A Semiótica do amor

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    Semiticado amor

    Laura Botelho

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    A semitica do amor Pgina 2Laura Botelho

    Laura Botelho Master em Neurolingustica, Health Coach emMetaMedicina

    Autora dos livros:Alzheimer, a doena da alma Russell Editores 2008

    A Cincia do Agora

    Russell Editores - 2009-09-02Durante 7 dias Edio prpria E-Book

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    A semitica do amor Pgina 3Laura Botelho

    Introduo

    No somos perturbados pelas coisas, eventos que nos rodeiam, mas e principalmente,pelas opinies que temos sobre elas, o real significado que damos ao que nos cerca.

    E a Semitica do Amor fala deste conjunto de sinais no verbais que estoconstantemente presentes no convvio, na troca, no lidar entre amigos, pais, filhos,marido e esposa, amantes, com nossos animais de estimao... Enfim, com tudoaquilo que nos cerca e carece de ateno e cuidados especiais de nossa parte.

    Segundo cientistas: A palavra aquilo que o homem utiliza quando todo o restofalha!

    (Todo livro foi fundamentado por pesquisas nesta linha - Comunicao Verbal e No verbal eProgramao Neurolingustica - PNL)

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    A Semitica do Amor

    A semitica um saber muito antigo,que estuda o modo como o homemsignifica o que o rodeia

    As trs amigas seguem de carro em direo ao aeroporto para receber Fernando,amigo de infncia, de juventude, que chega de uma viagem de mais de 16 anos forado pas. Viaja sem destino desde os 25 anos de idade. J correu toda a Europa, sia e

    frica. Agora volta pra casa para passar um tempo com seus amigos. Aos 45 anos,no aparenta a idade que tem. Sua aparncia tima. Homem alto de corpo esguio eforte, fino e andar seguro. Bem vestido, cabelos ligeiramente grisalhos, quaseimperceptveis que denunciam o avanar dos anos. Sorriso maravilhoso, boca grandecom dentes brancos e alinhados.

    A histeria contagiosa, muitos gritos e abraos longos. As amigas param por algunsminutos a contemplar o amigo charmoso.

    _Uahhh!!! Que coisa mais linda!!! - Sandra grita apertando o rosto de Fernando.

    _Est, est timo!!! completa Clarice dando vrios beijinhos no recm chegado._Seja muito bem vindo meu amor... - Vera d um abrao apertado e carinhoso.

    _Ladys, perdoe-me, mas vou pedir pra me levarem rpido pra algum lugar onde eupossa beber uma cerveja geladssima e comer uma batata frita ou um bolinho debacalhau.... uhmmm... que fome, que cansao....

    _Claro, vamos nessa gente, ainda temos que acomodar voc direito na minha casa.Diz Sandra pegando o casaco e uma sacola das mos de Fernando.

    Saem todos abraados porta afora do aeroporto.

    Os 4 amigos esto presos num engarrafamento horroroso, nada anda.

    _Parece que pouca coisa mudou nesses anos. - Diz Fernando colocando o rosto parafora da janela do carro da Sandra.

    _Tudo na mesma... a nica mudana que foi pra pior.

    _Ah Clarice, tambm no assim. Tem coisas que mudaram pra melhor, outrasapenas estacionaram...

    _vejo que voc continua a mesma Vera... Sempre vendo as coisas dos dois ngulos._Fernando... Voc quer dizer que eu s vejo um lado da coisa?

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    A semitica do amor Pgina 5Laura Botelho

    _Clarice, minha adorada, voc sempre foi negativa. Tudo pra voc no vai dar certo,no vai funcionar, no vai muito longe...

    _Nando... eu nunca pensei que eu fosse assim to prtica!!! - Cai numa gargalhadadebochada Clarice.

    _Por isso que no arruma ningum pra dividir a cama. Todos tm defeito, ningum suficiente bom pra ela. - Resume Sandra olhando Fernando pelo retrovisor do carroenquanto tenta sair de trs de carro que no anda.

    _Queridinha, voc j me perguntou se eu quero dividir alguma coisa com algum?

    _Ficar sozinha no legal. Se eu no tivesse meu marido, as crianas e vocs eu nosei o que seria de mim.- Intervm Vera.

    _E por falar em marido, como vai seu casamento Vera? Vocs j esto 10 anos juntos, isso?

    _Isso, 10 anos de muita luta, muita dedicao e muita alegria. Maurcio mandou umabrao pra voc.

    _Fernando, voc precisa conhecer os gmeos da Vera. a coisa mais fofa!exclamaSandra.

    _Depois de muito tratamento consegui finalmente ter meus filhos. Eles esto com 5anos e so umas pestinhas maravilhosas. Maurcio baba... Nunca pensei que o paifosse ficar mais babo do que a me. - Complementa Vera.

    _Pessoal, desce a que eu vou estacionar l na frente, seno vo arranhar meu carroaqui. Diz Sandra visivelmente preocupada e atenta a todos os lados da rua.

    _Gente, esse aquele boteco que a gente freqentava? T de cara nova, masaparentemente continua o mesmo. Mesma moblia, cadeiras, disposio dasmesas...Gente, no acredito. Aquele o Seu Mrio? O dono daqui?

    _Ele mesmo! Vamos entrar. Temos nossa mesa cativa. Clarice encaminha Fernandosegurando seu brao e levando o a mesa de sempre. _Vamos pedindo logo. Eu j seio que Sandra vai querer.

    _Eu quero uma cerveja estourando de gelada e uns bolinhos de tudo! Diz Fernandocom a boca cheia dgua.

    _Eu quero s um suco de laranja.

    _ U, no vai beber com a gente Vera? Espanta-se Clarice.

    _No, desculpe. Tenho que pegar os gmeos no colgio. J est na hora da sada. aqui perto, o tempo s de beber o suco e sair. A gente se encontra amanh commais calma. Tudo bem? No vai ficar chateado, Fernando? Quero saber de tudo!Cada detalhe, eim !?

    _Que isso, Verinha. O importante que foi me receber e eu adorei! - Fernando abraaa amiga e d um beijo longo no pescoo da Vera que retribui o carinho.

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    _J pediram? - Chega Sandra sentando rapidamente mesa do bar.

    _T vindo a cerveja e bolinhos.

    _Me conta. O que voc fez esse tempo todo na Europa? Sandra segura o brao deFernando procurando ateno para si.

    _Muita coisa. No saberia te dizer agora de cabea o que eu aprendi, o tanto que eu li,o tanto que eu vi. Muita coisa. Agora que eu vou ficar mais tempo, vamos colocar oassunto em dia e poderei aos poucos liberar o que t aqui dentro. - Fernando bate acabea com a mo fechada como quem bate pra entrar.

    _Espero que seu doutorado no seja em vo. Essas duas precisam de ajuda, urgente!- Vera levanta da mesa e tira a carteira fazendo meno a tirar dinheiro pra pagar osuco que pediu.

    _Guarda isso. Hoje eu t pagando. - Diz Fernando abraando carinhosamente Vera

    que se despede de todos.

    Ela sai e seguida pelo olhar atento dos amigos.

    _Vera mudou bastante. Est com olhar criterioso, seguro. - Comenta Fernando dandoum gole profundo na sua bebida.

    _S voc mesmo pra vir de longe e enxergar alguma coisa diferente na personalidadede algum que voc no v h mais de 16 anos. - Ri Sandra do comentrio do amigo.

    _Voc queria saber o que andei fazendo l fora? Ento. Estudei comportamento

    humano. A maneira como o homem fala, anda, olha, recebe e afasta algum de si..._Fala srio Fernando. Voc gastou esse tempo todo pra isso. Era s me perguntarque eu te diria sobre tudo de todo mundo. Gargalha Clarice, jogando o corpo pra trsda cadeira.

    _ srio Clarice... Ns nos comunicamos, interagimos com o corpo. Muito pouco pelafala. Diria que a fala pouco diz sobre alguma coisa ou algum.

    _Quer dizer que voc pode ficar lendo os outros por a. Voc olha a pessoa e sabe oque ela quer dizer sem que ela precise abrir a boca, s de ver como se comporta?.

    Sandra encara com seriedade o amigo._Isso.

    _ Mas como? Como isso possvel? Ns somos to complexos, to diferentes,culturas diferentes... - interroga Sandra novamente.

    _ Voc tem razo. Mas toda cultura tem seu prprio repertorio gestual, seus trajestpicos, seus costumes revelam muito o aspectos da psicologia do seu povo. AlbertMehrabian, professor da Universidade em Los Angeles, identificou atravs depesquisas que 93% dos sentimentos so expressos atravs da comunicao no

    verbal, a no falada. Somente 7% do que sentimosso representados pelo contedoda fala. Olha que loucura! Somos um complexo de smbolos que o corpo traduz

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    simultaneamente o que se passa na nossa mente. Seus braos, nariz ou suasmozinhas dizem palavras, ou at frases inteiras. A comunicao Sandra, umanegociao entre duas pessoas. Uma troca de movimentos imperceptveis a primeiravista, que entendemos, mas no temos conscincia das posturas que adotamos nemdas emoes que transmitimos. No se pode determinar com preciso aquilo que eu

    digo pelo simples fato de sair da minha boca, como por exemplo, a frase: Eu te amo,Sandra! - Fernando puxa a amiga pra si enquanto exemplifica seu discurso. necessrio mais que isso. Uma frase. Voc tem que reconhecer no meu corpo se oque eu digo no conflita com a mensagem. O brilho nos meus olhos, o ritmo da minharespirao, o cheiro que exalo, o movimento em busca do seu corpo, a inteno dasminhas mos, o arquear das minhas sobrancelhas. Voc pode entender agora?

    _Chiii pode parar! ... j gamei. Sandra se desembaraa das mos de Fernando numato debochado.

    _ srio. fantstico estudar essa comunicao do ser humano. Se todos pudessem

    aprender a se comunicar de forma mais coerente com suas atitudes a vida teria outrosignificado.

    _Eu sempre leio as pessoas! Por isso, no acredito nelas. A raa humana t um lixo,quer saber! - Critica Clarice.

    _Calma a, Clarice. Voc no a rainha da autenticidade. T cansada de ver vocmesma fazer, o que critica, nos outros. Replica Sandra.

    _O que, por exemplo? Questiona Clarice com olhar de dvida.

    _Clarice, voc vive falando das amigas da Fabiana, que a me delas isso, faz isso,ou no faz aquilo... e no fundo voc faz igualzinho a todas elas, seu discurso noacompanha suas atitudes....

    _D um exemplo Sandra. T boiando. - Comenta Fernando.

    _A Fabiana, filha da Clarice t com 14 anos, freqenta festinha at altas horas damadrugada. Fica a Clarice desesperada querendo saber a que horas a menina vaichegar, mas no impe um limite de horrio pra no parecer careta, dominadora. Dizque odiava os limites que a me impunha a ela e no quer o mesmo para filha.Fabiana no arruma seu quarto, no lava um nico copo, no tem responsabilidadescom seus pertences, vive perdendo tudo, celular, tnis, roupas que deixa na casa de

    outras amiguinhas... Da a dona Clarice fica se lamentando com a gente que noagenta mais, que no sabe o que fazer, que isso, que aquilo...

    _Compreendo. Adolescncia uma barra ou j esqueceu Sandra? Foi no outro diaque quase samos dela. - Ri Fernando. _ Mas nessa poca da vida, o melhor a fazer conversar, negociar, fundamentar sua atitude diante de qualquer episdio.

    _Fernando, Fernando meu amigo... Me ajude, pelo amor de Deus! A coisa estfugindo do meu controle. Eu achei que ser me solteira seria fcil, afinal, o pai nessahora s serve pra entrar com a mesada. - Desabafa Clarice.

    _Ainda bem que voc entendeu que no fcil. O Que eu posso fazer Clarice pra te

    ajudar? Ser que o que eu vou dizer voc vai querer mesmo ouvir? Receber conselhono o que voc quer. T entendo que voc quer ajuda profissional. E eu estou muito

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    A semitica do amor Pgina 8Laura Botelho

    prximo de vocs... No vai dar certo. Tem que procurar um Psiclogo que seja defora do circulo de amizade. Que possa avaliar a famlia em ngulos diferentes seminformaes pr concebidas, sem pr - conceitos. Voc me entende Clarice?

    _, eu j achava que voc iria me dizer isso.

    _Como amigo eu posso te ouvir, posso dar a minha opinio se voc quiser ou pedi-la,mas no da forma que voc precisa. Se est perdida, melhor procurar se achar omais rpido possvel. A Fabiana vai precisar de voc e quanto mais tarde a coisatende a piorar ela s tem 14 anos. J pensou quando ela tiver com 17?

    _J pensei, e estou me borrando de medo. Acho que estou entrando numa sala com 2portas e no sei que porta devo abrir. A da frente ou a dos fundos, pra sair correndo!

    _Eu entendo o que voc est passando, Clarice. Tudo vai se ajeitar querida, pode tercerteza. Diz Fernando abraando a amiga.

    Mais tarde Fernando entra no apartamento de Sandra e recebido com pulos e latidos pelosdois ces que a amiga cria como filhos. Sandra mora num apartamento pequeno, claro econfortvel de dois quartos, sozinha, com dois poodles saltitantes e barulhentos. Seuscachorros tm nome de gente; Diogo e Tiago. Ambos j com bastante idade, um branquinho eoutro pretinho e muito bem tratados. Fernando os poe no colo e os cheira como se fosse umigual.

    _Entra e joga suas coisas naquele quarto. J arrumei tudo mais ou menos. Mais tardevoc me ajuda a dar uma geral. Voc relutou tanto em ficar aqui que eu no sabia searrumava o quarto pra 30 dias ou pra 30 anos! Comenta Sandra acariciando cada filhoe beijando os no colo.

    _ T timo Sandrinha. Eu te disse que minha estada no seu delicioso lar seria de dias,o suficiente pra eu encontrar um apartamento pra eu ficar. Minhas coisas vo chegar etenho que achar esse AP logo. Voc vai me ajudar a encontr-lo, n?

    _Lgico! Sei de um lugar que voc vai amar... a sua cara!

    Sandra leva a cachorrada pra cozinha para dar comida e trocar a gua de beber dos bichinhos.

    _Diogo, Tiago! Vem, vem meus filhotes! Vem com a mame! Vem que mame querver se vocs comeram o papa todinho.

    Fernando senta no sof e com olhar irnico acompanha a cachorrada correr atrs da medeles em direo a cozinha.

    _Sandra! Por que Diogo e Tiago? Por que no Pink e Floyd, Tico e Teco? -Indaga Fernando com sorriso largo.

    _Ah.. todo mundo me pergunta isso... Tem uma vizinha, uma senhora de uns 80 anosaqui do quarto andar, que quase me bateu por isso. Voc sabia que meu neto sechama Tiago e meu sobrinho Diogo? Que absurdo dar nome de gente pra cachorro!! -Sandra personifica a velhinha encrenqueira quando narra a frase para o amigo e ridela mesma.

    _Imagino a fria da velhinha. Que idia a sua!?!

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    _U, se eu tivesse filhos eu colocaria esses nomes neles. Eu adoro esses nomes.Gosto do som que eles fazem. Por que meus filhotinhos no podem ter esses nomeslindos tambm? Ela abraa os ces beijando com certo carinho cada um deles. Oscoloca no cho. Eles pulam, pulam alto com a certeza de que esto falando deles.

    _T certa. Eles so seus filhos.... Bom... Vou tomar um banho e me entregar nosbraos de Hipnos e deMorfeu. Ai que delcia! - Exclama Fernando dando um abraonele mesmo.

    _Mas antes, voc vai me contar rapidinho porque abandonou a Itlia assim to derepente. Eu no quis falar desse assunto na frente das meninas, seno ia dar pano pramanga e o papo ia varar madrugada...

    _Ahh.. Sandrinha o amor uma coisa fantstica quando comea e uma tragdiaquando acaba, ou pelo menos quando termina de forma trgica como a minha.Lorenzo era lindo... Que sujeito maravilhoso, inteligente... Um italiano de 55 anos, que

    foi casado por 12 anos com uma mulher, foi pai de dois filhos homens, se separou daesposa sem problemas, e quatros anos depois me conheceu. Era professor de outraUniversidade e por conseqncia do meu Doutorado vim a conhec-lo. Ele contavaque no sabia por que o casamento no deu certo, pois adorava a mulher, eramamigos, mas faltava alguma coisa, mas s entendeu depois que assumiu suasexualidade. Ficamos juntos e felizes por 8 anos at que seu corao nos pregou umapea... Foi fulminante, Sandra. No deu tempo nem de chegar ao telefone. Ele era umhomem forte, mas parecia um garotinho na hora da morte nos meus braos. No vouesquecer seu olhar de adeus... Foi to sereno, tanto que no me apavorei na hora,entendi que ele j havia feito tudo que queria na vida. Fernando descansa a cabea

    entre as mos apoiada aos joelhos e puxa uma respirao profunda como se faltassear no recinto.

    _ Nando... eu no sei o que te dizer, o que fazer pra amenizar sua dor. Quando vocdisse que estava voltando, fiquei feliz, mas no tinha idia do que havia se passadocom voc. Pelas poucas cartas que trocamos nesses ltimos anos e nossos recentese-mails voc nunca explicitou sua vida amorosa. Ns sabamos que voc vivia com oLorenzo, mas no tnhamos a dimenso desse amor entre vocs... Nos pareceu umrelacionamento aberto de amizade e troca de intimidades entre vocs sem muitacomplicao e cumplicidade, no sabamos que ele foi to importante pra voc assim.Eu no entendo de relacionamentos entre homossexuais... Como vocs encaram a

    vida a dois, se existe o mesmo compromisso que h na vida entre um homem e umamulher...desculpe minha ignorncia....

    _Tudo bem minha querida. No acho que as pessoas tm que saber sobre os nossoscompromissos, afinal isso uma negociao entre qualquer casal, seja ele hetero ouno. Eu e Lorenzo sempre preservamos nossa intimidade, nosso lar, nossos maisntimos desejos. No se sinta desorientada por isso. E j se passaram 7 meses. Jestou-me reestruturando novamente. S voltei para c para ampliar meus horizontes.Estava me sentindo muito sozinho mesmo cercado de amigos que fizemos nessesanos. Precisava dar uma sacudida, levantar a poeira... Talvez eu no esteja

    conseguindo explicar para voc o que estou sentindo agora... Eu precisava ver minhasamigas queridas, s estou precisando de colo, s isso.

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    A semitica do amor Pgina 10Laura Botelho

    Fernando abraa forte a amiga por uns segundos e chora. Na manh seguinte, Sandra j dep, arruma a mesa do caf e com olhar meigo cumprimenta o amigo que acaba de acordar.

    _Bom dia, Amore mio... O dia est lindo com sol, pssaros cantando e caf pronto.

    _Bom dia minha linda. Acordei com o cheiro do caf. Que maravilha!

    Diogo e Tiago pulam e danam em duas patas para chamar a ateno do novo morador.

    _Diogo, Tiago, agora chega, deixa ele tomar o caf meus filhinhos...

    Imediatamente os ces deitam ao lado da poltrona como de costume.

    _O que voc vai fazer hoje, nesse sbado de manh?

    _Eu tenho que dar uma aula agora s 9h na Faculdade, devo sair l pelo meio dia. Agente almoa junto e depois vamos ver o seu apartamento?

    _Sim senhora, dona engenheira qumica. V dar a sua aula e depois do almoo agente v o Ap. Fernando senta-se a mesa e vai se servindo do caf enquanto fala.

    _OK. O numero do meu celular e o das meninas t do lado do telefone. Qualquer coisame liga. Hoje o aniversrio da Clarice. Ela quer sair noite. Quer ir a uma casa deshows aqui perto. Msica calma, tranqila, d pra conversar sem gritar. Voc quemsabe. Se no tiver legal pra sair fala pra ela. Ela vai entender.

    _ No, t tudo bem. Eu preciso espairecer um pouco. Minha cabea parece que temvida prpria. Ela quer fazer uma coisa e meu corpo outra.

    Sandra beija a testa do amigo e se despede novamente dos cachorros. Beija um por um vriasvezes at fechar a porta do apartamento. noite Clarice chega casa de Sandra e perguntalogo por Fernando.

    _Cad o moo? Ele vai querer ir com a gente?

    _Vai. T terminando de se vestir. Mas temos que ir devagar com ele, OK? - AlertaSandra.

    _Ele te contou por que voltou pra ficar?

    _Mais ou menos. No sei se voltou definitivamente... temos que dar um tempo. Pode

    ser que amanh tudo mude. Ele precisa estar com a gente nesse momento, s isso.

    _Sandra, vocs encontraram o apartamento?

    _Acho que ele gostou de um que vimos. Vai depender da negociao do valor doaluguel. Ele achou o preo um absurdo. Coitado, t acostumado com coisa boa perdeutotalmente a noo do que temos a oferecer nesse pas.

    _E ele j teve notcias do irmo? Ele mora ainda no Sul?

    _Ainda no conseguiu falar com o irmo no. Parece que ele se mudou de novo. O

    cara da Marinha, no para quieto. Sua nica tia viva faleceu e ele nem ficousabendo. T sozinho no mundo...

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    Fernando sai do quarto j todo arrumado, lindo e cheiroso.

    _Meu Zeus! Que Apolo! - Exclama Clarice brincando com o amigo.

    _Me d aqui um abrao bem gostoso... Parabns pelo dia de hoje. Muitas felicidadesminha querida. Sandrinha, onde voc colocou o presentinho que eu comprei praClarice? T na sua bolsa?

    _T sim. Pega a. T arrumando a caminha do Tiago pra a gente sair. Ele fez umabaguna danada no meu quarto, saiu arrastando os paninhos pra cozinha...n? Meufilhotinho da mame... Baguncheilo, seu baguncheilo... Atravessa a sala Sandracheia de panos nas mos, falando com eles como se fossem bebes e seguida pelosdois ces que acompanham por onde ela vai.

    _Eu comprei esse livro, por que achei que vai poder acrescentar mais alguma coisa

    daquilo que j conversamos a respeito do relacionamento entre voc e Fabiana. Fernando entrega um pacote colorido e bem embrulhado para a Clarice.

    _Que gentileza Nandinho. Vou ler com muito carinho e vou alugar voc depois paradiscutir a respeito, eim?!

    _Com certeza. Vamos nos entender perfeitamente.

    _Vamos indo, gente. Vera e o Maurcio vo nos encontrar no local. Meu presente vocj ganhou h dois dias trs, n, Clarice? - Comenta Sandra indo em direo a porta doelevador do seu apartamento.

    _Posso saber o que voc deu a ela, Sandra? - Pergunta Fernando curioso.

    _Um coquetel para emagrecimento. Uma linha de chs, sheiks, cremes, aparelhos,enfim, uma parafernlia de produtos para emagrecer. Tem que fazer algum efeito, no possvel... - Diz Sandra com ares de dvida.

    _Jogou dinheiro no lixo... J te falei que no adianta chazinho, creminho. J fiz detudo. No consigo perder mais peso Sandra!

    _Voc est pesando quanto agora Clarice? Pergunta Fernando.

    _J nem sei mais... t de mal com a balana. Quando a vejo, viro as costas.

    _Da ltima vez que eu a fiz se pesar na minha frente, estava com 93 Quilos. Agoravoc v, uma pessoa de 1. 65m pesando 93quilos... um absurdo! Tem presso alta,t com um p na Diabetes, dor aqui, dor ali... como se no bastasse cheia deaporrinhao com a menina... - Relata Sandra muito preocupada.

    _Clarice minha flor, a Sandra t preocupada no a toa. Voc precisa se cuidar. Aobesidade leva a outras conseqncias no organismo que no tratadas a tempo volev-la a um triste fim. Nem digo sobre a morte, disso ningum escapa, nem eu, nemningum que tenha o peso adequado. Falo das provveis conseqncias terrveis quepodero advir dessa obesidade descontrolada. Um derrame. Voc j pensou nisso?Uma trombose? Acidentes vasculares cerebrais so comuns na diabetes. Insuficincia

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    renal crnica, cegueira, agravamento nas articulaes... Voc jovem, linda, tem umafilha maravilhosa, uma carreira de Arquiteta em pleno desenvolvimento. Pense nisso.Mude seus hbitos alimentares, faa mais exerccios, se goste mais...

    _ Fernando, eu no gosto de ficar gorda, no quero engordar. No tenho culpa que

    tudo que eu como fica nas pernas, nas coxas, na cintura... Eu como a mesma coisaque voc, que a Sandra, que a minha filha... Mas comigo parece que acumula o quecomo, enquanto que com as outras pessoas a coisa flui, sai do jeito que entrou!

    _No bem assim, n Clarice!? Sua vida sedentria, Voc no anda a pfreqentemente, t sempre de carro, at pra ir padaria a um quarteiro da sua casaprecisa tirar o carro da garagem. Voc fica l naquele escritrio horas desenhando,desenhando, atendendo telefone. S pra para ir ao banheiro ou pegar alguma coisapra comer, e quando chega em casa faz um prato de macarro, acompanhado delitros de refrigerante diet altas horas da noite vendo TV, dorme tarde, acorda tarde... Rebate Sandra ao comentrio da amiga.

    J na casa de Shows os amigos do uma pausa na conversa e se encontram com o casal Verae o marido e mais dois amigos do trabalho de Clarice que so apresentados a Fernando. Amesa est completa com 7 pessoas. Eles cantam, conversam ao p do ouvido, danam e sedivertem at as 3 da madrugada.

    No dia seguinte Vera telefona para a Sandra logo cedo avisando que encontrou umapartamento maravilhoso para o Fernando com um preo bem mais administrvel. Um primodela est se mudando por motivos de transferncia de trabalho e quer alugar para pessoasconhecidas, pois o apartamento est mobiliado. O aluguel seria uma forma de manter oapartamento em perfeita ordem at o seu regresso sem data prevista. Sandra imediatamenteacorda Fernando com a notcia.

    _Nandinhuuu... Lindinho, Amore mio! Acorda! Acho que a Vera encontrou oapartamento que voc queria. Maravilhoso e com um aluguel l embaixo. Levanta! Seique Domingo, mas a Vera disse que t cheio de gente perturbando o primo paraficar com o apartamento, s que ele dar preferncia para o amigo da prima. E esseamigo da Vera tem que estar l no mximo daqui h duas horas, seno ele vai abrirpara outro conhecido dele. Levanta!

    _T um bagao, Sandrinha... no estou mais acostumado a dormir to tarde. Eu eLorenzo amos pra cama antes das 22 horas... Que horas so?

    _Quase uma hora da tarde. O cara vai esperar s at as trs... Vamos l. Toma seucaf, vou dar uma volta com Diogo e Tiago na calada e j volto. o tempo suficientepra voc tomar caf e trocar a roupa, Amore mio!

    No apartamento do primo da Vera, Fred, esto tambm, Vera, Sandra, Clarice e Fernando.Todos circulam de um lado pro outro no imvel, maravilhados com o espao e a disposio dospoucos mveis que ficaram. Um bar decorado com muito bom gosto e vrios armriosembutidos.

    Num canto da sala Fred e Fernando conversam em separado sobre o aluguel e ofuncionamento do imvel. Enquanto isso num dos quartos do apartamento as amigas

    conversam baixinho.

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    _Que fofo esse seu primo Vera. Ele solteiro? Pergunta Clarice eufrica.

    _, mas nem adianta se empolgar muito... do mesmo time do Fernando. Gay. Foitransferido do trabalho pra Roma. Olha que coincidncia! Um chega e outro vai.

    _Ha! Logo vi. Bom gosto assim s pode ser coisa de Gay. Por qu? Por que meuDeus?!! Homens lindos, ricos, de bem com a vida, chiqurrimos, no gostam demulheres! Acho que vou trocar de sexo. De repente eu me transformando em homemeles se interessem por mim! ergue as mos para o cu Sandra quando exclama suaindignao.

    _psiuiiii!!!! Fala baixo, Sandra! Eles vo ouvir! acalma Clarice.

    _Tudo bem, at isso eles so fantsticos, to se lixando pro que a gente pensa. - DizVera abrindo a janela do quarto com vista para o mar.

    Fernando entra no quarto onde esto as amigas balanando as chaves do imvel na altura da

    cabea.

    _Fred j foi, teve um compromisso mandou beijos pra todas e J fechamos o negcio.Adorei!!! Adorei o apartamento, adorei o local, adorei seu primo, Vera! Ficamos de nosencontrar at ele viajar, que daqui a umas quatro semanas. J posso me mudaramanh se eu quiser.

    _Assim to rpido? Pergunta Sandra.

    _A mudana? Claro, muita coisa vai ficar. A mesa, o fog... Antes de terminar apalavra Fernando interrompido pela Sandra.

    _No, o encontro! Como que voc sabe, ou melhor, como que ele sabia que voctambm ...

    Fernando cai na gargalhada. O que leva a todas, a rirem sem parar tambm.

    _Ahhh... Minha amiga, um gay sempre reconhece outro gay de longe! - E Fernandovolta a rir sem parar.

    _Mas como? Sem abrir a boca, sem fazer trejeitos? Nem bocas e munhecas... - Aindarindo, pergunta Clarice.

    _Olhar Clarice. Pelo olhar. Os olhos falam menina! Um gay sabe se o outro tambm quando olha, mantm o olhar fixamente at que este desvie. Caso ele no ofaa, no desvie o olhar e retribua fixamente, ele concorda com o galanteio. Claro, issotudo acompanhado de tantos outros movimentos que no so percebidos por outraspessoas. Um bal, vamos chamar assim, de sinais e movimentos e gestos soenviados ao outro como resposta a seu olhar. Uma verdadeira dana doacasalamento! Fernando e as garotas no conseguem parar de rir...

    Na casa de Sandra, Clarice combina com Fernando as pequenas mudanas que faro noapartamento para sua adaptao.

    A conversa interrompida pelo celular de Clarice que toca.

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    A semitica do amor Pgina 14Laura Botelho

    _Oi, fala filha. Aonde Fabiana? No, no, ouviu, no! Eu no conheo esse pessoal,Fabiana. Fabiana, espera eu chegar em casa. Eu disse no! Desligou. Filha da put...

    _Calma. O que aconteceu Clarice? Pergunta Fernando.

    _Fabiana quer viajar nesse feriado com um pessoal que eu no gosto. Tem uns carasno meio que eu sei que fazem uso de droga pesada. Ela no me obedece! Smatando...

    _Clarice, agora no d mais pra puxar a corda... Voc deu, deu, cedeu o mximo quepde. Vai levar muito tempo para chegar a outra ponta, filha... comenta Sandraabraada a um de seus ces.

    _Fabiana t aonde agora? Na sua casa? - Indaga Fernando

    _T l em casa fazendo a mochila. Eu no sei o que fazer Fernando, no sei. Choraacanhada Clarice.

    _ Ela tem dinheiro Clarice? Voc d dinheiro pra ela?

    Ela faz que sim com a cabea.

    _Eu fiz um carto de dbito conjunto com ela para saque 24h, desses que se faz paraadolescente. Ponho uma quantia para ela passar o ms, uma mesada. Mas tenhocontrole de quanto ela gasta. Achei que esse ano ela teria maturidade para gerir suasdespesas, comprar o que precisasse sem precisar ficar pedindo dinheiro toda hora.Mas no acho que esteja dando certo. Ela j me fez comprar o terceiro celular. Celularde carto, nem pensar! Ela no aceita. Pago uma conta alta de telefonemas de 20,

    30min, s vezes at 1 hora de chamadas... No sei se ela usa drogas, acho que no,seno eu ia saber. Essas coisas a gente conhece logo...

    _Que droga voc se refere? - Pergunta Fernando.

    _Essas mais comuns... Maconha, cocana, estasi...

    _lcool, cigarro com filtro tambm so drogas. Voc sabe se ela bebe, fuma?

    _Fumar acho que sim, j vi um mao de cigarros no armrio dela. Ela me disse queera de uma amiga que esqueceu l em casa... beber... Ela nunca chegou bbada em

    casa._Clarice, no preciso ficar bbada nem visualmente drogado para se negar um vcio.A bebida ingerida com freqncia, diariamente j caracteriza um vcio, umadependncia. Doses dirias acalmam o usurio, no necessrio ficar totalmentedrogado. Tenho amigos que fazem uso de drogas h anos e nunca, nunca os vialterados a ponto de sarem do limite de uma conduta apropriada. Quem os conhecesabe que no esto normais, mas para estranhos eles esto perfeitamente sbrios eem perfeito juzo.

    _Por favor, Fernando, no embola minha cabea... Voc acha que ela pode fazer uso

    de drogas sem que eu saiba ou note?

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    A semitica do amor Pgina 15Laura Botelho

    _Perfeitamente Clarice. Muitos pais se descuidam nessa hora. No percebem quandofoi que o filho mudou. Atribuem a mudana como o nervoso, a agressividade deatitude, a fatos corriqueiros por conseqncia da aproximao do Vestibular, doshormnios, da briga com o namorado, da separao dos pais.... do desculpas paraeles mesmos, tentando acalmar suas mentes e seu corao. E o que voc est

    fazendo agora Clarice. Voc acha que no seria possvel porque voc no flagrou.

    _ , voc tem razo. Eu tenho medo de saber. De confirmar... seria a morte para mim.A prova da minha incompetncia como me.

    _Clarice, no se maltrate dessa forma, isso no vai lev-la a lugar algum, s piorar suacondio, sua baixa estima. V pra casa. Converse com ela. Abra seu corao, noseja durona, no ponha paredes entre vocs. Se tiver que chorar, chore, mas semchantagens, sem pieguice. Diga a ela sobre seus medos, sobre seus objetivos, sobresuas expectativas quanto ao futuro de vocs. Pergunte a ela os dela. Ponha no papelseus objetivos em comum e diga que vocs tem que trabalhar para que juntas possam

    conseguir atingi-los, pois se continuarem discordantes nenhuma das duas vai a lugaralgum. Precisam atravessar o rio juntas, numa mesma canoa, caso uma de vocsabale o equilbrio desta canoa ser preciso parar e retom-lo para que possam chegardo outro lado. Lembre-se o rio caudaloso, a correnteza muito forte, caso uma devocs caia para fora do barco, ser muito, muito difcil voltar. Juntas podero assumiro controle, j separadas ser muito mais difcil...

    Fernando est com Sandra numa loja de utilidades domsticas. Precisa comprar algumascoisas para o novo lar. Sua mudana s chegar daqui h dois dias da Itlia, mas mesmoassim precisa comprar algumas coisas que deixou pra trs na sua sada repentina de Milo.No quis mexer na casa em que viveu feliz por 8 anos com seu companheiro. A casa grande

    com 4 quartos e um lindo jardim foi comprada por eles logo que foram morar juntos. Tudocontinua no mesmo lugar e vai permanecer at que um dia ele volte. Mveis, cortinas, tapetes,quadros. Fernando s empacotou seus objetos pessoais e muita roupa de cama, banho eacessrios de cozinha que era uma das paixes dos dois. Cozinhar para receber os amigos.

    O novo apartamento alugado de Fred est praticamente mobiliado. Armrios embutidos, mesascadeiras, sofs, geladeira, fogo, mquina de lavar roupa. Fred tambm no sabe quantotempo ficar fora do pas, por isso no quer se desfazer de tudo. Fred Bacharel emAntropologia, no exerce nem de longe a atividade que adora desde criana. A empresa detecnologia e informtica a qual trabalha no momento quer que ele v para Roma para abrir umanova filial. Fred fala quatro lnguas fluentemente. O italiano uma delas. A abertura e fixao

    dessa nova empresa levar no mnimo 3 anos. Fred est animado. Gosta de desafios epraticamente j resolveu alguns possveis problemas de ordem pessoal. Um deles seria odestino do seu lindo apartamento, mas o resultado foi to bom, em relao ao aluguel, que noesperava que fosse resolver assim to rpido. Ele ficar algumas semanas em um hotel at odia da sua partida.

    _Olha Sandra, que lindo aquele abajur! Acho que no vou resistir, vou comprar.

    _ Lindo mesmo. Voc vai fazer a festa logo depois que suas coisas chegarem?

    _ No uma festa Sandrinha. Uma reunio entre amigos. A funo precpua destareunio ser o agradecimento a voc pela minha estada na sua maravilhosa

    residncia na qual tive o prazer da companhia de seus queridos Tiago e Diogo. E

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    A semitica do amor Pgina 16Laura Botelho

    aproveitando o ensejo da alegoria, Fred trar alguns amigos dele para uma despedidasem muito frufru...

    _Bom, pra mim, isso j uma festa.

    _Sero no mximo 20 pessoas, nem chega a isso. Vou fazer um cardpio simplespara a ceia. Um jantarzinho a Americana. J aluguei toda a loua. Est tudo pronto.Estou apenas querendo dar uma arrumada na decorao, que t bem pobrinha...

    _, aquele abajur t lindo mesmo Fernando. Vocs vo sair hoje noite?

    _Vamos. Estou muito cansado, mas no vou adiar esse encontro, no. Essemovimento todo de mudana t me deixando meio tonto. E outra coisa. No vou voltarpra dormir na sua casa, vou ficar direto no meu apartamento hoje noite. Amanh eupego minhas coisas. Ok?

    _Uhhhmmm, j vi tudo... a noite vai ser longa...

    _Por mim no. Como disse, estou um bagao. Ri Fernando.

    _Amore mio. Se voc precisar de mim, me chama t?

    _Voc um amor Sandrinha, sempre prestativa.- Fernando abraa e beija a testa daamiga.

    As coisas de Fernando chegaram, ele e as amigas esto no apartamento arrumando ecolocando tudo nos armrios. Colocando tudo no lugar.

    _Nandinho, soube que j tem um hospede na casa. Vera catuca o brao deFernando quando fala.

    _ Hospede no, o proprietrio do imvel.

    _O que? Conta isso direito! perguntam em coro as amigas.

    _Pera, no nada do que vocs esto pensando... Eu convidei o Fred para ficar atsua partida. No faz o menor cabimento ele ficar num hotel quando o apartamento temtrs quartos enormes. Ele no vai me cobrar o primeiro ms de aluguel. Vamos dividiras despesas de alimentao e coisas bsicas. Algum problema nisso mocinhas?

    _No... Imagina. responde com ironia Clarice. _ Deus do cu. Dois homens lindosnesse apartamento enorme... Nus de um lado pro outro por esse corredor. Quedesperdcio!

    _Falando em desperdcio... Voc j foi a nutricionista ver sua alimentao? Procurou aAcademia de ginstica do bairro, para aquelas atividades bsicas que a genteconversou? Voc que est desperdiando beleza embaixo dessa camada degordura. Clarice, voc uma mulher bonita. Resgate essa tigresa exterior, essamulher selvagem que est trancada a dentro, para que voc mesma d valor a suabeleza interior. Leu o livro todo que eu te dei?

    _ Sim mame! J providenciei tudo que me mandou fazer, mame.

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    A semitica do amor Pgina 17Laura Botelho

    _ O jantar ser amanh mesmo, Nandinho?

    _ Bem, t tudo programado para amanh Vera.

    _Voc quer que eu venha cedo pra te ajudar, Amore mio?

    _No precisa Sandrinha. O Fred vai me dar uma fora com os arranjos e as bebidas.Obrigado. Quero vocs aqui amanh lindssimas, eim? Nada de olheiras horrorosas,cabelos desgrenhados, unhas descascando! No me apaream aqui de pretinhobsico, por favor! Comprem um vestido colorido, decotado, apertado na cintura e umsalto bem alto!

    Todas riem e fazem caretas para Fernando.

    noite Fred abre a porta do apartamento para receber mais convidados que acabam dechegar. So apresentados a todos no recinto. O grupo reunido est bem estruturado. Um casalde gays, um casal hetero, cinco moas solteiras e cinco rapazes bonitos desimpedido, e

    aparentemente, tudo faz crer, que sejam heteros. Uma msica toca de fundo - I Put a Spell onYou, cantada por Nina Simone. Um jazz gostoso e sensual como o ambiente.

    No canto da sala se divertem e confabulam Sandra, Clarice e Vera. Observam cada convidadoe fazem comentrios pertinentes a suas expectativas.

    _Gente, olha ali no banco do bar o cara de camisa azul. Que lindo! Com certeza gay.Algum sabe com quem ele veio? Pergunta Sandra.

    _Olha, Fred me prometeu que no ia convidar seus amiguinhos. No ia fazer essasacanagem com vocs. Numa reunio destas seria embaraoso ter 5 moas e 5moas.... No d! Tem que diversificar, rolar uma paquera, um ambientedescontrado e harmonioso, seno vai ficar um saco. Maurcio j me fez rir em casaimaginando a cena na sala. _ Querida! Que blusinha linda! Me d o endereo da lojadepois? _Chiqurrimo seu modelito, amiga!. Imagina. plumas voando pra todolado...Vera imita o marido, fazendo caras e bocas e mos.

    _Meninas, os homossexuais no se movimentam obrigatoriamente de maneirafeminina. Fernando interrompe a conversa das amigas chegando com um prato depetiscos. _O intercambio de identidade sexual fundamental para a confirmao entreseres humanos. Vocs sabiam que no nascemos programados a agir como homensou mulheres? Aprendemos a nos portar como homens ou mulheres na infncia.

    Nossos pais, nossos educadores nos enviam sinais a todo o momento de comodeveramos nos comportar desde que nascemos. Desde o momento em que os paispegam um bebe no colo, j o fazem de maneira diferente. As meninas com uma muitadelicadeza, j os meninos sem muito cuidado. Quando o menino reage da forma queos pais querem, com atitudes msculas, estes enviam mensagens para eleafirmando que esto orgulhosos e concluem com comentrios do tipo: que lindo,gente, j um hominho!. J as meninas, coitadinhas...caso no se comportemapropriadamente, como rolar no cho com um coleguinha, sentar com as pernasabertas ou tirar a blusa quando faz calor, logo receber uma bronca daquelas da mezelosa. Voc parece um moleque! Levanta do cho, menina! Senta direito! Fecha

    essas pernas, poe a blusa garota!

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    A semitica do amor Pgina 18Laura Botelho

    _Sabe que eu nunca pensei nisso Nando. Vou me policiar com os meninos. Vou tentarobservar esses sinais quando estiver com eles. Diz Vera admirada. No quero criaraquele tipo de homem macho e controlador. Chega de Maurcios no mundo!

    _Acho que fiz isso a vida toda com a Fabiana, coitada. Sempre tentei fazer com que

    ela fosse essencialmente feminina. Dei muitas bonecas quando criana, apesar delaodi-las, jogava todas na lixeira do prdio. Queria jogar futebol com as crianas noptio e eu no deixava. Achava que ela ia se machucar com um chute forte dosmeninos. Tinha medo dela andar que nem um menino.

    _De certa forma voc tem razo, Clarice. Movimentos corporais se aprendem com aconvivncia. muito comum, filhos adotivos se parecerem com seus pais. Suaconvivncia faz com que eles absorvam certos gestos, movimentos corporais,musculares, o jeito de mexerem as plpebras, mexerem a boca. E, por conseguinteadquirir a feira ou a beleza, graa e a leveza, o desleixo e deselegncia. muitoimportante prestarmos a ateno nessas mensagens que passamos as crianas. Ns

    humanos somos extremamente imitativos e sensveis a observao dos sinaisalheios. Se admiramos, queremos ficar iguais.

    _Acho que agora estou entendendo porque Fabiana est diferente na maneira de sevestir e de se comportar. Ela parece irm gmea de uma amiga da escola. Estfalando como ela, se vestindo como ela e at andando como a garota. Me assusta afalta de personalidade da minha filha.

    _Clarice, nessa idade ela est justamente procurando uma identidade. Se voc nosabe, as crianas tomam como modelo o comportamento dos pais; j os adolescentesescolhem um dolo. Ela quer se parecer com quem ela admira. Temos que ter cuidadopara que isso no extrapole. Dela realmente encarnar um personagem e sair por aproduzindo um cone que traduza uma coisa que ela no .

    _Como assim Fernando? Curiosa pergunta Vera.

    _Voc sabe como se comporta uma prostituta? Uma garota de programa? Umahippie? Uma sex simbol? Nosso corpo carrega a marca de nossa cultura, imprimenossa assinatura pessoal. Traduzimos o que queremos, e o que no queremos parans.

    _Ento minha assinatura t meio falsificada nesse momento, pois eu no sou o que

    pareo. Ironiza Clarice.

    _Clarice, essa obesidade explicita traduz sim, um certo isolamento, um afastamentodo sexo oposto, uma depressozinha, um relaxamento do EGO. J pensou nisso?

    _Pegou pesado agora... No acho que quero conscientemente me afastar de ningumou de qualquer homem. Realmente de uns anos pra c estou meio depressiva, meiosem animo pra namorar, me arrumar... Ser que fao isso de propsito? Estouafastando os futuros pretendentes sem precisar avis-los? Olha, no vem que novai rolar nada. Ser? Conscientemente no estou fazendo isso, mas posso tentarfazer alguma coisa a respeito.... E vou comear hoje. Quer ver? T vendo aquelebonitinho ali, o de camisa azul? T me dando um mole... Vou l e vou mostra pra vocque no bem do jeito que voc t falando Dr.

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    _Ta, essa eu quero ver! Vou ficar daqui s estudando sua performance. DizFernando.

    Os amigos acompanham a ida entusiasmada da Clarice em direo ao rapaz sentado no lindobar do apartamento. Ela se apresenta a ele e iniciam uma conversa com sorrisos encabuladosde ambas as partes. E um ritual de movimentos conjuntos se inicia no abaixar a cabea elevantar. Olhar ao redor, mos agitadas, sacudir de pernas, balanar de corpo, ps inquietos.De longe os amigos se divertem com o que vem.

    _No que ela foi mesmo! - Vera exclama admirada.

    _Nando, voc pode ler o que est acontecendo l naquela conversa? - PerguntaSandra curiosa.

    _Alguns sinais so pateticamente comuns. No precisamos de nenhum livro praentender o que estamos vendo. Instintivamente entendemos que ambos esto muitoconstrangidos com a aproximao. Estavam mais seguros quando distantes. Sabem

    que esto sendo observados e isso intimida qualquer um. Reparem que eles nomantm um contato visual constante. Ele levanta o olhar quando fala, ela abaixa odela, encara e mantm por segundos, abaixa. Levanta o olhar quando vai responder...Ambos esto se conhecendo atravs desses curtos olhares. Ele sabe que se mantivero olhar fixadamente nos olhos dela, Clarice vai correr. Um contato prolongado olhosnos olhos nos faz sentir extremamente expostos e vulnerveis. Isso intimida qualquerum.

    _Ah se intimida. Detesto homens que me encaram na rua. Me olham dentro dos meusolhos. Um verdadeiro atentado terrorista a minha alma. - Concorda Vera.

    _Tambm, no vo olhar pra voc por causa de qu Verinha? Mulataa dessa, linda,alta, com todos os predicados que a natureza afro lhe deu... Bunda, pernas, peitos,cintura fina... A sacanagem... S sendo gay mesmo... Desculpa Nando, mas nodeu pra segurar...

    _E por que voc acha que um gay no iria olhar pra ela? Justamente por que ela linda ser fatalmente apreciada por um homossexual tambm. A beleza atrai,indiscutivelmente. O ser humano est fisiologicamente afinado para distinguirharmonia e desarmonia e a nossa amiga Vera harmonia em pessoa. - Diz Fernandoabraando Vera carinhosamente. Por falar em harmonia... Cad o Mauricio? Vi vocschegarem juntos e no o vi mais.

    _Tambm, meu querido, vocs tinham que deixar a TV ligada no quarto? Ele no podever uma Tv, ainda mais hoje que tem um futebolzinho bsico passando em todos oscanais...

    _Deixa ele. Eu liguei justamente porque a TV est em outro ambiente. As pessoaspodem se espalhar pelo apartamento e criar afinidades. Ele deve estar acompanhadode outros machos provavelmente.

    _Isso que me intriga nos homossexuais. Eles no pensam como Homens. Deixa euexplicar melhor. Nos filmes eu vejo um gay olhar para outro gay e sem complicao osdois ficam juntos, saem e vo fazer, ou no, o que quiserem, conversam abertamente,se tocam se encaram olhos nos olhos...

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    _Sandrinha, eles tem um propsito, sexo. No precisam de joguinhos. Homens emulheres fazem um joguinho de seduo. Um cede, o outro avana, um recua o outrose fecha. Fred que Antroplogo pode explicar melhor isso pra vocs. Esse ritual vemda era primitiva, onde o homem no falava. Era necessrio demonstrar atravs dedana, atravs de gestos, de atitudes as intenes do macho sobre a fmea. Aaceitao de um macho pela fmea s se daria atravs desse ritual que estimpregnado em nosso sangue at hoje. Uma seleo natural das espcies. Vence a leido mais forte, mais belo, mais inteligente para que suas crias sejam boas e garantama sobrevivncia dos prximos, e que estes, por conseguinte sejam fortes e inteligentescomo os pais. Seleo natural Sandra, sobrevivncia. Gays no reproduzem. No como mesmo sexo.

    _Gente, olha l. A Clarice est mais solta, no est Fernando? Vera chama atenopara o casal ao longe.

    _Reparem, ela est alisando os cabelos... Ela o est seduzindo! Danada! - Exclamaeufrico Fernando.

    _S porque ela est alisando os cabelos? Eu fao isso o tempo todo! Espanta-seVera.

    _No sua boba. No s o fato de ela estar mexendo nos cabelos. Tem todo umcontexto. Reparem que ela mostra a palma das mos quando fala com ele. Tudo queela diz expe a palma da mo. Isso uma forma de galanteio. Seu olhar est mais fixonos dele. Eles parecem que esto se entendendo. Esto bem mais prximos, diria quea distancia dos seus corpos bastante suspeita... Est havendo um toma l da c. -Explica Fernando.

    _No acredito nisso. Eu no saio mostrando a palma da minha mo pra todo mundo

    que me agrada! - Diz Vera incrdula.

    _Mostra sim Verinha. Voc no tem noo do que faz, instintivo. Seu corpo diz:Estou aberta a uma comunicao, quero trocar galanteios com voc. Voc me pareceagradvel...

    _Vou agarrar minhas mos daqui pra frente pra elas no me trarem. - Comentaironicamente Sandra. Ser ento que eu ando mostrando a palma da mo pra todomundo? Meus alunos, meus colegas... O meu porteiro?_Sandrinha... Relaxa, at a poucos minutos voc estava flertando com todos e nem sepreocupava com isso Ri debochando Vera, da amiga.

    _Gente, tem todo um contexto. Galanteios podem ocorrer entre qualquer um, emqualquer lugar. Entre professores e alunos, entre pais e filhos, entre doutor e paciente,entre homens e homens, homens e mulheres e mulheres e mulheres sem nenhumaconotao obvia sexual ou de homossexualismo. Na vida social as pessoas se tocam,trocam olhares, enfeitam-se com inmeros propsitos, mas basicamente, querem seraceitas. Bsico! Queremos ser aceitos. A rejeio no cai bem na nossa vida. J viuquando a gente cisma com uma pessoa, acha ela antiptica? Num primeiro contato,no gostamos de gente que desvia o olhar do nosso durante uma conversa. Pareceque no est prestando ateno no que estamos falando. O que nos transmite?Desaprovao ou indiferena o fato de no nos dirigir o olhar. Em outras palavras t

    me lixando pro que voc t falando. Tem aquela pessoa tambm que na hora de

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    A semitica do amor Pgina 21Laura Botelho

    apertar a mo num cumprimento, no estende o brao o suficiente e ainda aperta coma ponta dos dedos, mo mole. J conheceu essa?

    _Nem me fale. Fico danada da vida quando no apertam a mo como se deve. Pareceque esto com nojo da gente, que vo pegar alguma doena se chegarem muito perto.

    _A pessoa a qual voc foi cumprimentada desta forma Vera, quis dizer isso mesmo.H restries nesse contato, no quer envolvimento contigo, minha neguinha... -Alerta Fernando.

    _Srio? S porque eu sou negra? Eu pensei que o problema fosse com a pessoa eno comigo.

    _Com certeza ele tem problemas Verinha. Insegurana uma delas.

    Nesse momento se juntam ao grupo Fred e Maurcio, marido de Vera.

    _ Gente, vamos comer? Estou morrendo de fome. Meu estomago t colando na testa.- Alerta Fred em voz alta. J fui resgatar o pessoal do Futebol pra gente comear a seservir.

    _Vamos sim, tambm estou faminto. Fred, mostra os talheres e os pratos pro pessoalenquanto vou trazer a comida. - Norteia Fernando.

    _Meus queridos peguem seus pratos e talheres e sirvam se das saladas. Fernando jest trazendo os pratos quentes. E tenham um bom apetite!

    O jantar foi tranqilo. A comida estava magnfica. Um cardpio de mestre. A bebida adequada

    e sobremesa de contrariar uma tentativa de qualquer dieta. Os grupos se formaramnovamente, mas de forma diferente. Casais eram vistos nos cantos, solitrios e discordantesem rodinhas distintas.

    _J deram uma olhada no casal ali de p? - Maurcio aponta em direo a Clarice e orapaz de camisa azul afastados do centro da sala.

    _J, e j rimos muito com a leitura que Fernando fez dos dois. - Esclarece Vera. _Oque voc acha que est acontecendo l agora Fernando?

    _Depois do jantar, parece que o casalzinho discordou de alguma coisa. No estomais sincronizados.

    _Ah... Tinha que melar? Tomara que voc esteja errado, Amore Mio!

    _Tomara Sandrinha. Ela cruzou os braos e no estou gostando da distancia entreeles...

    _Calma a. Voc acha que o fato dela cruzar os braos quer dizer que ela estdiscordando dele? Mas ela est sorrindo! - Exclama Maurcio duvidando da sentenade Fernando.

    _Maurcio, cruzar os braos no peito sinal, dentro de um determinado contexto, que

    o ouvinte no concorda, no aceita a mensagem que est recebendo. de opiniocontrria quer refletir sobre o assunto. Pode estar sendo gentil ao sorrir apenas. A

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    A semitica do amor Pgina 22Laura Botelho

    distncia entre eles est maior que no comeo das apresentaes. Ele deve ter tocadoem algum ponto na conversa que no est agradando Clarice... Pena, eles pareciamque iam sair daqui juntos...

    _Ah, Amore Mio, no acredito que a conversa esteja ruim... Clarice no tem papas na

    lngua. Se o cara fosse chato ela j tinha dispensado ele._Sei l Sandra. Ela pode estar forando uma barra at mesmo pra provar a gente que possvel se relacionar com algum nem que seja pelo menos numa nica noite.Afinal, voc vive dizendo na cara dela que estranha, imatura e insensvel diante doshomens. Que ela v defeito em todo mundo...

    _Tambm no assim, n Vera? Eu tento balan-la de alguma maneira pra ver seela acorda, no fao no intuito de espezinhar ningum.

    _Agora eu acredito que a coisa t feia. Ela cruzou os braos para trs do corpo e girou

    o corpo para nossa direo. Ela est achando a conversa um saco! Quer cair fora logodali - Diz Fernando.

    O rapaz de camisa azul tira as mos do bolso beija Clarice no rosto e se despede do grupocom um rpido tchauzinho de longe. Vira as costas e vai embora. Cumprimenta Fred e conduzido por este at a porta de sada do apartamento.

    Clarice vem em direo aos amigos, de cabea baixa e embaraada.

    _E a? Rolou alguma coisa Clarice. Pergunta curiosa Sandra.

    _Nada... Tava tudo indo muito bem at que comeamos a falar sobre os nossos filhos,

    nossa maneira de educ-los, nossa viso de famlia... A entornou o caldo. Me segureiat onde deu. Quando desisti do debate ele sacou e resolveu ir embora. Disse quetinha que acordar cedo amanh, bla, bl, bl..

    _... Tenho que dar a mo a palmatria Fernando. Voc acertou em cheio! Tapavorado! - Elogia Maurcio.

    _A inclinao do corpo fala sempre. A distancia entre as pessoas. O movimento dosbraos, dos ps. O corpo fala o que a mente contm naquele momento. intressanteobservar esses detalhes na vida em comum, entre marido e esposa, pais e filhos,entre namorados, entre amigos. So pequenos detalhes que fazem uma grande

    diferena na comunicao. Essa prtica leva a manter a nossa mente mais atenta aosdilogos, atenta ao que no foi dito e ao que precisamos rever. - Conclui Fernando.

    _Nando, segundo o que eu entendi, nosso corpo expressa a nossa personalidade, oque se passa no nosso interior, com isso, se modificarmos nossos aspectos fsicos,corporais, poderemos mudar os aspectos mentais, mudar nosso estado emocional? -Questiona Clarice.

    _Eu diria que sim Clarice. O poder que temos nas mos to grande minha amiga.No temos conscincia ainda das posturas erradas que adotamos no nosso corpo quedesgastam nosso organismo, arrasam nossos pensamentos, muitas vezes levando a

    muitas doenas geradas por nossos conflitos interiores.Nossa harmonia consiste emequilibrar a razo, emoo e instinto. J falei e vou repetir. Sua obesidade fruto da

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    A semitica do amor Pgina 23Laura Botelho

    sua cabea. Voc quer ficar assim, voc se sente assim, cheia de tudo. Voc andacom as costas curvadas e os ombros arqueados passando a idia de cansao edepresso, como se carregasse um fardo. Veja o Maurcio. Fernando poe uma mono ombro do Maurcio com a outra traa uma linha imaginria no modelo. _Costasretas e peito projetado para frente, mostrando segurana e certa dose de narcisismo,

    dando at a sensao de arrogncia, coisa que ele no tem. N, Maurcio?!

    Todos riem e se entreolham com certa crtica nos olhos. Mais pessoas comeam a chegar e sesentar atrados pelas gargalhadas. O grupo aumenta e o assunto toma um rumo de palestra.Fernando est no meio do crculo, rodeado de olhares atentos a tudo que diz. Fred afastado sediverte com a situao. Providencia mais bebida para os que esto com os copos vazios.

    _Fernando, experts no assunto, garantem que possvel fazer um mapa da nossaestrutura fsica e com isso traar a personalidade de um indivduo. Isso verdade?Ouvi dizer que possvel olhar pra algum e dizer o que se v, utilizando algunsconhecimentos...

    _ verdade sim Marta. Com a medicina oriental, que acredita na fora das emoes,associada a medicina psicossomtica, que mostra como a mente desencadeiaalgumas doenas e principalmente, com o auxlio da Neurolingustica, a cincia queestuda a influncia da linguagem sobre o crebro e o comportamento, possvel simtraar um perfil de algum.

    _Ento v l. Me diz o que voc v em mim. Afinal, voc no me conhece, sou amigade Fred, no tivemos tempo para nos conhecermos e queria saber se vai bater com oque penso. Questiona uma moa que se junta ao grupo intrigada com o assunto quej domina todo o recinto.

    _Marta. Seu nome Marta, no isso?

    _ Isso.

    _Martinha... Voc realmente quer saber? Eu sei que um assunto interessante edivertidssimo, no a toa que fui estudar to a fundo esse tema, comportamentohumano. uma curiosidade normal do ser humano querer entender de tudo. SomosPhD em Achologia. Eu acho que esse remdio vai te fazer bem, eu acho que essesujeito no gosta de voc, eu acho que voc deveria fazer isso, ou aquilo.... Ondequero chegar... Penso que seria embaraoso e nada tico da minha parte decifrar ouachar algum conceito no seu corpo ou de qualquer um nesta sala a partir de um olhar

    superficial. preciso muito mais que isso. Vamos fazer assim. Para matar acuriosidade de vocs, vou descrever um quadro de indicadores. Vou indicar umaspecto. No do seu corpo ou de algum aqui, mas de um modo geral, nas pessoasque conhecemos e tentar traar, encaixar e avaliar a personalidade desse indivduopelas caractersticas fsicas dele que darei. T bom assim?!

    _Tudo bem, mas eu no me importo em saber o que voc vai achar em mim.Gostaria realmente de ter sua opinio nesse momento a partir da sua observaodireta. - Confirma Marta.

    _Tem certeza? No vai ficar chateada com o que posso descrever a primeira vista,

    instintivamente?

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    A semitica do amor Pgina 24Laura Botelho

    _Manda ver! - Insiste Marta.

    _Por sua camiseta justa ao corpo podemos observar que voc no tem quase seios,no so fartos como os da nossa Clarice aqui! Seios fartos so acolhedores,protetores, est sempre atendendo s necessidades dos que a solicitam, masinfelizmente... so pessoas que se magoam facilmente. - Todos sorriem e voltam afocar no que Fernando vai dizer. _ Vamos l. Seios pequenos - Voc Independente egosta dessa sua liberdade, no aceita ficar presa e se apegar a absolutamente nada.Voc est sempre em primeiro lugar na sua lista, por conta disso mandona e gostadas coisas do seu jeito. Desculpe, mas voc pediu!

    _T certssimo! Fantstico. O Fred no te passou nenhuma cola, no?!Em meio a risadas nervosas, todos na sala conversam entre si e comentam o que foidito. Marta conversa paralelamente com Fernando sobre esse seu lado egosta.Quando em meio ao burburinho, Clarice levanta com a bolsa j no ombro cominteno de se despedir de todos na reunio.

    _Que isso? J vai Clarice? - Pergunta Sandra segurando o brao da amigaimpedindo-a de sair.

    _J, meus queridos. Tenho que pegar Fabiana na casa de uma amiga. Amanh eu eela vamos acordar cedo para nos inscrever numa Academia de ginstica. continua ase despedir.

    _No acredito! Que papo esse de Fabiana ir com voc a Academia? Indaga Sandra.

    _Depois a gente conversa. Outra hora eu conto o papo que tive com ela. Foiemocionante e assustador ao mesmo tempo. Mas agora eu tenho que ir mesmo. Euligo pra vocs amanh. Ok? Beijos! Beijos!

    Clarice sai da sala acompanhada de Fernando que a leva at a porta do elevador, enquanto ogrupo volta a conversa anterior.

    _T tudo bem mesmo querida?

    _T melhor do que a encomenda Nandinho. Fiz o que me mandou, conversei com elahoras e horas e descobri coisas que nunca iriam me passar pela cabea se ela nodissesse. Eu estava errada esse tempo todo, s pensando em dar o material,Fernando. Acabei fazendo justamente aquilo que mais condenei nos pais, nos homensem geral, a tal da mesada... Ela s queria minha companhia, minha ateno, e eu nodei...

    O assunto interrompido pela chagada do elevador. Os amigos se despedem em silencio numabrao apertado. Clarice entra no elevador e a porta se fecha.Fernando volta para a sala e antes de sentar j est sendo consultado para novas questes.

    _Barriga, fale da maldita barriguinha. Aquela que a gente malha, malha e ela no vaiembora. - Indaga outra convidada de nome Solange.

    _Barriguinha... A barriguinha costuma ser rebelde e teimosa, assim como seu dono.Essa pessoa tem dificuldade em resolver seus diversos problemas, falta lhe atitude.Est sempre adiando aquilo que fundamental para sua paz. Como diz o ditado: vaiempurrando enquanto d tudo com a barriga. Com uma srie de frustraes,

    problemas no digeridos acumulam sentimentos mal resolvidos em forma degordurinhas na regio do abdmen. Conclui Fernando.

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    A semitica do amor Pgina 25Laura Botelho

    Sandra olha srio pra Fernando. Encara o amigo fixamente.

    _Que foi? T me olhando assim por qu? No verdade? Pergunta Fernando paraSandra.

    _Meio certo. A nica coisa que voc acertou que o abdome acumula gordurinhasque a gente no consegue resolver de jeito nenhum!

    _Sandrinha... Seu corpo est perfeito. Seu peso ideal para sua altura de 1.70, masessa barriguinha fala, grita... Com olhar de piedade, Fernando segura a mo deSandra enquanto fala.

    _No vai falar da minha bunda achatada tambm no?! Amore mio!

    _Uhmm... Bunda achatada... Vamos mudar pra outra parte do corpo!

    _No Fernando, fala da minha bunda! - Grita Sandra.

    Todos riem e aguardam a resposta._Mama mia... Como eu vou sair dessa? Bem, pessoas de bunda achatada... - Todosriem quando Fernando faz outra pausa. _So pessoas que apresentam personalidadeforte... Mas, na realidade, so muito inseguras emocionalmente e vivem sob ocomando alheio... Se anulam constantemente, temendo tomar suas prprias decises,abrindo mo de suas vontades. Aquelas que deixamos de lado para no causardiscrdia com quem estamos dependentes emocionalmente. Esto sempre visandoagradar outras pessoas, como eu, por exemplo olha pra Sandra e manda um beijono ar pra ela. _De uma forma geral, uma pessoa muito carente que tem medo deficar sozinha com seus pensamentos. Fernando encara Sandra, levanta as

    sobrancelhas com ar de arrependimento._ Errou de novo. No sou carente... Eu gosto das pessoas por perto, s isso.

    _Amore mio... Come ti voglio bene!! Vita mia... Fernando abraa Sandra como quemconsola uma criana.

    _Fernando, meu pai tem um papo enorme. Ele parece mais velho do que por causadesse papo. O que voc me diz disso. Indaga Maurcio curioso._Acredito que ele seja um cara duro. avesso a crticas e reage de forma agressivaquando algum insiste em reavali-las. uma pessoa que tenta andar na linha, serjusta, comprometida, justamente pelo pavor de ser repreendida.

    _ ele! ele, meu sogro! Nando, voc descreveu meu sogro e nem chegou aconhec-lo. Fantstico! Ri nervosamente Vera com a descrio de Fernando.

    E a noite se passa com muita risada e Troca de contatos. muito tarde. Sandra foi a ltima asair. Ento se despedem dos amigos, Fred e Fernando.

    _Pera, no vai no. Fica essa noite aqui, Sandrinha... apela Fernando.

    _Amore, no d. Meus filhotes vo ficar histricos se eu no chegar ainda hoje. Vopintar o sete se eu demorar muito. a forma que eles tm para demonstrar a falta, a

    minha ausncia.

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    A semitica do amor Pgina 26Laura Botelho

    _Sandrinha... Precisamos conversar sobre isso... J no bastou a sua dedicao a suame durante tantos anos? Voc se dedicou a ela de corpo e alma. Abriu mo da suavida em todos os nveis... j no chega?...

    _Foi uma escolha consciente, Nando. Eu sabia o que estava fazendo. Era mais forte

    do que eu cuidar dela at sua morte. Voc sabe. Meus irmos no davam a mnima,eu no podia deix-la sozinha. senta-se novamente Sandra desmoronando napoltrona.

    _Todos ns sabemos que foi uma escolha difcil. Abrir mo de um noivado, de umrelacionamento de 12 anos, de uma vida de prazeres, de autoconhecimento... No fcil minha querida... Por isso, estou chamando voc razo. Ser que no chega?Est na hora de fazer alguma coisa por voc. De se dar um prazer. De se viverplenamente e no pela metade. No por algo ou por algum, mas por voc... Eu teolho e vejo uma menina carente, cheia de vida, cheia de vontade de sair correndo e sesujar na terra, de pular, de subir, escalar as rvores... mas fica s nisso, s na

    vontade. logo contida por algo ou algum...

    Sandra desmorona. Chora copiosamente. Agarrada a uma almofada, ela a abraa e se agachanuma posio quase fetal. Se deixa levar pela emoo das palavras do amigo. Chora, choramuito, sem pensar onde est e com quem est. Sandra chora tanto que adormece sem se darconta.

    Fernando a pega nos braos e a leva pra um dos quartos onde h uma cama j a espera dealgum hospede. Ele a cobre. Apaga a luz e sai.

    De manh.

    _O que voc pos na minha bebida Nando...?

    _Eu? Nada. Voc mal bebeu. Tomou s um clice do vinho tinto s depois que insistimuito.

    _No acredito... Eu desmaiei. No me lembro de ter ido para o quarto...

    _Amore... Voc no foi... Eu a levei nos braos.

    _Srio? Meu Deus! Tenho que ir pra casa. Os bichinhos devem estar maluquinhos...

    _Calma senta a e toma seu caf. Eu vou com voc at l pra ver se seus filhos no semataram...

    _Ah, Nandinho... No brinca... eles sentem no ar. Ou melhor eles no sentem o meucheiro no ar, da entram em pnico.

    _ Eu sei, sua boba... Os ces podem detectar o medo, a raiva ou amizade de umapessoa atravs do cheiro. E a solido os afeta em muito, mas tambm, no assim,Sandrinha. Voc no est 24h fora de casa. Tem muito de voc ainda por l.

    _Desculpa pela choradeira de ontem...

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    A semitica do amor Pgina 27Laura Botelho

    _Por que se desculpar? Voc precisava fazer aquilo h muito tempo. Foi to intenso amaneira que voc deixou fluir as emoes que seu corpo relaxou de maneira calma etranqila.

    _Foi mesmo. Eu perdi a noo do quanto aquilo tudo estava me fazendo mal... Talvez

    essas dores de cabea que ando sentindo diminuam. Tenho tido muita enxaquecaultimamente.

    _Vai passar, pode acreditar. Seu desejo de controlar tudo e essa incapacidade deexpressar a raiva a base da sua enxaqueca. Esse peso que voc carrega todosesses anos absurdo. O fato de o seu noivado ter acabado no foi sua culpa, nem desua me. Sua autocrtica perversa. Voc precisa se auto valorizar. Murilo no era ocara certo pra voc minha querida.

    _Agora eu sei disso. Fiquei sabendo que ele se casou e j tem um filho. Isso tudoaconteceu dentro desses 4 anos que nos separamos, Nando. Comigo a coisa sempre

    foi difcil. Eu queria me casar, mas tudo tinha um porm. Num momento tudo eracomplicado ou por causa da minha me ou por problemas financeiros, dizia ele. Mascom essa atual namorada no demorou muito. Casou-se dentro de um ano e no anoseguinte j teve seu prprio filho...

    _Eu queria ter essa conversa com voc, mas a distancia no era propcia para chegarat seu corao. Foi tudo muito agressivo na sua vida. Todo o seu suporte solitrio navelhice dos seus pais, tudo em suas mos. A morte do seu pai. A doena da sua me.O fim do seu noivado... Ningum agenta Sandrinha. Acho que voc muito maisforte do que eu pensava. Ao contrario do que eu imaginava voc no desmoronou comtudo isso. Estou muito orgulhoso de ti.

    _Depois que o Murilo me deixou eu botei uma coisa na minha cabea. No vou deixara peteca cair. Minha me precisava de mim. O cncer a deixou muito debilitada. Euno tinha tempo nem pra pensar em nada, nem no meu sofrimento interior. Mas agoraque tudo passou... J tem 2 anos que ela morreu, eu me sinto to vazia, toestraalhada, to desanimada...

    _E por isso que voc se dedica tanto aos seus filhos Tiago e Diogo... Elesprecisam de voc?

    _ Dr. Eu preciso que algum precise de mim...

    _Sandrinha... Eu preciso de voc. As meninas precisam de voc. Sua existncia fundamental para todos ns. Olha, Aristteles escreveu a 360 anos Antes de Cristo umtexto de nome Revoluo da Alma que diz entre outras coisas:

    A razo da sua vida voc mesmo. A tua paz interior a tua meta de vida, quandosentires um vazio na alma, quando acreditares que ainda est faltando algo, mesmotendo tudo, remete teu pensamento para os teus desejos mais ntimos e busque adivindade que existe em voc.

    _Voc vai me fazer chorar de novo? Isso faz parte da terapia?

    _No querida... Fernando abraa Sandra com muita fora. _O que eu quero dizer que ningum dono da sua felicidade. Um dos motivos para o desajustamento entre

    http://iaufotolog.multiply.com/journal/item/17http://iaufotolog.multiply.com/journal/item/17http://iaufotolog.multiply.com/journal/item/17http://iaufotolog.multiply.com/journal/item/17
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    A semitica do amor Pgina 28Laura Botelho

    voc e Murilo foi essa discrepncia de ritmos. Vocs no tinham uma troca. Umasinergia em comum. Faltava algo ou muita coisa entre vocs. Era a pessoa errada nahora errada. Acredito que se no fosse a doena da sua me ele arrumaria outra coisacomo desculpa para no se unir a voc como seria do seu gosto.

    _Eu sabia, eu sempre soube que havia alguma coisa errada entre ns dois.Passvamos longo tempo em silencio e quando o quebrvamos era para fazerobservaes mesquinhas um com o outro, apontar faltas, apontar atitudes erradas.Nada soava a comentrios com a finalidade de melhorar o nosso relacionamento, pelocontrrio, afirmvamos inconscientemente, diariamente, o quanto tudo aquilo estavaerrado, s que negvamos a agir e nos calvamos... Talvez por isso tenha duradotanto tempo. Doze anos! uma eternidade, pensando bem. O medo de ficar sozinha,de no saber o que fazer com essa solido emburrece a gente. Deixamos de viver,deixamos de nos gostar para investir de cabea em algo que de cara a gente temcerteza que no vai dar certo, que no tem futuro.

    _Voc no perdeu tempo. Voc ganhou. S teria essa maturidade hoje porque podeavaliar sua experincia de um outro angulo com mais discernimento, maisobjetividade. A razo fala mais alto nesse momento. Sua emoo estava amarrada esedimentada em modelos e crenas que sua cabea no tinha como avaliar poca.Quando estamos passando por estresse profundo nosso ritmo de pensamento lento.No temos capacidade de enxergar o que todos ao nosso redor enxergam. A posturae a expresso de atitude do Murilo em relao a tudo que voce passava j nos davamum pequeno ndice do seu carter. Duas pessoas percebem um mesmoacontecimento de formas diferentes, pois cada uma delas usa um tipo de filtro paraobservar o fato. Voc filtrava tudo de forma diferente dele do que acontecia naquele

    momento. Voc via o que queria ver. Ou seja, seu amor a ele e a sua me estavamem primeiro lugar na sua vida naquele momento e ele no enxergava dessa maneira.Ele s via sua ateno voltada pra ela, quando ele queria estar em primeiro plano. Seuegosmo diante dos acontecimentos j demonstrava que ele queria ser o centro dasatenes. Com certeza ele seria o centro das atenes sempre na vida de voces athoje...

    _T certo. Voc est certssimo! E eu tenho que fazer alguma coisa urgente pra sairdessa. - Exclama Sandra.

    _Voc j saiu, minha querida. S o fato de ter conscincia de tudo j muito bom

    Sandrinha. Muito bom! Vamos fazer o seguinte. Acaba seu caf, vamos pegar Diogo eTiago e lev-los para esticar as patas no calado. No passeio a gente traa um planopara o seu futuro. Que tal?! No fim da tarde tenho que passar na casa de Vera praconhecer os pimpolhos dela. J comprei umas roupinhas lindas pra eles. Voc vaicomigo?

    _ No d, Amore... Realmente tenho que rever material pra aula de amanh...

    _ Ah... Mestres... Dupla jornada de trabalho sempre... Precisa de ajuda?

    _No querido. E obrigada por essa noite...

    noitinha na casa de Vera.

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    A semitica do amor Pgina 29Laura Botelho

    _OI meu amor. Que prazer imenso ter voc aqui. Maurcio! Nando chegou.

    _Que prazer inenarrvel t-lo conosco Fernando. A Vera preparou um jantarzinho pravoc que me deixou com cime... Nunca tive um jantar desses! Maurcio recebeFernando j com um longo aperto de mos e uns tapinhas nas costas encaminhado o

    convidado ao centro da sala._Deixa de ser bobo Maurcio. Cansei de fazer esse prato pra voc. Liga no Fernando.Agora tenho trs filhos. Como se no bastasse ter que dar ateno as crianas tenhoque dar muita ateno a esse marmanjo... Fica a vontade. Voc quer tomar algumacoisa antes do jantar? Quer uma cerveja, um Whisky, um vinho...

    _ gua. Verinha eu quero gua. Gente, como faz calor l fora. Tenho que meacostumar com esse clima rapidamente. O calor est me fazendo muito mal. Aquidentro est muito agradvel.

    _ Nesses dias tivemos que deixar o ar ligado o dia todo. Os meninos sofrem muitotambm. Comenta Maurcio.

    _Afinal, cad esses banbinos? Trouxe uma lembrancinha pra eles Verinha. Se nocouber, me avisa que eu troco. A lojinha fica prximo do meu apartamento.

    Maurcio se levanta e vai em direo ao corredor do imvel para chamar os meninos que jogamvdeo game no quarto.

    _T gostando de l Nandinho? O bairro excelente, n? Vera conversa comFernando da Cozinha em voz alta.

    _ Se Vera. Quer que eu ajude em alguma coisa? Fernando levanta e vai emdireo a cozinha. J lavando as mos toma conta da situao.

    _J fiz tudo que precisava. S estou enfeitando o pavo. Maurcio vai subir pelasparedes. Quer ver? Ele adora pratos decorados, mesa posta com bastante etiqueta.Mas fala srio? Tem condio de colocar a mesa nesse nvel todos os dias? Toalhanovinha, pratos e talheres e copos e guardanapos e flores decorativas... No tenhoesse tempo Nando! Presta ateno! A escravido j acabou! Os dois gargalham nacozinha custa das crticas de Vera a respeito dos gostos refinados do marido.

    _Fernando, quero apresentar meus scios. Alexandre e Mateus. Fala com o tio. Vai l,

    d um abrao nele. O cara veio da Itlia s pra apertar a mo de vocs! BrincaMaurcio com as crianas.

    _Que prazer conhecer vocs Alexandre e Matheus. Vocs so maravilhosos. Lindosmesmo. A cara da sua me!

    _ Obrigada pela parte que me toca querido amigo. Entra Vera com um grande pratode Risoto de camaro todo decorado e o deposita com muita graa a mesa.

    _Caramba, que prato lindo amor! A meus scios, vocs j viram mame preparar umprato to bonito assim pra gente? Vamos aproveitar que outra dessa vai demorar.

    Maurcio olha atento o prato na mesa e senta-se esquecendo da visita. _Ah, Senta aFernando. Por favor.

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    A semitica do amor Pgina 30Laura Botelho

    _Vou esperar a Vera sentar primeiro. Da eu tomo meu lugar. Fernando ajuda a Veraa trazer outros pratos, alguns talheres e a bebida enquanto Maurcio se serve semconstrangimento.

    Vera d uma parada no meio da sala quando v o marido se servindo rapidamente.

    _Maurcio! Pelo amor de Deus! Custa voc esperar todos se sentarem para se servir?Pelo menos sirva seus filhos primeiro, homem! Exclama Vera bastante irritada.

    _Eu nunca sei o que eles gostam. No adianta eu fazer isso se eles no vo comer oque vou colocar. Ignora Maurcio a expresso de constrangimento da esposa.

    Vera tentar acalmar-se diante da cena. Ela senta, respira fundo e pergunta ao amigose quer que ela o sirva.

    _Atenda aos meninos Verinha. Deixa que eu me sirvo, se no se importa. Fernandoencara Vera e sorri com um olhar de cumplicidade.

    _Me importar... Importar-me com o qu? Depois dessa... Vera balana a cabeaindignada e fica em silencio.

    Maurcio comeu muito, bebeu muito e sentou-se na poltrona da sala como um rei satisfeito.Fernando tira os pratos e os leva para a cozinha onde encontra a amiga acanhada e semgraa.

    _J sei o que voc est pensando, o que voc quer me dizer e o que voc gostaria dedesabafar, mas no o far pelos motivos bvios. Portanto, segura a onda. Respirafundo. O jantar estava divino. Eu adorei cada detalhe. Amei seus filhos. raro

    crianas nessa idade se comportarem to bem a mesa como eles se comportaram.Nota 10! E Sim, voc est linda. Sim, eu entendo o que se passou at agora. No, euno estou nem um pouco constrangido com o que aconteceu. No, eu no vou ficarchateado. No, eu no quero cafezinho com adoante depois desse maravilhosojantar!

    Os dois gargalham e relaxam. Fernando ajuda a Vera a lavar a loua e trocam velhashistorinhas do passado. Enquanto isso, Maurcio assiste a TV passivamente sem incomodarem entreter a visita.

    Na casa de Sandra dois dias depois, Fernando recebido por ela com um abrao eletrizanteao abrir a porta do seu apartamento. Os ces latem e pulam obedecendo ao ritual de boasvindas.

    _ Ol fofinhos! Sentiram falta do meu Chanel numero 5? Fernando abraa um porum os cachorrinhos fazendo cafun nas orelhas deles.

    _E a? Como foi l na casa de Vera? J soube que Maurcio aprontou uma na suafrente.

    _ Se voc sabe pra que eu vou contar? Vocs, eim? Nossa, esto na velocidade daluz em termos de fofoca.

    _Amore, conta a, no desconversa no. Quero ouvir de voc o que achou do que viu.Quer um cafezinho? Acabei de fazer, ainda nem tomei.

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    _Quero sim. Ah... Sandra... Aquelas coisas de macho dominante latino. Nada que umEtolgo no explique. Fernando pega o copo de caf das mos de Sandra e se largano sof.

    _ Barra, n? s vezes eu penso em desistir de me casar por causa disso, sabia? Mas

    quando penso... mentira... eu quero me casar sim._ Claro que quer. um instinto bsico. mais forte do que voc. O amor essencialao ser humano. Paixo. Aquele arrepio do beijo. A expectativa de o outro chegar. Obatimento cardaco acelerado quando ele chega e te abraa...

    _Isso que voc t descrevendo o comeo de namoro, amore... Tudo fica as milmaravilhas quando estamos no incio de namoro. O cu mais azul, nada nos irritato facilmente. O amor lindo. Depois de um tempo de intimidade a coisa comea asair dos eixos. A gente se irrita com tudo, o cu est sempre nublado e o amor no to bonito assim quanto antes.

    _Voc est falando do seu namoro, mais precisamente, n mocinha?!No inicio de umnamoro, ambos esto empenhados e dispostos a se ajustarem. H um esforo deambos os lados. H uma sincronia no ar. Mas basta um sair dessa sincronia, que tudodesanda. A tenso se cumula e se torna cada vez mais rgida. O casal ficadesemparelhado e menos propensos a se ajustarem influenciando numdescontentamento que gera dor, um mal estar no relacionamento. O sexo o primeiroa apitar. Ele diz como vo as coisas. As mulheres, principalmente, sabem muito bemcomo esfriar uma relao e sabe tambm como apiment-la.

    _Voc quer dizer que eu sai de sincronia com Murilo?

    _ Talvez. Pense como voc era no incio do namoro e como voc ficou quando teveque se dedicar a sua me doente. Namoraram por trs anos. Foram morar juntos, mass conseguiram ficar sozinhos dois anos. Da seu pai morreu. Sua me doente foimorar com vocs. Por 7 anos! Alguma coisa mudou no comportamento de vocs,Sandra. Com certeza.

    _ Eu acho que parte foi minha culpa e parte dele. Acho que ao sair de sincronia elesaiu tambm e no conseguimos mais nos ajustar. E agora que voc comentou... osexo ficou uma droga!

    _Lembrou direitinho... n? Existem centenas de nveis diferentes para se expressarintimidade ou distanciamento num relacionamento, fcil identificar nossa posturadiante dos fatos. H falta de contato visual, economia no contato fsico... Silencio...

    _Nando, vou te falar uma coisa que nunca comentei com as meninas. Fiquei commedo de elas acharem que sou lsbica. Srio! No ri no. Voc sabe que eu j nogostava tanto da penetrao na hora do vamos ver...? Eu queria mais beijo, maslngua, mas mos, mais olho no olho... Menos aquilo...

    _ Aquilo? A maioria das mulheres valoriza muito mais uma srie de rituais para osexo do que a prpria penetrao Sandrinha... S que elas no falam no expem

    esse fato para seus companheiros. E no h nada de lsbico nisso. Muitas mulheres,eu falo de muitas mulheres, voc no avalia quantas destas pobres mulheres, no

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    conhecem essas preliminares, esses prazeres que voc est descrevendo e quetanto voc necessitava, mas que lhe era negado ou pelo menos no dedicado daforma que voc necessitava. Essas pobres mulheres no tm e no tiveram aoportunidade de experiment-los pelo desconhecimento de seus parceiros. E porincrvel que parea, eles tambm procuram o mesmo, se voc quer saber, mas por

    falta de orientao, falta de conhecimento do seu prprio corpo, eles tambm seprivam desses prazeres. Eu ouvia o relato de algumas mulheres a respeito daeficincia dos seus maridos. Elas queriam dizer que eles se uniam num coito dealguns minutos at que ele terminasse em gozo prprio. Isso que era a eficincia!Muito macho!!!

    _Eu imagino o que voc devia ouvir... Voc acha que no nosso pas existam tantasmulheres burras assim? Que ignoram outros prazeres sem ser o da penetrao.

    _Sandrinha, eu acho que sim. Infelizmente. A nova gerao nem tanto, mas asmulheres da nossa gerao, sim. Eu morro de rir quando ouo umas a dizerem que

    seus maridos esto brochas no levanta mais ou tm dificuldade de manter. Da apouco aqueles brochas arrumam uma garota mais nova... Isso s denota como osexo deles era ruim desde quando se casaram!!! A falta de intimidade entre elesnestes casos explicita numa frase dessas... Total ignorncia do assunto. Asmulheres no se do conta no casamento que o que mais as atraa era justamente afase do namoro. E o que era o namoro? Pelo menos antigamente. Aqueles beijosofegantes, mos pelo corpo a procura do outro, olho no olho, muita energia era gastaat encontrar um local apropriado, um momento apropriado at chegarem apenetrao em si. E isso minha cara, o clmax.

    _ Essas preliminares acabam depois do casamento. O homem no se sente mais naobrigao de lev-la a loucura para que ela ceda seus instintos bsicos. Ningumprecisa mais correr atrs do outro. N? Como diz oditado popular galinha de casano se corre atrs... , horrvel essa expresso, mas verdade! Mas o fato queaquele affair de antes desaparece nos primeiros anos ou at mesmo nos mesesseguintes ao habitarem a mesma casa. Ela t ali na cama e ele se chega. Ele passa amo nas pernas dela ou no cabelo como sinal tpico de suas intenes, aqueles sinais,mensagens que s os casais entendem. Ns mulheres quando queremos ateno,colocamos aquela lingerie novinha que sabemos que o deixa fora de si e logoestaremos sem as roupas em segundos, partindo para o coito propriamente dito...Gastando munio toa. Ahhh... a aproximao fcil demais, banal demais! Tudo secessa a partir do derrame dos fluidos corporais... Geralmente deixando a parceira ver navios...

    A campaninha toca do apartamento de Sandra e a cachorrada late e pula, pula olhando fixopara porta at que a dona abra...

    _Oi! Sabia que voc tava aqui. Ligamos para sua casa e ningum atendeu. Disse logopra Vera. Ele t na casa da Sandra, quer ver? - Vera e Clarice entram sem a menorcerimnia na casa de Sandra, brincam com os cachorrinhos e vo beijar Fernando.

    _Oi minhas bonequinhas. Clarice amore, voc no devia estar trabalhando nesse

    momento?

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    _Devia? Pensei que, como chefe, eu pudesse matar o trabalho a hora que euquisesse. Ah... s hoje! No tinha nada de muito srio pra resolver. S trabalhei naparte da manh. Passei na casa de Vera pra a gente ir ver voc, mas voc veio seesconder aqui... Clarice faz biquinhos de criana contrariada.

    _Ciumenta essa Dona! Eu passei aqui por que sei que Sandra hoje no d aula e queiria poder colocar umas fofocas em dia.

    _ Falou a palavra certa. Fofoca. De quem vocs esto falando nesse momento? Temcaf ainda Sandra?

    _Tem, pega na garrafa trmica para vocs. No estamos falando de quem, estamosfalando do por que. Por que o namoro acaba depois do casamento e tudo mais nosrelacionamentos...?. isso. Estamos falando da Semitica do amor, pra ficar maischique. Afinal, Nandinho um homem culto e est tentando deixar esse ser aquimenos ignorante possvel.

    _Ah... Eu tambm quero ficar menos burra, Nando! Me diz a, onde vocs pararam? pergunta Vera.

    _Estvamos falando sobre as preliminares. Por que elas acabam quando vem ocasamento, ou seja, quando passamos a conviver juntos na mesma casa. - Diz Sandrainterando as meninas na conversa.

    _ Se fosse preliminares de um jogo de futebol eu at podia colaborar na conversa.Disso eu entendo... - Debocha Vera.

    _Mais ou menos isso Verinha... Homens ficam loucos com preliminares de umgrande jogo. J notou? Aquela excitao toda. Compra de ingressos, camisas... Pois. Tudo isso um jogo. E o Jogo de que estamos falando o da seduo. Vai dizerque voc no joga o tempo todo com o Maurcio?

    _Jogo. Meu tempo fora...

    _Fala srio Vera. Quando ele faz alguma coisa que voc no gosta voc reage deforma agressiva na hora, ou voc arruma uma maneira de irrit-lo da mesma formaque ele fez com voc?

    _Claro. Arrumo uma forma infalvel de irrit-lo duplamente. A nega aqui vingativa!

    _ Esse tipo de jogo do quem pode mais, que, se no for bem jogado leva tudo aperder. Muitos casais se separam por conta de joguinhos mesquinhos. Tem um amigomeu que brinca, dizendo que sabia que o casamento dele tinha ido pro espao quandoligou pra casa avisando a mulher que iria chegar bem tarde, s pra irrit-la, deix-laansiosa, mas recebe da secretria eletrnica o seguinte recado: Chegarei muitotarde essa noite. Seu jantar est no Microondas... piada, mas o jogo do toma l dac.

    _Eu sei do que voc est falando. Eu e o Maurcio jogamos esse joguinho anosatrs. E quase ns dois samos perdendo. Estivemos muito estressados na poca emque descobri que havia uma dificuldade em engravidar. Havia discusso por motivos

  • 7/21/2019 A Semitica do amor

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    A semitica do amor Pgina 34Laura Botelho

    bobos. ... muita energia negativa no ar. S depois que nos acertamos que a gravidezfluiu normalmente. Confirma Vera num semblante fechado.

    _Tem pessoas que tm dificuldade em admitir que esto erradas, no querem dar obrao a torcer. Querem manter sua posio at o fim. Conclui Fernando.

    Faz se um instante de silencio. Todas passam a pensar em suas condies. Seus momentosem que foram radicais com suas atitudes... Clarice interrompe o momento com certa aflio.

    _ Nando. Eu queria que voc fosse l em casa conversar com Fabiana. Acho que vocpodia nos ajudar em muito nesse momento. Acabou que eu nem contei pra vocs oque deu naquele dia que conversei com ela. Clarice segura as mos de Fernandocomo se segura as mos de um padre.

    _Claro querida. A hora que voc quiser. Me conta ento. Como foi a conversa?

    _Sentei com ela. Olho no olho. Como voc falou pra eu fazer...

    _E...?

    _ E, que ela me arrasou! Disse que ela se sentia largada, abandonada... que eu no aenxergava como pessoa, somente como uma menina que precisava de brinquedospara obedecer e fazer o que eu queria...Que no era justo pedir que ela secomportasse como adulta se eu no fazia o mesmo... Essa ento foi pior parte...Disse que eu estava me matando de tanto comer. Que minha infelicidade ocupavatodos os cmodos da casa. Que eu no cantava mais, que eu no saa com ela pra irao um cinema, no passevamos mais juntas, pois estava sempre cansada. Nofazamos mais refeies na mesma casa. Que sua companhia ultimamente era a da

    empregada. Que eu s queria trabalhar, trabalhar. E... Que tambm no queria sergorda como eu...Iria vomitar tudo que comesse sempre que passasse do peso ideal.Clarice derrama lgrimas sem esboar sinal clssico facial de choro. Os olhos seenchem contra sua vontade e transbordam involuntariamente.

    Os amigos se comovem, mas mantm a distancia sem mover um msculo para ampar-la. Elaseca as lgrimas e continua sua fala depois de alguns instantes para se recomporemocionalmente. Fernando a observa com olhos atentos a cada expresso do seu corpo.Detalhe por detalhe. Quase sem piscar.

    _Eu juro que eu no fazia a menor idia do que ela sentia a respeito do meu modo de

    vida. Do meu corpo. Do meu isolamento temporrio... Achei que ela nem ligava pramim. Que no sentia falta da minha companhia nem dos nossos passeios, pois agoraela tinha vrios amigos, saa sozinha, no precisava mais mim...

    _ Clarice. O primeiro rgo sexual, acredite voc, a boca. Quando uma mulher impedida por algum determinante em sua vida, de usar seus rgos genitais fora dosmais rgidos princpios sociais, sobra a ela, ocupar a boca com alguma coisa, comer. um escape clssico para a sexualidade reprimida. Essa ansiedade aumenta ano apsano e passa a ser transferida para muitos outros desejos que a faam se sentir feliz,momentaneamente, como compras e gastos excessivos... Voc uma mulher sensualClarice. Os problemas psicolgicos costumam se refletir nas caractersticas fsicas,minha querida. E a Fabiana no especialista no assunto, mas j observou que a

  • 7/21/2019 A Semitica do amor

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    A semitica do amor Pgina 35Laura Botelho

    coisa est fora de controle. Seu resgate para o prazer est fora de controle. Uma la outra diariamente, com seus gestos, tenses nas suas palavras e entonaes. Eindependente do que vm sente no ar. responde Fernando expectativa da amiga.

    _Ela uma criana Fernando. Ela no sabe o que se passa na minha cabea...

    _Somos o que pensamos Clarice. O pensamento negativo gera energia negativa, setransformando em