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Carlos Biasotti A SUSTENTAÇÃO ORAL NOS TRIBUNAIS: TEORIA E PRÁTICA (Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo)

A Sustentação Oral nos Tribunais - Livro

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A Sustentação Oral nos Tribunais

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Carlos Biasotti

A SUSTENTAÇÃO ORAL NOS TRIBUNAIS:

TEORIA E PRÁTICA

(Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo)

2010

São Paulo, Brasil

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A Sustentação Oral nos Tribunais: Teoria e Prática(*)

(Falarei em presença de ouvintes da mais alta esfera intelectual, por isso peço vênia para fazê-lo em pé).

Meus amigos, boa noite!

1. É muito grande a honra de estar aqui, a convite do Excelentíssimo Senhor Diretor da Escola Paulista da Magistratura – o eminente Desembargador Pedro Gagliardi –, para discorrer, breve e singelamente, a respeito da Sustentação Oral nos Tribunais.

Não foi decerto a presunção do saber (em mim, aliás, bem restrito!) o que me estimulou a tratar do assunto perante este numeroso e distinto auditório, e sim a nobreza mesma da causa patrocinada pela Escola Paulista da Magistratura, isto é, o aprimoramento das qualidades dos que devem servir à Justiça, em especial aqueles que, no feliz conceito de Voltaire, abraçaram a mais bela de todas as carreiras, e aos quais a Constituição Federal (art. 133) elevou à dignidade de sujeitos indispensáveis à administração justiça: os advogados(1).

*(*) Texto, com algumas modificações, de palestra na Escola Paulista da Magistratura (EPM), em 24.9.2010.

1(?) “J’aurais voulu être avocat: c’est le plus beau état du monde!” (apud Alfredo Tranjan, A Beca Surrada, 1994, p. 306; Editora Civilização Brasileira).

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São hoje, portanto, os advogados – e muitos deles vejo aqui nesta noite (alguns até assaz conhecidos) – os destinatários da atenção e do desvelo desta Escola, empenhada sempre, sobretudo na atual gestão, em melhorar as condições da Justiça em nosso Estado; e parece bem que assim seja: pois, conforme o alto pensamento de Rui, nume tutelar dos cultores do Direito, “se alguma coisa divina existe entre os homens, é a Justiça”(2).

Na realização da justiça, que se resume em atribuir a cada um o que lhe cabe por direito(3), era forçoso interviesse também o advogado. Daí a origem do instituto da sustentação oral: instrumento de defesa (ou acusação), utilizado pelo procurador da parte (litigante) para encarecer a justeza ou legitimidade de sua pretensão.

Muita vez, segundo a lição da experiência vulgar, unicamente ao uso oportuno e escorreito desse recurso da oratória forense foi que se deveu brilhante resultado obtido à barra do Tribunal!

A voz da Defesa – já o perceberam os talentosos advogados que me ouvem – pode ser decisiva para a boa compreensão da causa: esclarece o espírito dos juízes e vale como penhor de vitória! É que, deitando luz a algum ponto obscuro da prova dos autos, ou imprimindo força e relevo a circunstância ou argumento que a sentença desconsiderou e remeteu à sombra, poderá o advogado, na sustentação oral, conciliar a seu favor o ânimo e a adesão da turma julgadora e, em consequência, alcançar bom desfecho para o julgamento de seu recurso.

2(?) Obras Completas, vol. XXV, t. IV, p. 329.

3(?) “Justitia est constans et perpetua voluntas jus suum cuique tribuendi” (Ulpiano, Dig., 1.1.10). Justiça é a constante e perpétua disposição de dar a cada um o que lhe pertence.

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Eis por que, naquele momento – e com toda a razão o observaram graves autores –, “quando o advogado se alça para falar”, na tribuna da Defesa, “ninguém o iguala”(4). Este é seu brasão de glória!

2. Sustentar oralmente é confirmar, de viva voz, as razões expostas no recurso e persuadir os juízes a aceitá-las. É, em suma, exercer o ofício próprio do postulante: “argumentar para convencer”(5).

Mas, poderá retrucar alguém desta assembleia de bravos e doutos causídicos: sendo a praxe que o juiz-relator do processo traga para a câmara já escrito seu voto, não passava por inútil e baldio todo o esforço para tentar modificá-lo?!

A objeção, de grande peso e tomo, realmente se mostra atendível; com efeito, nas mais das vezes, mudar o relator seu voto é, por empregar imagem dos velhos clássicos, empresa tão difícil como “endireitar a sombra da vara torta”(6)! “Endi-reitar a sombra da vara torta” é o mais a que pode chegar uma dificuldade!

São frequentes, porém, os casos em que, mercê de seu particular empenho na sustentação oral, o advogado consegue alterar substancialmente o teor da decisão do relator na própria sessão de julgamento, ou após pedido de vista dos autos por integrante da turma julgadora.

Assim, não é para exagerar o grau de dificuldade das disputas judiciais! Lembremo-nos de que a força de vontade

4(?) J. Soares de Mello, O Júri, 1941, p. 17.

5(?) Edmundo Dantès Nascimento, Linguagem Forense, 4a. ed., p. 12.

6(?) Amador Arrais, Diálogos, 1846, p. 355.

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(contra a qual não há obstáculo nem empecilho no mundo) sói operar prodígios, quando orientada para a produção de trabalho intelectual em que a palavra – arma por excelência do advogado – apareça como “um raio da onipotência do orador”(7)!

3. Ao versar o tema que me coube – preparação da sustentação oral –, espero contar com o beneplácito desses jovens que, embora já advogados, não desertaram nunca da escola nem do estudo, que é a luz da vida.

A sustentação oral, como obra de inteligência destinada a produzir efeitos processuais, não pode prescindir da adequada preparação: haverá de sujeitar-se às regras e disciplina da arte oratória, pois a sustentação é discurso que o advogado profere diante dos juízes que lhe vão julgar o pedido ou recurso.

Disposto a falar na sessão de julgamento, o advogado primeiro determinará o objeto de sua oração; em seguida, fará um rol das teses ou argumentos, em geral os mesmos que constaram do arrazoado escrito, já que lhe é defeso inovar. Inovar significa introduzir novidade na manifestação oral; defeso, proibido.

Recomendam os mestres da Oratória – Fábio Quinti-liano, Cícero, Tácito e outros – que o orador, ao preparar o discurso, ordene logicamente suas ideias e lance-as por escrito; se possível, entregue-as à memória; em todo o caso, delas faça um resumo ou súmula para consulta quando na tribuna.

A consulta a notas e apontamentos é sempre tolerável. O que o Regimento Interno do Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo proíbe é a leitura servil de memoriais (art. 476).7(?) Timon, Estadistas e Parlamentares, 1883, p. 14.

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Enfim, nisto de sustentação oral, cai a propósito aquela máxima de Catão (político e escritor romano): “Rem tene, verba sequentur”(8), o que vem a dizer em nosso vernáculo: “Domina bem o assunto e as palavras brotarão por si mesmas”(9).

4. A eloquência judiciária requer primor de linguagem. O tribuno forense deve atender às peculiaridades da norma culta e exprimir-se de acordo com a linguagem-padrão(10). Assim, ao lado da clareza – que é o primeiro requisito da eloquência(11) –, há de extremar-se na correção da frase, porque não lhe é lícito ofender o pudor dessa veneranda senhora, a gramática.

Ao orador corre sobretudo a obrigação de evitar os chamados solecismos, que são violações graves das leis gramaticais.

Há solecismos de pronúncia, como “gratuíto” (em vez de gratuito), “interim” (por ínterim), etc.

Diga-se ainda rubrica, ruim, inquérito (não “inqüérito”), asterisco, frustrar, superstição, perturbar, privilégio, meritíssimo, estupro (“estrupo” é crime hediondo também

8(?) Renzo Tosi, Dicionário de Sentenças Latinas e Gregas, 2000, p. 22; trad. Ivone Castilho Benedetti; Editora Martins Fontes.

9(?) Hélio Sodré, História Universal da Eloquência, 3a. ed., vol. I, p. 131; Editora Forense; Rio de Janeiro.

10(?) “(...) que se estabeleça como padrão da língua portuguesa o conjunto das formas e construções aceitas, no Brasil e em Portugal, como boas e cultas” (Gladstone Chaves de Melo, in I Congresso Brasileiro de Língua e Literatura, 1970, p. 108; Edições Gernasa; Rio de Janeiro).

11(?) “Prima eloquentiae virtus est perspicuitas” (Fábio Quintiliano, Instituições Oratórias, liv. II, cap. 3; apud Arthur Rezende, Frases e Curiosidades Latinas, 1955, p. 63).

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contra a gramática!), perscrutar (ou perquirir, investigar, esquadrinhar, penetrar, etc. Exemplo: Perscrutar os arcanos do Eterno). A pronúncia de tal palavra, em que aparecem juntas quatro consoantes, constitui verdadeiro trava-língua, capaz de deslocar mandíbulas...

Outros exemplos de trava-línguas (ou jogos verbais): um prato de trigo para três tigres; embaixo da pia há um pinto, quando a pia pinga o pinto pia, etc.

Solecismo de sintaxe é a denominação por que se conhecem os erros crassos e inescusáveis de construção da frase, erros para os quais não há“perdão judicial”. Exemplos:

I – Não “houveram” testemunhas do fato (houve);

II – A vítima “reaveu” as coisas que lhe foram subtraídas (reouve);

III – O policial “interviu” na discussão para apartar os contendores (interveio).

Além de convencer e persuadir, o orador propõe-se, no discurso, deleitar os ouvintes, isto é, comunicar-lhes sensação agradável e prazer interior.

Ora, falha nesse escopo o orador que, durante sua arenga, deixa cair dos lábios expressões do seguinte jaez:

– Policiais “deteram” o ladrão (detiveram);

– V.Exa. “fostes” muito rigoroso (foi);

– “Fazem” (faz) já cem anos que morreu Machado de Assis – 29.9.1908 – (cujas cinzas devem estar-se revolvendo na tumba, de indignação e desgosto, pelo descaso com que alguns tratam o formoso idioma em que escreveu as páginas imortais

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de Memórias Póstumas de Brás Cubas, Quincas Borba, Dom Casmurro, Memorial de Aires, etc.).

Antes de subir à tribuna e praticar semelhantes atroci-dades e despautérios contra a língua, era prudente que o orador visitasse algum “ortopedista de aleijões sintáticos”(12).

A cura desses males da língua, que tanto aviltam e deslustram a reputação profissional do advogado, só conhece um remédio: o manuseio constante, o trato com mão diurna e noturna dos livros que ensinam a falar e escrever corretamente o vernáculo. Eis alguns: Gramática Metódica da Língua Portuguesa de Napoleão Mendes de Almeida; Manual de Redação Profissional de José Maria da Costa e a apostila Técnica de Redação Forense do culto e operoso Des. Alexandre Germano.

Dicionários são suficientes o Aurélio (que traz no próprio nome as cinco vogais do alfabeto) e o Houaiss. De grande utilidade é ainda o Dicionário de Verbos e Regimes de Francisco Fernandes.

Também são dignos de menção e gratidão eterna dos homens de letras os três dicionários reputados os melhores da Língua Portuguesa: Caldas Aulete, Dicionário Contempo-râneo da Língua Portuguesa; Antônio de Morais Silva, Dicionário de Língua Portuguesa (“o velho Morais”), e Rafael Bluteau, Vocabulário Português e Latino (10 vols.)(13).

A formação literária do advogado não se completa sem a leitura assídua das obras dos árbitros supremos do bom dizer. Ei-los:

12(?) Carlos de Laet, Obras Seletas, 1984, vol. II, p. 49.

13(?) “A obra máxima da lexicografia portuguesa” (Augusto Magne, in Revista de Filologia e História, 1931, t. I, p. 239).

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1. Rui, o imenso Rui (Oração aos Moços, O Dever do Advogado, Trabalhos Jurídicos, Parecer sobre a Redação do Código Civil, Réplica, A Queda do Império, etc.);

2. Antônio Vieira (“O Imperador da Língua Portu-guesa”, na opinião de Fernando Pessoa): Sermões, História do Futuro, Cartas, etc.;

3. Manuel Bernardes (Nova Floresta, Os Últimos Fins do Homem, etc.);

4. Alexandre Herculano (Lendas e Narrativas, Cartas, História de Portugal, Eurico, o Presbítero, etc.)(14);

5. Machado de Assis (Memórias Póstumas de Brás Cubas, Quincas Borba, Dom Casmurro, Memorial de Aires, etc.);

6. Camilo Castelo Branco (Amor de Perdição, A Queda de um Anjo, Os Brilhantes do Brasileiro, Boêmia do Espírito, etc.).

A leitura das obras desses príncipes da prosa portuguesa habilitará, decerto, o advogado a formar o gosto literário e apurar o estilo, mas cumpre-lhe ainda saber de raiz o Direito e conhecer os bons modelos da Oratória Forense.

O magnífico livro de Evandro Lins e Silva – A Defesa Tem a Palavra – encerra preciosos conselhos para o advogado que pretende assomar à tribuna da Defesa. Também lhe será de grande proveito a leitura de A Beca Surrada, de Alfredo Tranjan, exímio advogado criminalista. Do prefácio que lhe escreveu o Ministro Evandro Lins e Silva constam estas

14(?) “Do sóbrio e severo historiador inglês (Macaulay), estas soberbas palavras que cortam todos os discursos: A Espanha devia esforçar-se por conquistar Portugal só para possuir Herculano ” (Alves Mendes, Discursos, 1897, p. 143).

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palavras textuais: “O livro de Tranjan não se lê, devora-se”. Em verdade, é um rico e delicioso alimento para o espírito!

5. A sustentação oral, como espécie oratória, obedece à estrutura formal clássica do discurso, que se compõe de quatro partes: exórdio, exposição, confirmação e epílogo (ou pero-ração).

a) No exórdio, que é a abertura do discurso, o orador procura conciliar a benevolência do auditório e prepará-lo para o assunto que vai tratar;

b) Na exposição (ou narração), desenvolve o ponto controverso, que é o objeto mesmo da sustentação oral;

c) Na confirmação, entra o orador a provar, decisi-vamente, suas alegações ou argumentos;

d) No epílogo (ou peroração), resume as ideias expostas e delas extrai as naturais conclusões.

6. Já terminarei esta despretensiosa palestra, antes que dentre os presentes algum ciceroniano me fulmine o exórdio famoso: “Quousque tandem abutere, Catilina (Carole Biasotti), patientia nostra?”.

Três considerações, no entanto, ainda me parecem de importância para quem vai sustentar oralmente razões de recurso no Tribunal:

I. Postura do advogado. Ao usar da palavra, o advogado está empregando sua melhor arma, que é também instrumento de luta, luta essa pelo Direito; por isso, há de falar em pé. Seria, com efeito, verdadeira incoerência e desconchavo de marca maior que se limitasse a combater sentado.

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Ao demais, para acompanhar de gestos suas palavras, necessita o advogado de ampla liberdade física e independência de movimentos, o que só lhe é possível estando em pé.

Por fim, aquele que pleiteia em pé, além de imprimir a seus argumentos mais força e ênfase, patenteia louvável respeito aos Juízes (que o levarão em boa conta) e nisto dará ainda a conhecer que é muito digno de ser visto e ouvido por todos os homens de bem.

II. Outro conselho: seja breve. Nem sempre é necessário esgote o advogado o tempo regimental de que dispõe para falar; em certos casos, não é preciso aguardar se escoe da ampulheta o último grânulo de areia. Advirta no preceito horaciano: “Esto brevis et placebis”(15). Sê breve e agradarás!

E também na exortação do polido Manuel Bernardes: “Memoriais longos e compostos até a Deus desagradam”(16).

III. Cortesia. No desempenho de seu honroso mandato, proceda sempre o advogado com elegância e correção, pois o primeiro código que lhe ensinaram não foi o Código Penal, senão o de urbanidade e boas maneiras.

“A injúria é sempre um mau argumento”, sentenciou o grande Magistrado Eliézer Rosa(17).

Em pontos de urbanidade, contudo, fico dispensado de ir adiante, pois ninguém desconhece que “a nobreza elegeu seu domicílio entre os advogados”(18)!15(?) Arte Poética, v. 355.

16(?) Nova Floresta, 1726, t. IV, p. 420.

17(?) Novo Dicionário de Processo Civil, 1986, p. 46.

18(?) Eliézer Rosa, A Voz da Toga, 1a. ed., p. 34.

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Aos advogados e demais ouvintes agradeço a atenção com que acompanharam as reflexões deste obscuro colega, cujas deficiências talvez se compensem com a ambição que o moveu: mostrar-lhes como a sustentação oral, utilizada corretamente, pode constituir importante meio de defesa de direitos e realização de justiça.

Muito obrigado!

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—— Sustentação Oral. Modelo ————————————

Excelentíssimo Senhor Presidente;

Demais nobres Desembargadores;

Digno Procurador de Justiça, Dr. ...................................,

honra e glória de sua Instituição:

1. No intento de promover, quanto em nós couber, a defesa dos direitos e interesses do cliente, é que comparecemos perante Vossas Excelências, não acaso movido(1) da incerteza do veredicto, que este será sempre o voto perfeito da razão e da consciência.

Nossa presença nesta colenda Câmara argui também o sentido de um como preito de admiração a Vossas Excelências, todos Magistrados insignes pelo saber e virtudes.

2. Doutos Julgadores, foi condenado o apelante a 6 anos, 2 meses e 20 dias de reclusão pela prática, em concurso formal, de roubos qualificados.

A respeitável sentença, entretanto, sem embargo de seu ilustre prolator, merece reforma, se não para absolver o réu, para reduzir-lhe a pena, reconhecida a forma tentada dos crimes.

O réu, em Juízo, ao mesmo tempo que negava, de toda a alma, a imputação delituosa, esclarecia ter sido submetido a sevícias e maus tratos na Polícia, daí por que admitira sua coparticipação nos roubos.

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Não o incriminaram porém as vítimas, que sequer o conheciam, nem os corréus.

As palavras das testemunhas, de sua vez, devem ser recebidas com um grão de sal(2). É que, inquiridas na instrução da causa, afirmaram não haver assistido aos fatos, dos quais só tiveram ciência por terceiros; são, pois, testemunhas de oitiva. Suas declarações, destarte, não persuadem nem concluem.

A confissão extrajudicial, só por si (e isto mesmo têm proclamado nossos Tribunais), não serve de arrimo a um edito condenatório, já que muita vez é extraída a infelizes juntamente com suas fibras musculares!

A absolvição do réu, ante a precariedade extrema da prova de coautoria, será portanto a única solução compatível com os preceitos da Justiça.

3. Demos, todavia, “ad argumentandum tantum”, sejam verdadeiros os fatos imputados ao apelante. Ainda assim a decisão de primeiro grau renderia o flanco a censura, porque houve por consumados roubos que não excederam os lindes(3)

da tentativa.

Os julgados que sufragam esse entendimento são infinitos em número; por amor da brevidade, pedimos vênia a Vossas Excelências para reproduzir, por sua ementa, apenas este venerando aresto do Colendo Supremo Tribunal Federal:

“Se o agente foi de imediato perseguido e preso em flagrante, retomado o bem, não se efetivou a subtração da coisa à esfera de vigilância do dono, tratando-se pois de crime tentado”(Revista Trimestral de Jurisprudência, vol. 102, p. 815; rel. Min. Rafael Mayer).

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Em presença destes argumentos, e sob a invocação dos valiosos subsídios jurídicos de Vossas Excelências, espera o apelante, mui confiadamente, hajam por bem absolvê-lo por insuficiência de prova, ou desclassificar-lhe a infração penal para a forma tentada.

Muito obrigado!

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Nótulas:

(l) “(...) movido da incerteza do veredicto”. Faz muito para o caso a lição de Napoleão Mendes de Almeida: “Ao emprego de nós por eu (...) dá-se o nome de plural majestático (...). Autores, jornalistas, oradores podem proceder de igual forma, para evitar o egoístico emprego de eu, e o plural então se chama redatorial.O verbo em tais casos vai para o plural, mas é importante observar que o adjetivo em função predicativa concorda silepticamente: Antes sejamos breve que prolixo – Amigo atento e obrigado somos – Estamos persuadido disso –, procedimento que também se dá quando vós é empregado por tu (plural de deferência): Vós estais enganado – Vós sois caridosa”(Dicionário de Questões Vernáculas, 1a. ed., pp. 236-237).

(2) “(...) devem ser recebidas com um grão de sal”. “Cum grano salis”. “Com um grão de sal. Essa expressão atualmente é comum, referindo-se às coisas que devem ser tomadas em quantidade mínima, com extrema parcimônia; em sentido figurado, refere-se sobretudo a afirmações, frases, discursos que não devem ser acolhidos sem crítica, mas aceitos com

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grande cautela e ponderação” (Renzo Tosi, Dicionário de Sentenças Latinas e Gregas, 2000, p. 802; trad. Ivone Castilho Benedetti).

(3) “(...) não excederam os lindes da tentativa”. Linde: Extrema, raia, limite, marco, padrão, baliza, linda, etc. “Linde (s.m.), o mesmo ou melhor que linda” (Cândido de Figueiredo, Novo Dicionário da Língua Portuguesa, 6a. ed., vol. II; v. linde).

CB