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PONTO DE VISTA Nº 6, junho 2009 Perspectivas sobre o Desenvolvimento

A Rota Da Diversidade - Estado, Variedades de Capitalismo e Desenvolvimento

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A Rota Da Diversidade - Estado, Variedades de Capitalismo e Desenvolvimento

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  • PONTO DE VISTAN 6, junho 2009

    Perspect ivas sobre o Desenvolv imento

  • PONTO DE VISTA, N 6, junho 2009

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    A Rota da Diversidade - Estado, Variedades de Capitalismo e

    Desenvolvimento

    PONTO DE VISTA, N 6, junho 2009 ISSN 1983-733X

    Eduardo Salomo Cond1

    Introduo

    Durante a primeira dcada do sculo XXI foi possvel observar uma progressiva reduo do

    interesse pelo tema da convergncia institucional e da tese do caminho nico para o

    crescimento econmico. Da mesma forma, enquanto o tema do desenvolvimento havia sido

    eclipsado exatamente pela nfase no crescimento (ou pela identificao entre ambos) e pelo

    suposto triunfo do modelo de globalizao uniformizador e exclusivamente centrado nas

    vantagens comparativas de cada nao, havia ntido desconforto com a insuficincia da

    explicao globalista e convergente no que se refere, em particular, a dois campos: primeiro,

    o modelo das reformas orientadas para o mercado foi incapaz de convergir crescimento e

    desenvolvimento, ou produzir bem estar em uma escala que atendesse s suas promessas.

    Em segundo, a diversidade de caminhos e respostas econmicas permanecia desafiando a

    ideologia do isomorfismo neoliberal e, medida que no surgiam resultados concretos com

    relao s suas aes, reforava-se a convico de que os cenrios nacionais no somente

    no haviam perdido sua capacidade de ao, como existiam rotas nacionais de alcance

    1 Professor do Programa de Ps Graduao em Cincias Sociais da Universidade Federal de Juiz de Fora (UFJF), Doutor em Economia Aplicada (UNICAMP) e Mestre em Cincia Poltica (IUPERJ). Pesquisador do INCT-PPED (Instituto Nacional de Cincia e Tecnologia de Polticas Pblicas, Estratgias e Desenvolvimento). [email protected]

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    variado. Em outras palavras, no havia soado o dobre de finados para polticas nacionais

    nem o Estado nacional definhara em nome de um mercado homogeneizador e capaz de

    punir os divergentes.

    Por toda parte, na sia e na Amrica Latina, na Europa Ocidental ou nos Estados Unidos,

    havia construes diversas. Isto pela mais bvia das razes: a histria, as instituies e,

    sobretudo, a poltica estavam onde sempre estiveram, criando resilincia, path dependence e

    tambm arranjos pragmticos e interaes estratgicas entre os atores relevantes.

    Este artigo uma tentativa sobre trs tarefas: a reafirmao da diversidade, tendo a teoria das

    variedades de capitalismo como interlocutora, o lugar do Estado e da poltica e o rumo

    para um novo desenvolvimento.

    1 Da primeira segunda gerao de Washington o receiturio da unidade

    Quando Fukuyama (1989) retirou o debate hegeliano das rodas de filosofia e ressuscitou a

    filosofia da Histria no campo da vida poltica e econmica, fazendo-o a partir do campo

    liberal, o furor foi tremendo. Nascia, a partir do Departamento de Estado norte americano,

    um novo profeta, aquele que garantia que o triunfo liberal estaria se completando aps a

    queda do Muro e no havia, verdadeiramente, adversrios a serem batidos; o fim da

    histria significaria o fim de umas alternativa melhor que este mundo. Conflitos localizados

    persistiriam, mas o espao estava ocupado por uma hegemonia indiscutvel. Alguns anos

    antes, Margaret Thatcher, uma notvel propagandista do triunfalismo neoliberal, j havia

    declarado que no havia alternativa, enquanto outros homens de mercado, como Ohmae

    (1995), diziam que o Estado Nao estava em vias de extino, superado pela combinao de

    mudanas tecnolgicas combinadas com a hegemonia de mercado.

    O que estes nomes tinham em comum era seu carter de propaganda do novo mundo. No

    por acaso houve at um ajuste na centro esquerda: governos na Gr Bretanha, Alemanha,

    no Brasil, na Itlia, viram-se em torno da terceira via. Originalmente proposta por Tony

    Blair, seguida por Gerhard Schroeder e abraada por Fernando Henrique, Massimo DAlema

    e (relutante) Lionel Jospin. Um encontro em Florena (1999) dessas lideranas, ao lado de

    Bill Clinton, sinalizava uma agenda comum diante de um mundo global, ou a aceitao das

    generalidades sobre um novo centro. Quem sempre conferiu respeitabilidade intelectual a

    este debate foi Anthony Giddens (1995,2000): era o caminho do meio entre neoliberalismo

    e social-democracia, um centro radical, um Estado democrtico sem inimigos, sociedade

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    civil ativa, famlia democrtica, igualdade inclusiva, welfare positivo, nao e democracia

    cosmopolitas, em uma nova economia mista (Giddens, 2000). A tese de Giddens nunca foi

    estranha a uma convergncia gerada pela globalizao, ainda que no depositria do

    neoliberalismo. Como Ulrich Beck (1997), Giddens tambm se preocupou com uma

    sociedade de riscos e do descontrole trazido (ou aprofundado) pela globalizao.

    Os anos 90 foram prdigos na combinao do receiturio das reformas econmicas de

    cunho liberal e o aprofundamento da simples regulao pelo mercado. Mas tambm foi a

    dcada do Consenso de Washington. John Willianson cunhou o termo e apresentou as

    dez clssicas medidas de ajuste, que formariam sua agenda: disciplina fiscal, controle dos

    gastos pblicos, reforma tributria, liberalizao financeira, taxa de cmbio flexvel,

    liberalizao comercial, privatizao, liberdade ao capital externo e defesa da propriedade

    intelectual (Willianson, 1990)2. Passada uma dcada, os resultados combinados dessas

    reformas, em particular na Amrica Latina, conduziram a uma paisagem ps tornado. Como

    observou Dani Rodrik (2002), os resultados so decepcionantes com relao ao crescimento

    econmico, diante da reduo da produo, do aumento da desigualdade e da pobreza, pelas

    crises financeiras e por insegurana econmica.

    Mas no foi este cenrio o suficiente para convencer o Fundo Monetrio do fracasso. Dez

    anos depois dos dez pontos (em 1999), o FMI apresentou sua agenda da segunda gerao

    de reformas3. Em um artigo preparatrio para a conferncia sobre a nova gerao, Scott

    Jacobs, chefe do programa de reformas regulatrias do Fundo, no hesitou em concluir que

    (1) as reformas de mercado precisavam ser aprofundadas, (2) as instituies precisavam

    melhorar, alinhando as relaes entre Estado, mercado e sociedade civil e (3) o sucesso

    dependeria tambm de valores cvicos e boa governana4. Se as reformas pelo alto

    falhavam, tratava-se de voltar sociedade e incrementar seu capital social, ao lado de

    instituies com qualidade. Havia at preocupao social: rede de segurana (desde que sem

    aumento de gastos e ampliao de polticas pblicas estatais) e combate a pobreza,

    minimamente para reduzir tenses.

    2 Posteriormente (Willianson, 2006), este autor lamentaria que o termo tenha sido entendido em termos neoliberais. Entretanto, parece bvio que o termo foi apropriado pelos dois lados, seja pelos crticos do consenso, seja por agncias multilaterais. 3 Estes textos esto disponveis em http://www.imf.org/external/pubs/ft/seminar/1999/reforms/ . 4 Um dos participantes desta conferncia do FMI foi F. Fukuyama. Seu tema? Capital Social e Sociedade Civil, com direito aos meios de incremento do estoque de capital social. As sociedades, infelizmente para Fukuyama, ainda precisariam chegar sua melhor fase para desfrutarem do novo mundo.

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    Estava claro que se tratava de aprofundar o antigo Consenso de Washington. E a receita

    permanecia universal e convergente, agora com pitadas de institucionalismo econmico. Por

    uma conjuno astral de sobrenomes, John Williamsom encontrava-se com Oliver

    Willianson, o entusiasta das instituies, assim como sempre possvel recordar do

    institucionalismo de mercado de Douglas North. O receiturio continuava genrico, sem

    perceber as reaes dos pacientes. Mesmo quando valoriza as instituies, o FMI as

    visualiza como passveis de mudanas de acordo com interesses gerais pr definidos.

    Havia um claro desentendimento dos promotores da segunda gerao, a exemplo da

    primeira, com a poltica e a histria. Isto porque as reformas, agora acompanhadas de

    reformas institucionais, ou obedecem a um princpio big bang de roldo, rpida e profunda,

    superando a oposio pela fora legislativa, eleitoral ou policial - ou fracassariam em

    nascedouro. Reformas big bang tendem a gerar elevado grau de conflito, enfrentar rigorosos

    pontos de veto, provocar descontentamento nas elites polticas e sofrer grande influncia do

    ciclo eleitoral. Em geral morrem pela incapacidade em enfrentar tantas frentes. E mudanas

    radicais em instituies em geral fracassam por desrespeito histria, aos atores e s

    dinmicas organizacionais e polticas nelas encerradas. Por outro lado, quando realizadas,

    tendem a impor a agenda unitria dos consensos, sem sucesso aparente no mdio prazo.

    A sociedade civil e o capital social tem um papel a desempenhar, segundo a nova gerao.

    Na verdade, uma vez constituda como fora, a sociedade civil e suas organizaes poderiam

    pressionar o Estado e suas instituies de fora para dentro. Outra possibilidade o fato

    da baixa capacidade estatal de investimento levar ao fortalecimento de organizaes civis

    com capacidade para incrementar redes de proteo; associaes de cidadania poderiam

    incrementar programas contra a pobreza e, ao mesmo tempo, permitir o desenvolvimento de

    uma mediao crescente pelo mercado. Com o Estado cada vez menor e com menos

    interveno sobre as virtuosas organizaes civis e as instituies de mercado.

    Em termos estritos, a possibilidade de becos sem sada grande. Principalmente porque,

    mesmo supondo que a ao da sociedade civil seja efetiva, a rejeio aos princpios

    norteadores de mercado e a percepo de sua insuficincia permanecem. Entre as

    dificuldades instaladas listam-se a capacidade de mobilizao, convencimento e participao

    em torno da agenda liberal, algo que j no simples diante de outros programas. Isto no

    significa que capital social e organizaes civis no devam ser fortes; mas da no se segue

    que sejam entusiastas do livre mercado.

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    Instituies tem sua histria e seus atores e a organizao da vida econmica est longe de

    ser uniforme. Como observa Rodrik (2002, p.16), boas instituies ou tecnologia exigem

    adaptaes internas significativas; desenvolver mais capacidades que propor receiturios

    uniformes. Comentando o texto Learning from reforms do Banco Mundial, o mesmo Rodrik

    (2006, pp. 976-77) observa que mesmo este organismo multilateral reconhece as

    desvantagens e erros da estratgia nica: o receiturio de Washington foi incapaz de garantir

    crescimento econmico, seus resultados so muito diversos, contextos diferentes requerem

    diferentes solues. Reconhece que teria havido exagero sobre a exigncia de um papel

    menor ao governo e, finalmente, afirma ser necessrio que sejam identificados obstculos ao

    crescimento, sem seguir sempre o mesmo receiturio5.

    Finalmente, h um claro problema com esta agenda de reformas. As instituies em geral,

    quando aparecem como passveis de reforma, precisam combinar dois caminhos complexos:

    o flego empreendedor para as mudanas sempre esbarra em constrangimentos,

    particularmente polticos; em segundo lugar, h muitas mudanas a fazer, combinadas e em

    situaes histrico institucionais diversas. Em outras palavras: muitas realizaes

    simultneas. A receita sofre com sua falta de estratgia incremental: ou ela obtida em prazo

    controlado e curto, ou amplia resistncias ao seu sucesso. Mesmo tendo sucesso, os

    resultados so deletrios. E a culpa no das instituies, do Estado ou da sociedade.

    No fim, a promessa de sucesso econmico esbarrou no mundo real da economia, da

    poltica, da sociedade. Afinal, preciso separar economistas (ou politlogos, ou socilogos)

    idelogos daqueles intrpretes mais capacitados a enfrentar os desafios do crescimento, do

    desenvolvimento e das polticas pblicas mais efetivas, para longe das frmulas

    conservadoras de mercado. O debate sobre a convergncia j estava iniciado mesmo desde

    algum tempo. Em 1986, Berger e Dore j anunciavam a discusso, de ocidente a oriente,

    sobre o papel da globalizao: se produzindo um nico capitalismo ou sobre como

    persistiriam as formas nacionais, ainda que no idnticas ao passado. A resposta do texto era

    muito mais favorvel segunda hiptese que para a primeira. No mesmo rastro. O volume

    organizado por Kitschelt et alii (1999) outro exemplo. Em um amplo volume, incluindo

    um interessante texto de Soskice com ecos sobre variedades de capitalismo, o debate j

    5 No mesmo texto, Rodrik comenta a citada estratgia anterior do FMI (consenso ampliado) e a estratgia do UN Millennium Project, liderada por Jeffrey Sachs, que defendia ajuda externa (fortalecer governana, engajar sociedade civil e promover o setor privado). A lgica da receita unitria permanecia.

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    transitava entre problemas de coordenao, mudanas no welfare state e globalizao.

    Novamente era um volume onde a convergncia tinha entrada duvidosa.

    O pndulo resvalava novamente para a diversidade, de incio mais timidamente mas, j no

    final dos anos 90, de forma crescente. O debate terico j enfrentava a inflexo que

    caracterizaria os anos de 2000 por um vasto espectro da literatura.

    Variedades de capitalismo como teoria a lgica da diversidade

    Ao incio dos anos de 2000 estava claro que o receiturio do fundamentalismo de mercado

    tinha iniciado sua espiral de descida. Um exemplo emblemtico foi o crack argentino de 2002

    e a crescente virada eleitoral na Amrica Latina, com a derrota eleitoral dos candidatos

    associados s reformas dos anos 90. Na sia, aps a crise do final da dcada anterior, ficava

    claro que Coria, Malsia ou Taiwan tinham estratgias diversas antes e as aprofundaram

    depois. China e Coria decidiram ampliar seu papel no mercado internacional relativamente

    cedo, mas para isso estiveram longe de seguir a grande liberalizao: subsdios e metas,

    combinados com conglomerados incentivados pelo Estado (Coria) e zonas especiais de

    exportao e ativo papel do Estado como agente econmico (China). Pases como o Brasil

    foram incapazes de aprofundar suas reformas de mercado, bloqueadas por desafios polticos

    de um parlamento dividido, interesses conflitantes e resistncia, enquanto o Chile foi capaz

    de aumentar a liberalizao comercial, mas incapaz de deter a ampliao da pobreza e da

    desigualdade.

    Em 2001 foi publicado um texto seminal sobre a diversidade. No que este tema no tenha

    sido defendido, entre outros pela teoria da regulao. Mas, uma importante resposta

    terica havia surgido. Hall & Soskice (2001) publicaram seu Varieties of Capitalism

    (doravante VOCS), consolidando sua prpria reflexo e abrindo uma agenda de pesquisa.

    Ela originalmente estruturou-se a partir do capitalismo central, uma vez que a teoria

    estabelece dois modelos tpico ideais bsicos, com nfase entre os anglo saxes e a Alemanha

    quase como pares dicotmicos.

    Hall & Soskice marcaram desde cedo sua diferena com a unidade consensuada: as

    evidncias onde a globalizao e a crescente competitividade provocariam convergncia em

    torno das economias mais fortemente liberais, defendendo reformas por desregulao e

    mudanas profundas no welfare state, no se sustentavam. Ao homo oeconomicus, opem as

    instituies e a noo de segurana, essencial para a estabilidade de longo prazo; os atores

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    tendem ao ajuste por diferentes arranjos, normalmente incrementais. Por oposio,

    estabelecem duas variedades bsicas, constitudas a partir de quatro premissas

    complementares e formando duas constelaes combinadas: governana corporativa,

    sistemas de educao e treinamento, relaes interfirmas e relaes industriais. O resultado

    so as economias liberais de mercado (LME, em ingls) e as economias de mercado

    coordenadas (CME). No prprio texto de 2001, e depois em Hall & Gingerich (2001),

    possvel deduzir uma terceira variante, para pases com presena muito marcante do Estado

    e mista:

    H trs pontos centrais que precisam ser observados. O primeiro o approach centrado nos

    atores (firmas, indivduos, organizaes, governo). O ator central nessa perspectiva a firma,

    cujos comportamentos podem ser agregados para efeito de anlise da performance econmica.

    Estas se engajam em mltiplos processos, como em financiamento (com o mercado

    financeiro), a regulao salarial e das condies de trabalho, qualificao ou tecnologia.

    Entretanto, sua questo central o problema da coordenao envolvendo os demais atores.

    Da mesma forma, elas constroem estruturas institucionais mais eficientes, seja por mercado,

    hierarquias ou redes, e estratgias adaptveis s necessidades em cada economia nacional. O

    segundo a perspectivas das complementaridades, notadamente institucionais, estas tomadas

    como agentes de socializao e matrizes de sanes e incentivos. Por efeitos interativos entre

    as dimenses analticas, a complementaridade gera distintos modos de coordenao.

    Finalmente, o terceiro elemento a coordenao: a noo de complementaridade associa-se

    coordenao atravs dos vnculos entre relaes de trabalho e governana corporativa,

    entre relaes de trabalho e treinamento, entre governana corporativa e a relao

    interfirmas. Como a estratgia das firmas varia entre as naes, pelas diferentes

    complementaridades, bvia a necessidade de respostas diferentes.

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    Quadro 1 Variedades de capitalismo:

    Modos de coordenao

    Economias liberais de mercado (LMEs) (Mercado de fluxo aberto, coordenao via mercado)

    Economias coordenadas de mercado (CMEs)

    (Apoio aos compromissos)

    Economias Meridionais (Europa)

    (mix de caractersticas, com is mais presena estatal)

    Caractersticas Gerais

    Mercados competitivos, relaes prximas e contratos formais equilbrio dotado por preos relativos, sinais de mercado e consideraes marginalistas.

    Equilbrio depende de apoio institucional em relao aos compromissos acertados, incluindo apoio para informaes efetivas, monitoramento, sancionamento e deliberao

    Sindicatos envolventes, ao empresarial mais fluida e interveno estatal

    Caractersticas Especficas

    Firmas tm alta transparncia, disperso de acionistas, financiamento depende de avaliao do mercado. Sindicatos fracos e proteo baixa; contratos entretrabalhadores e empregadores ndividuais, firmas no treinam, top managers com controle total na estratgia da firma

    Conexo em densa rede de acionistas e membros de influentes organizaes de empresrios; substanciais trocas de informao privada, financiamento via reputao. Fortes sindicatos e proteo elevada,acordos salariais coordenados entre sindicatos e associaes, que Tambm supervisionam treinamento. Managers com menos autonomia. Link banco-indstria

    Tradio agrria, capacidade de coordenao no-mercado (Estado) nas finanas e nas relaes de trabalho Casos ambguos (Hall & Soskice)

    Pases (com variaes internas)

    UK, IRL, EUA, Nova Zelndia, Austrlia, Canad

    ALE, AUS, SUE, FIN, DIN, BEL, HOL, Sua economia coordenada em base industrial presena de associaes Japo, Coria economia coordenada por grupos rede, famlias de companhias

    FR, IT, POR, ESP, GRE, Turquia

    Fonte: Hall & Soskice, 2001b ; Hall & Gingerich, 2001

    A astcia da teoria estava de acordo com a reao que se estabelecia tese da unicidade.

    Vinha, conforme observou Eli Diniz (2007), de uma nova agenda: contra o receiturio nico,

    contra a negao do Estado e de uma recusa da passividade poltica. Foi um campo

    intelectual forte, mas estava longe em ser incontroverso. Surgiram dvidas sobre a performance

    do emprego nas CMEs, sobre a classificao bipolar e sua relao com tipos hbridos, se

    haveria tendncia de converso de CMEs para LMEs e em relao capacidade de inovao

    em cada uma delas, levando em conta as complementaridades. Estes pontos foram

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    levantados por Marc Blyte, Robert Goodin e Michael Watson e comentados por Hall e

    Soskice em texto posterior (2003). Respondendo a Blyte, que duvida da performance de

    emprego nas CMEs, particularmente nos servios, os autores apontam as taxas de

    desemprego relativamente pouco importantes em ustria, Sucia, Holanda e mesmo

    Alemanha, mostrando ainda importante desempenho em servios nas mesmas economias.

    Com relao a Goodin, e sua crtica sobre os tipos hbridos e sua capacidade de

    sobrevivncia em uma competio internacional crescente sem as vantagens dos tipos

    puros, Hall e Soskice respondem que no possvel imaginar que haja tendncia inexorvel

    de mudanas institucionais que levassem a um dos dois tipos puros; existem processos

    polticos dirigidos por muitos fatores que interagem neste jogo. Finalmente, respondendo a

    Watson, o tema da capacidade de inovao depende do nvel de apoio institucional

    relacionado s diferentes formas de coordenao: LME tende a um carter mais radical de

    inovao, enquanto CME tende aos avanos incrementais.

    O fato relevante, neste ltimo texto, o reconhecimento pelos autores dos desdobramentos

    necessrios para a prpria teoria: The challenge now is a move beyond these insights to

    develop more complete models of a coalitional dynamics that underpin institutional stability

    and change, using contemporary and historical cases to trace the complex interplay between

    action in the economic and political arenas (Hall e Soskice, 2003, p.249).

    Independente dessas respostas, algumas outras crticas se avolumaram6. Uma primeira

    localiza-se nos microfundamentos, em particular a centralidade da firma. Cabe, entretanto,

    lembrar que a lgica operacional dos autores no guardava relao imediata com a tradio

    neoclssica, mas buscava considerar a firma como uma unidade de anlise para a articulao

    da variedade especfica de capitalismo. Particularmente porque no se trata da firma em si,

    mas de sua articulao com governana, relaes industriais, tecnologia e treinamento, bem

    como seu envolvimento institucional. A opo dos autores revela uma opo analtico-

    descritiva que exclui alguns mecanismos de coordenao extra econmicos, como observado

    abaixo, seja por mecanismos poltico-organizacionais seja por lgicas como confiana e

    redes.

    6 Estas so duas das crticas mais centradas. Uma terceira vertente seria uma viso esttica e algo funcionalista tem outros desdobramentos, como o carter de mudana nas instituies. Ainda que Hall e Soskice tenham observado a necessidade de ampliar a reflexo sobre a arena poltica, este tema no ser tratado neste artigo, particularmente por seus desdobramentos e amplitude.

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    Uma segunda versa sobre a insuficincia dos dois tipos, reforando a necessidade da

    classificao se estender a outras latitudes para alm do capitalismo central. Parece, sem

    sombra de dvida, que outros tipos emergem em qualquer classificao. Isto porque

    permanece existindo uma sndrome classificatria no que se refere aos tipos de

    capitalismo dentro da perspectiva de embeddedness, ou da ao econmica existente sobre

    dado contexto social e mediada pelas instituies. Como observaram Jackson e Deeg

    (2006,11), a agenda analtica ultrapassa a comparao das polticas econmicas e instituies

    formais para examinar as diferenas organizacionais na prpria atividade privada.

    Adicionalmente, outros autores incluem outros mecanismos de coordenao que no os

    especificamente econmicos, como as redes, organizaes, associaes e, claro, o Estado.

    Esta perspectiva est presente em Boyer (2005), onde a teoria da regulao busca ordenar os

    sistemas nacionais de inovao e produo, as arquiteturas institucionais, os modos de

    regulao e os tipos de especializao, evidenciando assim quatro configuraes de

    capitalismo: um de orientao para o mercado (anglo saxes), um meso corporativo (Japo e

    Coria), um estatista (Europa Ocidental) e um social democrtico (Escandinvia)7.

    No esforo para a formao de clusters de pases, entre os dois tipos ideais descritos, Hall e

    Soskice admitem um grande nmero de tipos mistos, ainda que vistos como menos

    eficientes que os dois principais. Este esforo classificatrio tambm est em Amable (2003),

    um caso onde aparecem combinados o esforo das VOCS, embeddedness e sistemas

    produtivos a partir de cinco domnios institucionais: competio, nexo salrio e mercado de

    trabalho, governana corporativa, welfare state e sistemas de educao e treinamento. Sua

    classificao atinge cinco modelos de capitalismo: de mercado, social democrata, continental

    europeu, mediterrneo e asitico. Rhodes e Apeldoorn (1997) tratam a distino entre

    capitalismo latino, anglo saxo e germnico. O citado texto de Jakson e Deeg (2006, p.31)

    resume algumas classificaes, conforme o Quadro 2 (abaixo).

    Por mais que este debate merea destaque, com a sia merecendo j algum destaque, uma

    crtica recorrente a ausncia da Amrica Latina de variadas classificaes. Uma das poucas

    excees o esforo de Bem Ross Scheneider em classificar o ambiente latino americano, a

    partir das reflexes de Hall e Soskice e basicamente nos mesmos fundamentos. O termo que

    7 Em Boyer, o modo de regulao definido pelo nexo salrio/mercado de trabalho, regimes monetrios, forma de competio, relao Estado/economia e insero no sistema internacional.

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    o autor utiliza para classificar o continente economia de mercado hierrquica, enfatizando

    que esta no uma forma mista, tal como Hall e Soskice apontaram para outras economias.

    Quadro 2 Capitalismo comparado estruturas analticas selecionadas para comparar sistemas nacionais de negcios:

    Autores representativos

    Domnios institucionais Grupos de pases Notas

    Hall/Soskice Sistemas financeiros, relaes industriais, habilidades, coordenao interfirmas

    Liberal x coordenado

    Enraizado em custos de transao

    Hollingsworgh, Boyer, Streeck, Crouch

    Sem sistematizao Cada caso nico Baseado sobre seis mecanismos de governance: mercados, hierarquia, estado, associaes, redes e comunidades

    Amable, Boyer Competio sobre produtos, nexo salrio/instituies do mercado de trabalho, finanas e governana corporativa, proteo social e sistemas de treinamento

    Cinco clusters Clusters indutivos

    Whitney Estado, sistema financeiro, habilidades, confiana/autoridade

    Seis tipo ideais: fragmentado,coordenado, compartimentalizado, distrito industrial, organizado pelo Estado, altamente coordenado

    Oito dimenses de coordenao relacionadas s organizaes locais e horizontais, propriedade x no propriedade e dependncia empregado/empre-gador

    Schmidt, Rhodes, Ebbinghaus e outros

    nfase no Estado, welfare state Quatro tipos Ecltico

    Fonte: Baseado em Jakson e Deeg (2006, p.31). Traduo do autor.

    Segundo Scheneider (2008), My more deductive point of departure is that capitalist systems -- defined by the predominance of mostly free markets and private property -- accommodate a limited number of alternative mechanisms for allocating resources, especially the gains from investment, production, and exchange. These mechanisms are markets,

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    negotiation, trust, and hierarchy, and correspond in systemic terms to, respectively, liberal market economies (LMEs), coordinated market economies (CMEs), network market economies (NMEs), and hierarchical market economies (HMEs). (Schneider, 2008a, p.3)

    Aquilo que ele denomina de NMEs refere-se diretamente sia. explicitamente proposta

    a correspondncia entre mecanismos predominantes de coordenao e as quatro variedades

    propostas. Explorando o tema por diferentes entradas, ele caracteriza a forma predominante

    na Amrica Latina (HME) como marcada pela presena de fortes grupos de negcios

    (muitos sob controle familiar) e as multinacionais (MNCs) com baixa relao entre ambos.

    Quadro 3 Capitalismo de mercado hierarquizado Bem Ross Scheneider

    Caracterstica predominante Notas Grupos de negcios (GP) e multis (MNCs)

    Empresas locais de negcios sob controle mais familiar, controle hierrquico entre as empresas. Pouca relao entre GPs e NMCs.

    Corporaes multinacionais Transferncia hierrquica em tecnologia e capital, trocas entre a mesma corporao.

    Emprego e relao de trabalho atomizados

    Alta rotatividade de trabalho, baixa densidade sindical, pouca efetividade em negociao coletiva; interveno estatal

    Baixos nveis de qualificao e educao

    Baixa produtividade, falhas de treinamento, poucos incentivos; temor do carona (treinar e perder, em seguida, o trabalhador para a concorrncia)

    Fonte: Schneider 2008a e 2008b. Traduo do autor.

    Um ponto relevante a nfase nas complementaridades, como aquelas entre baixa

    qualificao, menor capacidade de barganha coletiva e rotatividade. E o papel da hierarquia

    indica mecanismos de auto reforo, alm das firmas no perceberem com assombro a

    interveno estatal. A mesma hierarquia, por sua vez, opera em diferentes esferas da vida

    econmica, incluindo os sindicatos. Muitas vezes, o resultado lgico de reformas

    econmicas, por exemplo, reforar, antes que ameaar, as relaes hierrquicas.

    A necessidade em ver as particularidades na Amrica Latina so flagrantes. Mas, mesmo o

    esforo de Schneider no soluciona uma quase ausncia, sempre recorrente no campo da

    teoria das VOCS: o Estado, em particular, quase um elemento exgeno que entra por toda

    parte nas relaes de complementaridade, mas, ao mesmo tempo, no tem posio central

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    em quase lugar algum. Este, e o tema tambm freqentemente ausente da poltica, ser

    objeto da reflexo a seguir.

    3 - Aquele que foi, sem nunca ter realmente ido o lugar do Estado e da Poltica revigorados Desde que a economia ganhou centralidade como cincia e agncia privilegiada para a

    modernidade capitalista, trava-se uma batalha intelectual, freqentemente surda e

    eventualmente aberta, entre Estado e mercado. Independente do fato do Estado ter

    desempenhado desde sempre um papel central no processo de acumulao e

    desenvolvimento capitalista, desenvolveu-se uma lenda relativa aos benefcios do livre

    comrcio e da poltica industrial do laissez faire, como observou Chang (2002). A fora

    ideolgica das estratgias de livre mercado a partir dos anos 80, combinadas com a

    centralizao de um conceito de globalizao estritamente econmico, converteu o Estado

    em um vilo da disfuncionalidade, levando a lenda, em sua vertente neoliberal, s alturas.

    O conjunto de polticas restritivas sua estatal na economia seja contra a propriedade de

    ativos, seja contra a regulao estendeu-se rapidamente, em uma atmosfera de recuo do

    movimento sindical, de ataques ao estado de bem estar e da defesa de um fiscalismo estrito,

    combinado com a leitura sobre a incapacidade de investimento estatal sem similar no

    passado. Esta incapacidade trouxe cena o debate sobre as falhas do Estado, recuando as

    falhas de mercado para o fundo do palco.

    Se havia disfuncionalidades no Estado, da no se segue seu dobre de finados. O Estado

    pode ser visto como problema (se estende seu poder engolfando a sociedade, disseminado o

    argumento da fora e agindo de forma flagrantemente ineficaz para a populao), ou como

    soluo, parodiando um j clssico artigo de Peter Evans. Este mesmo autor, por outra

    chave, observa que parte da soluo pelo Estado envolve tanto a capacidade estatal, ou o

    reforo da profissionalizao, do recrutamento eficiente de pessoal, da capacidade em

    estabelecer canais com a sociedade, quanto desenvolver autonomia inserida, um Estado

    que se afasta dos interesses privados, da colonizao pelo apetite privado, e habilitado

    insero na sociedade, aumentando sua capacidade regulatria e legitimando sua ao

    (Evans, 1995).

    As observaes de Evans remetem a uma justa medida o papel do Estado. Nem o leviat

    (benevolente ou no), incapaz de gerar prosperidade por sua incapacidade em relacionar-se

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    com a sociedade e com uma agenda de desenvolvimento, p.ex., nem o guarda noturno,

    garantia da segurana e dos contratos de livre mercado. Por isso, estatalidade(stateness), ou

    a centralidade institucional do Estado (Evans, 1997). Tal possibilidade recupera para o este

    campo uma possibilidade real de atuao, com autonomia inserida na sociedade, como

    veculo e parceiro de desenvolvimento.

    Mas, o clima ideolgico dos anos de 1990 impedia at esta simples constatao, relativa ao

    reconhecimento do papel do Estado no desenvolvimento mais recente no leste asitico (ps

    anos 70), na ndia ou na China. E, claro, na Amrica Latina. Tudo se passava como se o

    Estado no houvesse desempenhado ao excepcional no desenvolvimento histrico do

    capitalismo central Inglaterra frente em particular naquilo que se refere ao

    desenvolvimento industrial e tecnolgico e sua relao com o livre comrcio. Esta

    contradio bsica com a histria, e com o que grande parte das evidncias e dos dados,

    chega a ser impressionante. No se faz necessrio recordar Polanyi e a ascenso da sociedade

    de mercado e da construo do mito da sociedade competitiva, ou Alexander Gerschenkron,

    observando que o Estado tem grande papel a desempenhar para suprir deficincias de

    investimento, formao e treinamento inadequados, facilitando o caminho para as prprias

    empresas ampliarem sua capacidade tecnolgica e competitiva (Gerschenkron,1962).

    Interessante, que este autor russo americano, relativamente pouco citado, pensa

    exatamente nas naes em atraso, citando Frana, Alemanha ou Rssia como exemplos da

    induo para superar as dificuldades do desenvolvimento industrial.

    O Estado, durante mais de 50 anos do sculo XX (entre os anos 30 e os 80) foi uma

    categoria central, inclusive para a economia. Nos ltimos 25 anos do sculo XX,

    impulsionado pelo clima poltico e ideolgico ps queda do Muro de Berlim, pela

    combinao de thatcherismo e reagnomics, pela ao de agncias multilaterais e pelo

    crescente peso do tema da globalizao e da superioridade do comrcio livre e dos capitais

    em movimento ilimitado, a histria pareceu sofrer uma inflexo e parar, aguardando que

    todos seguissem o caminho. Mas, eis que outra inflexo ocorre nos anos de 2000, como

    observou Diniz (2008): o insucesso do Consenso de Washington, o questionamento da

    ortodoxia convencional, o retorno da centro-esquerda, a necessidade em vislumbrar um

    novo lugar para o Estado, a globalizao mais multidimensional e o estabelecimento de um

    novo papel para o Estado nacional nos planos interno e externo, reordenaram o debate

    internacional.

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    Uma resposta direta para o retorno do Estado ao debate, sobre sua relevncia como ator,

    guarda relao com as evidentes falhas de mercado. As reformas de segunda gerao do FMI

    falavam em processos inconclusos e persistncia na linha recomendada de liberalizao plus

    reformas institucionais. Mas, o grande dilema prtico dos governos era persistir em um

    caminho de impopularidade, crise social e crescimento pfio. Alguns no se importaram, e

    conduziram o pas a um abismo catastrfico8. Um segundo elemento prtico que o fato do

    Estado, enfraquecido em seu carter regulatrio e de coordenao pelas reformas e pelo

    ambiente poltico de centro-direita, viu reduzida sua capacidade de ao e reao e sofreu um

    forte desaparelhamento, particularmente em sua capacidade e em seus mecanismos de

    produo de polticas pblicas agregadas ao bem estar social. Ao mesmo tempo em que o

    diagnstico liberal e multilateral se aprofundava, com governos convencidos sobre sua

    eficcia, o longo prazo encarregava-se da corroso da legitimidade dessas aes.

    Operava no lento respirar das estruturas (Braudel) uma complexa dialtica que somente o

    tempo decorrido pode esclarecer com mais preciso. A combinao de mais globalizao

    com polticas de liberalizao e restrio ao crescimento implicava na limitao ao papel

    ativo do Estado. O carter alocativo dos mercados, supostamente adequado, substituiria

    outros mecanismos de coordenao, indeterminando qualquer gesto mais coordenada do

    capitalismo. Os anos encarregaram-se de questionar este mito: a combinao de crescimento

    restritivo, juros elevados e ampliao dos indicadores de pobreza e desigualdade, em um

    contexto onde o Estado estava impedido de agir ativamente, colocou em movimento as

    rodas da poltica em direo ao outro lado. O pndulo retornava, mas a descrio de sua

    trajetria no era idntica ao velho papel do Estado

    O que Eli Diniz (2008) chama sabiamente de ps consenso de Washington no um

    retorno ao conhecido Estado desenvolvimentista. Isto porque a presena de processo

    integrativos globais no mera falcia ou argumento ideolgico. Antes uma retomada do

    papel regulador, indutor, de uma maior autonomia (no sentido observado por Evans, acima)

    e utilizando suas vantagens materiais e institucionais. E principalmente, tratava-se do

    reconhecimento de que exatamente pelas caractersticas dos capitalismos contemporneos e

    pela prpria interconexo entre diversas economias, o Estado tem algo a ofertar no debate

    sobre insero internacional, polticas domsticas e, mais importante, ele no deixara de

    8 Alguns no se importaram, caso Argentina/2002.

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    praticar poltica econmica (Diniz, 2008, p.9). Pode ter reduzido sua confiana, mas l

    estava ele onde sempre esteve. Se assim no fosse, como explicar o papel de sua relao com

    um capitalismo em rede coreano, na expanso chinesa (dirigida e controlada pelo Estado) e

    sua relao com empresas estrangeiras, a expanso na ndia e a percepo da necessidade em

    combinar as vantagens de seu mercado interno com regulao estatal ou, por outro lado, o

    Brasil ps 2002, com o impulso conferido s polticas setoriais, propostas de poltica

    industrial, polticas estatais de proteo social ampliadas e uma clara percepo sobre a

    combinao de rigidez monetria e capacidade indutora do Estado.

    Em outras palavras, no era apenas o ambiente ou a inflexo terica que haviam se alterado:

    a poltica tambm estava de volta. Da mesma forma que o Estado, ela nunca havia realmente

    partido, mas, seguindo a frmula neoclssica ou novo clssica, a poltica era vista como uma

    varivel exgena e perturbadora, com suas alianas, coalizes e interesses indeterminando a

    capacidade alocativa dos mercados. Esta viso , ao mesmo tempo, limitada e incapaz de

    perceber a complexidade das relaes e complementaridades que operam na vida social.

    Enquanto o mercado ganhou dimenso fastica, a poltica ganhava contornos liliputianos.

    Curiosa a percepo, no pensamento liberal, da associao entre liberalismo e democracia,

    mas, mais ainda, a tese hayekiana clssica de que a marcha por um governo menor, por um

    Estado menor, impede o avano para a servido. E seu corolrio complementar, a saber, a

    tese de que a democracia tem associao imediata com a economia de mercado. Malgrado o

    fato dos resultados opostos a esta perspectiva (sia e Amrica latina so bons exemplos), a

    percepo do mercado como agente central inibia, per se, a poltica. Pois a democracia no

    um regime apenas de regras consensuadas e consagradas constitucionalmente, delimitando

    campos de disputa eleitoral, semelhantes ao mercado. A tese clssica de Schumpeter (e de

    Downs)9, da similaridade competitiva e de mercado, entre este ltimo e o processo eleitoral,

    encontra sempre obstculos prticos. A teoria da democracia, por suas mltiplas vertentes (e

    apesar de seus flertes com a economia), esmerou-se em buscar explicar fatores determinantes

    ou indeterminantes dos processos. Seja por conceitos como poliarquia (Dhal), ou

    corporativismo (Schmitter) por um lado, ao estratgica (Olson, Tsebelis) ou coletiva e a

    relao entre ambas (Przeworski, Marino Regini), passando pelo debate entre

    institucionalismo histrico e a teoria da escolha pblica, a complexidade dos processos

    9 Schumpeter, Joseph (1962), Another theory of democracy, in: Capitalism, socialism, democracy, New York, Harper e Downs, Anthony (1957) An economic theory of democracy , New York, Harper.

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    polticos passou margem do debate central no campo das reformas e de todos os

    consensos.

    Foi uma falha imperdovel. Incapaz de refletir sobre pontos de veto, interesses

    organizacionais, path dependence, sistemas eleitorais e partidrios e a lgica de organizaes e

    atores, tudo se dava como se o carter alocativo superior do mercado fosse capaz de superar

    entraves. Muitos daqueles defensores das reformas orientadas ao mercado e com capacidade

    de interpretao agregada poltica, sabiam da necessidade de construo de coalizes

    fortalecidas a superar os impasses. Entretanto, as coalizes, na maior parte dos casos, no

    eram capazes para superar impasses de outra ordem: seja pelos pontos de veto, seja por

    entraves institucionais, seja pelas organizaes de interesse. Em outras palavras, o jogo

    parlamentar, ainda que muito importante, no era capaz de superar, no nvel da sociedade e

    dentro do prprio Estado, obstculos.

    Discutindo variedades de capitalismo, Vivien Schmidt prope uma interessante reflexo

    sobre o Estado e a poltica. Primeiro, a autora observa o lugar secundrio atribudo ao

    Estado nas VOCS e reclama observ-lo como uma categoria relevante, atribuindo ao mesmo

    um carter mais complexo na prpria classificao. Para Schmidt, ao lado de LME e CME,

    as VOCS precisam incorporar um tipo adicional onde o Estado influencia a economia de

    mercado (SME). Na verdade, ela prope o Estado como constituinte do prprio modelo das

    VOCS: em LME ele estabelece regras e ajusta conflitos (auto regulao ou agncias

    reguladoras); em CME ele ativo, facilita atividades, coordenando instituies e investindo

    autoridade aos corpos privados. J na SME ele intervm provocando variados impactos,

    sejam positivos aumentando as capacidades dos atores em agir ou mais negativamente,

    obstruindo a ao. Em qualquer dos sentidos, (Schmidt, pp. 5-9), a ao estatal l est, em

    todos os trs tipos propostos.

    Schmidt define ao estatal como constituted by the government policies and practices

    that emerge out of the political interactions among public and private actors in given political

    institutional contexts (Schmidt, op.cit, p.11). Esta forma traz a poltica para o corao das

    VOCS. Isto porque, ainda com Schmidt, a ao estatal envolve policy (as polticas

    substantivas), polity (a relao das policies com os atores, os diferentes contextos

    institucionais) e (uma dimenso para a qual ela clama especial ateno) politics, que envolve

    as interaes estratgicas entre os atores e tambm a dimenso do discurso e das idias

    substantivas desses mesmos atores.

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    Esta recuperao da centralidade da poltica e do Estado muito relevante para reforar o

    programa de pesquisa das VOCS. Mas, mais importante a superao da anti poltica, ou da

    teoria de que policemakeres atuam com mais eficincia se em insulamento. O caso mais ntido

    onde esta concepo opera a tese da blindagem institucional, como no caso dos Bancos

    Centrais ou outras instituies associadas gesto macroeconmica10. Neste caso, a

    economia mais perfeita conhecida seria a do Euro, dada a blindagem do BCE. Uma gesto

    econmica centrada em decises tcnicas, baseadas em modelos analticos de

    custo/benefcio, tomadas em constraints de mercado (o temor sobre a ao dos agentes

    maximizadores do mercado de capitais, p.ex.) ou ento reconhecendo falhas de mercado

    (como informao assimtrica), mas atribuindo ao governo o papel estrito de correo em

    busca do timo paretiano na mesma base custo/benefcio (economia do bem estar), tende a

    gerar governos impopulares, instabilidade poltica e social e miopia poltica.

    Sem contar o conjunto de problemas relativos ao accountability dessas instituies e de sua

    incapacidade em assumir metas para alm de interesses sobre equilbrio estrito,

    transformando polticas sociais, por exemplo, em refns do custo/benefcio, o que salta aos

    olhos que o retorno do Estado e o reconhecimento da necessidade de um paradigma

    interpretativo centrado na poltica desloca o campo de interesse no do mercado para o

    Estado, mas no entendimento da relao Estado/mercado, da relao instituies atores, da

    combinao interesses estratgicos e das organizaes.

    Aquele que foi, mas que est de volta: o tema do desenvolvimento

    Se o Estado e a poltica esto basicamente onde sempre estiveram, o tema do

    desenvolvimento no tem tanta sorte. Na verdade, ao longo de quase 20 anos ele foi

    rebaixado a uma isonomia com crescimento. No que eles no possam ser tratados com

    parentesco, mas da a surgirem como gmeos h bastante distncia.

    Uma sociedade no pode ser reduzida macroeconomia, assim como desenvolvimento no

    pode estar agregado relao PNB per capita, conforme observaram Arbix e Zilbovicius

    (2001). Portanto, desenvolvimento envolve, inevitavelmente, a dimenso econmica do

    crescimento, mas no pode deixar de se relacionar com produo de bem estar, com as

    10 Neste caso, a Unio Europia estaria salva de qualquer abalo, dado que o Banco Central Europeu o mais independente do mundo; sua misso institucional exclusivamente conter a inflao. O FED americano no somente tem responsabilizao diante do Congresso como tem, na sua misso, a preocupao com a inflao e o emprego.

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    condies gerais da vida em sociedade, com educao, sade, emprego, previdncia,

    habitao, alimentao, condies sanitrias. O mito do caminho nico agregava ao mercado

    a condio alocativa essencial para esses bens pblicos, sendo a mola do crescimento

    capacitada para combinar dois elementos: por um lado, virtuosidade hegemonicamente

    privada e de mercado; por outro, igualdade de oportunidades com investimento em capital

    humano e capacidade de competio dos agentes mais aptos. Esta profisso de f na

    economia e seus ps de barro foi se dissolvendo gradativamente, medida que a temporada

    de chuvas (ou as crises e seus resultados) foram surgindo. Neste caso, desenvolvimento era

    crescimento, aumento do produto, reformas nas instituies que incomodavam o mercado

    virtuoso e pacincia, pois a bonana surgiria. Por isso, retirar o Estado e opor este ao

    mercado era essencial.

    Agora descortinava-se outra possibilidade. Em primeiro lugar, no h oposio inelutvel

    entre Estado e mercado, pelo menos no no sentido de que o mercado um sujeito

    superior e o Estado um advrbio. O mercado continua a ser um sinalizador de preos,

    elemento onde diferentes opes e modulaes, produto da interao de agentes privados

    sob condies de informao imperfeita e efeitos no esperados, indica vitalidade econmica

    para as firmas e seus produtos. Mas, o Estado tem um papel essencial, indutor e efetivo,

    porque States ensure health, education, water, and sanitation for all; they guarantee

    security, the rule of law, and social and economic stability; and they regulate, develop, and

    upgrade the economy. There are no short cuts,either through the private sector or social

    movements, although these too play a crucial role (Green, 2008, p. 20). Por um Estado

    efetivo, entende-se sua capacidade em garantir segurana e seguridade, atuando na garantia

    dos direitos, no apoio contra pobreza e desigualdade e com estratgias para facilitar o

    crescimento econmico.

    Em segundo lugar, trata-se de recuperar a noo de desenvolvimento em sentido mais

    amplo, ultrapasando a dicotomia. Diniz e Boschi (2007) observaram com acerto que, para

    alm da dicotomia, cabe pens-lo luz das mudanas institucionais no capitalismo,

    inserindo, ao lado do mercado e do Estado, ... os padres de organizao coletiva do capital

    e do trabalho como as dimenses institucionais que fazem diferena ... no apenas apontar

    que as instituies fazem diferena, mas como fazem a diferena em termos de estagnao e

    avano econmico (Diniz e Boshi, 2007, p. 19).

  • PONTO DE VISTA, N 6, junho 2009

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    Neste ponto trs condies essenciais se manifestam: a crise da interpretao unitria do

    capitalismo, a recuperao do papel do Estado, a dimenso institucional e a recuperao do

    conceito de desenvolvimento. tambm aqui que as VOCS ganham uma referncia central,

    atribuindo um papel mais relevante ao Estado na articulao e na coordenao.

    Considerando a tese dos desenvolvimentos nacionais, no h indeterminao naquilo que se

    refere ao papel, por exemplo, das polticas setoriais industriais e tarefas de coordenao

    baseadas na relao pblico/privado. O papel da globalizao, em verdade, abre uma

    possibilidade efetiva de ao se for considerado o papel que as instituies nacionais tem a

    desempenhar como resposta insero internacional. Ampliar a capacidade de negociao e

    implementao de polticas, via mecanismos institucionais, abre a possibilidade de estratgias

    diferenciadas de fortalecimento da economia nacional e do papel internacional do pas na

    diviso internacional do trabalho.

    Peter Evans (1995, 97, 98) chamou a ateno para a articulao entre o papel do Estado e da

    burocracia (suas capacidades), a relao com o mercado e o papel dos controles a partir da

    democracia. Obviamente que o papel desempenhado pelas burocracias e o papel indutor do

    Estado sobre a iniciativa privada, o caso clssico da Coria do Sul, no ocorre naturalmente

    em um regime de forte tradio democrtica. Ao contrrio da China, cujo regime fechado

    convive com uma estratgia coordenada pelo Estado, na Coria o papel institucional das

    burocracias e as relaes com o setor privado no reduziram o mercado a um apndice do

    Estado. Alis, o espao da Coria e da China para fazer poltica foi uma diferena

    marcante em relao Amrica Latina. Houve uma multiplicidade de instrumentos polticos

    utilizados com o objetivo de acelerar o desenvolvimento, combinado a uma grande

    capacidade de adaptao destes s mudanas do panorama interno e externo.

    Por outro lado, preciso repensar o desenvolvimento. As VOCS cumprem a misso de

    pensar a diversidade a partir da complementaridade institucional, com a teoria recebendo o

    reforo da dimenso estatal na sua agenda de pesquisa. Entretanto, o desenvolvimento no

    um tema global, no sentido de um projeto que abarque transnacionalidade. O tema do

    desenvolvimento ainda eminentemente nacional, ainda que o sistema internacional de

    trocas (e de naes) tenha ganho interdependncia muito maior nos ltimos trinta anos. Ele

    ainda significa um movimento sob o cu da histria, das instituies, da poltica e, porque

    no, da path dependence.

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    A dependncia de trajetria um instrumento analtico caro ao neoinstitucionalismo

    histrico, ainda que deva ser interpretado em suas limitaes. Primeiro, dificilmente

    possvel rejeitar sua existncia: uma vez tomada, entre vrias, uma deciso, a trajetria se faz

    em certa direo. Este princpio simples e objetivo uma verdade conhecida tanto por

    policimakers associados s polticas pblicas quanto por intrpretes nas situaes macro

    histricas. Seu maior risco tom-lo como um fim em si mesmo, criando uma rigidez nos

    processos que atue como uma tenaz, enrijecendo as alternativas.

    Em segundo lugar, dependncia de trajetria no pode ser vista como substituta da ao

    estratgica dos atores nem do papel das organizaes. Em verdade, o desafio encontrar sob

    qual medida de fora opera a path dependence, analisar a capacidade das organizaes e dos

    atores em interferirem sob dados limites. As instituies no operam no vcuo anti histrico

    da teoria neoclssica ou novo clssica. Portanto, da mesma forma que elas so marcadas pela

    histria, seus agentes guardam capacidade de ao e autonomia para atuarem no campo

    tanto da mudana quanto na criao de instituies. Decises podem e devem ser tomadas

    em contexto de relativa rigidez, pois seno a trajetria seria o destino manifesto de naes,

    por decises tomadas no passado. O tempo cria resilincia, mas os atores e a poltica, por

    suas relaes, existem para atuar promovendo mudana ou continuidade, ruptura ou

    incremento, por diferentes estratgias. Evidentemente que o papel da dinmica institucional

    escapa a este artigo, mas esta matria de crucial importncia para projetos agregados ao

    tema do desenvolvimento. E, tambm por isso, cada vez mais se refora o papel das diversas

    trajetrias nacionais e suas constelaes de instituies, atores e organizaes.

    Por isso, promover desenvolvimento no um ato voluntrio de mercado. Por outro lado,

    os neoinstitucionalistas e os regulacionistas crem que, da mesma forma que podem

    obstaculizar, as instituies tambm podem promover desenvolvimento. Novamente, as

    experincias do leste asitico, Japo inclusive, indicam um papel de coordenao, seja por

    redes, seja por induo. Na Amrica Latina, o recrudescimento do papel do Estado em

    pases como o Brasil e a Argentina so outro exemplo de combinao de uma estratgia de

    combate a inflao e estabilidade monetria, mas com um papel ativo do Estado em polticas

    sociais, orientao para apoios setoriais, tentativas de poltica industrial. Na Europa, a

    coordenao e a estratgia de pacto e acordo sempre desempenharam funo essencial. No

    norte europeu nunca houve consenso poltico para rebaixar a proteo social diante da

    ameaa de reformas liberais, antes no se tem notcia que a produtividade e a taxa de

  • PONTO DE VISTA, N 6, junho 2009

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    emprego sueca tenham sofrido radical perda por sua rigidez. E, norte americanos nunca

    foram prdigos em abandonar a combinao investimento estatal em P&D ou proteo

    agrcola.

    Por isso, para o grande salto de catch up no suficiente a crena em foras etreas de

    desenvolvimento alocativo timo. necessrio estratgia de crescimento e desenvolvimento.

    Quando escreve sobre novo desenvolvimentismo, Bresser-Pereira representa uma face

    importante deste debate. Seu argumento que a quase estagnao desde a dcada de 80 est

    expressa na falta de estabilidade macroecnmica, com taxas de juro e cmbio que no

    garantem o equilbrio das contas pblicas e das contas externas. Mas isso no suficiente,

    pois reformas institucionais precisam continuar para reduzir desigualdades, unir pas real e

    pas legal e fortalecer a nao por suas instituies do Estado e do mercado. Por outro lado,

    reduzir atividades predatrias (monoplios, cartrios, rent seeking, corrupo) e custos de

    transao. Portanto, reformas institucionais e polticas pblicas, nas palavras de Bresser-

    Pereira, ... realizadas segundo critrios nacionais constituiro uma estratgia nacional de

    desenvolvimento (Bresser-Pereira, 2007, p.297). Mas o desenvolvimento depende ainda,

    em larga medida, de uma grande aliana de empresrios produtivos, tcnicos pblicos e

    privados e trabalhadores.

    Quadro 4 - Comparao entre duas estratgias de desenvolvimento:

    Nova ortodoxia

    Novo desenvolvimentismo

    Reformas para reduzir o Estado e fortalecer o mercado

    Reformas para fortalecer o estado e o mercado

    Papel mnimo para o Estado Papel moderado para o estado no investimento e na poltica industrial

    Nenhum papel para a Nao, basta garantir propriedade e contratos

    Estratgia nacional de competio

    Sem prioridades setoriais, o mercado resolve

    Prioridade para exportao e valor adicionado per capita

    Financiar investimento com poupana externa

    Crescer com investimento e poupana interna

    Abrir conta de capitais e no controlar cmbio

    Controlar conta de capitais quando necessrio

    Bresser-Pereira, 2007, p. 291.

  • PONTO DE VISTA, N 6, junho 2009

    23

    A proposta de Bresser-Pereira no guarda relao imediata com a discusso das VOCS, mas

    preserva a essencial dimenso nacional do desenvolvimento. O grande debate sobre esta

    dimenso revigorada, ao lado da recuperao do papel do Estado, uma notcia auspiciosa e

    de largo alcance. Pois, ao contrrio do que disse Edmar Bacha11, o pndulo no oscilou do

    consenso de Washington para o dissenso de Cambridge. algo maior que isso. Maior

    porque sabido que as instituies assumem trajetrias e caminhos e dependem mais da

    vontade dos agentes, da capacidade de organizao e da poltica que o consenso ou o

    dissenso. Na verdade, estranho ao debate intelectual encarar a nao, as instituies e as

    organizaes como passveis de uma mimese anglo saxnica e a globalizao como um

    universo nico, reduzindo a quase nada o papel do Estado nacional, do governo e da nao.

    Concluso

    O emergir simultneo da agenda sobre as variedades de capitalismo, do papel revigorado

    para o Estado e do desenvolvimento como projeto nacional abriu o campo intelectual e das

    polticas pblicas para uma renovao extremamente relevante. As instituies voltaram com

    fora, no apenas pelo convencionalismo do institucionalismo econmico, mas

    principalmente por seu carter, ao mesmo tempo de resilincia, de histria e de sua trajetria,

    conjugadas com a agenda de reformas orientadas para o desenvolvimento, o que implica em

    sua mudana e renovao.

    Aparentemente, o Estado e a poltica deixam o papel de sujeitos passivos ou

    perturbadores para recuperar seu status de centralidade. Organizaes e atores, essenciais

    como instrumentos de mudana (ou conservao) deixam o fundo do palco. Retorna o papel

    central da burocracia, do projeto nacional, das polticas setoriais, das polticas pblicas

    inclusivas e, em particular, o papel da capacidade de articulao (e coordenao) entre

    diferentes agentes pblicos e privados para tempos de insero menos passiva (no mnimo)

    na globalizao.

    Enfim, assiste-se hoje a uma reordenao de elementos em duas direes: h um refluxo

    essencial em curso, aquele do fundamentalismo de mercado. Sim, ele existiu, com suas

    receitas e definies das melhores prticas capitalistas anglo saxnicas. Mesmo com o

    11 Observao em seu s comentrios para o Seminrio BNDES, Novos Rumos do Desenvolvimento no Mundo, Rio de Janeiro, 12-13 de setembro 2002, citado anteriormente.

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    sucesso de projetos diferentes como no leste asitico, na Amrica Latina esta perspectiva foi

    muito forte. Hoje houve uma virada de centro esquerda no continente americano e mesmo

    os mais moderados observam com muito mais cuidado o cenrio regional e internacional.

    A outra direo a recuperao de uma antiga tese, que de alguma forma tem ecos em List,

    Polanyi, Gerschenkron ou na CEPAL, mas no representa unitariamente suas perspectivas.

    A idia de que o capitalismo , na realidade, vrios capitalismos. Ao incio dos anos 90,

    Michel Albert dividiu o capitalismo em dois: o renano e o anglo saxo. A Europa ps

    Maastricht, ao mesmo tempo que reforava sua unidade, enfatizava as diferenas nacionais

    particularmente pela variedade de suas instituies e tradies. Mas, em algumas paragens,

    dos EUA de Clinton e Bush, a Inglaterra de Major e Blair e a Amrica Latina de Pinochet e

    Menen acreditavam em outra coisa. O Brasil, sob Cardoso, lia o mundo contemporneo

    como caminhando inflexivelmente para a uniformidade, tornando passiva a insero

    nacional e buscando um papel para o Brasil neste mundo unitrio, em um pas resistente ao

    aprofundamento das reformas orientadas ao mercado por vrios atores e instituies,

    incluindo parte do empresariado nacional. Em um admirvel mundo novo que, mesmo

    abalado por crises peridicas, tinha a confiana do fim da histria em seu favor.

    Nem ela acabou, nem o fundamentalismo de mercado triunfou. Em seu lugar abriu-se

    novamente a perspectiva de um universo plural e mais livre. Algo que ultrapasse a dicotomia

    Estado/mercado e integre o papel das instituies com a poltica e o Estado. Pois, afinal,

    este no um debate sobre substituir o capitalismo. encontrar um lugar especfico neste

    universo multifacetado. Um lugar de destaque merece as variedades de capitalismo, como as

    variantes da teoria da regulao: reconhecer, diante do infindvel rio da histria e da

    quantidade de fatos, aqueles que, por complementaridade, podem ser classificados como

    semelhantes. Assim, recuperam o significado da diversidade e superam a inevitabilidade.

    Antes princpio da esquerda, foi o pensamento liberal conservador que mais o reforou nos

    ltimos trinta anos, como se o destino manifesto de cada pas fosse encontrar seu lugar nas

    vantagens comparativas de um mundo regido pelas finanas e pelo comrcio em um

    conjunto monoltico de instituies semelhantes ao longo do globo. Esta concepo recuou

    para patamares do que sempre foi: uma ideologia incapaz de compreender a diversidade pelo

    totalitarismo que ela carregava. A diversidade voltou.

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    Ponto de Vista, Perspectivas sobre o Desenvolvimento Publicaes Anteriores

    Ponto de Vista, Ano 2, N. 6, Junho 2009. Eduardo Salomo Cond. A Rota da Diversidade-Estado, Variedades de Capitalismo e Desenvolvimento. Ponto de Vista, Ano 2, N. 5, Maio 2009. Hernn Ramrez. Arranjos empresariais, tecnocrticos e militares na poltica. Perspectivas comparativas entre Brasil e Argentina, 1960-1990. Ponto de Vista, Ano 2, N. 4, Abril 2009. Joo Francisco Meira e Thiago Rodrigues Silame, UFMG. Institucionalizao, Desenvolvimento e Governabilidade na Bolvia e no Paraguai. Ponto de Vista, Ano 2, N. 3, Maro 2009. Jos Mauricio Domingues, IUPERJ. Desenvolvimento e Dependncia, Desenvolvimentismo e Alternativas. Ponto de Vista, Ano 2, N. 2, Fevereiro 2009. Yuri Kasahara, IUPERJ e FGV. A Regulao do Setor Financeiro Brsileiro: Uma Anlise Exploratoria das Relaes entre Estado e Setor Privado. Ponto de Vista, Ano 2, N. 1, Janeiro 2009. Wallace dos Santos de Moraes, IUPERJ. Estado, Capital e Trabalho no Contexto Ps-neoliberal na Amrica Latina-Algumas hipteses de pesquisa. Ponto de Vista, Ano 1, N. 5, Dezembro 2008. Andrs del Ro, IUPERJ. El Proceso Poltico de Reformas Estructurales en la Argentina. Ponto de Vista, Ano 1, N. 4, Novembro 2008. Aldo Ferrer, UBA. Perspectivas do Desenvolvimento da Amrica Latina. Ponto de Vista, Ano 1, N. 3, Outubro 2008. Renato Boschi e Flavio Gaitn, IUPERJ. Empresas, Capacidades Estatales y Estrategias de Desarrollo en Argentina, Brasil y Chile. Ponto de Vista, Ano 1, N. 2, Setembro 2008. Eli Diniz, UFRJ. Rediscutindo a articulao Estado e Desenvolvimento no novo milenio. Ponto de Vista, Ano 1, N. 1, Agosto 2008.

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    Carlos Henrique Santana, IUPERJ. Bndes e Fundos de penso. Insero externa das empresas brasileiras e graus de coordenao.