esses grupos sejam colocados em estabelecimentos separados em que cada um

deles possa receber o tratamento adequado.

2) Estes estabelecimentos não devem possuir o mesmo grau de segurança para cada

grupo. É desejável prever graus de segurança consoante as necessidades dos diferentes

grupos. Os estabelecimentos abertos, pelo próprio fato de não preverem medidas de

segurança física contra as evasões, mas remeterem neste domínio à autodisciplina dos

reclusos, dão a reclusos cuidadosamente escolhidos as condições mais favoráveis à sua

reabilitação.

3) É desejável que nos estabelecimentos fechados a individualização do tratamento

não seja prejudicada pelo número demasiado elevado de reclusos. Nalguns países

entende-se que a população de semelhantes estabelecimentos não deve ultrapassar os

quinhentos. Nos estabelecimentos abertos, a população deve ser tão reduzida quanto

possível.

4) Por outro lado, não é desejável manter estabelecimentos demasiado pequenos para

se poder organizar neles um regime conveniente.

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64. O dever da sociedade não cessa com a libertação de um recluso. Seria por isso necessário

dispor de organismos governamentais ou privados capazes de trazer ao recluso colocado em

liberdade um auxílio pós-penitenciário eficaz, tendente a diminuir os preconceitos a seu

respeito e permitindo-lhe a sua reinserção na sociedade.

Tratamento

65. O tratamento das pessoas condenadas a uma pena ou medida privativa de liberdade deve

ter por objetivo, na medida em que o permitir a duração da condenação, criar nelas à vontade

e as aptidões que as tornem capazes, após a sua libertação, de viver no respeito da lei e de

prover às suas necessidades. Este tratamento deve incentivar o respeito por si próprias e

desenvolver o seu sentido da responsabilidade.

66.

1) Para este fim, há que recorrer nomeadamente à assistência religiosa nos países em

que seja possível, à instrução, à orientação e à formação profissionais, aos métodos de

assistência social individual, ao aconselhamento relativo ao emprego, ao

desenvolvimento físico e à educação moral, de acordo com as necessidades de cada

recluso. Há que ter em conta o passado social e criminal do condenado, as suas

capacidades e aptidões físicas e mentais, as suas disposições pessoais, a duração da

condenação e as perspectivas da sua reabilitação.

2) Para cada recluso condenado a uma pena ou a uma medida de certa duração, o

diretor do estabelecimento deve receber, no mais breve trecho após a admissão do

recluso, relatórios completos sobre os diferentes aspectos referidos no número

anterior. Estes relatórios devem sempre compreender um relatório de um médico, se

possível especializado em psiquiatria, sobre a condição física e mental do recluso.

3) Os relatórios e outros elementos pertinentes devem ser colocados num arquivo

individual. Este arquivo deve ser atualizado e classificado de modo a poder ser

consultado pelo pessoal responsável sempre que necessário.

Classificação e individualização

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67. As finalidades da classificação devem ser:

a) De afastar os reclusos que pelo seu passado criminal ou pelas suas tendências

exerceriam uma influência negativa sobre os outros reclusos;

b) De repartir os reclusos por grupos tendo em vista facilitar o seu tratamento para a

sua reinserção social.

68. Há que dispor, na medida do possível, de estabelecimentos separados ou de secções

distintas dentro de um estabelecimento para o tratamento das diferentes categorias de

reclusos.

69. Assim que possível depois da admissão e depois de um estudo da personalidade de cada

recluso condenado a uma pena ou a uma medida de uma certa duração deve ser preparado um

programa de tratamento que lhe seja destinado, à luz dos dados de que se dispõe sobre as suas

necessidades individuais, as suas capacidades e o seu estado de espírito.

Privilégios

70. Há que instituir em cada estabelecimento um sistema de privilégios adaptado às diferentes

categorias de reclusos e aos diferentes métodos de tratamento, com o objetivo de encorajar o

bom comportamento, de desenvolver o sentido da responsabilidade e de estimular o interesse

e a cooperação dos reclusos no seu próprio tratamento.

Trabalho

71.

1) O trabalho na prisão não deve ser penoso.

2) Todos os reclusos condenados devem trabalhar, em conformidade com as suas aptidões

física e mental, de acordo com determinação do médico.

3) Deve ser dado trabalho suficiente de natureza útil aos reclusos de modo a conservá-los

ativos durante o dia normal de trabalho.

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4) Tanto quanto possível, o trabalho proporcionado deve ser de natureza que mantenha ou

aumente as capacidades dos reclusos para ganharem honestamente a vida depois de libertados.

5) Deve ser proporcionado treino profissional em profissões úteis aos reclusos que dele tirem

proveito, e especialmente a jovens reclusos.

6) Dentro dos limites compatíveis com uma seleção profissional apropriada e com as

exigências da administração e disciplina penitenciária, os reclusos devem poder escolher o

tipo de trabalho que querem fazer.

72.

1) A organização e os métodos do trabalho penitenciário devem aproximar-se tanto quanto

possível dos que regem um trabalho semelhante fora do estabelecimento, de modo a preparar

os reclusos para as condições normais do trabalho em liberdade.

2) No entanto o interesse dos reclusos e da sua formação profissional não deve ser

subordinado ao desejo de realizar um benefício por meio do trabalho penitenciário.

73.

1) As indústrias e explorações agrícolas devem de preferência ser dirigidas pela administração

e não por empresários privados.

2) Quando os reclusos forem empregues para trabalho não controlado pela administração,

devem ser sempre colocados sob vigilância do pessoal penitenciário. Salvo nos casos em que

o trabalho seja efetuado por outros departamentos do Estado, as pessoas às quais esse trabalho

seja prestado devem pagar à administração a remuneração normal exigível para esse trabalho,

tendo, todavia em conta a remuneração auferida pelos reclusos.

74.

1) Os cuidados prescritos destinados a proteger a segurança e a saúde dos trabalhadores em

liberdade devem igualmente existir nos estabelecimentos penitenciários.

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2) Devem ser adotadas disposições para indenizar os reclusos dos acidentes de trabalho e

doenças profissionais, nas mesmas condições que a lei concede aos trabalhadores em

liberdade.

75.

1) As horas diárias e semanais máximas de trabalho dos reclusos devem ser fixadas por lei ou

por regulamento administrativo, tendo em consideração regras ou costumes locais respeitantes

ao trabalho dos trabalhadores em liberdade.

2) As horas devem ser fixadas de modo a deixar um dia de descanso semanal e tempo

suficiente para educação e para outras atividades necessárias como parte do tratamento e

reinserção dos reclusos.

76.

1) O tratamento dos reclusos deve ser remunerado de modo eqüitativo.

2) O regulamento deve permitir aos reclusos a utilização de pelo menos uma parte da sua

remuneração para adquirir objetos autorizados destinados ao seu uso pessoal e para enviar

outra parte à sua família.

3) O regulamento deve prever igualmente que uma parte da remuneração seja reservada pela

administração de modo a constituir uma poupança que será entregue ao recluso no momento

da sua colocação em liberdade.

Educação e recreio

77.

1) Devem ser tomadas medidas no sentido de melhorar a educação de todos os reclusos que

daí tirem proveito, incluindo instrução religiosa nos países em que tal for possível. A

educação de analfabetos e jovens reclusos será obrigatória, prestando-lhe a administração

especial atenção.

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2) Tanto quanto for possível, a educação dos reclusos deve estar integrada no sistema

educacional do país, para que depois da sua libertação possam continuar, sem dificuldades, a

sua educação.

78. Devem ser proporcionadas atividades de recreio e culturais em todos os estabelecimentos

penitenciários em benefício da saúde mental e física dos reclusos.

A. Relações sociais e assistência pós-prisional

79. Deve ser prestada atenção especial à manutenção e melhoramento das relações entre o

recluso e a sua família, que se mostrem de maior vantagem para ambos.

80. Desde o início do cumprimento da pena de um recluso deve ter-se em consideração o seu

futuro depois de libertado, sendo estimulado e ajudado a manter ou estabelecer as relações

com pessoas ou organizações externas, aptas a promover os melhores interesses da sua família

e da sua própria reinserção social.

81.

1) Serviços ou organizações governamentais ou outras, que prestam assistência a reclusos

colocados em liberdade para se reestabelecerem na sociedade, devem assegurar, na medida do

possível e do necessário, que sejam fornecidos aos reclusos libertados documentos de

identificação apropriados, garantidas casas adequadas e trabalho, adequado vestuário, tendo

em conta o clima e a estação do ano e recursos suficientes para chegarem ao seu destino e

para subsistirem no período imediatamente seguinte à sua libertação.

2) Os representantes oficiais dessas organizações terão o acesso necessário ao estabelecimento

penitenciário e aos reclusos, sendo consultados sobre o futuro do recluso desde o início do

cumprimento da pena.

3) É recomendável que as atividades destas organizações estejam centralizadas ou sejam

coordenadas, tanto quanto possível, a fim de garantir a melhor utilização dos seus esforços.

B. Reclusos alienados e doentes mentais

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82.

1) Os reclusos alienados não devem estar detidos em prisões, devendo ser tomadas medidas

para os transferir para estabelecimentos para doentes mentais o mais depressa possível.

2) Os reclusos que sofrem de outras doenças ou anomalias mentais devem ser examinados e

tratados em instituições especializadas sob vigilância médica.

3) Durante a sua estada na prisão, tais reclusos serão postos sob especial supervisão de um

médico.

4) O serviço médico ou psiquiátrico dos estabelecimentos penitenciários deve proporcionar

tratamento psiquiátrico a todos os reclusos que necessitem de tal tratamento.

83. É desejável que sejam adotadas disposições, de acordo com os organismos competentes,

para que o tratamento psiquiátrico seja mantido, se necessário, depois da colocação em

liberdade e que uma assistência social pós-penitenciária de natureza psiquiátrica seja

assegurada.

C. Reclusos detidos ou aguardando julgamento

84.

1) Os detidos ou presos em virtude de lhes ser imputada à prática de uma infração penal quer

estejam detidos sob custódia da polícia, quer num estabelecimento penitenciário, mas que

ainda não foram julgados e condenados, são a seguir designados por "preventivos não

julgados" nas disposições seguintes.

2) Os preventivos presumem-se inocentes e como tal devem ser tratados.

3) Sem prejuízo das disposições legais sobre a proteção da liberdade individual ou que

prescrevem os trâmites a ser observados em relação a preventivos, estes reclusos devem

beneficiar de um regime especial cujos elementos essenciais são os seguintes.

85.

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156

1) Os preventivos devem ser mantidos separados dos reclusos condenados.

2) Os jovens preventivos devem ser mantidos separados dos adultos e ser, em princípio,

detidos em estabelecimentos penitenciários separados.

86. Os preventivos dormirão sós em quartos separados sob reserva de diferente costume local

relativo ao clima.

87. Dentro dos limites compatíveis com a boa ordem do estabelecimento, os preventivos

podem, se o desejarem, mandar vir alimentação do exterior a expensas próprias, quer através

da administração, quer através da sua família ou amigos. Caso contrário à administração deve

fornecer-lhes a alimentação.

88.

1) O preventivo é autorizado a usar a sua própria roupa se estiver limpa e for adequada.

2) Se usar roupa do estabelecimento penitenciário, esta será diferente da fornecida aos

condenados.

89. Será sempre dada ao preventivo oportunidade para trabalhar, mas não lhe será exigido

trabalhar. Se optar por trabalhar, será remunerado.

90. O preventivo deve ser autorizado a obter a expensas próprias ou a expensas de terceiros,

livros, jornais, material para escrever e outros meios de ocupação compatíveis com os

interesses da administração da justiça e a segurança e boa ordem do estabelecimento.

91. O preventivo deve ser autorizado a ser visitado e tratado pelo seu médico pessoal ou

dentista se existir motivo razoável para o seu pedido e puder pagar quaisquer despesas em que

incorrer.

92. O preventivo deve ser autorizado a informar imediatamente a sua família da detenção e

devem ser-lhe dadas todas as facilidades razoáveis para comunicar com a sua família e

amigos e para receber as suas visitas sob reserva apenas das restrições e supervisão

necessárias aos interesses da administração da justiça e à segurança e boa ordem do

estabelecimento.

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93. Para efeitos de defesa, o preventivo deve ser autorizado a pedir a designação de um

defensor oficioso, onde tal assistência exista, e a receber visitas do seu advogado com vista à

sua defesa, bem como a preparar e entregar-lhe instruções confidenciais. Para estes efeitos

ser-lhe-á dado, se assim o desejar, material de escrita. As entrevistas entre o recluso e o seu

advogado podem ser vistas, mas não ouvidas por um funcionário da polícia ou do

estabelecimento.

D. Condenados por dívidas ou a prisão civil

94. Nos países cuja legislação prevê a prisão por dívidas ou outras formas de prisão

pronunciadas por decisão judicial na seqüência de processo que não tenha natureza penal,

estes reclusos não devem ser submetidos a maiores restrições nem ser tratados com maior

severidade do que for necessário para manter a segurança e a ordem. O seu tratamento não

deve ser menos favorável do que o dos preventivos, sob reserva, porém, da eventual obrigação

de trabalhar.

E. Reclusos detidos ou presos sem acusação

95. Sem prejuízo das regras contidas no artigo 9 do Pacto Internacional sobre os Direitos

Civis e Políticos, deve ser concedida às pessoas detidas ou presas sem acusação à proteção

conferida nos termos da Parte I e da secção C da Parte II. As disposições relevantes da secção

A da Parte II serão igualmente aplicáveis sempre que a sua aplicação possa beneficiar esta

categoria especial de reclusos, desde que não seja tomada nenhuma medida implicando que a

reeducação ou a reinserção é de algum modo adequada a pessoas não condenadas por uma

infração penal.

(37) A/CONF/6/1, anexo I, A. Publicação das Nações Unidas, número de venda 1956.IV.4.

* A presente tradução seguiu parcialmente uma anterior versão em língua portuguesa,

publicada pelo Centro dos Direitos do Homem das Nações Unidas (publicação GE.9415440).

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ANEXO 2

DECLARAÇÃO UNIVERSAL DOS DIREITOS HUMANOS (1948)

Considerando que o reconhecimento da dignidade inerente a todos os membros da família

humana e de seus direitos iguais e inalienáveis é o fundamento da liberdade, da justiça e da

paz no mundo;

Considerando que o desprezo e o desrespeito pelos direitos da pessoa resultaram em atos

bárbaros que ultrajaram a consciência da Humanidade e que o advento de um mundo em que

as pessoas gozem de liberdade de palavra, de crença e de liberdade de viverem a salvo do

temor e da necessidade foi proclamado como a mais alta aspiração do homem comum;

Considerando essencial que os direitos da pessoa sejam protegidos pelo império da lei, para

que a pessoa não seja compelida, como último recurso, à rebelião contra a tirania e a

opressão;

Considerando essencial promover o desenvolvimento das relações amistosas entre as nações;

Considerando que os povos das Nações Unidas reafirmaram, na Carta, sua fé nos direitos

humanos fundamentais, na dignidade e no valor da pessoa humana e na igualdade de direitos

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do homem e da mulher, e que decidiram promover o progresso social e melhores condições de

vida em uma liberdade mais ampla;

Considerando que os Estados-Membros se comprometeram a promover, em cooperação com

as Nações Unidas, o respeito universal aos direitos e liberdades fundamentais da pessoa e a

observância desses direitos e liberdades;

Considerando que uma compreensão comum desses direitos e liberdades é da mais alta

importância para o pleno cumprimento desse compromisso,

A Assembléia Geral proclama

A presente Declaração Universal dos Direitos Humanos como o ideal comum a ser atingido

por todos os povos e todas as nações, com o objetivo de que cada indivíduo e cada órgão da

sociedade, tendo sempre em mente esta Declaração, se esforcem, através do ensino e da

educação, em promover o respeito a esses direitos e liberdades e, pela adoção de medidas

progressivas de caráter nacional e internacional, em assegurar o seu reconhecimento e a sua

observância universais e efetivos, tanto entre os povos dos próprios Estados-Membros quanto

entre os povos dos territórios sob a sua jurisdição.

Artigo I - Todas as pessoas nascem livres e iguais em dignidade e direitos. São dotadas de

razão e consciência e devem agir em relação umas às outras com espírito de fraternidade.

Artigo II - 1. Toda pessoa tem capacidade para gozar os direitos e as liberdades estabelecidos

nesta Declaração, sem distinção de qualquer espécie, seja de raça, cor, sexo, língua, religião,

opinião política ou de outra natureza, origem nacional ou social, riqueza, nascimento, ou

qualquer outra condição.

2. Não será tampouco feita nenhuma distinção fundada na condição política, jurídica ou

internacional do país ou território a que pertença uma pessoa, quer se trate de um território

independente, sob tutela, sem governo próprio, quer sujeito a qualquer outra limitação de

soberania.

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Artigo III - Toda pessoa tem direito à vida, à liberdade e à segurança pessoal.

Artigo IV - Ninguém será mantido em escravidão ou servidão; a escravidão e o tráfico de

escravos serão proibidos em todas as suas formas.

Artigo V - Ninguém será submetido a tortura, nem a tratamento ou castigo cruel, desumano

ou degradante.

Artigo VI - Toda pessoa tem o direito de ser, em todos os lugares, reconhecida como pessoa

perante a lei.

Artigo VII - Todos são iguais perante a lei e têm direito, sem qualquer distinção, a igual

proteção da lei. Todos têm direito a igual proteção contra qualquer discriminação que viole a

presente Declaração e contra qualquer incitamento a tal discriminação.

Artigo VIII - Toda pessoa tem o direito de receber dos Tribunais nacionais competentes

recurso efetivo para os atos que violem os direitos fundamentais que lhe sejam reconhecidos

pela Constituição ou pela lei.

Artigo IX - Ninguém será arbitrariamente preso, detido ou exilado.

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Artigo X - Toda pessoa tem direito, em plena igualdade, a uma audiência justa e pública por

parte de um Tribunal independente e imparcial, para decidir de seus direitos e deveres ou do

fundamento de qualquer acusação criminal contra ela.

Artigo XI - 1. Toda pessoa acusada de um ato delituoso tem o direito de ser presumida

inocente, até que a sua culpabilidade tenha sido provada de acordo com a lei, em julgamento

público no qual lhe tenham sido asseguradas todas as garantias necessárias à sua defesa.

2. Ninguém poderá ser culpado por qualquer ação ou omissão que, no momento, não

constituam delito perante o direito nacional ou internacional. Também não será imposta pena

mais forte do que aquela que, no momento da prática, era aplicável ao ato delituoso.

Artigo XII - Ninguém será sujeito a interferências na sua vida privada, na sua família, no seu

lar ou na sua correspondência, nem a ataques à sua honra e reputação. Toda pessoa tem direito

à proteção da lei contra tais interferências ou ataques.

Artigo XIII - 1. Toda pessoa tem direito à liberdade de locomoção e residência dentro das

fronteiras de cada Estado.

2. Toda pessoa tem o direito de deixar qualquer país, inclusive o próprio, e a ele regressar.

Artigo XIV - 1. Toda pessoa vítima de perseguição tem o direito de procurar e de gozar asilo

em outros países.

2. Este direito não pode ser invocado em caso de perseguição legitimamente motivada por

crimes de direito comum ou por atos contrários aos propósitos ou princípios das Nações

Unidas.

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Artigo XV - 1. Toda pessoa tem direito a uma nacionalidade.

2. Ninguém será arbitrariamente privado de sua nacionalidade, nem do direito de mudar de

nacionalidade.

Artigo XVI - Os homens e mulheres de maior idade, sem qualquer restrição de raça,

nacionalidade ou religião, têm o direito de contrair matrimônio e fundar uma família. Gozam

de iguais direitos em relação ao casamento, sua duração e sua dissolução.

2. O casamento não será válido senão com o livre e pleno consentimento dos nubentes.

3. A família é o núcleo natural e fundamental da sociedade e tem direito à proteção da

sociedade e do Estado.

Artigo XVII - 1. Toda pessoa tem direito à propriedade, só ou em sociedade com outros.

2. Ninguém será arbitrariamente privado de sua propriedade.

Artigo XVIII - Toda pessoa tem direito à liberdade de pensamento, consciência e religião;

este direito inclui a liberdade de mudar de religião ou crença e a liberdade de manifestar essa

religião ou crença, pelo ensino, pela prática, pelo culto e pela observância, isolada ou

coletivamente, em público ou em particular.

Artigo XIX - Toda pessoa tem direito à liberdade de opinião e expressão; este direito inclui a

liberdade de, sem interferências, ter opiniões e de procurar, receber e transmitir informações e

idéias por quaisquer meios e independentemente de fronteiras.

Artigo XX - 1. Toda pessoa tem direito à liberdade de reunião e associação pacíficas.

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2. Ninguém poderá ser obrigado a fazer parte de uma associação.

Artigo XXI - 1. Toda pessoa tem o direito de tomar parte no governo de seu país diretamente

ou por intermédio de representantes livremente escolhidos.

2. Toda pessoa tem igual direito de acesso ao serviço público do seu país.

3. A vontade do povo será a base da autoridade do governo; esta vontade será expressa em

eleições periódicas e legítimas, por sufrágio universal, por voto secreto ou processo

equivalente que assegure a liberdade de voto.

Artigo XXII - Toda pessoa, como membro da sociedade, tem direito à segurança social e à

realização, pelo esforço nacional, pela cooperação internacional e de acordo com a

organização e recursos de cada Estado, dos direitos econômicos, sociais e culturais

indispensáveis à sua dignidade e ao livre desenvolvimento de sua personalidade.

Artigo XXIII - 1. Toda pessoa tem direito ao trabalho, à livre escolha de emprego, a

condições justas e favoráveis de trabalho e à proteção contra o desemprego.

2. Toda pessoa, sem qualquer distinção, tem direito a igual remuneração por igual trabalho.

3. Toda pessoa que trabalha tem direito a uma remuneração justa e satisfatória, que lhe

assegure, assim como à sua família, uma existência compatível com a dignidade humana, e a

que se acrescentarão, se necessário, outros meios de proteção social.

4. Toda pessoa tem direito a organizar sindicatos e a neles ingressar para a proteção de seus

interesses.

Artigo XXIV - Toda pessoa tem direito a repouso e lazer, inclusive a limitação razoável das

horas de trabalho e a férias remuneradas periódicas.

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Artigo XXV - 1. Toda pessoa tem direito a um padrão de vida capaz de assegurar a si e a sua

família saúde e bem-estar, inclusive alimentação, vestuário, habitação, cuidados médicos e os

serviços sociais indispensáveis, o direito à segurança, em caso de desemprego, doença,

invalidez, viuvez, velhice ou outros casos de perda dos meios de subsistência em

circunstâncias fora de seu controle.

2. A maternidade e a infância têm direito a cuidados e assistência especiais. Todas as crianças,

nascidas dentro ou fora do matrimônio, gozarão da mesma proteção social.

Artigo XXVI - 1. Toda pessoa tem direito à instrução. A instrução será gratuita, pelo menos

nos graus elementares e fundamentais. A instrução elementar será obrigatória. A instrução

técnico-profissional será acessível a todos, bem como a instrução superior, esta baseada no

mérito.

2. A instrução será orientada no sentido do pleno desenvolvimento da personalidade humana e

do fortalecimento e do respeito pelos direitos humanos e pelas liberdades fundamentais. A

instrução promoverá a compreensão, a tolerância e a amizade entre todas as nações e grupos

raciais ou religiosos, e coadjuvará as atividades das Nações Unidas em prol da manutenção da

paz.

3. Os pais têm prioridade de direito na escolha do gênero de instrução que será ministrada a

seus filhos.

Artigo XXVII - 1. Toda pessoa tem o direito de participar livremente da vida cultural da

comunidade, de fruir as artes e de participar do progresso científico e de seus benefícios.

2. Toda pessoa tem direito à proteção dos interesses morais e materiais decorrentes de

qualquer produção científica, literária ou artística da qual seja autor.

Artigo XXVIII - Toda pessoa tem direito a uma ordem social e internacional em que os

direitos e liberdades estabelecidos na presente Declaração possam ser plenamente realizados.

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Artigo XXIX - 1. Toda pessoa tem deveres para com a comunidade, na qual o livre e pleno

desenvolvimento de sua personalidade é possível.

2. No exercício de seus direitos e liberdades, toda pessoa estará sujeita apenas às limitações

determinadas pela lei, exclusivamente com o fim de assegurar o devido reconhecimento e

respeito dos direitos e liberdades de outrem, e de satisfazer às justas exigências da moral, da

ordem pública e do bem-estar de uma sociedade democrática.

3. Esses direitos e liberdades não podem, em hipótese alguma, ser exercidos contrariamente

aos propósitos e princípios das Nações Unidas.

Artigo XXX - Nenhuma disposição da presente Declaração pode ser interpretada como o

reconhecimento a qualquer Estado, grupo ou pessoa, do direito de exercer qualquer atividade

ou praticar qualquer ato destinado à destruição de quaisquer dos direitos e liberdades aqui

estabelecidos.

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166

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ANEXO 1

Regras Mínimas para o Tratamento dos Reclusos - 1955

Adotadas pelo Primeiro Congresso das Nações Unidas sobre a Prevenção do Crime e o

Tratamento dos Delinqüentes, realizado em Genebra em 1955, e aprovadas pelo Conselho

Econômico e Social das Nações Unidas através das suas resoluções 663 C (XXIV), de 31 de

Julho de 1957 e 2076 (LXII), de 13 de Maio de 1977.Resolução 663 C (XXIV) do Conselho

Econômico e Social

O Conselho Econômico e Social

1. Aprova as Regras Mínimas para o Tratamento de Reclusos, adotadas pelo Primeiro

Congresso das Nações Unidas para a Prevenção do Crime e o Tratamento dos Delinqüentes

(37);

2. Chama a atenção dos Governos para o Conjunto destas regras e recomenda:

a) Que a sua adoção e aplicação nos estabelecimentos penitenciários e correcionais seja

favoravelmente encarada;

b) Que o Secretário-Geral seja informado de cinco em cinco anos dos progressos feitos

relativamente à sua aplicação;

c) Que os Governos adotem as medidas necessárias para dar a mais ampla publicidade

possível às Regras Mínimas, não apenas junto dos organismos públicos interessados, mas

também junto das organizações não governamentais que se ocupam da defesa social;

3. Autoriza o Secretário-Geral a adotar os procedimentos necessários para assegurar, em

termos adequados a publicação das informações recebidas nos termos da alínea b) do

parágrafo 2, supra, e a pedir, se necessário, informações suplementares.

O Primeiro Congresso das Nações Unidas para a Prevenção do Crime e o Tratamento dos

Delinqüentes, Tendo adotado as Regras Mínimas para o Tratamento de Reclusos, anexas à

presente resolução,

1. Solicita ao Secretário-Geral que, de acordo com a alínea d) do anexo à Resolução 415(V)

da Assembléia Geral das Nações Unidas, submeta estas Regras à aprovação da Comissão dos

Assuntos Sociais do Conselho Econômico e Social;

2. Confia em que estas Regras sejam aprovadas pelo Conselho Econômico e Social e, se o

Conselho considerar oportuno, pela Assembléia Geral, e que sejam transmitidas aos Governos

com a recomendação de (a) que examinem favoravelmente a sua adoção e aplicação na

administração dos estabelecimentos penitenciários, e (b) que o Secretário-Geral seja

informado de três em três anos dos progressos realizados no que respeita à sua aplicação;

3. Expressa o desejo de que, para manter os Governos informados dos progressos realizados

neste domínio, se solicite ao Secretário-Geral que publique na Revista Internacional de

Política Criminal as informações enviadas pelos Governos, em cumprimento do disposto no

parágrafo 2, e que autorize o pedido de informação suplementar, se necessário;

4. Expressa ainda o desejo de que se solicite ao Secretário-Geral que tome as medidas

necessárias para assegurar que a mais ampla publicidade seja dada a estas Regras.

ANEXO

Regras Mínimas para o Tratamento de Reclusos*

OBSERVAÇÕES PRELIMINARES

1. As regras que se seguem não pretendem descrever em pormenor um modelo de sistema

penitenciário. Procuram unicamente, com base no consenso geral do pensamento atual e nos

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elementos essenciais dos mais adequados sistemas contemporâneos, estabelecer os princípios

e regras de uma boa organização penitenciária e as práticas relativas ao tratamento de

reclusos.

2. Tendo em conta a grande variedade das condições legais, sociais, econômicas e geográficas

do mundo, é evidente que nem todas as regras podem ser aplicadas indistinta e

permanentemente em todos os lugares. Devem, contudo, servir como estímulo de esforços

constantes para ultrapassar dificuldades práticas na sua aplicação, na certeza de que

representam, em conjunto, as condições mínimas aceites pelas Nações Unidas.

3. Além disso, os critérios que se aplicam às matérias tratadas por estas regras evoluem

constantemente. Não se pode excluir a possibilidade de experiências e da adoção de novas

práticas, desde que estas se ajustem aos princípios e objetivos que informaram a adoção das

regras. De acordo com este princípio, pode a administração penitenciária central autorizar

exceções às regras.

4.

1) A primeira parte das regras trata das matérias relativas à administração geral dos

estabelecimentos penitenciários e é aplicável a todas as categorias de reclusos, dos foros

criminal ou civil, em regime de prisão preventiva ou já condenados, incluindo os que estejam

detidos por aplicação de medidas de segurança ou que sejam objeto de medidas de reeducação

ordenadas por um juiz.

2) A segunda parte contém as regras que são especificamente aplicáveis às categorias de

reclusos de cada secção. Contudo as regras da secção A, aplicáveis aos reclusos condenados,

serão também aplicadas às categorias de reclusos a que se referem às secções B, C e D, desde

que não sejam contraditórias com as regras específicas destas secções e na condição de

constituírem uma melhoria de condições para estes reclusos.

5.

1) Estas regras não têm como objetivo enquadrar a organização dos estabelecimentos para

jovens delinqüentes (estabelecimentos Borstal, instituições de reeducação, etc.). Contudo, e na

generalidade, deve considerar-se que a primeira parte destas regras mínimas também se aplica

a esses estabelecimentos.

2) A categoria de jovens reclusos deve, em qualquer caso, incluir os menores que dependem

da jurisdição dos Tribunais de Menores. Como norma geral, não se deveriam condenar os

jovens delinqüentes a penas de prisão.

PARTE I

Regras de aplicação geral

Princípio básico

6.

1) As regras que se seguem devem ser aplicadas imparcialmente. Não haverá discriminação

alguma com base em raça, cor, sexo, língua, religião, opinião política ou outra, origem

nacional ou social, meios de fortuna, nascimento ou outra condição.

2) Por outro lado, é necessário respeitar as crenças religiosas e os preceitos morais do grupo a

que pertença o recluso.

Registro

7.

1) Em todos os locais em que haja pessoas detidas, haverá um livro oficial de registro, com

páginas numeradas, no qual serão registrados, relativamente a cada recluso:

a) A informação respeitante à sua identidade;

b) Os motivos da detenção e a autoridade competente que a ordenou;

c) O dia e a hora da sua entrada e saída.

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2) Nenhuma pessoa deve ser admitida num estabelecimento penitenciário sem uma ordem de

detenção válida, cujos pormenores tenham sido previamente registrados no livro de registro.

Separação de categorias

8. As diferentes categorias de reclusos devem ser mantidas em estabelecimentos

penitenciários separados ou em diferentes zonas de um mesmo estabelecimento penitenciário,

tendo em consideração o respectivo sexo e idade, antecedentes penais, razões da detenção e

medidas necessárias a aplicar. Assim:

a) Na medida do possível, homens e mulheres devem estar detidos em estabelecimentos

separados; nos estabelecimentos que recebam homens e mulheres, a totalidade dos locais

destinados às mulheres será completamente separada;

b) Presos preventivos devem ser mantidos separados dos condenados;

c) Pessoas presas por dívidas ou outros reclusos do foro civil devem ser mantidos separados

de reclusos do foro criminal;

d) Os jovens reclusos devem ser mantidos separados dos adultos.

Locais de reclusão

9.

1) As celas ou locais destinados ao descanso notório não devem ser ocupados por mais de um

recluso. Se, por razões especiais, tais como excesso temporário de população prisional, for

necessário que a administração penitenciária central adote exceções a esta regra, deve evitar-

se que dois reclusos sejam alojados numa mesma cela ou local.

2) Quando se recorra à utilização de dormitórios, estes devem ser ocupados por reclusos

cuidadosamente escolhidos e reconhecidos como sendo capazes de serem alojados nestas

condições. Durante a noite, deverão estar sujeitos a uma vigilância regular, adaptada ao tipo

de estabelecimento prisional em causa.

Locais destinados aos reclusos

10. As acomodações destinadas aos reclusos, especialmente dormitórios, devem satisfazer

todas as exigências de higiene e saúde, tomando-se devidamente em consideração as

condições climatéricas e especialmente a cubicagem de ar disponível, o espaço mínimo, a

iluminação, o aquecimento e a ventilação.

11. Em todos os locais destinados aos reclusos, para viverem ou trabalharem:

a) As janelas devem ser suficientemente amplas de modo a que os reclusos possam ler ou

trabalhar com luz natural,

e devem ser construídas de forma a permitir a entrada de ar fresco, haja ou não ventilação

artificial;

b) A luz artificial deve ser suficiente para permitir aos reclusos ler ou trabalhar sem prejudicar

a vista.

12. As instalações sanitárias devem ser adequadas, de modo a que os reclusos possam efetuar

as suas necessidades quando precisarem, de modo limpo e decente.

13. As instalações de banho e ducha devem ser suficientes para que todos os reclusos possam,

quando desejem ou lhes seja exigido, tomar banho ou ducha a uma temperatura adequada ao

clima, tão freqüentemente quanto necessário à higiene geral, de acordo com a estação do ano

e a região geográfica, mas pelo menos uma vez por semana num clima temperado.

14. Todas as zonas de um estabelecimento penitenciário usadas regularmente pelos reclusos

devem ser mantidas e conservadas sempre escrupulosamente limpas.

Higiene pessoal

15. Deve ser exigido a todos os reclusos que se mantenham limpos e, para este fim, ser-lhes-

ão fornecidos água e os artigos de higiene necessários à saúde e limpeza.

16. A fim de permitir aos reclusos manter um aspecto correto e preservar o respeito por si

próprios, ser-lhes-ão garantidos os meios indispensáveis para cuidar do cabelo e da barba; os

homens devem poder barbear-se regularmente.

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Vestuário e roupa de cama

17.

1) Deve ser garantido vestuário adaptado às condições climatéricas e de saúde a todos os

reclusos que não estejam autorizados a usar o seu próprio vestuário. Este vestuário não deve

de forma alguma ser degradante ou humilhante.

2) Todo o vestuário deve estar limpo e ser mantido em bom estado. As roupas interiores

devem ser mudadas e lavadas tão freqüentemente quanto seja necessário para manutenção da

higiene.

3) Em circunstâncias excepcionais, sempre que um recluso obtenha licença para sair do

estabelecimento, deve ser autorizado a vestir as suas próprias roupas ou roupas que não

chamem a atenção.

18. Sempre que os reclusos sejam autorizados a utilizar o seu próprio vestuário, devem ser

tomadas disposições no momento de admissão no estabelecimento para assegurar que este

seja limpo e adequado.

19. A todos os reclusos, de acordo com padrões locais ou nacionais, deve ser fornecido um

leito próprio e roupa de cama suficiente e própria, que estará limpa quando lhes for entregue,

mantida em bom estado de conservação e mudada com a freqüência suficiente para garantir a

sua limpeza.

Alimentação

20.

1) A administração deve fornecer a cada recluso, há horas determinadas, alimentação de valor

nutritivo adequado à saúde e à robustez física, de qualidade e bem preparada e servida.

2) Todos os reclusos devem ter a possibilidade de se prover com água potável sempre que

necessário.

Exercício e desporto

21.

1) Todos os reclusos que não efetuam trabalho no exterior devem ter pelo menos uma hora

diária de exercício adequado ao ar livre quando o clima o permita.

2) Os jovens reclusos e outros de idade e condição física compatíveis devem receber durante o

período reservado ao exercício, educação física e recreativa. Para este fim, serão colocados à

disposição dos reclusos o espaço, instalações e equipamento adequados.

Serviços médicos

22.

1) Cada estabelecimento penitenciário deve dispor dos serviços de pelo menos um médico

qualificado, que deverá ter alguns conhecimentos de psiquiatria. Os serviços médicos devem

ser organizados em estreita ligação com a administração geral de saúde da comunidade ou da

nação. Devem incluir um serviço de psiquiatria para o diagnóstico, e em casos específicos, o

tratamento de estados de perturbação mental.

2) Os reclusos doentes que necessitem de cuidados especializados devem ser transferidos para

estabelecimentos especializados ou para hospitais civis. Quando o tratamento hospitalar é

organizado no estabelecimento este deve dispor de instalações, material e produtos

farmacêuticos que permitam prestar aos reclusos doentes os cuidados e o tratamento

adequados; o pessoal deve ter uma formação profissional suficiente.

3) Todos os reclusos devem poder beneficiar dos serviços de um dentista qualificado.

23.

1) Nos estabelecimentos penitenciários para mulheres devem existir instalações especiais para

o tratamento das reclusas grávidas, das que tenham acabado de dar à luz e das convalescentes.

Desde que seja possível, devem ser tomadas medidas para que o parto tenha lugar num

hospital civil. Se a criança nascer num estabelecimento penitenciário, tal fato não deve constar

do respectivo registro de nascimento.

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2) Quando for permitido às mães reclusas conservar os filhos consigo, devem ser tomadas

medidas para organizar um inventário dotado de pessoal qualificado, onde as crianças possam

permanecer quando não estejam ao cuidado das mães.

24. O médico deve examinar cada recluso o mais depressa possível após a sua admissão no

estabelecimento penitenciário e em seguida sempre que, necessário, com o objetivo de

detectar doenças físicas ou mentais e de tomar todas as medidas necessárias para o respectivo

tratamento; de separar reclusos suspeitos de serem portadores de doenças infecciosas ou

contagiosas; de detectar as deficiências físicas ou mentais que possam constituir obstáculos a

reinserção dos reclusos e de determinar a capacidade física de trabalho de cada recluso.

25.

1) Ao médico compete vigiar a saúde física e mental dos reclusos. Deve visitar diariamente

todos os reclusos doentes, os que se queixem de doença e todos aqueles para os quais a sua

atenção é especialmente chamada.

2) O médico deve apresentar relatório ao diretor, sempre que julgue que a saúde física ou

mental foi ou será desfavoravelmente afetada pelo prolongamento ou pela aplicação de

qualquer modalidade de regime de reclusão.

26.

1) O médico deve proceder a inspeções regulares e aconselhar o diretor sobre:

a) A quantidade, qualidade, preparação e distribuição dos alimentos;

b) A higiene e asseio do estabelecimento penitenciário e dos reclusos;

c) As instalações sanitárias, aquecimento, iluminação e ventilação do estabelecimento;

d) A qualidade e asseio do vestuário e da roupa de cama dos reclusos;

e) A observância das regras respeitantes à educação física e desportiva, nos casos em que não

haja pessoal especializado encarregado destas atividades.

2) O diretor deve tomar em consideração os relatórios e os conselhos do médico referidos nas

regras 25(2) e 26 e, se houver acordo, tomar imediatamente as medidas sugeridas para que

estas recomendações sejam seguidas; em caso de desacordo ou se a matéria não for da sua

competência, transmitirá imediatamente à autoridade superior a sua opinião e o relatório

médico.

Disciplina e sanções

27. A ordem e a disciplina devem ser mantidas com firmeza, mas sem impor mais restrições

do que as necessárias para a manutenção da segurança e da boa organização da vida

comunitária.

28.

1) Nenhum recluso poderá desempenhar nos serviços do estabelecimento qualquer atividade

que comporte poder disciplinar.

2) Esta regra, contudo, não deve impedir o bom funcionamento de sistemas baseados na

autogestão, nos quais certas atividades ou responsabilidades sociais, educativas ou desportivas

podem ser confiadas, sob controlo, a grupos de reclusos tendo em vista o seu tratamento.

29. Os seguintes pontos devem ser determinados por lei ou regulamentação emanada da

autoridade administrativa competente:

a) A conduta que constitua infração disciplinar;

b) O tipo e a duração das sanções disciplinares que podem ser aplicadas;

c) A autoridade competente para pronunciar essas sanções.

30.

1) Um recluso só pode ser punido de acordo com as disposições legais ou regulamentares e

nunca duas vezes pela mesma infração.

2) Nenhum recluso pode ser punido sem ter sido informado da infração de que é acusado e

sem que lhe seja dada uma oportunidade adequada para apresentar a sua defesa. A autoridade

competente examinará o caso exaustivamente.

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3) Quando necessário e possível, o recluso deve ser autorizado a defender-se por meio de um

intérprete.

31. As penas corporais, a colocação em "segredo escuro" bem como todas as punições cruéis,

desumanas ou degradantes devem ser completamente proibidas como sanções disciplinares.

32.

1) As penas de isolamento e de redução de alimentação não devem nunca ser aplicadas, a

menos que o médico tenha examinado o recluso e certificado, por escrito, que ele está apto

para as suportar.

2) O mesmo se aplicará a outra qualquer sanção que possa ser prejudicial à saúde física ou

mental do recluso. Em nenhum caso devem tais sanções contrariar ou divergir do princípio

estabelecido na regra

31.

3) O médico deve visitar diariamente os reclusos submetidos a tais sanções e deve apresentar

relatório ao diretor, se considerar necessário pôr fim ou modificar a sanção por razões de

saúde física ou mental.

Instrumentos de coação

33. A sujeição a instrumentos tais como algemas, correntes, ferros e coletes de força nunca

deve ser aplicada como sanção. Mais ainda, correntes e ferros não devem ser usados como

instrumentos de coação. Quaisquer outros instrumentos de coação só podem ser utilizados nas

seguintes circunstâncias:

a) Como medida de precaução contra uma evasão durante uma transferência, desde que sejam

retirados logo que o recluso compareça perante uma autoridade judicial ou administrativa;

b) Por razões médicas sob indicação do médico;

c) Por ordem do diretor, depois de se terem esgotado todos os outros meios de dominar o

recluso, a fim de o impedir de causar prejuízo a si próprio ou a outros ou de causar estragos

materiais; nestes casos o diretor deve consultar o médico com urgência e apresentar relatório à

autoridade administrativa superior.

34. O modelo e o modo de utilização dos instrumentos de coação devem ser decididos pela

administração penitenciária central. A sua aplicação não deve ser prolongada para além do

tempo estritamente necessário.

Informação e direito de queixa dos reclusos

35.

1) No momento da admissão, cada recluso deve receber informação escrita sobre o regime

aplicável aos reclusos da sua categoria, sobre as regras disciplinares do estabelecimento e

sobre os meios autorizados para obter informações e formular queixas; e sobre todos os outros

pontos que podem ser necessários para lhe permitir conhecer os seus direitos e obrigações, e

para se adaptar à vida do estabelecimento.

2) Se o recluso for analfabeto estas informações devem ser-lhe comunicadas oralmente.

36.

1) Todo o recluso deve ter, em qualquer dia útil, a oportunidade de apresentar requerimentos

ou queixas ao diretor do estabelecimento ou ao funcionário autorizado a representá-lo.

2) Qualquer recluso deve poder apresentar requerimentos ou queixas ao inspetor das prisões

no decurso da sua visita. O recluso pode dirigir-se ao inspetor ou a qualquer outro funcionário

incumbido da inspeção fora da presença do diretor ou de outros membros do pessoal do

estabelecimento.

3) Qualquer recluso deve ser autorizado a dirigir, pela via prescrita, sem censura quanto ao

fundo, mas em devida forma, requerimentos ou queixas à administração penitenciária central,

autoridade judiciária ou a qualquer outra autoridade competente.

4) O requerimento ou queixa deve ser estudado sem demora e merecer uma resposta em

tempo útil, salvo se for manifestamente inconsistente ou desprovido de fundamento.

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Contactos com o mundo exterior

37. Os reclusos devem ser autorizados, sob a necessária supervisão, a comunicar

periodicamente com as suas famílias e com amigos de boa reputação, quer por

correspondência quer através de visitas.

38.

1) A reclusos de nacionalidade estrangeira devem ser concedidas facilidades razoáveis para

comunicarem com os representantes diplomáticos e consulares do Estado a que pertencem.

2) A reclusos de nacionalidade de Estados sem representação diplomática ou consular no país,

e a refugiados ou apátridas, devem ser concedidas facilidades semelhantes para comunicarem

com representantes diplomáticos do Estado encarregado de zelar pelos seus interesses ou com

qualquer autoridade nacional ou internacional que tenha a seu cargo a proteção dessas

pessoas.

39. Os reclusos devem ser mantidos regularmente informados das notícias mais importantes

através da leitura de jornais, periódicos ou publicações penitenciárias especiais através de

transmissões de rádio, conferências ou quaisquer outros meios semelhantes, autorizados ou

controlados pela administração.

Biblioteca

40. Cada estabelecimento penitenciário deve ter uma biblioteca para o uso de todas as

categorias de reclusos, devidamente provida com livros de recreio e de instrução e os reclusos

devem ser incentivados a utilizá-la plenamente.

Religião

41.

1) Se o estabelecimento reunir um número suficiente de reclusos da mesma religião, deve ser

nomeado ou autorizado um representante qualificado dessa religião. Se o número de reclusos

o justificar e as circunstâncias o permitirem, deve ser encontrada uma solução permanente.

2) O representante qualificado, nomeado ou autorizado nos termos do parágrafo 1), deve ser

autorizado a organizar periodicamente serviços religiosos e a fazer, sempre que for

aconselhável, visitas pastorais, em particular aos reclusos da sua religião.

3) O direito de entrar em contacto com um representante qualificado da sua religião nunca

deve ser negado a qualquer recluso. Por outro lado, se um recluso se opõe à visita de um

representante de uma religião, a sua vontade deve ser respeitada.

42. Tanto quanto possível cada recluso deve ser autorizado a satisfazer as exigências da sua

vida religiosa, assistindo aos serviços ministrados no estabelecimento e tendo na sua posse

livros de rito e prática de ensino religioso da sua confissão.

Depósito de objetos pertencentes aos reclusos

43.

1) Quando o regulamento não autorizar aos reclusos a posse de dinheiro, objetos de valor,

peças de vestuário e outros objetos que lhes pertençam, estes devem, no momento de

admissão no estabelecimento, ser guardados em lugar seguro. Deve ser elaborada uma lista

destes objetos, assinada pelo recluso. Devem ser tomadas medidas para conse rvar estes

objetos em bom estado.

2) Estes objetos e o dinheiro devem ser restituídos ao recluso no momento da sua libertação,

com exceção do dinheiro que tenha sido autorizado a gastar, dos objetos que tenham sido

enviados pelo recluso para o exterior ou das peças de vestuário que tenham sido destruídas

por razões de higiene. O recluso deve entregar recibo dos objetos e do dinheiro que lhe

tenham sido restituídos.

3) Na medida do possível, os valores e objetos enviados do exterior estão submetidos a estas

mesmas regras.

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4) Se o recluso for portador de medicamentos ou estupefacientes no momento da admissão, o

médico decidirá sobre a sua utilização.

Notificação de morte, doença, transferência, etc.

44.

1) No caso de morte, doença grave, ou acidente grave de um recluso ou da sua mudança para

um estabelecimento para o tratamento de doenças mentais, o diretor deve informar

imediatamente o cônjuge, se o recluso for casado, ou o parente mais próximo e, em qualquer

caso, a pessoa previamente designada pelo recluso.

2) Um recluso deve ser informado imediatamente da morte ou doença grave de qualquer

parente próximo. No caso de doença crítica de um parente próximo, o recluso deve ser

autorizado, quando as circunstâncias o permitirem, a ir junto dele, quer sob escolta quer só.

3) Cada recluso deve ter o direito de informar imediatamente a sua família da sua prisão ou da

sua transferência para outro estabelecimento penitenciário.

Transferência de reclusos

45.

1) Quando os reclusos sejam transferidos de ou para outro estabelecimento, devem ser vistos

o menos possível pelo público, e devem ser tomadas medidas apropriadas para os proteger de

insultos, curiosidade e de qualquer tipo de publicidade.

2) Deve ser proibido o transporte de reclusos em veículos com deficiente ventilação ou

iluminação, ou que de qualquer outro modo os possa sujeitar a sacrifícios físicos

desnecessários.

3) O transporte de reclusos deve ser efetuado a expensas da administração, em condições de

igualdade para todos eles.

Pessoal penitenciário

46.

1) A administração penitenciária deve selecionar cuidadosamente o pessoal de todas as

categorias, dado que é da sua integridade, humanidade, aptidões pessoais e capacidades

profissionais que depende uma boa gestão dos estabelecimentos penitenciários.

2) A administração penitenciária deve esforçar-se permanentemente para suscitar e manter no

espírito do pessoal e da opinião pública a convicção de que esta missão representa um serviço

social de grande importância; para o efeito, devem ser utilizados todos os meios adequados

para esclarecer o público.

3) Para a realização daqueles fins, os membros do pessoal devem desempenhar funções a

tempo inteiro na qualidade de funcionários penitenciários profissionais, devem ter o estatuto

de funcionários do Estado e ser-lhes garantida, por conseguinte, segurança no emprego

dependente apenas de boa conduta, eficácia no trabalho e aptidão física. A remuneração deve

ser suficiente para permitir recrutar e manter ao serviço homens e mulheres competentes; as

vantagens da carreira e as condições de emprego devem ser determinadas tendo em conta a

natureza penosa do trabalho.

47.

1) O pessoal deve possuir um nível intelectual adequado.

2) Deve freqüentar, antes de entrar em funções, um curso de formação geral e especial e

prestar provas teóricas e práticas.

3) Após a entrada em funções e ao longo da sua carreira, o pessoal deve conservar e melhorar

os seus conhecimentos e competências profissionais, seguindo cursos de aperfeiçoamento

organizados periodicamente.

48. Todos os membros do pessoal devem, em todas as circunstâncias, comportar-se e

desempenhar as suas funções de maneira que o seu exemplo tenha boa influência sobre os

reclusos e mereça o respeito destes.

49.

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1) Na medida do possível, deve incluir-se no pessoal um número suficiente de especialistas,

tais como psiquiatras, psicólogos, trabalhadores sociais, professores e instrutores técnicos.

2) Os trabalhadores sociais, professores e instrutores técnicos devem exercer as suas funções

de forma permanente, mas poderá também se recorrer a auxiliares em tempo parcial ou a

voluntários.

50.

1) O diretor do estabelecimento deve ser bem qualificado para a sua função, quer pelo seu

caráter, quer pelas suas competências administrativas, formação e experiência.

2) Deve exercer a sua função oficial a tempo inteiro.

3) Deve residir no estabelecimento ou nas imediações deste.

4) Quando dois ou mais estabelecimentos estejam sob a autoridade de um único diretor, este

deve visitar ambos com freqüência. Em cada um dos estabelecimentos deve haver um

funcionário responsável.

51.

1) O diretor, o seu adjunto e a maioria dos outros membros do pessoal do estabelecimento

devem falar a língua da maior parte dos reclusos ou uma língua entendida pela maioria deles.

2) Deve recorrer-se aos serviços de um intérprete sempre que seja necessário.

52.

1) Nos estabelecimentos cuja dimensão exija os serviços de um ou mais de um médico a

tempo inteiro, um deles pelo menos deve residir no estabelecimento ou nas suas imediações.

2) Nos outros estabelecimentos, o médico deve visitar diariamente os reclusos e residir

suficientemente perto para acudir a casos de urgência.

53.

1) Nos estabelecimentos destinados a homens e mulheres, a secção das mulheres deve ser

colocada sob a direção de um funcionário do sexo feminino responsável que terá à sua guarda

todas as chaves dessa secção.

2) Nenhum funcionário do sexo masculino pode entrar na parte do estabelecimento destinada

às mulheres sem ser acompanhado por um funcionário do sexo feminino.

3) A vigilância das reclusas deve ser assegurada exclusivamente por funcionários do sexo

feminino. Não obstante, isso não impede que funcionários do sexo masculino, especialmente

médicos e professores, desempenhem as suas funções profissionais em estabelecimentos ou

secções de estabelecimentos destinados a mulheres.

54.

1) Os funcionários dos estabelecimentos penitenciários não devem usar, nas suas relações

com os reclusos, de força, exceto em legítima defesa ou em casos de tentativa de fuga, ou de

resistência física ativa ou passiva a uma ordem baseada na lei ou nos regulamentos. Os

funcionários que tenham de recorrer à força não devem usar senão a estritamente necessária, e

devem informar imediatamente o diretor do estabelecimento penitenciário quanto ao

incidente.

2) Os membros do pessoal penitenciário devem receber se necessário uma formação técnica

especial que lhes permita dominar os reclusos violentos.

3) Salvo circunstâncias especiais, os agentes que assegurem serviços que os ponham em

contacto direto com os reclusos não devem estar armados. Aliás, não deverá ser confiada uma

arma a um membro do pessoal sem que ele seja treinado para o seu uso.

Inspeção

55. Haverá uma inspeção regular dos estabelecimentos e serviços penitenciários, por

inspetores qualificados e experientes, nomeados por uma autoridade competente. É seu dever

assegurar que estes estabelecimentos sejam administrados de acordo com as leis e

regulamentos vigentes, para prossecção dos objetivos dos serviços penitenciários e

correcionais.

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PARTE II

Regras aplicáveis a categorias especiais

A. Reclusos condenados

Princípios gerais

56. Os princípios gerais a seguir enunciados têm por finalidade a definição do espírito dentro

do qual os sistemas penitenciários devem ser administrados e os objetivos a que devem

tender, de acordo com a declaração feita na observação preliminar 1 do presente texto.

57. A prisão e outras medidas que resultam na separação de um criminoso do mundo exterior

são dolorosas pelo próprio fato de retirarem à pessoa o direito de autodeterminação, por a

privarem da sua liberdade. Logo, o sistema penitenciário não deve, exceto pontualmente por

razões justificáveis de segregação ou para a manutenção da disciplina, agravar o sofrimento

inerente a tal situação.

58. O fim e a justificação de uma pena de prisão ou de uma medida semelhante que priva de

liberdade é, em última instância, de proteger a sociedade contra o crime. Este fim só pode ser

atingido se o tempo de prisão for aproveitado para assegurar, tanto quanto possível, que

depois do seu regresso à sociedade, o criminoso não tenha apenas à vontade, mas esteja apto a

seguir um modo de vida de acordo com a lei e a sustentar-se a si próprio.

59. Nesta perspectiva, o regime penitenciário deve fazer apelo a todos os meios terapêuticos,

educativos, morais, espirituais e outros e a todos os meios de assistência de que pode dispor,

procurando aplicá-los segundo as necessidades do tratamento individual dos delinqüentes.

60.

1) O regime do estabelecimento deve procurar reduzir as diferenças que podem existir entre a

vida na prisão e a vida em liberdade na medida em que essas diferenças tendam a esbater o

sentido de responsabilidade do detido ou o respeito pela dignidade da sua pessoa.

2) Antes do termo da execução de uma pena ou de uma medida é desejável que sejam

adotadas as medidas necessárias a assegurar ao recluso um regresso progressivo à vida na

sociedade. Este objetivo poderá ser alcançado, consoante os casos, por um regime

preparatório da libertação, organizado no próprio estabelecimento ou em outro

estabelecimento adequado, ou por uma libertação condicional sob um controlo que não deve

caber à polícia, mas que comportará uma assistência social.

61. O tratamento não deve acentuar a exclusão dos reclusos da sociedade, mas sim fazê-los

compreender que eles continuam fazendo parte dela. Para este fim, há que recorrer, na medida

do possível, à cooperação de organismos da comunidade destinados a auxiliar o pessoal do

estabelecimento na sua função de reabilitação das pessoas. Assistentes sociais colaborando

com cada estabelecimento devem ter por missão a manutenção e a melhoria das relações do

recluso com a sua família e com os organismos sociais que podem ser-lhe úteis. Devem

adoptar-se medidas tendo em vista a salvaguarda, de acordo com a lei e a pena imposta, dos

direitos civis, dos direitos em matéria de segurança social e de outros benefícios sociais dos

reclusos.

62. Os serviços médicos de o estabelecimento esforçar-se-ão por descobrir e tratar quaisquer

deficiências ou doenças físicas ou mentais que podem constituir um obstáculo à reabilitação

do recluso. Qualquer tratamento médico, cirúrgico e psiquiátrico considerado necessário deve

ser aplicado tendo em vista esse objetivo.

63.

1) A realização destes princípios exige a individualização do tratamento e, para este fim, um

sistema flexível de classificação dos reclusos por grupos; é por isso desejável que esses

grupos sejam colocados em estabelecimentos separados em que cada um deles possa receber o

tratamento adequado.

2) Estes estabelecimentos não devem possuir o mesmo grau de segurança para cada grupo. É

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desejável prever graus de segurança consoante as necessidades dos diferentes grupos. Os

estabelecimentos abertos, pelo próprio fato de não preverem medidas de segurança física

contra as evasões, mas remeterem neste domínio à autodisciplina dos reclusos, dão a reclusos

cuidadosamente escolhidos as condições mais favoráveis à sua reabilitação.

3) É desejável que nos estabelecimentos fechados a individualização do tratamento não seja

prejudicada pelo número demasiado elevado de reclusos. Nalguns países entende-se que a

população de semelhantes estabelecimentos não deve ultrapassar os quinhentos. Nos

estabelecimentos abertos, a população deve ser tão reduzida quanto possível.

4) Por outro lado, não é desejável manter estabelecimentos demasiado pequenos para se poder

organizar neles um regime conveniente.

64. O dever da sociedade não cessa com a libertação de um recluso. Seria por isso necessário

dispor de organismos governamentais ou privados capazes de trazer ao recluso colocado em

liberdade um auxílio pós-penitenciário eficaz, tendente a diminuir os preconceitos a seu

respeito e permitindo-lhe a sua reinserção na sociedade.

Tratamento

65. O tratamento das pessoas condenadas a uma pena ou medida privativa de liberdade deve

ter por objetivo, na medida em que o permitir a duração da condenação, criar nelas à vontade

e as aptidões que as tornem capazes, após a sua libertação, de viver no respeito da lei e de

prover às suas necessidades. Este tratamento deve incentivar o respeito por si próprias e

desenvolver o seu sentido da responsabilidade.

66.

1) Para este fim, há que recorrer nomeadamente à assistência religiosa nos países em que seja

possível, à instrução, à orientação e à formação profissionais, aos métodos de assistência

social individual, ao aconselhamento relativo ao emprego, ao desenvolvimento físico e à

educação moral, de acordo com as necessidades de cada recluso. Há que ter em conta o

passado social e criminal do condenado, as suas capacidades e aptidões físicas e mentais, as

suas disposições pessoais, a duração da condenação e as perspectivas da sua reabilitação.

2) Para cada recluso condenado a uma pena ou a uma medida de certa duração, o diretor do

estabelecimento deve receber, no mais breve trecho após a admissão do recluso, relatórios

completos sobre os diferentes aspectos referidos no número anterior. Estes relatórios devem

sempre compreender um relatório de um médico, se possível especializado em psiquiatria,

sobre a condição física e mental do recluso.

3) Os relatórios e outros elementos pertinentes devem ser colocados num arquivo individual.

Este arquivo deve ser atualizado e classificado de modo a poder ser consultado pelo pessoal

responsável sempre que necessário.

Classificação e individualização

67. As finalidades da classificação devem ser:

a) De afastar os reclusos que pelo seu passado criminal ou pelas suas tendências exerceriam

uma influência negativa sobre os outros reclusos;

b) De repartir os reclusos por grupos tendo em vista facilitar o seu tratamento para a sua

reinserção social.

68. Há que dispor, na medida do possível, de estabelecimentos separados ou de secções

distintas dentro de um estabelecimento para o tratamento das diferentes categorias de

reclusos.

69. Assim que possível depois da admissão e depois de um estudo da personalidade de cada

recluso condenado a uma pena ou a uma medida de uma certa duração deve ser preparado um

programa de tratamento que lhe seja destinado, à luz dos dados de que se dispõe sobre as suas

necessidades individuais, as suas capacidades e o seu estado de espírito.

Privilégios

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70. Há que instituir em cada estabelecimento um sistema de privilégios adaptado às diferentes

categorias de reclusos e aos diferentes métodos de tratamento, com o objetivo de encorajar o

bom comportamento, de desenvolver o sentido da responsabilidade e de estimular o interesse

e a cooperação dos reclusos no seu próprio tratamento.

Trabalho

71.

1) O trabalho na prisão não deve ser penoso.

2) Todos os reclusos condenados devem trabalhar, em conformidade com as suas aptidões

física e mental, de acordo com determinação do médico.

3) Deve ser dado trabalho suficiente de natureza útil aos reclusos de modo a conservá-los

ativos durante o dia normal de trabalho.

4) Tanto quanto possível, o trabalho proporcionado deve ser de natureza que mantenha ou

aumente as capacidades dos reclusos para ganharem honestamente a vida depois de libertados.

5) Deve ser proporcionado treino profissional em profissões úteis aos reclusos que dele tirem

proveito, e especialmente a jovens reclusos.

6) Dentro dos limites compatíveis com uma seleção profissional apropriada e com as

exigências da administração e disciplina penitenciária, os reclusos devem poder escolher o

tipo de trabalho que querem fazer.

72.

1) A organização e os métodos do trabalho penitenciário devem aproximar-se tanto quanto

possível dos que regem um trabalho semelhante fora do estabelecimento, de modo a preparar

os reclusos para as condições normais do trabalho em liberdade.

2) No entanto o interesse dos reclusos e da sua formação profissional não deve ser

subordinado ao desejo de realizar um benefício por meio do trabalho penitenciário.

73.

1) As indústrias e explorações agrícolas devem de preferência ser dirigidas pela administração

e não por empresários privados.

2) Quando os reclusos forem empregues para trabalho não controlado pela administração,

devem ser sempre colocados sob vigilância do pessoal penitenciário. Salvo nos casos em que

o trabalho seja efetuado por outros departamentos do Estado, as pessoas às quais esse trabalho

seja prestado devem pagar à administração a remuneração normal exigível para esse trabalho,

tendo, todavia em conta a remuneração auferida pelos reclusos.

74.

1) Os cuidados prescritos destinados a proteger a segurança e a saúde dos trabalhadores em

liberdade devem igualmente existir nos estabelecimentos penitenciários.

2) Devem ser adotadas disposições para indenizar os reclusos dos acidentes de trabalho e

doenças profissionais, nas mesmas condições que a lei concede aos trabalhadores em

liberdade.

75.

1) As horas diárias e semanais máximas de trabalho dos reclusos devem ser fixadas por lei ou

por regulamento administrativo, tendo em consideração regras ou costumes locais respeitantes

ao trabalho dos trabalhadores em liberdade.

2) As horas devem ser fixadas de modo a deixar um dia de descanso semanal e tempo

suficiente para educação e para outras atividades necessárias como parte do tratamento e

reinserção dos reclusos.

76.

1) O tratamento dos reclusos deve ser remunerado de modo eqüitativo.

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2) O regulamento deve permitir aos reclusos a utilização de pelo menos uma parte da sua

remuneração para adquirir objetos autorizados destinados ao seu uso pessoal e para enviar

outra parte à sua família.

3) O regulamento deve prever igualmente que uma parte da remuneração seja reservada pela

administração de modo a constituir uma poupança que será entregue ao recluso no momento

da sua colocação em liberdade.

Educação e recreio

77.

1) Devem ser tomadas medidas no sentido de melhorar a educação de todos os reclusos que

daí tirem proveito, incluindo instrução religiosa nos países em que tal for possível. A

educação de analfabetos e jovens reclusos será obrigatória, prestando-lhe a administração

especial atenção.

2) Tanto quanto for possível, a educação dos reclusos deve estar integrada no sistema

educacional do país, para que depois da sua libertação possam continuar, sem dificuldades, a

sua educação.

78. Devem ser proporcionadas atividades de recreio e culturais em todos os estabelecimentos

penitenciários em benefício da saúde mental e física dos reclusos.

A. Relações sociais e assistência pós-prisional

79. Deve ser prestada atenção especial à manutenção e melhoramento das relações entre o

recluso e a sua família, que se mostrem de maior vantagem para ambos.

80. Desde o início do cumprimento da pena de um recluso deve ter-se em consideração o seu

futuro depois de libertado, sendo estimulado e ajudado a manter ou estabelecer as relações

com pessoas ou organizações externas, aptas a promover os melhores interesses da sua família

e da sua própria reinserção social.

81.

1) Serviços ou organizações governamentais ou outras, que prestam assistência a reclusos

colocados em liberdade para se reestabelecerem na sociedade, devem assegurar, na medida do

possível e do necessário, que sejam fornecidos aos reclusos libertados documentos de

identificação apropriados, garantidas casas adequadas e trabalho, adequado vestuário, tendo

em conta o clima e a estação do ano e recursos suficientes para chegarem ao seu destino e

para subsistirem no período imediatamente seguinte à sua libertação.

2) Os representantes oficiais dessas organizações terão o acesso necessário ao estabelecimento

penitenciário e aos reclusos, sendo consultados sobre o futuro do recluso desde o início do

cumprimento da pena.

3) É recomendável que as atividades destas organizações estejam centralizadas ou sejam

coordenadas, tanto quanto possível, a fim de garantir a melhor utilização dos seus esforços.

B. Reclusos alienados e doentes mentais

82.

1) Os reclusos alienados não devem estar detidos em prisões, devendo ser tomadas medidas

para os transferir para estabelecimentos para doentes mentais o mais depressa possível.

2) Os reclusos que sofrem de outras doenças ou anomalias mentais devem ser examinados e

tratados em instituições especializadas sob vigilância médica.

3) Durante a sua estada na prisão, tais reclusos serão postos sob especial supervisão de um

médico.

4) O serviço médico ou psiquiátrico dos estabelecimentos penitenciários deve proporcionar

tratamento psiquiátrico a todos os reclusos que necessitem de tal tratamento.

83. É desejável que sejam adotadas disposições, de acordo com os organismos competentes,

para que o tratamento psiquiátrico seja mantido, se necessário, depois da colocação em

liberdade e que uma assistência social pós-penitenciária de natureza psiquiátrica seja

assegurada.

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C. Reclusos detidos ou aguardando julgamento

84.

1) Os detidos ou presos em virtude de lhes ser imputada à prática de uma infração penal quer

estejam detidos sob custódia da polícia, quer num estabelecimento penitenciário, mas que

ainda não foram julgados e condenados, são a seguir designados por "preventivos não

julgados" nas disposições seguintes.

2) Os preventivos presumem-se inocentes e como tal devem ser tratados.

3) Sem prejuízo das disposições legais sobre a proteção da liberdade individual ou que

prescrevem os trâmites a ser observados em relação a preventivos, estes reclusos devem

beneficiar de um regime especial cujos elementos essenciais são os seguintes.

85.

1) Os preventivos devem ser mantidos separados dos reclusos condenados.

2) Os jovens preventivos devem ser mantidos separados dos adultos e ser, em princípio,

detidos em estabelecimentos penitenciários separados.

86. Os preventivos dormirão sós em quartos separados sob reserva de diferente costume local

relativo ao clima.

87. Dentro dos limites compatíveis com a boa ordem do estabelecimento, os preventivos

podem, se o desejarem, mandar vir alimentação do exterior a expensas próprias, quer através

da administração, quer através da sua família ou amigos. Caso contrário à administração deve

fornecer-lhes a alimentação.

88.

1) O preventivo é autorizado a usar a sua própria roupa se estiver limpa e for adequada.

2) Se usar roupa do estabelecimento penitenciário, esta será diferente da fornecida aos

condenados.

89. Será sempre dada ao preventivo oportunidade para trabalhar, mas não lhe será exigido

trabalhar. Se optar por trabalhar, será remunerado.

90. O preventivo deve ser autorizado a obter a expensas próprias ou a expensas de terceiros,

livros, jornais, material para escrever e outros meios de ocupação compatíveis com os

interesses da administração da justiça e a segurança e boa ordem do estabelecimento.

91. O preventivo deve ser autorizado a ser visitado e tratado pelo seu médico pessoal ou

dentista se existir motivo razoável para o seu pedido e puder pagar quaisquer despesas em que

incorrer.

92. O preventivo deve ser autorizado a informar imediatamente a sua família da detenção e

devem ser-lhe dadas todas as facilidades razoáveis para comunicar com a sua família e

amigos e para receber as suas visitas sob reserva apenas das restrições e supervisão

necessárias aos interesses da administração da justiça e à segurança e boa ordem do

estabelecimento.

93. Para efeitos de defesa, o preventivo deve ser autorizado a pedir a designação de um

defensor oficioso, onde tal assistência exista, e a receber visitas do seu advogado com vista à

sua defesa, bem como a preparar e entregar-lhe instruções confidenciais. Para estes efeitos

ser-lhe-á dado, se assim o desejar, material de escrita. As entrevistas entre o recluso e o seu

advogado podem ser vistas, mas não ouvidas por um funcionário da polícia ou do

estabelecimento.

D. Condenados por dívidas ou a prisão civil

94. Nos países cuja legislação prevê a prisão por dívidas ou outras formas de prisão

pronunciadas por decisão judicial na seqüência de processo que não tenha natureza penal,

estes reclusos não devem ser submetidos a maiores restrições nem ser tratados com maior

severidade do que for necessário para manter a segurança e a ordem. O seu tratamento não

deve ser menos favorável do que o dos preventivos, sob reserva, porém, da eventual obrigação

de trabalhar.

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E. Reclusos detidos ou presos sem acusação

95. Sem prejuízo das regras contidas no artigo 9 do Pacto Internacional sobre os Direitos

Civis e Políticos, deve ser concedida às pessoas detidas ou presas sem acusação à proteção

conferida nos termos da Parte I e da secção C da Parte II. As disposições relevantes da secção

A da Parte II serão igualmente aplicáveis sempre que a sua aplicação possa beneficiar esta

categoria especial de reclusos, desde que não seja tomada nenhuma medida implicando que a

reeducação ou a reinserção é de algum modo adequada a pessoas não condenadas por uma

infração penal.

(37) A/CONF/6/1, anexo I, A. Publicação das Nações Unidas, número de venda 1956.IV.4.

* A presente tradução seguiu parcialmente uma anterior versão em língua portuguesa,

publicada pelo Centro dos Direitos do Homem das Nações Unidas (publicação GE.9415440).

ANEXO 2

DECLARAÇÃO UNIVERSAL DOS DIREITOS HUMANOS (1948)

Considerando que o reconhecimento da dignidade inerente a todos os membros da família

humana e de seus direitos iguais e inalienáveis é o fundamento da liberdade, da justiça e da

paz no mundo;

Considerando que o desprezo e o desrespeito pelos direitos da pessoa resultaram em atos

bárbaros que ultrajaram a consciência da Humanidade e que o advento de um mundo em que

as pessoas gozem de liberdade de palavra, de crença e de liberdade de viverem a salvo do

temor e da necessidade foi proclamado como a mais alta aspiração do homem comum;

Considerando essencial que os direitos da pessoa sejam protegidos pelo império da lei, para

que a pessoa não seja compelida, como último recurso, à rebelião contra a tirania e a

opressão;

Considerando essencial promover o desenvolvimento das relações amistosas entre as nações;

Considerando que os povos das Nações Unidas reafirmaram, na Carta, sua fé nos direitos

humanos fundamentais, na dignidade e no valor da pessoa humana e na igualdade de direitos

do homem e da mulher, e que decidiram promover o progresso social e melhores condições de

vida em uma liberdade mais ampla;

Considerando que os Estados-Membros se comprometeram a promover, em cooperação com

as Nações Unidas, o respeito universal aos direitos e liberdades fundamentais da pessoa e a

observância desses direitos e liberdades;

Considerando que uma compreensão comum desses direitos e liberdades é da mais alta

importância para o pleno cumprimento desse compromisso,

A Assembléia Geral proclama

A presente Declaração Universal dos Direitos Humanos como o ideal comum a ser atingido

por todos os povos e todas as nações, com o objetivo de que cada indivíduo e cada órgão da

sociedade, tendo sempre em mente esta Declaração, se esforcem, através do ensino e da

educação, em promover o respeito a esses direitos e liberdades e, pela adoção de medidas

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progressivas de caráter nacional e internacional, em assegurar o seu reconhecimento e a sua

observância universais e efetivos, tanto entre os povos dos próprios Estados-Membros quanto

entre os povos dos territórios sob a sua jurisdição.

Artigo I - Todas as pessoas nascem livres e iguais em dignidade e direitos. São dotadas de

razão e consciência e devem agir em relação umas às outras com espírito de fraternidade.

Artigo II - 1. Toda pessoa tem capacidade para gozar os direitos e as liberdades estabelecidos

nesta Declaração, sem distinção de qualquer espécie, seja de raça, cor, sexo, língua, religião,

opinião política ou de outra natureza, origem nacional ou social, riqueza, nascimento, ou

qualquer outra condição.

2. Não será tampouco feita nenhuma distinção fundada na condição política, jurídica ou

internacional do país ou território a que pertença uma pessoa, quer se trate de um território

independente, sob tutela, sem governo próprio, quer sujeito a qualquer outra limitação de

soberania.

Artigo III - Toda pessoa tem direito à vida, à liberdade e à segurança pessoal.

Artigo IV - Ninguém será mantido em escravidão ou servidão; a escravidão e o tráfico de

escravos serão proibidos em todas as suas formas.

Artigo V - Ninguém será submetido a tortura, nem a tratamento ou castigo cruel, desumano

ou degradante.

Artigo VI - Toda pessoa tem o direito de ser, em todos os lugares, reconhecida como pessoa

perante a lei.

Artigo VII - Todos são iguais perante a lei e têm direito, sem qualquer distinção, a igual

proteção da lei. Todos têm direito a igual proteção contra qualquer discriminação que viole a

presente Declaração e contra qualquer incitamento a tal discriminação.

Artigo VIII - Toda pessoa tem o direito de receber dos Tribunais nacionais competentes

recurso efetivo para os atos que violem os direitos fundamentais que lhe sejam reconhecidos

pela Constituição ou pela lei.

Artigo IX - Ninguém será arbitrariamente preso, detido ou exilado.

Artigo X - Toda pessoa tem direito, em plena igualdade, a uma audiência justa e pública por

parte de um Tribunal independente e imparcial, para decidir de seus direitos e deveres ou do

fundamento de qualquer acusação criminal contra ela.

Artigo XI - 1. Toda pessoa acusada de um ato delituoso tem o direito de ser presumida

inocente, até que a sua culpabilidade tenha sido provada de acordo com a lei, em julgamento

público no qual lhe tenham sido asseguradas todas as garantias necessárias à sua defesa.

2. Ninguém poderá ser culpado por qualquer ação ou omissão que, no momento, não

constituam delito perante o direito nacional ou internacional. Também não será imposta pena

mais forte do que aquela que, no momento da prática, era aplicável ao ato delituoso.

Artigo XII - Ninguém será sujeito a interferências na sua vida privada, na sua família, no seu

lar ou na sua correspondência, nem a ataques à sua honra e reputação. Toda pessoa tem direito

à proteção da lei contra tais interferências ou ataques.

Artigo XIII - 1. Toda pessoa tem direito à liberdade de locomoção e residência dentro das

fronteiras de cada Estado.

2. Toda pessoa tem o direito de deixar qualquer país, inclusive o próprio, e a ele regressar.

Artigo XIV - 1. Toda pessoa vítima de perseguição tem o direito de procurar e de gozar asilo

em outros países.

2. Este direito não pode ser invocado em caso de perseguição legitimamente motivada por

crimes de direito comum ou por atos contrários aos propósitos ou princípios das Nações

Unidas.

Artigo XV - 1. Toda pessoa tem direito a uma nacionalidade.

2. Ninguém será arbitrariamente privado de sua nacionalidade, nem do direito de mudar de

nacionalidade.

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Artigo XVI - Os homens e mulheres de maior idade, sem qualquer restrição de raça,

nacionalidade ou religião, têm o direito de contrair matrimônio e fundar uma família. Gozam

de iguais direitos em relação ao casamento, sua duração e sua dissolução.

2. O casamento não será válido senão com o livre e pleno consentimento dos nubentes.

3. A família é o núcleo natural e fundamental da sociedade e tem direito à proteção da

sociedade e do Estado.

Artigo XVII - 1. Toda pessoa tem direito à propriedade, só ou em sociedade com outros.

2. Ninguém será arbitrariamente privado de sua propriedade.

Artigo XVIII - Toda pessoa tem direito à liberdade de pensamento, consciência e religião;

este direito inclui a liberdade de mudar de religião ou crença e a liberdade de manifestar essa

religião ou crença, pelo ensino, pela prática, pelo culto e pela observância, isolada ou

coletivamente, em público ou em particular.

Artigo XIX - Toda pessoa tem direito à liberdade de opinião e expressão; este direito inclui a

liberdade de, sem interferências, ter opiniões e de procurar, receber e transmitir informações e

idéias por quaisquer meios e independentemente de fronteiras.

Artigo XX - 1. Toda pessoa tem direito à liberdade de reunião e associação pacíficas.

2. Ninguém poderá ser obrigado a fazer parte de uma associação.

Artigo XXI - 1. Toda pessoa tem o direito de tomar parte no governo de seu país diretamente

ou por intermédio de representantes livremente escolhidos.

2. Toda pessoa tem igual direito de acesso ao serviço público do seu país.

3. A vontade do povo será a base da autoridade do governo; esta vontade será expressa em

eleições periódicas e legítimas, por sufrágio universal, por voto secreto ou processo

equivalente que assegure a liberdade de voto.

Artigo XXII - Toda pessoa, como membro da sociedade, tem direito à segurança social e à

realização, pelo esforço nacional, pela cooperação internacional e de acordo com a

organização e recursos de cada Estado, dos direitos econômicos, sociais e culturais

indispensáveis à sua dignidade e ao livre desenvolvimento de sua personalidade.

Artigo XXIII - 1. Toda pessoa tem direito ao trabalho, à livre escolha de emprego, a

condições justas e favoráveis de trabalho e à proteção contra o desemprego.

2. Toda pessoa, sem qualquer distinção, tem direito a igual remuneração por igual trabalho.

3. Toda pessoa que trabalha tem direito a uma remuneração justa e satisfatória, que lhe

assegure, assim como à sua família, uma existência compatível com a dignidade humana, e a

que se acrescentarão, se necessário, outros meios de proteção social.

4. Toda pessoa tem direito a organizar sindicatos e a neles ingressar para a proteção de seus

interesses.

Artigo XXIV - Toda pessoa tem direito a repouso e lazer, inclusive a limitação razoável das

horas de trabalho e a férias remuneradas periódicas.

Artigo XXV - 1. Toda pessoa tem direito a um padrão de vida capaz de assegurar a si e a sua

família saúde e bem-estar, inclusive alimentação, vestuário, habitação, cuidados médicos e os

serviços sociais indispensáveis, o direito à segurança, em caso de desemprego, doença,

invalidez, viuvez, velhice ou outros casos de perda dos meios de subsistência em

circunstâncias fora de seu controle.

2. A maternidade e a infância têm direito a cuidados e assistência especiais. Todas as crianças,

nascidas dentro ou fora do matrimônio, gozarão da mesma proteção social.

Artigo XXVI - 1. Toda pessoa tem direito à instrução. A instrução será gratuita, pelo menos

nos graus elementares e fundamentais. A instrução elementar será obrigatória. A instrução

técnico-profissional será acessível a todos, bem como a instrução superior, esta baseada no

mérito.

2. A instrução será orientada no sentido do pleno desenvolvimento da personalidade humana e

do fortalecimento e do respeito pelos direitos humanos e pelas liberdades fundamentais. A

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instrução promoverá a compreensão, a tolerância e a amizade entre todas as nações e grupos

raciais ou religiosos, e coadjuvará as atividades das Nações Unidas em prol da manutenção da

paz.

3. Os pais têm prioridade de direito na escolha do gênero de instrução que será ministrada a

seus filhos.

Artigo XXVII - 1. Toda pessoa tem o direito de participar livremente da vida cultural da

comunidade, de fruir as artes e de participar do progresso científico e de seus benefícios.

2. Toda pessoa tem direito à proteção dos interesses morais e materiais decorrentes de

qualquer produção científica, literária ou artística da qual seja autor.

Artigo XXVIII - Toda pessoa tem direito a uma ordem social e internacional em que os

direitos e liberdades estabelecidos na presente Declaração possam ser plenamente realizados.

Artigo XXIX - 1. Toda pessoa tem deveres para com a comunidade, na qual o livre e pleno

desenvolvimento de sua personalidade é possível.

2. No exercício de seus direitos e liberdades, toda pessoa estará sujeita apenas às limitações

determinadas pela lei, exclusivamente com o fim de assegurar o devido reconhecimento e

respeito dos direitos e liberdades de outrem, e de satisfazer às justas exigências da moral, da

ordem pública e do bem-estar de uma sociedade democrática.

3. Esses direitos e liberdades não podem, em hipótese alguma, ser exercidos contrariamente

aos propósitos e princípios das Nações Unidas.

Artigo XXX - Nenhuma disposição da presente Declaração pode ser interpretada como o

reconhecimento a qualquer Estado, grupo ou pessoa, do direito de exercer qualquer atividade

ou praticar qualquer ato destinado à destruição de quaisquer dos direitos e liberdades aqui

estabelecidos.

ANEXO 3

RESOLUÇÃO Nº 14, DE 11 DE NOVEMBRO DE 1994

Publicada no DOU de 2.12.2994

O Presidente do Conselho Nacional de Política Criminal e Penitenciária (CNPCP), no uso de

suas atribuições legais e regimentais e;

Considerando a decisão, por unanimidade, do Conselho Nacional de Política Criminal e

Penitenciária, reunido em 17 de outubro de 1994, com o propósito de estabelecer regras

mínimas para o tratamento de Presos no Brasil;

Considerando a recomendação, nesse sentido, aprovada na sessão de 26 de abril a 6 de maio

de 1994, pelo Comitê Permanente de Prevenção ao Crime e Justiça Penal das Nações Unidas,

do qual o Brasil é Membro;

Considerando ainda o disposto na Lei nº 7.210, de 11 de julho de 1984 (Lei de Execução

Penal);

Resolve fixar as Regras Mínimas para o Tratamento do Preso no Brasil.

TÍTULO I

REGRAS DE APLICAÇÃO GERAL

CAPÍTULO I

DOS PRINCÍPIOS FUNDAMENTAIS

Art. 1º. As normas que se seguem obedecem aos princípios da Declaração Universal dos

Direitos do Homem e daqueles inseridos nos Tratados, Convenções e regras internacionais de

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que o Brasil é signatário devendo ser aplicadas sem distinção de natureza racial, social,

sexual, política, idiomática ou de qualquer outra ordem.

Art. 2º. Impõe-se o respeito às crenças religiosas, aos cultos e aos preceitos morais do preso.

Art. 3º. É assegurado ao preso o respeito à sua individualidade, integridade física e dignidade

pessoal.

Art. 4º. O preso terá o direito de ser chamado por seu nome.

CAPÍTULO II

DO REGISTRO

Art. 5º. Ninguém poderá ser admitido em estabelecimento prisional sem ordem legal de

prisão.

Parágrafo Único. No local onde houver preso deverá existir registro em que constem os

seguintes dados:

I – identificação;

II – motivo da prisão;

III – nome da autoridade que a determinou;

IV – antecedentes penais e penitenciários;

V – dia e hora do ingresso e da saída.

Art. 6º. Os dados referidos no artigo anterior deverão ser imediatamente comunicados ao

programa de Informatização do Sistema Penitenciário Nacional – INFOPEN, assegurando-se

ao preso e à sua família o acesso a essas informações.

CAPÍTULO III

DA SELEÇÃO E SEPARAÇÃO DOS PRESOS

Art. 7º. Presos pertencentes a categorias diversas devem ser alojados em diferentes

estabelecimentos prisionais ou em suas seções, observadas características pessoais tais como:

sexo, idade, situação judicial e legal, quantidade de pena a que foi condenado, regime de

execução, natureza da prisão e o tratamento específico que lhe corresponda, atendendo ao

princípio da individualização da pena.

§ 1º. As mulheres cumprirão pena em estabelecimentos próprios.

§ 2º. Serão asseguradas condições para que a presa possa permanecer com seus filhos durante

o período de amamentação dos mesmos.

CAPÍTULO IV

DOS LOCAIS DESTINADOS AOS PRESOS

Art. 8º. Salvo razões especiais, os presos deverão ser alojados individualmente.

§ 1º. Quando da utilização de dormitórios coletivos, estes deverão ser ocupados por presos

cuidadosamente selecionados e reconhecidos como aptos a serem alojados nessas condições.

§ 2º. O preso disporá de cama individual provida de roupas, mantidas e mudadas correta e

regularmente, a fim de assegurar condições básicas de limpeza e conforto.

Art. 9º. Os locais destinados aos presos deverão satisfazer as exigências de higiene, de acordo

com o clima, particularmente no que ser refere à superfície mínima, volume de ar, calefação e

ventilação.

Art. 10º O local onde os presos desenvolvam suas atividades deverá apresentar:

I – janelas amplas, dispostas de maneira a possibilitar circulação de ar fresco, haja ou não

ventilação artificial, para que o preso possa ler e trabalhar com luz natural;

II – quando necessário, luz artificial suficiente, para que o preso possa trabalhar sem prejuízo

da sua visão;

III – instalações sanitárias adequadas, para que o preso possa satisfazer suas necessidades

naturais de forma higiênica e decente, preservada a sua privacidade.

IV – instalações condizentes, para que o preso possa tomar banho à temperatura adequada ao

clima e com a freqüência que exigem os princípios básicos de higiene.

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Art. 11. Aos menores de 0 a 6 anos, filhos de preso, será garantido o atendimento em creches

e em pré-escola.

Art. 12. As roupas fornecidas pelos estabelecimentos prisionais devem ser apropriadas às

condições climáticas.

§ 1º. As roupas não deverão afetar a dignidade do preso.

§ 2º. Todas as roupas deverão estar limpas e mantidas em bom estado.

§ 3º. Em circunstâncias especiais, quando o preso se afastar do estabelecimento para fins

autorizados, ser-lh-á permitido usar suas próprias roupas.

CAPÍTULO V

DA ALIMENTAÇÃO

Art. 13. A administração do estabelecimento fornecerá água potável e alimentação aos presos.

Parágrafo Único – A alimentação será preparada de acordo com as normas de higiene e de

dieta, controlada por nutricionista, devendo apresentar valor nutritivo suficiente para

manutenção da saúde e do vigor físico do preso.

CAPÍTULO VI

Dos exercícios físicos

Art. 14. O preso que não se ocupar de tarefa ao ar livre deverá dispor de, pelo menos, uma

hora ao dia para realização de exercícios físicos adequados ao banho de sol.

CAPÍTULO VII

DOS SERVIÇOS DE SAÚDE E ASSISTÊNCIA SANITÁRIA

Art. 15. A assistência à saúde do preso, de caráter preventivo curativo, compreenderá

atendimento médico, psicológico, farmacêutico e odontológico.

Art. 16. Para assistência à saúde do preso, os estabelecimentos prisionais serão dotados de:

I – enfermaria com cama, material clínico, instrumental adequado a produtos farmacêuticos

indispensáveis para internação médica ou odontológica de urgência;

II – dependência para observação psiquiátrica e cuidados toxicômanos;

III – unidade de isolamento para doenças infecto-contagiosas.

Parágrafo Único - Caso o estabelecimento prisional não esteja suficientemente aparelhado

para prover assistência médica necessária ao doente, poderá ele ser transferido para unidade

hospitalar apropriada.

Art. 17. O estabelecimento prisional destinado a mulheres disporá de dependência dotada de

material obstétrico. Para atender à grávida, à parturiente e à convalescente, sem condições de

ser transferida a unidade hospitalar para tratamento apropriado, em caso de emergência.

Art 18. O médico, obrigatoriamente, examinará o preso, quando do seu ingresso no

estabelecimento e, posteriormente, se necessário, para :

I – determinar a existência de enfermidade física ou mental, para isso, as medidas necessárias;

II – assegurar o isolamento de presos suspeitos de sofrerem doença infecto-contagiosa;

III – determinar a capacidade física de cada preso para o trabalho;

IV – assinalar as deficiências físicas e mentais que possam constituir um obstáculo para sua

reinserção social.

Art. 19. Ao médico cumpre velar pela saúde física e mental do preso, devendo realizar visitas

diárias àqueles que necessitem.

Art. 20. O médico informará ao diretor do estabelecimento se a saúde física ou mental do

preso foi ou poderá vir a ser afetada pelas condições do regime prisional.

Parágrafo Único – Deve-se garantir a liberdade de contratar médico de confiança pessoal do

preso ou de seus familiares, a fim de orientar e acompanhar seu tratamento.

CAPÍTULO VIII

DA ORDEM E DA DISCIPLINA

Art. 21. A ordem e a disciplina deverão ser mantidas, sem se impor restrições além das

necessárias para a segurança e a boa organização da vida em comum.

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Art. 22. Nenhum preso deverá desempenhar função ou tarefa disciplinar no estabelecimento

prisional.

Parágrafo Único – Este dispositivo não se aplica aos sistemas baseados na autodisciplina e

nem deve ser obstáculo para a atribuição de tarefas, atividades ou responsabilidade de ordem

social, educativa ou desportiva.

Art. 23 . Não haverá falta ou sanção disciplinar sem expressa e anterior previsão legal ou

regulamentar.

Parágrafo Único – As sanções não poderão colocar em perigo a integridade física e a

dignidade pessoal do preso.

Art. 24. São proibidos, como sanções disciplinares, os castigos corporais, clausura em cela

escura, sanções coletivas, bem como toda punição cruel, desumana, degradante e qualquer

forma de tortura.

Art. 25. Não serão utilizados como instrumento de punição: correntes, algemas e camisas-de-

força.

Art. 26. A norma regulamentar ditada por autoridade competente determinará em cada caso:

I – a conduta que constitui infração disciplinar;

II – o caráter e a duração das sanções disciplinares;

III - A autoridade que deverá aplicar as sanções.

Art. 27. Nenhum preso será punido sem haver sido informado da infração que lhe será

atribuída e sem que lhe haja assegurado o direito de defesa.

Art. 28. As medidas coercitivas serão aplicadas, exclusivamente, para o restabelecimento da

normalidade e cessarão, de imediato, após atingida a sua finalidade.

CAPÍTULO IX

DOS MEIOS DE COERÇÃO

Art. 29. Os meios de coerção, tais como algemas, e camisas-de-força, só poderão ser

utilizados nos seguintes casos:

I – como medida de precaução contra fuga, durante o deslocamento do preso, devendo ser

retirados quando do comparecimento em audiência perante autoridade judiciária ou

administrativa;

II – por motivo de saúde,segundo recomendação médica;

III – em circunstâncias excepcionais, quando for indispensável utiliza-los

Em razão de perigo eminente para a vida do preso, de servidor, ou de terceiros.

Art. 30. É proibido o transporte de preso em condições ou situações que lhe importam

sofrimentos físicos

Parágrafo Único – No deslocamento de mulher presa a escolta será integrada, pelo menos, por

uma policial ou servidor pública.

CAPÍTULO X

DA INFORMAÇÃO E DO DIREITO DE QUEIXA DOS PRESOS

Art. 31. Quando do ingresso no estabelecimento prisional, o preso receberá informações

escritas sobre normas que orientarão seu tratamento, as imposições de caratê disciplinar bem

como sobre os seus direitos e deveres.

Parágrafo Único – Ao preso analfabeto, essas informações serão prestadas verbalmente.

Art. 32. O preso terá sempre a oportunidade de apresentar pedidos ou formular queixas ao

diretor do estabelecimento, à autoridade judiciária ou outra competente.

CAPÍTULO XI

DO CONTATO COM O MUNDO EXTERIOR

Art. 33. O preso estará autorizado a comunicar-se periodicamente, sob vigilância, com sua

família, parentes, amigos ou instituições idôneas, por correspondência ou por meio de visitas.

§ 1º. A correspondência do preso analfabeto pode ser, a seu pedido, lida e escrita por servidor

ou alguém opor ele indicado;

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§ 2º. O uso dos serviços de telecomunicações poderá ser autorizado pelo diretor do

estabelecimento prisional.

Art. 34. Em caso de perigo para a ordem ou para segurança do estabelecimento prisional, a

autoridade competente poderá restringir a correspondência dos presos, respeitados seus

direitos.

Parágrafo Único – A restrição referida no "caput" deste artigo cessará imediatamente,

restabelecida a normalidade.

Art. 35. O preso terá acesso a informações periódicas através dos meios de comunicação

social, autorizado pela administração do estabelecimento.

Art. 36. A visita ao preso do cônjuge, companheiro, família, parentes e amigos, deverá

observar a fixação dos dias e horários próprios.

Parágrafo Único 0- Deverá existir instalação destinada a estágio de estudantes universitários.

Art. 37. Deve-se estimular a manutenção e o melhoramento das relações entre o preso e sua

família.

CAPÍTULO XII

Das instruções e assistência educacional

Art. 38. A assistência educacional compreenderá a instrução escolar e a formação profissional

do preso.

Art. 39. O ensino profissional será ministrado em nível de iniciação e de aperfeiçoamento

técnico.

Art. 40. A instrução primária será obrigatoriamente ofertada a todos os presos que não a

possuam.

Parágrafo Único – Cursos de alfabetização serão obrigatórios para os analfabetos.

Art. 41. Os estabelecimentos prisionais contarão com biblioteca organizada com livros de

conteúdo informativo, educativo e recreativo, adequados à formação cultural, profissional e

espiritual do preso.

Art. 42. Deverá ser permitido ao preso participar de curso por correspondência, rádio ou

televisão, sem prejuízo da disciplina e da segurança do estabelecimento.

CAPÍTULO XIII

DA ASSISTÊNCIA RELIGIOSA E MORAL

Art. 43. A Assistência religiosa, com liberdade de culto, será permitida ao preso bem como a

participação nos serviços organizado no estabelecimento prisional.

Parágrafo Único – Deverá ser facilitada, nos estabelecimentos prisionais, a presença de

representante religioso, com autorização para organizar serviços litúrgicos e fazer visita

pastoral a adeptos de sua religião.

CAPÍTULO XIV

DA ASSISTÊNCIA JURÍDICA

Art. 44. Todo preso tem direito a ser assistido por advogado.

§ 1º. As visitas de advogado serão em local reservado respeitado o direito à sua privacidade;

§ 2º. Ao preso pobre o Estado deverá proporcionar assistência gratuita e permanente.

CAPÍTULO XV

DOS DEPÓSITOS DE OBJETOS PESSOAIS

Art. 45. Quando do ingresso do preso no estabelecimento prisional, serão guardados, em lugar

escuro, o dinheiro, os objetos de valor, roupas e outras peças de uso que lhe pertençam e que o

regulamento não autorize a ter consigo.

§ 1º. Todos os objetos serão inventariados e tomadas medidas necessárias para sua

conservação;

§ 2º. Tais bens serão devolvidos ao preso no momento de sua transferência ou liberação.

CAPÍTULO XVI

DAS NOTIFICAÇÕES

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Art. 46. Em casos de falecimento, de doença, acidente grave ou de transferência do preso para

outro estabelecimento, o diretor informará imediatamente ao cônjuge, se for o ocaso, a

parente próximo ou a pessoa previamente designada.

§ 1º. O preso será informado, imediatamente, do falecimento ou de doença grave de cônjuge,

companheiro, ascendente, descendente ou irmão, devendo ser permitida a visita a estes sob

custódia.

§ 2º . O preso terá direito de comunicar, imediatamente, à sua família, sua prisão ou sua

transferência para outro estabelecimento.

CAPÍTULO XVII

DA PRESERVAÇÃO DA VIDA PRIVADA E DA IMAGEM

Art. 47. O preso não será constrangido a participar, ativa ou passivamente, de ato de

divulgação de informações aos meios de comunicação social, especialmente no que tange à

sua exposição compulsória à fotografia ou filmagem

Parágrafo Único – A autoridade responsável pela custódia do preso providenciará, tanto

quanto consinta a lei, para que informações sobre a vida privada e a intimidade do preso

sejam mantidas em sigilo, especialmente aquelas que não tenham relação com sua prisão.

Art. 48. Em caso de deslocamento do preso, por qualquer motivo, deve-se evitar sua

exposição ao público, assim como resguardá-lo de insultos e da curiosidade geral.

CAPÍTULO XVIII

DO PESSOAL PENITENCIÁRIO

Art. 49. A seleção do pessoal administrativo, técnico, de vigilância e custódia, atenderá à

vocação, à preparação profissional e à formação profissional dos candidatos através de escolas

penitenciárias.

Art. 50. O servidor penitenciário deverá cumprir suas funções, de maneira que inspire respeito

e exerça influência benéfica ao preso.

Art. 51. Recomenda-se que o diretor do estabelecimento prisional seja devidamente

qualificado para a função pelo seu caráter, integridade moral, capacidade administrativa e

formação profissional adequada.

Art. 52. No estabelecimento prisional para a mulher, o responsável pela vigilância e custódia

será do sexo feminino.

TÍTULO II

REGRAS APLICÁVEIS A CATEGORIAS ESPECIAIS

CAPÍTULO XIX

DOS CONDENADOS

Art. 53. A classificação tem por finalidade:

I – separar os presos que, em razão de sua conduta e antecedentes penais e penitenciários,

possam exercer influência nociva sobre os demais.

II – dividir os presos em grupos para orientar sua reinserção social;

Art. 54. Tão logo o condenado ingresse no estabelecimento prisional, deverá ser realizado

exame de sua personalidade, estabelecendo-se programa de tratamento específico, com o

propósito de promover a individualização da pena.

CAPÍTULO XX

DAS RECOMPENSAS

Art. 55. Em cada estabelecimento prisional será instituído um sistema de recompensas,

conforme os diferentes grupos de presos e os diferentes métodos de tratamento, a fim de

motivar a boa conduta, desenvolver o sentido de responsabilidade, promover o interesse e a

cooperação dos presos.

CAPÍTULO XXI

DO TRABALHO

Art. 56. Quanto ao trabalho:

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I - o trabalho não deverá ter caráter aflitivo;

II – ao condenado será garantido trabalho remunerado conforme sua aptidão e condição

pessoal, respeitada a determinação médica;

III – será proporcionado ao condenado trabalho educativo e produtivo;

IV – devem ser consideradas as necessidades futuras do condenado, bem como, as

oportunidades oferecidas pelo mercado de trabalho;

V – nos estabelecimentos prisionais devem ser tomadas as mesmas precauções prescritas para

proteger a segurança e a saúde dois trabalhadores livres;

VI – serão tomadas medidas para indenizar os presos por acidentes de trabalho e doenças

profissionais, em condições semelhantes às que a lei dispõe para os trabalhadores livres;

VII – a lei ou regulamento fixará a jornada de trabalho diária e semanal para os condenados,

observada a destinação de tempo para lazer, descanso. Educação e outras atividades que se

exigem como parte do tratamento e com vistas a reinserção social;

VIII – a remuneração aos condenados deverá possibilitar a indenização pelos danos causados

pelo crime, aquisição de objetos de uso pessoal, ajuda à família, constituição de pecúlio que

lhe será entregue quando colocado em liberdade.

CAPÍTULO XXII

DAS RELAÇÕES SOCIAIS E AJUDA PÓS-PENITENCIÁRIA

Art. 57. O futuro do preso, após o cumprimento da pena, será sempre levado em conta. Deve-

se anima-lo no sentido de manter ou estabelecer relações com pessoas ou órgãos externos que

possam favorecer os interesses de sua família, assim como sua própria readaptação social.

Art. 58. Os órgãos oficiais, ou não, de apoio ao egresso devem:

I – proporcionar-lhe os documentos necessários, bem como, alimentação, vestuário e

alojamento no período imediato à sua liberação, fornecendo-lhe, inclusive, ajuda de custo para

transporte local;

II – ajuda-lo a reintegrar-se à vida em liberdade, em especial, contribuindo para sua colocação

no mercado de trabalho.

CAPÍTULO XXIII

DO DOENTE MENTAL

Art. 59. O doente mental deverá ser custodiado em estabelecimento apropriado, não devendo

permanecer em estabelecimento prisional além do tempo necessário para sua transferência.

Art. 60. Serão tomadas providências, para que o egresso continue tratamento psiquiátrico,

quando necessário.

CAPÍTULO XXIV

DO PRESO PROVISÓRIO

Art. 61. Ao preso provisório será assegurado regime especial em que se observará:

I – separação dos presos condenados;

II – cela individual, preferencialmente;

III – opção por alimentar-se às suas expensas;

IV – utilização de pertences pessoais;

V – uso da própria roupa ou, quando for o caso, de uniforme diferenciado daquele utilizado

por preso condenado;

VI – oferecimento de oportunidade de trabalho;

VII – visita e atendimento do seu médico ou dentista.

CAPÍTULO XXV

DO PRESO POR PRISÃO CIVIL

Art. 62. Nos casos de prisão de natureza civil, o preso deverá permanecer em recinto separado

dos demais, aplicando-se, no que couber,. As normas destinadas aos presos provisórios.

CAPÍTULO XXVI

DOS DIREITOS POLÍTICOS

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Art. 63. São assegurados os direitos políticos ao preso que não está sujeito aos efeitos da

condenação criminal transitada em julgado.

CAPÍTULO XXVII

DAS DISPOSIÇÕES FINAIS

Art. 64. O Conselho Nacional de Política Criminal e Penitenciária adotará as providências

essenciais ou complementares para cumprimento das regras Mínimas estabelecidas nesta

resolução, em todas as Unidades Federativas.

Art. 65. Esta resolução entra em vigor na data de sua publicação.

Edmundo Oliveira

Presidente do Conselho Nacional de Política Criminal e Penitenciária

HERMES VILCHEZ GUERREIRO

Conselheiro Relator

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Diário Oficial - Poder Executivo - Seção I - Quarta-feira, 30 de junho de 2010

Administração PenitenciáriaGABINETE DO SECRETÁRIO

Resolução SAP - 144, de 29-6-2010

Institui o Regimento Interno Padrão das Unidades Prisionais do Estado de São Paulo

O Secretário da Administração Penitenciária considerando que:

- desde 1.999 não se atualiza o Regimento Interno Padrão das Unidades Prisionais da Secretaria da Administração Penitenciária; - nesse período, ocorreram várias alterações que necessitam ser incorporadas ao Regimento Interno Padrão existente; -não é possível administrar o sistema penitenciário sem a existência de normas procedimentais, destinadas, acima de tudo, a padronizar o trabalho desenvolvido no âmbito das unidades prisionais, de forma que não haja condutas diferentes para situações análogas; - o Grupo de Trabalho instituído pela Resolução SAP-75, de 7 de maio de 2.007, alterada pelas Resoluções SAP- 91, de 15 de junho de 2.007 e 119, de 26 de maio de 2.005, concluiu os trabalhos para o qual foi constituído, resolve:

Artigo 1º- Instituir o Regimento Interno Padrão das Unidades Prisionais do Estado de São Paulo, no âmbito da Secretaria da Administração Penitenciária, que integra a presente, na forma de anexo.

Artigo 2º- As normas procedimentais que integram o Regimento Interno Padrão devem ser obedecidas pelas unidades prisionais que integram a Secretaria da Administração Penitenciária.

Artigo 3º- Os Centros de Ressocialização, as Unidades Médico-Hospitalares e o Centro de Readaptação Penitenciária obedecerão a Regimento Interno específico.

Artigo 4º- Esta Resolução entra em vigor na data de sua publicação, ficando automaticamente revogadas as disposições em contrário.

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REGIMENTO INTERNO PADRÃO DAS UNIDADES PRISIONAIS DO ESTADO DE SÃO PAULO

TÍTULO IDA APLICAÇÃO DO REGIMENTO INTERNO PADRÃO

Artigo 1º - Não há sanção disciplinar sem expressa e anterior previsão legal ou regulamentar.

Artigo 2º - Aplicam-se as normas contidas neste Regimento Interno Padrão aos presos provisórios; aos condenados a penas privativas de liberdade nos regimes fechado e semiaberto e aos submetidos a medidas de segurança, no que couber.

TÍTULO IIDO OBJETO E DAS FINALIDADES DAS UNIDADES PRISIONAIS

Artigo 3º - À Secretaria da Administração Penitenciária, por meio das unidades prisionais e dos demais órgãos que a compõe, cabe promover a custódia, a execução penal, a medida de segurança e a ressocialização dos indivíduos presos provisórios, condenados e internados, bem como acompanhar e fiscalizar o cumprimento das penas e medidas alternativas.

Artigo 4º - A administração das unidades prisionais é dividida por regiões, sendo realizada por intermédio das Coordenadorias Regionais de Unidades Prisionais e da Coordenadoria de Saúde do Sistema Penitenciário, responsáveis por garantir o desenvolvimento da política penitenciária; a correta aplicação das normas e diretrizes estabelecidas pela Secretaria da Administração Penitenciária e a execução das atividades a elas inerentes.

TÍTULO IIIDOS TIPOS DAS UNIDADES PRISIONAIS

Artigo 5º - O sistema penitenciário do Estado de São Paulo, que integra a estrutura básica da Secretaria da Administração Penitenciária, sob a coordenação das Coordenadorias Regionais de Unidades Prisionais e da Coordenadoria de Saúde do Sistema Penitenciário é constituído por:

I- unidades de detenção provisória; II- unidades penitenciárias; III- unidades de progressão penitenciária; IV- unidades penais agrícolas; V- unidades de ressocialização; VI- unidades de custódia e tratamento psiquiátrico; VII- unidades médicopenais; VIII- unidades de readaptação penitenciária;

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§1º - As unidades elencadas nos incisos I a VIII deste artigo tem sua criação, destinação e estrutura reguladas por ato do Governador do Estado de São Paulo.

§2º - Os presos que se encontram sob a custódia das unidades elencadas nos incisos V, VII e VIII não constituem objeto do presente Regimento e serão tratados em apartado.

TÍTULO IVDAS FASES EVOLUTIVAS INTERNAS

Artigo 6º - A pena privativa de liberdade é executada de forma progressiva com a transferência para regime menos rigoroso, a ser determinado pela autoridade judicial competente, quando o preso tiver cumprido o lapso temporal exigido por lei no regime anterior e ostentar bom comportamento carcerário, comprovado pelo diretor da unidade prisional, respeitadas as normas que vedam a progressão.

Parágrafo único – Para a avaliação comportamental abrangida pelo caput deste artigo, deve ser observado o disposto nos artigos 85 a 90 deste Regimento.

Artigo 7º - a execução administrativa da pena, respeitados os requisitos legais, desenvolve-se, necessariamente, obedecendo às seguintes fases:

I- procedimento de inclusão, no decorrer de até 10 (dez) dias; II- regime de observação, no decorrer de até 20 (vinte) dias; III- desenvolvimento do processo de execução da pena, compreendendo as fases processuais, a evolução psicossocial, educacional e o mérito comportamental.

TÍTULO VDA INCLUSÃO E DO REGIME DE OBSERVAÇÃO DO PRESO

CAPÍTULO I DA INCLUSÃO

Artigo 8º - Nenhum preso é incluído, excluído ou removido de uma unidade prisional sem ordem expressa da autoridade competente.

Artigo 9º - a inclusão é o procedimento adotado quando do ingresso do preso em unidades prisionais da Secretaria da Administração Penitenciária, nas seguintes situações:

I- quando oriundo de carceragens não pertencentes à Secretaria da Administração Penitenciária, observadas as normas específicas que regem o tema; II- quando oriundo de outra unidade prisional pertencente à rede da Administração Penitenciária, a título de movimentação externa definitiva ou trânsito.

Artigo 10 - Quando da inclusão em unidade prisional, o preso oriundo de carceragens da Secretaria da Segurança Pública deve se submeter, obrigatoriamente, aos seguintes procedimentos:

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I- revista pessoal e de seus objetos, com sujeição a equipamentos detector de metal e raio X; II- higienização pessoal; III- identificação, inclusive fotográfica e dactiloscópica; IV- substituição de vestuário civil pelo uniforme padrão adotado; V- entrega de objetos e de valores, cuja posse não seja permitida, mediante inventário e contrarrecibo; VI- sujeição a exame médico admissional e preventivo; VII- entrevista com a área de segurança e disciplina. VIII- entrevista com a área de reintegração.

§1º - a devolução dos objetos e dos valores, de que trata o inciso V deste artigo, somente deve ocorrer em razão de liberdade definitiva do preso, da unidade prisional onde se encontra em cumprimento de pena. §2º - na hipótese de transferência do preso para outra unidade prisional, os objetos e valores pessoais serão encaminhados no prazo de até 15 (quinze) dias.

Artigo 11 - Quando do ingresso do preso, a qualquer título, em unidade prisional da rede da Secretaria da Administração Penitenciária, deve ser comunicado, pela assistência social da unidade, à família do preso ou à pessoa por ele indicada, acerca do local da prisão onde se encontra.

Parágrafo único – o disposto no caput deste artigo deve ser aplicado aos presos que estiverem em trânsito; em período de inclusão ou em regime de observação.

Artigo 12 - Quando da inclusão de preso estrangeiro, deve o diretor da unidade prisional, no primeiro dia útil subseqüente, oficiar ao respectivo consulado, comunicando sobre o local e data de recolhimento; condições físicas e de saúde em que se encontra; existência de advogado para sua defesa e outras informações que se fizerem necessária.

Artigo 13 - o preso deve receber informações escritas sobre as normas que orientam o seu tratamento; as imposições de caráter disciplinar, bem como sobre os seus direitos e deveres, sendo prestadas, verbalmente, essas informações, aos presos analfabetos e com limitações de comunicação.

Artigo 14 - o responsável pela inclusão do preso, deve se certificar das condições físicas do mesmo ao adentrar a unidade prisional pertencente à Secretaria da Administração Penitenciária.

§1º- Detectados indícios de ter sido violada a integridade física ou moral do preso, bem como verificada situação de saúde debilitada, deve ser imediatamente comunicado ao diretor da respectiva unidade prisional. §2º- Recebida a comunicação, o diretor da unidade prisional deve, de pronto, adotar as providências administrativas, de acordo com o fato gerador, sob pena de responsabilidade se assim não fizer.

Artigo 15 - o preso que estiver em período de inclusão tem direito à audiência com seu defensor.

Artigo 16 – o preso que estiver em período de inclusão tem direito a receber visita de pessoa devidamente inscrita em seu rol de visitantes, por até 02 (duas) horas, a critério da Direção.

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CAPÍTULO II DO REGIME DE OBSERVAÇÃO

Artigo 17 – o regime de observação deve ser contado a partir do término do período de inclusão, devendo vigorar por até 20 (vinte) dias.

Artigo 18 – Permitindo a arquitetura da unidade prisional assim como suas características, durante o período de observação, deve o preso habitar cela situada em local distinto das outras, podendo ser concedida até 02 (duas) horas por dia de sol, em horário diverso dos demais presos.

Artigo 19 – o preso que estiver em regime de observação tem direito à audiência com seu defensor.

Artigo 20 – o preso que estiver em regime de observação tem direito a receber visita de pessoa devidamente inscrita em seu rol de visitantes, por até 02 (duas) horas, a critério da Direção.

Artigo 21 – As atividades relacionadas à escola e ao trabalho somente são exercidas após encerrado o regime de observação.

TÍTULO VIDOS DIREITOS, DOS DEVERES E DAS RECOMPENSAS

CAPÍTULO I DOS DIREITOS

Artigo 22 - Constituem direitos básicos e comuns dos presos provisórios, condenados e internados:

I- ser tratado com humanidade, com respeito à dignidade inerente ao ser humano e com igualdade, exceto quanto às exigências de individualização da pena; II- ter preservada sua individualidade, observando-se o chamamento pelo próprio nome e o uso de número de matrícula somente para qualificação em documentos penitenciários;

III- receber assistência material que garanta as necessidades básicas no que concerne: a) à alimentação balanceada e suficiente, observando-se o cardápio padrão e o consumo per capta por refeição, bem como as dietas, quando necessárias, mediante prescrição médica; b) ao vestuário digno e padronizado; c) às condições de habitabilidade adequadas, conforme padrões estabelecidos pela Lei de Execução Penal e pela Organização Mundial de Saúde; d) às instalações e aos serviços de saúde, educação, trabalho, esporte e lazer, proporcionando a distribuição do tempo para o trabalho, o descanso e a recreação.

IV- receber visitas do cônjuge, da companheira, de parentes e amigos e outras comuns de ambos os sexos, com estrita observância às disposições deste Regimento; V- saída da cela para banho de sol diário, por período de até 02 (duas) horas, em local adequado e que proporcione o desenvolvimento de atividade física, fornecendo a assistência necessária;

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VI- requerer autorização para exercer quaisquer atos civis que preservem sua família e seu patrimônio; VII- receber assistência jurídica gratuita, durante a execução da pena, nos termos da Lei de Execução Penal, e desde que não tenha advogado particular; VIII- ser atendido pelo serviço social, extensivo aos familiares e pela psicologia; IX- receber instrução escolar básica, cívica, profissionalizante, complementadas pelas atividades sócioeducativas e culturais, integradas às ações de segurança e disciplina; X- participar do processo educativo de formação para o trabalho produtivo, que envolva hábitos e demanda do mercado externo; XI- executar trabalho remunerado, de acordo com sua aptidão, ou aquele que exercia antes da prisão, desde que cabível na unidade prisional, seja por questão de segurança ou pelos limites da administração; XII- a constituição de pecúlio; XIII- a possibilidade de trabalho particular em horas livres, a critério do diretor da unidade prisional; XIV- a laborterapia, conforme suas aptidões e condições psíquicas e físicas; XV- à remição pelo trabalho e pelo estudo, conforme dispuser a norma local ou o juízo competente; XVI- receber tratamento médico-hospitalar e odontológico gratuitos, com os recursos humanos e materiais da própria unidade prisional ou do Sistema Único de Saúde (SUS); XVII- contratar, por intermédio de familiares ou dependentes, profissionais médicos e odontológicos de confiança pessoal, a fim de acompanhar ou ministrar o tratamento, observadas as normas institucionais vigentes; XVIII- a prática religiosa, com liberdade de culto, dentro da programação da unidade prisional;

XIX- acesso aos meios de comunicação social e à informação, obedecidas as normas contidas neste Regimento, por meio de: a) correspondência escrita, em sua própria língua, quando se tratar de estrangeiro; b) leitura de jornais e revistas sócioeducativas que não comprometam a moral e os bons costumes; c) acesso à biblioteca da unidade prisional e à posse de livros particulares, instrutivos ou recreativos; d) acesso a aparelho de radiodifusão de uso coletivo ou individual, nos moldes do disposto no artigo 173 deste Regimento; e) acesso à TV de uso coletivo ou individual, obedecendo as disposições constantes nos artigos 174 a 177 deste Regimento;

XX- a prática artística, desportiva e de lazer, conforme programação da unidade prisional; XXI- a audiência com as diretorias, respeitadas as normas das respectivas áreas de atuação; XXII- ter sua conduta carcerária individualizada, evitando dessa forma receber indevidamente a aplicação de sanções coletivas; XXIII- a entrevista pessoal e reservada com seu advogado; XXIV- a reabilitação das faltas disciplinares; XXV- a proteção contra qualquer forma de sensacionalismo; XXVI- solicitar medida preventiva de segurança pessoal; XXVII- solicitar remoção para outra unidade prisional, no mesmo regime, desde que atendidos os requisitos estabelecidos pela administração; XXVIII- tomar ciência, mediante contrarrecibo, expedido pela área competente, da guarda dos pertences de que não possa ser portador;

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XXIX- acomodação em alojamento coletivo ou individual, dentro das exigências legais, podendo manter em seu poder, salvo situações excepcionais, trocas de roupa de uso pessoal, de cama, banho e material de higiene; XXX- solicitar, por meio da área de segurança e disciplina, a mudança de cela, que pode ser autorizada após avaliação dos motivos e das possibilidades da unidade prisional; XXXI- ser informado sobre as normas que devem ser observadas na unidade prisional; XXXII- acesso às áreas assistenciais da unidade prisional, respeitados os horários estipulados pela administração local, salvo nos casos que requerem urgência; XXXIII- apresentar solicitação ou queixas ao diretor da unidade ou ao funcionário autorizado a representá-lo, com direito à pronta resposta, exceto quando se tratar de matéria evidentemente fútil ou destituída de fundamentos; XXXIV- apresentar solicitação ou queixa por escrito, à autoridade administrativa, judiciária ou a qualquer outra autoridade apropriada, por meio dos canais competentes;

XXXV- ser transportado em condições ou situações que não lhe imponham sofrimentos físicos e que não sejam degradantes e desumanas, de acordo com o preconizado na Lei Federal nº. 8.653, de 10 de maio de 1993, sendo observadas as necessidades básicas no que tange a: a) água; b) alimentação; c) higiene; d) ventilação apropriada;

XXXVI- espaço adequado em veículo de proporções condizentes com o número de presos a ser transportados; XXXVII- ser informado e esclarecido sobre os motivos que ensejaram a aplicação das sanções disciplinares a ele impostas; das transferências, ou quaisquer assuntos pertinentes a sua situação, sendo cientificados, também, os familiares por intermédio dos assistentes sociais; XXXVIII- ser informado sobre as decisões judiciais que instruem expedientes de benefícios, desde que não tenha advogado particular; XXXIX- ser submetido a exame de saúde admissional e preventivo, no período máximo de 48 (quarenta e oito) horas contadas da data do seu ingresso, a qualquer título, na unidade prisional, a fim de verificar as condições acerca da sua integridade psicofísica, bem como examinar a existência, ocasional, de sinais que denunciem a prática de espancamento, maus tratos ou debilidade física causada por doença ou outra enfermidade;

XL- extrato de boletim informativo, obedecida a seguinte periodicidade: a) 90 (noventa) dias a contar da data da inclusão na unidade prisional; b) 90 (noventa) dias a contar da juntada de algum documento que altere a situação informada anteriormente; c) até o último dia do mês de fevereiro de cada ano, para os que se encontram em cumprimento de pena privativa de liberdade, em regimes fechado e semiaberto.

Artigo 23 - São assegurados, também, além dos direitos constantes no artigo 22 deste Regimento, outros que se aplicam à gravidez, ao parto, ao cuidado com os filhos e à atenção básica às necessidades da mulher presa, entre os quais:

I- assistência pré-natal; II- parto em unidades hospitalares da rede da Secretaria da Administração Penitenciária ou do serviço de saúde pública;

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III- guarda do recém-nascido, durante o período de lactância, pelo período de até 06 (seis) meses, em local adequado, mesmo quando houver restrições de amamentação; IV- tratamento preventivo, curativo e de acompanhamento de Doenças Sexualmente Transmissíveis e outras; V- Ações para detecção e controle de doenças predominantes no grupo feminino, principalmente o câncer do colo do útero e da mama; VI- ações de planejamento familiar e acesso aos métodos anticoncepcionais existentes; VII- atenção psicológica e social especializadas, destinadas ao atendimento das necessidades da mulher presa.

VIII- às gestantes, puérperas e aos recém-nascidos são assegurados também: a) atendimento pré-natal e pós-parto especializado para os casos de transmissão verticalizada de doenças, principalmente HIV, tétano neonatal e sífilis congênita; b) alimentação e dieta nutricional específica, visando o desenvolvimento saudável da gravidez, das condições do parto, da lactação, do puerpério, e do recém-nascido; c) realização do “teste do pezinho” para identificar eventual existência de fenilcetonúria; do teste para detectar eventual hipotireoidismo e outros testes preventivos necessários; e) acesso à imunização.

Parágrafo único - a atenção básica especializada, destinada ao atendimento das necessidades da mulher presa, consiste, também, na assistência material, social, educacional e de trabalho, sendo-lhe asseguradas as oportunidades e as facilidades necessárias para seu retorno ao convívio social; os cuidados com sua saúde física e mental e a preservação moral, intelectual e social, em todos os estágios do cumprimento de sua pena.

Artigo 24 - Aos presos recolhidos em regime de trânsito, deve ser assegurado o direito à visita de uma pessoa constante em seu rol de visitas, a critério do diretor da unidade prisional, em dia útil, por até 02 (duas) horas.

Parágrafo único - no caso de ocorrer a necessidade de pronta remoção do preso para outra unidade prisional, definitiva ou provisoriamente, a data da visita, de que trata o caput deste artigo pode ser cancelada, com aviso oportuno à família, a fim de evitar viagem ou deslocamento inúteis.

Artigo 25 - Aos presos portadores de necessidades especiais, permanentes ou temporárias, são asseguradas, também, além daquelas previstas em lei, condições adequadas para o cumprimento digno da pena, de modo a proporcionar uma vida decente, tão normal e plena quanto possível.

§1º - Devem ser oferecidas condições de habitabilidade adequadas às necessidades desses presos, de modo que o convívio deles independa da ajuda de funcionários e de outros presos. §2º - É obrigatório capacitá-los a tornarem-se tão confiantes quanto possível, incentivando-os ao trabalho conforme suas capacidades, à recreação e às demais atividades que venham a produzir o mesmo efeito. §3º - As necessidades especiais devem ser consideradas em todos os estágios de planejamento social, assistencial, material e administrativo.

Artigo 26 - Aos presos de cidadania estrangeira, considerando-se as dificuldades inerentes à sua condição, devem ser observadas, além das explicitadas neste Regimento, as seguintes garantias fundamentais:

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I- aprendizado da língua portuguesa e dos costumes deste país, por meio do convívio com os brasileiros e das aulas lecionadas na unidade prisional; II- identificação, dentre os servidores, a fim de solucionar problemas de imperiosa comunicação, daqueles que possam prestar auxílio na interpretação e na tradução do idioma; III- facilitação do acesso aos advogados públicos e aos respectivos consulados, com vistas, dentre outros, aos benefícios previstos no curso da execução penal; IV- recebimento, por intermédio das pessoas constantes em seu rol de visitas, de gêneros alimentícios da tradição de cada nacionalidade, religiosa ou não, na quantidade regulamentar e conforme a permissão da direção da unidade prisional, adotadas as cautelas em favor da ordem e da segurança.

§1º - a unidade prisional deve adotar procedimentos que facilitem o contato do preso, de nacionalidade estrangeira, com os respectivos consulados e outras circunstâncias favoráveis à sua condição, inclusive permitindo o convívio dos estrangeiros entre si. §2º - Deve ser providenciado o acesso desses presos às atividades laborativas, lhes sendo sugeridas as que forem compatíveis com suas habilidades e capacidades, dentro das possibilidades da unidade prisional.

CAPÍTULO II DOS DEVERES

Artigo 27 - Constituem deveres dos presos: I- respeito às autoridades constituídas, funcionários e outros presos; II- informar-se sobre as normas a serem observadas na unidade prisional, respeitando-as; III- acatar as determinações emanadas de qualquer funcionário, quando no desempenho de suas funções; IV- manter comportamento adequado em todo o período em que estiver sob a custódia do Estado e cumprir fielmente a sentença; V- submeter-se à sanção disciplinar imposta; VI- abster-se de participar de movimento individual ou coletivo de tentativa ou consumação de fuga ou abandono, bem como não constranger os outros presos a tal ato; VII- abster-se de liderar, participar ou favorecer movimentos de greve e subversão da ordem e da disciplina ou constranger os outros presos ou seus familiares a compactuar com tais atos; VIII- zelar pelos bens patrimoniais e materiais que lhes forem destinados, direta ou indiretamente, ficando proibidas quaisquer modificações, adaptações ou improvisações, de modo a produzir risco para si ou para qualquer pessoa, ou a interferir na vigilância da unidade prisional; IX- ressarcir o Estado e terceiros pelos danos materiais a que derem causa, de forma culposa ou dolosa; X- indenizar à vítima ou os seus sucessores, quando determinado pela autoridade judiciária; XI- indenizar o Estado, quando possível, das despesas realizadas com a sua manutenção, mediante desconto proporcional da remuneração do trabalho; XII- zelar pela higiene pessoal e ambiental; XIII- submeter-se às normas contidas neste Regimento, no que se refere às visitas; XIV- submeter-se às normas contidas neste Regimento, que disciplinam a concessão das saídas externas previstas em lei; XV- submeter-se à revista pessoal, de sua cela e de seus pertences, a critério da administração;

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XVI- devolver à área competente, quando de sua exclusão, os objetos pessoais fornecidos pela unidade prisional; XVII- abster-se de desviar, para uso próprio ou de terceiros, materiais das diversas áreas da unidade prisional; XVIII- abster-se de negociar objetos de sua propriedade, de terceiros ou do patrimônio do Estado; XIX- abster-se da confecção e posse indevidas de instrumentos capazes de ofender a integridade física de outrem, bem como daqueles que possam contribuir para ameaçar ou obstruir a segurança das pessoas e da unidade prisional; XX- abster-se de uso e concurso, para fabricação de bebida alcoólica ou de substância que possa determinar reações adversas às normas de conduta ou causar dependência física ou psíquica; XXI- abster-se de apostar em jogos de azar de qualquer natureza; XXII- abster-se de transitar ou permanecer em locais não autorizados pela área competente de controle da segurança e disciplina; XXIII- abster-se de dificultar ou impedir a vigilância; XXIV- abster-se de quaisquer práticas que possam causar transtornos aos demais presos, bem como prejudicar o controle da segurança e disciplina; XXV- acatar a ordem de contagem da população carcerária, respondendo ao sinal convencionado pela autoridade competente para o controle da segurança e disciplina; XXVI- abster-se de utilizar quaisquer objetos, para fins de decoração ou proteção de vigias, portas, janelas e paredes, que possam prejudicar o controle da vigilância; XXVII- abster-se de utilizar sua cela como cozinha, vedado o uso de resistência elétrica; XXVIII- submeter-se à requisição das autoridades judiciais, policiais e administrativas; XXIX- submeter-se à requisição dos profissionais de qualquer área técnica para exames ou entrevistas; XXX- submeter-se às condições para o regular funcionamento das atividades escolares; XXXI- submeter-se às atividades laborativas, de qualquer natureza, quando escalado pelas autoridades competentes; XXXII- submeter-se às condições estabelecidas para a prática religiosa coletiva ou individual; XXXIII- submeter-se às condições estabelecidas para a posse e uso de aparelhos de rádio difusão e de TV; XXXIV- submeter-se às condições estabelecidas para as sessões cinematográficas, teatrais, artísticas e sócioculturais; XXXV- submeter-se às condições de uso da biblioteca da unidade e de livros de sua propriedade; XXXVI- submeter-se às condições estabelecidas para práticas desportivas e de lazer; XXXVII- submeter-se às condições impostas para as medidas cautelares; XXXVIII- submeter-se às condições impostas por ocasião de transferências; XXXIX- submeter-se aos controles de segurança impostos pelos servidores responsáveis pela realização da escolta externa e por outras autoridades, também incumbidas de efetuá-las; XL- cumprir rigorosamente o horário de retorno quando das saídas temporárias, previstas no regime semiaberto; XLI- trabalhar no decorrer de sua pena, desde que em situação jurídica definida, facultando-se essa atividade aos presos provisórios; XLII- não portar ou utilizar aparelho de telefonia móvel celular ou outro aparelho de comunicação com o meio exterior, seus componentes ou acessórios; XLIII- repudiar os atos que possam produzir risco ou dano à integridade física e moral de qualquer pessoa no âmbito da unidade prisional, praticados por presos ou funcionários, informando à autoridade competente no ato de sua ocorrência;

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XLIV- não faltar com a verdade para obter benefícios ou tirar vantagem de atos administrativos que possam resultar na transferência, internação ou qualquer ato que desvie o cumprimento normal de sua pena ou de outrem; XLV- cumprir rigorosamente rotinas, datas e horários estipulados pela administração para quaisquer atividades na unidade prisional, bem como, respeitar o horário de silêncio, a partir das 21:00 horas. XLVI- não se autolesionar ou fazer greve de fome como forma de se manifestar ou exprimir suas necessidades; XLVII- respeitar as normas estabelecidas no que concerne à liberação de pecúlio; XLVIII- vestir-se adequadamente trajando o uniforme padrão adotado pela unidade prisional, observando, durante o horário de trabalho, o uso do uniforme próprio destinado ao exercício dessa atividade, quando houver.

CAPÍTULO III DAS RECOMPENSAS

Artigo 28 - As recompensas têm em vista o bom comportamento reconhecido em favor do preso, de sua colaboração com a disciplina e de sua dedicação ao trabalho.

Parágrafo único - As recompensas têm a finalidade de motivar o bom comportamento, desenvolver o senso de responsabilidade e promover o interesse e a cooperação do preso.

Artigo 29 - São recompensas:

I- o elogio; II- a concessão de regalias.

Artigo 30 - É considerada, para efeito de elogio, a prática de ato de excepcional relevância humanitária ou de interesse do bem comum, registrado em portaria do diretor da unidade prisional.

Artigo 31 - Constituem regalias, concedidas ao preso que apresente bom comportamento carcerário, desde que atendam aos critérios sócioeducativos da execução da pena:

I- receber bens de consumo e patrimoniais, de qualidade, quantidade e embalagem permitidas pela administração, trazidos por visitantes constantes no rol de visitas; II- assistir a sessões de cinema, teatro, jogos esportivos, shows e outras atividades socioculturais, em épocas especiais, a critério do diretor da unidade prisional; III- participar de atividades coletivas, além da escola e do trabalho, em horário mais flexível; IV- participar de exposições de trabalho, de pintura e outros, que digam respeito às suas atividades; V- concorrer em festivais e outros eventos; VI- praticar esportes em áreas específicas; VII- receber visitas além das previstas neste Regimento, devidamente autorizadas pelo diretor da unidade prisional.

Artigo 32 - Podem ser acrescidas outras regalias, de forma progressiva, acompanhando as diversas fases e os diversos regimes de cumprimento da pena.

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Artigo 33 - o preso, no regime semiaberto, pode ter outras regalias, a critério da direção da unidade prisional, visando sua reintegração social.

Artigo 34 - As regalias podem ser suspensas ou restringidas, por cometimento de falta disciplinar de qualquer natureza ou por ato motivado da direção da unidade prisional.

§1º - Os critérios para controlar e garantir ao preso a concessão e o gozo das regalias, de que trata o artigo 31 deste Regimento, devem ser estabelecidos pelo diretor da unidade prisional. §2º - a suspensão e a restrição de regalias podem ser aplicadas isolada ou cumulativamente, na prática de reiteradas faltas disciplinares de qualquer natureza, desde que fundamentadas pelo diretor da unidade prisional. §3º - a suspensão e a restrição de regalias devem ter estrita observância na reabilitação do comportamento faltoso do preso, sendo retomada ulteriormente.

TÍTULO VIIDA DISCIPLINA E DAS FALTAS DISCIPLINARES

CAPÍTULO I DA DISCIPLINA

Artigo 35 - a disciplina visa preservar a ordem, a segurança, o respeito, os bons costumes, os princípios morais, a obediência às normas e às determinações estabelecidas pelas autoridades e seus agentes no desempenho do trabalho, ficando a ela submetidos todos aqueles que estiverem sob a custódia e subordinação da administração penitenciária. Parágrafo único – Os internados submetidos à medida de segurança que estão aguardando vagas em unidades prisionais, devem ter tratamento diferenciado quando do cometimento de infração disciplinar, podendo a direção da unidade determinar isolamento preventivo, e providenciar para que seja submetido à avaliação médica adequada.

Artigo 36 - a ordem e a disciplina são mantidas pelos funcionários da unidade prisional na forma e com os meios adequados, ficando proibido delegar poderes para que presos, individual ou coletivamente, exerçam lideranças com grau de poder sobre os outros presos.

Artigo 37 - São vedadas manifestações coletivas que tenham o objetivo de reivindicação ou reclamação.

Artigo 38 - o preso que se julgar vítima de alguma injustiça pode apresentar reclamação, devidamente motivada, ao diretor de segurança e disciplina, ou fazê-lo, por escrito, ao diretor da unidade prisional, que deve apurá-la por meio do competente procedimento administrativo.

Artigo 39 - ao preso é garantido o direito da ampla defesa e do contraditório, a serem exercidos por meio dos profissionais dativos da área de assistência judiciária da unidade prisional; dos defensores públicos ou dos defensores constituídos.

Artigo 40 - Pune-se a tentativa com a sanção correspondente à falta consumada.

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Artigo 41 - o preso que concorrer para o cometimento de falta disciplinar incide nas mesmas sanções cominadas ao infrator.

Artigo 42 - As normas deste Regimento são igualmente aplicadas nas situações que couberem, quando a falta disciplinar ocorrer fora da unidade prisional.

CAPÍTULO II DAS FALTAS DISCIPLINARES

Artigo 43 - As faltas disciplinares, segundo sua natureza, classificam-se em: I- leves; II- médias; III- graves.

SEÇÃO I DAS FALTAS DISCIPLINARES DE NATUREZA LEVE

Artigo 44 - Consideram-se faltas disciplinares de natureza leve:

I- transitar indevidamente pela unidade prisional; II- comunicar-se com visitantes sem a devida autorização; III- comunicar-se com presos em regime de isolamento celular ou entregar aos mesmos quaisquer objetos sem autorização; IV- manusear equipamento de trabalho sem autorização ou sem conhecimento do responsável, mesmo a pretexto de reparos ou limpeza; V- adentrar em cela alheia sem autorização; VI- improvisar varais e cortinas na cela, no alojamento ou no pátio interno, comprometendo a vigilância, salvo em situações excepcionais autorizadas pelo diretor da unidade prisional; VII- utilizar-se de bens públicos, de forma diversa para a qual os recebeu; VIII- ter a posse de papéis, documentos, objetos ou valores não cedidos e não autorizados pela unidade prisional; IX- estar indevidamente trajado; X- usar material de serviço para finalidade diversa da qual foi prevista; XI- remeter correspondência sem o registro regular da área competente.

SEÇÃO II DAS FALTAS DE NATUREZA MÉDIA

Artigo 45 - Consideram-se faltas disciplinares de natureza média:

I- atuar de maneira inconveniente, faltando com os deveres de urbanidade frente às autoridades, aos funcionários e aos presos; II- portar material cuja posse seja proibida; III- desviar ou ocultar objetos cuja guarda lhe tenha sido confiada; IV- simular doença para eximir-se de dever legal ou regulamentar; V- induzir ou instigar alguém a praticar qualquer falta disciplinar; VI- divulgar notícia que possa perturbar a ordem ou a disciplina; VII- dificultar a vigilância em qualquer dependência da unidade prisional; VIII- praticar autolesão ou greve de fome isolada como atos de rebeldia;

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IX- provocar perturbações com ruídos, vozerios ou vaias; X- perturbar a jornada de trabalho ou a realização de tarefas; XI- perturbar o repouso noturno ou a recreação; XII- praticar atos de comércio, de qualquer natureza, com outros presos ou funcionários; XIII- comportar-se de forma inamistosa durante prática desportiva; XIV- inobservar os princípios de higiene pessoal, da cela e das demais dependências da unidade prisional; XV- destruir objetos de uso pessoal, fornecidos pela unidade prisional; XVI- portar ou ter, em qualquer lugar da unidade prisional, dinheiro, cheque, nota promissória ou qualquer título de crédito; XVII- receber, confeccionar, portar, ter ou concorrer para que haja, em qualquer local da unidade prisional, objetos que possam ser utilizados em fugas; XVIII- receber, confeccionar, portar, ter ou consumir bebida alcoólica ou concorrer para sua fabricação; XIX- praticar fato previsto como crime culposo ou contravenção, sem prejuízo da sanção penal; XX- mostrar displicência no cumprimento do sinal convencional de recolhimento ou formação; XXI- faltar ao trabalho sem causa justificada; XXII- descumprir horário estipulado, sem justa causa, para o retorno da saída temporária; XXIII- manter ou possuir anotações com números de telefones, de contas bancárias, de rifas, dentre outras consideradas impróprias.

SEÇÃO III DAS FALTAS DE NATUREZA GRAVE

Artigo 46 - Comete falta disciplinar de natureza grave o preso que:

I- incitar ou participar de movimento para subverter a ordem ou a disciplina; II- fugir; III- possuir, indevidamente, instrumento capaz de ofender a integridade física de outrem; IV- tiver em sua posse, utilizar ou fornecer aparelho telefônico, de rádio ou similar, que permita a comunicação com outros presos ou com o ambiente externo; V- provocar acidente de trabalho; VI- deixar de prestar obediência ao servidor e respeito a qualquer pessoa com quem deva relacionar-se; VII- deixar de executar o trabalho, as tarefas e as ordens recebidas; VIII- praticar fato previsto como crime doloso.

SEÇÃO IV DAS ATENUANTES E DAS AGRAVANTES

Artigo 47 - São circunstâncias atenuantes na aplicação das penalidades:

I- primariedade em falta disciplinar; II- natureza e circunstância do fato; III- bons antecedentes prisionais; IV- imputabilidade relativa, atestada por autoridade médica competente; V- ressarcimento dos danos materiais.

Artigo 48 - São circunstâncias agravantes na aplicação das penalidades:

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I- reincidência em falta disciplinar; II- natureza e circunstância do fato; III- prática de falta disciplinar durante o prazo de reabilitação do comportamento por sanção anterior ou durante o cumprimento de sanção disciplinar de natureza grave.

SEÇÃO V DAS MEDIDAS CAUTELARES

Artigo 49 - o diretor da unidade prisional pode determinar, por ato motivado, e como medida cautelar, o isolamento preventivo, por período não superior a 10 (dez) dias, quando pesem contra o preso, informações devidamente fundamentadas, de que cometeu ou estaria prestes a cometer infração disciplinar de natureza grave, no interesse da disciplina e da averiguação do fato.

Parágrafo único - Determinado o isolamento preventivo, é dever do diretor da unidade prisional comunicar à Vara de Execução Criminal ou à autoridade judicial competente sobre a motivação da adoção da medida tratada no caput deste artigo, bem como determinar a instauração do correspondente procedimento disciplinar.

Artigo 50 - Deve ser aplicada a medida preventiva de segurança pessoal, quando, provocada pelo próprio interessado ou quando pesem informações, devidamente fundamentadas, de que estaria ameaçada sua integridade física, observando-se, nesse caso, as normas específicas da Secretaria da Administração Penitenciária, das coordenadorias regionais e das unidades prisionais, quanto aos procedimentos a serem adotados e seus respectivos prazos.

§1º - Nos casos em que a medida preventiva de segurança pessoal for solicitada pelo próprio interessado, deve, o pedido, ser feito por escrito ou colhida sua declaração, devendo em ambos, constar as razões que levaram à solicitação. §2º - Nos casos de adoção da medida preventiva de segurança pessoal, sem prejuízo dos prazos estipulados, deve o preso, manifestar-se, por escrito, pela continuidade ou não, a cada 30 (trinta) dias. §3º - As celas destinadas à medida preventiva de segurança pessoal devem ser totalmente separadas das alas destinadas ao restante da população prisional, não sendo admitido agrupar os presos vulneráveis em alas ou celas de destinação diversa desse fim.

Artigo 51 - Nos demais casos a administração deve adotar as providências necessárias para garantir a ordem e a disciplina na unidade prisional.

SEÇÃO VI DO REGIME DISCIPLINAR DIFERENCIADO

Artigo 52 - São passiveis de internação no Regime Disciplinar Diferenciado, os presos:

I- que cometerem fato previsto como crime doloso acompanhado de subversão da ordem e disciplina interna; II- que apresentarem alto risco para a ordem da unidade prisional ou da sociedade; III- sobre os quais recaiam fundadas suspeitas de envolvimento ou participação, a qualquer titulo, em organizações criminosas, quadrilhas ou bandos.

Parágrafo único – o objeto desta seção será tratado em regimento especifico.

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TÍTULO VIIIDO PROCEDIMENTO DISCIPLINAR, DA SANÇÃO DISCIPLINAR

E DA REABILITAÇÃO

CAPÍTULO I DO PROCEDIMENTO DISCIPLINAR

Artigo 53 - para fins deste Regimento, entende-se como procedimento disciplinar o conjunto de atos coordenados para apurar determinado fato definido como infração disciplinar e sua autoria.

Artigo 54 - Fica impedido de atuar em procedimento disciplinar o servidor ou a autoridade que:

I- tenha interesse direto ou indireto na matéria; II- tenha participado ou venha a participar como perito, testemunha ou representante, ou se tais situações ocorrerem quanto ao cônjuge, companheira ou parente e afins até o terceiro grau; III- esteja litigando judicial ou administrativamente com o interessado, respectivo cônjuge ou companheira.

Artigo 55 - a autoridade ou o servidor que incorrer em impedimento deve comunicar o fato à autoridade competente, abstendo-se de atuar.

Parágrafo único - a omissão do funcionário quanto ao dever de comunicar o seu impedimento resulta na instalação de apuração preliminar.

Artigo 56 - Pode ser arguida a suspeição da autoridade ou do servidor que tenha amizade íntima ou inimizade notória com o preso, ou com o respectivo cônjuge, companheira, parentes e afins até o terceiro grau.

Artigo 57 - o indeferimento da alegação de suspeição pode ser objeto de recurso, sem efeito suspensivo, endereçado à autoridade competente.

SEÇÃO I DA INSTAURAÇÃO

Artigo 58 - o servidor que presenciar ou tomar conhecimento de falta disciplinar de qualquer natureza, praticada por preso, deve redigir comunicado contendo local, data e hora da ocorrência; identificação do envolvido; descrição minuciosa das circunstâncias do fato e rol de testemunhas, quando houver, encaminhando-o ao diretor da unidade prisional para que sejam adotadas as medidas cautelares que se fizerem necessárias e as demais providências cabíveis.

§1º - o comunicado descrito no caput deste artigo deve ser registrado no livro de ocorrências do plantão. §2º - Nos casos em que a falta disciplinar do preso estiver supostamente relacionada com infração funcional, deve, também, ser providenciada a instalação de apuração preliminar, nos moldes do disposto na Lei nº 10.261, de 28 de outubro de 1968, alterada pela Lei Complementar nº 942, de 06 de junho de 2003.

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Artigo 59 - Quando a falta disciplinar constituir, também, ilícito penal deve ser imediatamente comunicada à autoridade policial.

Artigo 60 - o isolamento preventivo do preso faltoso, nos termos do que dispõe o artigo 49 deste Regimento, deve observar as seguintes condicionantes:

I- o isolamento preventivo deve ser computado no período de cumprimento da eventual sanção disciplinar; II- findo o prazo de isolamento preventivo e não havendo decisão final sobre a aplicação da respectiva sanção, deve o preso retornar ao convívio comum até a decisão final, proferida por autoridade competente; III- o prazo do isolamento preventivo começa a contar da data de inclusão em cela de isolamento disciplinar ou outro local destinado para esse fim.

Artigo 61 - o procedimento disciplinar deve ser instaurado mediante portaria do diretor da unidade prisional, a ser baixada em até 05 (cinco) dias da data de conhecimento do fato.

§1º - a portaria inaugural deve conter a descrição sucinta dos fatos constando o tempo, o lugar, o modo, a indicação da falta infringida, em tese, e demais informações pertinentes, indicando, se houver, o nome completo do autor e sua respectiva matrícula. §2º - na portaria deve constar, também, a designação do servidor que atuará como autoridade apuradora incumbida de conduzir o procedimento. §3º - o servidor designado deve informar ao diretor da unidade prisional sobre a existência de qualquer impedimento.

Artigo 62 - o procedimento deve ser concluído em até 30 (trinta) dias contados a partir da data do fato.

§1º - o prazo descrito no caput deste artigo inicia-se no dia em que a autoridade competente tomar conhecimento do fato, interrompendo-se pela portaria de instauração do procedimento, voltando a correr integralmente, excluindo-se o dia do começo e incluindo-se o dia final. §2º - Não concluído no prazo, o procedimento disciplinar pode ser prorrogado por uma única vez, por igual período, devendo a autoridade apuradora, por meio de pedido fundamento e relatório das diligências realizadas, solicitar a prorrogação ao diretor da unidade prisional. §3º - no caso de isolamento preventivo do faltoso, a critério do dirigente da unidade prisional, o prazo para conclusão do procedimento administrativo deve ser de 10 (dez) dias.

SEÇÃO II DA INSTRUÇÃO

Artigo 63 - Cabe à autoridade apuradora que conduzir o procedimento elaborar o termo de instalação dos trabalhos e, quando houver designação de secretário, termo de compromisso, em separado.

Artigo 64 - Após a instalação dos trabalhos, a autoridade apuradora deve providenciar o que segue:

I- data, hora e local da audiência;

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II- citação pessoal do preso acerca da acusação, cientificando-o sobre o comparecimento à audiência na data e hora designadas, acompanhado de advogado; III- intimação das testemunhas da administração.

§1º - na impossibilidade de citação do preso em face de fuga ou abandono, deve a autoridade apuradora solicitar ao diretor da unidade prisional o sobrestamento do procedimento até a recaptura, informando a autoridade judicial competente para eventual decisão cautelar. §2º - a autoridade apuradora, no momento da citação do preso, deve inquiri-lo sobre a existência de defensor constituído para proceder a sua defesa, cientificando-o sobre a possibilidade de ser assistido por defensor dativo.

Artigo 65 - a autoridade apuradora que conduzir o procedimento deve considerar o ônus probatório da administração e da defesa, podendo limitar ou excluir as provas que considerar excessivas, impertinentes ou protelatórias, bem como apreciá-las e dar especial valor às regras técnicas e de praxe administrativa peculiares à administração penitenciária.

Artigo 66 - a administração e a defesa podem arrolar até 03 (três) testemunhas cada uma.

Artigo 67 - a defesa tem prazo de 02 (dois) dias, contados a partir da data de sua citação, para requerer as provas que pretende produzir, indicando as testemunhas a serem inquiridas.

Artigo 68 - o procedimento deve seguir o rito sumaríssimo e ser instruído, preferencialmente, em audiência una, assegurados os princípios do contraditório, da ampla defesa e da duração razoável do procedimento.

Parágrafo único - As provas que não puderem ser produzidas em audiência devem ser providenciadas preliminarmente.

SEÇÃO III DA AUDIÊNCIA

Artigo 69 - na data previamente designada deve ser realizada, se possível, audiência una, facultada a apresentação de defesa preliminar, prosseguindo-se com o interrogatório do preso, a oitiva das testemunhas da administração e da defesa, seguida da defesa final.

§1º - a autoridade responsável pelo procedimento deve informar ao acusado do seu direito de permanecer calado e de não responder às perguntas que lhe forem formuladas. §2º - o silêncio não importa em confissão nem deve ser interpretado em prejuízo da defesa. §3º - Nos casos em que o preso não estiver em isolamento preventivo e houver complexidade nos fatos, a defesa final pode ser apresentada no prazo de 07 (sete) dias improrrogáveis. §4º - na data da audiência devem ser registrados, resumidamente, os atos essenciais, as afirmações fundamentais e as informações úteis à apuração dos fatos. §5º - Devem ser decididos, de plano, todos os incidentes e exceções que possam interferir no prosseguimento da audiência e do procedimento. §6º - o interrogatório ou oitiva do mudo, do surdo ou do surdo-mudo deve ser feito da seguinte forma:

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I- ao surdo, são apresentadas por escrito as perguntas, que ele responde oralmente; II- ao mudo, as perguntas são formuladas oralmente e ele as responde por escrito; III- ao surdo-mudo, as perguntas são formuladas por escrito, e do mesmo modo se dão as respostas.

Artigo 70 - Não sendo possível a realização de audiência una, os atos a que se refere o caput do artigo anterior podem ser praticados em tantas audiências quantas forem necessárias, observando-se o prazo de conclusão dos trabalhos.

Artigo 71 - Se o preso comparecer à audiência desacompanhado de advogado deve ser observado o disposto no artigo 81, deste Regimento.

Artigo 72 - a testemunha não pode eximir-se da obrigação de depor, salvo no caso de proibição legal ou de impedimento.

§1º - As testemunhas arroladas pelo acusado devem comparecer à audiência independentemente de intimação. §2º - por medida de segurança, a critério da autoridade apuradora, no procedimento, pode ser omitido, do termo de declaração, os dados pessoais da testemunha, com exceção do nome completo, do número do RG e dos dados profissionais. §3º - As testemunhas da administração que se sentirem constrangidas ou ameaçadas pelo acusado devem prestar seu depoimento sem a presença daquele, desde que com a anuência da autoridade apuradora.

SEÇÃO IV DO RELATÓRIO

Artigo 73 - Encerradas as fases de instrução e defesa, a autoridade apuradora deve apresentar relatório final, no prazo 03 (três) dias contados a partir da data da apresentação da defesa, ou transcorrido o prazo para sua interposição, opinando, fundamentadamente, sobre a aplicação da sanção disciplinar ou a absolvição do preso e encaminhando os autos para apreciação do diretor da unidade prisional.

Parágrafo único - Nos casos em que reste comprovada autoria de danos no que tange à responsabilidade civil, deve a autoridade, em seu relatório, manifestar-se, conclusivamente, propondo o encaminhamento às autoridades competentes.

SEÇÃO V DA DECISÃO

Artigo 74 - o diretor da unidade prisional, após avaliar o procedimento, deve proferir decisão final no prazo de 02 (dois) dias, contados da data do recebimento dos autos.

Parágrafo único - o diretor da unidade prisional pode, em despacho fundamentado, ratificar o relatório final, determinando à área competente que cumpra o disposto nos autos, ou discordar e despachar sobre as diligências e decisões que se fizerem necessárias.

Artigo 75 - no despacho do diretor da unidade prisional, a respeito da decisão final sobre qualquer infração disciplinar, devem constar as seguintes providências:

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I- ciência, por escrito, ao preso envolvido e ao seu defensor, nas 24 (vinte e quatro) horas ulteriores à data da aplicação da efetiva sanção disciplinar; II- registro em ficha disciplinar; III- registro no Boletim Informativo e no sistema GSA da Companhia de Processamento de Dados do Estado de São Paulo - PRODESP; IV- juntada de cópia do procedimento disciplinar no prontuário penitenciário do preso; V- encaminhamento do procedimento à autoridade judicial, nos casos de isolamento e falta grave; VI- comunicação à autoridade policial competente quando, ao final do procedimento, restar caracterizada a conduta faltosa como ilícito criminal; VII- requisição de internação em regime disciplinar diferenciado, se for o caso.

§1º- Sobre possível responsabilidade civil de danos causados ao patrimônio do Estado, devem ser remetidas cópias do procedimento à Chefia de Gabinete da Pasta, por intermédio da coordenadoria competente, para a adoção das medidas cabíveis visando à eventual reparação do dano. §2º - Os danos causados pelo preso devem ser ressarcidos sem prejuízo das sanções disciplinares previstas.

Artigo 76 – Cabe pedido de reconsideração, dirigido à autoridade que aplicou a sanção disciplinar, sem efeito suspensivo quando surgirem novos fatos, não considerados na decisão.

SEÇÃO VI DA EXTINÇÃO DA PUNIBILIDADE

Artigo 77 – Extingue-se a punibilidade no prazo de 02 (dois) anos, contados a partir da data do conhecimento do fato pela autoridade competente.

Parágrafo único - em casos excepcionais, pode a autoridade judiciária decidir sobre o tempo a ser considerado para a extinção da punibilidade.

Artigo 78 – Nos casos de fuga ou abandono, interrompem-se os prazos da extinção da punibilidade na data de sua ocorrência, voltando a contar a partir da data da recaptura do preso.

Parágrafo único - no caso de recaptura do preso, a unidade prisional que recebê-lo deve comunicar, imediatamente, a unidade na qual o mesmo se encontrava recolhido por ocasião da fuga ou abandono, a fim de se concluir o procedimento disciplinar.

SEÇÃO VII DO INCIDENTE DE INSTRUÇÃO

Artigo 79 - Considera-se incidente de instrução o descumprimento ou a inobservância de dispositivo constante deste Regimento, bem como qualquer ato que contrarie norma legal no decorrer do procedimento disciplinar.

§1º - São incidentes de instrução os atos não motivados, as decisões e as propostas destituídas de fundamento, bem como todo ato que possa prejudicar o andamento do procedimento.

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§2º - Quando o procedimento apresentar incidente de instrução cabe ao diretor da unidade prisional, ou, quando for o caso, ao coordenador regional, a avaliação e a aplicação das medidas necessárias para cessar ou reparar o prejuízo. §3º - Devem ser adotadas medidas administrativas e/ou judiciais, quando o disposto neste artigo for praticado na forma dolosa.

SEÇÃO VIII DAS DISPOSIÇÕES FINAIS

Artigo 80 - Os prazos para instrução do procedimento, nos casos em que não é necessária a adoção do isolamento preventivo do preso, podem ser prorrogados por igual período, uma única vez.

Artigo 81 - o não comparecimento do defensor constituído do preso, por qualquer motivo, em qualquer ato do procedimento, não acarreta a suspensão dos trabalhos ou prorrogação dos prazos, sendo nomeado Defensor Público para providenciar sua defesa.

CAPÍTULO II DA SANÇÃO DISCIPLINAR

Artigo 82 - Os atos de indisciplina são passíveis das seguintes penalidades, observado o respectivo procedimento disciplinar do preso:

I- advertência verbal; II- repreensão; III- suspensão ou restrição de direitos; IV- isolamento na própria cela ou em local adequado, nas unidades prisionais que possuem alojamento coletivo; V- internação em regime disciplinar diferenciado.

§1º - a advertência verbal é punição de caráter educativo, aplicável às infrações de natureza leve e, se couber, nas de natureza média.

§2º - a repreensão é sanção disciplinar, revestida de maior rigor no aspecto educativo, aplicável em casos de infração de natureza média, bem como para os reincidentes de infração de natureza leve.

Artigo 83 - a suspensão ou restrição de direitos e o isolamento na própria cela ou em local adequado, não podem exceder a 30 (trinta) dias.

§1º - o preso, antes e depois da aplicação da sanção disciplinar consistente no isolamento, deve ser submetido a exame de saúde que ateste suas condições físicas e, havendo necessidade, a exame médico. §2º - o relatório de saúde e/ou médico, de que trata o parágrafo anterior, deve ser anexado ao prontuário do preso. §3º - Aos presos recolhidos em cela de isolamento celular, quando não houver impedimentos de segurança e/ou de estrutura, é assegurado o disposto no inciso V do artigo 22 deste Regimento. §4º - Aos presos em cumprimento de sanção disciplinar, recolhidos em cela de isolamento, é permitida a posse de material básico de higiene pessoal, um segundo

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uniforme padrão ou vestuário pessoal para troca e livros instrutivos e/ou recreativos do acervo da biblioteca ou da sala de leitura da unidade. §5º - o prazo tratado no caput deste artigo não atinge as internações em regime disciplinar diferenciado.

Artigo 84 - Quando do cometimento de nova falta disciplinar pelo preso durante o cumprimento de sanção disciplinar anterior, é vedado aplicar cumulativamente o tempo de isolamento celular.

CAPÍTULO III DA CLASSIFICAÇÃO DO COMPORTAMENTO E DA REABILITAÇÃO

Artigo 85 - para fins administrativos, o comportamento do preso recolhido em regime fechado e em regime semiaberto, nas unidades prisionais sob responsabilidade da Secretaria da Administração Penitenciária, é classificado como:

I- ótimo, quando decorrente da ausência de cometimento de falta disciplinar, desde o ingresso do preso na prisão, ocorrido no mínimo há um ano, até o momento do benefício em Juízo. II- bom, quando decorrente da ausência de cometimento de falta disciplinar ou do registro de faltas disciplinares já reabilitadas, desde o ingresso do preso na prisão até o momento do requerimento do benefício em Juízo; III- regular, quando registra a prática de faltas disciplinares de natureza média ou leve, sem reabilitação de comportamento. IV- mau, quando registra a prática de faltas disciplinares de natureza grave sem reabilitação de comportamento.

Parágrafo único - a infração disciplinar de natureza grave implica na proposta de regressão do regime.

Artigo 86 - para avaliação, deve ser considerado, quando for o caso, o comportamento do preso desde a permanência em unidade prisional anterior, ainda que subordinada à Secretaria da Segurança Pública.

Artigo 87 - o diretor da unidade não pode atestar o comportamento do preso enquanto tramitar procedimento para apuração de falta disciplinar, desde que obedecidos os prazos previstos no artigo 62 deste Regimento.

Artigo 88 - Deve ser rebaixado o conceito de comportamento do preso que sofrer sanção disciplinar, em quaisquer regimes de cumprimento de pena.

Artigo 89 - o preso em regime fechado ou em regime semiaberto tem, no âmbito administrativo, os seguintes prazos para reabilitação do comportamento, contados a partir do cumprimento da sanção imposta:

I- 03 (três) meses para as faltas de natureza leve; II- 06 (seis) meses para as faltas de natureza média; III- 12 (doze) meses para as faltas de natureza grave.

Artigo 90 - o cometimento de falta disciplinar de qualquer natureza, durante o período de reabilitação, acarreta a imediata interrupção do tempo até então cumprido.

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Parágrafo único - com a prática de nova falta disciplinar, exige-se novo tempo para reabilitação que deve ser somado ao tempo estabelecido para a falta anterior, sendo detraído do total o período já cumprido.

Artigo 91 - para fins de instrução de pedido de progressão de regime, concessão de livramento condicional, indulto ou comutação de penas, o diretor da unidade prisional deve encaminhar à autoridade judicial competente, à época do pedido do benefício, em formulário padronizado, o Boletim Informativo do preso, com classificação final do comportamento e o registro de todas as etapas e ocorrências que ensejaram a avaliação definitiva.

Parágrafo único - no Boletim Informativo deve constar, obrigatoriamente, o histórico de todas as faltas disciplinares anotadas no prontuário do preso, com a discriminação de data, local dos fatos, descrição e tipificação da falta, sanção disciplinar aplicada ou absolvição, e a respectiva reabilitação administrativa do comportamento.

Artigo 92 - Os advogados, com poderes conferidos por procuração, que necessitarem de Boletim Informativo para instruir petição para requerimento de benefício ao seu cliente, devem encaminhar pedido ao diretor da unidade, mencionando o fim a que se destina.

§1º - Quando do recebimento do pedido, a unidade prisional deve providenciar a documentação requerida, no prazo máximo de 20 (vinte) dias, e entregá-la, mediante comprovante, ficando vedada sua retirada por terceiros. §2º - Os comprovantes devem ficar devidamente arquivados no prontuário do preso. §3º - Caso os profissionais a que se refere o caput deste artigo venham a fazer uso diverso dessas informações, ou se eventualmente venham a alterar os dados delas constantes, devem responder pelo ilícito nas esferas competentes.

TÍTULO IXDAS VISITAS

Artigo 93 - As visitas têm a finalidade de preservar e estreitar as relações do preso com a sociedade, a família, a companheira e os parentes, sob vigilância e com limitações, ressocializando-o e reintegrando-o de forma espontânea ao âmbito familiar e comunitário, quando do cumprimento da sua pena, bem como as visitas têm caráter terapêutico objetivando desenvolver e aprimorar o senso de comunhão social na esfera das unidades prisionais.

Parágrafo único - o visitante do preso, para efeito deste Regimento, é considerado como particular e está sujeito às normas disciplinadas pela Secretaria da Administração Penitenciária.

Artigo 94 - Os visitantes devem ser tratados com humanidade e com dignidade inerente ao ser humano, por parte de todos os funcionários da unidade prisional e de todo o corpo funcional dos órgãos pertencentes à Secretaria da Administração Penitenciária.

Artigo 95 - As visitas devem ser realizadas em local próprio, de acordo com suas finalidades, em condições dignas e que possibilitem a vigilância pelo corpo de segurança.

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Artigo 96 - As visitas devem ser controladas por meio de cadastro informatizado e padronizado em toda a rede de unidades prisionais pertencentes à Secretaria da Administração Penitenciária.

Parágrafo único - As informações constantes do referido cadastro devem ser sigilosas, ficando o acesso adstrito ao funcionário responsável pela área.

Artigo 97 - a autorização para entrada nas unidades prisionais fica condicionada à obediência, à ordem e à disciplina, observando-se as disposições contidas neste Regimento.

Artigo 98 - a visita aos presos, de ambos os sexos, realiza-se sob as modalidades comuns de direito e conjugais, chamadas visitas íntimas.

CAPÍTULO I DAS VISITAS COMUNS

Artigo 99 - Os presos podem receber visitas de parentes de até 2º grau, do cônjuge ou da companheira de comprovado vínculo afetivo, desde que registradas no rol de visitantes e devidamente autorizadas pela área de segurança e disciplina.

§1º - Não se incluem na restrição os menores de 12 (doze) anos, desde que descendentes do preso, nem os membros de entidades religiosas ou humanitárias, devidamente cadastrados na respectiva coordenadoria regional. §2º - a visita de egresso; de quem estiver em saída temporária ou em cumprimento de pena em regime aberto ou livramento condicional, pode ser autorizada, fundamentadamente, pela direção da unidade prisional e realizada no parlatório, contanto que o visitante seja parente até 2º grau, cônjuge ou companheira de comprovado vínculo afetivo da pessoa presa, e desde que registrada no rol de visitas, devendo ser previamente autorizada pelo juízo competente, quando necessário.

Artigo 100 - As visitas comuns devem ser realizadas, no máximo, em 02 (dois) dias semanais, exceto em caso de proximidade de datas festivas, quando o número pode ser maior, a juízo do respectivo diretor da unidade prisional e com autorização do coordenador regional.

Parágrafo único - o período de visitas não deve ser superior a 08 (oito) horas.

Artigo 101 - o preso tem direito de receber visita, dentre as 08 (oito) pessoas indicadas em seu rol, de 02 (duas) delas, no máximo, por dia de visita.

§1º - Excepcionalmente, é permitida a inclusão no rol de visitas, de 02 (duas) outras pessoas, quando o preso não contar com visitantes do tipo descrito no artigo 99 deste Regimento, vedado, neste caso, o acompanhamento de crianças.

§2º - Pode ser autorizada visita extraordinária, determinada por autoridade competente, que fixará sua duração.

Artigo 102 - para que alguma visita seja cadastrada no rol de visitas do preso, deve haver a apresentação dos seguintes documentos:

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I- concordância, por escrito, do preso, sobre a conveniência ou não da visitação; II- comprovação da condição de ser cônjuge, companheira ou do grau de parentesco; III- cópia da carteira original de identidade do visitante; IV- cópia da carteira original do cadastro de pessoas físicas; V- cópia de comprovante de residência dos últimos 06 (seis) meses; VI- duas fotos recentes e iguais; VII- certidão de antecedentes criminais.

Parágrafo único - a comprovação de que trata o inciso II deste artigo deve ser feita por meio dos seguintes documentos:

I- certidão de casamento, se cônjuge; II- declaração reconhecida em cartório, com duas testemunhas, ou decisão judicial declarando a união estável, se companheira; III- certidão de nascimento, se filho.

Artigo 103 - o visitante, exceto parentes de até 2º grau, devem se submeter à entrevista pessoal junto ao serviço social da unidade prisional, que, após manifestação, encaminhará a proposta de inclusão no rol de visitantes do preso ao diretor da área de segurança e disciplina.

Parágrafo único - o relatório pessoal sobre o visitante, elaborado pelo serviço social, deve ser anexado ao prontuário do preso.

Artigo 104 - o diretor da área de segurança e disciplina da unidade prisional deve se manifestar fundamentadamente, sobre a conveniência ou não da inclusão do solicitante no rol de visitas do preso.

Artigo 105 - Autorizada a visitação, o visitante deve receber credencial para ingresso na unidade prisional, tendo tal documento validade enquanto o preso estiver recolhido na unidade ou até quando solicitada a exclusão da visita.

Parágrafo único – a referida credencial deve conter: I- o nome da unidade prisional; II- a foto do visitante; III- o nome, o número do registro geral e o número do cadastro de pessoas físicas do visitante; IV- o nome e o número da matrícula do preso visitado; V- a assinatura do diretor de segurança e disciplina.

Artigo 106 - para ingressar em unidade prisional, os visitantes devem estar devidamente autorizados e registrados, apresentar a respectiva credencial, o documento original da carteira de identidade e se submeter aos procedimentos de revista.

Artigo 107 - a inclusão no rol de visitas de outra pessoa, em substituição àquela que não for parente até 2º grau, cônjuge ou companheira de comprovado vínculo afetivo, implica na condição de ser por ele visitado somente após 180 (cento e oitenta) dias decorridos da data de exclusão do visitante substituído.

Artigo 108 - São vedadas as substituições do cônjuge e da companheira de comprovado vínculo afetivo, salvo se houver separação de fato ou de direito, com observância do

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prazo mínimo descrito no artigo anterior deste Regimento para a indicação do novo visitante e a aprovação do diretor da unidade prisional, após parecer do serviço social.

Artigo 109 - As alterações e exclusões no rol de visitantes, por iniciativa das partes, somente devem ser efetuadas com a solicitação, por escrito, do preso ou do visitante registrado.

Artigo 110 - a critério do diretor da unidade prisional, pode, fundamentadamente, ser suspenso, por prazo determinado, ou cancelado, o registro do visitante que, por sua conduta, possa prejudicar a disciplina e a segurança da unidade prisional, observado o disposto nos artigos 131 a 134 deste Regimento.

Artigo 111 - As informações constantes do registro dos visitantes não devem ser divulgadas, exceto mediante autorização do diretor da unidade prisional e desde que devidamente fundamentado o pedido.

Artigo 112 - a entrada de crianças e adolescentes, para visitas comuns, é permitida somente quando o menor for filho ou neto do preso a ser visitado.

Parágrafo único - As crianças e os adolescentes devem estar acompanhados por um responsável legal e, na falta deste, por aquele que for designado para sua guarda, determinada pela autoridade judicial competente.

Artigo 113 - o preso recolhido à enfermaria, impossibilitado de se locomover ou em tratamento psiquiátrico, pode receber visita nos próprios locais, por indicação médica e com autorização do diretor da unidade prisional.

Artigo 114 - As visitas podem ser suspensas em caráter excepcional ou emergencial, desde que fundamentadas, visando a preservação das condições sanitárias; de saúde coletiva dos presos; da ordem; da segurança e da disciplina da unidade prisional, sendo normalizadas assim que o problema tiver sido sanado.

Artigo 115 - o visitante deve estar convenientemente trajado, conforme normas da Secretaria da Administração Penitenciária, das coordenadorias regionais, da coordenadoria de saúde e das unidades prisionais e ser submetido à revista.

Parágrafo único - o visitante que estiver com peruca ou outros complementos que possam dificultar a sua identificação ou revista, pode ser impedido de adentrar à unidade prisional como medida de segurança, observadas as normas específicas expedidas pelos órgãos citados no caput deste artigo.

CAPÍTULO II DA VISITA ÍNTIMA

Artigo 116 - a visita íntima tem por finalidade fortalecer as relações familiares e deve ocorrer nos casos de relação amorosa estável e continuada.

Artigo 117 - a visita íntima pode ser suspensa ou restringida, por tempo determinado, em caso de falta disciplinar de natureza grave, cometida pelo preso, que ensejar restrição de direitos ou isolamento celular, ou por ato motivado pelo cônjuge ou pela companheira que causar problemas de ordem moral ou risco para a segurança ou disciplina, observado o disposto nos artigos 131 a 134 deste Regimento.

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Artigo 118 - a visita íntima pode ser suspensa ou extinta, em todo o sistema prisional, a qualquer tempo, pelo Titular da Pasta, na medida em que acarrete danos do ponto de vista sanitário ou desvio de seus objetivos.

Artigo 119 - a coordenadoria de saúde deve planejar, juntamente com as coordenadorias regionais e as unidades prisionais, programa de prevenção social e sanitária para a população prisional.

Parágrafo único - As áreas de saúde e de reintegração de cada unidade prisional devem desenvolver os programas a que se refere o caput deste artigo.

Artigo 120 - ao preso é facultado receber visita íntima da esposa ou companheira, comprovado o vínculo afetivo pelas formas previstas nos incisos I e II do parágrafo único do artigo 102 deste Regimento.

Artigo 121 - o preso pode receber visita íntima de menor de 18 (dezoito) anos, quando esta:

I- for legalmente casada com o visitado; II- seja judicialmente emancipada e haja a demonstração de união estável com o visitado, por escrito, assinada por duas testemunhas e reconhecida em cartório, condicionado, ainda, à entrevista com o genitor ou tutor responsável pela emancipação e termo de ciência junto à área de serviço social da unidade prisional; III- nos demais casos, devidamente autorizados pelo juízo competente.

Parágrafo único -Excetuados os casos de que trata este artigo, é proibida a entrada de menores de 18 (dezoito) anos, nas unidades prisionais, para a prática de visita íntima.

Artigo 122 - a concessão de visita íntima fica subordinada: I- à apresentação de atestado de aptidão, do ponto de vista de saúde, por meio de exames laboratoriais; II- à submissão de exames periódicos, a critério das respectivas unidades prisionais.

Parágrafo único- no caso de ser um ou ambos os parceiros portadores de doença infectocontagiosa transmissível sexualmente, a ocorrência da visita íntima deve ser decidida por ambos, em conjunto com a autoridade competente, após: I- comprovação do tipo de vínculo afetivo existente; II- informação sobre a ocasião do adoecimento; III- demonstração do nível de conhecimento da doença e das precauções a serem tomadas; IV- relatórios das áreas de saúde, serviço social e psicologia da unidade prisional, dos quais deve constar, dentre outras informações, o nível de benefício trazido ao processo de ressocialização do preso com a realização da visita intima.

Artigo 123 - É autorizado somente o registro de uma companheira, obedecendo-se ao disposto nos artigos 107 e 108 deste Regimento.

Artigo 124 - Deve ser providenciada, pela área competente da unidade prisional, a carteira de identificação específica para visita íntima.

Artigo 125 - Não pode receber visita íntima o preso que estiver:

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I- em situação de trânsito na unidade prisional; II- em período de inclusão ou em regime de observação; III- em isolamento em cela de segurança, quando necessária a adoção de medida preventiva de segurança pessoal; IV- em enfermaria; V- em cumprimento de sanção disciplinar de restrição de direitos ou de aplicação de isolamento celular, em cela disciplinar.

Artigo 126 - o controle da visita íntima, no que tange às condições de acesso, ao trânsito interno e à segurança do preso e sua companheira compete, estritamente, aos integrantes da área de segurança e disciplina.

Artigo 127 - a periodicidade da visita íntima deve obedecer aos critérios estabelecidos pela administração, respeitadas as características de cada unidade prisional.

CAPÍTULO III DA ORDEM GERAL APLICADA A VISITANTES

Artigo 128 - o visitante ou qualquer pessoa autorizada a entrar nas unidades prisionais deve obedecer à ordem estabelecida, respeitando funcionários, presos e outros particulares, bem como cumprir as normas legais, regimentais, administrativas ou qualquer ordem exarada por autoridade competente no âmbito das unidades prisionais pertencentes à Secretaria da Administração Penitenciária.

Artigo 129 - Os visitantes são considerados usuários do serviço público e tem seus direitos assegurados pela Lei nº 10.294, de 20 de abril de 1999.

Artigo 130 - São considerados atos de indisciplina cometidos por visitantes:

I- praticar ações definidas como crime ou contravenção; II- manter conduta indisciplinada no interior ou nas dependências externas da unidade prisional, desobedecendo a qualquer ordem, seja escrita ou verbal, emanada por autoridade competente; III- desobedecer, desacatar ou praticar qualquer ato que importe em indisciplina, seja ele praticado contra servidores públicos, presos ou outros particulares; IV- promover tumulto, gritaria, algazarra ou portar-se de maneira inconveniente que perturbe o trabalho ou o sossego alheio; V- induzir, fazer uso, estar sob ação de bebida alcoólica, substância entorpecente ou que determine dependência física ou psíquica, ou ainda introduzi-las em área sob administração da unidade prisional; VI- vestir-se de maneira inconveniente; VII- recorrer a meios fraudulentos em proveito próprio ou alheio; VIII- praticar manifestações ou propaganda que motivem a subversão à ordem e a disciplina das unidades prisionais; a discriminação de qualquer tipo e o incitamento ou apoio a crime, contravenção ou qualquer outra forma de indisciplina; IX- auxiliar, participar ou incentivar a prática de falta disciplinar do preso, tentada ou consumada.

Artigo 131 - Os atos de indisciplina praticados por visitantes podem incorrer em:

I- advertência escrita; II- suspensão temporária da autorização para entrada na unidade prisional;

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III- cassação da autorização para entrada da unidade prisional.

Artigo 132 - a advertência escrita deve ser aplicada na prática de ato de indisciplina que não incidir em grave dano à ordem e à disciplina da unidade prisional, dando-se ciência ao interessado, que, em caso de recusa, deve ser assinado por duas testemunhas.

Artigo 133 - a suspensão temporária e a cassação devem ser empregadas na prática de crime doloso, ato de indisciplina que comprometa a ordem e a segurança ou outro fato danoso no âmbito das unidades prisionais.

Artigo 134 - o período da suspensão temporária pode ser de 15 (quinze), 30 (trinta), 90 (noventa), 180 (cento e oitenta) ou 360 (trezentos e sessenta) dias, conforme a gravidade do fato.

Artigo 135 - o visitante que tentar entrar na unidade prisional com telefone celular ou aparelho de comunicação com o meio exterior, seus componentes ou acessórios, bem como, com substâncias tóxicas consideradas ilícitas, armas ou outros materiais que podem ser utilizados para a mesma finalidade, além das providências previstas pela legislação, fica terminantemente proibido de adentrar a qualquer unidade prisional da Secretaria da Administração Penitenciária.

Artigo 136 - Deverá ser aplicado, em despacho fundamentado do diretor da unidade, o disposto nos incisos I a III do artigo 131 deste Regimento, de acordo com a gravidade dos fatos, após ouvido, em termo de declaração, o visitante que atuou de maneira indisciplinada, os funcionários e as testemunhas, sem prejuízo da adoção de outras providências que visem o esclarecimento dos fatos e da aplicação das medidas cautelares cabíveis à preservação do interesse público, desde que devidamente motivados.

Artigo 137 - Os atos de indisciplina, praticados por visitantes, não afetam a avaliação do comportamento carcerário do preso, salvo quando restar comprovado seu envolvimento direto ou indireto.

Artigo 138 - Deve ser dada ciência, por escrito, ao visitante, e, quando for o caso, ao preso, das condições dispostas nos incisos I a III do artigo 131 deste Regimento.

Artigo 139 - Cabe desde que haja elementos comprobatórios complementares não analisados, pedido de reconsideração, por escrito, sem efeito suspensivo, dirigido à autoridade que aplicou a punição, no prazo de 05 (cinco) dias úteis contados da data da decisão.

Artigo 140 - As situações disciplinares envolvendo visitantes que não puderem ser enquadradas nas disposições deste Regimento devem ser decididas pelo diretor da unidade, por meio de competente procedimento.

TÍTULO XDA REVISTA DE PESSOAS, OBJETOS, BENS, VALORES, VEÍCULOS e

ÁREAS HABITACIONAIS

CAPÍTULO I DA REVISTA

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Artigo 141 - a revista consiste no exame de pessoas, objetos, bens, valores e veículos, que adentrem a unidade prisional e das áreas habitacionais dos presos, com a finalidade de localizar objetos ou substâncias não permitidas pela administração ou que venham a comprometer a segurança e disciplina.

Parágrafo único - Os membros do Poder Executivo, Legislativo, Judiciário, do Ministério Público, da Defensoria Pública, da Procuradoria, da Corregedoria Administrativa do Sistema Penitenciário, da Ouvidoria do Sistema Penitenciário, Advogados e demais autoridades que tenham legitimidade para visitar ou vistoriar as unidades prisionais, desde que estejam no exercício profissional, devem se submeter aos procedimentos específicos de revista, observadas as exceções descritas neste Regimento.

Artigo 142 - Todo objeto e veículo que entrar ou sair da unidade prisional deve ser minuciosamente revistado.

Parágrafo único - o disposto no caput deste artigo deve ser sempre realizado na presença do portador ou condutor.

Artigo 143 - Os procedimentos de revista, nas áreas habitacionais de convívio do preso e em sua cela, devem ser feitos de maneira que não imponham constrangimento físico ou moral e que preservem seus pertences pessoais permitidos pela administração.

Artigo 144 - Cabe aos agentes de segurança penitenciária efetuar o tipo de revista de quetrata o artigo anterior, objetivando localizar objetos não permitidos, compartimentos falsos, túneis ou quaisquer formas de ocultar alguma irregularidade, obedecidos os seguintes procedimentos:

I - retirar o preso de sua cela, revistando-o; II - revistar sua cela e seus pertences por meio de:

a- Exame minucioso dos objetos; b- Exame dos móveis ou similares, movendo-os de seus locais, verificando-os, e

examinando a área onde estavam colocados; c- Exame da estrutura física da cela, verificando se as paredes, o teto, o chão, o

encanamento, a fiação elétrica, as grades e as portas não foram modificadas, danificadas ou ocultam alguma irregularidade.

Artigo 145 - a revista da cela, quando possível, deve ser feita na presença de um dos presos ali recolhidos.

Artigo 146 - Fica vedado o procedimento de revista das celas quando houver visitantes nos raios habitacionais, salvo em situações extremamente necessárias para a preservação da ordem e disciplina.

Artigo 147 – Não é permitido ao visitante do preso, como medida de segurança, entrar na unidade prisional:

I- portando aparelho de telefonia móvel celular ou aparelho de comunicação com o meio exterior, seus componentes e acessórios; II- com relógios, pulseiras, correntes, brincos e outros adereços similares; III- com material de maquiagem, perucas ou cabelo com tranças de qualquer tipo, sapatos de salto alto, plataforma ou similares;

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IV- com qualquer componente, complemento ou acessório que oculte ou dificulte sua identificação ou revista. § 1º - Os advogados que adentrem a unidade prisional para a prestação de serviço advocatício devem obedecer a restrição imposta no inciso I deste artigo. § 2º - Os advogados que não permitirem que seus objetos pessoais como pastas e mochilas passem por revista não podem adentrar as dependências da unidade prisional portando os mesmos.

Artigo 148 - São adotados os seguintes procedimentos de revista:

I- manual; II- mecânico; III- íntimo corporal, caso necessário.

SEÇÃO I DA REVISTA MANUAL E MECÂNICA

Artigo 149 - a revista efetua-se por meios manuais ou mecânicos, em pessoas que, na qualidade de visitantes, servidores ou prestadores de serviços, ingressarem nas unidades prisionais. §1º - a revista manual é efetuada por servidor habilitado, do mesmo sexo. §2º - a revista mecânica é feita com a utilização de detectores de metais, aparelhos de raios-X e meios assemelhados. §3º - a revista em menores, nos casos que couber, deve se realizar na presença dos pais ou responsáveis, observando-se o disposto no artigo 147 deste Regimento.

Artigo 150 - Qualquer pessoa que adentrar uma unidade prisional deve ser submetida às revistas manual e mecânica, salvo nos casos explicitados neste Regimento. §1º - Havendo recusa da visita, é vedada a sua entrada. §2º - na hipótese de ser permitida a entrada sem a observância do disposto neste artigo, deve ser responsabilizado o funcionário que a conceder.

Artigo 151 - Quando as pessoas apresentarem restrições quanto à utilização do equipamento, do ponto de vista de saúde, ficam isentas da revista mecânica devendo ser a ocorrência registrada em livro próprio e a visita realizada em parlatório ou outro local adequado. §1º - Compete ao interessado a comprovação do disposto no caput deste artigo, mediante apresentação de atestado ou laudo médico, exames laboratoriais ou outros meios que comprovem o alegado, emitidos recentemente. §2º - a isenção da revista mecânica não exime os que ingressarem em unidades prisionais de outras modalidades de revista. §3º - a forma de revista tratada no caput deste artigo se aplica apenas a visitantes de presos.

Artigo 152 - em todas as unidades prisionais, que utilizarem raios-x e detectores de metais, é obrigatória a colocação de aviso sobre a existência de eventual risco desses equipamentos para portadores de marcapasso.

Artigo 153 - São isentos da revista manual: I- Advogados, no exercício profissional; II- Magistrados, Promotores e Procuradores de Justiça, Defensores Públicos, Procuradores e Delegados de Polícia;

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III- Parlamentares; IV- Chefes dos Poderes Executivo, Legislativo e Judiciário; V- Ministros e Secretários de Estado; VI- Membros do Conselho Estadual e Nacional de Política Criminal e Penitenciária e dos Conselhos Penitenciários Estaduais; VII- Membros da Corregedoria Administrativa do Sistema Penitenciário e da Ouvidoria do Sistema Penitenciário; VIII- Coordenadores Regionais de Unidades Prisionais, de Saúde do Sistema Penitenciário, de Reintegração Social e Cidadania e Diretores de Unidades Prisionais. IX- Representantes Religiosos, desde que devidamente credenciados; X- Outros, a critério do diretor da unidade, registrando-se em livro próprio.

Artigo 154 – Os profissionais elencados no artigo anterior, que não estiverem no exercício da função, mas na condição de visita particular do preso, devem ser submetidos à revista corporal.

Artigo 155 - em caso de desrespeito, por parte do visitante do preso, pode ter suspensa a autorização para visita, conforme dispuser este Regimento.

SEÇÃO II DA REVISTA ÍNTIMA CORPORAL

Artigo 156 - a revista íntima corporal, quando necessária, consiste no desnudamento parcial de presos e de seus visitantes.

§1º - o disposto no caput deste artigo deve ser adotado com a finalidade de coibir a entrada ou a presença de objeto ou substância proibidos por lei ou pela administração, ou que venham a por em risco a segurança da unidade.

Artigo 157 - a revista íntima corporal deve ser efetuada em local reservado, por pessoa do mesmo sexo, preservadas a honra e a dignidade do revistado.

§1º - É proibida a revista interna, visual ou tátil do corpo do indivíduo. §2º - Nos casos em que após a revista íntima corporal, ainda haja dúvida quanto ao porte de objeto ou substância não permitido, a entrada não deve ser autorizada. §3º - na hipótese da ocorrência do previsto no parágrafo anterior deve haver:

I- encaminhamento do visitante a uma unidade de saúde para realização de exame; II- condução do preso, a uma unidade de saúde para realização de exame, se necessário.

Artigo 158 - a revista íntima corporal deve ser efetuada no preso visitado logo após a visita, quando esta ocorrer no parlatório.

TÍTULO XIDOS OBJETOS, BENS E VALORES PESSOAIS DOS PRESOS

Artigo 159 - a entrada de objetos, bens e valores, de qualquer natureza, deve obedecer aos seguintes critérios:

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I- em se tratando daqueles permitidos, os mesmos devem ser revistados e devidamente registrados em documento específico; II- em se tratando de bens de consumo, trazidos por presos, acompanhados ou não de funcionário, quando das saídas externas autorizadas, devem ser analisados.

Artigo 160 - Quando do ingresso de objetos, bens e valores por presos, por familiares e afins, devem ser depositados na área competente, mediante inventário e contrarrecibo e nos casos que couber, apresentação da respectiva nota fiscal, em nome do familiar, ou da pessoa devidamente cadastrada no rol de visitas, desde que não esteja suspensa ou cassada sua autorização para adentrar a unidade prisional.

Artigo 161 - o saldo em dinheiro e os objetos e bens existentes devem ser devolvidos no momento em que o preso for libertado.

Artigo 162 - no caso de transferência do preso, objetos, bens e valores devem ser encaminhados à unidade prisional de destino, no prazo de até 05 (cinco) dias.

Artigo 163 - Os bens de consumo, perecíveis ou não, permitidos e trazidos por visitantes, devem ser imediatamente vistoriados para encaminhamento ao preso, observados os seguintes critérios:

I- os bens perecíveis e os de consumo imediato devem ser entregues ao preso pelo portador, e os demais, oportunamente; II- os bens levados fora dos dias de visita devem atender às normas estabelecidas pela unidade prisional; III- devem ser fornecidos aos portadores os recibos dos bens entregues, salvo no caso previsto no inciso I deste artigo.

§1º - a entrada de bens perecíveis, em espécie ou manufaturados, tem sua quantidade devidamente regulada pela Secretaria da Administração Penitenciária e pelas coordenadorias regionais. §2º - Os bens não perecíveis devem ser analisados pela unidade prisional quanto à quantidade, necessidade e conveniência.

Artigo 164 - Os presos que estiverem cumprindo sanção disciplinar podem receber, por seus familiares, apenas materiais básicos de higiene pessoal e outros autorizados pela direção, em quantidade regulada pela administração.

Artigo 165 - É permitida a entrega de material de consumo, de higiene pessoal e de limpeza a ser depositado pelas pessoas constantes do rol de visitas, pessoalmente ou via postal, e recebido pelo preso, a critério do diretor da unidade prisional.

TÍTULO XIIDO CONTATO EXTERNO

Artigo 166 - o contato externo do preso pode ser exercido por intermédio de:

I- correspondências escritas; II- salas de leitura ou bibliotecas; III- meios de comunicação.

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Artigo 167 - Os materiais e gêneros alimentícios recebidos, por via postal, devem ser vistoriados em local apropriado, garantida a segurança, observadas as disposições deste Regimento, bem como as normas específicas expedidas pela unidade prisional e pelas coordenadorias regionais.

Parágrafo único – no caso do preso estar em cumprimento de sanção disciplinar ou ausente da unidade prisional, os materiais e gêneros alimentícios de que trata o caput deste artigo não devem ser recebidos.

CAPÍTULO I DA CORRESPONDÊNCIA ESCRITA

Artigo 168 - a correspondência escrita entre o preso, seus familiares e afins deve ser feita pelas vias regulamentares.

Parágrafo único - É livre a correspondência, condicionada sua expedição e recepção às normas de segurança e disciplina da unidade prisional.

Artigo 169 - É vedada a restrição ou a suspensão de troca de correspondência, pelo preso, a título de sanção disciplinar.

Parágrafo único - a troca de correspondência pode ser suspensa ou restringida, em caráter excepcional ou emergencial, desde que fundamentada, visando a preservação da ordem, da segurança e da disciplina da unidade prisional, normalizando-se após sanado o fato que a originou.

CAPÍTULO II DA SALA DE LEITURA e DA BIBLIOTECA

Artigo 170 – a unidade prisional deve dispor de sala de leitura ou biblioteca, e o acesso do preso se dá:

I- para leitura na própria biblioteca; II- para leitura na própria cela.

Artigo 171 - Os livros devem ser cadastrados por meio de fichas de controle para sua retirada e devolução.

§1º - Qualquer dano ou desvio deve ser ressarcido na forma prevista neste Regimento, sem prejuízo da sanção disciplinar correspondente.

§2º - Quando das saídas sob quaisquer modalidades, o preso deve devolver os livros que estiverem sob seu poder.

CAPÍTULO III DOS MEIOS DE COMUNICAÇÃO

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Artigo 172 - o preso pode ter acesso à leitura e a outros meios de comunicação, adquiridos às custas próprias ou por visitas, sendo que devem ser submetidos previamente à apreciação da direção da unidade prisional, que avaliará a sua contribuição no processo educacional e ressocializador, observadas as normas contidas neste Regimento.

Artigo 173 - o uso do aparelho de radiodifusão é permitido, na quantidade de 01 (uma) unidade por cela ou alojamento, somente à energia elétrica, mediante autorização expedida pela diretoria da área de segurança e disciplina, por escrito, vedado o uso de pilhas e observado o disposto no artigo 160 deste Regimento, no que concerne à exigência de nota fiscal para a posse de tal aparelho.

§1º - É permitido ao interessado adquirir tal aparelho com recursos do seu pecúlio ou de seus visitantes. §2º - o aparelho deve ser de porte pequeno, que não exceda a 30 (trinta) centímetros de largura, atentando-se para a facilitação de sua revista. §3º - o aparelho de rádio deve ser registrado em livro próprio, a cargo da diretoria da área de segurança e disciplina, devendo constar desse registro todos os dados que possibilitem sua perfeita identificação e seu controle. §4º - a diretoria da área de segurança e disciplina deve realizar testes visando identificar possível interferência na freqüência dos HT’s utilizados na unidade prisional. §5º - a diretoria da área de segurança e disciplina se reserva ao direito de vistoriar o aparelho de radiodifusão, a qualquer tempo, independentemente do lacre de garantia. §6º - o portador do aparelho deve providenciar para que a autorização esteja sempre junto do mesmo. §7º - o aparelho de rádio, não identificado, deve ser apreendido pela área de segurança e disciplina, que deve proceder às averiguações sobre sua origem, sem prejuízo da sanção disciplinar. §8º - o portador do rádio deve utilizá-lo em sua própria cela, em volume compatível com a tranquilidade dos demais presos vedados o uso de fone de ouvido. §9º - a administração não se responsabiliza pelo uso indevido, extravio ou desaparecimento do aparelho, nem por danos causados pelo usuário ou por outro preso. §10 - Caso haja necessidade de conserto do aparelho, o mesmo deve ser feito com recursos próprios do preso ou de seus visitantes. §11 - É proibida qualquer espécie de conserto do aparelho de rádio nas dependências internas da unidade, salvo em local determinado e com a devida autorização.

Artigo 174 - o acesso à televisão, pelo preso, qualquer que seja o regime de cumprimento de pena, pode ser permitido, sob duas modalidades, observado o disposto no artigo 160 deste Regimento no que concerne à exigência de nota fiscal para a posse de tal aparelho:

I- 01 (um) aparelho coletivo, de propriedade da unidade prisional; II- 01 (um) aparelho de uso particular em cada cela ou alojamento.

Artigo 175 - o aparelho de uso coletivo deve ser franqueado aos presos para acesso à programação institucional, nos seguintes locais:

I- em sala de aula, para fins didáticos e sócioculturais; II- em ambientes coletivos, em horários estabelecidos formalmente, sem prejuízo das atividades de trabalho, escola, esportes e outras prioridades.

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Parágrafo único - o controle do aparelho e da programação compete às áreas de segurança e disciplina e de reintegração.

Artigo 176 - o uso do aparelho de televisão particular, limitado a 01 (um) por cela, deve ser concedido mediante autorização, por escrito, da diretoria da área de segurança e disciplina, obedecidos aos seguintes critérios:

I- de 14 (catorze) polegadas, no máximo, a cores ou em preto e branco; II- instalada com material adquirido pelo próprio preso, pela área competente da unidade prisional, ou por seus visitantes; III- o aparelho a que se refere o caput deste artigo deve ser adquirido pela área responsável pelo pecúlio do preso.

§1º - a área de segurança e disciplina deve vistoriar, a qualquer tempo, os aparelhos de televisão, mesmo os novos com lacre de garantia de fábrica, o qual deve ser substituído por lacre da unidade prisional. §2º - Após vistoria, a violação do lacre implica na apreensão do aparelho. §3º - a entrada dos aparelhos de televisão na unidade obedece às mesmas normas que se aplicam aos aparelhos de rádio. §4º - a colocação de antena deve obedecer às normas estabelecidas pela unidade prisional. §5º - o aparelho particular pode ser usado no horário de descanso das atividades existentes na unidade prisional, em volume compatível e de acordo com as restrições impostas. Artigo 177 - Os eventuais consertos do aparelho de televisão devem ficar por conta de seu proprietário, observadas as normas da administração para retirada e encaminhamento ao serviço autorizado de manutenção do aparelho.

Artigo 178 - o uso dos meios de comunicação permitidos por este Regimento pode ser suspenso ou restringido por ato devidamente motivado, ficando seu restabelecimento a critério da direção da unidade prisional.

Artigo 179 - a venda, a cessão, o empréstimo e a doação dos aparelhos de comunicação não são permitidos entre os presos, salvo quando da liberdade do seu proprietário, caso em que este deve firmar documento para esse fim, ou em casos excepcionais, a critério da direção da unidade prisional.

Artigo 180 - Os meios de comunicação inservíveis podem ser retirados das celas, visando preservar a ordem, a higiene e a fiscalização das dependências.

TÍTULO XIIIDAS DISPOSIÇÕES FINAIS E TRANSITÓRIAS

Artigo 181 – As disposições constantes deste Regimento, reproduzem e complementam as que integram a Lei de Execução Penal e as demais emanadas no âmbito da Secretaria da Administração Penitenciária e de outros órgãos que expedem normas reguladoras para o sistema penitenciário.

Artigo 182 - Continuam em vigor os atos emanados pela Secretaria da Administração Penitenciária, pelas coordenadorias regionais e de saúde e pelas unidades prisionais, que

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não contrariem as disposições deste Regimento, ficando revogados os dispositivos conflitantes dessas normas.

Artigo 183 - Consideradas as peculiaridades próprias, podem as unidades prisionais expedir normas complementares e adequadas às suas condições, respeitadas as disposições deste Regimento, no que couber, comunicando-se a Secretaria da Administração Penitenciária, por meio da respectiva coordenadoria regional ou de saúde.

Artigo 184 - Os funcionários ou servidores das unidades prisionais devem cuidar para que sejam observados e respeitados os direitos e deveres dos presos respondendo, nos termos da legislação própria, pelos resultados adversos a que derem causa, por ação ou omissão.

§1º - no exercício de suas funções, os funcionários ou servidores não devem compactuar com os presos nem praticar atos que possam atentar contra a segurança ou disciplina, mantendo diálogo com a população prisional dentro dos limites da função, sob pena de incorrerem em infrações funcionais. §2º - Os funcionários devem levar ao conhecimento da autoridade competente as reivindicações dos presos objetivando uma solução adequada, bem como as ações ou omissões dos mesmos, que possam comprometer a boa ordem na unidade prisional.

Artigo 185 - Todos os atos privativos do diretor da unidade prisional, descritos neste Regimento, são exercidos, obrigatoriamente, quando de sua ausência, pelo seu substituto, indicado formalmente.

Parágrafo único - Nos casos excepcionais ou emergenciais, durante os finais de semana, caso inviabilizada a comunicação com o diretor da unidade ou seu substituto, devem ser decididos, conjuntamente, pelo diretor de turno de serviço e pelo diretor de plantão, todos os atos necessários para a regularidade do serviço e proteção das pessoas.

Artigo 186 - Os procedimentos disciplinares em andamento e os atos de indisciplina em apuração devem ajustar-se a este Regimento.

Artigo 187 - Os casos omissos devem ser resolvidos pelo diretor da unidade, ouvindo-se, quando for o caso, a respectiva coordenadoria regional ou de saúde, e, em sendo necessário, a Secretaria da Administração Penitenciária.

Artigo 188- para fins de tradução oficial, uma via deste Regimento deve ser encaminhada aos consulados que representam os países que possuem compatriotas mantidos sob custódia das unidades prisionais que integram a Secretaria da Administração Penitenciária.

Artigo 189 – o presente Regimento Interno Padrão das Unidades Prisionais do Estado de São Paulo entra em vigor na data da sua publicação.

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TECER JUSTIÇA:

Realização Instituto Terra, Trabalho e Cidadania Pastoral Carcerária Nacional

Apoio Open Society Foundations

ITTC

São Paulo, maio de 2012

PRESAS E PRESOS PROVISÓRIOS DA CIDADE DE SÃO PAULO

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Esta é uma obra coletiva realizada pelas equipes e parceiros do Instituto Terra, Trabalho e Cidadania e da Pastoral Carcerária Nacional com apoio da Open Society Foundations.

Coordenação InstitucionalHeidi Ann CernekaJosé de Jesus FilhoMichael Mary NolanDenise Blanes

Apoio e Organização Administrativo FinanceiraDenise BlanesMaria Regina Gomes

Diretoria do ITTC Presidenta: Michael Mary NolanVice-presidenta: Heidi Ann CernekaTesoureira: Denise BlanesSecretária-executiva: Verônica Sionti

Diretoria da Pastoral Carcerária Nacional Coordenador – Padre Valdir João SilveiraVice-coordenadora - Irmã Petra Silvia PfallerCoordenadora para a questão da mulher presa - Heidi Ann Cerneka

Equipe técnica do projeto Tecer Justiça Fernanda Emy Matsuda - coordenadora de pesquisa Flávia Novaes Barbosa Rodrigues - coordenadora de projetoCleyton Wenceslau Borges - advogadoGraziele Bonnes Alves - advogada

Luana Borba Álvares - advogadaMaria Cecilia Goi Porto Alves - estatísticaMaria Mercedes Loureiro Escuder - estatísticaRamon Arnus Koelle - advogado

EstagiáriosAldo Cordeiro Sauda - direitoAna Julia Andrade Vaz de Lima - direitoCaetano Patta da P. e Barros - ciências sociaisFelipe Eduardo Narciso Vono - direitoFernanda Peron Geraldini - direitoGlaucia Alves dos Santos - administraçãoGuilherme Rossi - direitoIsabela Rocha T. Cunha - direitoIsadora Martinati Penna - direitoJoão Diego Rocha Firmiano - direitoMaíra Machado F. Pinheiro - direitoMariana Tavares - direitoMarina Mattar S. Nasser - ciências sociaisRenato Cestito Brandão - direitoVivian Oliveira Mendes - direitoViviane de Ornellas Cantarelli - direito

Colaboradores Voluntários Anderson Balsanelli - advogadoBeatriz Goi Porto Alves - advogadaJúlio Cezar de Andrade - estagiário de serviço socialMaria Pia Aradas - estagiária de ciências sociais Talita Satie S. Ferreira - estagiária de direito

São Paulo (Estado) Instituto Terra Trabalho e Cidadania.

Tecer Justiça: presas e presos provisórios na cidade de São Paulo / Instituto Terra, Trabalho e Cidadania e Pastoral Carcerária Nacional; coordenação de obra coletiva: Heidi Ann Cerneka, José de Jesus Filho, Fernanda Emy Matsuda, Michael Mary Nolan e Denise Blanes.– São Paulo : ITTC, 2012.

ISBN: 978-85-99948-02-6

1. Direito. 2. Presos e Presas. 3. Defensoria Pública. I. Cerneka, Heidi Ann. II. Jesus Filho, José de. III. Matsuda, Fernanda Emy. IV. Nolan, Michael Mary. V. Blanes, Denise. VI. Título.

CDD: 340

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Agradecemos aos profissionais e instituições que colaboraram na realização desta pesquisa e na produção deste material, possibilitando o acesso a pessoas, lo-cais e documentos e contribuindo com ideias e reflexões críticas.

Em especial À advogada Sônia Regina Arrojo e DrigoÀ defensora pública Daniele Skromov de AlbuquerqueAo juiz de direito Sérgio Mazina Martins Ao sociólogo Rafael Godoi

Às equipesDefensoria Pública em nome da defensora-geral Daniela Sollberger CembranelliPenitenciária Feminina de Sant’Ana em nome do diretor Maurício GuarnieriCentro de Detenção Provisória I de Pinheiros em nome do diretor Wilton Oliveira MarçalArquivo do Tribunal de Justiça de São Paulo - Ipiranga em nome da funcionária Regina Cardoso

Aos parceiros de pesquisa Associação pela Reforma Prisional, Conectas Direitos Humanos, Instituto dos Defensores de Direitos Humanos (IDDH), Instituto da Defesa do Direito de Defesa (IDDD), Instituto Sou da Paz, Justiça Global, Núcleo de Estudos da Violência (NEV)

Aos parceiros de trabalhoA todos os presos e presas com quem conversamos, apoiamos e defendemos no cotidiano do trabalho do Instituto Terra, Trabalho e Cidadania (ITTC) e da Pastoral Carcerária Nacional (PCr) com apoio da Open Society Foundations (OSF)

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Sumário

Prefácio · · · · · · · · · · · · · · · · · · · · · · · · · · · · · · · · · · · · · · · · · · · 7

Apresentação · · · · · · · · · · · · · · · · · · · · · · · · · · · · · · · · · · · · · · · · · 8

Uma introdução para tecer justiça · · · · · · · · · · · · · · · · · · · · · · · · · · · · · 11

Objetivo geral · · · · · · · · · · · · · · · · · · · · · · · · · · · · · · · · · · · · · · · · 13Objetivos específicos 13

Contexto · · · · · · · · · · · · · · · · · · · · · · · · · · · · · · · · · · · · · · · · · · · 14

Metodologia · · · · · · · · · · · · · · · · · · · · · · · · · · · · · · · · · · · · · · · · · 17Fase 1 (de junho de 2010 a julho de 2011) 17Fase 2 (de julho de 2011 a janeiro de 2012) 18Atividades realizadas 18Obstáculos 18

Relação com a Defensoria Pública do Estado 19A estrutura física das unidades prisionais e as possibilidades de atendimento 21Desequilíbrio entre demanda e recursos humanos e materiais 24Acesso às informações 24

Resultados do survey: perfil da população provisória · · · · · · · · · · · · · · · · · · · · 26A dinâmica da prisão provisória: dados dos processos judiciais 46

Informações gerais 48O papel dos operadores do sistema de justiça criminal 60Drogas 65Crimes não violentos 70Crimes violentos 75

Estudo comparativo · · · · · · · · · · · · · · · · · · · · · · · · · · · · · · · · · · · · · 78Sorteio dos indivíduos antes da intervenção 78Análise da amostra da PFS 79Um olhar para as mulheres 80

Casos emblemáticos · · · · · · · · · · · · · · · · · · · · · · · · · · · · · · · · · · · · · 82As fotos dão liberdade 82O PlayStation pirata 83O alvará que demorou três dias 85Roubo de R$1,00 leva cinco anos de pena em regime fechado 86Liberdade provisória para acusado de tráfico 89Usuária, mãe de cinco fi lhos, presa por “tráfico” 90

Conclusões · · · · · · · · · · · · · · · · · · · · · · · · · · · · · · · · · · · · · · · · · · 92

Recomendações · · · · · · · · · · · · · · · · · · · · · · · · · · · · · · · · · · · · · · · 95

Bibliografia · · · · · · · · · · · · · · · · · · · · · · · · · · · · · · · · · · · · · · · · · 96

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Prefácio

Ao assumir um projeto como o presente, de pesquisa e intervenção em dois estabelecimentos prisionais de São Paulo, o Instituto Terra, Trabalho e Cidadania (ITTC) e a Pastoral Carcerária Nacional (PCr) estão preocupados com seus impac-tos em termos de resultados. Para nós, não se trata de mera busca de dados, porque nossas prioridades e ações estão voltadas à defesa de pessoas presas.

Tecer Justiça, um projeto que foi possível pelo apoio da Open Society Foundations, combinou um estudo do perfil da pessoa presa no momento de ingres-so no sistema prisional com a defesa processual em favor da liberdade provisória ou do relaxamento da prisão. Buscávamos entender quem é a pessoa que acabava de ser presa, quais foram os seus dramas e as circunstâncias da prisão e como seria diferente se houvesse defensores públicos presentes durante sua inclusão no sistema prisional. Assim, a proposta foi garantir o acesso ao defensor no momento imediata-mente posterior à prisão a fim de verificar em que medida esse procedimento eleva a taxa de concessões de liberdade provisória ou relaxamento da prisão. Além disso, nossa equipe buscou sempre entrar em contato com a família logo depois da entre-vista com o preso ou a presa. Pretendíamos também garantir o acesso à informação processual logo após a prisão e permitir ao preso e à presa conhecer e acompanhar o seu processo.

Partimos da hipótese de que o acesso ao defensor logo após a prisão e às infor-mações processuais levariam ao aumento do número de concessões de liberdade e à consequente redução da população presa provisoriamente.

Fomos surpreendidos ao descobrir que o aumento do número de defensores pú-blicos bem como o acesso à informação são somente alguns elementos na complexa cadeia de fatores que conduzem ao acesso à justiça. Barreiras institucionais, cultu-rais e estruturas socioeconômicas cumprem um papel definitivo no acesso à justiça que somente a garantia do direito de defesa não é suficiente para superar.

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Apresentação

O Instituto Terra, Trabalho e Cidadania e a Pastoral Carcerária, ao ensejo da Global Campaign for Pretrial Justice, organizada pela Open Society Foundations, contando também com a cooperação da Defensoria Pública do Estado de São Paulo, apresentam o resultado de seu Projeto Tecer Justiça: repensando a prisão provisória. Empreendido entre junho de 2010 e dezembro de 2011, a partir de pessoas que ainda aguardam julgamento em dois grandes estabelecimentos prisionais da capital de São Paulo – um masculino e outro feminino –, o Projeto Tecer Justiça recoloca-nos o desafio de repensarmos sua maior temática, ou seja, a questão do acesso à justiça pelos segmentos mais populares da sociedade brasileira.

O Projeto, em essência, se propõe a abordar o acesso à justiça a partir de uma experiência concreta de intervenção judiciária em favor de presos provisórios. Para re-alizá-la, atravessou toda uma vastidão de obstáculos, impedimentos, incompreensões, dificuldades e carências. Encontrou populações delineadas em um perfil há muito conhecido. As presas e os presos são, em sua maioria, jovens entre 18 e 25 anos; pau-listas da capital; pardos; com um ou dois filhos; com expressiva incidência de situação de rua e históricos variados de rechaço pelo sistema de educação pública; imersos em trabalhos informais com que tentam ou tentaram sustentar-se; muitos sem título de eleitor (o que lhes inviabiliza a cidadania no sentido mais grosso); sem documentos no instante de seu aprisionamento, que, aliás, ocorreu geralmente por furto, roubo ou tráfico de, frequentemente, pouca droga ilícita, nas ruas, por policiais militares cuja violência, física ou verbal, essas mulheres e esses homens também noticiam.

Poder-se-ia dizer: mais uma vez se afirma a tão cantada seletividade do sistema criminal de justiça, que, por toda parte do tempo ou do espaço, só sabe abater-se sobre esses mesmos segmentos, já que – ou até porque – recusa abater-se sobre tantos outros.

No entanto, não é somente a confirmação dessa seletividade universalmente sabida que o Projeto Tecer Justiça nos traz. Bem mais que isso, o que temos nas páginas que seguem são duas inquietações verdadeiramente tremendas. Ambas bro-tam dos cinco séculos de autoritarismo político com que a elite foi embalada e o povo adestrado.

A primeira dessas inquietações diz respeito à própria ideia de acesso à justiça. Sempre cuidamos do ângulo – aliás, irrecusavelmente importante – da instituição legal e real das Defensorias Públicas, um reclamo ainda premente por todo o país. Somente no Estado de São Paulo, vale lembrar, o número de defensores públicos não chega sequer

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a um quarto daquele de promotores de justiça ou de juízes. No entanto, o Projeto Tecer Justiça nos faz repensar, com fatos concretos, a escassez desse ângulo. Também não po-demos deixar de pensar que justiça, precisamente, é essa que queremos que a população possa acessar. Em outras palavras, não basta levar o povo à justiça se essa mesma justiça não se propõe, digamos assim, a popularizar-se. Se a justiça não aceita dialogar com o povo, de pouco adiantará simplesmente levá-lo ao pé de uma estátua surda. Os casos emblemáticos que o Projeto arrola, nesse sentido, gritam por si mesmos.

Por óbvio, a questão não é, simploriamente, aquela de prender ou de soltar. Não se trata de classificar assim ou assado a justiça por conta do número de deferimentos ou indeferimentos de pedidos de soltura ou habeas corpus. Há muitas coisas além dessa linguagem forense mais pobre, uma vez que binária e restrita. É mais que isso, pois o problema é saber ouvir e saber olhar o que está acontecendo com as parcelas da população brasileira que se encontram sob aqueles vastos perfis. É preciso com-preender o papel da justiça em meio a tudo isso. Faz-se necessário indagar as polí-cias que temos e a quem elas servem. Impõe-se pensar a prisão como uma estratégia política em meio a uma sociedade que se convulsiona. Enfim, o sistema de justiça criminal – composto indiferenciadamente por advogados, juízes, promotores, admi-nistradores e policiais – precisa expor-se a novas perguntas, sujeitando-se, portanto, a novos debates, abrindo-se a novas respostas.

O perfil identificado de pessoas presas compõe um universo de dezenas de milhões de pessoas que se acostumaram a encontrar na justiça, até hoje, o exercício rouco de não mais que três verbos: expulsar, cobrar e prender. O que o Projeto Tecer Justiça nos mostra é a urgente necessidade de acrescer a essa tríade avara um quarto e mais enriquecedor verbo. É preciso, enfim, construir e exigir uma justiça que saiba também – e saiba muito especialmente – conversar com esse povo todo, na sua linguagem, a partir também de sua óptica, sem intenções preconcebidas e sem ideias muito predispostas. Precisamos aprender, assim, a dialogar com as pes-soas, o que certamente não é simples nem rápido nem fácil.

Mas o Projeto Tecer Justiça nos leva ainda para uma segunda e mais fundamen-tal inquietação. Lembremos que a escravidão, posto que demorada e irresolvida, se-riamente subtraiu da cultura política brasileira o discernimento do certo e do er rado. Entre nós, ao menos quando nos comparamos com outras nações ocidentais, a es-cravidão fez com que essa subtração se realizasse por raízes especialmente grossas e fortes que, desde o subterrâneo, ainda hoje sustentam a nossa vegetação do poder. A falta de uma ruptura mais explícita com a escravidão, que vigorou informalmente por muito mais tempo, sem contradições ou enfrentamentos – à diferença do que se passava com outras nações ocidentais desde o início do século XIX –, contaminou e contamina esse que nos acostumamos a bem chamar de “Brasil profundo”. Para esse Brasil, há um espaço público que, todavia, é tímido e vigora apenas para certos bairros da cidade, em algumas localidades, em favor de poucos. Para todo o resto,

APRE

SENT

AÇÃO

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o espaço que se institui é aquele doméstico, privado. Ali, a lei não chega porque a ordem e a regra independem dela. Tudo, ali, tem índole paternal, familiar, costu-meira. A ninguém é dado intrometer-se nesse segundo ambiente. Instituem-se, desse modo, dois espaços. Um, do direito, claro, arejado, todavia pequeno; e outro, do não direito, escuro, inconfesso, porém massivo. Esse último, para a gente mais miúda e simples, cujo controle não seria possível de outro modo, senão a pau e ferro, visto que se trata de “povinho naturalmente indolente e improdutivo”.

Portanto, o que temos aqui é bem mais que seletividade. É, verdadeiramente, um espaço vazio de direito que não cabe preencher com leis, códigos, processos ou outros instrumentos publicísticos e iluminados. É a grande metade do “nada consta”, ou seja, daquele Brasil que não quer se rediscutir e que nega até mesmo sua existência. É esse segundo Brasil que diz não valer a pena revolver o passado, seja ele distante ou recente. É o Brasil daqueles que não querem a intervenção do Estado nas questões de gênero. É o Brasil que diz abominar o crack, mas que tanto celebra o descuidado, o estigma e o desprezo. É o Brasil das invasões militarescas e piro-técnicas das favelas e das periferias, sem mandados de prisão ou de busca. É tam-bém o Brasil das resistências seguidas de morte que não compensa investigar. São os dirigentes de instituições de recolhimento prisional que não dão entrevistas, não divulgam seus números nem admitem pesquisadores atrás de suas muralhas. Esse Brasil não tem como ser lido, senão por aquilo que dele não se diz nem se escreve ou publica. O único modo de encontrá-lo é pela eloquência de seu próprio silêncio.

Esse é o Brasil em que o Projeto Tecer Justiça esbarra. A sensibilidade dos pes-quisadores enxergou esse segundo Brasil dentro dos presídios, no grupo do lado de lá, interessado numa ideia irreal de segurança que, inversamente, sobrevive do plantio e do cultivo que ele mesmo pratica da insegurança, da truculência e da canalhice. O projeto esbarrou também nos interesses corporativos de promotores de justiça, juízes e defensores públicos. Encontrou portas fechadas e renitências burocráticas de toda or-dem; confrontou o sigilo de documentos escondidos ou desaparecidos e até – pasme--se! – o questionamento de sua capacidade postulatória. Ora, o que temos aqui não é apenas seletividade, mas alguma coisa ainda bem mais subterrânea, encorpada, gros-seira e cabal. Ao lado do direito, reinventamos, afinal, uma espécie de matéria escura.

São Paulo, maio de 2012.

Sérgio Mazina MartinsConselheiro do Instituto Brasileiro de Ciências Criminais

Membro da Associação Juízes para a Democracia Professor de Direito Penal na

Fundação Instituto de Ensino para Osasco (Unifieo)

APRE

SENT

AÇÃO

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Uma introdução para tecer justiça

O uso excessivo e arbitrário da prisão provisória, enquanto violação de di-reitos humanos, embora afete milhões de pessoas a cada ano, ao ser ignorado por formadores de políticas e aplicadores da lei, gera e aprofunda a pobreza, retarda o desenvolvimento econômico, dissemina doenças e abala o Estado Democrático de Direito. Presos provisórios podem perder seus empregos e residências; contrair e transmitir doenças; receber ofertas de corrupção para serem liberados ou obterem melhores condições de detenção; e sofrer tortura e danos físicos e psicológicos que podem perdurar para além de seu tempo de prisão.

Quanto mais próxima do momento da prisão, a defesa técnica pode ter um impacto positivo não somente para a pessoa assistida, mas também para a justiça criminal na fase processual em geral. Exemplos de várias partes do mundo revelam que intervenções próximas ao momento da prisão podem reduzir o uso da prisão provisória, melhorar o desempenho dos operadores do sistema de justiça criminal e provocar decisões mais racionais e efetivas, além de elevar o nível de responsabili-zação e respeito pelo Estado de Direito1.

As formas de funcionamento do aparato de controle social estatal têm pro-vocado o aumento exponencial do número de pessoas encarceradas, estejam elas aguardando sentença definitiva ou condenadas. A superlotação do sistema carce-rário, palco sistemático de violações aos direitos humanos, tem em grande parte o suporte de um grave problema de acesso à justiça: o uso excessivo da prisão provi-sória, foco também deste trabalho. Compreendendo acesso à justiça, nesse contexto, como acesso à efetivação dos direitos protegidos pelo Estado, falta a esses presos o direito a um julgamento justo, ou mesmo abandona-se uma garantia processual fundamental à presunção de inocência, já que, em muitos casos, o grande período em que permanecem custodiados acaba por resultar em um adiantamento de uma possível pena. Essa política de Estado agrava o quadro de insuficiência da estrutura do sistema de justiça criminal, que não consegue abrigar de forma adequada essas pessoas nem proporcionar uma atuação jurisdicional inteiramente atenta aos direi-tos dessa população. O desdobramento mais direto dessa opção estatal é a formação de espaços de tensão e violência dentro e fora das prisões.

1 Open Society Justice Initiative. Improving Pretrial Justice: the role of lawyers and paralegals. Pre-publication draft. New York: Open Society Foundations, pp. 5 e 13.

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A partir de 2009, o Instituto Open Society lançou uma Campanha Mundial por Justiça antes do Julgamento (Global Campaign for Pretrial Justice), com projetos iniciados em 2010 simultaneamente em vários países do mundo, especialmente na América Latina e África, com vistas a promover alternativas à prisão preventiva, ampliar o acesso à assistência jurídica, aumentar o número de defensores públicos atuando no momento da prisão e incentivar a alocação de recursos no desenvolvi-mento de políticas públicas voltadas a transformações na Justiça Penal. Na América Latina, vários países estão engajados em projetos similares, como Argentina, Peru, México, Uruguai e Colômbia. No Brasil, oito organizações realizaram diferentes projetos e formaram uma rede para estudar e propor políticas públicas para reduzir os impactos negativos da prisão provisória para a sociedade.

Assim, o Instituto Terra, Trabalho e Cidadania (ITTC) e a Pastoral Carcerária (PCr), com apoio da Open Society Foundations e por meio de termo de cooperação celebrado com a Defensoria Pública do Estado de São Paulo2, desenvolveram o Pro-jeto Tecer Justiça: repensando a prisão provisória, para o atendimento e a defe-sa técnica de presos(as) provisórios(as) recém-incluídos(as) no Centro de Detenção Provisória I de Pinheiros e na Penitenciária Feminina de Sant’Ana, no período de junho de 2010 a dezembro de 2011. Além do trabalho de intervenção, foi realizado o levantamento de informações sobre o perfil das pessoas atendidas e sobre os pro-cessos judiciais em que houve atuação dos advogados do projeto.

O presente documento traz os principais resultados dessa experiência. Na pri-meira parte do relatório, são apresentados os objetivos, o contexto, a metodologia, as atividades realizadas e os obstáculos concernentes ao projeto. A segunda parte contém os dados do levantamento realizado a partir dos questionários aplicados nas unidades prisionais e dos formulários de coleta de informações processuais. Em seguida, o relatório traz alguns casos considerados emblemáticos e que suscitam questões importantes para o debate. Ao final, apresentam-se as conclusões e reco-mendações a partir da experiência do projeto.

2 Termo de cooperação no 2/2010 – processo no 3430/2010, publicado no Diário Oficial do Estado de São Paulo em 12 de novembro de 2010.

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Objetivo geral

�� Contribuir para a melhoria das políticas públicas no âmbito da prisão pro-visória por meio da implantação pontual e da avaliação do modelo de aten-dimento in loco em duas unidades prisionais.

Objetivos específicos

�� Prestar assistência judiciária de maneira sistemática e contínua a presos provisórios em duas unidades prisionais, fornecendo orientação a respeito do funcionamento do sistema de justiça criminal e tomando as providên-cias para obtenção da liberdade.

�� Peticionar pela concessão da liberdade em todas as instâncias judiciais (Departamento Técnico de Inquéritos Policiais e Polícia Judiciária, varas criminais, Tribunal de Justiça, Superior Tribunal de Justiça e Supremo Tri-bunal Federal).

�� Identificar os casos em que houve violência policial ou tortura no momento da prisão e proceder às medidas cabíveis.

�� Melhorar as condições de vida da população provisoriamente presa por meio da realização de contato com familiares para solicitar alimentos, rou-pas, cobertores, material de higiene pessoal e demais itens necessários.

�� Identificar e acompanhar pessoas presas acometidas de transtorno mental ou usuárias de drogas, tomando as providências que o caso exigir.

�� Dar atenção especial aos pequenos furtos e outros crimes de menor gra-vidade, já que as particularidades dessa situação permitem prever maior chance de deferimento do pedido de liberdade.

�� Construir o perfil da população atendida (situação socioeconômica, fami-liar e de saúde).

�� Fornecer dados empíricos relativos à experiência do atendimento de modo a subsidiar o planejamento e a execução de políticas públicas.

�� Contribuir especialmente para o fortalecimento da Defensoria Pública do Esta-do, evidenciando a absoluta necessidade de mais defensores para a assistência de pessoas presas e, também, a necessidade de melhor utilização de recursos.

�� Produzir um relatório com análise dos dados e recomendações para o sis-tema de justiça criminal, em especial para a Defensoria Pública do Estado.

�� Promover um evento para apresentar ao público os resultados do trabalho e provocar um debate entre os atores do sistema de justiça criminal para que se busquem respostas para os problemas apontados pelo projeto.

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Contexto

O projeto partiu do diagnóstico de que o sistema penitenciário é incapaz de cumprir suas promessas: reduzir as taxas de criminalidade, promover um trata-mento humano e reintegrar harmonicamente os indivíduos à sociedade. Superpo-pulação carcerária, violência institucional e condições precárias de habitabilidade são alguns dos problemas que atingem homens e mulheres submetidos à privação de liberdade no país3. A esse cenário soma-se a percepção de que os órgãos encarre-gados da administração da justiça criminal não dão conta de garantir os direitos de pessoas provisoriamente presas.

No Estado de São Paulo, a defesa técnica de presos provisórios que não podem arcar com os honorários de um advogado – pobres na acepção jurídica do termo – é tarefa da Defensoria Pública do Estado. Desde 2007, a lei processual penal prevê a remessa dos autos de prisão em flagrante no prazo de 24 horas à Defensoria Pú-blica do Estado para que ela tome as providências cabíveis. O quadro reduzido de defensores destacados para atuar nessa área, lotados no Departamento Técnico de Inquéritos Policiais e Polícia Judiciária (Dipo), órgão judicial incumbido da função jurisdicional na fase pré-processual, é um significativo entrave para promover o acesso à justiça aos presos provisórios que lotam as prisões paulistas. À carência de defensores soma-se a postura adotada por juízes e promotores de justiça, que muito corriqueiramente sequer examinam a necessidade da custódia cautelar, mantendo presas pessoas que fariam jus à liberdade. Vale ainda destacar que essa prática é confirmada nas varas criminais singulares e nas instâncias superiores, banalizando--se o instituto da prisão provisória.

Muitas vezes, o primeiro contato entre defensor lotado na vara e acusado coin-cide com a realização da audiência de instrução, debates e julgamento, que pode vir a acontecer meses após a prisão. Não raro esse primeiro encontro é também o único, o que suscita questionamentos quanto à prestação de uma defesa técnica in-tegral. O fato de a pessoa responder ao processo privada de liberdade pode conduzir

3 Dados recentemente produzidos pelo Ministério da Justiça indicam que a população carcerária brasileira perfaz 494.237 pessoas e que a taxa de aprisionamento é de 258 presos por 100 mil habitantes. O Estado de São Paulo, que concentra 35% dos presos de todo o país, apresenta uma taxa de aprisionamento de 418 presos por 100 mil habitantes. No que concerne especificamente à prisão provisória, isto é, à condição das pessoas que respondem ao processo penal em privação de liberdade, dados do Estado de São Paulo apontam que 61.525 pessoas estavam presas provisoriamente em junho de 2010, das quais 57.099 eram homens e 4.426, mulheres. (Dados obtidos no site do Departamento Penitenciário Nacional do Ministério da Justiça: <www.mj.gov.br>. Acesso em: 31 out. 2010.).

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a entraves bastante significativos em termos da defesa, já que as possibilidades de produção de provas ficam prejudicadas.

Com o objetivo de contribuir para a construção de políticas públicas atentas aos direitos dos presos provisórios em São Paulo, o projeto pôs em prática uma nova estratégia para a oferta de assistência judiciária. O modelo de atendimento in loco adotado pelo projeto apresenta um grande diferencial em relação ao trabalho desen-volvido pela Defensoria Pública do Estado – o atendimento no âmbito do projeto era prestado pouco tempo após o ingresso na unidade prisional e consistia no contato direto do preso com a equipe jurídica (advogado e estagiários de direito).

O contato pessoal logo após a prisão possibilitava, por um lado, a orientação acerca da acusação imputada, do funcionamento do sistema de justiça criminal e dos possíveis desdobramentos do processo. Por outro lado, permitia que se verificassem as condições de saúde da pessoa presa, bem como se constatassem casos de agressão ou tortura decorrentes da ação policial. Além disso, as pessoas atendidas podiam fornecer informações para que a equipe do projeto entrasse em contato com seus familiares, que muitas vezes não tinham conhecimento da prisão. A intermediação promovida pela equipe viabilizava, em alguma medida, a obtenção de documentos para instruir pedidos jurídicos visando à liberdade e, ao mesmo tempo, ao acesso dos presos a itens de primeira necessidade4 que não são fornecidos pela administra-ção e têm que ser providenciados pelas famílias dos presos.

A escolha pelo Centro de Detenção Provisória I de Pinheiros, entre os 17 CDPs distribuídos na região metropolitana de São Paulo (Diadema, Guarulhos, Mauá, Mogi das Cruzes, Osasco, Santo André, São Bernardo do Campo, São Paulo e Suza-no), justifica-se por sua peculiaridade em receber presos das carceragens do centro da cidade de São Paulo, muitos dos quais se encontram em situação de rua e são usuários de crack. Embora a unidade tenha originalmente a função de receber presos provisórios, cerca de 700 pessoas estão ali cumprindo pena privativa de liberdade5. Trata-se de unidade em que a lotação é uma constante – chegou a abrigar mais de 1.700 presos6 –, ao passo que sua capacidade é de 520, tendo sido interditada durante o mês de dezembro de 2010, período em que foram interrompidas as inclusões e, por conseguinte, os atendimentos pelo projeto durante 15 dias.

A Penitenciária Feminina de Sant’Ana, por sua vez, possui capacidade para 2.400 mulheres, mas sua população atual é de aproximadamente 2.7007, das

4 O conjunto desses itens é conhecido como “jumbo”, que pode incluir roupas, artigos de higiene pessoal, produtos de limpeza, alimentos, chinelos, remédios etc.

5 Informação obtida em reunião com a direção do estabelecimento realizada em 21 de maio de 2010. 6 Dados de 25 de outubro de 2010, disponíveis em: <http://www.sap.sp.gov.br/>. Acesso em: 31 out. 2010.7 Dados de 25 de outubro de 2010, disponíveis em: <http://www.sap.sp.gov.br/>. Acesso em: 31 out. 2010.

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quais cerca de 840 são presas provisórias8, já que a unidade prisional funcionou, até fevereiro de 2011, como o grande centro de detenção provisória feminino da capital9. A escolha dessa unidade ocorreu em razão da concentração das prisões provisórias na unidade, da superlotação, de preocupações institucionais com o aumento do aprisionamento da mulher e de questões específicas de gênero.

O projeto voltou-se, assim, para unidades que concentram populações de maior fragilidade social. Porém, como as condições estruturais das duas unidades são bas-tante diferentes, as metodologias de trabalho tiveram que ser adaptadas de acordo com o estabelecimento prisional.

8 Informação obtida em reunião com a direção do estabelecimento realizada em 11 de junho de 2010.9 Em fevereiro de 2011, a inclusão automática de mulheres presas provisoriamente passou a ocorrer na unidade de Franco da Rocha.

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Metodologia

Fase 1 (de junho de 2010 a julho de 2011)

�� Contratação de equipe: coordenação de projeto e coordenação de pesquisa, quatro advogados(as), oito estagiários(as) de Direito e uma estagiária de Administração com jornada semanal de 25 horas (5h/dia)10.

�� Treinamento e capacitação da equipe, com participação de advogados, de-fensores públicos e outros especialistas atuantes na área.

�� Reuniões institucionais com representantes da Defensoria Pública do Es-tado, com representantes da Secretaria da Administração Penitenciária e com os diretores dos estabelecimentos prisionais para a viabilização do projeto.

�� Atendimento sistemático in loco no CDP I de Pinheiros e na Penitenciária Feminina de Sant’Ana entre agosto de 2010 e maio de 2011.

�� Realização de contato com familiares e obtenção de documentos para ins-truir os pedidos.

�� Apresentação de pedidos visando à liberdade (relaxamento de flagrante, liberdade provisória e habeas corpus) e acompanhamento dos pedidos re-alizados no Dipo, nas varas criminais, no Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo, no Superior Tribunal de Justiça e no Supremo Tribunal Federal.

�� Acompanhamento das pessoas liberadas.�� Elaboração e aplicação de questionário para levantamento do perfil, cons-

trução e alimentação do banco de dados.�� Desenho do plano amostral, elaboração e aplicação de formulário para cole-

ta de informações processuais, construção e alimentação do banco de dados.�� Elaboração de relatórios parciais de atividades.

10 Na primeira fase, o projeto também contou com voluntários.

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Fase 2 (de julho de 2011 a janeiro de 2012)

�� Redimensionamento da equipe: coordenação de projeto e coordenação de pesquisa, dois advogados(as), três estagiários(as) de Direito e dois estagiários(as) de Ciências Sociais11.

�� Acompanhamento dos pedidos realizados no Dipo, nas varas criminais, no Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo, no Superior Tribunal de Justiça e no Supremo Tribunal Federal.

�� Acompanhamento das pessoas liberadas.�� Aplicação de formulário para coleta de informações processuais, alimenta-

ção e processamentos dos bancos de dados.�� Realização de entrevistas com atores do sistema de justiça criminal.�� Realização de evento, em 5 de dezembro de 2011, para debater os resulta-

dos do projeto.�� Consolidação dos resultados e elaboração de relatório final de atividades.

Atividades realizadas

�� 1.537 pessoas acessadas pelo projeto�� 1.161 questionários aplicados�� 1.104 pedidos jurídicos realizados�� 440 processos consultados para fins de levantamento de dados relativos à

atuação

Obstáculos

É certo que muitos dos entraves e obstáculos enfrentados durante a execução do projeto têm relação com o lócus de nossa atuação, ou seja, a proposta de atuar junto a estruturas burocráticas, cuja organização se caracteriza pelo regramento, por processos e procedimentos regulares e hierárquicos, agravados pela questão da segurança como diretriz. Não havia ingenuidade quando da propositura do projeto, inclusive diversos passos foram dados nesse sentido anteriores à consecução do acordo com a OSF, prevendo dificuldades e buscando minimizar riscos. Mas é cer-to também que não esperávamos tantas ocorrências fortuitas ao longo do projeto,

11 Na segunda fase, o projeto também contou com estagiários voluntários.

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dificuldades de articulação com os parceiros e que causaríamos desconforto e irrita-bilidade tanto no âmbito jurídico como no sistema de segurança.

Com essas premissas explícitas, apresentam-se algumas das ocorrências enfren-tadas pelas instituições executoras e pelas equipes do projeto durante sua implantação.

Relação com a Defensoria Pública do Estado

Inicialmente, estabeleceu-se com a Defensoria Pública do Estado de São Paulo um termo de cooperação; sua assinatura demorou e algumas dificuldades enfren-tadas para a execução do projeto decorreram dessa demora. Entretanto, o referido acordo não logrou solucionar os problemas e trouxe tarefas para a equipe, como a exigência de formulários e de relatórios mensais detalhados. No início do atendi-mento nas unidades, a falta da formalização da cooperação foi contornada por um acordo informal com o grupo de defensores que atua no Dipo. O principal entrave dizia respeito à obtenção de cópias dos inquéritos policiais, especialmente dos casos de presos no CDP I de Pinheiros. Como anteriormente afirmado, a Defensoria rece-be cópias de todos os autos de prisão em flagrante, e, para identificar aqueles que se referiam aos potenciais atendidos pelo projeto, seria preciso fazer uma triagem ma-nual de acordo com o distrito policial de origem. Todavia, a Defensoria não contava com funcionários que pudessem executar essa tarefa, assim como a equipe do proje-to. Em muitas ocasiões, a falta de acesso aos inquéritos policiais implicou atraso ou impossibilidade do atendimento jurídico a esses homens presos. Acreditava-se que, com a formalização do termo de cooperação, seria possível que a equipe do projeto obtivesse uma senha para acessar o sistema que contém os dados necessários para instruir os pedidos, em substituição às cópias dos inquéritos policiais, mas esse recurso não se concretizou.

Outra dificuldade enfrentada é atinente às prerrogativas da assistência judici-ária. Tendo em vista que a equipe exerceu a defesa técnica de pessoas que não po-diam arcar com as despesas referentes à contratação de um advogado sem prejuízo de seu sustento, considerou-se importante que lhe fossem concedidas as mesmas prerrogativas que são garantidas à Defensoria Pública e às entidades prestadoras de assistência judiciária gratuita.

Assim, foi firmado um acordo para a isenção de taxas nas pesquisas realiza-das no distribuidor do Foro Central Criminal da Barra Funda, que fornece dados imprescindíveis para o protocolo das petições. Cada pesquisa nominal acarretaria o custo de R$8,00 (oito reais) ao projeto, mas houve a concessão da isenção mediante pedido ao juiz corregedor do Foro da Barra Funda, e esse obstáculo foi superado, graças também à intervenção da Defensoria Pública do Estado.

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Outro ponto delicado da relação com a Defensoria Pública refere-se à dupli-cidade de atuação. Quando teve início o atendimento na Penitenciária Feminina de Sant’Ana, eram frequentes as situações em que mulheres eram presas com homens. Por força do acordo firmado com a Defensoria Pública, esses casos vinham sendo assumidos pela equipe do projeto. Entretanto, em várias ocasiões, ao postular o pe-dido de liberdade, percebia-se que já havia representação nos autos por um defensor público, o que impedia, logicamente, a atuação da equipe, apesar de todo o esforço para a elaboração da peça e para a obtenção de documentos. Assim, nos casos em que mulheres eram presas com homens, para evitar a duplicidade da atuação, con-vencionou-se que a Defensoria iria ficar incumbida desses casos.

Contudo, ainda assim, houve situações em que isso não ocorreu, o que poderia acarretar a inexistência de defesa. As equipes atuantes na Penitenciária Feminina de Sant’Ana procuraram, diante desse fato, monitorar esses casos, e, na hipótese de o defensor público não ter assumido a defesa, a equipe do projeto informou a Defenso-ria e tomou providência jurídica cabível para postular a liberdade daquelas pessoas.

A duplicidade de atuação ocorreu com mais frequência quando a prisão acon-tecia no final de semana (de sexta-feira a domingo) e os defensores do plantão – que não necessariamente eram os que atuavam no Dipo e tinham conhecimento do proje-to – faziam os pedidos de liberdade. Esse problema também ocorreu em relação aos advogados constituídos, pois, muitas vezes, as pessoas que foram atendidas na unida-de prisional manifestaram não ter defensor constituído quando, na realidade, tinham porque, usualmente, a família contratara, não raro em prejuízo do próprio sustento.

Vale destacar, ainda, que a equipe do projeto encontrou resistência de alguns defensores públicos em colaborar com os trabalhos. Um fator que contribuiu para que esses problemas não fossem solucionados foi a substituição da pessoa responsá-vel pela gestão do projeto junto à Defensoria Pública do Estado. A pessoa encarre-gada dessa função, anteriormente, havia participado do projeto desde sua elaboração e tinha atuação decisiva nesses momentos. Outra razão de incompreensão deu-se em virtude de o convênio ter-se realizado no âmbito da Defensoria Geral, e este não foi repassado aos defensores que assumiram o Dipo após as primeiras negociações.

Além disso, apesar da formalização da parceria com a Defensoria Pública, o Ministério Público do Estado de São Paulo, por meio de aviso publicado pela Procu-radoria Geral de Justiça, recomendou aos promotores de justiça o questionamento da capacidade postulatória da equipe do projeto, atitude que, se não impediu, retardou a apreciação dos pedidos judiciais que visavam à obtenção da liberdade.

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A estrutura física das unidades prisionais e as possibilidades de atendimento

Na Penitenciária Feminina de Sant’Ana, o atendimento foi feito em dois espa-ços: na galeria alta e no regime de observação (RO), para onde eram levadas presas recém-chegadas à unidade. A galeria alta oferecia uma estrutura suficiente para o atendimento: uma sala comprida dividida por baias em que se encontravam mesas e cadeiras adequadas para o preenchimento dos documentos e para a entrevista. O sigilo que caracteriza as informações trocadas entre advogado e cliente pôde aí ser assegurado, bem como eventuais denúncias de violência e maus-tratos. Além disso, a aplicação do questionário foi facilitada por esse ambiente em que não havia outros interlocutores que não fossem o entrevistador e a entrevistada. Já no RO, a situação foi muito diferente: tratava-se de uma galeria que dava acesso às celas, sem que houvesse um local adequado para o atendimento. A conversa entre os integrantes do projeto e a presa ocorreu, em boa parte do período de atendimento, na mesa de trabalho da agente de segurança, sem que houvesse condições de privacidade, o que dificultava a abordagem de algumas questões mais delicadas, como violência policial e uso de drogas. Posteriormente, foi disponibilizada uma cela vazia da ala do regime de observação antes usada como sala de televisão, o que propiciou mais privacidade para o atendimento.

Com exceção desses percalços, o trabalho se desenvolveu a contento na Peni-tenciária Feminina de Sant’Ana. Após uma reunião com a diretoria do estabeleci-mento e em virtude da colaboração do corpo funcional, quase sempre foi possível acessar os prontuários das presas e as cópias dos inquéritos policiais, documentos essenciais para o pedido judicial.

Entretanto, o atendimento na PFS foi interrompido antes do prazo previsto. Em fevereiro de 2011, o telhado de um dos pavilhões desabou devido a fortes chuvas. Para que fossem realizadas obras de reparo do telhado, o pavilhão foi temporariamente de-sativado, e as presas que ali estavam foram realocadas para outras áreas, provocando o adensamento do número de presas por cela. Assim, houve a interrupção da inclusão automática na PFS, e as mulheres presas passaram a ser levadas para a unidade prisio-nal de Franco da Rocha. O atendimento foi interrompido, e toda a equipe, de advoga-dos e estagiários, passou a se dedicar exclusivamente à unidade masculina.

O trabalho no Centro de Detenção Provisória I de Pinheiros (CDP I), por seu turno, esteve repleto de problemas de várias naturezas. Em primeiro lugar, destaca-se a preca-riedade da estrutura física do CDP I. Como já mencionado, a superlotação da unidade é

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um fator de tensão para o trabalho – os presos obviamente sofrem com essa situação, e o sistema de segurança era recorrentemente utilizado como argumento para justificar a impossibilidade de atendimento ou os atrasos na condução dos presos para atendimento.

Aqui se manifestam duas visões de gestão em permanente conflito no trato da pessoa privada de liberdade. Uma focada no modelo de gestão de riscos, preocupada em afirmar a segurança e a disciplina em desfavor da afirmação de direitos funda-mentais; outra voltada à afirmação dos direitos em relação tensa com as demandas por manutenção da ordem e da segurança. O modelo de gestão de riscos aponta para o bom funcionamento do sistema, neutralização de potenciais perturbadores da ordem e distribuição de tarefas. Qualquer movimento tendente a abalar essa ordem preestabelecida será percebido como ameaça às posições e aos papéis previamente assumidos. Já o modelo de afirmação dos direitos fundamentais, esses não somente prevalecem sobre quaisquer outros objetivos como também os demais são pensados a partir deles. Assim, a segurança e a disciplina estão condicionadas a garantir que não haverá violações a direitos fundamentais.

Embora nem sempre fique claro em que medida a garantia de direitos coloca em risco a segurança interna do estabelecimento, o argumento da segurança, aos olhos dos gestores, parece justificar-se por si mesmo sem exigência de comprovação de sua necessidade.

Para o atendimento dos presos no CDP I, normalmente, os advogados dos presos utilizam o parlatório, onde se formam longas e demoradas filas. No entanto, tendo em vista a necessidade de uma metodologia de atendimento que contemplasse o maior número possível de pessoas, o parlatório mostrou-se inadequado. Assim, não havia um espaço destinado ao atendimento jurídico dos presos: os profissionais do projeto permaneciam na mesma sala que o diretor de disciplina ocupava, o que implicava os mesmos entraves descritos em relação à PFS, isto é, não havia possibilidade de confidencialidade das informações. Depois de um período de atendimento, a direção disponibilizou uma pequena sala, até então usada como depósito, ao lado da sala do diretor de disciplina para a realização do atendimento. Contudo, a sala não oferecia espaço suficiente para que duas pessoas fizessem o atendimento simultâneo de dois presos – o que, dada a expressiva quantidade de presos que chegavam à unidade todos os dias, mostrava-se premente, porém inviável. Em conversa com a direção do estabe-lecimento procurou-se contornar esse problema.

A única opção que se mostrou possível foi o atendimento na chamada “gaiola”, que é uma cela localizada entre o prédio da administração e os raios onde vivem os presos, na qual eles aguardam intimações judiciais, correspondências etc. Todavia, a “gaiola” contava quase sempre com um número excessivo de presos, o que também dificultava a conversa e a aplicação do questionário. O atendimento na “gaiola” per-

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mitia alguma proximidade da equipe com os presos das celas do seguro, que passaram a chamar integrantes da equipe para apresentar problemas e fazer solicitações, o que gerou insatisfação nos agentes de segurança e, por conseguinte, adicionou ainda mais tensão a uma relação bastante delicada.

Outro fator que dificultou o trabalho no CDP I foi a falta de acesso aos docu-mentos relativos à prisão do preso, como prontuários e inquéritos policiais. A uni-dade alegava não ter recursos materiais para fornecer as cópias desses documentos, e a Defensoria teve dificuldades para fornecê-los, como comentado anteriormente. A saída para esse problema foi recorrer às consultas no próprio cartório, o que gerava atrasos indesejáveis aos pedidos de liberdade.

Muitas vezes, por conta da demora na condução dos presos para atendimento, o pedido de liberdade era feito sem que houvesse previamente a conversa com o preso; contava-se apenas com o prontuário e/ou com o inquérito policial. Isso teve reflexos no atendimento – uma demanda urgente do preso, como um problema de saúde ou a necessidade de contato com a família, escapava ao conhecimento da equipe – e na pesquisa, já que a aplicação do questionário se dava em momento posterior ou era até mesmo inviabilizada.

Outro obstáculo foram as diversas blitze realizadas pelo Grupo de Intervenção Rápida (GIR) da Secretaria da Administração Penitenciária, que objetivavam a re-vista minuciosa das celas em busca de celulares, armas e outros itens proibidos. Nos dias em que ocorreram essas vistorias, a direção não autorizou a entrada da equipe do projeto na unidade.

Todos esses fatores, aliados ao significativo número de pessoas que adentra-vam no CDP I toda semana (entre 35 e 40 pessoas), prejudicaram a plena execução do plano de trabalho inicial, que previa o atendimento de todos os presos que não possuíssem condições de obter defesa própria. Diante dessa dificuldade, a equipe propôs uma seleção que contemplasse três grandes grupos de crimes (drogas, cri-mes cometidos com violência ou grave ameaça e crimes cometidos sem violência ou grave ameaça).

Por fim, vale destacar que as diferenças no tratamento dispensado pelas direções das duas unidades prisionais à equipe do projeto deveram-se a uma gama de fatores, inclusive os acima descritos, acrescidos de uma questão relacionada a parcerias ante-riormente trabalhadas entre as instituições executoras do projeto e a direção da PFS. Já havia uma relação de confiança e colaboração entre a PFS e as duas entidades, o ITTC e a Pastoral Carcerária. Em muitas ocasiões, o fato de a equipe do projeto apre-sentar para os gestores do CDP I problemas ou reivindicações atrelados às condições de vida dos presos era interpretado pela direção como uma atitude que extrapolava as tarefas “estritamente jurídicas” e de interferência na gestão da unidade.

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Além disso, é forte o modelo de gestão de riscos e preservação da segurança. Nessa concepção, a função da defesa técnica deve restringir-se à atuação processual, e o “bem-estar” dos presos estará a cargo dos operadores do sistema penitenciário. Num modelo de afirmação de direitos fundamentais, todos partilham da mesma obrigação de garantir e proteger os direitos individuais, e as demais tarefas somente terão sentido se antes forem preservados aqueles. Do mesmo modo, as exigências de segurança e disciplina estarão em função das garantias fundamentais, de tal forma que essas jamais poderão ser sacrificadas em favor daquelas.

Desequilíbrio entre demanda e recursos humanos e materiais

O plano de trabalho originalmente apresentado foi audacioso e extremamente ousado, mas subestimou a demanda real e os obstáculos com que se deparou a equi-pe do projeto. O tamanho da equipe de trabalho (quatro advogados e oito estagiá-rios) mostrou-se insuficiente para a condução de todas as atividades programadas e o atendimento de todos aqueles que adentravam nas unidades prisionais. A equipe se encarregava, em sua rotina de trabalho, de realizar o atendimento direto nas unidades prisionais, o contato com familiares para pedir documentos e para prestar informações, o exame dos casos e a elaboração das peças, o acompanhamento dos pedidos etc., além do apoio à pesquisa. É preciso destacar que a proposta de tra-balho consistia na oferta de uma assistência diferenciada, que não se confundisse com uma “linha de produção” de pedidos de liberdade provisória, relaxamentos de flagrantes e habeas corpus. Um serviço de qualidade exige reflexão, estudo e aprimoramento das teses jurídicas, e esse trabalho intelectual, assim como prazos e atendimentos, foi muitas vezes prejudicado pela pressão da demanda de trabalho que se avolumou ao longo do projeto, além da equipe insuficiente. Todavia, o grande número de pessoas atendidas e de pedidos judiciais demonstram que, a despeito des-sas dificuldades, o projeto foi profícuo na consolidação de informações que podem contribuir para a construção de políticas públicas em todos os níveis do sistema de justiça criminal.

Acesso às informações

Como dito anteriormente, houve dificuldades para o acesso aos prontuários e inquéritos policiais; além disso, houve problemas para realizar o acompanhamento dos processos de forma adequada. Uma ferramenta muito importante para conhecer o andamento dos processos é o site do Tribunal de Justiça de São Paulo. Porém, constatou-se que há falhas na atualização e que muitas informações não estão se-quer ali registradas. Esse fato dificultou, por conseguinte, o acompanhamento dos pedidos pela internet e a realização de consulta a processos previstos no plano de

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pesquisa. A alternativa para contornar essa questão foi a consulta ao banco de dados da Defensoria Pública do Estado. Contudo, tratava-se de um arranjo precário, que dependia da disponibilidade de funcionários da Defensoria.

Outro desafio para o projeto, no que diz respeito à pesquisa, consistiu na de-mora da direção do CDP I em fornecer os dados solicitados referentes aos presos provisórios do período imediatamente anterior ao da pesquisa. Durante a realiza-ção do atendimento na unidade, a relação entre a equipe do projeto e a direção do CDP I foi marcada por momentos de tensão, o que levou a coordenação de pesqui-sa a evitar tensionar a situação por meio de nova demanda. Assim, aguardou-se a manifestação da direção, que só forneceu uma resposta negativa à solicitação quando a fase de atendimento já se estava encerrando. Não havendo alternativa, procedeu-se ao pedido por autorização judicial para a consulta dos dados, que foi ao final concedida, mas sem que houvesse tempo hábil para a coleta e o uso das informações processuais.

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Resultados do survey: perfil da população provisória

O Projeto Tecer Justiça promoveu a prestação de serviços de assistência jurídica a pessoas presas em flagrante e recém-incluídas no Centro de Detenção Pro-visória I de Pinheiros e na Penitenciária Feminina de Sant’Ana. Paralelamente ao trabalho de intervenção, realizou-se o levantamento de informações para conhecer a população atendida. Esses dados foram acessados por meio de questionário aplicado no momento do atendimento nas unidades prisionais pela equipe do projeto (ver do-cumento anexo: “Questionário para aplicação nas unidades prisionais”).

Antes da aplicação do questionário, a equipe procedia à explicação sobre a finalidade da pesquisa e a confidencialidade das informações, sendo assinado então um termo de consentimento (ver documento anexo: “Termo de consentimento”). Na avaliação da equipe que atuou nas unidades prisionais, o questionário constituiu um importante instrumento/elemento de aproximação em relação à pessoa entrevistada e, portanto, de facilitação do atendimento, já que muitas vezes a conversa trazia à tona situações difíceis vivenciadas pelo(a) preso(a). É preciso registrar que, na entrevista, encontraram-se pessoas muitas vezes sob o choque da prisão, outras ner-vosas, outras tristes ou assustadas, já que se tratava de um momento muito próximo da ocorrência da prisão.

As questões aplicadas estão divididas em quatro blocos principais, de acordo com as finalidades da pesquisa:

1. Perfil socioeconômico: sexo, idade, nacionalidade, naturalidade, estado ci-vil, ocupação/profissão e situação de trabalho, renda, escolaridade, local de residência/situação de rua, cor, orientação sexual e filhos.

2. Momento da prisão: data, hora e local da prisão, quem efetuou a prisão, DP de origem, ciência da acusação imputada e violência policial.

3. Relação com a polícia e com os demais órgãos do sistema de justiça: exis-tência de abordagem ou agressão policial anteriormente à prisão, cumpri-mento de pena de prisão ou restritiva de direitos, processo criminal em andamento e cumprimento de medida socioeducativa.

4. Saúde: problemas de saúde e tratamento, uso de drogas no passado, no pre-sente e tratamento, gravidez e acompanhamento médico.

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Uma vez elaborado o questionário12, procedeu-se à construção do banco de dados e à sua alimentação. Os resultados do processamento final do banco de dados encontram-se a seguir.

É importante ressaltar que nem todas as pessoas entrevistadas nas unidades prisionais receberam assistência judiciária, ou seja, não tiveram pedidos de liberda-de formulados pelo projeto. Da mesma forma, embora houvesse a exigência metodo-lógica de aplicação de questionários ao menos a todas as pessoas em relação às quais se realizou pedido de liberdade, diante das dificuldades enfrentadas e relatadas an-teriormente, especialmente no Centro de Detenção Provisória I de Pinheiros, isso não foi possível. Os resultados estão dispostos de acordo com sexo e atendimento pelo projeto (atendidos e não atendidos). A categoria “Atendidos” engloba as pessoas em relação às quais houve pedidos jurídicos com vistas à liberdade. Os “Não aten-didos” são aqueles que foram acessados pelo projeto – foram entrevistados e rece-beram orientação jurídica –, mas que não tiveram pedidos de liberdade em seu favor formulados pela equipe do projeto, em geral porque já tinham advogado constituído.

Para fins da pesquisa, foram processados 1.161 questionários, com a seguinte distribuição:

Tabela 1. Questionários aplicados

Questionários aplicados Atendidos Não atendidos Total

CDP I de Pinheiros 371 134 505

Pen. Fem. Sant’Ana 374 282 656

Total 745 416 1.161

Tabela 2. Questionários aplicados por sexo

Questionários aplicados por sexo %

Homens 43,5

mulheres 56,5

Total 100,0

Fonte: ITTC/Pastoral Carcerária

12 Apesar de o ITTC não ter como missão a pesquisa, essa é uma preocupação desde sua fundação e tem sido usada como instrumento complementar de atuação em todos os seus projetos. Nesse sentido, o questionário utilizado desde a pesquisa realizada pelo grupo Cidadania nos Presídios e aprimorado pelas equipes de intervenção do ITTC nesses últimos 10 anos de trabalho em presídios foi a base para a organização do questionário do Projeto Tecer Justiça. Os dados e definições dos itens de pesquisa estão embasados nas ca-tegorias do IBGE para estabelecer possibilidade de comparação com as estatísticas nacionais. Além disso, foi preocupação da equipe sua aproximação com outros questionários aplicados pelos demais parceiros do OSI no Brasil, de forma a facilitar comparações.

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Tabela 3. Faixa de idade (%)

Faixa de idadePopulação atendida População não atendida

Homens Mulheres Homens Mulheres

18 a 25 anos 44,8 42,9 53,5 37,9

26 a 30 anos 19,6 20,8 15,5 19,3

31 a 35 anos 16,7 14,6 13,2 13,2

36 a 40 anos 9,4 10,0 10,1 11,4

41 a 45 anos 5,8 5,9 2,3 8,2

46 a 50 anos 2,2 4,0 1,6 4,6

Acima de 50 anos 1,7 1,9 3,9 5,4

Total 100,0 100,0 100,0 100,0Fonte: ITTC/Pastoral Carcerária

O dado relativo à idade dos entrevistados revela uma população muito jovem, havendo uma grande concentração na faixa que vai dos 18 aos 30 anos de idade – 66,8% dos homens e 60,5% das mulheres, considerando atendidos e não atendidos.

Quanto ao país de nascimento, poucos foram os estrangeiros: entre os ho-mens atendidos que responderam ao questionário, há apenas um caso e entre os não atendidos, nenhum. Das 24 (3,7%) mulheres estrangeiras entrevistadas, seis foram atendidas pelo projeto.

Tabela 4. Região de nascimento (Brasil) (%)

Região de nascimento (Brasil)População atendida População não atendida

Homens Mulheres Homens Mulheres

Sul 4,2 1,7 3,9 1,9

Sudeste 69,0 83,7 68,0 81,3

Centro-Oeste 1,7 1,7 1,6 0,0

Nordeste 24,6 12,2 25,0 15,2

Norte 0,5 0,8 1,6 1,6

Total 100,0 100,0 100,0 100,0

Tabela 5. Estado de nascimento (Brasil) (%)

Estado de nascimentoPopulação atendida População não atendida

Homens Mulheres Homens Mulheres

São Paulo 62,4 78,2 62,5 76,9

Outros Estados 37,6 21,8 37,5 23,1

Total 100,0 100,0 100,0 100,0

Fonte: ITTC/Pastoral Carcerária

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Tabela 6. Naturalidade (Estado de São Paulo) (%)

Naturalidade (SP)População atendida População não atendida

Homens Mulheres Homens Mulheres

Capital 65,9 78,2 73,8 84,0

Outros municípios da RmSP 21,2 13,0 12,5 9,0

Outros municípios do Estado de São Paulo

12,9 8,8 13,7 7,0

Total 100,0 100,0 100.0 100,0Fonte: ITTC/Pastoral Carcerária

Em relação ao local de nascimento, tanto para os homens quanto para as mu-lheres, as regiões Sudeste e Nordeste foram as mais representativas, com uma pre-valência expressiva da primeira. São Paulo foi o Estado de origem mais mencionado e sua capital foi a naturalidade mais apontada (69,9% dos homens e 81,1% das mu-lheres), sendo a grande maioria natural de algum município da região metropolitana de São Paulo, incluindo a Capital.

Considerando a totalidade de homens entrevistados, mais de 80% declararam residir no município de São Paulo e 15,5%, em algum outro município da região metropolitana. Dos residentes em São Paulo, um pouco menos da metade (44,8%) afirmou residir na região central da cidade, seguido nas respostas da zona leste (19,4%). Em se tratando das mulheres atendidas e não atendidas, 87,4% declararam residir na cidade de São Paulo e outros 9,9%, na região metropolitana. As residentes em São Paulo concentram-se na zona leste (37,5%), seguida das zonas sul (24,4%) e norte (18,8%).

Tabela 7. Cor ou raça (%)

Cor ou raçaPopulação atendida População não atendida

Homens Mulheres Homens Mulheres

Branca 29,6 30,9 25,8 37,1

Parda 34,5 45,9 39,1 39,3

Preta 15,5 12,6 15,6 12,9

Amarela 1,1 0,5 3,9 1,1

Indígena 1,9 1,4 2,3 2,2

Nenhuma das citadas 15,2 8,7 11,7 5,5

Não sabe 2,2 0,8 1,6 1,8

Total 100,0 100,0 100,0 100,0Fonte: ITTC/Pastoral Carcerária

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Para o registro da cor ou raça, optou-se por usar a classificação do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) para possibilitar a comparação da po-pulação entrevistada com a população geral. Ao longo da aplicação do questionário, foi possível verificar que as características fenotípicas não são determinantes para a identificação com uma cor ou outra e, ainda, que a questão racial extrapola as cate-gorias utilizadas tradicionalmente. Muitas pessoas relutavam ou se recusavam a se identificarem como “pretas”, já que diziam preferir o termo “negro(a)”. Da mesma forma, os entrevistados não se identificavam com a categoria “pardo(a)”, preferindo “moreno(a)”. É o que explica a quantidade elevada de respostas na categoria “ne-nhuma das citadas”.

Tabela 8. Cor ou raça em comparação com PNAD1 (%)

População atendida População não atendida PNAD Brasil PNAD Sudeste

Branca 35,0 38,4 54,0 64,0

Parda 46,3 44,0 39,9 28,4

Preta 15,9 14,0 5,4 6,7

Amarela 1,0 2,2 0,5 0,8

Indígena 1,9 1,5 0,2 0,1

Total 100,0 100,0 100,0 100,0

1 Dados disponíveis em: <http://www.ibge.gov.br/home/estatistica/populacao/condicaodevida/indicadoresminimos/tabela1.shtm>. Acesso em: 27 dez. 2011.

Fonte: ITTC/Pastoral Carcerária e Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios 1999

Nota-se que, em comparação com a população do Sudeste, há uma evidente sobrerrepresentação das categorias parda e preta entre os entrevistados, especial-mente em relação à segunda, o que corrobora a percepção da seletividade do sistema criminal, incluindo-se aí o aparato policial, responsável pela abordagem. Foram excluídos os casos sem resposta (entre 13,45 % dos atendidos e 10,3% dos não aten-didos), pois é dessa maneira que o dado da PNAD é apresentado.

A pergunta sobre a orientação sexual dos entrevistados em algumas ocasiões ficou prejudicada, em razão da falta de privacidade ou da presença de funcionários da unidade prisional no momento da aplicação do questionário. Considerando as respostas válidas, declararam ser heterossexuais 96,1% dos homens e 91,0% das mulheres, ao passo que homossexuais perfazem 2,1% e 7,6%, respectivamente.

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Tabela 9. Estado civil (%)

Estado civilPopulação atendida População não atendida

Homens Mulheres Homens Mulheres

Solteiro(a) 55,3 56,8 51,2 55,5

Casado(a) 6,6 2,9 6,2 11,4

Tem companheiro(a) 32,6 33,0 37,2 24,2

Separado(a) ou divorciado(a) 5,5 4,8 4,7 6,4

Viúvo(a) 0,0 2,4 0,8 2,5

Total 100,0 100,0 100,0 100,0Fonte: ITTC/Pastoral Carcerária

Os dados sobre estado civil apontam a presença majoritária de solteiros e, nos casos em que há situação de conjugalidade, a opção por não formalizá-la, sendo sig-nificativa a diferença entre o número de pessoas que declararam ter companheiro(a) e as casadas.

Tabela 10. Filhos (%)

FilhosPopulação atendida População não atendida

Homens Mulheres Homens Mulheres

Não 47,0 18,9 48,9 22,1

Sim 53,0 81,2 51,1 77,9

Total 100,0 100,0 100,0 100,0

Tabela 11. Número de filhos (%)

Número de filhosPopulação atendida População não atendida

Homens Mulheres Homens Mulheres

Um 41,2 34,7 42,2 29,8

Dois 33,3 22,6 34,4 28,4

Três 12,4 17,5 12,5 18,8

Quatro 4,5 11,1 6,3 9,6

Cinco ou mais 8,5 14,1 4,7 13,3

Total 100,0 100,0 100,0 100,0

Fonte: ITTC/Pastoral Carcerária

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Tabela 12. Filhos e coabitação (%)

Filhos e coabitaçãoPopulação atendida População não atendida

Homens Mulheres Homens Mulheres

Não 76,3 43,8 69,5 29,0

Sim 23,7 56,2 30,5 71,0

Total 100,0 100,0 100,0 100,0Fonte: ITTC/Pastoral Carcerária

Mais da metade (52,1%) dos homens entrevistados relatou ter filhos, sendo que três quartos deles (75,6%) têm um filho ou dois. É bastante expressivo o número de homens que, apesar de terem filhos, não moram com eles (72,9%). Esses dados ganham ainda mais relevância quando comparados com as informações sobre as mulheres: 80,0% têm filhos, sendo que 57,8% dessas mulheres têm um filho ou dois e moram com eles em 63,6% dos casos – ou seja, a coabitação aumenta mais de duas vezes em relação aos homens que são pais.

Tabela 13. Situação de rua (%)

Situação de ruaPopulação atendida População não atendida

Homens Mulheres Homens Mulheres

Não 68,2 86,5 86,2 95,6

Sim 31,8 13,5 13,8 4,4

Total 100,0 100,0 100,0 100,0Fonte: ITTC/Pastoral Carcerária

A tabela acima evidencia a grande quantidade de homens em situação de rua atendidos pelo projeto. Havia uma expectativa de que esse dado seria relevante, em razão da escolha do CDP I de Pinheiros, mas não se esperava tamanha representati-vidade. É certa a seletividade com que age o aparato de repressão estatal em relação a diversos segmentos13 (homens, jovens, pobres e negros), inclusive a esse segmento, co-mumente alijado do acesso a direitos e sujeito a outras práticas perniciosas do governo municipal, como o fechamento sistemático dos albergues na região central da cidade.

Considerando as pessoas em situação de rua entrevistadas que se encontravam na cidade de São Paulo, a grande maioria dos homens mora nas ruas da região cen-tral (91,1%) enquanto as mulheres se dividem entre o centro (39,0%) e a região leste (25,4%) da cidade, o que se explica pelo fato de o CDP I de Pinheiros receber presos das carceragens da região central. Tendo em conta o acesso à rede de serviços para

13 De outra forma, a pesquisa organizada pelo NEV/USP apresenta as mesmas questões: Porém, políticas penais e de segurança pública acabam sempre por ter como alvo privilegiado as camadas populares, sobretudo jovens, como os dados desta pesquisa mostram. Está cada vez mais claro que, se o tráfico surge como oportunidade de renda, que de outra maneira dificilmente seria conseguida, seu combate passa pela garantia dos direitos econômicos do indivíduo e pela distribuição da riqueza. (p.115).

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essa população, quase metade dos homens (48,0%) e 26,3% das mulheres em situa-ção de rua já frequentaram albergue e não frequentam mais. Menos de um terço dos homens (30,4%) e 63,2% das mulheres nunca frequentaram albergue.

Entre 2008 e 2010, mais de mil vagas em albergues no centro deixaram de existir14, medida que está em consonância com o projeto da prefeitura de promover a “higienização” das áreas de maior circulação. Segundo censo realizado pela Fipe (Schor e Vieira, 2009) em 2009, havia 13.666 pessoas em situação de rua em São Paulo, o que perfaz, considerando dados da época, 0,1% do total da população – isso reforça a ideia de que a “oferta de serviços” a essa população se confunde com a criminalização da miséria.

Tabela 14. Escolaridade (%)

EscolaridadePopulação atendida População não atendida

Homens Mulheres Homens Mulheres

Nunca frequentou a escola 2,5 3,3 2,3 0,7

Ensino Fundamental incompleto 50,7 48,2 42,7 44,6

Ensino Fundamental completo 17,0 12,3 14,5 12,5

Ensino médio incompleto 15,6 17,4 23,7 13,9

Ensino médio completo 11,5 16,9 10,7 22,1

Ensino Superior incompleto ou completo 2,7 1,9 6,1 6,1

Total 100,0 100,0 100,0 100,0Fonte: ITTC/Pastoral Carcerária

Quando perguntados a respeito da profissão ou ocupação desempenhada, foram abundantes nas respostas atividades que exigem pouca ou nenhuma qualificação. Os dados sobre a escolaridade das pessoas atendidas, na tabela acima, corroboram essa leitura. Entre os homens foram mais corriqueiramente mencionadas atividades liga-das à construção civil (18,6%), como ajudante de pedreiro, pedreiro, servente, pintor etc., e ajudante geral (18,6%). A categoria vendedor ambulante também foi signi-ficativa entre as ocupações mencionadas (10,0%). Mais de um décimo dos homens entrevistados atendidos pelo projeto declarou não ter ocupação e 5,2% dos homens entrevistados não atendidos pelo projeto afirmaram estar nessa condição.

A situação das mulheres atendidas não é diversa, sendo recorrentes nas respos-tas atividades que prescindem de qualificação: diarista, doméstica e faxineira (17,9%) e ajudante geral (10,3%). O número de mulheres sem ocupação (14,4%) é mais alto do que o dos homens. A categoria dona de casa ou do lar reúne 8,3% das mulheres, o que infla ainda mais a quantidade de mulheres que declararam não ter uma profissão.

14 “Kassab fecha albergues e lota ruas”, O Estado de São Paulo, 4 de fevereiro de 2010. Disponível em: <http://www.estadao.com.br/noticias/impresso,kassab-fecha-albergues-e-lota-ruas,506065,0.htm>. Acesso em: 28 abr. 2012.

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Todavia, as pessoas que afirmaram estar trabalhando no momento imediata-mente anterior à prisão são maioria, já que 69,2% dos homens e 61,1% das mulheres ofereceram resposta positiva a essa questão. Além disso, o trabalho está ligado ao sustento da família também na maior parte dos casos, conforme as tabelas abaixo.

Tabela 15. “Está trabalhando?” (%)

“Está trabalhando?”População atendida População não atendida

Homens Mulheres Homens Mulheres

Sim, trabalho formal 7,4 3,8 13,5 10,9

Sim, trabalho informal e contínuo 31,6 23,6 29,3 29,5

Sim, trabalho informal e descontínuo 30,2 30,8 26,3 23,6

Não 30,8 41,8 30,8 36,0

Total 100,0 100,0 100,0 100,0

Tabela 16. “Contribui para o sustento da família?” (%)

“Contribui para o sustento da família?”População atendida População não atendida

Homens Mulheres Homens Mulheres

Sim, como principal provedor(a) 33,6 30,5 36,6 33,6

Sim, mas não como principal provedor(a) 29,6 28,8 36,6 39,5

Não 36,8 40,7 26,8 27,0

Total 100,0 100,0 100,0 100,0

Fonte: ITTC/Pastoral Carcerária

A renda familiar das pessoas atendidas pelo projeto é bastante baixa: 41,6% das mulheres e 27,9% dos homens declararam ganhos de até um salário mínimo e 33,8% das mulheres e 42,2% dos homens, entre um e três salários mínimos. Os homens e mulheres atendidos que não possuem renda familiar perfazem 16,9% e 13,8%, res-pectivamente. A renda das pessoas não atendidas não varia de modo signi ficativo: a faixa de maior concentração é a que vai de um a três salários mínimos, resposta fornecida por 40,2% das mulheres e 49,2% dos homens.

Tabela 17. Título de eleitor (%)

Título de eleitorPopulação atendida População não atendida

Homens Mulheres Homens Mulheres

Sim 67,5 71,4 71,8 78,1

Não 32,5 28,6 28,2 21,9

Total 100,0 100,0 100,0 100,0Fonte: ITTC/Pastoral Carcerária

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O dado a respeito do título de eleitor é mais um elemento a ser considerado em direção à efetivação do direito ao voto do preso provisório, que é garantido pela Constituição Federal e deve ser viabilizado pelo poder público no interior das uni-dades prisionais. Há uma luta de anos da sociedade civil organizada para garantir o direito de voto aos cidadãos atrás das grades. Por outro lado, o fato de mais de 30% dos homens e mais de um quarto das mulheres não terem o título e, portanto, a im-possibilidade de exercer o direito ao voto, demonstra a distância entre a população sob estudo e a concretização da cidadania. Há experiências em unidades prisionais que procuram garantir acesso a documentos, como CPF, RG e título eleitoral, para aquelas pessoas presas que ainda não os têm, demonstrando a possibilidade de efe-tivação dos direitos e a garantia da cidadania, inclusive do preso.

Tabela 18. Documentos no momento da prisão (%)

Documentos e prisãoPopulação atendida População não atendida

Homens Mulheres Homens Mulheres

Nenhum documento 68,4 65,7 54,5 51,5

Com documento(s) 31,6 34,3 45,5 48,5

Total 100,0 100,0 100,0 100,0

Gráfico 1. Dia da semana em que ocorreu a prisão (%)

Fonte: ITTC/Pastoral Carcerária

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Gráfico 2. Horário em que ocorreu a prisão (%)

Fonte: ITTC/Pastoral Carcerária

É interessante notar que é possível identificar um padrão nas prisões, que ocor-rem mais frequentemente de segunda a sexta-feira (média de 15,6% ao dia contra 11,0% aos sábados e domingos) e em horário comercial (64,2% das prisões). Uma primeira leitura desses dados poderia fazer crer que há um maior número de crimes durante o dia, uma vez que a maioria das prisões decorreu de flagrante. Por outro lado, poderia se supor que a atividade policial é mais intensa durante o dia, o que deixa em aberto a questão do que esses dados revelam: o maior cometimento de crimes ou a atividade dos agentes de segurança pública.

Quase todas as prisões dos homens que responderam ao questionário ocor-reram na cidade de São Paulo, havendo grande concentração na região central da cidade, confirmando as expectativas, já que para o CDP I de Pinheiros são encami-nhados presos das carceragens das delegacias do centro. Bela Vista, Bom Retiro, Cerqueira César, Consolação, Liberdade, Luz, República, Santa Cecília, Santa Ifi-gênia e Vila Buarque concentram 69,1% das prisões em flagrante dos homens. Em relação à delegacia de polícia de origem15, as mais representativas são a 77ª (22,9%), a 5ª (19,6%) e a 4ª (13,4%).

As mulheres ouvidas na Penitenciária Feminina de Sant’Ana, por seu turno, também foram majoritariamente presas em São Paulo, e, embora tenham uma dis-tribuição pelos diversos bairros da cidade, as prisões de mulheres também se avolu-mam na região central (18,5% do total). Isso se reflete no dado sobre a delegacia de origem. Considerando as delegacias numericamente mais representativas16, tem-se

15 Os homens mencionaram as seguintes: 1ª, 2ª, 3ª, 4ª, 5ª, 6ª, 7ª, 8ª, 12ª, 13ª, 23ª, 37ª, 63ª, 72ª, 77ª, 78ª e Delegacia do Metropolitano (Delpom).

16 Pelas mulheres, foram mencionadas as seguintes: 1ª, 2ª, 3ª, 4ª, 5ª, 6ª, 7ª, 8ª, 12ª, 13ª, 14ª, 17ª, 23ª, 32ª, 37ª, 55ª,63ª, 68ª, 72ª, 77ª, 78ª e Delegacia do Metropolitano (Delpom).

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que 6,3% das mulheres foram recolhidas ao 3º DP, 4,2% ao 97º DP, 3,9% ao 1º DP, 3,4% ao 4º DP e 2,7% ao 77º DP.

No que concerne ao crime que ensejou a prisão, 93,3% das mulheres e 96,1% dos homens afirmaram pesar sobre eles a acusação de terem cometido um único crime. Para o processamento, foram priorizados nas respostas em que constam múl-tiplos crimes o furto, o roubo e o tráfico. A distribuição dos crimes registrados entre os entrevistados pode ser conferida nas tabelas abaixo.

Tabela 19. Crime do qual está sendo acusado(a) (%)

Crime do qual está sendo acusado(a)População atendida População não atendida

Homens Mulheres Homens Mulheres

Furto 40,9 38,5 37,2 39,8

Roubo 35,6 16,5 29,5 10,4

Tráfico 15,7 38,8 14,7 31,6

Outro 7,7 6,1 18,6 18,2

Total 100,0 100,0 100,0 100,0Fonte: ITTC/Pastoral Carcerária

Nesta população de presos ingressantes no sistema (público-alvo da pesqui-sa), as estatísticas mostram um alto índice de crime de furto tanto para homens como para mulheres, porém, se formos ver as estatísticas oficiais de presos por crimes (sejam provisórios ou condenados os presos e consumados ou tentados os crimes), os números se distribuem de outra forma, ou seja, o furto é o crime menos significativo17.

Tabela 20. Tipo de local em que ocorreu a prisão (%)

Tipo de local em que ocorreu a prisãoPopulação atendida População não atendida

Homens Mulheres Homens Mulheres

Logradouro público 78,6 56,0 71,4 43,7

Estabelecimento comercial 6,8 21,9 12,8 30,5

Estação de trem/metrô 8,9 1,6 6,0 1,4

Residência ou local de hospedagem 3,8 12,8 6,0 14,7

Unidade prisional/delegacia 0,0 4,6 1,0 3,9

Outro 1,9 3,1 2,8 5,8

Total 100,0 100,0 100,0 100,0Fonte: ITTC/Pastoral Carcerária

17 É interessante notar que, no Estado de São Paulo, as taxas de incidência de roubo, furto e tráfico são diferentes das taxas apresen-tadas pela população estudada no CDP I de Pinheiros e na PFS. Em junho de 2011, no site do Depen do Ministério de Justiça, o Estado de São Paulo mostrou para os homens uma taxa de 23,3% de tráfico, 15% de furto e 35% de roubo. Das mulheres, as taxas são de 62% de tráfico, 6% de furto e 16% de roubo.

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Tabela 21. Quem efetuou a prisão (%)

Quem efetuou a prisãoPopulação atendida População não atendida

Homens Mulheres Homens Mulheres

Policial militar 65,7 77,1 69,3 69,3

Policial Civil 10,0 11,6 15,0 15,7

guarda Civil metropolitana 11,4 3,4 7,9 4,4

Agente de segurança do trem/metrô 9,4 0,8 3,9 0,0

Segurança particular 1,9 3,1 1,6 5,1

Agente penitenciário 0,0 3,4 0,8 2,2

Outros 1,6 0,6 1,5 3,3

Total 100,0 100,0 100,0 100,0Fonte: ITTC/Pastoral Carcerária

Quanto ao local em que ocorreu a prisão, tanto homens quanto mulheres são presos principalmente em vias públicas. Contudo, em relação às mulheres, há uma quantidade elevada de mulheres presas em estabelecimentos comerciais, o que se explica pela prática de furtos em supermercados e lojas, o que também justifica o maior número de prisões efetuadas por seguranças particulares. Entre os homens, há um número maior de prisões efetuadas em estação de trem ou de metrô (normal-mente realizadas por agentes de segurança dessas empresas) e, entre as mulheres, em residência ou local de hospedagem. Essas diferenças se explicam em grande medida pelo crime cometido, mas podem ser aventadas ainda explicações baseadas na circulação de homens e mulheres pela cidade e na abordagem diferenciada da polícia. O que se pode afirmar, com certeza, é que os casos de mulheres presas em unidades prisionais dizem respeito ao crime de tráfico de entorpecentes praticado na tentativa de levar drogas para companheiros e familiares presos.

Durante a atuação da equipe, esteve presente a preocupação com a violên-cia institucional, tanto aquela praticada por policiais no momento da prisão ou nos distritos policiais quanto a exercida pelos agentes na unidade prisional. Identificar essas violações de direitos – que nem sempre deixam marcas aparentes no corpo – e procurar dar um encaminhamento para os casos eram preocupações do projeto. Assim, no atendimento, a equipe esteve atenta a essa questão e teve sensibilidade para abordar o problema e oferecer auxílio, pois muito frequentemente as vítimas de violência institucional sentem-se intimidadas e optam por não fazer a denúncia por medo de retaliações. O questionário também procurou registrar essa informação, de modo a viabilizar a construção de um dado estatístico sobre a violência praticada pelos agentes do Estado.

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Tabela 22. Violência policial no momento da prisão (%)

Violência policial no momento da prisãoPopulação atendida População não atendida

Homens Mulheres Homens Mulheres

Sim 78,1 72,4 72,2 62,7

Não 21,9 27,6 27,8 37,3

Total 100,0 100,0 100,0 100,0

Tabela 23. Tipo de violência no momento da prisão (%)

Tipo de violência no momento da prisãoPopulação atendida População não atendida

Homens Mulheres Homens Mulheres

Agressão verbal 67,6  65,4  60,2 57,3

Agressão física 56,5  40,3  54,5 31,2

Ameaça com arma 33,0  22,7  31,6 16,5

Ameaça sem arma 28,6  19,5  21,8 20,1

Outro tipo de violência 6,8  12,4  8,3 8,6

Fonte: ITTC/Pastoral Carcerária

Considerando os locais onde a violência foi praticada, a expressiva maioria indicou ter sofrido violência no local do flagrante, pelas mãos de quem realizou a prisão. A violência policial relatada pelos entrevistados surpreendeu pela grande quantidade de casos. Nas prisões em flagrante realizadas pela Polícia Militar, a imensa maioria dos homens (79,5%) e das mulheres (70,3%) afirmou ter sofrido al-gum tipo de violência, o que também se constatou nas abordagens da Guarda Civil Metropolitana, cuja atuação violenta foi citada por 73,5% dos homens e 70,9% das mulheres.

No que tange à atuação da GCM, chama a atenção não apenas o fato de um órgão a que se outorga a proteção do patrimônio do Estado (artigo 144, par. 8o da Constituição Federal de 1988) proceder à realização de prisões, especialmente de homens do centro da capital, mas sobretudo o caráter violento de sua ação. À Polí-cia Civil, os entrevistados atribuíram um menor nível de agressões, que é, todavia, elevado e atingiu 59,2% dos homens e 64,6% das mulheres.

A existência de um procedimento-padrão que implica o sofrimento das pesso-as durante a prisão merece destaque. Abundantes foram os depoimentos de homens e mulheres que disseram ter vivenciado experiências muito semelhantes, como o

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“zigue-zague”18, o “micro-ondas”19, o uso de spray de pimenta diretamente nos olhos e no nariz, a invasão de domicílio20, o flagrante forjado21, a extorsão, a discriminação racial e a ameaça contra parentes (inclusive crianças). Em se tratando da população feminina, também foram marcantes as denúncias de violência sexual, que abrangem pedido de “propina sexual”, apalpadelas durante a revista por policial masculino, obrigação de ficar nua e ameaça de estupro. De todos os homens abordados, apenas um admitiu ter sido violentado sexualmente no distrito policial, durante sessão de tortura.

Ao identificar a violência policial ou tortura, a equipe encaminhava o caso aos advogados da Pastoral Carcerária, que procuraram selecionar, apurar e levar ao co-nhecimento dos órgãos competentes algumas das ocorrências. Não foi possível traba-lhar com todas porque o número de casos superou as expectativas e a capacidade de resposta. Outras limitações também impediram a apuração de um número maior de casos. Quando entrevistadas, pessoas presas que haviam relatado ter sofrido violência desistiam da formalização da denúncia por se sentirem inseguras, não havendo garan-tia de preservação da sua integridade física. Alguns disseram, por exemplo, que, por viverem na rua, iriam voltar a conviver com os mesmos policiais que os agrediram.

O tempo para a realização do exame de corpo de delito também concorreu para a desistência de algumas ações, uma vez que, diante do lapso temporal e do desaparecimento das marcas de violência, restava apenas a palavra da vítima. A resistência de promotores e juízes em apurar e investigar a violência praticada por agentes públicos também tem sido um motivo inibidor do processamento dos casos. Por fim, os exames de corpo de delito ou eram feitos na presença dos agressores ou eram mal realizados. Algumas vítimas disseram que, na realização do corpo de delito, o médico deixou de examinar o local do corpo com marcas de violência. A conivência do Instituto Médico-Legal (IML), que realiza o exame médico antes da transferência do preso para a unidade e que faz vistas grossas para eventuais mar-cas de violência, e da própria unidade, que recebe o preso com essas marcas e não toma nenhuma providência a respeito, contribui enormemente para que a prática da violência institucional se perpetue.

O contato com essas situações de violência institucional firmou a convicção de que é urgente a criação de mecanismos de transparência e controle da atividade po-licial, tais como a exigência de exames médicos eficientes e a criação de um meca-nismo de monitoramento preventivo e de ouvidorias ou corregedorias independentes, bem como a desvinculação do IML da Secretaria de Segurança Pública. Essa medida

18 O motorista da viatura policial faz manobras bruscas com o veículo enquanto a pessoa algemada com as mãos para trás vai batendo a cabeça e o corpo no porta-malas da viatura policial, onde se encontra solta.

19 A pessoa presa permanece, sem água, no interior da viatura por longas horas debaixo de sol com as janelas do veículo fechadas. 20 Embora muitas vezes a autoridade policial faça constar que a entrada foi franqueada.21 Nos casos envolvendo entorpecentes, foi muito comum a alegação de que a autoridade policial “plantou” a droga para que a quanti-

dade pudesse servir como argumento para enquadrar a situação no crime de tráfico, e não de uso.

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mostra-se essencial porque a atual estrutura favorece que os peritos, subordinados à Segurança Pública, constranjam-se diante da necessidade de denunciar colegas.

A realidade evidenciada pelo projeto leva a crer que o tema da tortura durante a prisão provisória mereceria um estudo específico destinado a conhecer e a apresen-tar estratégias de prevenção e combate à tortura no momento do flagrante e na fase da investigação criminal.

A pesquisa também procurou conhecer a relação anterior das pessoas entrevista-das com a polícia. Os resultados demonstram que a trajetória dos homens que respon-deram ao questionário no CDP I de Pinheiros é marcada pela presença dos agentes do aparato repressivo do Estado, tanto na forma de abordagens como de agressões físicas e verbais (92,1% só para abordagem ). Ainda que mais baixos, não são desprezíveis os dados de que 23,3% das mulheres foram muitas vezes agredidas verbalmente pela polícia e que 43,7% presenciaram muitas vezes alguém ser agredido por policial.

Tabela 24. Relação anterior com a polícia (homens atendidos e não atendidos) (%)

Quantas vezes você: Nenhuma Uma vez Algumas Muitas

Foi abordado(a) por policial 7,9 5,8 28,4 57,9

Foi agredido(a) verbalmente por policial 19,6 4,8 19,0 56,7

Foi agredido(a) fisicamente por policial 29,6 13,1 21,7 35,6

Presenciou alguém ser agredido por policial 15,3 5,2 14,3 65,1

Teve sua casa revistada pela polícia 72,4 14,5 6,2 6,9

Tabela 25. Relação anterior com a polícia (mulheres atendidas e não atendidas) (%)

Quantas vezes você: Nenhuma Uma vez Algumas Muitas

Foi abordado(a) por policial 47,1 15,3 18,1 19,4

Foi agredido(a) verbalmente por policial 54,8 11,6 10,2 23,3

Foi agredido(a) fisicamente por policial 66,7 13,2 9,9 10,2

Presenciou alguém ser agredido por policial 35,6 7,2 13,5 43,7

Teve sua casa revistada pela polícia 74,3 14,1 5,3 6,4Fonte: ITTC/Pastoral Carcerária

Embora as autoridades policiais aleguem que a abordagem é feita quando exis-te fundada suspeita, sabe-se que essa ação é pautada por critérios que extrapolam a probabilidade de cometimento de delitos e se baseia em características como sexo, cor ou raça e idade. Moradores de rua entrevistados também se mostraram mais sujeitos à ação policial de maneira ainda mais expressiva: 97,2% das pessoas em situação de rua já haviam sido abordadas pela polícia.

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É interessante perceber a diferença na relação com a polícia que se estabelece por gênero, pois 64,4% das mulheres já presenciaram abordagem e/ou violência da polícia pelo menos uma vez, mas elas têm sido vítimas da polícia com menos frequência do que os homens.

Outra questão que pretendia abordar a história anterior ao momento da prisão refere-se ao cumprimento de medida socioeducativa, sendo válido notar que alguns poucos entrevistados estavam cumprindo alguma medida em meio aberto quando foram presos, já que a pessoa pode ficar sujeita ao sistema socioeducativo até os 21 anos de idade.

Tabela 26. Cumprimento de medida socioeducativa (%)

População atendida População não atendida

Homens Mulheres Homens Mulheres

Sim 28,8 17,3 20,3 10,5

Não 71,2 82,7 79,7 89,5

Total 100,0 100,0 100,0 100,0

Tabela 27. “Já cumpriu pena de prisão?” (%)

Já cumpriu pena de prisão?População atendida População não atendida

Homens Mulheres Homens Mulheres

Sim 46,2 31,6 32,1 22,6

Não 53,8 68,4 67,9 77,4

Total 100,0 100,0 100,0 100,0

Tabela 28. “Já cumpriu pena alternativa?” (%)

Já cumpriu pena alternativa?População atendida População não atendida

Homens Mulheres Homens Mulheres

Sim 9,0 6,5 9,2 5,1

Não 91,0 93,5 90,8 94,9

Total 100,0 100,0 100,0 100,0

Fonte: ITTC/Pastoral Carcerária

Na tentativa de retratar a trajetória das pessoas entrevistadas pelo sistema de jus-tiça criminal, procurou-se descobrir quantos presos já haviam cumprido pena de prisão e pena alternativa, isto é, restritiva de direitos. Contudo, as respostas oferecidas pelos entrevistados são mais representativas das suas percepções do que da realidade, ou seja, muitas pessoas que não foram de fato condenadas a uma pena privativa de liberdade

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responderam positivamente à pergunta, pois já estiveram presas cautelarmente ao longo de suas vidas. Da mesma forma, pessoas que disseram ter cumprido pena alternativa po-dem, na verdade, ter cumprido uma medida alternativa resultante do procedimento dos juizados especiais criminais, que não se confunde, formalmente, com uma sanção cri-minal. Assim, é preciso ter cuidado na leitura desses dados. Entretanto, principalmente no que toca aos dados sobre cumprimento de prisão, julgou-se relevante inseri-los no relatório porque podem indicar uma passagem anterior pela prisão (provisória ou não) e são ilustrativos da interpretação dos entrevistados, que não diferenciam duas situações muito distintas, uma condenação e uma medida cautelar. Determinante para essa falta de compreensão é, sem dúvida, a falta de acesso à informação e à orientação jurídica adequadas. Além disso, essa falta de clareza, presente nos discursos dos entrevistados, quanto à qualidade da custódia (cautelar ou pena) revela que os impactos da prisão pro-visória se fazem sentir da mesma forma que os da prisão produto de condenação.

Tabela 29. “Está respondendo a processo?” (%)

Está respondendo a processo?População atendida População não atendida

Homens Mulheres Homens Mulheres

Sim 24,6 16,6 24,4 12,9

Não 75,4 83,4 75,6 87,1

Total 100,0 100,0 100,0 100,0

Tabela 30. Presença de problemas de saúde (%)

População atendida População não atendida

Homens Mulheres Homens Mulheres

Sim 29,0 38,3 25,8 37,0

Não 71,0 61,7 74,2 63,0

Total 100,0 100,0 100,0 100,0

Fonte: ITTC/Pastoral Carcerária

É conhecida a precariedade dos serviços de saúde nas unidades prisionais e, por conseguinte, sabe-se que da prisão provisória podem advir prejuízos para pessoas que têm doenças e que necessitam de tratamento. São significativos os relatos de problemas de saúde entre as pessoas entrevistadas: 37,7% do total de mulheres e 27,4% do total de homens. Das mulheres que referiram ter problemas de saúde, 56,1% faziam algum tratamento quando foram presas e, dos homens na mesma situação, 47,5%. Os problemas mais comumente mencionados, tanto pelos homens quanto pelas mulheres, foram problemas respiratórios diversos (25,0%), problemas psiquiátricos (13,2%) e hipertensão (11,0%). Soropositivos perfazem

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1,9% (22 casos) da população entrevistada, o que representa uma enorme despro-porção ante os dados para a população geral da região Sudeste, que é de 19,9 casos para cada 100 mil habitantes22.

O uso de drogas é um tema de difícil abordagem, razão pela qual as pesquisas que se preocupam com essa questão adotam estratégias para captar as respostas dos entrevistados, que geralmente têm mais dificuldade para admitir o uso de drogas no presente do que no passado. Feita essa observação, a leitura dos resultados das tabe-las abaixo revela que o uso de substâncias entorpecentes está presente na história de grande parte dos entrevistados no CDP I de Pinheiros e na Penitenciária Feminina de Sant’Ana. Maconha, cocaína e crack foram as drogas ilícitas mais mencionadas.

Tabela 31. Uso de drogas no passado (%)

Uso de drogas no passadoPopulação atendida População não atendida

Homens Mulheres Homens Mulheres

Fumante 78,7 79,3 68,4 69,6

Bebida com frequência 36,4 26,8 30,3 19,3

maconha 74,4 53,1 67,7 35,7

Cola 21,8 14 17,6 6,1

Cocaína 53,9 45 47,7 27,6

Crack 50,4 39 30,8 21,1

Remédio controlado sem receita 6,5 5,4 5,3 4,3

Outra droga 13,6 5,4 14,4 1,4

Tabela 32. Uso de drogas no presente (%)

Uso de drogas no presentePopulação atendida População não atendida

Homens Mulheres Homens Mulheres

Fumante 75,7 75,0 62,4 64,4

Bebida com frequência 22,9 15,8 18,9 10,4

maconha 51,0 23,2 47,4 14,0

Cola 2,7 1,6 3,0 2,2

Cocaína 20,2 13,9 15,8 7,9

Crack 34,7 26,0 16,5 12,2

Remédio controlado sem receita 3,0 0,5 2,3 2,2

Outra droga 4,1 1,9 3,8 0,4

Fonte: ITTC/Pastoral Carcerária

22 Dados do Ministério da Saúde, disponíveis em <http://sistemas.aids.gov.br/forumprevencao_final/index.php?q=numeros-da-aids-no-brasil>. Acesso em: 15 jan. 2012.

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Em se tratando do acesso dessa população à rede de serviços, é digno de nota que, entre as pessoas que declararam ser ou terem sido usuárias de drogas (74,4% do total, excluídos os fumantes), quase três quartos afirmaram que nunca se subme-teram a tratamento específico. Os que realizaram tratamento, o fizeram em regime de internação em sua maioria (73,0%), em detrimento de opções de terapia em meio aberto, sendo bastante reduzido o número de usuários de drogas que, após a passa-gem pelo tratamento, abandonou a adicção (13,8%).

Embora a pesquisa não se tenha voltado de forma privilegiada para esse pro-blema, os dados obtidos contribuem para a discussão sobre a internação compulsó-ria de usuários de drogas, indo ao encontro do que especialistas da área da saúde têm defendido23. Os entrevistados que recorreram a tratamento para dependência de drogas o fizeram voluntariamente, com ou sem o apoio da família, e ainda assim poucos foram os que lograram deixar o vício.

Tabela 33. Gravidez (%)

Gravidez Mulheres atendidas Mulheres não atendidas

Sim 10,6 8,0

Não 78,3 85,1

Não sabe 11,1 6,9

Total 100,0 100,0Fonte: ITTC/Pastoral Carcerária

Das mulheres grávidas, a maioria tinha até seis meses de gestação na ocasião da entrevista, e a maior parte delas não realizava o acompanhamento pré-natal, outro dado que evidencia a falta de acesso dessa população a serviços de saúde. Vale ressaltar que, com o advento da Lei no 12.403/2011, mulheres com gestação a partir do 7o mês ou com gestação de risco fazem jus à modalidade cautelar diversa da privação da liberdade24.

23 Dartiu Xavier da Silveira, professor da Universidade Federal de São Paulo, afirma que, nos casos em que dependentes são compul-soriamente submetidos a tratamento, a taxa de recaída é de 95%. Em SILVEIRA, Dartiu Xavier da. Dependência não se resolve por decreto., Folha de São Paulo, 25 de junho de 2011. Tendências e Debates, p. 03. Disponível em <http://coletivodar.org/2011/06/deve-ser-permitida-a-internacao-compulsoria-de-viciados-em-crack/>. Acesso em:2 maio 2012.

24 Art. 318. Poderá o juiz substituir a prisão preventiva pela domiciliar quando o agente for: I - maior de 80 (oitenta) anos; II - ex-tremamente debilitado por motivo de doença grave; III - imprescindível aos cuidados especiais de pessoa menor de 6 (seis) anos de idade ou com deficiência; IV - gestante a partir do 7o (sétimo) mês de gravidez ou sendo esta de alto risco. Parágrafo único. Para a substituição, o juiz exigirá prova idônea dos requisitos estabelecidos neste artigo.

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A dinâmica da prisão provisória: dados dos processos judiciais

O gráfico a seguir resume a atuação do projeto no Departamento Técnico de Inquéritos Policiais e Polícia Judiciária (Dipo), nas varas criminais singulares, no Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo (TJ-SP), no Superior Tribunal de Justiça (STJ) e no Supremo Tribunal Federal (STF).

Gráfico 3. Atuação do projeto

Fonte: ITTC/Pastoral Carcerária

A pesquisa realizada a partir dos inquéritos policiais e dos processos judiciais teve como objetivo conhecer a dinâmica da prisão provisória, mapeando as variá-veis determinantes para a concessão da liberdade; além disso, pretendeu oferecer subsídios para a construção de políticas públicas no âmbito do sistema de justiça criminal orientadas para os problemas da prisão provisória. Para isso, procedeu-se à elaboração de um instrumento de coleta de dados que possibilitasse a descrição fidedigna do percurso dos processos judiciais, com especial atenção para as infor-mações pertinentes à prisão provisória e seus desdobramentos ao longo da persecu-ção criminal, bem como para o papel desempenhado pelos operadores do sistema de justiça criminal.

As questões do formulário estão divididas em seis módulos:

1. Dados sobre o fato criminal: delegacia de polícia de origem, data da ocor-rência, data do registro do boletim de ocorrência, número de vítimas e

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autores, bem/valor subtraído (para crimes patrimoniais) e sua restituição, apreensão de armas, drogas ou outros objetos e materiais.

2. Perfil da vítima: pessoa física/pessoa jurídica, sexo, idade, nacionalidade, naturalidade, ocupação/profissão, estado civil, cor e escolaridade.

3. Perfil do indiciado/réu: sexo, idade, nacionalidade, naturalidade, ocupação/profissão, estado civil, cor, escolaridade, declarações na delegacia, prima-riedade/reincidência e crimes imputados.

4. Dados sobre prisão e pedido de liberdade no Dipo: tipo de prisão, data da pri-são, decisão judicial, fundamento da decisão judicial, qualidade da decisão, existência de pedido de liberdade, tipo de pedido, data do protocolo, data da juntada, quem fez o pedido, quais documentos foram juntados, cota do Ministério Público, decisão judicial e fundamentação, qualidade da decisão.

5. Dados sobre trâmite e pedido de liberdade na vara: oferecimento da denún-cia, recebimento da denúncia, resposta à acusação, realização de audiência de instrução, debates e julgamento, comparecimento à audiência, desfe-cho processual, existência de pedido de liberdade, tipo de pedido, data do protocolo, data da juntada, quem fez o pedido, quais documentos foram juntados, cota do Ministério Público, decisão judicial e fundamentação, qualidade da decisão.

6. Dados sobre habeas corpus: instância provocada, quem fez o pedido, data da distribuição, concessão de liminar e decisão de mérito.

A lista de processos consultados pela pesquisa foi construída a partir da re-lação de processos remetida mensalmente (de outubro de 2010 a maio de 2011) à Defensoria Pública do Estado de São Paulo (DPE), conforme previsto no termo de cooperação. Foi dada ênfase à coleta de informações de processos em que houvesse pedido de liberdade provisória e/ou de relaxamento de flagrante, em detrimento daqueles em que havia impetração de habeas corpus sem a existência de negação de pedido anteriormente feito ao Dipo e à vara singular. Assim, entre outubro de 2010 e maio de 2011, considerando as relações de processos entregues à DPE, houve atua-ção em 561 processos judiciais. Desse total, foram consultados, in loco, 440 proces-sos judiciais que se encontravam nas varas criminais, na Procuradoria de Justiça, no Tribunal de Justiça e no arquivo central do Complexo do Ipiranga.

Em 85 processos judiciais consultados, a atuação do projeto pode ser consi-derada prejudicada, seja pela concessão de liberdade de ofício (antes da apreciação do pedido), seja pela nomeação de advogado dativo ou particular ou, ainda, pela concessão de liberdade resultante de pedido formulado pela DPE. De fato, embora existisse um acordo para que os defensores públicos não atuassem nos casos que seriam assumidos pelo projeto, a duplicidade de atuação ocorreu.

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Em parte dos casos (117), a coleta foi inviabilizada porque os autos não estavam disponíveis para consulta, por diversas razões: houve desembargadores e procurado-res que não autorizaram vista aos autos, processos remetidos ao arquivo em Jundiaí, processos em carga com defensores, processos com decretação de segredo de justiça, processos não encontrados etc. Em parte, isso se justifica pelo fato de a grande maio-ria dos processos consultados estar em andamento. Contudo, a busca pelos processos também revelou a intransigência de funcionários do sistema de justiça – que, na reali-dade, espelham as instituições para as quais trabalham – em não cumprir o princípio da publicidade, um dos pilares do Estado democrático. Em muitas ocasiões, ficou evi-dente que a proibição ou a criação de dificuldades para o acesso aos autos se fundava em um receio de que a pesquisa pudesse apontar falha no funcionamento do sistema e deficiências na atuação dos operadores. Em outros momentos, os pesquisadores se depararam com situações bastante questionáveis, como o fato de processos judiciais estarem na residência do desembargador, sem possibilidade de acesso.

Para contornar as situações de múltiplos indiciados, convencionou-se, para fins de processamento, que cada caso corresponde a um indivíduo atendido juridicamente pelo projeto, isto é, em relação ao qual houve pedido com vistas à liberdade (liberdade provisória e/ou relaxamento de flagrante e/ou habeas corpus). Os resultados a seguir dizem respeito a 348 processos consultados, que ensejaram 400 casos25. Esta seção do relatório está dividida em quatro blocos: (I) dados gerais (dados sobre réus e vítimas, informações processuais gerais e papel dos operadores do sistema de justiça crimi-nal); (II) crimes de drogas; (III) crimes não violentos; (IV) crimes violentos.

Informações gerais

Em relação ao distrito policial de origem, isto é, que realizou o registro da ocorrência e elaborou o auto de prisão em flagrante delito, os casos analisados estão distribuídos entre 59 distritos policiais, sendo mais representativos os seguintes: 77º (21,3%), 4º (11,8%) e 5º (11,0%)26. Vale lembrar que, à época do atendimento realizado pelo projeto, ainda não existiam as Centrais de Flagrante27, criadas em julho de 2011.

Os processos judiciais analisados dizem respeito a ocorrências criminais com data entre os dias 24 de agosto de 2010 e 22 de maio de 2011 e encontram-se distri-buídos entre as 31 varas criminais e o Juizado de Violência Doméstica e Familiar contra a Mulher (JVD). Em um caso não houve denúncia do Ministério Público e, portanto, o processo não foi distribuído para uma vara (“não se aplica”).

25 Os processos foram consultados entre março e outubro de 2011.26 O 77o DP se localiza em Santa Cecília; o 4o DP, na Consolação; e o 5o, na Liberdade. 27 Com a mudança promovida pela Secretaria de Segurança Pública a partir de julho de 2011, o registro das ocorrências de flagrante

delito passou a caber exclusivamente às Centrais de Flagrante, implantadas nas nove delegacias seccionais de São Paulo.

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Gráfico 4. Distribuição dos processos consultados por varas criminais (%)

Fonte: ITTC/Pastoral Carcerária

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No atinente aos prazos dos processos, é relevante salientar que foram consta-tadas diferenças importantes entre homens e mulheres. O prazo entre a prisão em flagrante e a primeira audiência de instrução, debates e julgamento, que em regra consiste também no primeiro encontro entre réus e defensor, promotor e juiz, é de 109,2 dias em média para homens e de 135,7 dias em média para mulheres. O dado a respeito do prazo entre a prisão em flagrante e a sentença na vara singular acom-panha essa discrepância: 114,0 dias para os homens e 142,8 dias para as mulheres, em média.

Os gráficos abaixo sintetizam o retrato da justiça criminal obtido a partir do exame dos processos acessados pela pesquisa.

Gráfico 5. Processamento dos pedidos de liberdade pela justiça criminal – homens

Dipo

Vara

TJSP

STJ

Gráfico 6. Processamento dos pedidos de liberdade pela justiça criminal – mulheres

Dipo

Vara

TJSP

STJ

Fonte: ITTC/Pastoral Carcerária

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Para favorecer a correta leitura dos dados coletados, procedeu-se à classifica-ção dos casos a partir dos tipos criminais constantes do boletim de ocorrência. Em sendo os casos reunidos sob as categorias “drogas”, “violento” (crimes cometidos com violência ou grave ameaça) e “não violento” (crimes cometidos sem violência ou grave ameaça), retratam-se as tendências do sistema de justiça criminal no pro-cessamento de situações que são diversas.

Tabela 34. Distribuição dos casos consultados (por categoria de crime)

Tabela 35. Número de adolescentes entre os autores

Categoria de crime % Número de adolescentes %

Drogas 25,3 Nenhum 91,7

Violento 32,5 Um 6,3

Não violento 42,2 Dois 0,9

Total 100,0 Três 1,1

Total 100,0

Fonte: ITTC/Pastoral Carcerária

Em alguns dos processos analisados (8,3%) havia a presença de adolescentes en-tre os autores, ou seja, pessoas com idade entre 12 e 18 anos acompanhando adultos no momento da ocorrência criminal. Quando se trata do cometimento de ato infracional, o procedimento adotado é a apreensão do adolescente e o encaminhamento para a Vara Especial da Infância e Juventude. Em um terço das ocorrências em que estavam envol-vidos adolescentes, houve a imputação ao adulto do crime do artigo 244-B do Estatuto da Criança e do Adolescente28, embora em nenhum dos casos com desfecho processual tenha havido condenação por esse crime pelo juiz singular. Considerando as situações em que adolescentes foram apreendidos junto a adultos presos em flagrante, tem-se que o crime de drogas foi o mais comum, seguido dos não violentos e dos violentos.

Tabela 36. Número de vítimas (geral) Tabela 37. Número de vítimas (por categoria de crime) (%)

Número de vítimas % Número de vítimas Não violentos Violentos

Nenhum 26,7 Nenhum 3,6 -

Um 62,1 Um 83,2 84,1

Dois 7,5 Dois 8,4 10,1

Três ou mais 3,8 Três ou mais 4,8 5,8

Total 100,0 Total1 100,0 100,0

28 Artigo 244-B. Corromper ou facilitar a corrupção de menor de 18 (dezoito) anos, com ele praticando infração penal ou induzindo-o a praticá-la. Pena: reclusão, de 1 (um) a 4 (quatro) anos.

Fonte: ITTC/Pastoral Carcerária

1 Nesta tabela não consta vítima dos crimes de drogas, pois a vítima geral-mente é a “saúde pública” no processo criminal.

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Tabela 38. Número de réus (geral)

Tabela 39. Número de réus (por categoria de crime) (%)

Número de réus % Número de réus Drogas Não violentos Violentos

Um 63,8 Um 58,9 62,9 44,2

Dois 27,0 Dois 29,5 29,3 36,2

Três ou mais 9,2 Três ou mais 11,6 7,8 19,6

Total 100,0 Total 100,0 100,0 100,0

Tabela 40. Categoria de sexo e crime (%)

Categoria de Sexo e Crime Drogas Violento Não violento

Feminino 61,0 18,8 33,5

masculino 38,9 81,2 66,5

Total 100,0 100,0 100,0

Tabela 41. Faixa de idade do réu (%)

Faixa de idade do réu Drogas Não violentos Violentos

18 a 25 anos 51,6 34,5 56,2

26 a 30 anos 17,2 21,8 19,7

31 a 35 anos 14,0 17,0 17,5

36 a 40 anos 5,4 9,7 2,9

41 a 45 anos 7,5 8,5 2,9

46 a 50 anos 1,1 4,2 0,0

Acima de 50 anos 3,2 4,2 0,7

Total 100,0 100,0 100,0

Fonte: ITTC/Pastoral Carcerária

A maioria dos réus dos processos analisados é do sexo masculino e bastante jo-vem, sendo mais expressivas as faixas de idade entre 18 e 25 anos (47,5% dos homens e 42,9% das mulheres) e entre 26 e 30 anos (21,0% dos homens e 17,9% das mulheres).

Considerando os homens, os réus nos processos analisados são majoritaria-mente brasileiros (98,8%) e nascidos no Estado de São Paulo (69,4%). Quase a meta-de (48,4%) nasceu na cidade de São Paulo e 12,3%, em outros municípios da região metropolitana de São Paulo, o que significa que mais de 60% nasceram na Gran-de São Paulo. O quadro não varia em relação às mulheres: 97,1% são brasileiras, 77,9% são paulistas e 71,6% nasceram em um dos municípios que compõem a região metropolitana de São Paulo, das quais 59,9% na capital.

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Tabela 42. Ocupação/profissão dos réus (geral) (%)

Ocupação/profissão Homens Mulheres

Declarou exercer atividade remunerada 56,1 56,5

Desempregado(a) 41,8 38,7

Estudante 2,1 4,8

Total 100,0 100,0

Tabela 43. Ocupação/profissão dos réus (por categoria de crime) (%)

Ocupação/profissão Drogas Não violentos Violentos

Declarou exercer atividade remunerada 52,9 51,6 50,4

Desempregado(a) 42,5 44,4 48,8

Estudante 4,6 4,0 0,8

Total 100,0 100,0 100,0

Fonte: ITTC/Pastoral Carcerária

Mais da metade dos réus, em geral, declarou exercer atividade remunerada, sendo bastante expressivo o número de desempregados (40,3% do total). Entre as atividades registradas pela polícia, prevalecem aquelas que prescindem de qualifi-cação profissional e que usualmente são desempenhadas no mercado informal de trabalho, como “ajudante”, “ambulante”, “carroceiro” e “pedreiro”, no caso dos ho-mens, e “do lar”, “diarista”, “doméstica” e “ambulante”, no caso das mulheres, o que pode ser em grande medida explicado pelo dado da escolaridade, a seguir.

Tabela 44. Escolaridade dos réus (geral) (%)

Escolaridade dos réus Homens Mulheres

Analfabeto 3,2 0,7

Ensino Fundamental incompleto 22,9 20,7

Ensino Fundamental completo 56,5 57,9

Ensino médio incompleto 4,7 5,7

Ensino médio completo 11,9 13,6

Ensino Superior completo ou incompleto 0,8 1,4

Total 100,0 100,0Fonte: ITTC/Pastoral Carcerária

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Tabela 45. Escolaridade dos réus (por categoria de crime) (%)

Escolaridade dos réus Drogas Não violentos Violentos

Analfabeto 0,0 4,2 1,5

Ensino Fundamental incompleto 24,2 22,3 20,1

Ensino Fundamental completo 54,7 54,8 60,4

Ensino médio incompleto 5,3 5,4 4,5

Ensino médio completo 14,7 11,4 11,9

Ensino Superior completo ou incompleto 1,1 1,8 0,0

Total 100,0 100,0 100,0Fonte: ITTC/Pastoral Carcerária

A escolaridade registrada é bastante baixa: as categorias analfabeto, Ensino Fundamental incompleto e Ensino Fundamental completo somam 81,4% dos casos.

Tabela 46. Estado civil dos réus (geral) (%)

Estado civil dos réus Homens Mulheres

Solteiro(a) 77,9 84,3

Casado(a) 9,7 5,7

Tem companheiro(a)/“convivente” 11,6 7,1

Separado(a) ou divorciado(a) 0,8 1,4

Viúvo(a) 0,0 1,4

Total 100,0 100,0

Tabela 47. Estado civil dos réus (por categoria de crime) (%)

Estado civil dos réus Drogas Não violentos Violentos

Solteiro(a) 86,3 79,6 76,5

Casado(a) 4,2 13,2 5,1

Tem companheiro(a)/“convivente” 7,4 6,0 16,9

Separado(a) ou divorciado(a) 2,1 0,6 0,7

Viúvo(a) 0,0 0,6 0,7

Total 100,0 100,0 100,0

Fonte: ITTC/Pastoral Carcerária

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Tabela 48. “Cútis” dos réus (geral) (%)

Cútis dos réus Homens Mulheres

Branca 34,0 30,7

Parda 50,2 54,3

Preta 14,3 15,0

Amarela 0,8 0,0

Outra 0,8 0,0

Total 100,0 100,0

Tabela 49. “Cútis” dos réus (por categoria de crime) (%)

Cútis dos réus Drogas Não violentos Violentos

Branca 30,5 35,9 30,7

Parda 56,8 47,3 53,3

Preta 12,6 15,0 15,3

Amarela 0,0 1,2 0,0

Outra 0,0 0,6 0,7

Total 100,0 100,0 100,0

Fonte: ITTC/Pastoral Carcerária

Em relação ao dado sobre cor ou raça, cumpre ressaltar que a terminologia usada pela polícia civil no boletim de ocorrência é “cútis”, acompanhada de outras características, como tipo e comprimento de cabelo, compleição física e estatura, cor dos olhos etc. Além disso, é preciso lembrar que se trata de uma classificação atribuída pela autoridade que registra a ocorrência, isto é, não há autodeclaração. Porém, considerando-se os resultados obtidos a partir das entrevistas nas unidades prisionais, há variação, mas esta não é relevante na distribuição das respostas em comparação com os dados acima.

Tabela 50. “Declara ser morador(a) de rua?” (geral) (%)

Declara ser morador(a) de rua? Homens Mulheres

Não 71,8 82,9

Sim 28,1 17,1

Total 100,0 100,0Fonte: ITTC/Pastoral Carcerária

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Tabela 51. “Declara ser morador(a) de rua?” (por categoria de crime) (%)

Declara ser morador(a) de rua? Drogas Não violentos Violentos

Não 91,6 68,3 73,7

Sim 8,4 31,7 26,3

Total 100,0 100,0 100,0

Tabela 52. “Declara ser usuário(a) de drogas?” (geral) (%)

Declara ser usuário(a) de drogas Homens Mulheres

Não 55,0 50,0

Sim 35,8 35,7

Não consta 9,3 14,3

Total 100,0 100,0

Tabela 53. “Declara ser usuário(a) de drogas?” (por categoria de crime) (%)

Declara ser usuário(a) de drogas Drogas Não violentos Violentos

Não 38,9 59,9 55,1

Sim 46,3 29,9 35,5

Não consta 14,7 10,2 9,4

Total 100,0 100,0 100,0

Fonte: ITTC/Pastoral Carcerária

Os dados foram coletados a partir do registro feito pela polícia. As questões sobre situação de rua e uso de drogas foram preenchidas a partir do documento “In-formações sobre a vida pregressa”.

É bastante elevado o número de pessoas que afirmaram morar na rua. Em rela-ção ao uso de drogas, foi bastante corriqueira a falta de registro pela polícia. A in-formação disponível, todavia, indica que ao menos metade dos presos em flagrante declarou que não era usuária de drogas.

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Tabela 54. Relação com o sistema de justiça criminal (geral) (%)

Relação com o sistema de justiça criminal Homens Mulheres

Primário(a) 52,7 61,4

Reincidente 35,8 23,6

Respondendo a outro processo 7,7 10,0

Reincidente e respondendo a outro processo 0,4 0,7

Não consta 0,9 4,3

Total 100,0 100,0

Tabela 55. Relação com o sistema de justiça criminal (por categoria de crime) (%)

Relação com o sistema de justiça criminal Drogas Não violentos Violentos

Primário(a) 65,3 44,9 62,3

Reincidente 23,2 40,7 26,1

Respondendo a outro processo 7,4 9,6 8,0

Reincidente e respondendo a outro processo 0,0 1,2 0,0

Não consta 4,2 3,6 3,6

Total 100,0 100,0 100,0

Fonte: ITTC/Pastoral Carcerária

No que concerne à relação com o sistema de justiça criminal, a maioria dos presos em flagrante nos processos analisados não ostentava condenações anteriores; os presos eram tecnicamente primários.

Para o estudo em tela, considerou-se importante obter informações sobre as vítimas dos casos analisados para conhecer seu perfil e verificar as semelhanças e diferenças em relação ao perfil dos acusados. Além disso, ainda que o processo pe-nal tradicional possibilite a participação bastante limitada da vítima, saber se suas características em alguma medida influenciam tanto o andamento quanto o desfecho do processo também foi interesse da presente investigação.

Em 73,3% dos processos havia múltiplas vítimas, que totalizaram 311, sendo 236 pessoas físicas e 75 pessoas jurídicas. Em alguns dos processos analisados, a vítima havia pedido sigilo das informações pessoais, que, portanto, não puderam ser coletadas. Além disso, em algumas ocasiões, a qualificação da vítima elaborada na fase policial não apresentava todas as informações. A seguir, são apresentados os dados sobre as vítimas (pessoas físicas) obtidos pela pesquisa.

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Tabela 56. Tipo de vítima (por categoria de crime) (%)

Tabela 57. Sexo da vítima (geral)

Tipo de vítima Não violentos Violentos Sexo da vítima %

Pessoa física 58,9 94,2 Feminino 43,6

Pessoa jurídica 41,1 5,8 masculino 53,8

Total 100,0 100,0 Não informa 2,5

Total 100,0

Tabela 58. Sexo da vítima (por categoria de crime) (%)

Tabela 59. Faixa de idade da vítima (geral)

Sexo da vítima Não violentos Violentos Faixa de idade da vítima %

Feminino 50,0 35,4 menos de 18 6,8

masculino 49,1 62,1 18 a 25 anos 26,1

Não informa 0,9 2,5 26 a 30 anos 13,7

Total 100,0 100,0 31 a 35 anos 10,3

36 a 40 anos 10,7

41 a 45 anos 7,7

46 a 50 anos 9,0

51 a 55 anos 3,4

56 a 60 anos 3,8

Acima de 60 anos 3,8

Não informa 5,6

Total 100,0

Fonte: ITTC/Pastoral Carcerária

Quanto ao país de nascimento da vítima, 94,3% nasceram no Brasil. Em rela-ção ao Estado de nascimento da vítima brasileira, o mais representativo foi São Pau-lo, que perfaz 63,9% dos casos. Também em relação às vítimas nascidas no Brasil, a naturalidade mais comumente registrada é o município de São Paulo (53,0%). Os outros municípios da região metropolitana de São Paulo são a localidade de nasci-mento de 6,5% das vítimas, o que significa que quase 60% das vítimas nasceram na região metropolitana de São Paulo.

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Tabela 60. Estado civil da vítima (geral) Tabela 61. “Cútis” da vítima (geral)

Estado civil da vítima % Cútis da vítima %

Solteiro(a) 58,1 Branca 73,4

Casado(a) 24,4 Parda 18,5

Tem companheiro(a)/“convivente” 5,6 Preta 2,1

Separado(a) ou divorciado(a) 5,6 Amarela 1,3

Viúvo(a) 2,6 Indígena 0,4

Não informa 3,8 Não informa 4,3

Total 100,0 Total 100,0

Tabela 62. Escolaridade da vítima (geral)

Escolaridade da vítima %

Analfabeto 0,4

Ensino Fundamental incompleto 7,7

Ensino Fundamental completo 16,7

Ensino médio incompleto 4,3

Ensino médio completo 36,9

Ensino Superior incompleto 5,6

Ensino Superior completo 19,3

Não informa 9,0

Total 100,0

Fonte: ITTC/Pastoral Carcerária

Tanto a cor quanto a escolaridade das vítimas estão em evidente contraste com o perfil dos réus. Enquanto as vítimas são majoritariamente brancas (mais de 70%), os réus são, em sua maior parte, pardos e pretos, somando 67%. O dado sobre a esco-laridade também sofre uma inversão: entre as vítimas, a faixa de escolaridade mais representativa é a que abrange o Ensino Médio e o Ensino Superior (mais de 66%), ao passo que a escolaridade dos réus concentra-se na faixa até o Ensino Funda-mental completo (mais de 80%). As profissões registradas entre as vítimas também são demonstrativas dessa diferença, na medida em que há uma grande presença de profissões universitárias: advogado(a), ajudante, analista de sistemas, arquiteto(a), autônomo(a), auxiliar administrativo, balconista, caixa, comerciante, costureiro(a), cozinheiro(a), designer, eletricista, empresário(a), enfermeiro(a), engenheiro(a),

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estudante, fotógrafo(a), funcionário(a) público(a), garçon(ete), jornalista, manicure, manobrista, mecânico(a), médico(a), metalúrgico(a), motorista, músico, musicista, operário(a), policial militar, porteiro(a), publicitário(a), recepcionista, representante comercial, sociólogo(a), taxista, terapeuta etc.

O papel dos operadores do sistema de justiça criminal

Em relação ao papel desempenhado pelos operadores do sistema de justiça criminal, muito recorrente é a ideia de que as informações produzidas na fase pré--processual, mais especificamente a fase que concentra o trabalho das polícias mili-tar e civil, é determinante para a condução e o desfecho do processo. Muitas vezes, o estado de flagrância é suficiente para a condenação, não havendo questionamentos por parte do Ministério Público, dos juízes e, mesmo, do defensor acerca da legali-dade da prisão e das evidências coletadas no momento do flagrante.

Além disso, foram percebidas, ao longo do trabalho, mudanças relativas ao en-quadramento (classificação da conduta de acordo com a legislação criminal) atribuído ao fato por uma ou outra instância do sistema de justiça, desacompanhadas de um acontecimento que pudesse justificá-las, como a realização de diligências por solici-tação do Ministério Público, por exemplo. Para examinar mais a fundo essa questão e entender a razão dessa mudança, procedeu-se à coleta da informação sobre o enqua-dramento legal ao longo da persecução penal (boletim de ocorrência, relatório do de-legado ao fim do inquérito policial, denúncia e sentença), cujos resultados podem ser vistos na tabela a seguir. Para a análise, foi considerada a classificação do delito impu-tado nos seguintes momentos: boletim de ocorrência (BO), relatório final do delegado de polícia, denúncia oferecida pelo Ministério Público e sentença do juiz da vara cri-minal. Cada passagem foi avaliada e inserida em uma das categorias. A “atenuação” e o “agravamento da conduta” implicam a mudança de enquadramento: de uma conduta mais grave (por exemplo, roubo qualificado) para uma menos grave (roubo simples) e vice-versa (de furto tentado para consumado). Na categoria “Indiferente” foram colo-cados os casos em que a passagem não representou mudança no enquadramento.

Tabela 63. Evolução do enquadramento (%)

Evolução do enquadramento BO – Relatório final Relatório final – Denúncia Denúncia – Sentença

Atenuação da conduta 13,5 13,4 27,7

Indiferente 77,7 56,7 70,3

Agravamento da conduta 8,9 29,8 1,9

Total 100,0 100,0 100,0Fonte: ITTC/Pastoral Carcerária

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Os dados mostram que o trabalho de investigação policial pouco interfere na classificação da conduta: em quase 80% dos casos não houve mudança entre o bo-letim de ocorrência e o relatório que encerra o inquérito policial. Destaque-se que, a partir da leitura dos processos, verificou-se que a investigação é bastante limitada e rápida, o que, sem dúvida, decorre do fato de a autoria já estar esclarecida, tendo sido os autores presos em flagrante delito. Nos casos em que houve abrandamento da conduta entre o BO e o relatório final (13,5%), usualmente se deparou com a re-classificação do crime na modalidade tentada.

Na evolução do enquadramento, chama a atenção o fato de o representante do Ministério Público agravar a conduta imputada pelo delegado de polícia em 29,8% dos casos, sendo recorrente a mudança da modalidade tentada para a consumada e, ainda, a inclusão de qualificadoras, operação que certamente interfere na concessão da liberdade pela autoridade judicial. Considerando a relação entre os diferentes atores do sistema de justiça criminal e os dados obtidos, é possível apontar que essa operação de agravamento do enquadramento atribuído pela autoridade policial con-siste em um momento de significativa divergência.

Na passagem da denúncia para a sentença de primeiro grau, constatou-se um número expressivo de casos em que houve o abrandamento do enquadramento (27,7%), o que provavelmente se explica não apenas pelo adensamento das provas (depoimentos e interrogatórios em juízo) como também pela presença do defensor. Ainda assim, percebe-se que, em regra, ocorre o alinhamento entre a denúncia e a sentença, já que 70,3% dos casos foram classificados como indiferentes, ou seja, sem mudança quanto à gravidade do delito imputado.

Em relação ao fundamento da manutenção da prisão pelo juiz do Dipo, em 92,8% dos casos não constava justificativa para a necessidade da prisão. Na imensa maioria desses casos, lia-se nos autos o mesmo despacho-padrão, aqui reproduzido:

No âmbito da ciência do flagrante, antes de qualquer provocação da defesa, em atenção à Resolução no 87, de 15/09/2008, do E. Conselho Nacional de Justiça, passo a decidir.

Uma vez presente hipótese de flagrante delito, estando o auto de prisão formalmente em ordem, e não vislumbrando qualquer ilegalidade evidente na constrição ordenada, não há, por ora, razões para se determinar o relaxamento da prisão em flagrante.

Outrossim, à míngua de comprovação, desde logo, da satisfação de todos os requisitos legais ensejadores da benesse, e porque ausente, dentre outros, demonstração de exis-tência de vínculo do autor do fato com o distrito da culpa, não é o caso de concessão de liberdade provisória de ofício.

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Tabela 64. Pedido de liberdade no Dipo Tabela 65. Tipo de pedido no Dipo

Pedido de liberdade no Dipo

% Tipo de pedido no Dipo %

Não 71,8 Liberdade provisória 79,2

Sim 28,2 Relaxamento de flagrante com tese subsidiária de liberdade provisória

19,2Total 100,0

Relaxamento de flagrante 1,6

Total 100,0

Fonte: ITTC/Pastoral Carcerária

Quanto aos pedidos visando à obtenção da liberdade apresentados ao juiz do Dipo, vale destacar que em 96,7% dos casos examinados o representante do Minis-tério Público se manifestou contrariamente à soltura, sendo raríssimas as situações em que a cota favorável à manutenção da prisão vinha acompanhada de alguma fun-damentação concreta que demonstrasse a necessidade da custódia cautelar. No que tange à relação entre os operadores do direito criminal, cumpre ressaltar que, nos pouquíssimos casos em que o promotor de justiça foi favorável à liberdade (3,3%), o juiz não teve a mesma opinião. Entre os pedidos feitos ao Dipo, verificou-se que em 93,8% dos casos foi mantida a prisão na decisão judicial. Os argumentos mais recorrentemente mobilizados para justificar a decisão, considerando respostas múl-tiplas, foram ausência de comprovação de residência fixa (58,2%) e de ocupação lícita (55,7%), garantia da ordem pública (54,1%), conveniência da instrução crimi-nal (45,9%), gravidade abstrata do delito (41,0%), assegurar a aplicação da lei penal (23,8%) e reincidência (23,0%).

Em relação à qualidade da decisão de indeferimento do pedido de liberdade, 53,5% das decisões eram genéricas (sem menção ao caso concreto) e 46,5% eram individualizantes (com menção ao caso concreto).

O trâmite na vara singular é bastante revelador da atuação dos operadores do direito diante da prisão cautelar que, por se tratar de medida extrema, deve ser reconsiderada e sua manutenção, fundamentada. Não é o que se depreendeu, entre-tanto, dos processos pesquisados: ao oferecer a denúncia, em 91,7% dos casos em que a pessoa se encontrava presa, o promotor de justiça não fez menção à prisão; em 6,0% dos casos fez menção à prisão e posicionou-se pela sua manutenção; e nos 2,3% restantes, manifestou-se favoravelmente à liberdade. No momento do recebi-mento da denúncia pelo juiz de direito, em 82,2% dos casos em que o acusado estava preso não houve menção à prisão e, por conseguinte, explicitação das razões de sua manutenção. Em 17,8% dos casos o juiz se manifestou a respeito da medida cautelar, sendo que as decisões pela liberdade correspondem a 8,5% desse montante.

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Tabela 66. Tipo de pedido na vara Tabela 67. Pedido de liberdade na vara

Tipo de pedido na vara %Pedido de liberdade na vara

%

Liberdade provisória 83,1 Não 7,0

Relaxamento de flagrante com tese subsidiária de liberdade provisória

13,2Sim 93,0

Total 100,0

Relaxamento de flagrante 3,7

Total 100,0

Fonte: ITTC/Pastoral Carcerária

Ante o pedido apresentado na vara criminal, o promotor de justiça manifes-tou-se maciçamente contrário à concessão da liberdade (93,3%). Se, no atinente à cota ministerial, não houve mudanças expressivas entre o Dipo e a vara singular, o mesmo não se conferiu em relação às decisões judiciais. Juízes das varas criminais mostraram-se mais propensos ao deferimento dos pedidos de liberdade do que seus colegas do Dipo, decisão que se verificou em 23,2% dos casos analisados, número muito superior aos 6,2% constatados no Dipo. Desse modo, conclui-se que na vara há maior distanciamento entre a manifestação do Ministério Público e a decisão judicial: de fato, considerando a totalidade de cotas ministeriais contrárias à conces-são da liberdade, em 17,5% dos casos o juiz não se alinhou a essa posição.

Os argumentos presentes nas decisões referentes aos pedidos de liberdade apre-sentaram bastante variação entre o Dipo e a vara. Nas varas criminais, os fundamentos mais recorrentes para a manutenção da custódia cautelar foram a garantia da ordem pública (65,3%), a conveniência da instrução criminal (41,5%), a gravidade abstrata do delito (32,1%) e assegurar a aplicação da lei penal (24,5%). A ausência de comprovação de residência fixa e de ocupação lícita, os argumentos mais comuns no Dipo, estavam presentes em 18,9% e 17,4% das decisões das varas criminais analisadas, respectiva-mente. No conjunto das decisões em que a prisão foi mantida, 64,6% eram genéricas e 35,4% faziam menção ao caso concreto, distribuição diversa da verificada no Dipo.

Tabela 68. Documentos juntados para instruir pedido no Dipo

Tabela 69. Documentos juntados para instruir pedido na vara

Documentos juntados para instruir pedido no Dipo

%Documentos juntados para instruir pedido na vara

%

Com documento(s) 18,7 Com documento(s) 24,8

Nenhum documento 81,3 Nenhum documento 75,2

Total 100,0 Total 100,0

Fonte: ITTC/Pastoral Carcerária

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Na maioria dos casos, não houve a juntada de documentos para instruir o pe-dido com vistas à liberdade do réu, a despeito de grandes esforços da equipe para consegui-los. No início do projeto, acreditava-se que a presença de documentos teria o condão de aumentar a probabilidade de concessão da liberdade, sendo já conhe-cida de antemão a recorrência a argumentos como “falta de vínculo com o distrito da culpa” nas decisões de indeferimento do pedido. Os dados sobre os principais argumentos utilizados para indeferir o pedido no Dipo corroboraram essa percep-ção inicial. Contudo, a condição de vida dos presos em flagrante, que pertencem aos estratos mais baixos da pirâmide socioeconômica (ver dados completos no item “Resultados do survey: perfil da população provisória”), dificultou a obtenção de documentos que comprovassem moradia fixa ou o exercício de uma atividade remu-nerada regular. Não foi incomum entre os atendidos pelo projeto relatos de arranjos precários de moradia (barracos em favela, habitações coletivas, pensões, terrenos invadidos e situação de rua) e de trabalho (bicos, vendedores ambulantes etc.).

Todavia, constatou-se que a presença de comprovantes de residência e de tra-balho instruindo a petição não é determinante para a concessão da liberdade. Nos casos em que houve juntada de documentos, 76,2% das decisões mantiveram o constrangimento à liberdade. Tendo-se em conta a quantidade de pessoas que não apresentaram documentos e que foram mantidas presas (82,7%), percebe-se que há uma diferença, mas ela não é tão significativa quanto a esperada. Assim, diante da ausência de comprovantes, os juízes baseiam sua decisão nesse fato. Entretanto, quando há documentos, outros são os argumentos utilizados para o indeferimento do pedido de liberdade.

A pesquisa também procurou conhecer a taxa de comparecimento das pessoas liberadas no curso da persecução criminal aos atos do processo, em especial à audi-ência de instrução, debates e julgamento. Entre as mulheres que obtiveram o direito de responder ao processo em liberdade, 53,8% delas compareceram à audiência, valor muito próximo do dado relativo aos homens, 53,3%. Como se destacou em outro momento deste relatório, há um grande desconhecimento das pessoas que são submetidas ao sistema de justiça quanto à sua situação jurídica. A falta de tradição dos diversos órgãos em não esclarecer e orientar adequadamente os presos redunda em percepções equivocadas, o que pode explicar o baixo comparecimento das pes-soas que recebem a liberdade. A convivência com os presos nas unidades prisionais revelou que há uma indistinção entre as variadas formas de obtenção da liberdade – absolvição, liberdade provisória ou relaxamento do flagrante. “Sair de alvará”, con-forme a linguagem da prisão, pode ser compreendido pelos presos liberados como o término do processo, a cujos atos se consideram eximidos de comparecer.

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Drogas

Tabela 70. Enquadramento no boletim de ocorrência (drogas)

Enquadramento no boletim de ocorrência (drogas) %

Art. 28 caput da Lei 11.343/06 1,1

Art. 28 caput e art. 33 caput da Lei 11.343/06 1,1

Art. 33 caput da Lei 11.343/06 78,9

Art. 33 caput da Lei 11.343/06 e crime(s) de outro(s) diploma(s) 5,3

Art. 33 caput, art. 34 e/ou art. 35 da Lei 11.343/06 11,6

Art. 33 caput, art. 34 e/ou art. 35 da Lei 11.343/06e crime(s) de outro(s) diploma(s) 2,1

Total 100,0Fonte: ITTC/Pastoral Carcerária

Em se tratando das condutas relacionadas à lei de drogas, um dos problemas mais candentes é o da distinção entre os crimes de tráfico e os de uso de entorpecen-tes. A legislação se encarrega de atribuir consequências bastante diferentes para um e outro comportamento: ao uso, tipificado no artigo 28 da Lei 11.343/2006, destina--se pena diversa da privativa de liberdade, ao passo que para o tráfico, descrito no artigo 33 da referida lei, prevê-se pena de reclusão e a equiparação ao crime hedion-do. A lei determina que a classificação deve se basear na natureza e na quantidade de substância ilícita apreendida, bem como no local e nas condições da apreensão, além de circunstâncias sociais, pessoais, conduta e antecedentes do agente (parágrafo 2º do artigo 28 da Lei 11.343/2006).

Ao longo do atendimento realizado pelo projeto, verificou-se que, na prática, a distinção entre usuário e traficante se opera de acordo com critérios subjetivos e estigmatizações sociais, dando margem à arbitrariedade dos atores do sistema de justiça criminal. Aos usuários reserva-se uma situação de extrema insegurança ju-rídica e de vulnerabilidade ante as autoridades policiais e judiciárias, sendo a lei de drogas mais uma ferramenta de repressão e controle social sobre as camadas mais pobres da sociedade.

Inúmeros foram os relatos de atendidos denunciando que, no momento da abordagem policial, quando estavam utilizando drogas em grupos, os policiais li-beravam diversos usuários e prendiam alguns outros, como forma de represália. A escolha entre quem seria liberado ou preso era fundada na “ficha” do indivíduo – reincidente ou primário –, na sua cor ou raça, na sua vestimenta, na sua classe social. Foi possível perceber o imenso poder que a atual lei de drogas confere aos

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policiais, que podem tipificar determinada conduta como bem desejam, dependen-do de como esse agente enxerga e interpreta o mundo à sua volta, num terreno tão suscetível à corrupção e à extorsão como o comércio de drogas. Como Julita Lemgruber aponta em seu livro O (Des)Controle da Polícia no Brasil, a primeira tipificação do fato delituoso, feita pela polícia, influencia decisivamente o curso do processo, determinando desde a escolha entre registrar, ou não, a ocorrência, indi-ciar ou não o suspeito, até a forma de conduzir o interrogatório e montar os autos que serão enviados ao promotor.

Assim, a classificação do delito tem lugar segundo uma relação de poder que realiza diferenciações estratégicas entre as transgressões praticadas por diferentes grupos socialmente localizados, contribuindo para a sobrevivência de um tecido socialmente desigual, em que a lei e sua aplicação não são as mesmas para todos. Essa operação é influenciada e retroalimentada pela concepção de que as drogas são a fonte de todas as mazelas da sociedade e o traficante é o inimigo da sociedade “ordeira e pacífica”. Legislações altamente severas são alavancadas pela guerra às drogas, como a Lei 11.343/2006, que equipara o tráfico de entorpecentes a crime hediondo, vetando-se a liberdade provisória e as penas alternativas.

O procedimento de construção da figura do traficante, aliado ao enrijecimen-to da lei de drogas, tem gerado o encarceramento massivo dos jovens pobres das periferias, que são mais facilmente cooptados para atuarem no varejo do tráfico de entorpecentes, uma vez que isso se mostra muito mais lucrativo do que os poucos e precários postos de trabalho oferecidos pelo mercado e com ganhos mais condizen-tes com as necessidades de consumo.

Segundo dados recentes, entre 2007 e 2010, a população carcerária condenada a delitos de drogas cresceu impressionantes 62,0% contra 8,5% de aumento dos outros crimes. O consumo de entorpecentes, porém, não tem dado qualquer sinal de diminuição. Não obstante, a questão das drogas ainda é abordada como um pro-blema de polícia e de justiça criminal, e não como um desafio a ser enfrentado com múltiplas ferramentas, sobretudo a da saúde. Tendo em vista a relação entre tráfico de drogas e violência, vale destacar que em um único caso houve apreensão de arma de fogo e em dois casos houve apreensão de simulacro ou arma de brinquedo e/ou canivete ou faca ou similar.

A pesquisa do Núcleo de Estudos da Violência sobre Prisão Provisória e Lei de Drogas chama a atenção para a falta de atendimento ao preso provisório acusado de tráfico:

No que diz respeito à prisão provisória, é possível abordar o tema sob a ótica do direito de defesa já que em certos casos sequer é formulado o pedido de liberdade provisória.

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A dinâmica estabelecida – na qual se percebe que apenas alguns crimes são passíveis de provocação pela Defensoria Pública – no Fórum acaba por determinar, de forma discricionária, quem terá direito a ter sua prisão colocada em discussão e quem está condenado à “pena de prisão provisória”. Entretanto, é direito do réu e dever de sua defesa questionar as motivações que acarretam na privação da liberdade de um indi-víduo antes dele ser declarado culpado. Nesse sentido, unem-se duas garantias cons-titucionais – o direito de defesa e a presunção de inocência – para evidenciar que há problemas no que tange ao respeito aos direitos e às garantias individuais (p.125).

Tabela 71. Apreensão de drogas Tabela 72. Total de droga apreendida por tipo

Apreensão de drogas % Total de droga apreendida por tipo Peso (g) %

Apenas crack 28,7 Crack 997,0 7,9

Apenas cocaína 16,1 Cocaína 3.830,2 30,2

maconha + cocaína + crack 17,2 maconha 7.849,1 61,8

maconha + cocaína 14,9 Outro 19,3 0,1

Cocaína + crack 9,2 Total 12.695,6 100,0

Apenas maconha 6,9

maconha + cocaína + outro 2,3

maconha + crack 2,3

maconha + cocaína + crack + outro 1,1

maconha + outro 1,1

Total 100,0

Fonte: ITTC/Pastoral Carcerária

As outras substâncias apreendidas foram ecstasy, haxixe e lança-perfume (total de 19,3g).

Tabela 73. Quantidade de maconha Tabela 74. Quantidade de cocaína

Quantidade de maconha % Quantidade de cocaína %

>0-10g 18,6 >0-10g 32,2

>10-50g 30,2 >10-50g 30,5

>50-100g 16,3 >50-100g 15,3

>100-500g 23,3 >100-500g 20,3

>500g 11,6 >500g 1,7

Total 100,0 Total 100,0

Fonte: ITTC/Pastoral Carcerária

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Tabela 75. Quantidade de crack Tabela 76. Apreensão de objetos/materiais (drogas)

Quantidade de crack %Apreensão de objetos/materiais (drogas)

%

>0-10g 51,9 Não 15,8

>10-50g 40,7 Sim, material relacionado à produção e/ou embalagem de drogas

16,8>50-100g 3,7

>100-500g 3,7 Sim, outro 67,4

>500g 0,0 Total 100,0

Total 100,0

Fonte: ITTC/Pastoral Carcerária

Em 67,4% dos casos houve apreensão de material não relacionado à produção ou embalagem de drogas, sendo muito recorrentes, entre esses bens apreendidos, dinheiro em espécie e celular. Muitas vezes, fotos das cédulas constavam dos in-quéritos para demonstrar que se tratava de dinheiro em notas pequenas, o que fa-cilitaria o troco em eventual venda de droga. Em número menos expressivo foram apreendidos cadernos de anotação com valores, que comprovariam a contabilidade da traficância.

Tabela 77. Pedido de liberdade no Dipo (drogas)

Tabela 78. Pedido de liberdade na vara (drogas)

Pedido de liberdade no Dipo (drogas)

%Pedido de liberdade na Vara (drogas)

%

Não 70,5 Não 10,5

Sim 29,5 Sim 89,5

Total 100,0 Total 100,0

Fonte: ITTC/Pastoral Carcerária

Em relação aos pedidos de liberdade (liberdade provisória e/ou relaxamento de flagrante) apresentados ao Dipo, na totalidade de casos a prisão foi mantida pelo juiz. Tendo em conta os pedidos de liberdade encaminhados à vara criminal, as decisões consistentes na liberdade somam 14,9%. É interessante observar que, em nenhum dos casos analisados, houve manifestação favorável do representante do Ministério Público, tanto no Dipo quanto na vara criminal. Em quase 35% dos ca-sos em que a decisão judicial foi pela manutenção da prisão, houve a utilização do argumento da vedação legal para a concessão de liberdade provisória29.

29 Art. 44. Os crimes previstos nos artigos 33, caput e § 1o, e 34 a 37 desta Lei são inafiançáveis e insuscetíveis de sursis, graça, indulto, anistia e liberdade provisória, vedada a conversão de suas penas em restritivas de direitos. (Lei 11.343/2006).

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Tabela 79. Sentença condenatória e pena (drogas)

Tabela 80. Desfecho processual (drogas)

Sentença condenatória e pena (drogas)

% Desfecho processual (drogas) %

Pena não privativa de liberdade 10,0 Suspensão condicional do processo 1,1

20 meses 36,0 Sentença absolutória 6,3

>20 meses e <36 meses 8,0 Sentença condenatória 52,6

>36 meses e <60 meses 10,0 Sem desfecho (em andamento) 40,0

>60 meses e <84 meses 24,0 Total 100,0

>84 meses 12,0

Total 100,0

Fonte: ITTC/Pastoral Carcerária

Nos casos em que houve aplicação de pena não privativa de liberdade (10,0%), houve a desclassificação do crime de tráfico para o crime de porte de entorpecente para uso.

Tabela 81. Pena de multa (dias-multa) (drogas)

Tabela 82. Regime inicial de cumprimento de pena (drogas)

Pena de multa (dias-multa) (drogas)

%Regime inicial de cumprimento de pena (drogas)

%

0 a 166 20,0 Fechado 88,9

167 a 299 24,4 Semiaberto 2,2

300 a 499 11,1 Aberto 8,9

500 a 799 35,6 Total 100,0

mais de 800 8,9

Total 100,0

Tabela 83. Substituição por pena restritiva de direitos (drogas)

Substituição por pena restritiva de direitos (drogas)

%

Não 91,1

Sim 8,9

Total 100,0

Fonte: ITTC/Pastoral Carcerária

Considerando a totalidade de casos relativos à lei de drogas examinados pela pesquisa, em 6,3% deles houve a desclassificação para o crime de uso de substância entorpecente (art. 28 da Lei 11.343/2006), o que resultou na suspensão condicional

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do processo ou na aplicação de pena diversa da privativa de liberdade, quando houve condenação. Já em se tratando das situações em que o enquadramento na sentença correspondeu ao tráfico ilícito de entorpecentes (44,2% do total de casos), o quantum de pena privativa de liberdade mais comumente aplicado foi de um ano e oito meses (36%), tendo havido, portanto, o reconhecimento do tráfico privilegiado30.

Os dados coligidos durante a pesquisa revelam que, excluindo-se os processos ainda em andamento nas varas criminais singulares, os casos em que o desfecho é diverso da privação da liberdade perfazem 29,8%, o que revela a desproporção entre a medida cautelar e a resposta final do sistema de justiça criminal.

Crimes não violentos

Tabela 84. Enquadramento no boletim de ocorrência – não violentos

Tabela 85. O bem subtraído foi restituído? – crimes patrimoniais não violentos

Enquadramento no boletim de ocorrência – não violentos

%O bem subtraído foi restituído? – crimes patrimoniais não violentos

%

Furto simples (forma consumada) 24,6 Sim, integralmente 91,0

Furto simples (forma tentada) 10,8 Sim, parcialmente 2,1

Furto qualificado (forma consumada) 31,7 Não 6,9

Furto qualificado (forma tentada) 16,8 Total 100,0

Furto simples e outro(s) crime(s) 1,2

Furto qualificado e outro(s) crime(s) 4,2

Estelionato (forma tentada) 1,2

Receptação (forma consumada) 3,6

Dano 1,2

Falsificação de documento particular e uso de documento falso

1,8

Crimes de perigo (Lei 10.826/03 e art. 250 CP)

3,0

Total 100,0

Fonte: ITTC/Pastoral Carcerária

O dado a respeito da restituição do bem nos casos de crimes patrimoniais não violentos é demonstrativo do baixo grau de lesividade dessas condutas e evidencia, de forma eloquente, a contradição entre os impactos concretos do crime e a expres-são máxima do controle estatal, a privação da liberdade.

30 Art. 33 [...]. § 4o Nos delitos definidos no caput e no § 1o deste artigo, as penas poderão ser reduzidas de um sexto a dois terços, vedada a conversão em penas restritivas de direitos, desde que o agente seja primário, de bons antecedentes, não se dedique às atividades criminosas nem integre organização criminosa (Lei 11.343/2006, na redação anterior à RSF 5, de 15 de fevereiro de 2012, que suspendeu a execução da expressão “vedada a conversão em penas restritivas de direitos”).

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Tabela 86. Pedido de liberdade no Dipo – não violentos

Tabela 87. Pedido de liberdade na vara – não violentos

Pedido de liberdade no Dipo – não violentos

%Pedido de liberdade na vara – não violentos

%

Não 63,5 Não 13,2

Sim 36,5 Sim 86,8

Total 100,0 Total 100,0

Fonte: ITTC/Pastoral Carcerária

Entre os pedidos de liberdade (pedidos de liberdade provisória e/ou relaxamento do flagrante) formulados no Dipo, houve decisão favorável à pessoa presa em somente 9,6% dos casos. Na vara criminal, a concessão da liberdade, por provocação do proje-to, tem um crescimento importante, havendo deferimento em 40,4% dos casos.

Tabela 88. Sentença condenatória e pena na vara singular – não violentos

Tabela 89. Desfecho processual na vara singular – não violentos

Sentença condenatória e pena na vara singular – não violentos

%Desfecho processual na vara singular – não violentos

%

≤12 meses 50,9 Suspensão condicional do processo 10,8

>12 meses e ≤24 meses 36,8 Sentença absolutória 8,4

>24 meses e ≤36 meses 7,0 Sentença condenatória 34,1

>36 meses e ≤60 meses 5,3 Sem desfecho (em andamento) 46,7

>60 meses e ≤84 meses 0,0 Total 100,0

>84 meses 0,0

Total 100,0

Tabela 90. Pena de multa em dias-multa – não violentos

Tabela 91. Regime inicial de cumprimento de pena – não violentos

Pena de multa em dias-multa – não violentos

%Regime inicial de cumprimento de pena – não violento

%

0 a 5 31,6 Fechado 15,8

6 a 10 43,9 Semiaberto 33,3

11 a 15 15,8 Aberto 47,4

16 a 20 1,8 Não consta1 3,5

Acima de 20 7,0 Total 100,0

Total 100,0

Fonte: ITTC/Pastoral Carcerária

1 Nos casos em que não consta a informação na sentença, houve a substituição por pena restritiva de direitos.

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Tabela 92. Substituição por pena restritiva de direitos – não violentos

Tabela 93. Suspensão condicional da pena – não violentos

Substituição por pena restritiva de direitos – não violentos

%Suspensão condicional da pena (não violentos)

%

Não 64,9 Não 91,2

Sim 35,1 Sim 8,8

Total 100,0 Total 100,0

Fonte: ITTC/Pastoral Carcerária

À luz dos resultados do levantamento das informações processuais, é possível afirmar que, em 10,1% dos processos que ostentavam desfecho processual na vara singular, a resposta do sistema de justiça foi tão gravosa quanto a medida cautelar, isto é, houve condenação à pena privativa de liberdade com início de cumprimento de pena no regime fechado. No restante dos casos (89,9%), o desfecho consistiu na suspensão condicional do processo, na absolvição ou na condenação a pena com cumprimento ou caráter diverso da privação total da liberdade (regime semiaberto e aberto, sursis e substituição por pena restritiva de direitos).

Mesmo antes da entrada em vigor da nova sistemática das medidas cautela-res, delitos considerados de menor gravidade já eram passíveis de medidas judiciais que visam evitar o constrangimento do processo penal ou, em caso de julgamento e condenação, evitar o cárcere como resposta estatal. Assim, a Lei 9.099/1995 já previa a suspensão condicional do processo e o artigo 44 do Código Penal previa as penas restritivas de direitos (penas alternativas) para delitos sem violência ou grave ameaça, quando o réu não fosse reincidente em crime doloso ou, se reincidente, desde que não no mesmo delito (específico).

Assim, a equipe do projeto se deparou com diversos casos em que o réu estava sendo acusado de delito pelo qual poderia receber o benefício da Lei 9.099/1995 ou, ainda, se condenado nos exatos termos da denúncia, receberia, ao fim do processo, pena restritiva de direitos, nos termos do artigo 44 do CP. Porém, mesmo assim o acusado era mantido preso cautelarmente até a sentença que, enfim, o colocaria em liberdade, ainda que condenado.

Assim, constata-se um perverso sistema que subverte a sistemática legal. Se o código prevê que a pena para um determinado delito cometido sem violência ou grave ameaça, por réu primário ou reincidente não específico31, deva ser uma pena restritiva de direitos, e não privativa de liberdade, como pode o magistrado deixar o réu preso por diversos meses, soltando-o somente ao final, quando condenado?

31 Reincidente não específico é aquele que comete um crime após já ter condenação transitada em julgada de outro crime, de espécie diferente do crime anterior.

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Embora a resposta esteja descrita na lei, esse tem sido o expediente largamen-te utilizado por magistrados do fórum criminal da Barra Funda. Esse sistema de aprisionamento cautelar – de réus acusados por crimes que, ainda que condenados nos termos em que foram denunciados, receberão penas alternativas – é de evidente desproporção e incoerência processual penal.

Mas, como na visão de alguns magistrados, registrada em suas decisões, “a parte ordeira da sociedade está cansada desse tipo de delitos”, manter a prisão pro-cessual torna-se uma forma de se fazer “justiça” ao arrepio da lei, tornando-se o magistrado uma espécie de xerife, que inúmeras vezes justifica tais posições em decisões com o seguinte teor: “o juiz deve ser um homem de seu tempo e, como tal, não pode se esquivar dos anseios da sociedade por ordem e justiça”. Mas tem de se perguntar: anseios de que sociedade, de que parte da sociedade?

A fim de ilustrarmos tais situações, podemos contar o caso de M. V. C., que, mesmo sendo primário, passou um mês e dezesseis dias preso no CDP I de Pinhei-ros, acusado de furto qualificado por rompimento de obstáculo. Condenado ao final do processo, nos exatos termos da denúncia, julgada totalmente procedente, M. V. C. recebeu pena restritiva de direitos e foi colocado em liberdade, sem oposição do Ministério Público.

Para o pensamento punitivista imperante dos atores de justiça, M. V. C. teve o que merecia, pois se a lei é muito branda, o juiz ao menos o manteve preso enquanto pôde. O que podemos constatar, porém, é que pela primeira vez em sua vida M. V. C. permaneceu sete dias na insalubre cela escura, úmida e superlotada do regime de observação, e, depois, mais um mês e nove dias em outra cela não menos lotada do raio 3 do CDP I de Pinheiros.

Assim, os direitos do réu se tornam um obstáculo à sua liberdade, e há uma inversão em que a pessoa permanece presa enquanto está respondendo ao processo, mesmo com a presunção de inocência, e é solta quando é condenada.

No curso do projeto, a equipe se deparou com muitos casos de furto e roubo com suposta subtração de ínfimas quantias. Em dois casos, houve a prisão de pessoas em decorrência da supressão de apenas um real. Em outros casos, pessoas estavam presas pela falta de pagamento de um sabonete íntimo ou acusadas do furto de um de-sodorante e um creme dental. Ou, ainda, o caso do jovem que furtou um par de óculos escuros falsificados na Rua 25 de Março (endereço de comércio popular e ilegal no centro da cidade de São Paulo). Nesses, e em outros casos semelhantes, a equipe pe-ticionou com base no princípio da insignificância à autoridade judiciária competente, requerendo tanto o relaxamento do flagrante quanto a liberdade provisória.

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Em casos nos quais os acusados eram considerados primários, os magistrados geralmente os soltavam “de ofício”, ou seja, sem que a defesa tivesse requerido a liberdade. Porém, se, por um lado, a primariedade garantia a liberdade, por outro, a reincidência tornava-se o critério determinante para que se mantivesse a prisão do acusado, ainda que não fosse uma reincidência nos parâmetros constitucionais, com o trânsito em julgado32. Assim, quando se tratava de pessoas reincidentes ou possui-doras de maus antecedentes, o princípio da insignificância era esquecido. Passava-se a analisar não os fatos, mas o sujeito, sua história e seu estigma social.

Em nossas petições, apontávamos a necessidade de se observar que o dano ge-rado pela suposta conduta era mínimo, para não dizer inexistente e, portanto, inca-paz de justificar a movimentação do aparato estatal responsável pela administração da justiça. Em outras palavras, a argumentação buscou demonstrar que a ação penal somente pode encontrar algum sentido se o crime supostamente cometido tiver gera-do um quantum efetivo de dano e prejuízo para a vítima e para a sociedade. Assim, apresentávamos os seguintes argumentos:

Outro fundamento do princípio da insignificância reside na idéia da proporcionalidade que a pena deve guardar em relação à gravidade do bem. Nos casos de ínfima afetação ao bem jurídico, o conteúdo de injusto é tão pequeno que não subsiste qualquer razão para a imposição da reprimenda. Ainda a mínima pena aplicada seria desproporcional à significação social do fato. (in MAÑAS, O Princípio da Insignificância como exclu-dente de tipicidade no Direito Penal. São Paulo: Saraiva, 1994, p. 58) .

Com o mesmo objetivo, a equipe citava jurisprudência do Supremo Tribunal Federal (STF)33.

Em um caso paradigmático, o argumento da insignificância foi utilizado em acusação de roubo (art. 157 C P), a denominada bagatela imprópria.

R. O., preso acusado de ter roubado um real e um bilhete único (bilhete de trans-porte público da capital) – sem crédito comprovado – mediante ameaça verbal de “senão te bato”, sem uso de arma ou qualquer utensílio que pudesse colocar em risco a integridade da vítima. No entanto, apesar de ser primário e nunca ter sido sequer pro-cessado, R. O. permaneceu seis meses e doze dias preso antes da sentença, sendo con-denado à pena de cinco anos e quatro meses de reclusão em regime inicial fechado34.

32 Art. 5, inciso LVII da Constituição Federal: “Ninguém será considerado culpado até o trânsito em julgado de sentença penal con-denatória”.

33 STF, HC 84.412/SP, Min. Rel.: Celso de Mello, Segunda Turma, DJ 19.11.2004.34 Processo no 050.10.08247-0; 14a Vara Criminal do Fórum da Barra Funda.

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Desse modo, buscou-se defender a ideia do princípio da proporcionalidade entre a conduta delitiva (sua ofensividade, seu dano real) e, ao mesmo tempo, obser-vou-se a resposta repressiva totalmente desproporcional do Estado.

Crimes violentos

Tabela 94. Enquadramento no boletim de ocorrência (violentos)

Tabela 95. O bem subtraído foi restituído? (crimes patrimoniais violentos)

Enquadramento no boletim de ocorrência (violentos)

%O bem subtraído foi restituído? (crimes patrimoniais violentos)

%

Roubo simples (forma tentada) 15,2 Sim, integralmente 81,4

Roubo simples (forma consumada) 34,1 Sim, parcialmente 7,0

Roubo qualificado (forma tentada) 2,9 Não 11,6

Roubo qualificado (forma consumada) 41,3 Total 100,0

Lesão corporal em contexto doméstico 2,2

Roubo e outro crime 4,3

Total 100,0

Fonte: ITTC/Pastoral Carcerária

Os dados revelam que, à semelhança do que ocorre com os crimes patrimoniais não violentos, na grande maioria dos casos há restituição integral do bem, não res-tando prejuízo material às vítimas.

Tabela 96. Pedido de liberdade no Dipo Tabela 97. Pedido de liberdade na vara

Pedido de liberdade no Dipo % Pedido de liberdade na vara %

Não 82,6 Não 7,2

Sim 17,4 Sim 92,8

Total 100,0 Total 100,0

Fonte: ITTC/Pastoral Carcerária

O exame dos processos permite inferir que presos provisórios acusados de crimes cometidos com violência ou grave ameaça enfrentam grande resistência do Poder Judiciário. Pedidos visando à liberdade apresentados ao Dipo e às varas cri-minais foram sistematicamente indeferidos, havendo sucesso em apenas 3,3% do total de casos.

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Tabela 98. Sentença condenatória e pena (crimes violentos)

Tabela 99. Desfecho processual (crimes violentos)

Sentença condenatória e pena (crimes violentos)

%Desfecho processual (crimes violentos)

%

≤12 meses 2,5 Suspensão condicional do processo 1,4

>12 meses e ≤24 meses 12,7 Sentença absolutória 6,5

>24 meses e ≤36 meses 8,9 Sentença condenatória 57,2

>36 meses e ≤60 meses 24,0 Sem desfecho (em andamento) 34,8

>60 meses e ≤84 meses 48,1 Total 100,0

>84 meses 3,8

Total 100,0

Tabela 100. Pena de multa (dias-multa)

Tabela 101. Regime inicial de cumprimento de pena

Pena de multa (dias-multa) %Regime inicial de cumprimento de pena

%

0 a 5 16,4 Fechado 54,4

6 a 10 25,3 Semiaberto 34,2

11 a 15 43,0 Aberto 11,4

16 a 20 3,8 Total 100,0

Acima de 20 11,4

Total 100,0

Tabela 102. Substituição por pena restritiva de direitos

Substituição por pena restritiva de direitos

%

Não 96,2

Sim 3,8

Total 100,0

Fonte: ITTC/Pastoral Carcerária

Do universo de casos estudados que versavam sobre crimes classificados como violentos, 34,8% não ostentavam ainda um desfecho. Quando havia nos autos uma resposta do sistema de justiça criminal, em 46,8% dos casos, ela foi diversa da pri-vação de liberdade (suspensão condicional do processo, absolvição, início de cum-primento de pena nos regimes semiaberto e aberto e substituição da pena de prisão por restritiva de direitos).

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Antecipando-se ao que o material empírico veio a confirmar, o projeto requereu ao Judiciário que retirasse a medida cautelar de prisão provisória imposta para delitos de roubo (crime que envolve violência ou grave ameaça), tendo como base argumen-tativa o fato de que a lei penal, no artigo 33, parágrafo 2º do Código Penal, permite ao acusado por esse delito, dependendo de sua reincidência e do quantum de pena aplicada, o cumprimento da pena em regime prisional semiaberto ou mesmo aberto.

O caso do jovem R. H. S. J. pode ilustrar bem a questão:

Preso em 1/9/2010, acusado de tentativa de roubo (art. 157 caput, c/c art. 14, II, ambos do Código Penal), primário, possuidor de bons antecedentes e menor de 21 anos (atenuante, art. 65, I CP). Ainda que eventualmente condenado nos exatos termos da denúncia, R. H. S. J. faria jus ao regime aberto para o cumprimento de pena privativa de liberdade, nos termos do art. 33, § 2º, alínea “c”, do Código Penal.

As argumentações em primeira instância, porém, de nada serviram. Foi, então, impetrado um pedido de habeas corpus ao Tribunal de Justiça de São Paulo, o qual teve a liminar denegada.

Porém, em 16/11/2010, antes que se julgasse o mérito do respectivo habeas corpus, R. H. S. J. foi condenado na 8ª Vara Criminal da capital, nos exatos termos em que havia sido denunciado pelo Ministério Público, sendo-lhe determinado o cumprimento de pena de dois anos de reclusão em regime aberto. Assim, em per-versa ironia jurídica, após dois meses e sete dias de prisão no superlotado CDP I de Pinheiros, R. H. S. J., agora condenado, foi colocado em liberdade para, enfim, cumprir sua pena.

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Estudo comparativo

Com a finalidade de avaliar o impacto da intervenção realizada pelo ITTC/Pastoral Carcerária no Centro de Detenção Provisória I de Pinheiros (CDP) e na Penitenciária Feminina de Sant’Ana (PFS), optou-se por comparar indicadores de qualidade de atendimento, medidos antes e após a intervenção.

O período de intervenção deu-se de agosto de 2010 a junho de 2011, sendo que todos os indivíduos ingressantes no CDP ou na PFS deveriam ser atendidos pela equipe do projeto.

A população de estudo antes da intervenção no CDP e na PFS foi composta pelos ingressantes no período de outubro de 2009 a maio de 2010, da qual foram retiradas amostras probabilísticas para a realização deste estudo.

A comparação entre os cenários antes e depois da intervenção deveria ser con-trolada pelos efeitos das seguintes variáveis: tipo de crime, perfil do autor (sexo, cor, estado civil, escolaridade e relação com o sistema de justiça criminal) e perfil da vítima (sexo, cor, estado civil e escolaridade). Outras variáveis poderiam entrar na análise, como apreensão de armas, apreensão de drogas e número de vítimas.

Estimou-se para a análise conjunta dessas variáveis um tamanho de amostra de 600 indivíduos por grupo, antes da intervenção.

Sorteio dos indivíduos antes da intervenção

A disponibilização das informações dos processos em cada um dos estabele-cimentos foi diferente, exigindo então diferentes formas de sorteio. A PFS forneceu o número de ingressantes por mês, de outubro de 2009 a maio de 2010, totalizando 1.410 mulheres. Para alcançar a amostra de 600 pessoas, foram numeradas as mu-lheres em ordem de entrada no estabelecimento e efetuados sorteios sistemáticos em réplicas, isto é, 12 réplicas de 50 mulheres cada uma, de modo que a coleta de dados se daria em 12 etapas. Uma nova réplica era iniciada somente ao terminar a réplica anterior, obedecendo à ordem das listas sorteadas. O sorteio de cada réplica foi sistemático a fim de manter a proporcionalidade de mulheres segundo o mês de ingresso na PFS.

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Para o CDP, optou-se por sortear os dias úteis do período de outubro de 2009 a maio de 2010. A equipe do projeto deveria analisar todos os processos ingressantes nos dias sorteados. Da mesma forma que para a PFS, adotou-se o sistema de sorteio em réplicas. A relação de ingressantes no período totalizou 1.160 homens. Foram sorteadas seis réplicas, cada uma com sete dias, distribuí-das proporcionalmente ao longo do período, na expectativa de se encontrar uma média de 7,38 indivíduos por dia.

Cada réplica constitui uma amostra completa da população de estudo. Dessa forma, caso a coleta de dados tivesse que ser interrompida antes do previsto em função da capacidade operacional da equipe, as inferências poderiam ser realizadas com as réplicas já obtidas.

Análise da amostra da PFS

Foram analisados 193 processos da Penitenciária Feminina de Sant’Ana, dos quais 138 (71,5%) foram conduzidos pelo projeto, cujos boletins de ocorrência abrangeram o período de 15 de setembro de 2010 até 24 de fevereiro de 2011. Os processos não conduzidos pelo projeto abrangeram o período de 30 de setembro de 2009 a 28 de maio de 2010.

Em relação à coleta de dados dos processos anteriores à intervenção do projeto, elaborou-se um plano amostral em várias etapas, as chamadas réplicas. Os dados da segunda réplica só seriam coletados quando todos os processos sorteados para a primeira réplica fossem analisados. Desse modo, o tamanho final da amostra seria determinado pela capacidade da equipe em completar as réplicas, e cada réplica cor-responderia a uma amostra da população de estudo, caso fosse completada.

Por motivos alheios ao projeto, não foi possível analisar os processos anterio-res à intervenção do projeto de acordo com as orientações para o sorteio da amostra. Foram analisados 55 processos de seis réplicas distintas, com uma média de 9,2 processos cada uma. Os processos sorteados não analisados não foram disponibili-zados à equipe do projeto para coleta de dados, por motivos diversos que já foram aqui relatados.

Desse modo, nenhuma réplica foi completada, de forma que não se obteve ne-nhuma amostra completa. Isso quer dizer que 55 processos analisados não conduzidos pelo projeto constituem uma amostra de conveniência, isto é, não representam a popu-lação de estudo, apesar de alcançarem o número mínimo de uma amostra com apenas uma réplica. Portanto, qualquer análise comparativa entre os dois grupos de processos (conduzidos e não conduzidos pelo projeto) deve ser feita cuidadosamente, sem que seja tomada como representativa do total de processos da PFS do período estudado.

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Um olhar para as mulheres

Apesar do intuito declarado de trabalhar na Penitenciária Feminina de Sant’Ana, com o objetivo de conhecer ainda mais as mulheres presas, os dados dos questionários e das pesquisas ainda revelam pouco sobre a situação das mulheres encarceradas. Há uma escassez de dados concretos sobre as mulheres infratoras, inclusive em nível nacional. Mas o que se mostra de forma clara é que não há como negar a relação que se estabelece entre as mulheres e as drogas.

Os poucos dados revelam que, em nível nacional, 62% dos delitos das mulhe-res são diretamente relacionados ao crime de tráfico de drogas (Lei 11.403/2006), e ainda é preciso registrar que muitas mulheres contam que também furtam (art. 155) e assaltam (art. 157) para comprar drogas. Assim, muitos índices giram em torno da droga.

A pesquisa mostrou que 81% dos delitos femininos eram crimes não violentos (somando as categorias “crimes não violentos” e “crimes de tráfico”), enquanto 57% dos delitos masculinos estavam nessas categorias. E, desses 81%, 38,8% dos delitos são de tráfico. É importante lembrar que a pesquisa foi feita logo depois do flagrante e antes da possibilidade da liberdade provisória; assim, o número de presas respon-dendo por furto chega a 38,5%. Também é interessante notar que os homens são mais presos em logradouros públicos (78,6%) do que as mulheres (56%) enquanto as mulheres têm uma taxa maior de prisão em estabelecimentos comerciais (21,9%) do que os homens (6,8%).

Atualmente, é muito comum a situação de a mulher estar presa em flagrante por ter tentado entrar numa unidade prisional com drogas. Quase 4% das mulheres entrevistadas foram presas em uma delegacia ou em uma unidade prisional. As mu-lheres que foram presas durante revista na penitenciária portavam a droga para levá--la ao companheiro preso. A maioria delas disse que o marido estava sendo ame-açado por presos da unidade e, caso a esposa não levasse a droga, ele seria morto.

Nesses casos, as mulheres são presas como traficantes, e apenas as agentes en-volvidas no flagrante testemunharam o caso. Durante o processo, não há evidências de nenhum tipo de investigação acerca da alegação das mulheres, de que elas teriam sido obrigadas a levar a droga35.

Além disso, cada vez mais as mulheres são as provedoras do lar; da população pesquisada, 53% dos homens disseram que têm filhos, enquanto 81,2% das mulheres têm filhos, e 14,1% delas têm cinco filhos ou mais. Da coabitação, somente 23,7% dos homens disseram que moravam com os filhos, enquanto 56,2% das mulheres

35 Esse tema merece uma pesquisa mais aprofundada, tendo em vista que muitas mulheres vêm sendo criminalizadas por tentarem adentrar estabelecimentos prisionais com droga, mas não necessariamente com a intenção de traficá-la.

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disseram que moravam com seus filhos antes da prisão. Esses dados são significati-vos pelo fato de que mais de 64% das mulheres declararam ser solteiras, divorciadas ou viúvas e que não têm companheiros ou esposos para dividir o sustento da família.

As mulheres também vivem menos em situação de rua, sendo que, delas, 13,5% se declararam em situação de rua, enquanto os homens eram 31,8%.

A pesquisa mostra que as mulheres são menos vítimas de violência policial no que se refere à abordagem na rua, agressão física ou verbal, mas, quando os maus--tratos acontecem com as mulheres, são quase sempre violência de gênero. Elas contaram que, quando o agente público que prendeu era homem, elas apanhavam menos, mas escutavam mais ofensas à sua dignidade feminina (a descrição do cor-po, o uso de palavras que reproduzem ofensas à sua sexualidade e ao seu corpo), inclusive propostas de “propina sexual”, que consiste em relaxar a prisão em troca de favores sexuais. A violência física se apresentava frequentemente aliada ao abuso sexual (policial masculino que passava a mão no corpo da presa) e não poucas vezes a abordagem se fez de modo intimidador, ante a discrepância entre a força policial e física masculina e as condições em que a mulher foi presa. Algumas contaram que a prisão foi efetuada na frente dos filhos, e uma contou que o policial ameaçou agredir a filha se a mulher não se entregasse.

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Casos emblemáticos

As fotos dão liberdade

I. P. L. tem 46 anos de idade, não possui antecedentes criminais, é travesti, soropositivo e portador de uma doença degenerativa do sistema nervoso central, que fez com que, a partir dos 40 anos de idade, perdesse o movimento das pernas e a audição, além de lhe impor a dura rotina de ter que trocar diariamente os cura-tivos de sua perna, cuja pele aparenta estar em constante estado de queimadura e decomposição. Preso portando nove invólucros de cocaína (no total de 3,7 gramas), escondidos dentro da atadura de sua perna, foi enviado para o CDP I de Pinheiros, onde passou oito meses e cinco dias numa cela do setor de enfermaria, a qual possui luminosidade e ventilação muito inferiores às celas comuns no setor dos raios.

Para que pudesse tomar algum “banho de sol”, I. P. L. necessitava de um fun-cionário que, com boa vontade, o levasse de cadeira de rodas para “tomar ar”, o que poucas vezes acontecia. A direção da unidade informava que “não tinha como colocar um funcionário à disposição de I. P. L.”, confirmando assim que I. P. L. passava, de fato, diversos dias sem sair da pequena cela escura e mofada em que se encontrava.

I. P. L. foi preso em 3 de outubro de 2010, sendo lhe negado o direito de aguar-dar o curso do processo em liberdade, apesar de ser primário. Foi então condenado à pena de um ano e onze meses de reclusão, em regime inicial fechado, e ao paga-mento de 195 (cento e noventa e cinco) dias-multa.

Atendido pelo projeto, a equipe entrou com recurso de habeas corpus no Tribu-nal de Justiça de São Paulo, demonstrando que a manutenção de I. P. L. no cárcere, além de oferecer alto risco à sua saúde, já bastante debilitada, também se revelava uma maneira cruel de punição, violando a própria dignidade da pessoa humana. Mais ainda, a petição mostrou a posição de irracionalidade da política penal de aprisionamento sistemático de pessoas acusadas de pequeno tráfico e muitas vezes primárias, como é o caso de I. P. L., paradigma para o qual o Supremo Tribunal Fe-deral já tem aplicado penas alternativas desprisionalizantes.

Apesar de haver laudos médicos atestando que I. P. L. era surdo e soropositivo, não havia em seu prontuário de saúde nenhum documento que comprovasse a exis-

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tência da referida doença degenerativa do sistema nervoso central. Assim, utilizan-do estratégia pouco ortodoxa, a equipe, por meio da direção do presídio, obteve fotos de I. P. L., que foram juntadas à petição para sensibilização dos desembargadores. Os tradicionais laudos médicos impessoais foram substituídos por fotos vivas que demonstravam a dor e a degradação humana daquele caso.

Em decisão inédita e destoante da praxe da corte paulista, conseguiu-se que I. P. L., já condenado por tráfico de entorpecentes em 1a instância, recebesse do Tribu-nal de Justiça de São Paulo o direito de aguardar o julgamento do recurso de apela-ção em liberdade, determinando sua imediata soltura. Assim decidiu o Tribunal de São Paulo, em 2 de julho de 2011:

Destarte, a ausência de tratamento médico adequado – de difícil disponibilização no sistema penitenciário – poderá acarretar sérios riscos à saúde do suplicante.

Tratando-se de situação específica, na qual o paciente demonstrou a necessidade de submissão a tratamento especializado fora do cárcere, cabível, em respeito ao princípio da dignidade humana, a concessão do pedido.

No mais, ressalte-se que o paciente é primário e não possui antecedentes criminais, em que pese a gravidade do delito cometido.

Por conseguinte, tendo em vista a excepcionalidade fática exposta, de rigor a concessão da ordem para que o paciente possa aguardar o trânsito em julgado de sua condenação em liberdade.

(HC 0030078-94.2011.8.26.0000; TJ/SP)

Após a liberdade de I. P. L., a equipe do projeto buscou garantir os benefí-cios sociais previstos na Lei Orgânica da Assistência Social (LOAS). Porém, antes mesmo de conseguir acessar esses direitos, I. P. L. foi novamente preso com igual acusação de tráfico de drogas, no varejo, demonstrando a dificuldade de se con-seguir romper com a dinâmica social que empurra os indivíduos para “a carreira criminal”. Nesse novo processo, I. P. L. passou a ser defendido pela Defensoria Pública do Estado.

O PlayStation pirata

S. A. S. permaneceu preso por cinco meses e onze dias no superlotado CDP I de Pinheiros, acusado de tentativa de estelionato, pois supostamente teria tentado vender uma carcaça vazia de videogame por cem reais, como se fosse o videogame inteiro. Ao final do processo, foi absolvido. Porém, a prisão de S. A. S. somente foi resolvida quando seu alvará de soltura foi expedido por ordem do Supremo Tribunal Federal.

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Segundo a acusação, policiais civis “avistaram dois indivíduos conversando em via pública, sendo que um deles, ora indiciado, apresentou para a vítima uma caixa de videogame PlayStation 2, sendo que foi pago ao indiciado a quantia de R$ 100,00 (cem reais)”. Logo após a transação ocorrer, os policias abordaram am-bos, descobrindo que S. A. S. havia entregado tão somente uma carcaça de videoga-me com papel dentro, enganando o comprador. A suposta vítima não sofreu nenhu-ma lesão patrimonial, pois o valor pago lhe foi integralmente restituído.

Foi requerido pela defesa o relaxamento da prisão em flagrante delito, bem como, subsidiariamente, a liberdade provisória, alegando-se, para tanto, a reinci-dência não específica de S. A. S.

Em pedido de habeas corpus ao Tribunal de Justiça de São Paulo, foi requerida medida liminar para a concessão de liberdade provisória sem fiança ou, subsidiaria-mente, a imposição de medidas cautelares diversas da prisão, como determina a Lei 12.403/2011, o que foi negado.

Em função da negativa do Tribunal Paulista de conceder liminarmente a li-berdade provisória sem fiança ou de aplicar medida cautelar diversa da prisão, nos termos da Lei 12.403/2011, foi impetrado novo habeas corpus no Superior Tribunal de Justiça (STJ), o qual foi indeferido liminarmente, sem conhecimento de mérito, alegando-se supressão de instância, pois não teria havido julgamento final no Tribu-nal Paulista, fundamentando-se o indeferimento na súmula 691 do STF, que impede que tribunal superior aprecie habeas corpus oriundo do indeferimento de pedido de liminar constante em habeas corpus impetrado em tribunal inferior.

O caso foi, então, levado ao Supremo Tribunal Federal, para o qual se requereu a flexibilização da referida súmula 691, conforme algumas jurisprudências da Su-prema Corte, que, em casos de evidente ilegalidade, relativiza sua própria súmula e aprecia o caso.

Foi demonstrado que a manutenção da prisão de S. A. S. era de evidente des-proporção penal e incoerência processual, uma vez que, em face do tipo penal que lhe era atribuído (tentativa de estelionato), se fosse condenado, viria a ser contem-plado com pena alternativa ao cárcere, fazendo jus à substituição da pena privativa de liberdade por pena restritiva de direitos (alternativa), nos termos do art. 44, §3º do Código Penal. Ademais, a prisão se mostrava completamente desproporcional à gravidade concreta dos fatos, pois o delito que lhe era imputado não havia sido cometido com violência contra a pessoa, sendo que, ao final, todo o dinheiro havia sido devolvido à vítima, que não sofreu nenhum prejuízo material.

Desse modo, em decisão bastante simbólica e passível de fortalecer impor-tante jurisprudência da Suprema Corte, a súmula 691 do STF foi flexibilizada e, reconhecendo-se o princípio da proporcionalidade, determinada a imediata soltura de S.,A.,S. (HC 110079/ STF).

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O alvará que demorou três dias

J. E. F. nunca havia se envolvido com o sistema de justiça penal e, aos 44 anos, envolvido no ciclo da dependência química do crack, abandonou a família e foi vi-ver nas ruas do centro de São Paulo. Assim, não tardou muito até que adentrasse aos muros do CDP I de Pinheiros, local por onde passam muitos dos homens usuários de crack do centro da cidade, geralmente acusados de crimes como furto ou roubos sem arma, ou por suposto tráfico, uma vez que o divisor de águas entre usuário e traficante, em nosso sistema jurídico, depende da subjetividade da autoridade poli-cial de plantão.

Desse modo, J. E. F. foi acusado de ter arrebatado a carteira das mãos de um passageiro do metrô, que se encontrava na fila da bilheteria, sendo perseguido pela suposta vítima e rapidamente detido por seguranças do metrô, que devolveram todos os pertences ao seu proprietário.

Após o atendimento no CDP I, a equipe do projeto realizou contato com os familiares de J. E. F., que afirmaram terem perdido o contato com ele havia algum tempo e se prontificaram em apresentar os documentos dele, bem como em acompa-nhá-lo para que não voltasse ao ciclo do crack quando saísse da cadeia.

Juridicamente, a manutenção da prisão processual, em casos como o de J. E. F., seria de evidente desproporção penal, pois o delito de furto simples possui pena mínima de um ano, o que garante ao réu primário, igual a ele, o direito à suspensão condicional do processo, nos termos do art. 89 da Lei 9.099/95. E mais, ainda que eventualmente o processo não fosse suspenso, pois isso depende de proposta do Ministério Público, se o réu primário for condenado por furto, terá direito à substi-tuição da pena privativa de liberdade (prisão) por pena restritiva de direitos (alter-nativa), conforme determina o art. 44 do Código Penal. Assim, qual seria a lógica de manter preso preventivamente alguém acusado de algo que, se condenado, será colocado em liberdade?

Porém, apesar da obviedade do princípio da proporcionalidade entre prisão preventiva e pena a ser aplicada, foi necessária a vigência da nova Lei 12.403/2011, que institui o regime de medidas cautelares, para que tal princípio fosse colocado em prática por alguns magistrados.

Desse modo, foi efetuado o pedido de liberdade provisória em favor de J. E. F., que, apesar da posição contrária do Ministério Público, foi deferido pelo magis-trado responsável, numa sexta-feira ao final da tarde. Mas como o cumprimento do alvará de soltura deveria ser efetuado concomitantemente com a intimação do réu para comparecer em audiência já designada, tal alvará precisava, necessariamente, ser cumprido por oficial de justiça, que já não mais estava no fórum num final de tarde de sexta-feira. Assim, por triste ironia do destino e da realidade social dos

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fatos, apesar de ter conquistado a liberdade, J. E. F. passou o sábado e o domingo na cadeia; quando deveria ter sido soltado de imediato.

Na segunda-feira, às 9 horas da manhã, sua mãe já estava na porta do CDP I de Pinheiros aguardando para receber o filho, e o respectivo oficial chegou por volta das 13 horas, junto com a equipe do projeto. Porém, ao final da tarde daquele dia, quando a equipe do projeto já saía da unidade prisional, J. E. F. ainda não havia sido liberado. Quando a equipe procurou entender o atraso na soltura, alguns funcioná-rios disseram que J. E. F. somente seria liberado no dia seguinte, pois o “expediente” (Sevec) já estava para ser encerrado, e o preso J. E. F., que havia sido retirado da cela para receber a intimação e o alvará do oficial de justiça, havia sido enviado nova-mente para a cela, no interior do raio, “por engano”.

A equipe do projeto, então, contatou a responsável pelo Sevec para expor o problema e afirmar que somente sairia de lá quando J. E. F. fosse liberado. Depois de muitos contatos de rádio entre os agentes para “esclarecer” o caso, por volta das 19h30, J. E. F. foi liberado. Mãe, filho e equipe do projeto caminharam juntos até a estação de trem.

Roubo de R$1,00 leva cinco anos de pena em regime fechado

Um caso bastante emblemático na atuação do Projeto Tecer Justiça foi o do jovem P., atendido pela primeira vez no dia 19 de outubro de 2010 no CDP I de Pi-nheiros, quando se iniciou um acompanhamento que incluiu diversos recursos aos tribunais superiores e contatos familiares.

P., que é natural da Bahia, estava em São Paulo havia poucos meses. Veio para trabalhar como cabeleireiro, pois, por ser homossexual, acreditava que, em São Pau-lo, encontraria menos preconceitos e mais oportunidades na vida. Morava na casa de sua patroa, que, por confiar nele, permitia, inclusive, que organizasse as finanças do salão de beleza. Era primário, nunca havia sido sequer processado, mas, em 16 de outubro de 2010, iniciou seu inferno, quando foi preso acusado de ter roubado um real e um bilhete único (bilhete de transporte público da capital) – sem crédito comprovado – mediante ameaça verbal, sem uso de arma.

P. permaneceu seis meses e doze dias preso antes da sentença. A demora entre a data de sua prisão e a sentença penal deveu-se à dificuldade de se encontrar a coau-tora do roubo para o julgamento, pois ela, que também estava presa, havia fornecido nome falso no inquérito policial.

Nesse período, a equipe do projeto impetrou habeas corpus com fundamen-tações diversas, que chegaram até o Superior Tribunal de Justiça (STJ). Num dos

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habeas corpus, pleiteou-se o relaxamento da prisão em flagrante pela insignificância da lesão causada, a denominada “bagatela imprópria”, bem como a liberdade pro-visória de P., que era primário e possuía residência fixa e ocupação lícita. No outro, posterior, requereu-se o relaxamento da prisão em função do excesso de prazo, que havia superado os 60 dias determinados pelo art. 400 do Código de Processo Pe-nal36, superando ainda determinação mais abstrata de “duração razoável do proces-so”, conforme dispõe a Constituição Federal37 e tratados internacionais dos quais o Brasil é signatário38. Ambos os pleitos foram fracassados, e P. aguardou preso todo o período de mais de seis meses antes do julgamento.

Durante esse período, em função de sua orientação sexual, P. começou a rece-ber diversas ameaças dentro do CDP I de Pinheiros, sendo então extorquido por um grupo de presos pertencentes a uma organização criminal, presente naquela unida-de. Assim, sua mãe recebeu ligações de dentro da cadeia exigindo que depositasse a quantia de duzentos reais numa conta corrente, o que foi feito por duas vezes con-secutivas. Foi então que P. conversou com a equipe do projeto e pediu para interce-der por ele, solicitando sua transferência para outra unidade prisional. P. foi, então, transferido para o CDP II de Pinheiros, local que “aceita” presos homossexuais.

O pai de P., sr. Antônio, já residia em São Paulo quando o filho veio para a cida-de, mas era “rompido” com ele em função de sua orientação sexual. Porém, quando P. foi preso, a equipe fez contato com seu pai, e o vínculo entre ambos foi, de alguma maneira, restabelecido. Ocorre que o sr. Antônio, que participa de uma igreja que não aceita a diversidade sexual, teve dificuldade em aceitar seu filho homossexual, passando prolongados períodos sem visitá-lo. Já a mãe, sra. Maria de Fátima, que reside em Salvador, esteve duas vezes em São Paulo, despendendo enorme esforço financeiro e psicológico para ver seu filho, tendo recebido apoio da equipe naquilo que foi possível realizar.

Em 28 de abril de 2011, P. foi enfim julgado, sendo condenado à pena de cinco anos e quatro meses de reclusão em regime inicial fechado, por infração ao delito de roubo de um real e um bilhete único, mediante ameaça verbal, sem uso de arma, mas qualificado por concurso de agentes.

36 Código de Processo Penal. Art. 400. Na audiência de instrução e julgamento, a ser realizada no prazo máximo de 60 (sessenta) dias, proceder-se-á à tomada de declarações do ofendido, à inquirição das testemunhas arroladas pela acusação e pela defesa, nesta ordem, ressalvado o disposto no art. 222 deste Código, bem como aos esclarecimentos dos peritos, às acareações e ao reconhecimento de pessoas e coisas, interrogando-se, em seguida, o acusado. (Redação dada pela Lei no 11.719, de 2008).

37 Constituição Federal. Art. 5 LXXVII. A todos, no âmbito judicial e administrativo, são assegurados a razoável duração do pro-cesso e os meios que garantam a celeridade de sua tramitação. (Inciso acrescentado pela Emenda Constitucional no 45 de 08/12/2004).

38 Convenção Americana dos Direitos Humanos. Art. 7o, inc. 5. Direito à liberdade pessoal: (…)Toda pessoa presa, detida ou retida deve ser conduzida, sem demora, à presença de um juiz ou outra autoridade autorizada por lei a exercer funções judiciais e tem o direito de ser julgada em prazo razoável ou de ser posta em liberdade, sem prejuízo de que prossiga o processo. Sua liberdade pode ser condicionada a garantias que assegurem o seu comparecimento em juízo.

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Ocorre que, como P. era primário (tendo sido reconhecido pela própria juíza que o condenou como possuidor de bons antecedentes), e sendo a pena fixada em cinco anos e quatro meses de reclusão, o regime inicial para o cumprimento deveria ter sido o semiaberto, nos termos do art. 33, §2º, alínea “b” do Código Penal39.

Porém, a juíza do caso fixou o regime fechado para cumprimento inicial da pena, utilizando-se para tanto de argumentações sobre a gravidade em abstrato do delito de roubo que, nas palavras da juíza, “tanto aterroriza a população desta cida-de”. A juíza afirmou ainda que o regime fechado se justificaria porque o delito teria sido cometido “em plena luz do dia”, demonstrando que o agente agira de forma “ousada”.

Pela legislação brasileira, porém, são os delitos cometidos no período do re-pouso noturno que têm merecido maior reprimenda penal, como o estereotipado caso do furto noturno cuja pena é mais alta do que o mesmo crime cometido em plena luz do dia (art. 155, §1ª do CP).

Assim, situação inversa, com delito cometido à noite ou de madrugada, tam-bém poderia ser utilizada para fixação do regime além do que determina a lei, ale-gando-se ousadia do agente que não respeita o “repouso noturno da sociedade”. Desse modo, o magistrado utiliza-se de pura retórica para esquivar-se do que dispõe a lei, no art. 33, §2º do CP, sem que haja elementos concretos para tanto, sem apre-sentar motivação idônea, violando inclusive súmulas do Superior Tribunal Federal40 e do Superior Tribunal de Justiça41 sobre o tema.

Todavia, a Defensoria Pública não efetuou recurso de apelação como seria o esperado, permitindo que a sentença transitasse em julgado para a defesa. Após a equipe do projeto conversar com a defensora pública responsável pelo caso, essa impetrou habeas corpus no Tribunal Paulista, requerendo a fixação de regime ini-cial semiaberto, conforme determina a lei, mas não alterando o status de condenado definitivo de P., o que prejudicou possível análise do pleito de liberdade provisória pelo Supremo Tribunal Federal.

39 Art. 33, § 2º - As penas privativas de liberdade deverão ser executadas em forma progressiva segundo o mérito do condenado, observados os seguintes critérios e ressalvadas as hipóteses de transferência a regime mais rigoroso:

a) o condenado a pena superior a 8 (oito) anos deverá começar a cumpri-la em regime fechado; b) o condenado não reincidente, cuja pena seja superior a 4 (quatro) anos e não exceda a 8 (oito), poderá, desde o princípio,

cumpri-la em regime semiaberto (grifo nosso); c) o condenado não reincidente, cuja pena seja igual ou inferior a 4 (quatro) anos, poderá, desde o início, cumpri-la em regime

aberto. § 3º - A determinação do regime inicial de cumprimento da pena far-se-á com observância dos critérios previstos no art. 59 deste

Código. 40 Súmula no 718 – STF: A opinião do julgador sobre a gravidade em abstrato do crime não constitui motivação idônea para a

imposição de regime mais severo do que o permitido segundo a pena aplicada. Súmula no 719 – STF: A imposição do regime de cumprimento mais severo do que a pena aplicada permitir exige motivação idônea.

41 Súmula no 440 – STF: Fixada a pena-base no mínimo legal, é vedado o estabelecimento de regime prisional mais gravoso do que o cabível em razão da sanção imposta, com base apenas na gravidade abstrata do delito.

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O Tribunal Paulista, porém, denegou a ordem para regime inicial semiaberto. Então, a equipe do Tecer Justiça impetrou novo habeas corpus no Superior Tribunal de Justiça (STJ), o qual teve liminar denegada, estando ainda pendente o julgamento do mérito. Frise-se que o STF negou-se a analisar o caso enquanto não houvesse acórdão do STJ, conforme a súmula 691 do Supremo Tribunal.

Mas enquanto ocorre a batalha jurídica na impessoalidade dos tribunais, P. vive na pele as opressões do cárcere, contraindo tuberculose no interior de uma cela superlotada, e como já era HIV positivo, sua saúde fica extremamente debili-tada, chegando a pesar míseros 42 kg.

Após cumprir onze meses de prisão e com a saúde extremamente debilitada, P. recebeu o benefício de cumprir o restante da pena em regime semiaberto. Porém, a decisão proferida em 9 de setembro de 2011 por um magistrado do mutirão do Conse-lho Nacional de Justiça (CNJ) permanece apenas no papel, e ,dois meses e meio após receber o benefício, P. ainda permanece trancado integralmente no regime fechado dentro de um centro de detenção que, a princípio, deveria ser provisório.

Em função dessa situação, a equipe protocolou um pedido no Departamento de Execuções Criminais da Capital para que, na falta de vaga e eficiência do Estado em garantir o regime semiaberto para o preso, P. possa aguardar em prisão domiciliar. Porém, somente para ser juntado aos autos, o pedido demorou uma semana, não havendo ainda uma resposta.

Liberdade provisória para acusado de tráfico

L. J. A. S., 24 anos, trabalhava como ator de filmes adultos e realizava bicos para uma empresa de telefonia em São Paulo. Estava residindo em um hotel, pois viera tentar a vida em São Paulo recentemente.

O jovem foi atendido pelo projeto em 29/9/2010. Sua prisão em flagrante deu-se em 19/9/10 pela suposta prática de tráfico de entorpecentes. Segundo o boletim de ocorrência, fora surpreendido com 17 pedras de crack (6,8 gramas) e R$ 3.083,90 em um quarto de hotel.

A petição de liberdade provisória foi protocolada em 7/10/2010 com documen-tação (comprovante de residência e de trabalho), pontuando sua primariedade e falta de antecedentes. A petição reforçou a tese que, ainda que eventualmente condenado, faria jus ao regime aberto e à substituição da pena privativa de liberdade por restri-tiva de direito, conforme orientação do Superior Tribunal de Justiça (v. HC 164.976/MS, HC 160.672/SC, entre outros) e recente julgado do Supremo Tribunal Federal no HC 97.256/RS.

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Vale mencionar que a família do atendido reside longe da capital e teve dificul-dade para acompanhar seu processo. O projeto teve contato direto com um amigo de L. J. A. S., o qual foi decisivo no que tange à documentação e relação familiar. Este levou jumbo (denominação dada ao conjunto de itens de higiene, limpeza e alimen-tação etc. entregue por familiares e visitantes aos presos) e esteve presente na sede do ITTC, sendo uma ponte entre a equipe e a família.

A liberdade provisória fora indeferida no Dipo e na vara pelos magistrados, que alegaram não ser passível a liberdade provisória no delito de tráfico.

O habeas corpus foi impetrado no Tribunal de Justiça em 12/1/2011, reafir-mando que o poder constituinte de 1988 restringiu ao crime hediondo a graça, a anistia e a fiança, contudo não pontua sobre a liberdade provisória. Sendo assim, qualquer estipulação em contrário inserida em norma hierarquicamente inferior vai de encontro ao princípio da supremacia da Carta Magna. A liminar foi indeferida.

Ele foi solto em 16/3/2011, cinco meses depois, pela concessão do mérito do habeas corpus impetrado no Tribunal de Justiça com votação unânime:

o art. 5o da Carta Magna (...), jamais autorizou o legislador ordinário a produzir nor-mas que vedassem a concessão de liberdade provisória a determinados delitos, como pretendem alguns operadores de direito.

(...) Vale ainda lembrar que a primariedade e a ausência de antecedentes terão peso em caso de eventual condenação e poderão sugerir redução ou mesmo substituição da pena corporal.

Ademais, o paciente está preso desde setembro de 2010, sem que se tenha iniciado a instrução.

L.J.A.S. teve sua audiência designada para o dia 5/4/2011. Seu amigo tentou acompanhar a audiência pessoalmente, mas não foi autorizado. Apesar da interven-ção da equipe do projeto nessa tentativa, ele não conseguiu.

Usuária, mãe de cinco filhos, presa por “tráfico”

M. e A. foram presos pela suposta prática de tráfico de entorpecentes e asso-ciação ao tráfico. Segundo o boletim de ocorrência, foram surpreendidos, correndo pelas ruas, por policiais que foram acionados pelo Copom (denúncia pelo telefone 190). M. e A. adentraram em um barraco. Com M. e A. nada foi encontrado. Indaga-dos a respeito do barraco, informaram ser sua casa.

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Policiais, mesmo sem mandato, entraram na residência e a revistaram. Nela, segundo a moradora (M.), estavam seus cinco filhos. Com receio do tumulto causado com a presença da autoridade policial, ela disse ser usuária de maconha e que pos-suía somente substância para o seu consumo.

Foi encontrada, dentro de um cofrinho, uma embalagem de cigarros com qua-tro porções de uma substância aparentando ser maconha. M. informou que a guar-dava para seu consumo de forma que os filhos não tivessem acesso.

M. fora atendida pelo projeto em 14/2/2011; antes, havia tido contato com uma agente da Pastoral, a qual ficou de informar o paradeiro de seus filhos, T. (10 anos), A. (8 anos), R. (7 anos), J. (6 anos) e o pequeno J. (1 ano e 6 meses), que assistiram à sua prisão. A equipe, sempre em contato com os parceiros da Pastoral, teve por e-mail a informação de que os filhos estavam bem e haviam sido acolhidos pela vi-zinha, que aguardava a vinda da avó das crianças.

No dia do atendimento jurídico, a equipe do projeto comunicou a informação recebida por meio da Pastoral, que acalentou M., que chegou a chorar de alívio. Vale mencionar que outras detentas também ficaram emocionadas; deu para perceber que M., aflita, havia sido consolada pelas companheiras de ala durante os cinco dias em que ficou sem informação sobre o bem-estar dos filhos. Seu medo era de que eles tivessem sido levados pelo Conselho Tutelar.

A equipe peticionou o relaxamento de prisão em 22/2/2011. Resumidamente, no que tange ao A., a equipe requereu relaxamento devido à falta de autoria e mate-rialidade, e para M., além dessa tese, solicitou a adequação da conduta da requerente ao uso de entorpecentes, observando a vedação de prisão no caso do art. 28 da Lei 11.343/2006.

Em 29 de março, após mais de um mês de prisão, foi relaxado o flagrante por falta de indícios de materialidade. M. foi condenada pelo art. 28 à prestação de ser-viços à comunidade.

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Conclusões

Embora a hipótese inicial partisse do pressuposto de que um maior número de defensores era necessário para ampliar o acesso à justiça a presos provisórios, o projeto constatou que o aumento do número de defensores não é suficiente para alcançar esse desiderato. A atuação do defensor frequentemente esbarra em obstácu-los burocráticos e práticas autoritárias sedimentadas no sistema de justiça criminal.

A eficácia do atendimento à população fragilizada poderá exigir mais do que a atuação de defensores, mas também de assistentes sociais ou mesmo de outros pro-fissionais, pois muitos presos(as) não contam com o apoio familiar para diligenciar em favor de sua liberdade na fase processual.

Por outro lado, constatou-se que o acesso imediato ao defensor público asse-gura não somente o acesso à justiça, mas também a preservação dos direitos funda-mentais e a coibição da tortura contra a pessoa presa.

Notou-se uma falta de clareza, presente nos discursos dos entrevistados, quan-to à qualidade da custódia (cautelar ou pena), a revelar que a prisão provisória é ordinariamente percebida como pena entre os presos.

Em relação ao perfil dos presos, tanto as entrevistas nas unidades prisionais quanto as informações coletadas a partir dos processos criminais revelam a seleti-vidade do sistema de justiça criminal. Jovens com idade entre 18 e 25 anos, pretos e pardos, nascidos em São Paulo, com baixa escolaridade, no desempenho de tarefas que prescindem de qualificação no mercado informal de trabalho – esse é o perfil da população entrevistada no Centro de Detenção Provisória I de Pinheiros e na Penitenciária Feminina de Sant’Ana.

A maioria dos presos e das presas que responderam ao questionário estava tra-balhando na ocasião em que a prisão ocorreu, auferindo renda baixa e voltada para o sustento da família, em maior ou menor medida. A maternidade é a regra entre as mulheres, que têm os filhos sob seus cuidados.

É importante ressaltar que se trata de pessoas marcadas pela fragilidade social, com pouco ou nenhum acesso à escassa rede de serviços e equipamentos públicos. A baixa frequência a albergues registrada entre os moradores de rua, a baixa fre-quência a serviços de saúde entre as pessoas que se referiram a doenças, a baixa frequência das grávidas ao acompanhamento pré-natal e a baixa frequência de usuá-rios de entorpecentes a tratamentos: esses são apenas alguns elementos que revelam

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o quadro de carência a que se sujeita essa população. Além disso, pessoas em situ-ação de rua e soropositivos têm significância nos resultados obtidos pela pesquisa.

O perfil dos presos obtido a partir das entrevistas está de acordo com aquele que se apreendeu nos processos. Vale enfatizar a discrepância entre o perfil dos autores e o das vítimas: diferentemente dos primeiros, elas são em sua maioria bran-cas, com Ensino Médio completo (sendo significativa também a porcentagem de pessoas com curso superior completo) e ocupam funções condizentes com sua esco-laridade no mercado de trabalho.

A população de presos provisórios corresponde a uma parcela preferencial so-bre a qual se volta a atuação do aparato repressivo policial. A prisão provisória veio frequentemente acompanhada de violência, especialmente física, em relação aos ho-mens e assédio moral e/ou sexual em relação às mulheres.

Quando perguntados sobre a relação anterior com a polícia, foram recorrentes os relatos de abordagens e agressões sofridas ou presenciadas, especialmente entre os presos do CDP I de Pinheiros. Além disso, foram diversas as denúncias de vio-lência policial no momento da prisão.

O alto número de alegações de tortura ou outras formas de violência e a ine-xistente apuração provocada pela administração penitenciária revelaram o quanto esta última se mantém omissa ante a violência sofrida por presos previamente ao ingresso na prisão.

O contato com essas situações de violência institucional firmou a convicção de que é urgente a criação de mecanismos de transparência e de controle da ativi-dade policial, tais como a exigência de exames médicos eficientes e a criação de um mecanismo de monitoramento preventivo, de ouvidorias ou corregedorias inde-pendentes, bem como a desvinculação do IML da Secretaria de Segurança Pública. Essa medida mostra-se essencial porque a atual estrutura favorece que os peritos, subordinados à Segurança Pública, constranjam-se diante da necessidade de denun-ciar os colegas.

Além disso, os resultados da pesquisa cobram uma premente capacitação de policiais no trato com pessoas vulnerabilizadas.

O projeto mostrou, ainda, quão decisiva é a postura dos atores do sistema de jus-tiça criminal, incluindo a polícia. Juízes e promotores – e também defensores públi-cos – corroboram a seletividade e a violência promovidas pelas polícias e raramente questionam a necessidade da prisão cautelar. Há uma grande resistência dos operado-res, que não se dão ao trabalho nem mesmo de atentar para o caso concreto, emitindo cotas e decisões caracterizadas pela generalidade e pela pobreza argumentativa.

Inverte-se o princípio da presunção de inocência, mantendo-se a pessoa pri-vada de liberdade de forma automática, como se o estado de flagrância constituísse

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prova suficiente da culpabilidade ou como se a prisão cautelar funcionasse como a antecipação de uma pena que não será aplicada ao final do processo.

A equipe do projeto se deparou com diversos casos em que o réu estava sendo acusado de delito para o qual poderia receber uma medida ou pena alternativa à prisão. Porém, mesmo assim, o acusado era mantido preso cautelarmente até a sen-tença, que enfim o colocaria em liberdade, ainda que condenado.

É interessante retomar os dados obtidos com a análise do desfecho do proces-so: nos casos de drogas, em 70,2% deles a resposta final da vara criminal foi a pri-vação de liberdade; nos casos de crimes violentos, 53,2%; e no grupo de crimes não violentos, 10,1%. Identifica-se que a contradição, mais do que a desproporção, entre a medida cautelar e o desfecho processual está presente em um número significativo de situações examinadas.

Tudo isso levou à constatação de que a prisão provisória tem sido utilizada em São Paulo como instrumento político de gestão populacional e, no caso aqui tratado, voltado ao controle de uma camada específica da população.

A pouca quantidade de droga apreendida nos processos estudados e a resti-tuição do bem, na maioria dos casos que versavam sobre crimes patrimoniais, são elementos importantes para a discussão da lesividade do ato delituoso.

Durante a execução do projeto, entrou em vigor a Lei 12.403/2011, que alterou dispositivos relativos às medidas cautelares. O relatório oferece material abundante para a avaliação de seus impactos, já que logrou construir um retrato da dinâmica da prisão provisória em São Paulo.

Outrossim, verificou-se, durante a intervenção, que o argumento em favor da segurança e da preservação da disciplina quase sempre prevalece em detrimento dos direitos dos presos, em especial o direito às assistências material e jurídica e à saúde.

A quantidade de violações dos direitos dos presos presenciada pela equipe sugere a necessidade de um maior controle sobre o governo prisional e o judiciário, mecanismo necessário e que talvez tenha de ser independente.

Para que haja transparência, as prisões não podem ser ambientes impermeáveis ao escrutínio público; é preciso elevar o conhecimento e a participação da sociedade em relação à realidade das unidades prisionais, de suas condições e dos seres huma-nos que ali estão, sejam presos ou funcionários.

Às constatações do presente estudo devem seguir outras indagações e desafios relativos à prisão provisória e aos seus impactos. As recomendações abaixo apon-tam para possíveis mudanças e, de alguma forma, sugerem novos temas a serem pesquisados em futuros projetos.

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Recomendações

1 – O governo do Estado de São Paulo deve promover concursos públicos para defensores ante o seu reduzido número para fazer frente à demanda por acesso à justiça entre a população carcerária.

2 – O Tribunal de Justiça deveria criar meios para facilitar o acesso às infor-mações processuais, tanto a defensores públicos quanto a presos. A estes últimos, as informações deveriam ser disponibilizadas em linguagem clara e inteligível.

3 – O Congresso Nacional deveria alterar a legislação processual penal para criar a audiência de custódia, pela qual o preso deve ser ouvido imediatamente após a prisão pela autoridade judicial, na presença do promotor de justiça e do defensor público.

4 – Lei federal deveria expressamente proibir a manutenção da prisão provisó-ria quando o crime pelo qual a pessoa é acusada exige a aplicação de pena ou medida alternativa à prisão.

5 – A Defensoria Pública deveria garantir a presença de defensores públicos permanentemente no interior das prisões a fim de prover acesso rápido à justiça, reduzir a tensão entre presos e agentes e preservar os direitos da pessoa presa.

6 – O Tribunal de Justiça, o Ministério Público, a Defensoria Pública e as se-cretarias de Estado da segurança pública e da administração penitenciária de São Paulo deveriam realizar capacitação para operadores do direito e autoridades poli-ciais e penitenciárias sobre como prevenir e coibir a violência contra a população presa.

7 – Os órgãos de inspeção, especialmente o promotor de justiça, o juiz corre-gedor e o defensor público, deveriam monitorar regularmente os locais de privação de liberdade.

8 – O Estado de São Paulo deveria aprovar a lei que cria o mecanismo preven-tivo estadual para monitorar locais de privação de liberdade com o objetivo de coibir as práticas de tortura.

9 – Ante a alegação de haver sofrido violência no momento da prisão, os órgãos de persecução, especialmente o Ministério Público, devem imediatamente provi-denciar exame de corpo de delito e apurar eventual ocorrência de tortura ou outros maus tratos contra a pessoa presa.

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Bibliografia

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NEV, Núcleo de Estudos da Violência. Prisão Provisória e Lei de Drogas: um estudo sobre os flagrantes de tráfico de drogas na cidade de São Paulo, 2012, mimeo.

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