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UNIVERSIDADE ESTADUAL DO OESTE DO PARANÁ - UNIOESTE CENTRO DE EDUCAÇÃO, COMUNICAÇÃO E ARTES/CECA PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO SENSU EM EDUCAÇÃO NÍVEL DE MESTRADO/PPGE ÁREA DE CONCENTRAÇÃO: SOCIEDADE, ESTADO E EDUCAÇÃO A TRAJETÓRIA DO AUTISMO NA EDUCAÇÃO: DA CRIAÇÃO DAS ASSOCIAÇÕES À REGULAMENTAÇÃO DA POLÍTICA DE PROTEÇÃO (1983-2014) JULIANE GORETE ZANCO CASTANHA CASCAVEL 2016

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UNIVERSIDADE ESTADUAL DO OESTE DO PARANÁ - UNIOESTE

CENTRO DE EDUCAÇÃO, COMUNICAÇÃO E ARTES/CECA

PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO SENSU EM EDUCAÇÃO NÍVEL DE MESTRADO/PPGE

ÁREA DE CONCENTRAÇÃO: SOCIEDADE, ESTADO E EDUCAÇÃO

A TRAJETÓRIA DO AUTISMO NA EDUCAÇÃO: DA CRIAÇÃO DAS ASSOCIAÇÕES

À REGULAMENTAÇÃO DA POLÍTICA DE PROTEÇÃO (1983-2014)

JULIANE GORETE ZANCO CASTANHA

CASCAVEL

2016

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UNIVERSIDADE ESTADUAL DO OESTE DO PARANÁ - UNIOESTE

CENTRO DE EDUCAÇÃO, COMUNICAÇÃO E ARTES/CECA

PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO SENSU EM EDUCAÇÃO NÍVEL DE MESTRADO/PPGE

ÁREA DE CONCENTRAÇÃO: SOCIEDADE, ESTADO E EDUCAÇÃO

A TRAJETÓRIA DO AUTISMO NA EDUCAÇÃO: DA CRIAÇÃO DAS ASSOCIAÇÕES

À REGULAMENTAÇÃO DA POLÍTICA DE PROTEÇÃO (1983-2014)

JULIANE GORETE ZANCO CASTANHA

Dissertação apresentada ao Programa de Pós-Graduação em Educação – PPGE, área de concentração Sociedade, Estado e Educação, linha de pesquisa: História da Educação, da Universidade Estadual do Oeste do Paraná/UNIOESTE – Campus de Cascavel, como requisito parcial para obtenção do título de Mestra em Educação. Orientador: Prof. Dr. Paulino José Orso

CASCAVEL

2016

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A primeira sociedade de pais de autistas surgiu na Grã-Bretanha, em 1962. Desde então, formaram-se diferentes sociedades em outros países com um progresso considerável tanto na divulgação de informações sobre o problema destas crianças, quanto na provisão de escolas e instalações especiais. As sociedades de pais satisfazem uma grande necessidade, pois aliviam o isolamento em que vivem as famílias autistas. Uma valiosa função dos grupos de pais é informar o público em geral, e os poderes públicos – local e federal. Outro aspecto da função informativa da sociedade de pais, é recolher detalhes sobre todos os serviços existentes. Os pais têm dificuldade em levantar, por si mesmos, estas informações. É ainda importante o papel das associações de pais na melhoria das condições atuais dos serviços. Os pais podem atuar como grupo de pressão, apresentando as necessidades das crianças às autoridades, no sentido de obter delas os serviços necessários. Há ainda a alternativa de as sociedades de pais arrecadarem fundos e montarem por sua conta, escolas e unidades de tratamento. É conhecida em todo o mundo a “garra” especial, e a grande capacidade de trabalho que caracterizam grupos liderados por pais de crianças com problemas. (Ana Maria Serrajordia e Marisa Furia Silva, citadas por Szabo, 1988, p. 83).

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Para meu filho João Paulo, razão de meu enfrentamento nos estudos e na vida, à minha filha Andrelissa, a primeira pessoa que me ensinou o significado da palavra amor e ao meu esposo André Paulo, pela paciência em me aceitar como sou.

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AGRADECIMENTOS

Agradeço a Deus pela vida a mim concedida e as várias lições ensinadas.

Agradeço à Dinéia Rush Jorge, minha professora de especialização que me incentivou

a criar uma associação de proteção aos autistas.

Agradeço aos meus pais pelo presente da vida e por acreditarem em mim.

Agradeço aos meus filhos João Paulo e Andrelissa pelo amor incondicional.

Agradeço ao meu esposo André pela revisão do texto e dedicação ao discutir sobre o

desenvolvimento da minha pesquisa.

Agradeço a minha filha Andrelissa pela transcrição das entrevistas.

Agradeço aos membros da Banca de qualificação Dayse Serra, Ivete Brotto e Júlia

Malanchen, pelas valiosas contribuições.

Agradeço principalmente ao meu orientador Paulino José Orso, por acreditar em mim,

pela sua dedicação e contribuição nas pesquisas, orientações e pitacos.

Agradeço pela oportunidade de conviver horas agradáveis com uma turma muito legal

e poder ter feito grandes amigos.

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CASTANHA, Juliane Gorete Zanco. A TRAJETÓRIA DO AUTISMO NA EDUCAÇÃO: DA CRIAÇÃO DAS ASSOCIAÇÕES À REGULAMENTAÇÃO DA POLÍTICA DE PROTEÇÃO (1983-2014) 128 f. Dissertação (Mestrado em Educação). Programa de Pós-Graduação em Educação. Área de concentração: Sociedade, Estado e Educação, Linha de Pesquisa: História da Educação, Universidade Estadual do Oeste do Paraná – UNIOESTE, Cascavel, 2016.

RESUMO

O Brasil instituiu a “Política Nacional de Proteção dos Direitos da Pessoa com Transtorno do Espectro Autista”, pelo Decreto n. 12.764/2012, dois anos depois, pelo Decreto nº 8.368/2014, regulamentou a referida Política, a qual recebeu um reforço significativo com a promulgação da Lei n. 13.146/2015, conhecida como a “Lei Brasileira de Inclusão” ou “Estatuto da Pessoa com Deficiência”. Foram/são conquistas legais muito expressivas, que reforçam e estimulam o processo de inclusão escolar e social das pessoas com autismo. Sobre essas conquistas legais podemos questionar: elas resultam das imposições dos organismos internacionais ao Estado brasileiro? Expressam as ações de um Estado benevolente e solidário? Ou são frutos de longas e intensas lutas das associações de pais e amigos dos autistas, de profissionais e pesquisadores que exigiram a intervenção do Estado? O fato de termos conquistados avanços na legislação, já garante qualidade de vida e educação para os autistas? Diante do exposto, constituiu-se como objetivo central do presente estudo compreender a trajetória do autismo na educação brasileira entre 1983 e 2015, ou seja, resgatar historicamente, o processo de inclusão dos autistas, procurando articular dialeticamente os movimentos dos pais e associações de pais e amigos dos autistas, às garantias de direitos e às políticas de inclusão instituídas pelo Estado. Como objetivos específicos pretendemos: a) situar a educação dos autistas dentro do quadro da modalidade da educação especial; c) compreender o papel dos pais e das associações de pais e amigos de autistas na garantia dos direitos dos autistas. Para dar conta desses objetivos, o estudo adotou como metodologia de análise a dialética enfocando as contradições entre as demandas dos movimentos em torno dos direitos dos autistas e as ações/reações dos diversos setores oriundos do Estado. A pesquisa teve como fontes para análise a legislação, matérias da imprensa escrita, como a Folha de São Paulo, revista Veja, Jornal de Beltrão, bibliografias de caráter memorialistas, bibliografias diversas e entrevistas com pais de autistas que estão à frente de instituições ou pesquisadores sobre o tema. Num primeiro momento, o texto problematiza as contradições entre inclusão/exclusão e emancipação na sociedade capitalista, palco, no qual estamos inseridos; em seguida reconstrói o processo de inserção dos deficientes mentais, especialmente os autistas, no sistema educacional; posteriormente, resgata a história de duas instituições fundadas por pais que se dedicam aos autistas, a AMA-SP e a APADV, de Dois Vizinhos no Paraná; por fim mostra algumas experiências de inclusão de autistas e os debates em torno dessa inclusão, ou seja, reflete sobre os desafios para a inclusão de autistas no ensino regular ou comum. Constatamos que há uma hegemonia na ideia de inclusão escolar das pessoas com deficiência, mas, na prática, a inclusão ainda se aproxima mais da exclusão, da segregação. Os primeiros passos foram dados, mas, a luta pela inclusão real, integral, que leva à emancipação das pessoas com deficiência, entre elas os autistas, ainda requer muito de nossas energias para debater, estudar, questionar, cobrar. Palavras-Chave: História do Autismo no Brasil; Inclusão de autistas no Ensino Regular; Associações de Pais e Amigos dos Autistas. AMA-SP; APADV

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CASTANHA, Juliane Gorete Zanco. THE AUTISM JOURNEY IN EDUCATION: FROM CRIATION OF ASSOCIATON TO LEGISLATION OF PROTECTION’S POLITICS (1983-2014) 128 s. Dissertation (Master’s in Education). Graduate program in Education. Concentration area: Society, State and Education, Line of research: History of education, Universidade Estadual do Oeste do Paraná – UNIOESTE, Cascavel, 2016.

ABSTRACT Brazil created the “Nacional Politics of Protection of People’s Rights with Disorders of Autism Spectrum”, through the Implementation of decree n. 12.764/2012, two years later, through the Implementation of decree n° 8.368/2014, it legalized referred Politics, which received a significant support with the promulgation of Law n. 13.146/2015, known as the “Brazilian Law of Inclusion” or “Statute of Person with Disability”. They were/are much expressive legal achievements, that intensify and stimulate the process of educational and social inclusion of people with autism. About this legal achievements we can question: Do they result of impositions of international organisations to Brazilian State? Does it express the actions of a benevolent and solidary State? Or are they results of long and intensive struggle of autistics’ parents and friends associations, of professional and researchers that required the intervention of State? Does the fact that we have achieved advances in the legislation ensures life and education’s quality for autistcs? In front of exposed, it constituted as the central objective of the present study to understand the way of autism in Brazilian education between 1983 and 2015, in other words, to rescue historically, the process of autistics’s inclusion, seeking to articulate dialectically movements of parents and parents and friends’ associations of autistics, to the guarantees of rights and politics of inclusion created by State. As specific objectives we intend: a) To situate the autistics’ education in a context of special education modality; b) To understand the role of parents and parents and friends’s associations ensuring for the autistics’ rights. In order to achieve these objectives, the study adopt as analysis methodology the dialectics focusing contradictions between demands of movements around of autistics’ rights and actions/reactions of several sectors resulted of State. The research had as sources for analysis the legislation, articles of written press, as the Folha de São Paulo, Veja newspaper, Jornal de Beltrão, bibliographies of memorialistic character, several bibliographies and interviews with autistics’s parents that are in front of institutions or are researchers about the issue. At first moment, the text problematizes the contradictions between inclusion/exclusion and emancipation in the capitalist society, stage, which we are insirted; Subsequently it reconstructs the process of insertion of mentally impaired, specially the autistics, in educational system; Later, it recovers the history about two institutions founded by parents that dedicate to autistics, as AMA-SP and the APADV, in Dois Vizinhos in Paraná; finally it shows some experiences of inclusion of autistics and the discussions about this inclusion, in other words, it reflects about the challenges for the inclusion of autistics in regular or common education. We can see that there are a hegemony on the school inclusion of people with disability idea, but, in practice, the inclusion still is approaching more of exclusion, segregation. First steps have been taken, but, the struggle for real, full inclusion, that lead to emancipation of people with desabilities, amoung them autistics, still require a lot of our energies to discuss, study, question, collect. Key-words: History of Autism in Brazil; Inclusion of autistics in Regular Education; Parents and Friends’s Association of Autistics; AMA-SP; APADV.

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SUMÁRIO

INTRODUÇÃO

09

CAPÍTULO I O DILEMA DA INCLUSÃO/EMANCIPAÇÃO: RELAÇÕES ENTRE CAPITALISMO E EDUCAÇÃO

21

Inclusão das pessoas com deficiência: legitimação do capital ou defesa da emancipação?

30

CAPÍTULO II DIREITO À EDUCAÇÃO: AS CONQUISTAS LEGAIS DAS PESSOAS COM TRANSTORNO DE ESPECTRO AUTISTA

38

CAPÍTULO III A TRAJETÓRIA DAS ASSOCIAÇÕES DE PAIS: AMA-SP E APADV DE DOIS VIZINHOS-PR

65

A Trajetória da AMA-SP 65 A Trajetória da Associação de Proteção dos Autistas de Dois Vizinhos - APADV

79

CAPÍTULO IV O PROCESSO DE INCLUSÃO DOS AUTISTAS NO ENSINO COMUM: EXPERIÊNCIAS E DESAFIOS

88

O Processo de Inclusão dos Autistas: algumas experiências 88

Os desafios da Inclusão dos Autistas no ensino Comum

99

CONSIDERAÇÕES FINAIS

113

BIBLIOGRAFIA 118

ENTREVISTAS

128

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INTRODUÇÃO

Falar de um assunto tão polêmico como a inclusão dos autistas, para mim, é

uma grande responsabilidade. Como mãe de uma criança muito “especial”, como

todos os filhos são para seus pais, venho dedicando minha vida, quase que

integralmente pela causa do autismo, cujo objetivo é conhecer mais sobre a

condição vivida pelo meu filho João Paulo de 9 anos, e por nós seus familiares.

João Paulo tinha 3 anos e meio quando começamos a perceber as diferenças

de comportamento apresentadas por ele em relação a outras crianças. Dificuldades

na linguagem, hiperatividade, eram as mais evidentes. Para os avós e amigos mais

próximos, tais comportamentos eram sinônimos de uma criança cheia de “dengos” e

“mimada”, e que o remédio para isso era muito fácil, “impor limites” e “uma varinha”.

Os mais otimistas, sustentavam que a entrada na escola, para cursar o pré-escolar

já o acomodaria pela convivência com regras impostas pelo cotidiano escolar.

Eu como mãe, via no João Paulo, ora uma criança extremamente

concentrada, que aos dois anos e meio, desenhava todas as paredes da casa e

vários caderninhos, ora uma criança transtornada, sem saber fazer-se entender.

Uma situação aflitiva para todos da família, que queriam somente vê-lo crescer,

inteligente e bonito, como se apresentava.

Com a chegada de um menino na vizinhança, ainda mais novo que ele, e que

vinha passear em nossa casa, começamos a ver as diferenças de comportamento

entre eles. Com nosso filho não era possível estabelecer um diálogo, sair caminhar

sem segurá-lo pela mão, ele corria sem dar ouvidos causando insegurança para

nós. Quando visitávamos uma família, ele mexia em tudo, parecendo ser um menino

muito “entrão”, precisando ser chamada a sua atenção o tempo todo, fazendo com

que nossas visitas fossem cada vez mais curtas e raras na casa de amigos e

parentes.

Em nossa ingenuidade desconfiamos que ele fosse uma criança hiperativa e

marcamos uma consulta com um neurologista, o qual ao vê-lo, já nos disse que

precisaria fazer alguns exames, pois sua hiperatividade não fluía de forma normal,

com um propósito, era de forma desordenada, mexia em tudo, sem motivo aparente.

Após uma intensa romaria em busca de um diagnóstico, tivemos a notícia de

que nosso filho tinha autismo. A palavra “autismo”, para os pais, soa como uma

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sentença de morte, não a morte conhecida, que se enterra um ente querido, mas a

morte de um filho perfeito com um futuro promissor, sonho de todos os pais.

O diagnóstico nos trouxe muito sofrimento, pois não veio com a indicação de

algumas soluções e respostas, tais como seria a vida dele, dali para frente, ou com

orientações de como deveríamos agir para ajudá-lo a se desenvolver para ter uma

boa qualidade de vida, ser um cidadão aceito pela sociedade.

A busca por informações iniciou-se pela internet, ferramenta mais usual nos

dias atuais. Quando líamos coisas positivas, nos animávamos, quando líamos coisas

difíceis, chorávamos juntos temendo pelo seu futuro.

Não tendo em nosso município um local que atendesse, de forma exclusiva,

crianças com autismo, fomos encaminhados para a APAE, instituição que ele

frequentou durante 8 meses. No entanto, percebi que ele se mostrava infeliz,

adoecia com facilidade, relutava na hora de ficar na instituição, chegando a trancar-

se dentro do carro para não sair.

Enquanto o João Paulo frequentava a APAE, eu como mãe percebi que

precisava estudar sobre seu problema, por isso procurei uma instituição na cidade

onde resido. Iniciei uma especialização em educação especial, na qual aprofundei

os estudos tanto nas disciplinas, quanto na monografia de conclusão do curso

(CASTANHA, 2013). Ao começar a estudar percebi que estava diante de um

problema muito sério, que infelizmente vem crescendo a cada ano. Descobri que o

autismo ainda é um enigma para a grande maioria das pessoas, mas constatei

também que o transtorno vem merecendo a atenção de muitos profissionais da

saúde, professores, psicólogos entre outros. Vários cientistas vêm pesquisando o

tema para poder descobrir as causas e assim contribuir para amenizar e/ou resolver

parte desse transtorno que atinge tantas pessoas, chegando a ser chamada de

epidemia autista.

Ainda quando o João Paulo frequentava a APAE encontrei outros pais, que

enfrentavam o mesmo problema com seus filhos. Encontrávamo-nos na própria

APAE e em outros locais em busca de terapias e informações, para melhorar as

condições de vida dos nossos filhos. Esses pais, como eu, queriam/querem algo

mais especializado para seus filhos, ou seja, um local que ofereça atendimento

diferenciado para crianças com autismo. Começamos a conversar e resolvemos

então criar uma associação de proteção em defesa das pessoas com o Transtorno

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de Espectro Autista. Assim, nasceu a Associação de Proteção à Pessoa com

Transtorno de Espetro Autista de Francisco Beltrão – Arcanjo Rafael - AMA-FB,

fundada no dia 26 de abril de 2013.

Esse relato demonstra o meu envolvimento com o objeto desta pesquisa. A

gente vive/enfrenta cotidianamente o dilema dos autistas, na vida familiar, na

sociedade e no ambiente escolar.

Em 2012, o Brasil aprovou uma lei instituindo a “Política Nacional de Proteção

dos Direitos da Pessoa com Transtorno do Espectro Autista” (BRASIL. Decreto n.

12.764 de 2012), no ano seguinte o Estado do Paraná também e estabeleceu sua

“política estadual de proteção dos direitos da pessoa com Transtorno do Espectro

Autista – TEA” (PARANÁ. Lei nº 17.555 de 2013). Pelo Decreto nº 8.368, de 2 de

dezembro de 2014, a Política Nacional foi regulamentada e no ano seguinte recebeu

um reforço com a promulgação da Lei n. 13.146, de 6 de julho de 2015, conhecida

como a “Lei Brasileira de Inclusão da Pessoa com Deficiência” ou “O Estatuto da

Pessoa com Deficiência”. Sobre essas conquistas legais podemos nos questionar.

Elas resultam das imposições dos organismos internacionais ao Estado brasileiro?

Expressam as ações de um Estado benevolente, solidário com os que sofrem? Ou

são frutos de intensas lutas das associações de pais e amigos dos autistas, de

profissionais e pesquisadores, que, ano após ano, foram desenvolvendo ações

concretas para dar visibilidade ao problema exigindo a intervenção do Estado? O

fato de termos conquistado avanços na legislação, já garante qualidade de vida e

educação para os autistas ou é apenas o alicerce que embasa a luta para a tão

sonhada qualidade?

Antes de tentar responder algumas dessas questões é importante apresentar

sinteticamente o desenvolvimento do conceito de autismo.

Conforme indicado por Ana Beatriz B. Silva, Mayara B. Gaiato e Leandro T.

Reveles, a “palavra ‘autismo’ deriva do grego ‘autos’, que significa ‘voltar-se para si

mesmo’” (2012, p. 159). Segundo José Ferreira Belisário Filho e Patrícia Cunha, o

“termo autismo foi utilizado pela primeira vez em 1911, por Bleuler, para designar a

perda de contato com a realidade e consequente dificuldade ou impossibilidade de

comunicação”. Contudo, o autismo foi descrito de forma mais precisa pela primeira

vez em 1943, nos Estados Unidos, pelo médico austríaco Leo Kanner, depois de ter

avaliado onze crianças, no artigo intitulado “os transtornos autistas do

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comportamento afetivo” (2010, p. 8-9). No ano seguinte, “Hans Asperger, também

médico e austríaco, descreveu na Áustria os sintomas de autismo de maneira muito

semelhante à de Kanner, mesmo sem ter havido nenhum contato entre eles”

(MELLO et al, 2013, p. 13).

Segundo Belisário Filho e Cunha, até a década de 1960, “o autismo foi

considerado um transtorno emocional, causado pela incapacidade de mães e/ou

pais de oferecer o afeto necessário durante a criação dos filhos”. Segundo se

imaginava, a falta desse afeto produzia “alterações graves no desenvolvimento de

crianças” (2010, p. 11). Conforme Silva, Gaiato e Reveles, foi no início da década de

1960, que “a psiquiatra inglesa Lorna Wing, cuja filha era autista” avançou

consideravelmente na compreensão do autismo ao “descrever a tríade de sintomas:

alterações na sociabilidade, comunicação/linguagem e padrão alterado de

comportamentos” (2012, p. 160-1). A constatação dessa tríade possibilitou um

avanço considerável na compreensão do autismo, ajudou a superar o psicologismo

e estimulou os estudos relacionados ao funcionamento cerebral.

E. Christian Gauderer publicou, em 1985, um estudo síntese sobre autismo,

definido por ele como uma atualização para especialistas e pais. Nesse estudo

apresentou o conceito de autismo elaborado pela “National Society for Autistic

Children”, de 1978. A definição utilizada era a seguinte:

O autismo é uma inadequacidade no desenvolvimento que se manifesta de maneira grave durante toda a vida. É incapacitante e aparece tipicamente nos três primeiros anos de vida. Acomete cerca de cinco entre cada dez mil nascidos e é quatro vezes mais comum entre meninos que meninas. É encontrado em todo o mundo e em famílias de qualquer configuração racial, étnica e social. Não se conseguiu até agora provar nenhuma causa psicológica no meio ambiente dessas crianças que possa causar a doença. Os sintomas são causados por disfunções físicas do cérebro verificados pela anamnese ou presentes no exame ou entrevista com o indivíduo (1985, p.3-4).

Segundo o mesmo estudo, as principais características do autismo são:

“Distúrbios no ritmo de aparecimento de habilidades físicas, sociais e linguísticas”.

Tais características se manifestam como: reações anormais às sensações; fala e

linguagem ausentes ou atrasadas; relacionamento anormal com objetos, eventos e

pessoas. “O Autismo ocorre isoladamente ou em associação com outros distúrbios

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que afetam o funcionamento do cérebro, como infecções viróticas, distúrbios

metabólicos e epilepsia” (1985, p. 4).

Segundo Rossano Cabral Lima, “o deslocamento da visão ‘afetivo-relacional’ para a

concepção ‘cognitivo-cerebral’ do autismo”, desencadeado a partir do início da década de

1970, resultou “de movimentos internos e externos ao campo psiquiátrico e psicológico”. O

autor afirma que é visível “a gradual substituição do vocabulário de matiz psicanalítico –

como aquele associado a ego psychology – pelo cognitivista” (2014, p. 118). De acordo com

Lima:

Isso pode ser entendido tanto pela influência da revolução cognitivista, que afetou o campo psicológico a partir dos anos 1950-1960, quanto pela ascensão da corrente conhecida como “psiquiatria biológica”, especialmente se ambas forem incluídas no amplo espectro da emergente seara das neurociências. Ao lado disso, a militância dos familiares foi, a nosso ver, um dos principais fatores a impulsionar abordagens que não implicassem a responsabilização dos pais na produção do quadro autista dos filhos. Isso fez com que suas associações elegessem como aliados preferenciais os profissionais mais organicistas, comportamentalistas e cognitivistas. Essa aliança de familiares, psiquiatras, psicólogos cognitivistas e neurocientistas deu origem a uma nova hegemonia no campo das pesquisas sobre o autismo, com consequências práticas no tocante ao manejo e tratamento do quadro (2014, 118).

A análise de Lima condiz com os dados históricos, visto que foi a partir da

década de 1980 que as associações de pais passaram a ser criadas no mundo a

fora, inclusive no Brasil. Assim, lentamente, as explicações de base psicanalíticas

foram perdendo espaço para as de ordem cognitivistas e cerebrais, com destaques

para a neurociência.

Hilde De Clercq, de origem Belga, mãe de um autista, estudou profundamente

a questão do autismo e em publicação original de 1999, conceituou-o como:

O autismo é uma perturbação global de desenvolvimento, que afeta toda a pessoa e que envolve disfunções qualitativas no desenvolvimento em três domínios centrais, conhecidos como “tríade”: - comunicação verbal e não-verbal; - conhecimento dos códigos de interação social; - jogo simbólico e imaginação (2005, p. 25).

Isso evidencia que o autismo interfere nas habilidades sociais dos indivíduos,

ou seja, compromete o “cérebro social” dos sujeitos.

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Num seminário1 sobre autismo que participei em Porto Alegre, tive a

oportunidade de entrevistar o Dr. Alysson Muotri (brasileiro que vive na Califórnia –

EUA), um dos principais cientistas da atualidade, que estuda o autismo2. Numa das

questões que fiz pedi para definir o autismo, ele definiu da seguinte forma:

Definimos cientificamente o autismo, aquelas pessoas que têm deficiências em três pilares: um é a parte social, a que afeta o cérebro social; outra é a parte da linguagem e a outra é a parte de comportamento repetitivo e estereotipado. Os indivíduos que tem déficit nesses três pilares seriam então classificados como autistas (MOUTRI, 2015).

O Manual Diagnóstico e Estatístico de Transtornos Mentais – DSM V

elaborado pela American Psychiatric Association e publicado nos EUA em 2013,

passou a utilizar o conceito de Transtorno do Espectro Autista – TEA, incluindo

nesse leque desde casos leves até severos. O mesmo manual incorporou o TEA

dentro do grupo de Transtornos do Neurodesenvolvimento, visto que o autismo é um

transtorno neurológico. Segundo o Manual “o transtorno do espectro autista não é

um transtorno degenerativo, sendo comum que aprendizagem e compensação

continuem ao longo da vida” (AMERICAN, 2014, p. 56).

Quanto ao número de casos o Manual trouxe os seguintes dados:

Em anos recentes, as frequências relatadas de transtorno do espectro autista, nos Estados Unidos e em outros países, alcançaram 1% da população, com estimativas similares em amostras de crianças e adultos. Ainda não está claro se taxas mais altas refletem expansão dos critérios diagnósticos do DSM-IV de modo a incluir casos subliminares, maior conscientização, diferenças na metodologia dos estudos ou aumento real na frequência do transtorno.

Considerando os dados citados por Gauderer (1985), referentes ao ano de

1978, de quatro a cinco casos para cada dez mil nascimentos e os dados do

Manual, correspondente a 2013, verificamos que os casos aumentaram entre dois

mil e dois mil e quinhentos por cento, ou seja, evidencia um crescimento muito

1 Seminário denominado de: Autismo – Do preconceito da década de 80 ao reducionismo atual – Fórum de debate com os expertises, realizado no dia 06 de junho de 2015. 2 Alysson Moutri vem se destacando nas pesquisas sobre o autismo há, pelo menos uma década. Conforme matéria publicada na Folha de São Paulo em 30 de agosto de 2006, com o título: “Gene saltador pode explicar o autismo”, cujo subtítulo afirmou: “Brasileiro cria experimento para investigar influência da genética em problemas mentais ainda pouco compreendidas”. Segundo a matéria, “Um experimento que está sendo conduzido pelo grupo do biólogo brasileiro Alysson Moutri deve trazer pistas importantes sobre o papel da genética nessa doença” (JFSP, 30/08/2006, p. 16A).

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expressivo do número de casos. Todavia, número de casos pode ser bem maior que

o revelado pelo Manual, para os EUA, como indica o texto do jornalista Paiva Junior

publicado na internet, no dia 28 de março de 2014:

Conforme pesquisa do governo dos Estados Unidos, os casos de autismo subiram para 1 em cada 68 crianças com 8 anos de idade – o equivalente a 1,47%. O número foi aferido pelo CDC (Center of Diseases Control and Prevention), do governo estadunidense – órgão próximo do que representa, no Brasil, o Ministério da Saúde. Os dados são referentes a 2010 e foram divulgados nesta quinta, 27 de março de 2014 (JUNIOR, 2014).

Os dados são alarmantes e evidenciam que o autismo será, provavelmente, a

principal causa de pessoas com deficiência no século XXI.

É fato que por muitos séculos, os autistas foram definidos e tratados como

loucos. No Brasil, foi somente a partir do início da década de 1980 que a situação

começou a mudar. Foi naquele período que as primeiras associações de pais e

amigos dos autistas começaram a surgir. Segundo Mello et al, a AMA - Associação

de Amigos do Autista de São Paulo foi registrada oficialmente, no dia 8 de agosto de

1983. Naquele período,

não existia no Brasil nenhuma associação dedicada ao autismo legalmente registrada. Havia alguns pequenos projetos dedicados ao autismo e alguns grupos de pais pensando em organizar-se, mas nenhum conseguia avançar muito, porque o autismo era praticamente desconhecido e considerado uma doença muito rara (2013, p. 21-22).

Ao fundarem a AMA, os pais tinham como meta imediata cuidar apenas dos

filhos do grupo fundador, mas, na medida em que a notícia da associação se

espalhou, muitos pais passaram a procurar a entidade para pedir ajuda. Frente ao

crescimento da demanda, as ações da AMA deixaram de se restringir ao cuidado

dos filhos dos fundadores, passando a atender, direta ou indiretamente, todas as

pessoas com autismo que entravam em contato com a associação. A AMA de São

Paulo cresceu rapidamente e se tornou uma referência sobre o autismo no país.

Decorridos mais de 30 anos da fundação da primeira associação, atualmente há

mais de uma centena delas, mas ainda muito aquém da demanda. Além disso,

temos que considerar que, a grande maioria delas ainda não dispõe de infraestrutura

adequada para prestar o atendimento adequado aos autistas.

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Nesta breve e sucinta análise sobre a trajetória da luta das

pessoas/associações que se deparam com os Transtornos de Espectro Autistas –

TEA, como atualmente são definidos, evidenciam-se significativas conquistas no

plano das leis, tanto em nível nacional como estadual. Todavia, é preciso destacar

que o direito das pessoas com Transtornos de Espectro Autistas à educação, saúde,

assistência entre outros, foi conquistado com muita luta das famílias e das

associações de pais e amigos dos autistas. E, não posso deixar de enfatizar que,

dentro dos grupos/tipos de deficiência, objetos das políticas públicas de inclusão, as

pessoas com Transtornos de Espectros Autistas foram às últimas a serem

beneficiadas/atendidas com políticas específicas para garantir o seu pleno

desenvolvimento. Diante do exposto, constitui-se como objeto central deste estudo

compreender a trajetória do autismo na educação brasileira.

Muitas pesquisas têm sido feitas nesta área produzindo descobertas

importantes que podem contribuir para melhorar e acelerar a resolução deste

problema de desenvolvimento, principalmente em crianças. Há pouco tempo atrás,

os autistas eram tidos como deficientes mentais e tratados como tais.

Recentemente, este tipo de transtorno vem sendo tratado de maneira diferenciada,

com terapia ocupacional, musicoterapia, hidroterapia, equoterapia3, com psicólogos

e fonoaudiólogos, sincronizados dentro da mesma metodologia, tendo o

direcionamento da TEACCH, ABA, PECS, que são os programas comportamentais

que tem mostrado maior resultado. As terapias atuam no desenvolvimento

neurológico e social das pessoas autistas, produzindo estímulos que melhoram a

comunicação, a socialização aumentando sua inserção na sociedade.

Todavia, no campo da história do autismo e mesmo das políticas

educacionais de inclusão dos autistas, os estudos são ainda bem incipientes. Em

levantamento feito, em meados de 2014 no portal Domínio Público, localizamos 41

obras que abordam diretamente a problemática do autismo. Destas, 32 são

dissertações e teses e 9 documentos/estudos oficiais, sendo 8 do Ministério da

Saúde e 1 do Ministério da Educação. Das dissertações, apenas duas enfocam de

forma mais direta a temática das políticas educacionais e a inclusão. Trata-se dos

estudos de Serra (2004) e Lazzeri (2010). Das teses, apenas a de Serra (2008), as

3 Terapia que se utiliza de cavalos para desenvolver as atividades e tem ótimos resultados no tratamento de autistas.

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demais tratam dos problemas de aprendizagem, da relação entre alunos e

professores, estudos relacionando autismo e vacinas etc. São pouquíssimos

também os estudos que tratam da trajetória das associações de pais e amigos dos

autistas. Consegui localizar apenas o estudo de Mello et al. (2013), que dedicou o 1º

capítulo à história da AMA de São Paulo. Ou seja, os estudos sobre a história da

educação dos autistas, sobre as políticas de inclusão e as associações de pais e

amigos são bastante reduzidos.

Creio que esta pesquisa poderá preencher parte dessas lacunas e, por isso,

justifica-se sua realização.

Diante disso, o objetivo central desta investigação é compreender

historicamente a trajetória do autismo na educação brasileira, articulando

dialeticamente as ações dos movimentos dos pais e associações de pais e amigos

dos autistas com as políticas de inclusão instituídas pelo Estado.

Como objetivos específicos pretendemos:

- Explicitar o grau de interferência dos organismos internacionais nas políticas de

inclusão na escola Comum;

- Situar a educação dos autistas dentro do quadro da modalidade da educação

especial;

- Compreender o papel dos pais e das associações de pais e amigos de autistas na

garantia dos direitos dos autistas.

Para dar conta desses objetivos, como já indicado, o estudo adota como

metodologia de análise a dialética enfocando as contradições entre as demandas

dos movimentos em torno dos direitos dos autistas e as ações/reações dos diversos

setores oriundos do Estado. Nesse movimento procura captar os avanços/recuos

nas políticas educacionais de inclusão e os limites de suas concretizações.

Para tanto, a pesquisa tem como base a legislação que tratou da educação

especial, especialmente a que se refere aos deficientes mentais, entre eles os

autistas. Procuro captar na legislação, a partir das orientações de Castanha (2011)

como a problemática dos autistas foi se constituindo em direito, ou seja, foi sendo

incorporada na legislação.

Outra fonte explorada foi às matérias na imprensa escrita, procurando

evidenciar como o autismo foi ocupando espaço nesse setor e, consequentemente,

ganhando visibilidade na sociedade. Nesse sentido, foi feito o levantamento amplo

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das matérias publicadas a partir de 1980, na Folha de São Paulo, usando a palavra

autismo. No levantamento foram encontradas 779 matérias que se referem a cursos,

eventos, propaganda de clínicas e profissionais, anúncios ou comentários sobre

filmes, o autismo como isolamento político de FHC ou Lula, notícias sobre educação

de autistas em escolas especializadas no interior de São Paulo ou em outros

estados e sobre a AMA-SP. Dentre elas selecionei aproximadamente 60 matérias,

mas acabei não utilizando todas, visto que algumas delas repetiam informações.

No acervo digital da Revista Veja, também usando a palavra autismo, no

período de 1980 a 2014, localizei 46 matérias em edições diferentes, tratando de

temas como anúncios e comentários de filmes e livros, descobertas médicas e

científicas, problemas relacionados a loucura, relacionamentos dos deficientes com

familiares, isolamento político, carta ao leitor etc. Dentre elas selecionei 12, mas

acabei referenciando apenas uma delas que trouxe informações diretamente

relacionada ao objeto. Todavia, não há dúvidas, que tais matérias acabaram

contribuindo para popularizar a problemática do autismo.

No Jornal de Beltrão, o levantamento foi feito a partir de 2009, pela internet

utilizando a palavra APADV, sendo localizadas 16 matérias. Como o JB tem um

arquivo bem organizado e com todas as edições impressas preservadas e está

situado perto de minha casa, manuseei os próprios jornais. Para escrever a história

da APADV, também consultei o banco de leis e decretos no portal da prefeitura

Municipal de Dois Vizinhos, além de documentos da instituição.

Outras fontes utilizadas foram às bibliografias de caráter memorialistas, que

se caracterizam como narrativas de pais de autistas. Dentre elas destaco Szabo

(1988, 1997), Cruz (2008), Mello (2013) e Costa (2013). Bibliografias de origem

acadêmica que analisam as políticas e inclusão de autistas na escola regular ou

comum4. Outra fonte importante de análise foi às entrevistas com pais de autistas e

pessoas que estão à frente de instituições ou que pesquisam sobre o tema. A ideia é

perceber como o problema e conceito do autismo foi mudando, enquanto ciência e

ganhando espaço na sociedade.

4 No texto vou utilizar o termo escola comum, em vez de escola regular, para designar a escola convencional, visto que, nos últimos anos, a maioria das instituições que fazem atendimento educacional especializado, tornaram-se escolas de educação básica, portanto, regulares. Por conta disso, hoje o termo mais adequado é escola comum. Todavia, nas citações, o termo regular foi preservado.

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A partir dessas fontes construo/reconstruo a trajetória da Associação de Pais

e Amigos dos Autistas da cidade de São Paulo, a AMA – SP, principal associação de

proteção aos autistas do país e referência para as demais, procurando explicitar sua

história, bem como da Associação de Proteção dos Autistas de Dois Vizinhos –

APADV, de Dois Vizinhos-PR. O propósito é recuperar a história dessas instituições,

bem como perceber os intercâmbios entre as instituições e como cada qual

consegue implementar políticas públicas em seus espaços de atuação.

Resgatar, construir ou reconstruir a história da educação dos autistas é uma

tarefa árdua, mas necessária. Como enfatiza Gilberta de Martino Jannuzzi,

voltar ao passado, não significa que ele explique totalmente o presente, não supõe que ele nos ensine como deveria ter sido. Ele mostra-nos o que foi, e que os acontecimentos não se dão de forma arbitrária, mas que existe um relacionamento entre eles; que a sua construção é processo humano, dentro de condições existentes e percebidas como possíveis. Ao retomar o passado, também se poderá, talvez, clarificar o presente quanto ao velho que nele persiste e perceber algumas perspectivas que incitarão a percorrer novas direções (2012, p. 2).

Foi a partir dessas orientações que procurei desenvolver a pesquisa, a qual

apresento a vocês.

O texto está organizado em quatro capítulos. O capítulo I, denominado de “O

dilema da inclusão/emancipação: relações entre capitalismo e educação”. Trata-se

de uma análise mais problematizadora, com inúmeras questões, cujas respostas de

todas não são possíveis, considerando a dimensão deste estudo. Em sendo uma

análise de fundo, de base bibliográfica, o objetivo é captar as contradições entre

inclusão/exclusão e emancipação na sociedade capitalista, palco, no qual estamos

inseridos.

No capítulo II, trato do “Direito à educação: as conquistas legais das pessoas

com transtorno de espectro autista”. Amparada em leis, decretos, portarias,

resoluções e diretrizes de âmbito internacional e nacional, com auxílio de

bibliografias procuro reconstruir o processo de inserção dos deficientes mentais,

especialmente os autistas, no sistema educacional.

No capítulo III, denominado de “A trajetória das Associações de pais: AMA-SP

E APADV de Dois Vizinhos-PR”, procuro registrar a História de duas instituições

fundadas por pais que se dedicam aos autistas, com o objetivo de identificar as

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dificuldades e desafios enfrentados no processo de organização, bem como o papel

delas no atendimento aos autistas.

O capítulo IV, recebeu o título de “O processo de inclusão dos autistas no

ensino comum: experiências e desafios”. Nele procuro mostrar algumas experiências

de inclusão de autistas e os debates em torno dessa inclusão, ou seja, refletir sobre

os desafios para a inclusão de autistas no ensino comum.

Espero que os resultados obtidos possam contribuir para o enriquecimento do

campo histórico-educativo, especialmente da educação dos autistas, e que o estudo

possa fomentar outras pesquisas.

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CAPÍTULO I

O DILEMA DA INCLUSÃO/EMANCIPAÇÃO: RELAÇÕES ENTRE CAPITALISMO

E EDUCAÇÃO

Para a maioria dos autores, falar de educação inclusiva é abrir mais uma

página em sua vida profissional. Para mim, ao contrário, é entrar para a vida

profissional no campo da educação. Não escolhi por opção ser educadora, no

entanto, a vida me impôs tal tarefa no momento que recebi em meu seio familiar um

filho especial, a qual aceitei e venho me dedicando de maneira fervorosa a difícil

tarefa de ser mãe de uma criança autista e militante na causa da pessoa com

deficiência.

Ao ler a obra Modernidade líquida de Zygmunt Bauman, que faz uma crítica

ao individualismo e relativismo da sociedade atual, chamou-me a atenção uma frase

citada por ele retirada do livro de autoajuda, de Melody Beattie, a qual comprova as

suas críticas. A citação foi a seguinte: “A maneira mais garantida de enlouquecer é

envolver-se com os assuntos de outras pessoas, e a maneira mais rápida de tornar-

se são e feliz é cuidar dos próprios” (2001, p. 77). Trata-se de uma proposta ultra

individualista, que nega um compromisso coletivo e social, sendo completamente

nefasta para um projeto de inclusão. Somos seres sociais, mas querem nos forçar a

enfrentar e resolver os problemas como se fossem responsabilidades

exclusivamente individuais.

Pensamentos como este, infelizmente crescem cada vez mais na nossa

sociedade e isso torna o nosso trabalho mais difícil, não pelo fato de meu filho ser

especial, mas por vivermos em uma sociedade que “cheira” a barbárie, quando se

trata de partilhar e conviver com as diferenças. Tais pessoas não sabem o quanto é

valorosa a experiência de conviver com pessoas especiais, o quanto podemos

aprender com eles e todo o proveito que podemos tirar dessa aprendizagem para

uma vida menos ambiciosa, mais honesta e com muito mais amor ao próximo.

Deixando de lado a parte sentimental de mãe, cabe a mim, como

pesquisadora, refletir e perguntar: Por que a inclusão é tão difícil? Por que gera tanta

recusa por parte da maioria dos professores? Será por que não estão preparados

didaticamente? Será por que foram e são pegos de surpresa? Por que não existem

materiais e formas adaptadas para receber esses novos alunos? Por que eles são

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vistos como seres que causam tanto alvoroço e pânico aos professores? Tentarei

esclarecer essas perguntas iniciais analisando a relação entre o capital e a

educação, tendo como referencial a perspectiva marxista. A ideia é compreender o

movimento de inclusão das pessoas com deficiência em um sistema, cuja sua

dinâmica de funcionamento é a exclusão. Como afirma Paulino José Orso: “Ora, se

a educação é a forma como a sociedade educa seus membros para viverem nela

mesma, então, para compreender a educação precisamos compreender a

sociedade” (2008, p. 50). Neste cenário podemos nos questionar: a educação

cumpre papel de alienação ou emancipação?

Marx em seus textos sobre educação e ensino afirmou que “a divisão do

trabalho só surge efetivamente a partir do momento em que se opera uma divisão

entre o trabalho material e intelectual” (2002, p. 26). A partir dessa afirmação

podemos constatar que a sociedade capitalista é marcada pela divisão entre os que

pensam e mandam e os que trabalham e obedecem, alicerçada na divisão entre

proprietários e não proprietários dos meios de produção. Nessa relação, a educação

cumpre uma tarefa fundamental, pois é ela que garante a intelectualidade, ou seja, a

condição para quem quer estar no comando, diferenciando quem manda de quem

obedece. No entanto, como se percebe ao longo da história que a educação, a

escola, não é a mesma para todos, pois, devido às diferenças de classe, há a escola

para os filhos dos ricos (escolas privadas e frações da escola pública), uma escola

elitista, que dita as regras e é responsável pela reprodução da classe social que está

no comando. E, por outro lado, há as escolas profissionalizantes e a maior fração da

escola pública, que tem como principal função reproduzir novas gerações de

trabalhadores.

Conforme indica Harvey, ao se transformar, o capital estabelece inter-

relações entre os aspectos técnicos e sociais, para poder acumular capital e

conhecimento. O autor identificou sete “esferas de atividades” para mostrar essas

relações no capitalismo. São elas:

(...) tecnologias e formas de organização; relações sociais; arranjos institucionais e administrativos; processos de produção e de trabalho; relações com a natureza; reprodução da vida cotidiana e da espécie; e “concepções mentais do mundo” (2011, p. 104).

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No entendimento do autor, há inter-relações entre essas esferas, sem que

haja a predominância de uma delas. Assim, o “capital não pode circular ou

acumular-se sem tocar em cada uma e em todas essas esferas de atividade de

alguma forma”. Ao encontrar barreiras ou limites em uma ou mais esferas, “tem de

achar meios para contornar ou superar a dificuldade. Se as dificuldades são graves,

então aí está uma fonte de crises” (2011, p. 105).

Uma dessas crises do capitalismo foi analisada por Ricardo Antunes.

Segundo o autor, no final da década de 1960 e início da de 1970, houve uma

“explosão do operário-massa, parcela hegemônica do proletariado da era

taylorista/fordista que atuava no universo concentrado no espaço produtivo”. Esse

conjunto de trabalhadores havia perdido a “identidade cultural da era artesanal e

manufatureira dos ofícios”, e se ressocializado de “modo relativamente

homogeneizado, quer pela parcelização da indústria taylorista/fordista, pela perda de

destreza anterior ou ainda pela desqualificação repetitiva de suas atividades” (2000,

p. 40-41). Segundo Antunes, essa condição, a qual foram submetidos os

trabalhadores, provocou uma “ebulição, questionando os pilares constitutivos da

sociabilidade do capital”. Foi uma “verdadeira revolta do operário-massa contra os

métodos tayloristas e fordistas de produção, epicentro das principais contradições do

processo de massificação” (2000, p. 41).

Mas qual o papel da educação e da escola nesse contexto? Segundo Louis

Althusser (1998), a escola atuava/atua como parte de um processo de preparação,

como um aparelho ideológico, dentro da sociedade capitalista. No entendimento de

Paulino José Orso, no capitalismo, a educação está

(...) voltada para estimular o individualismo, para fomentar a competição, para enaltecer a concorrência, para premiar pela produtividade e punir pelos resultados não desejados, permitindo, assim, selecionar os mais aptos e mais adaptados, de acordo com os valores vigentes nessa sociedade – uma educação para a subserviência (2008, p. 52).

No entendimento de Gaudêncio Frigotto, a crise desencadeada no sistema

capitalista a partir da década de 1970 provocou alterações significativas no papel do

Estado, principalmente no seu papel social. A ascensão do chamado neoliberalismo

provocou o desmonte da face social do Estado e ampliou a sua face capitalista, ou

seja, de sustentáculo do capital. Segundo ele:

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Seu fundamento é o liberalismo conservador redutor da sociedade a um conjunto de consumidores. Por isso, o indivíduo não está mais referido à sociedade, mas ao mercado. A educação não mais é direito social e subjetivo, mas um serviço mercantil (2011, p. 240).

Saulo Rodrigues de Carvalho e Ligia Márcia Martins reforçam os argumentos

de Frigotto ao argumentarem que a sociedade capitalista “tem demonstrado

historicamente sua incapacidade para efetivar a igualdade, já que obriga os homens

a entrar em conflito constante e sem tréguas pela sobrevivência” (2012, p. 21). Para

esses autores, no “capitalismo, liberdade e igualdade se expressam pela capacidade

que os indivíduos têm de participar do mercado” (2012, p. 22).

Respaldando-se em Bourdieu e Wacquant (2001), Frigotto (2012) analisou os

impactos da globalização do capital na virada do século XX para o XXI. Segundo o

autor, Bourdieu e Wacquant sustentam que nessa fase, o capitalismo adotou uma

“novlangue” – uma nova língua, na qual, o termo exclusão, passou a fazer parte do

novo vocabulário do capital, ao lado de globalização, modernização, flexibilidade,

governabilidade, empregabilidade, produtividade, sustentabilidade, inclusão, entre

outras tantas que fazem parte do sistema capitalista de exploração (2012, p. 61). Em

outras palavras: no capitalismo, estar incluído é uma questão de linguagem, pois na

prática requer pessoas bem preparadas, sem “defeitos”. Ou, como afirmam Carvalho

e Martins: “Em face da estreita relação entre o ser e o produzir, aqueles que tenham

a sua capacidade de produção reduzida terão menos, ou quase nenhuma, prioridade

na escala social” (2012, p. 22. Grifo dos autores). Nesta concepção, as pessoas que

possuem alguma deficiência não rendem o suficiente, por isso, tendem a serem

eliminadas, pois, constituem-se em um peso para o sistema.

Saviani, ao prefaciar o livro Educação Especial e Teoria Histórico-Cultural,

organizado por Barroco, Leonardo e Silva, chamou a atenção para alguns aspectos

que estão por traz do discurso da inclusão e da educação inclusiva. Segundo ele,

a educação inclusiva, baseando-se no postulado da diversidade considerada como inerente à espécie humana, procuraria atender às necessidades especiais de todas as escolas e classes comuns, promovendo a aprendizagem e o desenvolvimento pessoal de todos indistintamente (2012, p. 7-8).

Na sua avaliação tal “formulação tem um forte componente ideológico, pois

oculta o fato de que a ordem econômica atual, denominada pós-fordista e pós-

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keynesiana, pressupõe a exclusão”, visto que “na ordem econômica atual não há

lugar para todos”. Ou seja, “boa parte daqueles que atingem a idade para ingressar

no mercado de trabalho, nele sequer chegam a entrar” (2012, p. 8). Além disso, a

lógica da exclusão se expressa também no crescente processo de automação do

processo produtivo. Enfim, o autor sustenta que ao estimular a competição e buscar

maximizar a produtividade, isto é, o incremento do lucro, a extração de mais-valia, ela se rege por uma lógica que estabelece o predomínio do trabalho morto (capital) sobre o trabalho vivo, conduzindo à exclusão deliberada de trabalhadores (2012, p. 8).

Trata-se, portanto, da legitimação da “pedagogia da exclusão”, frente à da

inclusão, visto que obriga os indivíduos a buscarem “sucessivos cursos dos mais

diferentes tipos, [para] se tornarem cada vez mais empregáveis, visando escapar da

condição de excluídos”. Para definir esse cenário Saviani utiliza as expressões

“exclusão includente e inclusão excludente”.

A “exclusão includente” se manifesta no terreno produtivo como um fenômeno de mercado. Trata-se das diferentes estratégias que conduzem à exclusão do trabalhador do mercado formal, seguida de sua inclusão na informalidade ou reinclusão no próprio mercado formal. (...). A “inclusão excludente”, por sua vez, se manifesta no terreno educativo como a face pedagógica da exclusão includente. Aqui a estratégia consiste em incluir estudantes no sistema escolar em cursos de diferentes níveis e modalidades sem os padrões de qualidade exigidos para ingresso no mercado de trabalho. Essa forma de inclusão melhora as estatísticas educacionais porque permite apresentar números que indicam a ampliação do atendimento escolar se aproximando da realização de metas como a universalização do acesso ao ensino fundamental. (...). Com isso, embora incluídas no sistema escolar, essas crianças e jovens permanecem excluídos do mercado de trabalho e da participação ativa na vida da sociedade. Consuma-se, desse modo, a “inclusão excludente” (2012, p. 8-9).

Quando trabalhamos com a categoria de totalidade, constatamos que não há

inclusão ou exclusão, pois, todos estão incluídos, porém, de modo diferente. Assim,

essa nova linguagem do capitalismo expressa a necessidade de reformas, pela qual

a desigualdade será camuflada pela competitividade. Nesse sentido Frigotto alerta:

O risco do uso abusivo dessa noção [de exclusão] situa-se na possibilidade de nos fixarmos no sintoma e nas consequências das formas que assumem as relações sociais capitalistas hoje e sermos conduzidos, no plano das políticas, a uma postura reformista e conservadora. Seria, no contexto do capitalismo hoje realmente

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existente, o antônimo de exclusão social e de inclusão, ou a questão mais radical é a da emancipação humana? (2012, p. 60).

Nessa concepção, a educação passou a ser considerada pelo Estado como

uma mercadoria e a escola uma agência formadora de técnicos e reprodutora das

desigualdades sociais e não um espaço de promoção da emancipação humana e

social.

Ao tratar do papel da educação e da escola, Orso ponderou que:

Muito se tem discutido sobre o papel da educação na sociedade, se ela apenas reproduz a sociedade em que está inserida ou se ela é ou pode ser revolucionária a ponto de transformar toda a sociedade. Entretanto, muitos, em vez de analisá-la e compreendê-la de acordo com a categoria de totalidade, caem na perspectiva positivista e simplesmente deslocam-na do conjunto das relações sociais de produção, embrenham-se pelo idealismo e apresentam-na como se fosse capaz de promover o desenvolvimento econômico, garantir o bem estar social e conduzir todos à felicidade; fazem dela a responsável pelo sucesso ou fracasso de cada um. Analisando-a de forma abstrata, deslocada das contradições e dos antagonismos de classe, atribuem a ela um caráter redentor (2008, p. 49-50)5.

Hoje sabemos que a escola não é simplesmente reprodutora, redentora ou

revolucionária, pois ela também é expressão das relações sociais e, por isso, como

parte da sociedade, expressa as relações sociais de uma determinada época.

Dependendo do contexto histórico e do conjunto de forças envolvidas ela pode

desempenhar o papel de reprodutora, redentora ou revolucionária, mas isso vai

depender da consciência que temos e da forma como ocupamos nosso espaço na

sociedade e dentro da escola, ou seja, a escola também pode ser um espaço de luta

pelas transformações das relações sociais.

Segundo Marx e Engels, “O limite da emancipação política se manifesta

imediatamente no fato de que o Estado possa liberar-se de um limite sem que o

homem libere-se realmente dele, que o Estado possa ser um Estado livre sem que o

homem seja um homem livre” (2004, p. 38). Essa afirmação de Marx e Engels

demonstra que a luta pela emancipação humana é bem mais ampla do que se

5 Mais adiante Orso complementou: “Portanto, é um equívoco centrar a discussão educacional numa abstração em, se ela é ou não é reprodutora, se ela é ou não é transformadora, se ela é ou pode ser revolucionária. Como a sociedade não é homogênea, como está permeada de contradições, de lutas e antagonismos de classe, a educação se transforma de acordo como o movimento da sociedade, que ao se transformar e ser transformada, também possibilita uma educação de tipo diferente, adequada à nova realidade” (2008, p. 54-5).

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imagina, envolve política, educação, cultura. Ela não pode se dar só pela educação,

mas ela é um espaço importante para levar a luta em frente.

Para Justino de Sousa Junior:

A contribuição marxiana para a educação, que vislumbra a emancipação social, como se tentou demonstrar, se constitui de um programa que inclui dimensões importantes do cotidiano dos trabalhadores, como as experiências vividas no mundo do trabalho, as experiências de auto-formação teórica-política da classe, mas também passa pela radicalização do direito socialmente produzido (2010, p. 173).

Nesse sentido, conforme o autor, Marx nos faz refletir sobre o papel da escola

e das lutas proletárias, vislumbrando a emancipação humana. Destaca também a

importância para os trabalhadores de vivenciarem as experiências do mundo do

trabalho, as experiências de autoformação teórico-política da classe e de terem

também o direito ao acesso ao saber socialmente produzido. Segundo Sousa Junior:

A crise da escola, por sua vez, segundo a forma como se apresenta hoje, sob muitos aspectos, se coloca como um desafio à análise de cunho marxista, justamente porque está diretamente associada a fatores da estrutura em crise da dinâmica regressivo-destrutiva e mundializada do capital. Essa dinâmica, entretanto, a despeito da inegável aparência de novidade, pode, como dissemos acima, ser compreendida com maior profundidade sob a perspectiva teórica de Marx; afinal, sob o véu de novidade da sociedade contemporânea, esconde-se uma alma anciã (2010, p. 174).

A escola na perspectiva marxiana surge com uma promessa integradora ao

buscar a formação integral do homem, articulando uma educação intelectual,

corporal/física e educação tecnológica, ou seja, para o trabalho social/coletivo. No

entendimento de Justino de Souza Junior (2010), a escola tem que fazer a crítica e

colocar a emancipação humana como um projeto social.

Dentre os autores que adotam uma perspectiva da educação como

emancipação, podemos destacar Paulo Freire. Na Pedagogia do Oprimido, cuja

primeira edição é de 1967, Freire elaborou uma teoria pedagógica que apresenta a

educação como libertação. Para ele, a educação deve ser humanizadora, cujo

objetivo é o de educar para a vida, o de criar consciência no ser humano. Uma

educação que valoriza a realidade vivida, a experiência de cada um. Considera que

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todo ser humano tem conhecimento, sendo a educação um processo de troca e

construção (2005).

Freire vê na educação, uma forma de os oprimidos saírem da condição de

opressão, em que os próprios indivíduos são sujeitos da sua libertação. Para tanto, é

preciso fazer com que os oprimidos superem a mentalidade de introjetar o opressor

e de internalizar a opressão.

Paulo Freire critica o que chamou de educação bancária, uma espécie de

depósito na mente dos educandos, feita por meio de uma imposição. É preciso

superar a visão de educação que considera os educandos como seres vazios, que

precisam ser preenchidos de conhecimentos por alguém que detém um saber. Para

ele “ninguém educa ninguém, ninguém educa a si mesmo, os homens se educam

entre si, mediatizados pelo mundo”. Para tanto, é fundamental desenvolver nos

indivíduos uma conscientização que supere o opressor que existe dentro de si, e

que só por meio da organização social, da educação, é que se poderá construir uma

sociedade mais igualitária. (2005, p. 78).

Outro autor que vê/vivencia a educação como emancipação é Dermeval

Saviani. Na obra Escola e Democracia, cuja a primeira edição foi em 1983, Saviani

analisou criticamente as perspectivas educativas da Escola Tradicional, (definida

como pedagogia da essência) e da Escola Nova (definida como pedagogia da

existência) e deu um passo além ao propor uma pedagogia, a qual definiu como

revolucionária (anos depois foi definida como Pedagogia Histórico-Crítica). Saviani

sintetizou sua proposição do seguinte modo:

Uma pedagogia revolucionária centra-se, pois, na igualdade essencial entre os homens. Entende, porém, a igualdade em termos reais e não apenas formais. Busca, pois, converter-se, articulando-se com as forças emergentes da sociedade, em instrumento a serviço da instauração de uma sociedade igualitária. Para isso a pedagogia revolucionária, longe de secundarizar os conhecimentos descuidando de sua transmissão, considera a difusão de conteúdos, vivos e atualizados, uma das tarefas primordiais do processo educativo em geral e da escola em particular (1999, p. 75).

A educação tem sido considerada, de forma quase unânime pelo conjunto da

sociedade, como o principal mecanismo para produzir mudanças e transformações

na forma de vida, tanto individual, como coletiva. Como afirmou Steven Mészáros

“poucos negariam hoje que os processos educacionais e os processos sociais mais

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abrangentes de reprodução estão intimamente ligados” (2005, p. 25). Na concepção

revolucionária e crítica defendida por Saviani, a educação é condicionada aos

determinantes sociais e históricos, ou seja, a educação não deve ser tomada “como

determinante principal das transformações sociais, reconhece ser ela elemento

secundário e determinado”. Todavia, enfatizou o autor, “ainda que elemento

determinado, não deixa de influenciar o elemento determinante. Ainda que

secundário, nem por isso deixa de ser instrumento importante e por vezes decisivo

no processo de transformação da sociedade” (1999, p. 75).

Se majoritariamente a educação tem sido apontada como o principal

instrumento de transformação social, na prática histórica, ela tem se constituído mais

como instrumento de reprodução dos valores e princípios das elites, do que

geradora de mudanças concretas em benefício da classe trabalhadora e das

minorias sociais. A educação está tão impregnada das/nas relações sociais, que,

como nos alerta Mészáros “uma reformulação significativa da educação é

inconcebível sem a correspondente transformação do quadro social no qual as

práticas educacionais da sociedade devem cumprir as suas vitais e historicamente

importantes funções de mudança” (2005, p. 25).

A história da educação mostra inúmeras tentativas de reformas, de

implementação de projetos e experimentos educacionais visando interferir na forma

de organização social. Sobre os resultados práticos dessas tentativas, Mészaros

afirmou: “limitar uma mudança educacional radical às margens corretivas

interesseiras do capital significa abandonar de uma só vez, conscientemente ou não,

o objetivo de uma transformação social qualitativa” (2005, p. 27). Ou seja, para

garantir ações educacionais concretas, reais, precisamos adotar uma concepção

mais ampla de educação, articulando-a ao conjunto da sociedade, transformando-a

em instrumento de pressão, visando a romper com a lógica mistificadora do capital e

do discurso das elites.

Se quando falamos sobre a educação das elites e trabalhadores temos

críticas/restrições ao papel emancipador da escola, como analisar o processo de

inclusão das pessoas com deficiência nesse contexto? Qual o papel que a educação

tem em relação a esses indivíduos, que pouco colaboram para a dinâmica do

capital?

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Inclusão das pessoas com deficiência: legitimação do capital ou defesa da

emancipação?

A Escola, historicamente, teve o papel de ser exemplo padrão de ordem e

disciplina, todavia, nos últimos anos foi surpreendida com a necessidade de adaptar-

se ao diferente, ou seja, incluir as pessoas com deficiências. Os professores foram

“surpreendidos” com a inclusão de alunos de/com várias necessidades especiais.

Infelizmente, a escola e os professores não foram preparados para recebê-los e

trabalhar com eles, o que causou um transtorno para ambas as partes. O porquê da

inclusão? Que fatores levaram a isso? Nesta investigação tento identificar que

interesses subjazem à inclusão.

Os princípios da inclusão estão alicerçados na Declaração Universal dos

Direitos do Homem de 1948, na Declaração dos Direitos da Criança de 1959, na

Declaração dos Direitos da Pessoa Mentalmente Retardada de 1971, na Declaração

dos Direitos das Pessoas Deficientes de 1975 sendo renovado, garantido e

assegurando o direito à educação de todos os indivíduos, independentemente de

suas diferenças, pela comunidade mundial na Conferência Mundial sobre Educação

para Todos de 1990.

No preâmbulo do documento, conhecido como Declaração de Salamanca há

a constatação de um crescente movimento em defesa das pessoas com deficiência

envolvendo a participação de autoridades governamentais,

(...) dos grupos de pressão, dos grupos comunitários e de pais, e, em particular, das organizações de pessoas com deficiência, na procura da promoção do acesso à educação para a maioria dos que apresentam necessidades especiais e que ainda não foram por ela abrangidos (Declaração de Salamanca, 1994, p. VII).

O movimento ganhou cada vez mais amplitude culminando com a aprovação

das “Normas das Nações Unidas sobre a Igualdade de Oportunidades para as

Pessoas com Deficiência” em 1993. Tais normas exortaram “os Estados a assegurar

que a educação das pessoas com deficiência faça parte integrante do sistema

educativo”. Esse documento serviu de subsídio para a realização da “Conferência

Mundial sobre Necessidades Educativas Especiais”, realizada em Salamanca, na

Espanha, entre 7 e 10 de junho de 1994. A Conferência de Salamanca resultou na

“Declaração de Salamanca”, que estabeleceu os “Princípios, Política e Práticas na

Área das Necessidades Educativas Especiais”.

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A conferência contou com delegados de 92 governos e 25 organizações

internacionais. Conforme expresso na Declaração, os delegados reafirmaram o

(...) compromisso em prol da Educação para Todos, reconhecendo a necessidade e a urgência de garantir a educação para as crianças, jovens e adultos com necessidades educativas especiais no quadro do sistema regular de educação, e sancionamos, também por este meio, o Enquadramento da Ação na área das Necessidades Educativas Especiais, de modo a que os governos e as organizações sejam guiados pelo espírito das suas propostas e recomendações (Declaração de Salamanca, 1994, p. VIII).

Os princípios definidos como orientadores para a inclusão foram os seguintes:

• cada criança tem o direito fundamental à educação e deve ter a oportunidade de conseguir e manter um nível aceitável de aprendizagem; • cada criança tem características, interesses, capacidades e necessidades de aprendizagem que lhe são próprias; • os sistemas de educação devem ser planeados e os programas educativos implementados tendo em vista a vasta diversidade destas características e necessidades; • as crianças e jovens com necessidades educativas especiais devem ter acesso às escolas regulares, que a elas se devem adequar através duma pedagogia centrada na criança, capaz de ir ao encontro destas necessidades; • as escolas regulares, seguindo esta orientação inclusiva, constituem os meios mais capazes para combater as atitudes discriminatórias, criando comunidades abertas e solidárias, construindo uma sociedade inclusiva e atingindo a educação para todos; além disso, proporcionam uma educação adequada à maioria das crianças e promovem a eficiência, numa óptima relação custo-qualidade, de todo o sistema educativo (Declaração de Salamanca, 1994, p. VIII-IX).

Não há dúvidas de que as formulações estabelecidas pela Declaração de

Salamanca foram muito significativas para garantir direitos das pessoas com

deficiência. Todavia, o texto deixa transparecer um caráter redentor da educação

como enfatizou Orso (2008) anteriormente, ao chamar a atenção para a análise da

educação deslocada do conjunto das relações sociais.

O fato de as diretrizes para a inclusão serem elaboradas pela ONU tem sido

considerado pela maioria dos estudiosos de políticas educacionais como um fator de

imposição externa, que fere a autonomia dos países e das escolas. De fato, por se

tratar de uma política global ela interfere diretamente na autonomia local. Todavia,

uma pergunta deve ser feita. Como essa demanda chegou na ONU? Pelo que

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indicou o documento de Salamanca, a demanda foi levada por pais de deficientes e

entidades que atuavam diretamente com eles. Tais pais e entidades, certamente

eram de países desenvolvidos, que já estavam com o processo de inclusão e

atendimento aos deficientes bem mais avançado, do que o vivenciado no Brasil.

Os impactos positivos das políticas globais de inclusão para as pessoas com

deficiência foi/é, certamente benéfico, pois fortaleceu/fortalece a luta dos

movimentos organizados e impôs/impõe obrigações aos estados para que efetivem

os direitos das pessoas com deficiência. Ademais, contribuiu para retirar as pessoas

com deficiência do “esconderijo e do anonimato” das famílias, para transformar num

problema social, que antes era, praticamente dos indivíduos e suas famílias.

Além do avanço nos direitos e conquistas para as pessoas com deficiência, é

fato concreto que as políticas globais de inclusão levaram nos últimos anos uma

grande massa de excluídos, os “especiais”, para o processo educacional e produtivo

e estimularam o desenvolvimento de vários produtos ou serviços, que resultaram em

capital para vários setores. Isso evidencia que o capital foi/é beneficiado também

com a política de inclusão, pois temos uma quantidade significativa de profissionais

em qualificação, materiais de apoio e equipamentos sendo produzidos, tecnologias

sendo desenvolvidas etc., para atender à demanda da população, antes escondida e

que agora ocupa espaços nas escolas, nas empresas e na sociedade.

Por outro lado, o governo, ao investir na educação dessas pessoas, antes

tidas como incapazes, deixa de pagar os auxílios previdenciários, de saúde etc.,

pois, a partir do momento em que o deficiente entra no mercado de trabalho, deixa

de receber benefícios do Estado. As pessoas com deficiências historicamente

estiveram à margem do capital, o qual demonstrou pouco interesse por elas. Com a

inclusão, vimos que muitos setores acabam sendo beneficiados.

O problema concreto é como estamos fazendo essa inclusão. Ela se expressa

como adestramento e alienação ou expressa uma perspectiva emancipadora com

direitos e oportunidades iguais e com educação de qualidade? Além do mais é

preciso questionar: inclusão em quê? Na ordem do capital? Incluir nessa ordem,

significa inclusão? Ela se configura como inclusão emancipatória ou excludente? É

possível incluir emancipando sem romper com aquilo que produz a discriminação e a

exclusão? Infelizmente, para garantir a emancipação temos muito que caminhar.

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Quanto à garantia do direito à inclusão, vimos que avançamos muito em

conquistas legais, como será demonstrado no próximo capítulo, mas entre o direito

regulamentado e a efetivação na prática há uma distância muito grande. Não há

dúvidas de que a regulamentação é um grande passo para a emancipação, todavia,

não virá sem uma luta intensa, consciente e articulada. A educação é um caminho,

mas não pode ser qualquer educação. Nesse sentido, Mészáros nos esclarece ao

afirmar que “o papel da educação é soberano, tanto para a elaboração de

estratégias apropriadas e adequadas para mudar as condições objetivas” na

sociedade, quanto para produzir “a automudança consciente dos indivíduos

chamados a concretizar a criação de uma ordem social metabólica radicalmente

diferente” (2005, p. 65. Grifos do autor). Orso vai na mesma direção ao afirmar que:

Entretanto, sabemos que a extensão da educação a mais ou menos pessoas, dependerá da pressão da sociedade, da exigência social e das necessidades do capital em cada época. Por isso, ainda que em determinado momento existam as condições materiais necessárias para possibilitá-la a todos, poderá não ser estendida ou somente será oportunizada quando existir pressão popular suficientemente forte e capaz de transformar o potencial em algo real (2008, p. 53-4).

A partir dessas afirmações dos autores podemos fazer mais alguns

questionamentos: Temos clareza dessa necessidade? Estamos preparados para

empreender iniciativas nesse sentido? Que compromissos temos com a educação

emancipadora e com o conjunto da sociedade? Mészáros fez um alerta: “não há

motivo para esperar a chegada de um ‘período favorável’, num futuro indefinido”. Ou

seja, para avançar, temos que imprimir esforços qualitativos nas nossas ações

educativas, e isso “pode e deve começar ‘aqui e agora’, se quisermos efetivar as

mudanças necessárias no momento oportuno” (2005, p. 67).

Marx, no livro O dezoito Brumário afirmou que “os homens fazem a sua

própria história, mas não a fazem segundo a sua livre vontade; não a fazem sob

circunstâncias de sua escolha, mas sob aquelas circunstâncias com que se

defrontam diretamente, legadas e transmitidas pelo passado” (2003, p. 15).

A partir desse fragmento podemos extrair as seguintes lições: a primeira é a

ideia de sujeitos/atores da história. Sabemos que a história é fruto do conjunto de

relações que os homens estabelecem entre si e com a natureza ao longo do tempo;

a segunda lição diz respeito à “livre vontade, escolha”. Quando Marx afirmou que os

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homens fazem a história, mas não segundo sua livre vontade e sua escolha,

destacou a dialética que medeia as relações sociais, a força da tradição, da cultura e

da educação. Em outras palavras, enfatizou a força da sociedade sobre o indivíduo

e/ou sobre o coletivo, enquanto constituição histórica dos sujeitos. Podemos nos

sentir livres para agir, porém nossas ações estão ancoradas na cultura, na

educação, na legalidade. Ou seja, nos limites da sociedade, pois, a relação entre os

indivíduos e a sociedade é dialética e, isso, possibilita aos indivíduos exercerem

pressão no conjunto da sociedade gerando modificações no comportamento

coletivo, sendo a educação um dos mecanismos mais eficientes para promover tais

mudanças/transformações.

Orso chamou a atenção para a importância de o professor fazer um bom

trabalho na escola, todavia, enfatizou que,

A educação é um trabalho complexo que não se limita nem a uma relação entre professor e aluno, nem à escola. É uma relação entre professores e alunos, escola, funcionários, mediada pelas condições e relações sociais de cada momento e de cada sociedade. Nesse sentido, a realização de um trabalho bem feito no interior de uma sala de aula, numa escola, exige e pressupõe a compreensão das inter-relações e das articulações entre as várias dimensões em que o trabalho está envolvido. Isto, todavia, requer atenção, equidade, percepção das diversas dimensões e variáveis que interferem direta e indiretamente no que fazemos (2011, p. 227-28).

Assim, a conquista da emancipação pressupõe a luta pela efetiva realização

dos direitos básicos essenciais, como: saúde, moradia, educação, cultura e lazer.

Por isso, segundo Frigotto,

no plano da luta política o antônimo da exclusão não é a pura e simples inclusão, já que, como assinalamos anteriormente, se trata de uma inclusão cada vez mais degradada. O horizonte a perseguir é o da utopia da emancipação humana sob novas formas de relações sociais. Vale dizer, uma luta para ir além do capital (2012, p. 69-70).

Não há dúvidas de que Frigotto está correto, pois no cenário atual, o oposto

de exclusão não é inclusão, mas sim emancipação, todavia, mesmo considerando

que a inclusão não está sendo feita da forma mais apropriada e consistente, não

podemos desprezá-la, pois se constitui num dos caminhos, num momento atual da

luta pela emancipação do ser humano. Todavia, da forma como está sendo

realizada, constitui-se apenas num primeiro passo, exigindo mudanças mais

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substanciais: com isso não estamos querendo defender o etapismo. De qualquer

modo, penso que ela precisa ser valorizada e reforçada como ferramenta para

construir a emancipação completa, integral.

Nesse sentido, Frigotto nos orienta:

Trata-se, então, de combater o ideário e valores neoliberais e de prosseguir lutando para construirmos sociedades fundadas nos valores e princípios da igualdade, solidariedade e a generosidade humana, colocando a ciência e a técnica e os processos educativos a serviço da dilatação da vida para todos os seres humanos (2012, p. 73).

Estudiosos como Frigotto, Saviani, Orso, entre outros, como cientistas que

são do processo educacional, mostram-nos de forma incisiva uma inclusão forçada e

pouco questionada, imposta do global para o local, muitas vezes, a partir dos

interesses do capital. Acredito, sinceramente, que, como seres humanos sensíveis

que são comprometidos com a causa dos oprimidos, como expressam suas obras,

não se coloquem contra a Inclusão das pessoas com necessidades, no seu mais

amplo e respeitoso sentido, mas sim questionam o jeito e a forma como a inclusão

está sendo posta nas escolas. Ou seja, criticam a falta da adequada organização e

do planejamento pedagógico; o despreparo dos professores e equipes técnicas,

sendo forçados por força de lei a receber uma grande leva de alunos especiais, sem

a formação ética e profissional necessárias, para trabalharem com as pessoas com

necessidades especiais, como o devido respeito que elas e as demais pessoas

merecem.

Na sociedade atual, a dinâmica é dada pelo capital, o qual, valoriza a

competição, o individualismo, a beleza estética e a produtividade, ou seja, promove

a lógica da exclusão. Nesse cenário, como promover a inclusão que gera

emancipação? Além de lutar cotidianamente, precisamos manter viva a utopia.

Para quem está envolvido na luta pela emancipação das pessoas com

deficiência, uma excelente opção é estudar as lições do educador russo Lev

Semionovich Vygotski, conforme fizeram Klein e Silva (2012). Devido à dificuldade

do acesso ao texto original, tomo emprestado das autoras fragmentos escritos por

Vygotski, para sustentar minhas análises. Segundo as autoras, Vygotsky acreditou e

trabalhou muito pela construção de um homem novo em uma nova sociedade. Ao

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analisar o problema dos deficientes da sua época, assim se posicionou: “A educação

social, que surge na grandiosa época de reconstrução definitiva da humanidade,

está chamada a realizar o que sempre sonhou a humanidade como um milagre

religioso: que os cegos vejam e que os mudos falem” (VYGOTSKI, 1997, p. 82. Apud

KLEIN e SILVA, 2012, p. 30). Vygotski acreditava que a humanidade venceria, “mais

cedo ou mais tarde, a cegueira, a surdez e a debilidade mental” e essa conquista se

daria “muito antes no plano social e pedagógico que no plano médico e biológico”.

Ele acreditava que não estava “distante o tempo em que a pedagogia se

[envergonharia] do próprio conceito ‘criança deficiente’ como marca de um defeito

insuperável de sua natureza” (VYGOTSKI, 1997, p. 82. Apud KLEIN e SILVA, 2012, p.

30-1). Segundo ele “está em nossas mãos fazer que a criança cega, surda ou débil

mental não seja deficiente”. Na sua concepção, só o conjunto da sociedade poderia

fazer desaparecer “esse conceito, signo inequívoco de nosso próprio defeito”. Assim,

também é possível que chegue o dia em que a sociedade se envergonhe de sua

discriminação e de sua mesquinhez. A partir da adoção de uma série de medidas

eugênicas, para prevenir as deficiências, aliadas com a modificação do sistema

social, a “quantidade de cegos e surdos se reduzirá enormemente. Quiçá

desaparecerão definitivamente a cegueira e a surdez” (VYGOTSKI, 1997, p. 82. Apud

KLEIN e SILVA, 2012, p. 31).

Todavia, continuou ele,

(...) fisicamente, a cegueira e a surdez existirão durante muito tempo na Terra. O cego seguirá sendo cego e o surdo, surdo, mas deixarão de ser deficientes porque a defectividade é um conceito social, tanto que o defeito é uma superestrutura da cegueira, da surdez, da mudez. A cegueira em si não faz a criança deficiente, não é uma defectividade, quer dizer, uma deficiência, uma carência, uma enfermidade. Chega a ser somente em certas condições sociais de existência do cego. É um signo da diferença, entre sua conduta e a conduta dos outros”. (VYGOTSKI, 1997, p. 82. Apud KLEIN e SILVA, 2012, p. 31).

Ao afirmar isso, Vygotski vê como obstáculo não os limites do ser humano,

configurados pela sua genética ou obra do acaso, que lhe trouxe uma diferenciação

perante os demais seres humanos, mas mostra que deficiente é o sistema que rege

toda a sociedade, são os padrões sociais, a organização das relações sociais, que

escraviza através da propriedade privada e dos meios de produção. Eis o desafio da

inclusão, romper com os padrões sociais estabelecidos, com o individualismo, com o

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conformismo; eis o desafio da emancipação, romper e superar as práticas

excludentes e discriminatórias.

No capítulo seguinte procuro demonstrar os avanços conquistados pelas

pessoas com deficiência, entre elas os autistas, no plano legal, enquanto direito

formal. Sem dúvida, um passo importante no processo de inclusão, mas que, por si

só, não garante a humanização e a emancipação desejadas.

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DIREITO À EDUCAÇÃO: AS CONQUISTAS LEGAIS DAS PESSOAS COM

TRANSTORNO DE ESPECTRO AUTISTA

O presente capítulo tem como objetivo historiar o processo de garantia de

direitos das pessoas com deficiência, especialmente, o relacionado aos autistas.

Para tanto, tomo como fonte de análise a legislação sobre a educação especial e me

utilizo de alguns autores que estudam o tema.

Para analisar a legislação tomo como base as proposições de Castanha.

Segundo o autor, a lei cumpre uma função central na sociedade que pode se

apresentar:

(...) como ideologia ou como mediadora dos conflitos, como espaço de contradição ou consenso, ou como garantia de direitos, ela não deixa de ser uma síntese de múltiplas determinações em constante processo de mudança. A lei é, portanto, dialética (2011, p. 319).

No Brasil, as ações de forma institucionalizada pelo Estado frente às pessoas

com alguma deficiência foram iniciadas ainda no século XIX, com a fundação do

Instituto dos Cegos, em 1854, e dos Surdos-Mudos, em 1857. Posteriormente,

muitas ações foram desenvolvidas por instituições particulares, especialmente

filantrópicas. Lentamente, o Estado, sob muita pressão, foi assumindo algumas

responsabilidades e desenvolvendo ações para atender a essa população.

Conforme indicou Jannuzzi, devido ao crescente aumento e pressão dos

movimentos populares, característicos do início da década de 1960, a questão das

pessoas com deficiências começou a emergir como um problema social. Devido às

ações de familiares e de instituições públicas e privadas, algumas garantias legais

foram conquistadas, as quais passaram a exigir maior responsabilização dos

poderes públicos para efetivá-las. Segundo a autora, em 1958, houve a Campanha

Nacional de Educação e Reabilitação de Deficitários Visuais (CANERDV) e, em

1960, a Campanha Nacional de Educação dos Cegos (CNEC) (2012, p. 76).

No que se refere aos deficientes mentais (onde estavam e estão incluídos os

autistas), a primeira ação mais concreta do Estado e que produziu impactos mais

significativos foi a Campanha Nacional de Educação e Reabilitação de Deficientes

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Mentais (CADEME)6, instituída pelo Ministério da Educação e Cultura, pelo decreto

nº 48.961, de 22 de setembro de 1960. Conforme previsto no artigo 3º, a CADEME

tinha “por finalidade, promover em todo o território nacional, a educação,

treinamento, reabilitação e assistência educacional das crianças retardadas e outros

deficientes mentais de qualquer idade ou sexo”. Dentre as medidas que seriam

adotadas, destacamos as seguintes:

I - Cooperando técnica e financeiramente, em todo o território nacional, com entidades públicas e privadas que se ocupou das crianças retardadas e dos outros deficientes mentais. II - Incentivando, pela forma de convênios, a formação de professores e técnicos especializados na educação e reabilitação das crianças retardadas e outros deficientes mentais. III - Incentivando, pela forma de convênios, a instituição de consultórios especializados, classes especiais, assistência domiciliar, direta ou por correspondência, centros de pesquisas e aplicação, oficinas e granjas, internatos e semi-internatos, destinados à educação e reabilitação das crianças retardadas e de outros deficientes mentais. [...]. VIII - Promovendo e auxiliando a integração das crianças retardadas e outros deficientes mentais nos meios educacionais comuns e também em atividades comercias, industriais, agrárias, científicas, artísticas e educativas (BRASIL. Decreto nº 48.961, de 1960).

Percebe-se que o conjunto de propostas ainda eram bastante tímidas, mas

não podemos negar a importância delas para iniciar o processo e inserção das

pessoas com deficiência mental (certamente entre eles estavam os autistas), em

diversos setores da vida social.

Uma das primeiras leis que explicitou tais direitos foi a Lei 4.024, de 1961,

que fixou as Diretrizes e Bases da Educação Nacional. O Título X, formado pelos

artigos 88 e 89, tratou da “Educação de Excepcionais”. O artigo 88 estabeleceu o

seguinte: “A educação de excepcionais, deve, no que for possível, enquadrar-se no

sistema geral de educação, a fim de integrá-los na comunidade”. Já o artigo 89

determinou que:

6 Jannuzzi destacou que a campanha para a inserção dos deficientes mentais foi a última a ser desenvolvida e que por trás dela estavam a Sociedade Pestalozzi, que já atuava no Brasil desde 1934, e as APAEs, fundadas a partir de 1954. Segundo a autora, como essas instituições se destacavam no atendimento, garantia uma certa conveniência para o governo, pois possibilitava o barateamento dos custos, uma vez que tais instituições aceitavam “voluntariado, verba vinda de donativos nacionais e estrangeiros ou de serviços prestados pela própria campanha, o que poderia amortecer os gastos públicos com o setor, sem que se pudesse afirmar completa ausência de seu desenvolvimento” (2012, p. 77).

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Toda iniciativa privada considerada eficiente pelos conselhos estaduais de educação, e relativa à educação de excepcionais, receberá dos poderes públicos tratamento especial mediante bolsas de estudo, empréstimos e subvenções (BRASIL, Lei 4024/61).

A partir do previsto no artigo 89, as parcerias com as instituições privadas e

filantrópicas, principalmente com as APAES se intensificaram e, em consequência

disso, as ações visando a atender as pessoas com deficiência se ampliaram. O

Estado cumpria seu papel via o financiamento de instituições filantrópicas e

privadas.

Em 1964, os brasileiros foram surpreendidos por um golpe militar-civil, que

destituiu o governo de João Goulart, instituindo a ditadura militar no Brasil. Em meio

a um dos momentos mais duros do regime com a repressão, o governo militar impôs

a Lei n. 5.692, de 11 de agosto de 1971, que fixou as Diretrizes e Bases para o

ensino de 1° e 2º graus. Conforme previa o artigo 9º:

Os alunos que apresentem deficiências físicas ou mentais, os que se encontrem em atraso considerável quanto à idade regular de matrícula e os superdotados deverão receber tratamento especial, de acordo com as normas fixadas pelos competentes Conselhos de Educação (BRASIL. Lei n. 5.692 de 1971).

Dois anos depois, o Estado mostrou sua face filantrópica criando o Centro

Nacional de Educação Especial (CENESP), pelo Decreto nº 72.425, de 3 de julho de

1973. O CENESP foi instituído “com a finalidade de promover em todo o território

nacional, a expansão e melhoria do atendimento aos excepcionais”. Conforme

previsto no artigo 2º, o papel do CENESP era:

proporcionar oportunidades de educação, propondo e implementando estratégias decorrentes dos princípios doutrinários e políticos, que orientam a Educação Especial no período pré-escolar, nos ensinos de 1º e 2º graus, superior e supletivo, para os deficientes da visão, audição, mentais, físicos, educandos com problemas de conduta para os que possuam deficiências múltiplas e os superdotados, visando sua participação progressiva na comunidade (BRASIL. Decreto nº 72.425, de 1973).

De acordo com Jannuzzi, o CENESP sofreu várias alterações durante as

décadas de 1970 e 1980, para atender as adequações na esfera administrativa, mas

mesmo assim ele cumpriu um papel central na constituição de políticas de

atendimento aos deficientes, visto que se constituiu num órgão centralizado em nível

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federal e, como tal, acabou influenciando diversas ações nos estados e municípios

(2012, p. 133).

Com a expansão pela redemocratização do país a partir do início da década

de 1980, os movimentos organizados da sociedade civil passaram a exigir ações

mais efetivas do Estado para atender às demandas populares. Entre estes

movimentos organizados encontravam-se os ligados às pessoas com deficiência.

Uma das ações que favoreceu a organização de movimentos sociais em torno dos

problemas dos deficientes foi o fato de a Organização das Nações Unidas (ONU) ter

proclamado o ano de 1981, como o “Ano Internacional das Pessoas Deficientes”.

Conforme indicado no documento “Programa de Ação Mundial para as Pessoas com

Deficiência”, localizado no Centro de Documentação e Informação do Portador de

Deficiência (CEDIPOD), naquele ano:

No Brasil muitos acontecimentos relacionados ao fato ocorreram; alguns assistencialistas outros paternalistas, mas tudo acabou servindo para que os movimentos das pessoas portadoras de deficiências ganhassem novo rumo em suas reivindicações

(PROGRAMA de Ação Mundial, 2015).

O documento indica que o “Programa de Ação Mundial para as Pessoas com

Deficiência”, aprovado pela Resolução 37/52, na Assembleia Geral das Nações

Unidas em seu trigésimo sétimo período de sessões, realizada em 3 de dezembro

de 1982, teve como objetivo "promover medidas eficazes para a prevenção da

deficiência e para a reabilitação e a realização dos objetivos de igualdade e

de participação plena das pessoas com deficiências na vida social e no

desenvolvimento" (PROGRAMA de Ação Mundial, 2015. Destaque no documento). Na

mesma Assembleia foi aprovada a Resolução 37/53, que instituiu a “Década das

Nações Unidas para as Pessoas com Deficiência”. O decênio correspondeu aos

anos de 1983 a 1992 e visava à implementação do Programa de Ação Mundial. Uma

versão brasileira do Programa surgiu como possibilidade de “colocar à disposição

das pessoas portadoras de deficiência, dos profissionais da área, das autoridades e

dos interessados um instrumento de grande alcance e importância” (PROGRAMA de

Ação Mundial, 2015).

Foi em meio a esse movimento que alguns pais de crianças autistas da

cidade de São Paulo fundaram a Associação dos Amigos dos Autistas (AMA), em

1983.

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A década de 1980 foi muito rica em debates de temas políticos e sociais. Em

1984 teve o grande movimento político em torno da luta pelas eleições diretas para

presidente, conhecido como Diretas Já. Na esteira desse movimento se fortaleceram

as bandeiras da luta pela educação pública, pela saúde pública, pela liberdade e

pela inclusão dos deficientes. O movimento das Diretas Já não teve pleno êxito, mas

o governo eleito pelo parlamento (Tancredo Neves e José Sarney), no final de 1984,

foi o que, naquele momento, melhor expressava o avanço para a democracia.

Em 14 de março de 1985, um dia antes da posse, Tancredo Neves foi

internado. Em função disso, José Sarney foi empossado interinamente na

presidência. Com a morte de Tancredo, em 21 de abril, Sarney assumiu o cargo de

forma definitiva. O novo governo promoveu o discurso da Nova República, para

mostrar a passagem do governo militar para o civil.

O ministro da Educação, Marco Maciel ao expor os motivos que justificavam a

aprovação do Decreto nº 91.872, de 4 de novembro de 1985, que instituiu um comitê

ligado a vários ministérios para pensar uma política para os deficientes assim se

expressou: “É propósito da Nova República estender a todos a oportunidade de

acesso à educação, configurada como opção social eminentemente democrática”.

Assim, o projeto almejava

redefinir a política da educação especial, compatibilizando-a com as diretrizes consignadas no programa "Educação para Todos", com vistas a abrigar no sistema educativo formal parcela da população que depende, fundamentalmente, de iniciativas do poder público (BRASIL. Exposição de Motivos Nº 219, de 1985).

Assim, no espírito de redemocratização, o artigo 1º, do Decreto n.

91.872 instituiu, sob a presidência do Ministério da Educação, “o Comitê para traçar

política de ação conjunta visando ao aprimoramento da educação especial e à

integração das pessoas portadoras de deficiência, de problemas de conduta e

superdotadas”. Conforme indicado no artigo 2º, o Comitê seria composto por

representantes dos Ministérios da Educação, Saúde, Previdência e Assistência Social, Interior, Justiça e Trabalho, da Secretaria de Planejamento da Presidência da República, de federações nacionais representativas de grupos ligados ao problema, das classes empresarial e trabalhadora, das lideranças comunitárias, dos portadores de deficiências devidamente credenciados, e de especialistas e pessoas de notório saber (BRASIL. Decreto nº 91.872, de 1985).

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Os estudos do referido Comitê orientaram o governo a criar a Coordenadoria

para Integração da Pessoa Portadora de Deficiência - CORDE, mediante o Decreto

nº 93.481, de 29 de outubro de 1986. Na exposição de motivos que justificou a

aprovação do decreto, os vários ministros que assinaram o documento sustentaram

o seguinte:

Não pode haver diferença entre os homens porque da mesma essência os fez o direito natural. Assim, não haverá diferença entre o Estado e o direito dos homens, porque aquele é criatura e estes são os criadores. Deve, pois, o Estado, corrigir imediatamente todas as distorções que levem à sonegação de oportunidades entre os homens, porque tem o dever de agir de acordo com seu princípio essencial, isto é, a origem humana, e transformar em regra de direito as aspirações coletivas, porque o próprio Estado foi uma delas e não pode descurar-se das outras (BRASIL. Exposição de motivos nº 179, de 1986).

Os ministros destacaram ainda que grande parte das deficiências poderiam

ser prevenidas com uma política adequada; a oferta de educação aos deficientes

deveria garantir a terminalidade em seu processo, tornando-se viável sua integração

profissional. Segundo eles;

os portadores de deficiência podem, e devem integrar-se no sistema produtivo, em primeiro passo para sua integração na sociedade; tais pessoas têm, como as demais, direito à saúde, não só nos aspectos gerais mas, principalmente, naqueles que lhes são peculiares; a elas devem, e podem, ser estendidos os direitos previdenciários e sociais (BRASIL. Exposição de motivos nº 179, de 1986).

Com base nos argumentos expostos, o artigo 1º, do Decreto n. 93.481 que

criou a CORDE, definiu que os órgãos da administração federal deveriam conferir,

no âmbito de suas “competências e finalidades, tratamento prioritário e adequado

aos assuntos relativos às pessoas portadoras de deficiências, visando a assegurar a

estas o pleno exercício de seus direitos básicos e a efetiva integração social”

(BRASIL. Decreto nº 93.481, de 1986).

Em 1987, os membros do CORDE apresentam o 1º Plano de Ação para

atender às pessoas com necessidades especiais, cujo objetivo era constituí-lo como

política do estado. Conforme indicado na proposta, o Estado deveria atuar em quatro

frentes desenvolvendo um programa de conscientização; de prevenção de

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deficiências; de atendimento às pessoas com deficiência; de inserção no mercado

de trabalho.

O documento indicou que conforme estatísticas da ONU referente ao ano de

1986, no Brasil havia cerca de quinze milhões de pessoas com deficiência,

aproximadamente 10% da população e que “apesar dos esforços tanto do governo

quanto da iniciativa privada, estamos atendendo apenas 3% da população

deficiente”. Os dados apresentados pelo documento foram os seguintes: “Deficiência

Mental - 6 milhões e 500 mil (5% da população); Deficiência Física - 2 milhões e 600

mil (2% da população); Deficiência Auditiva - 1 milhão e 950 mil (1,5% da

população); Deficiência Múltipla - 1 milhão e 300 mil (1 % da população); Deficiência

Visual - 600 mil (0,5% da população)”. O ministro do Planejamento Aníbal Teixeira,

que assinou o documento em nome da CORDE enfatizou:

Há, nos quatro Programas propostos, ideias, sugestões e reivindicações, necessidades e possibilidades que a CORDE recolheu e interpretou nesses contatos com os diversos órgãos públicos e as várias associações envolvidas com o problema. Há no Plano uma unidade, que reúne e engloba todos os programas e linhas de trabalho: a ideia da urgência de uma Política Nacional para o setor. Num país com as condições geográficas e sociais do Brasil, a ação do Estado na liderança dos processos de reequilíbrio das desigualdades é vital. Esta é, portanto, a linha mestra do Plano: a de reivindicar para a ação governamental no trato com o problema da integração da pessoa portadora de deficiência sua natureza de política social e aplicar-lhe os mandamentos da justiça social sob os quais Vossa Excelência colocou as diretrizes do seu governo (BRASIL. Exposição de Motivos Nº 397, de 1987 Grifos meus).

Durante os anos de 1987 e 1988, o Congresso Nacional e o conjunto dos

movimentos sociais se empenharam em participar do processo constituinte, com

vistas a aprovar uma nova Constituição para o País. Inúmeras propostas e emendas

de iniciativa popular foram apresentadas aos congressistas, garantindo que uma

Constituição Cidadã pudesse ser aprovada.

Para o conjunto das pessoas com deficiência, uma significativa conquista foi a

incorporação do direito à educação dessas pessoas na Constituição Federal de

1988, além do direito de igualdade de oportunidades, que deveria ser garantido pelo

Estado. Conforme prevê o artigo 208 da Constituição Federal, “o dever do Estado

com a educação será efetivado mediante a garantia de: [...]. III- atendimento

educacional especializado aos portadores de deficiência, preferencialmente na rede

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regular de ensino” (BRASIL, Constituição Federal, 1989, p. 100). Como explicitado, a

Constituição já indicava a necessidade de inclusão, preferencialmente no ensino

regular.

Os princípios estabelecidos pela Constituição levaram o Estado a reforçar o

poder de intervenção da CORDE, mediante a aprovação da Lei nº 7.853, de 24 de

outubro de 19897. Conforme previsto pelo artigo 1º cabia ao órgão o

estabelecimento de normas gerais que assegurassem “o pleno exercício dos direitos

individuais e sociais das pessoas portadoras de deficiências, e sua efetiva

integração social”. O § 1º estabeleceu que na aplicação e interpretação da lei,

seriam “considerados os valores básicos da igualdade de tratamento e oportunidade,

da justiça social, do respeito à dignidade da pessoa humana, do bem-estar, e outros,

indicados na Constituição”. Já o artigo 2º determinou que:

Ao Poder Público e seus órgãos cabe assegurar às pessoas portadoras de deficiência o pleno exercício de seus direitos básicos, inclusive dos direitos à educação, à saúde, ao trabalho, ao lazer, à previdência social, ao amparo à infância e à maternidade, e de outros que, decorrentes da Constituição e das leis, propiciem seu bem-estar pessoal, social e econômico (BRASIL. Lei nº 7.853, de 1989).

Para garantir tais direitos na área da educação, os órgãos e entidades da

administração direta e indireta deveriam efetivar:

a) a inclusão, no sistema educacional, da Educação Especial como modalidade educativa que abranja a educação precoce, a pré-escolar, as de 1º e 2º graus, a supletiva, a habilitação e reabilitação profissionais, com currículos, etapas e exigências de diplomação próprios; b) a inserção, no referido sistema educacional, das escolas especiais, privadas e públicas; c) a oferta, obrigatória e gratuita, da Educação Especial em estabelecimento público de ensino; d) o oferecimento obrigatório de programas de Educação Especial a nível pré-escolar, em unidades hospitalares e congêneres nas quais estejam internados, por prazo igual ou superior a 1 (um) ano, educandos portadores de deficiência; e) o acesso de alunos portadores de deficiência aos benefícios conferidos aos demais educandos, inclusive material escolar, merenda escolar e bolsas de estudo; f) a matrícula compulsória em cursos regulares de estabelecimentos públicos e particulares de pessoas portadoras de

7 Pelo Decreto nº 214, de 12 de setembro de 1991, o governo estabeleceu as competências, composição e o funcionamento do Conselho Consultivo da CORDE. O conselho foi composto por dezoito membros efetivos, destes, conforme previsto pelo o inciso X do artigo 2º: “nove representantes, escolhidos através de entendimento nacional, de entidades não-governamentais ligadas aos assuntos pertinentes à pessoa portadora de deficiência, nacionalmente reconhecidas pelo trabalho desenvolvido” (BRASIL. Decreto nº 214, de 1991).

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deficiência capazes de se integrarem no sistema regular de ensino (BRASIL. Lei nº 7.853, de 1989).

Pelo disposto acima evidencia-se que o Brasil, em âmbito legal, estava

adiantado em relação ao movimento de inclusão que se intensificou na década

seguinte.

O grande salto na qualidade das ações em favor das pessoas com deficiência

se deu a partir da década de 1990. Entre 5 e 9 de março de 1990 ocorreu em

Jomtien, na Tailândia a Conferência Mundial sobre Educação para Todos. Nessa

Conferência que contou com a participação da maioria dos países, inclusive o Brasil,

foi aprovada a Declaração Mundial Sobre Educação Para Todos, acompanhada do

Plano de Ação para Satisfazer as Necessidades Básicas de Aprendizagem. A meta

5 do artigo 3º, cujo princípio era “Universalizar o Acesso à Educação e Promover a

Equidade”, estabeleceu o seguinte:

As necessidades básicas de aprendizagem das pessoas portadoras de deficiências requerem atenção especial. É preciso tomar medidas que garantam a igualdade de acesso à educação aos portadores de todo e qualquer tipo de deficiência, como parte integrante do sistema educativo (CONFERÊNCIA MUNDIAL SOBRE EDUCAÇÃO PARA TODOS, 1990).

Considerando que a Declaração foi assinada pela maioria dos países, isso

implica que ela passou a ter força global, ou seja, constituiu-se em ideia força que

passou a alimentar os movimentos de pessoas com/para deficientes a pressionarem

os governos para a implantação das medidas propostas.

No Brasil, a medida que visou a atender a tais orientações foi a Instituição da

“Política Nacional para a Integração da Pessoa Portadora de Deficiência”, pelo

Decreto nº 914, de 6 de setembro de 1993. Conforme indicado no artigo 1º, a

“Política Nacional para a Integração da Pessoa Portadora de Deficiência é o

conjunto de orientações normativas, que objetivam assegurar o pleno exercício dos

direitos individuais e sociais das pessoas portadoras de deficiência. O artigo 3º

definiu conceitualmente deficiência nos seguintes termos:

Considera-se pessoa portadora de deficiência aquela que apresenta, em caráter permanente, perdas ou anormalidades de sua estrutura ou função psicológica, fisiológica ou anatômica, que gerem incapacidade para o desempenho de atividade, dentro do padrão

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considerado normal para o ser humano (BRASIL. Decreto nº 914, de 1993).

A ONU reforçou sua preocupação com os deficientes na Assembleia Geral de

20 de dezembro de 1993, quando foi aprovada a resolução 48/96, que deliberou

sobre as Normas para Equiparação de Oportunidades para Pessoas com

Deficiência. Conforme indicado no documento:

1. Aprova as Regras Gerais sobre a Igualdade de Oportunidades para Pessoas com Deficiências, publicadas em anexo à presente resolução; 2. Solicita aos Estados Membros que apliquem as Regras Gerais ao desenvolverem programas nacionais em matéria de deficiência; 3. Insta os Estados Membros a facultar ao Relator Especial a informação por este solicitada quanto à aplicação das Regras Gerais; 4. Solicita ao Secretário Geral que promova a aplicação das Regras Gerais e que apresente à Assembleia Geral, na sua quinquagésima sessão, um relatório sobre esta matéria; 5. Insta os Estados membros a apoiar, financeiramente e de outras formas, a aplicação das Regras Gerais. (ONU. NORMAS PARA EQUIPARAÇÃO, 1993)

Além das recomendações explícitas acima, as regras objetivavam:

(a) pôr em relevo que todas as medidas na área da deficiência pressupõem um conhecimento e uma experiência suficientes acerca das condições e necessidades específicas das pessoas com deficiências; (b) Destacar que o processo mediante o qual cada um dos aspectos da organização social é tornado acessível a todos constitui um objetivo fundamental do desenvolvimento socioeconômico; (c) Assinalar aspectos cruciais das políticas sociais na área da deficiência, incluindo, quando oportuno, o fomento ativo da cooperação técnica e econômica; (d) Oferecer modelos para o processo de decisão política necessário à realização de igualdade de oportunidades, tendo em conta a existência de uma grande diversidade de níveis econômicos e técnicos, assim como o fato de esse processo dever refletir um profundo conhecimento do contexto cultural em que se desenvolve e o papel fundamental que as pessoas com deficiências nele desempenham; (e) Propor a criação de mecanismos nacionais destinados a estabelecer uma colaboração estreita entre os Estados, os órgãos do sistema das Nações Unidas, outras entidades intergovernamentais e as organizações de pessoas com deficiências; (f) Propor a criação de um mecanismo eficaz de controlo do processo através do qual os Estados procuram realizar a igualdade de oportunidades para as pessoas com deficiências (ONU. NORMAS PARA EQUIPARAÇÃO. 1993. Grifos meus).

A aprovação das Normas se constituiu como base para a preparação da

Conferência Mundial de Educação Especial, realizada em Salamanca, na Espanha,

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entre sete e dez de junho de 1994, a qual produziu o documento que ficou

conhecido como Declaração de Salamanca.8 Conforme expresso na Declaração:

A Conferência adaptou a Declaração de Salamanca sobre os Princípios, a Política e as Práticas na área das Necessidades Educativas Especiais e um Enquadramento da Ação. Estes documentos estão inspirados pelo princípio da inclusão e pelo reconhecimento da necessidade de atuar com o objetivo de conseguir “escolas para todos” – instituições que incluam todas as pessoas, aceitem as diferenças, apoiem a aprendizagem e respondam às necessidades individuais (DECLARAÇÃO DE SALAMANCA, 1994, p. iii. Grifo no documento).

O documento colocou a educação inclusiva como um compromisso mundial.

Segundo a Declaração a:

A educação de alunos com necessidades educativas especiais incorpora os princípios já comprovados de uma pedagogia saudável da qual todas as crianças podem beneficiar, assumindo que as diferenças humanas são normais e que a aprendizagem deve ser adaptada às necessidades da criança, em vez de ser esta a ter de se adaptar a concepções predeterminadas, relativamente ao ritmo e à natureza do processo educativo. Uma pedagogia centrada na criança é benéfica para todos os alunos e, como consequência, para a sociedade em geral, pois a experiência tem demonstrado que esta pedagogia pode reduzir substancialmente as desistências e as repetições e garantir um êxito escolar médio mais elevado. (DECLARAÇÃO DE SALAMANCA, 1994, p. 7).

Pelo expresso no texto, a diferença foi vista como algo maior que a

deficiência, abrangendo também as diferenças de raça, econômicas, sociais,

culturais, entre outras. A partir do documento, as escolas devem receber todos os

estudantes, independentes da sua condição. A educação inclusiva, fundamento da

Declaração, “propõe que os alunos, de modo geral, sejam respeitados em suas

diferenças e que a escola se estruture para atender a todos de forma que nenhum

deles seja impedido de ter acesso ao ensino formal” (LAZZERI, 2010, p. 21). Como

enfatiza a Declaração de Salamanca, as escolas

8 A conferência contou com mais de 300 participantes, representação de 92 governos e 25 organizações internacionais. Foi organizada pelo Governo da Espanha em cooperação com a UNESCO, congregou altos funcionários da educação, administradores, responsáveis pela política e especialistas, assim como representantes das Nações Unidas e das Organizações Especializadas, outras organizações governamentais internacionais, organizações não governamentais e organismos financiadores. Conforme indicou Federico Mayor, o documento “representa um consenso mundial sobre as futuras orientações da educação das crianças e jovens com necessidades educativas especiais. A UNESCO tem orgulho em estar associada a esta Conferência e às suas importantes conclusões” (Declaração de Salamanca, 1994, p. iii-iv).

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[...] deveriam incluir crianças deficientes e superdotadas, crianças de rua e que trabalham, crianças de origem remota ou de população nômade, crianças pertencentes a minorias linguísticas, étnicas ou culturais, e crianças de outros grupos desavantajados ou marginalizados (DECLARAÇÃO DE SALAMANCA, 1994, p. 6).

A partir dessas orientações os movimentos organizados das pessoas com

algum tipo de deficiência ganhou força política para exigir do Estado ações mais

concretas e objetivas para garantir a educação.

É nessa perspectiva que podemos entender a ampliação das garantias legais

para a educação das pessoas com algum tipo de deficiência, na Lei n. 9394, de 20

de dezembro de 1996, a nossa atual LDB. O capítulo V trata da Educação Especial

e abrange dos artigos 58 a 60. A Lei estabeleceu que a educação especial deve ser

ofertada, “preferencialmente na rede regular de ensino, para educandos portadores

de necessidades especiais”, garantindo “serviços de apoio especializado, na escola

regular, para atender às peculiaridades da clientela de educação especial”. A

mesma Lei garante atendimento educacional especializado para os alunos que não

seja “possível a sua integração nas classes comuns de ensino regular”. Conforme

previsto pelo § 3º, do artigo 58 “A oferta de educação especial, dever constitucional

do Estado, tem início na faixa etária de zero a seis anos, durante a educação infantil”

(BRASIL, 2005, p. 50-51).

O artigo 59 definiu que os sistemas de ensino devem assegurar aos

educandos com necessidades especiais:

I - currículos, métodos, técnicas, recursos educativos e organização específicos, para atender às suas necessidades; II - terminalidade específica para aqueles que não puderem atingir o nível exigido para a conclusão do ensino fundamental, em virtude de suas deficiências, e aceleração para concluir em menor tempo o programa escolar para os superdotados; III - professores com especialização adequada em nível médio ou superior, para atendimento especializado, bem como professores do ensino regular capacitados para a integração desses educandos nas classes comuns; IV - educação especial para o trabalho, visando a sua efetiva integração na vida em sociedade, inclusive condições adequadas para os que não revelarem capacidade de inserção no trabalho competitivo, mediante articulação com os órgãos oficiais afins, bem como para aqueles que apresentam uma habilidade superior nas áreas artística, intelectual ou psicomotora; V - acesso igualitário aos benefícios dos programas sociais suplementares disponíveis para o respectivo nível do ensino

regular (BRASIL, 2005, p. 51).

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O artigo 60 garante a parceria entre o Estado e as “instituições privadas sem

fins lucrativos, especializadas e com atuação exclusiva em educação especial”,

garantindo apoio técnico e financeiro para o desenvolvimento de atividades

educativas. Todavia, o parágrafo único enfatizou que o Poder Público adotará

medidas para ampliar o “atendimento aos educandos com necessidades especiais

na própria rede pública regular de ensino, independentemente do apoio às

instituições previstas neste artigo” (BRASIL, 2005, p. 51).

Em 1999, o Brasil deu passos significativos em âmbito legal para avançar no

processo de inclusão. A primeira medida foi a criação do Conselho Nacional dos

Direitos da Pessoa Portadora de Deficiência – CONADE, no âmbito do Ministério da

Justiça, pelo Decreto nº 3.076, de 1º de junho de 1999.

Dentre algumas das competências do CONADE, previstas no artigo 2º,

destacamos:

I - zelar pela efetiva implantação e implementação da Política Nacional para Integração da Pessoa Portadora de Deficiência; II - acompanhar o planejamento e avaliar a execução das políticas setoriais de educação, saúde, trabalho, assistência social, política urbana e outras relativas à pessoa portadora de deficiência; III - acompanhar a elaboração e a execução da proposta orçamentária do Ministério da Justiça, sugerindo as modificações necessárias à consecução da Política Nacional para Integração da Pessoa Portadora de Deficiência; IV - zelar pela efetivação do sistema descentralizado e participativo dos direitos da pessoa portadora de deficiência; V - acompanhar e apoiar as políticas e as ações dos Conselhos dos Direitos da Pessoa Portadora de Deficiência no âmbito dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios (BRASIL. Decreto nº 3.076, de 1999).

Poucos meses depois, pelo Decreto nº 3.298, de 20 de dezembro de 1999, foi

apresentada uma nova “Política Nacional para a Integração da Pessoa Portadora de

Deficiência”, revogando a lei de 1993. A lei incorporou elementos previstos na

política anterior, indicando no artigo 4º, de forma bem detalhada, os tipos e graus de

deficiências a serem considerados: deficiência física, auditiva, visual, mental e

múltipla.

A deficiência mental foi classificada da seguinte forma no inciso IV:

Deficiência mental - funcionamento intelectual significativamente inferior à média, com manifestação antes dos dezoito anos e limitações associadas a duas ou mais áreas de habilidades

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adaptativas, tais como: a) comunicação, b) cuidado pessoal, c) habilidades sociais, d) utilização da comunidade, e) saúde e segurança, f) habilidades acadêmicas, g) lazer, h) trabalho (BRASIL.

Decreto nº 3.298 de 1999).

Depois da Declaração de Salamanca, a ONU continuou agindo em defesa da

inclusão. Em 1999 foi realizada a Convenção da Guatemala, sendo referendada pelo

Brasil, pelo Decreto nº 3.956, de 8 de outubro de 2001, pelo qual promulgou a

“Convenção Interamericana para a Eliminação de Todas as Formas de

Discriminação contra as Pessoas Portadoras de Deficiência”. A Convenção

referendou

(...) que as pessoas portadoras de deficiência têm os mesmos direitos humanos e liberdades fundamentais que outras pessoas e que estes direitos, inclusive o direito de não ser submetida à discriminação com base na deficiência, emanam da dignidade e da igualdade que são inerentes a todo ser humano (BRASIL. Decreto n. 3956, de 2001).

Este Decreto teve “importante repercussão na educação, exigindo uma

reinterpretação da educação especial, compreendida no contexto da diferenciação,

adotado para promover a eliminação das barreiras que impedem o acesso à

escolarização” (BRASIL. MEC/SEESP, 2008, p. 4). O mesmo Decreto atacou outro

ponto relevante a ser considerado que se refere ao “direito de opção expresso no

referido documento”, sobre o atendimento educacional especializado, que “só

poderá ocorrer mediante a aceitação da pessoa com deficiência ou responsável, não

sendo obrigatório” (LAZZERI, 2010, p. 21).

De acordo com os dados levantados para a elaboração do Plano Nacional de

Educação de 2001, em 1998, dos 5.507 Municípios brasileiros, 59,1% deles não

ofereciam educação especial. Dentre os estabelecimentos que ofereciam a

educação especial 48,2% eram das redes estaduais, 26,8% municipais; 24,8%

particulares e apenas 0,2% da rede federal. Todavia, ao considerar as matrículas

verificou-se que 53,1% eram ofertadas pela iniciativa privada; 31,3%, pela estadual;

15,2%, pela municipal e apenas 0,3%, pela federal. Pelos dados evidencia-se “que o

atendimento particular, nele incluído o oferecido por entidades filantrópicas” era

responsável por mais da metade de todas as matrículas na educação especial do

País (BRASIL. PNE, 2001, p. 84).

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Uma nova Convenção sobre os Direitos das Pessoas com Deficiência foi

convocada pela ONU, em 13 de dezembro de 2006, em reunião da Assembleia

Geral para comemorar o Dia Internacional dos Direitos Humanos. Nessa convenção

de caráter internacional, o Brasil foi signatário e parte integrante na construção, cujo

protocolo facultativo foi assinado em Nova York, em 30 de março de 2007, por 192

países9. Segundo Lazzeri, os principais princípios foram os seguintes:

respeito pela dignidade, independência e a autonomia individual, a não discriminação, a plena e efetiva participação e inclusão na sociedade, o respeito pela diferença, a igualdade de oportunidades, a acessibilidade, a igualdade entre o homem e a mulher e o respeito pelas capacidades das crianças com deficiência (2010, p. 23).

No início de 2008, o Ministério da Educação instituiu, por meio da Secretaria

de Educação Especial (SEESP), a Política Nacional de Educação Especial na

Perspectiva da Educação Inclusiva10. Segundo o documento:

A educação inclusiva constitui um paradigma educacional fundamentado na concepção de direitos humanos, que conjuga igualdade e diferença como valores indissociáveis, e que avança em relação à ideia de equidade formal ao contextualizar as circunstâncias históricas da produção da exclusão dentro e fora da

escola (BRASIL. MEC/SEESP, 2008, p. 1).

Por se tratar de Diretrizes, o documento estabeleceu alguns mecanismos para

a efetivação de forma mais plena da Educação Especial na perspectiva da Inclusão.

O documento avançou no atendimento das pessoas que apresentam deficiências

caracterizadas como transtornos globais de desenvolvimento e com altas

9 Considerando o Decreto Legislativo nº 186, de 9 de julho de 2008, aprovado pelo Congresso Nacional, a Presidência da República Promulgou o Decreto nº 6.949, de 25 de agosto de 2009, com status de Emenda constitucional adotando as decisões da Convenção Internacional sobre os Direitos das Pessoas com Deficiência e seu Protocolo Facultativo, assinados em Nova York, em 30 de março de 2007 (BRASIL. Decreto n. 6.949, de 2009). 10 Pelo Decreto nº 6.571, de 17 de setembro de 2008, o governo instituiu o atendimento educacional especializado nas escolas públicas. Conforme previsto no artigo 1º, “A União prestará apoio técnico e financeiro aos sistemas públicos de ensino dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios, na forma deste Decreto, com a finalidade de ampliar a oferta do atendimento educacional especializado aos alunos com deficiência, transtornos globais do desenvolvimento e altas habilidades ou superdotação, matriculados na rede pública de ensino regular”. Dentre as medidas previstas destacamos: “§ 1º Considera-se atendimento educacional especializado o conjunto de atividades, recursos de acessibilidade e pedagógicos organizados institucionalmente, prestado de forma complementar ou suplementar à formação dos alunos no ensino regular. § 2º O atendimento educacional especializado deve integrar a proposta pedagógica da escola, envolver a participação da família e ser realizado em articulação com as demais políticas públicas” (BRASIL. Decreto n. 6.571, de 2008).

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habilidades/superdotação. A pessoa com deficiência foi caracterizada pelo

documento como:

aquela que tem impedimentos de longo prazo, de natureza física, mental ou sensorial que, em interação com diversas barreiras, podem ter restringida sua participação plena e efetiva na escola e na sociedade. Os alunos com transtornos globais do desenvolvimento são aqueles que apresentam alterações qualitativas das interações sociais recíprocas e na comunicação, um repertório de interesses e atividades restrito, estereotipado e repetitivo. Incluem-se nesse grupo alunos com autismo, síndromes do espectro do autismo e psicose infantil. Alunos com altas habilidades/superdotação demonstram potencial elevado em qualquer uma das seguintes áreas, isoladas ou combinadas: intelectual, acadêmica, liderança, psicomotricidade e artes, além de apresentar grande criatividade, envolvimento na aprendizagem e realização de tarefas em áreas de seu interesse (BRASIL. MEC/SEESP, 2008, p. 09).

A Política Nacional enfatiza que “todo o professor do ensino regular deve

estar preparado para atender a toda e qualquer diversidade em sala de aula”

(LAZZERI, 2010, p. 32).

Os alunos com autismo e psicoses estavam inseridos nos Transtornos

Globais de Desenvolvimento (TGD), que também abrangia síndrome de Rett,

síndrome de Asperger, e transtornos invasivos em outra especificação.11 Para tanto,

elaborou orientações aos gestores e professores, com o propósito de garantir o

acesso ao ensino Comum. Dentre elas se destacam: a participação dos alunos na

aprendizagem e continuidade nos níveis mais elevados do ensino, a

transversalidade da educação especial, a oferta do atendimento educacional

especializado, a formação de professores, a participação da família e da

comunidade, bem como a acessibilidade e a articulação intersetorial na

implementação de políticas públicas (BRASIL. MEC/SEESP, 2008, p. 10-12).

Dessa forma, a educação especial perdeu espaço como sistema de ensino

independente, visto que sua prática exclusiva fere os preceitos da Política Nacional

de Educação Especial na Perspectiva da Educação Inclusiva. A educação especial

passou a ser vista como uma modalidade que perpassa todos os níveis de ensino,

constituindo sua transversalidade. Deste modo:

11 O conceito de Transtornos Globais do Desenvolvimento (TGD), passou a ser definido Transtorno do Espectro Autista – TEA pelo Manual Diagnóstico e Estatístico de Transtornos Mentais – DSM V elaborado pela American Psychiatric Association e publicado nos EUA em 2013. No TEA estão incluídos desde casos leves até severos. O mesmo manual incorporou o TEA dentro do grupo de Transtornos do Neurodesenvolvimento, visto que o autismo é um transtorno neurológico.

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O atendimento educacional especializado identifica, elabora e organiza recursos pedagógicos e de acessibilidade que eliminem as barreiras para a plena participação dos alunos, considerando suas necessidades específicas. As atividades desenvolvidas no atendimento educacional especializado diferenciam-se daquelas realizadas na sala de aula comum, não sendo substitutivas à escolarização. Esse atendimento complementa e/ou suplementa a formação dos alunos com vistas à autonomia e independência na

escola e fora dela (BRASIL. MEC/SEESP, 2008, p.10).

Segundo Lazzeri, o atendimento educacional especializado deve ser realizado

no contraturno ao do ensino regular, não podendo substituí-lo. Tal “atendimento tem

caráter complementar, sendo obrigatória a oferta nos sistemas de ensino que

acolhem alunos com deficiência, transtornos globais do desenvolvimento e altas

habilidades/superdotação” (2010, p. 33).

Ainda no final de 2008, foi promulgado o Decreto nº 6.571, de 17 de setembro

de 2008, que dispõe sobre o atendimento educacional especializado e regulamentou

o parágrafo único do art. 60, da Lei nº 9.394, de 20 de dezembro de 1996, no qual, o

governo se comprometeu a ampliar a oferta de educação especial na rede pública.

Conforme estabeleceu o artigo 1º do Decreto

A União prestará apoio técnico e financeiro aos sistemas públicos de ensino dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios, na forma deste Decreto, com a finalidade de ampliar a oferta do atendimento educacional especializado aos alunos com deficiência, transtornos globais do desenvolvimento e altas habilidades ou superdotação, matriculados na rede pública de ensino regular (BRASIL. Decreto n. 6571 de 2008).

O § 1º definiu o atendimento educacional especializado como o “conjunto de

atividades, recursos de acessibilidade e pedagógicos organizados

institucionalmente, prestado de forma complementar ou suplementar à formação dos

alunos no ensino regular”. Já o § 2º estabeleceu que, o “atendimento educacional

especializado deve integrar a proposta pedagógica da escola, envolver a

participação da família e ser realizado em articulação com as demais políticas

públicas” (BRASIL. Decreto n. 6.571 de 2008).

O artigo 2º definiu os objetivos a serem atingidos pela medida adotada:

I - prover condições de acesso, participação e aprendizagem no ensino regular aos alunos referidos no art. 1º;

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II - garantir a transversalidade das ações da educação especial no ensino regular; III - fomentar o desenvolvimento de recursos didáticos e pedagógicos que eliminem as barreiras no processo de ensino e aprendizagem; e IV - assegurar condições para a continuidade de estudos nos demais níveis de ensino (BRASIL. Decreto n. 6571, 2008).

Com o objetivo de regulamentar o Decreto 6.571 de 2008, a Câmara de

Educação Básica, do Conselho Nacional de Educação, expediu a Resolução n. 4, de

2 de outubro de 2009, que estabeleceu as diretrizes para o Atendimento

Educacional Especializado. Conforme previsto no artigo 1º da Resolução,

(...) os sistemas de ensino devem matricular os alunos com deficiência, transtornos globais do desenvolvimento e altas habilidades/superdotação nas classes comuns do ensino regular e no Atendimento Educacional Especializado (AEE), ofertado em salas de recursos multifuncionais ou em centros de Atendimento Educacional Especializado da rede pública ou de instituições comunitárias, confessionais ou filantrópicas sem fins lucrativos (BRASIL. MEC/CNE. Resolução n. 4, 2009, p. 1).

O artigo 2º definiu que o Atendimento Educacional Especializado “tem como

função complementar ou suplementar a formação do aluno por meio da

disponibilização de serviços, recursos de acessibilidade e estratégias que eliminem

as barreiras para sua plena participação na sociedade e desenvolvimento de sua

aprendizagem” (BRASIL. MEC/CNE. Resolução n. 4, 2009, p. 1).

A Resolução, no artigo 4º, inciso II caracterizou os autistas como:

Alunos com transtornos globais do desenvolvimento: aqueles que apresentam um quadro de alterações no desenvolvimento neuropsicomotor, comprometimento nas relações sociais, na comunicação ou estereotipias motoras. Incluem-se nessa definição alunos com autismo clássico, síndrome de Asperger, síndrome de Rett, transtorno desintegrativo da infância (psicoses) e transtornos invasivos sem outra especificação (BRASIL. MEC/CNE. Resolução n. 4, 2009, p. 1).

Conforme previsto no artigo 8º da Resolução, todos os alunos com algum tipo

de deficiência, atendidos de alguma forma na rede pública de ensino devem ser

computados, para receber os recursos do FUNDEB.12 A medida cobra dos sistemas

12 Sobre o recebimento dos recursos do FUNDEB para o atendimento de alunos com deficiência, o artigo 9º, do Decreto n. nº 6.571, de 2008 estabeleceu o seguinte: “A Admitir-se-á, a partir de 1º de janeiro de 2010, para efeito da distribuição dos recursos do FUNDEB, o cômputo das matriculas dos alunos da educação regular da rede pública que recebem atendimento educacional especializado, sem prejuízo do cômputo dessas matrículas na educação básica regular” (BRASIL. Decreto n. nº

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de ensino e das escolas ações concretas para garantir uma educação de qualidade

a todas as pessoas que apresentem algum tipo de deficiência.

A Presidência da República, por meio do Decreto nº 7.611, de 17 de

novembro de 2011, ampliou as ações do Estado para com a Educação Especial ao

estabelecer medidas para o Atendimento Educacional Especializado. Conforme

prevê o artigo 1º da referida Lei, o dever do Estado para com as pessoas que

necessitam de educação especial será efetivado a partir das seguintes diretrizes:

I - garantia de um sistema educacional inclusivo em todos os níveis, sem discriminação e com base na igualdade de oportunidades; II - aprendizado ao longo de toda a vida; III - não exclusão do sistema educacional geral sob alegação de deficiência; IV - garantia de ensino fundamental gratuito e compulsório, asseguradas adaptações razoáveis de acordo com as necessidades individuais; V - oferta de apoio necessário, no âmbito do sistema educacional geral, com vistas a facilitar sua efetiva educação; VI - adoção de medidas de apoio individualizadas e efetivas, em ambientes que maximizem o desenvolvimento acadêmico e social, de acordo com a meta de inclusão plena; VII - oferta de educação especial preferencialmente na rede regular de ensino; e VIII - apoio técnico e financeiro pelo Poder Público às instituições privadas sem fins lucrativos, especializadas e com atuação exclusiva em educação especial (BRASIL. Decreto n. 7.611, de 2011).13

O § 1º, do mesmo Decreto, incluiu as pessoas com transtornos globais do

desenvolvimento (TGD), entre eles os autistas, como beneficiários dessas ações do

Estado.

É notório o avanço dos direitos das pessoas com deficiência a partir desse

conjunto de ações implementadas pelo Estado. Todavia, para as pessoas com

Transtornos de Espectro Autista ainda estavam faltando medidas mais específicas.

6.571, de 2008). O artigo 8º, do Decreto nº 7.611, de 2011 introduziu a seguinte alteração: “Para efeito da distribuição dos recursos do FUNDEB, será admitida a dupla matrícula dos estudantes da educação regular da rede pública que recebem atendimento educacional especializado” (BRASIL. Decreto nº 7.611, de 2011). 13 No mesmo dia foi expedido o Decreto 7612, que instituiu o “Plano Nacional dos Direitos da Pessoa com Deficiência - Plano Viver sem Limite”, cujo artigo 1º estabeleceu o seguinte: “Fica instituído o Plano Nacional dos Direitos da Pessoa com Deficiência - Plano Viver sem Limite, com a finalidade de promover, por meio da integração e articulação de políticas, programas e ações, o exercício pleno e equitativo dos direitos das pessoas com deficiência, nos termos da Convenção Internacional sobre os Direitos das Pessoas com Deficiência e seu Protocolo Facultativo, aprovados por meio do Decreto Legislativo nº 186, de 9 de julho de 2008, com status de emenda constitucional, e promulgados pelo Decreto nº 6.949, de 25 de agosto de 2009”. (BRASIL. Decreto nº 7.612, de 2011).

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Depois de intensas lutas das associações de pais de autistas e de profissionais que

abraçaram a causa dos autistas, a vitória veio no final de 2012, quando a

Presidência da República sancionou a Lei n. 12.764, de 27 de dezembro de 2012,

nominada de Lei Berenice Piana14, mãe de autista, que se empenhou bravamente

pela causa do autismo. A Lei instituiu a “Política Nacional de Proteção dos Direitos

da Pessoa com Transtorno do Espectro Autista”.15

Conforme estabelece o artigo 1º, a Lei:

§ 1º Para os efeitos desta Lei, é considerada pessoa com transtorno do espectro autista aquela portadora de síndrome clínica caracterizada na forma dos seguintes incisos I ou II: I - deficiência persistente e clinicamente significativa da comunicação e da interação sociais, manifestada por deficiência marcada de

14 A Lei 12.764, que instituiu a Política Nacional de Proteção aos Autistas foi resultado da luta coletiva dos pais e associações de pais. Ao levantar informações sobre o movimento que deu origem à Lei, identificamos a atuação individual de vários pais, que ao lutarem pelo diagnóstico e tratamento de seus filhos, foram produzindo ações que extrapolaram os interesses familiares, construindo-se num movimento ampliado. Dentre esses pais podemos destacar Berenice Piana e Ulisses Costa, que acabaram se conhecendo no processo de luta. Costa (2013) relata que tomou várias iniciativas para garantir o atendimento dos autistas na promotoria do Estado do Rio de Janeiro e no Ministério Público Federal, chegando a denunciar o Brasil na Organização dos Estados Americanos. Paralelo a luta judicial iniciou o movimento pela aprovação de uma lei no âmbito do Município do Rio de Janeiro em 2007. Piana iniciou o movimento para a aprovação de uma lei em nível do Estado do Rio de Janeiro. Foi nesse momento que se conheceram: “Nesse tempo, conheci Ulisses da Costa Batista, que já estava na luta e seguimos juntos pelo mesmo caminho. Ele já estava em contato com o senador Cristovam Buarque, e tentava uma audiência. Fui em frente, apoiada então por Ulisses, grande e valoroso companheiro incansável!” (PIANA, 2012, p. 40). Os pais conseguiram o apoio do Senador Paulo Paim, que assumiu a proposta e convocou uma audiência pública para discutir o problema dos autistas no Brasil. Na oportunidade, diversos pais de todo o Brasil participaram do debate. Conforme indicou Costa: “O senador Paim ficou muito emocionado com tudo o que foi relatado. Ao final de nossa ‘Histórica Audiência’, concluiu que seríamos nós, os pais, os familiares e as associações ligadas aos direitos das pessoas com autismo, que iríamos fazer a lei de proteção dos direitos das pessoas com autismo no Brasil, confiando a nós esta missão” (2013, p. 101). Conforme Piana (2014), o grupo se reuniu inicialmente na sua casa e construiu uma primeira versão do projeto, o qual foi entregue em março de 2010 para o senador Paim. O projeto tramitou pelas diversas comissões no Senado e na Câmara, sob a constante vigilância dos pais, que por diversas vezes tiveram que ir a Brasília, para responder aos questionamentos ou destravar o projeto nas comissões. O projeto foi aprovado de forma definitiva na sessão de 05 de dezembro de 2012, sendo sancionado pela presidenta Dilma em 27 de dezembro de 2012. Segundo Costa, o nome Berenice Piana foi uma homenagem às mães. “Esta mãe lutou como alguém que ‘luta pela vida de seus filhos’. Foi várias vezes a Brasília, representando a todos nós, pais e familiares, para defender o texto original que havíamos redigido, investindo sua vida neste ideal” (2013, p. 111). 15 Em consulta ao portal da Câmara dos Deputados, constatamos que a primeira vez que a palavra autista apareceu na legislação brasileira foi em 1991, quando foi concedida Declaração de utilidade pública federal para a ASSOCIAÇÃO DE AMIGOS DO AUTISTA, com sede na cidade de São Paulo, cujo processo havia sido iniciado em 1986. A palavra autismo só apareceu na legislação em 2012, quando da aprovação da Política Nacional de Proteção dos Direitos da Pessoa com Transtorno do Espectro Autista. O termo autismo apareceu no documento Política Nacional de Educação Especial na Perspectiva da Educação Inclusiva, de 2008, todavia tal documento não chegou a se constituir como lei, pois foi elaborado pelo Grupo de Trabalho nomeado pela Portaria do Ministério da Educação nº 555, de 2007. Tornou-se uma política adotada pelo MEC, mas não se transformou em lei.

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comunicação verbal e não verbal usada para interação social; ausência de reciprocidade social; falência em desenvolver e manter relações apropriadas ao seu nível de desenvolvimento; II - padrões restritivos e repetitivos de comportamentos, interesses e atividades, manifestados por comportamentos motores ou verbais estereotipados ou por comportamentos sensoriais incomuns; excessiva aderência a rotinas e padrões de comportamento ritualizados; interesses restritos e fixos. § 2º A pessoa com transtorno do espectro autista é considerada pessoa com deficiência, para todos os efeitos legais (BRASIL. Decreto n. 12.764, de 2012).

Além de instituir a Política Nacional de Proteção dos Direitos da Pessoa com

Transtorno do Espectro Autista, a Lei estabeleceu diretrizes para sua consecução,

definidos no artigo 2º:

I - a intersetorialidade no desenvolvimento das ações e das políticas e no atendimento à pessoa com transtorno do espectro autista; II - a participação da comunidade na formulação de políticas públicas voltadas para as pessoas com transtorno do espectro autista e o controle social da sua implantação, acompanhamento e avaliação; III - a atenção integral às necessidades de saúde da pessoa com transtorno do espectro autista, objetivando o diagnóstico precoce, o atendimento multiprofissional e o acesso a medicamentos e nutrientes; IV - (VETADO);16 V - o estímulo à inserção da pessoa com transtorno do espectro autista no mercado de trabalho, observadas as peculiaridades da deficiência e as disposições da Lei nº 8.069, de 13 de julho de 1990 (Estatuto da Criança e do Adolescente); VI - a responsabilidade do poder público quanto à informação pública relativa ao transtorno e suas implicações; VII - o incentivo à formação e à capacitação de profissionais especializados no atendimento à pessoa com transtorno do espectro autista, bem como a pais e responsáveis; VIII - o estímulo à pesquisa científica, com prioridade para estudos epidemiológicos tendentes a dimensionar a magnitude e as características do problema relativo ao transtorno do espectro autista no País (BRASIL. Lei n. 12.764, de 2012).

O artigo 3º definiu como direitos das pessoas com transtorno do espectro

autista:

16 As justificativas para o veto do dispositivo IV foram: "Ao reconhecer a possibilidade de exclusão de estudantes com transtorno do espectro autista da rede regular de ensino, os dispositivos contrariam a Convenção Internacional sobre os Direitos das Pessoas com Deficiência, internalizada no direito brasileiro com status de emenda constitucional. Ademais, as propostas não se coadunam com as diretrizes que orientam as ações do poder público em busca de um sistema educacional inclusivo, com atendimento educacional especializado nas formas complementar e suplementar” (BRASIL. Mensagem 606, de 2012).

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I - a vida digna, a integridade física e moral, o livre desenvolvimento da personalidade, a segurança e o lazer; II - a proteção contra qualquer forma de abuso e exploração; III - o acesso a ações e serviços de saúde, com vistas à atenção integral às suas necessidades de saúde, incluindo: o diagnóstico precoce, ainda que não definitivo; o atendimento multiprofissional; a nutrição adequada e a terapia nutricional; os medicamentos; informações que auxiliem no diagnóstico e no tratamento. [Estabeleceu ainda o acesso a]: à educação e ao ensino profissionalizante; à moradia, inclusive à residência protegida; ao mercado de trabalho; à previdência social e à assistência social (BRASIL. Lei n. 12.764, de 2012).

No Parágrafo único, do mesmo artigo ficou estabelecido que nos casos em

que ficar “comprovada necessidade, a pessoa com transtorno do espectro autista

incluída nas classes comuns de ensino regular, nos termos do inciso IV do art. 2º,

terá direito a acompanhante especializado”. Ou seja, a presença de um professor

mediador para auxiliar no processo de aprendizagem e socialização.

A Lei prevê ainda que a “pessoa com transtorno do espectro autista não será

submetida a tratamento desumano ou degradante”, nem “será privada de sua

liberdade ou do convívio familiar” ou sofrer “discriminação por motivo da

deficiência”. Garante direito a plano de saúde e assistência.

O artigo 7º estabeleceu que o “gestor escolar, ou autoridade competente, que

recusar a matrícula de aluno com transtorno do espectro autista, ou qualquer outro

tipo de deficiência, será punido com multa de 3 (três) a 20 (vinte) salários-mínimos”

(BRASIL. Lei n. 12.764, de 2012).

Com o objetivo de garantir a aplicabilidade da lei n. 12.764, de 27 de

dezembro de 2012, o Ministério da Educação, pela Secretaria de Educação

Continuada, Alfabetização, Diversidade e Inclusão – Diretoria de Políticas de

Educação Especial expediu a Nota Técnica n. 24, de 21 de março de 2013, como

Orientação aos Sistemas de Ensino para a implantação da Lei n. 12.764/2012, que

instituiu a Política Nacional de Proteção dos Direitos da Pessoa com transtorno do

Espectro Autista.

O documento reforça o caráter de intersetorialidade na gestão das políticas

públicas, garantindo aos autista, educação, saúde, assistência, direitos humanos,

transporte, trabalho entre outros direitos. O mesmo documento estimula a

participação da comunidade e das associações de pais na formulação de tais

políticas. A nota técnica enfatiza que:

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A implementação da diretriz referente à inserção das pessoas com transtorno do espectro autista no mercado de trabalho remete ao princípio da política de inclusão escolar das pessoas com deficiência, cuja finalidade é assegurar o acesso à educação em todos os níveis, etapas e modalidades, promovendo as condições para sua inserção educacional, profissional e social. É fundamental reconhecer o significado da inclusão para que as pessoas com transtorno do espectro autista tenham assegurado seu direito à participação nos ambientes comuns de aprendizagem, construindo as possibilidades de inserção no mundo do trabalho (BRASIL. MEC.NOTA TÉCNICA n. 24, de 2013).

Depois de quatro anos de intensos debates oriundos de duas conferências

nacionais e de diversas mobilizações da sociedade civil, por mais investimentos e

qualidade na educação nacional, foi aprovada e sancionada a Lei n. 13.005, de 25

de junho de 2014, que instituiu o Plano Nacional de Educação (PNE), com vigência

até 2024. O PNE estabeleceu ações específicas para as pessoas com necessidades

especiais, sintetizadas na Meta 4. Conforme o texto da Lei, a meta é:

universalizar, para a população de 4 (quatro) a 17 (dezessete) anos com deficiência, transtornos globais do desenvolvimento e altas habilidades ou superdotação, o acesso à educação básica e ao atendimento educacional especializado, preferencialmente na rede regular de ensino, com a garantia de sistema educacional inclusivo, de salas de recursos multifuncionais, classes, escolas ou serviços especializados, públicos ou conveniados (BRASIL. Lei n. 13.005, de 2014).

Para dar conta de cumprir a meta foram estabelecidas 19 estratégias que

abarcam temas como: financiamento, avaliação de políticas, formação inicial e

continuada de professores, pesquisas sobre métodos e metodologias, produção de

materiais didáticos, investimentos em tecnologias assistivas, parcerias com

instituições públicas e comunitárias etc.

Pelo Decreto nº 8.368, de 2 de dezembro de 2014, a presidência da república

regulamentou a Lei nº 12.764, de 27 de dezembro de 2012, que instituiu Política

Nacional de Proteção dos Direitos da Pessoa com Transtorno do Espectro Autista. O

parágrafo único do artigo 1º estabeleceu o seguinte:

Aplicam-se às pessoas com transtorno do espectro autista os direitos e obrigações previstos na Convenção Internacional sobre os Direitos da Pessoa com Deficiência e seu Protocolo Facultativo, promulgados pelo Decreto nº 6.949, de 25 de agosto de 2009, e na legislação

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pertinente às pessoas com deficiência (BRASIL. Decreto nº 8.368, de 2014).

O artigo 2º garantiu “à pessoa com transtorno do espectro autista o direito à

saúde no âmbito do Sistema Único de Saúde – SUS” e estabeleceu as atribuições

do Ministério da Saúde para efetivá-las. Já o artigo 3º garantiu a proteção social.

O direito à educação consta no artigo 4º da seguinte forma:

É dever do Estado, da família, da comunidade escolar e da sociedade assegurar o direito da pessoa com transtorno do espectro autista à educação, em sistema educacional inclusivo, garantida a transversalidade da educação especial desde a educação infantil até a educação superior (BRASIL. Decreto nº 8.368, de 2014).

A base para essa garantia é o que foi incorporado à Constituição Federal pela

promulgação do Decreto nº 6.949, de 25 de agosto de 2009, que adotou as decisões

da Convenção Internacional sobre os Direitos da Pessoa com Deficiência de 2006.

O parágrafo 2º do mesmo artigo assegura que:

Caso seja comprovada a necessidade de apoio às atividades de comunicação, interação social, locomoção, alimentação e cuidados pessoais, a instituição de ensino em que a pessoa com transtorno do espectro autista ou com outra deficiência estiver matriculada disponibilizará acompanhante especializado no contexto escolar, nos termos do parágrafo único do art. 3º da Lei nº 12.764, de 2012 (BRASIL. Decreto nº 8.368, de 2014).

O artigo 5º permite ao Ministério da Educação aplicar multa ao gestor escolar

que se negar a matricular uma pessoa com diagnóstico de autismo (BRASIL.

Decreto nº 8.368, de 2014).

Pela Lei n. 13.146, de 6 de julho de 2015, foi sancionada a “Lei Brasileira de

Inclusão da Pessoa com Deficiência”, conhecida como “O Estatuto da Pessoa com

Deficiência”, constituindo-se numa ampla base legal que garante os direitos das

pessoas com deficiência no Brasil. O Estatuto define como direitos fundamentais das

pessoas com deficiência: a vida, a habilitação e a reabilitação, a saúde, a educação,

a moradia e o trabalho. Nesse conjunto de direitos fundamentais estão previstas as

condições de assistência e previdência, cultura, esporte, lazer, turismo, mobilidade,

acessibilidade etc. (BRASIL. Lei nº 13.146, de 2015).

A Lei Brasileira de Inclusão (LBI) avançou significativamente nas garantias

educacionais das pessoas com deficiência. O artigo 27 estabeleceu o seguinte:

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A educação constitui direito da pessoa com deficiência, assegurados sistema educacional inclusivo em todos os níveis e aprendizado ao longo de toda a vida, de forma a alcançar o máximo desenvolvimento possível de seus talentos e habilidades físicas, sensoriais, intelectuais e sociais, segundo suas características, interesses e necessidades de aprendizagem. Parágrafo único. É dever do Estado, da família, da comunidade escolar e da sociedade assegurar educação de qualidade à pessoa com deficiência, colocando-a a salvo de toda forma de violência, negligência e discriminação (BRASIL. Lei nº 13.146, de 2015).

Pelo artigo 28, o poder público de “assegurar, criar, desenvolver, implementar,

incentivar, acompanhar e avaliar” diversas ações relativas ao processo educacional

das pessoas com deficiência, dentre elas destacamos:

I - sistema educacional inclusivo em todos os níveis e modalidades, bem como o aprendizado ao longo de toda a vida; II - aprimoramento dos sistemas educacionais, visando a garantir condições de acesso, permanência, participação e aprendizagem, por meio da oferta de serviços e de recursos de acessibilidade que eliminem as barreiras e promovam a inclusão plena; III - projeto pedagógico que institucionalize o atendimento educacional especializado, assim como os demais serviços e adaptações razoáveis, para atender às características dos estudantes com deficiência e garantir o seu pleno acesso ao currículo em condições de igualdade, promovendo a conquista e o exercício de sua autonomia; [...]; V - adoção de medidas individualizadas e coletivas em ambientes que maximizem o desenvolvimento acadêmico e social dos estudantes com deficiência, favorecendo o acesso, a permanência, a participação e a aprendizagem em instituições de ensino; VI - pesquisas voltadas para o desenvolvimento de novos métodos e técnicas pedagógicas, de materiais didáticos, de equipamentos e de recursos de tecnologia assistiva; VII - planejamento de estudo de caso, de elaboração de plano de atendimento educacional especializado, de organização de recursos e serviços de acessibilidade e de disponibilização e usabilidade pedagógica de recursos de tecnologia assistiva; VIII - participação dos estudantes com deficiência e de suas famílias nas diversas instâncias de atuação da comunidade escolar; [...]; X - adoção de práticas pedagógicas inclusivas pelos programas de formação inicial e continuada de professores e oferta de formação continuada para o atendimento educacional especializado; [...]; XIII - acesso à educação superior e à educação profissional e tecnológica em igualdade de oportunidades e condições com as demais pessoas; [...]; XVII - oferta de profissionais de apoio escolar; [...] (BRASIL. Lei nº 13.146, de 2015).

A LBI ou Estatuto da Pessoa com Deficiência foi/é mais uma conquista

histórica dos movimentos organizados das ou/para as pessoas com deficiência.

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Constitui-se numa base legal sólida que pode permitir vários avanços na qualidade

de vida das pessoas com deficiência.17

Nesta breve análise sobre a trajetória da Educação Especial, especialmente

voltada para as pessoas com problemas mentais (Transtornos de Espectro Autistas)

ficaram evidentes as conquistas, no plano das leis nos anos recentes. Todavia, é

preciso destacar que o direito das pessoas com deficiência (entre eles os Autistas) à

educação, saúde, assistência entre outros, foi conquistado com muita luta das

famílias e dos movimentos organizados das pessoas com ou/para deficiência. No

caso dos autistas, a luta se deu efetivamente pelas associações de pais e amigos.

Não posso deixar de enfatizar que, dentro dos grupos/tipos de deficiência, que são

sujeitos das políticas públicas de inclusão, as pessoas com Transtornos de

Espectros Autistas foram as últimas a serem reconhecidas como deficientes e

beneficiárias/atendidas com tais políticas.

As conquistas legais apontadas neste capítulo foram/são muito significativas

para as pessoas com deficiências e seus familiares, todavia, temos consciência dos

desafios a serem enfrentados. Nesse sentido, concordamos com Carvalho e Martins,

quando afirmam que,

as dificuldades em relação à inclusão ultrapassam a esfera da deficiência para encontrar respostas no próprio modelo de sociedade em que se estabelecem. Ainda que se busque a inclusão por meio de leis e mecanismos que insiram o deficiente no livre mercado e na escola, sua condição de desigualdade o acompanhará dentro desses sistemas, uma vez que real e concretamente, inexistem as condições objetivas para, uma real inclusão social (2012, p. 31).

Ou seja, a vitória obtida nos últimos anos, enfatizo, com muita luta, é apenas

parte da luta, pois, agora o desafio é garantir a aplicabilidade das leis.18 Ou seja,

17 Em entrevista, questionei Deusina Lopes da Cruz sobre a encaminhamentos a serem seguidos a partir desse conjunto de leis e ela assim se manifestou: “Eu acho que os esforços das famílias, das Associações de Pais e dos Autistas, devem ser no sentido de se apropriarem deste arcabouço legal e participarem da implantação de serviços especializados, mas não necessariamente específicos para os autistas e suas famílias. Não temos outra saída a não ser utilizarmos a legislação, fazer capacitações e andar nessa direção” (LOPES, 2015). 18 Ao entrevistar Berenice Piana, perguntei a ela como avalia o processo depois da aprovação da Lei, que impacto teve positivamente ou negativamente, de 2012 para cá? “Bom, eu tenho que olhar sempre para os dois lados. O lado positivo foi que o movimento cresceu em torno dessa Lei. As famílias acordaram. O aspecto negativo é que infelizmente nesse país tudo acontece ao contrário, quando não há interesse que beneficie o Congresso ou o Governo eles não se mexem. Então os pais estão tendo que entrar na justiça pleiteando os seus direitos. A Lei não está acontecendo como deveria. Não aconteceu absolutamente nada. Eles não cumpriram a Lei e os pais que estão conseguindo algum benefício, né, um tratamento, medicamento ou qualquer outra coisa, eles estão

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fazer com que as pessoas, especialmente, as crianças sejam atendidas/beneficiadas

com educação de qualidade, garantindo a plena inclusão na escola e na sociedade.

No capítulo seguinte vamos conhecer um pouco da trajetória de duas

instituições que lutam pela causa dos autistas.

indo pelo jurídico. Eles vão no Ministério Público, denunciam, apresentam a Lei e, aí sim, eles começam a conseguir alguma coisa que não deveria ser assim, que deveria ser diferente. O governo sancionou uma lei e deveria fazer a Lei acontecer” (Piana, 2014).

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CAPÍTULO III

A TRAJETÓRIA DAS ASSOCIAÇÕES DE PAIS: AMA-SP E APADV DE DOIS

VIZINHOS-PR

Neste capítulo procurei trazer à tona a história de duas instituições que

trabalham com autistas, com o objetivo de identificar as dificuldades e desafios

enfrentados nas suas organizações. As instituições escolhidas foram a Associação

dos Amigos dos Autistas (AMA-SP), da Cidade de São Paulo e a Associação de

Proteção dos Autistas de Dois Vizinhos (APADV), do Município de Dois Vizinhos, no

Estado do Paraná.

Alguém poderia perguntar o porquê da escolha dessas instituições. A AMA-

SP é a primeira associação de proteção aos autistas do Brasil, tendo decorrido mais

de 30 anos de sua fundação. É referência para todo o Brasil, tanto para apoio e

atendimento para os autistas e seus familiares, quanto para a formação de

profissionais que trabalham ou pretendem trabalhar com autistas.

A APADV é uma instituição ainda nova, com apenas 7 anos de existência,

localizada num pequeno município do Sudoeste do Paraná, que acolhe pessoas

autistas e dá apoio aos familiares. Há imensas diferenças quanto ao tempo de

fundação, localização e porte das instituições, porém, ambas têm objetivos

semelhantes, os de lutar pela causa do autismo e pelo bem-estar dos autistas.

As duas instituições, nasceram por iniciativa de pais que tinham a

necessidade de um local que oferecesse tratamento adequado aos seus filhos

autistas. As instituições representam a história de mães, que angustiadas pela

realidade vivida, não se deram por vencidas, nem acreditaram nas previsões de

médicos, que indicavam que a melhor escolha seria um internamento clínico. Ambas

expressam a história de mães e pais que saíram de um anonimato “autístico” e

fundaram as instituições, que hoje são referência de atendimento à pessoa com

autismo.

A TRAJETÓRIA DA AMA-SP

Na minha busca por formação e conhecimento sobre a temática do autismo,

visitei a AMA-SP entre 17 e 21 de março de 2014 e tive a oportunidade de

frequentar um curso, de 40 horas com o nome de Treinamento Educacional do

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Modelo AMA. Na oportunidade aproveitei para levantar dados sobre a instituição,

consegui livros, cartilhas, fichas etc. e tirei várias fotos sobre o modelo educacional

do AMA. Além disso, conversei com as fundadoras da AMA. Essa semana, para

mim, foi de riquíssima experiência, pois, até então nunca tinha entrado em contato

com tantas pessoas autistas em seus mais diferentes graus.

Um ano após esse curso, retornei a São Paulo com o objetivo de realizar

entrevistas e conhecer um pouco mais sobre a AMA e a AUMA19, outra importante

instituição que atende autistas, mas que tem outro perfil pedagógico. Apesar de não

ser meu foco de pesquisa, não deixei de entrevistar a sua fundadora e conhecer a

instituição.

Nessa visita conversei com Ana Maria Mello, uma das mães fundadoras da

AMA-SP, solicitando uma entrevista sobre a história da instituição. Ela me orientou a

consultar o livro Retratos do Autismo no Brasil, organizado por ela e publicado em

201320, afirmando que estavam ali todos os fatos históricos mais significativos da

história da AMA. Sendo assim, optei por seguir o seu conselho e utilizei a referida

obra, como base principal, para relatar parte da história da Associação dos Amigos

dos Autistas de São Paulo (AMA-SP), neste estudo. Todavia, me utilizo também de

outras fontes, como matérias do Jornal Folha de São Paulo (JFSP), Revista Veja

(RV), entre outras, para dar mais dinâmica à história.

Ana Maria Mello inicia o capítulo sobre a história da AMA, reproduzindo uma

carta de sua autoria publicada no Jornal O Estado de São Paulo, intitulada de

“Autismo (Síndrome ou doença?)”, datada de 22 de outubro de 1985, pela qual

relatou a situação dos autistas e suas famílias revelando o quanto era difícil e

esgotante a tarefa de cuidar de um filho com autismo. No conteúdo da carta

destacou a insegurança da instituição recém-fundada, pedindo o apoio dos órgãos

públicos governamentais, e paciência da sociedade para com seus filhos autistas.

19 Na Associação dos Amigos da Criança Autista - AUMA entrevistei Eliana Borali e perguntei sobre o porquê da fundação da Associação: “O amor a minha filha, ela vai fazer 29 anos dia 1° de março. Se hoje ainda existe tanta polêmica, tanto questionamento, falta de informação e dificuldade na formatação do diagnóstico, imagine há quase 30 anos atrás. Então como eu queria dar a ela uma oportunidade, assim que ela recebeu o diagnóstico eu não encontrava escola, eu queria que ela tivesse escola, que ela tivesse uma chance na vida. Eu fundei a associação para dar a ela essa oportunidade, esta chance. 20 O livro Retratos do Autismo no Brasil, foi escrito por Ana Maria S. Ros de Mello; Maria América Andrade; Helena Chen Ho e Inês de Souza Dias e impresso em 2013, na Gráfica do AMA-SP, sendo financiada com recursos do Governo Federal e com distribuição gratuita. O capítulo 1 (p. 21-35), foi escrito por Ana Maria S. Ros de Mello, que traz e registra a história do AMA-SP.

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Lamentava que tão incerto como o futuro dos filhos autistas era também o da recém-

fundada AMA. Terminou sua carta com o seguinte apelo.

Somos 200 mil brasileiros que estendem as mãos – os 60 mil autistas, e suas famílias. Nem tantos que seja impossível socorrer, nem tão poucos que não valha a pena pensar. Ana Maria Serrajordia Ros de Mello, presidente da Associação de Amigos do Autista (2013, p.18).

Como em muitos outros casos a AMA-SP nasceu do encontro dos pais em

busca de um diagnóstico para o problema de seus filhos. Nesse caso em especial,

Ana Maria Melo e os outros pais, puderam contar com o apoio do médico psiquiatra

Dr. Raymond Rosenberg, que incentivou as famílias a se reunirem em seu próprio

consultório num primeiro momento, mas também já recomendou/aconselhou a

encontrarem o próprio caminho, para poderem assim ajudar os filhos.

Para piorar a tensão emocional das mães, naquela época, a maioria dos

médicos atribuía a origem do autismo a um relacionamento frio e racional por parte

da mãe, então denominada “mãe-geladeira”21.

Depois de alguns encontros no consultório do médico, a AMA foi fundada

oficialmente, no dia 8 de agosto de 1983, sendo a 1ª. entidade registrada no Brasil,

com foco específico no autismo. Após a fundação da AMA, um dos pontos centrais a

ser definido entre os pais, foi se o atendimento se daria somente aos filhos dos

fundadores ou se deveriam ajudar direta e indiretamente outras famílias. Segundo

ela, escolheram a segunda opção. (2013, p. 22). A notícia da fundação da AMA foi

21 O termo psicanalítico mãe-geladeira foi um rótulo atribuído às mães de crianças autistas, quando se acreditava que elas poderiam ser a causa do autismo de seus filhos, por serem afetivamente frias. O psiquiatra Leo Kanner, em 1943, o primeiro a descrever o autismo, explicitou sua observação clínica de que as crianças autistas possuíam, em geral, pais muito inteligentes, mas pouco calorosos. Porém, Kanner apenas apontou uma associação, o que não implicava causalidade (é mais provável que a frieza dos pais fosse consequência da ausência de retorno das crianças ao afeto que dedicavam a elas). Coube ao psicanalista Bruno Bettelheim a popularização do termo e da teoria. Em seus artigos nos anos 1950 e 1960, e mais explicitamente no seu livro "The empty fortress" ("A fortaleza vazia"), Bettelheim popularizou a ideia de que o autismo seria causado pela indiferença da mãe em relação à criança. Assim como Kanner, Bettelheim ignorou o fato de que estas mesmas mães teriam outros filhos não autistas. Kanner posteriormente se disse mal compreendido e tentou se retratar no seu livro "Em defesa das mães". Nos anos 1970, uma série de pesquisas comprovaram que o autismo é um quadro neurobiológico, que acomete os mecanismos cerebrais básicos de sociabilidade. Hoje, sabe-se que o autismo tem diversas causas, ou etiologias, sendo as genéticas as principais. Ainda hoje há quem acredite na teoria psicogênica do autismo, julgando que essa condição é o resultado de maus pais ou de uma falha na função materna. Essa explicação carece completamente de quaisquer bases científicas. Fontes: Wikipédia, a enciclopédia livre. Disponível em: https://pt.wikipedia.org/wiki/Mãe-geladeira Acessado em 17/10/2015.

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registrada no Jornal Folha de São Paulo (JFSP)22 alguns dias depois, com o

seguinte título: “Pais de autistas criam associação”. Conforme a matéria, a

Associação foi fundada por 11 casais. O principal objetivo da entidade era o de

“estabelecer um canal da comunicação entre os pais de crianças autistas, já que o

bom relacionamento familiar é considerado de extrema importância para uma rápida

recuperação”. O autor da matéria entrevistou o psiquiatra Rosenberg, o qual

enfatizou que a AMA era uma “iniciativa inédita no Brasil”. Segundo Rosenberg, no

Brasil, “os pais não encontram locais para atender seus filhos. ‘Na associação eles

podem trocar experiências e buscar em conjunto caminhos alternativos de

educação’”23 (JFSP, 16/03/1983, p. 14).

Segundo Mello, na época já havia outros grupos de pais se organizando em

outras cidades, mas não chegaram a registrar legalmente as instituições. Isso fica

evidenciado no estudo de Gauderer, publicado em 1985, no qual indicou que havia,

além do AMA-SP, associações de pais e amigos de autistas em Belo Horizonte e

Rio de Janeiro. Segundo seus registros, eram 18 entidades no mundo, incluindo as 3

do Brasil e na sua maioria fundadas por pais. (1985, p.188-9).

Ana Maria relatou que o início dos trabalhos foi repleto de dúvidas, angústias

e incertezas, pois as técnicas de apoio e os materiais publicados eram poucos e,

alguns deles ainda serviam para deixá-los mais inseguros, pois os conhecimentos

sobre o autismo eram incipientes. (2013, p. 22).

De acordo com Mello, o ano de 1984 foi muito significativo para o

reconhecimento e expansão da AMA. Depois da fundação, novas famílias se

agregavam ao grupo, como evidencia a matéria “Famílias de autistas formam

associação para tratar filhos”, publicada na Folha de São Paulo, no dia 19 de

fevereiro de 1984, de autoria da jornalista Marina Teixeira de Mello. Conforme texto

da matéria já eram 79 famílias que se uniram para “criar sua própria escola –

primeiro núcleo para um trabalho mais amplo no futuro”. Na ocasião, Dora,

representando a AMA argumentou: “Já temos uma sala cedida pelo pastor Manuel

22 Nas referências usarei a sigla JFSP, para facilitar a leitura, seguida de data e página da matéria. 23 Segundo uma matéria publicada na Folha de São Paulo, com o título: “Criança autista já pode fazer tratamento em SP”, datada de 3 de junho de 1982. Depois de descrever a situação de um menino autista, informou que a psicóloga Cristina Maria Savóia Hernandes e sua colega Heloisa Botelho, fundaram uma clínica especializada em autismo, denominada de “Integração – Núcleo de Desenvolvimento Infantil”. Segundo a matéria, a clínica desenvolvia um trabalho pioneiro no Brasil atendendo 4 crianças autistas “durante o dia, como se estivessem numa escola, em período integral ou meio período” (JFSP, 03/06/1982, p. 18).

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Thé, pertencente a nossa entidade”, uma equipe de especialistas, só faltam os

recursos. Dora aproveitou o espaço para pedir apoio e ajuda de empresas e

pessoas física e afirmou: Vamos lutar para obter a ajuda do governo” (JFSP,

19/02/1984, p. 21).

De acordo com os registros de Ana Maria Mello, a referida

matéria/reportagem, com chamada na primeira página, produziu os efeitos

esperados trazendo novas famílias de autistas e ajuda para ampliar os

atendimentos. Evidenciamos isso pela reportagem da Folha de SP, de 15 de maio

de 1984, intitulada de “Os pequenos autistas vão à escola e dão um passo para a

recuperação”, a qual informa que o pastor Manuel Thé emprestou o quintal da sua

igreja para servir de escola para a AMA, nascendo aí a primeira unidade de

atendimento, o Núcleo de Aprendizagem da AMA (NAAMA) (JFSP, 15/05/1984, p.

20).

Outro importante acontecimento no ano de 1984, destacado por Ana Maria

Mello, foi o I Encontro de Amigos de Autistas, realizado entre 23 e 25 de novembro,

o qual contou com a participação e o incentivo da presidente da Associação de Pais

de Crianças Autistas da Espanha, Isabel Bayonas Ibarra. A Folha de SP noticiou

esse fato com a reportagem “Espanha apoia educação de autistas”. Segundo a

matéria, Isabel Bayonas “antecipou sua vinda para entrar em contato com o governo

brasileiro e tentar sensibilizá-lo para que assuma, como na Espanha, o grave

problema que é a educação e integração de uma criança autista” (JFSP, 17/11/1984,

p. 19).

Segundo Ana Maria Mello, o encontro de 1984,

foi importante por nos mostrar que havia muitas pessoas interessadas e que havia mais pessoas solidárias do que tínhamos imaginado. [...]. Com o sucesso de público e de arrecadação do “encontro”, conseguimos transferir a escola para uma casa alugada na Rua Paraíso, 663. Mais parecia um sonho (2013, p. 23).

Mesmo com essas conquistas, a AMA continuava com dificuldades

financeiras, é o que indica a matéria “Entidade quer verba para estudar autismo”,

publicada na Folha de SP, em 24 de outubro de 1985. Conforme o texto, a AMA

“entrou com processo de reconhecimento como entidade de utilidade pública pelo

governo de Estado com o objetivo de manter uma escola e realizar pesquisas a

respeito do autismo”. Segundo, Ana Maria Mello, então presidente da instituição,

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o fato da entidade ainda não ser de utilidade pública, (...) afasta potenciais contribuições, pois ninguém pode abatê-las do imposto de renda, comprometendo o trabalho da entidade que mantém um núcleo de aprendizagem que atende treze crianças (JFSP, 24/10/1985, p. 29).

Conforme indicou Mello, o ano de 1987 foi um divisor de águas na história da

AMA, com a campanha publicitária “Você sabe o que é o autismo?” O comercial,

produzido pela Rino Publicidade, foi veiculado em horário nobre e contou com a

participação do ator Antônio Fagundes. Segundo a autora, a base do comercial foi o

seguinte:

“Você sabe o que é o autismo? Esta criança sofre desse mal. Não se comunica nem mesmo com seus pais...”. Enquanto o Antonio Fagundes falava, ao lado dele, a sombra do João Fernando, meu terceiro filho, na época com 9 anos, aparecia imitando o irmão com autismo (2013, p. 24).

Segundo ela, o comercial tornou a Associação conhecida e impulsionou os

trabalhos.24 Em função disso, o governo do Estado cedeu em forma de concessão

um terreno de 1.000m2, no bairro Cambuci.

Além da luta por espaço maior para atender à demanda crescente, a equipe

sentiu a necessidade de aprofundar os conhecimentos de como trabalhar com os

autistas. Foi aí que surgiu a ideia de encaminhar um projeto pedindo ajuda para o

governo federal, para custear uma viagem de estudos na Europa e nos EUA. Em

1988, o recurso foi liberado pelo governo, o que lhes permitiu visitar e conhecer

diversas instituições e “constatar que o método TEACCH (Treatment and Education

24 Foi também em 1987, que Cleusa Barbosa Szabo, mãe do autista Alexandre, publicou a primeira edição de seu livro: Autismo: depoimentos e informações. Segundo ela: “A publicação teve uma tiragem de 3.000 exemplares. Embora não tenha havido a divulgação que esperava, o livro começou a fazer sucesso e aos poucos tornei-me conhecida, através de televisão e jornais. Comecei então a ser convidada para dar depoimento nas escolas e faculdades, sobre o problema vivido e de como alcancei sucesso. Meu intuito sempre foi levar uma mensagem de luta e de esperança como objetivo de também alcançar os profissionais que trabalham com crianças, começando pelo professor de classe especializada, e os demais profissionais. Este é o meu intento, o de mostrar aos especialistas como foi o trabalho com meu filho. Não sou técnica para trazer um assunto como um profissional, mas como mãe quero levar a todos um testemunho de lutas e vitórias” (1988, p. 7). Na mensagem inicial como reconhecimento, Szabo fez a seguinte dedicação: “À diretora da AMA, Marisa Fúria Silva e à vice-presidente, Ana Maria Serrajordia. Obrigado pelo apoio transmitido e informações cedidas, para enriquecer mais o conhecimento da criança autista no Brasil. Parabéns pela dedicação e pelos esforços em prol da AMA – Associação de Amigos do Autista” (p. 6). No final do livro Szabo reproduziu um tópico denominado de “Subsídios sobre o autismo” elaborado pela equipe do AMA.

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of Autistic and related Communication Handicapped Children)25, era o mais

utilizado”. Voltaram esperançosos ao Brasil: era possível ajudar estas crianças e

jovens” (2013, p 24).

Mello registrou que na época, a Associação recebeu como doação, de Isabel

Bayonas, um livro em espanhol, escrito por “Ivar Lovaas chamado ‘El niño autista: el

desarrollo del linguaje mediante la modificación de conducta” (2013, p. 24). A obra

publicada em 1981 tinha a finalidade de ensinar crianças com autismo a usar a

linguagem verbal através de técnicas apoiadas no comportamento. Tratava-se do

método ABA (Applied Behavior Analysis)26, ainda pouco conhecido, ou seja, a

utilização desse método comportamentalista para o tratamento de pessoas com

autismo estava apenas no seu início.

Segundo Ana Maria Mello, foi feita uma tentativa de utilizar a ABA na

instituição, mas a experiência se mostrou insatisfatória, com resultados

aparentemente pequenos. Posteriormente, vieram outras publicações e um

investimento maior na formação dos profissionais, que mostraram resultados mais

efetivos, o que fez com que o método ABA fosse mais difundido nas práticas

pedagógicas do AMA.

Na mesma viagem de 1988, por indicação de Isabel Bayonas, Ana Maria

Mello e outros pais da AMA conheceram na Dinamarca um trabalho baseado no

TEACCH, o qual criou grandes expectativas. Mello relata que ao voltar ao Brasil,

encaminharam um projeto ao Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e

Tecnológico (CNPQ), solicitando auxílio para organizarem um curso de três dias.

Segundo ela, esse foi o primeiro projeto sobre autismo que o CNPQ recebeu e

liberou recursos para sua efetivação. O curso ocorreu em março de 1989 e contou

com a presença dos pesquisadores, Demetrius Haracopos e Lennart Pedersen. Eles

respondiam por uma grande instituição que atendia crianças autistas em

Copenhague.

25 TEACCH – Treatment and Education of Autistic and related Communication Handicapped Children ou Tratamento e educação para pessoas com autismo e problemas correlatos na comunicação. Método de ensino estruturado que visa certa independência, através de painéis estruturados com uso de rotina. Treinamento em Ensino Estruturado e Abordagem Educacional da AMA – Apostila da AMA-SP. 26 ABA - Análise do Comportamento Aplicada (Applied Behavior Analysis; abreviando: ABA) é um termo advindo do campo científico do Behaviorismo, que observa, analisa e explica a associação entre o ambiente, o comportamento humano e a aprendizagem. AJUDE-NOS APRENDER- Manual de Treinamento em ABA-parte 1. Kathy Lear. Toronto- Canadá, 2ª. Edição, 2004.

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A medida que o problema do autismo foi ganhando dimensão, novas

associações de pais e amigos foram sendo criadas no Brasil. Com o objetivo de

aproximar as associações de Autismo e unir forças foi fundada em 9 de outubro de

1988, na cidade de Belo Horizonte a Associação Brasileira de Autismo (ABRA).

Conforme consta no site da ABRA:

A fundação da ABRA reuniu entidades de 5 estados, representadas por Ana Maria Serrajordia (AMA-SP), Maria do Carmo Tourinho (Aracaju-SE), José Ronaldo Fidélis (Belo Horizonte-MG), Niusarete Margarida de Lima Campos e Deusina Lopes da Silva (DF), Maria Aparecida Pimenta Pedroso (São Sebastião do Paraíso-MG), Claudio Tavares (Santos-SP), Adiane Rego Lins e Selma Andrade Brandão (RJ) (ABRA, 2015).

No ano de 1989 ocorreu o I Congresso Nacional de Autismo, organizado pela

Associação de Autismo de Brasília (ASTECA)27 em parceria com outras associações

brasileiras.

Outro fato que contribuiu muito para a difusão e compreensão da

problemática do autismo, no ano de 1989, foi o lançamento do filme Rain Man

estrelado por Dustin Hoffman e Tom Cruise, amplamente divulgado pelos meios de

comunicação. A Revista Veja publicou a matéria “Olhares perdidos”, que fez uma

análise do filme. O mesmo texto traz um quadro com o título “O drama na vida real”,

que trouxe dados sobre o autismo no Brasil e fez referência ao trabalho

desenvolvido pela AMA de São Paulo (Veja, ed. 1072, de 22/03/1989, p. 22). A folha

publicou a matéria “Hollywood premia Autismo de Rain Man com 4 Oscar” (JFSP,

31/03/1989, p. 12).

Conforme o relato de Ana Maria Mello, a sorte seguia em favor da AMA, pois

quando já estava ficando pequeno o espaço na casa da Rua Paraíso para atender à

demanda, uma solução apareceu de forma inesperada. Segundo ela, após ter

recebido uma carta da AMA, a pintora Marysia Portinari sonhou que precisava

realizar uma missão, e telefonou para a AMA, incentivando-os a montar um leilão de

obras de arte, para o qual doou uma obra. O leilão se realizou no dia 03 de setembro

de 1989, com grande sucesso de vendas. O dinheiro arrecadado possibilitou a

27 Em entrevista Deusina Lopes da Cruz, afirmou que a Fundação da ASTECA, em 1986, foi uma ação “de um grupo de pais que diante do diagnóstico de autismo de seus filhos e da falta de serviço, se reuniram criando a Associação Terapêutica Educacional para Crianças Autistas/ASTECA, no Distrito Federal (Cruz, 2015).

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compra de um sítio de 4,5 alqueires, que é a atual Unidade Parelheiros (2013, p.

25).

O trabalho crescia e se fazia necessário um número maior de pessoas

envolvidas. Foi então que se uniram ao voluntariado Sônia Campos e Leila Cabariti

entre outras, que ajudaram muito no desenvolvimento dos trabalhos. Neste mesmo

período, conta Mello, a Marli, que tinha experiência como professora numa escola

montessoriana, matriculou sua filha Débora, menina autista severa, na AMA e

passou a colaborar com a instituição, sendo de grande valor.

Conforme registro localizado no portal da Câmara dos Deputados, a

Associação de Amigos do Autista, com sede na cidade de São Paulo, Estado de São

Paulo foi Declarada de utilidade pública federal mediante o Processo MJ n° 21.726,

de 1986, por decreto de 24 de junho de 1991. Nesse mesmo decreto foram

declaradas de utilidade pública federal várias outras entidades.

Em 1991, conforme relatou Mello, havia no Brasil várias instituições de

autismo. Nessa época, a Fundação Mercedes de Andrade Martins, que estava

organizando o IV Congresso Mundial da Criança Autista, por falta de condições não

conseguiu realizar o evento e procurou a AMA para levar o projeto a frente. A AMA

aceitou o desafio e conseguiu a doação de uso do Palácio de Convenções do

Anhembi, no qual realizou o evento entre os dias 14 e 17 de julho de 1991. Nesses

dias foram realizados o IV Congresso Mundial da Criança Autista, o II Simpósio

Internacional de Instituições para Deficientes Mentais e o II Congresso Nacional de

Autismo, com a participação de 2.000 pessoas aproximadamente. Segundo Mello, o

evento foi um sucesso, pois além do espaço, obtiveram o apoio do CNPQ, da

Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo (FAPESP) e da

Coordenação de Aperfeiçoamento do Pessoal do Nível Superior (CAPES). Com

esse apoio foi trazer o Dr. Eric Schoppler, criador do TEACCH e sua esposa

Margareth Landsing, pedagoga e especialista em autismo, o psicólogo espanhol Dr.

Angel Rivière, o psiquiatra francês Dr. Renèe Diatkine e vários profissionais

brasileiros (2013, p. 26-7).

Segundo reportagem da Folha de SP, um dos temas centrais debatidos no

evento foi a eficácia ou não da psicanálise para o tratamento do autismo. Segundo a

reportagem, intitulada de “Pesquisador critica psicanálise para autistas”, o avanço

nas pesquisas, nos Estados Unidos, indicava a predominância de causas biológicas,

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por isso, questionava-se os tratamentos convencionais, de base psicanalítica. Para o

pesquisador, Eric Schopler “Qualquer forma de psicoterapia deveria ser banida do

tratamento de crianças autistas” (JFSP, 21/07/1991, p. 4).

Mello relatou que a equipe da AMA convidou o Dr. Eric Schoppler e o Dr.

Angel Rivière para fazer uma visita ao sítio, atual Unidade Parelheiros. Os

profissionais ficam impressionados com o trabalho que vinha sendo realizado,

todavia, Eric Schoppler recomendou convidar alguém para dar uma assessoria

sobre o método TEACCH, com o intuito de melhorar a qualidade dos serviços. A

sugestão foi acatada e a assessoria passou a ser recebida, a partir de dezembro de

1991, quando, a convite da AMA, o Dr. Thomas E. Mates, diretor clínico do TEACCH

Center, de Wilmington EUA, veio para orientar e assessorar um programa

educacional para pessoas com autismo. Nesse momento, foram convidados vários

representantes ligados a instituições e profissionais de destaque, entre eles a

professora Margarida Windholz, autora do livro, Passo a Passo, seu Caminho – Guia

curricular para o ensino de habilidades básicas (2013, p. 26-7).

Conforme indicou Ana Maria Mello, motivados pelas atividades e informações

recebidas no Congresso e no curso de 1991, a equipe da AMA convidou os

profissionais dinamarqueses Mogens Kaas Ipsen e Klaus Toft Olsen para orientar,

de forma prática, o início dos trabalhos de implantação do TEACCH. Esses

profissionais vieram em fevereiro de 1992 e permaneceram por 15 dias na unidade

de Parelheiros. Essa formação também contou com a presença de pessoas de

outras associações em atividade pelo Brasil. Mello enfatizou que a formação

recebida foi muito importante para a equipe do AMA, que obteve uma ótima

capacitação, tanto nas atividades práticas, como com potencial para repensar

estratégias de trabalho com alunos. A qualificação dos profissionais possibilitou o

investimento no ensino estruturado a partir do método TEACCH (2013, p. 27).

No seu relato, Mello registrou que no ano de 1992, já havia se passado quase

cinco anos de concessão de um terreno cedido pelo Governo e a sede da AMA

ainda não havia sido construída. Foi nessa época que o senhor Norberto, pai do

Renato (provavelmente aluno na AMA), que trabalhava na construtora CBPO,

obteve a doação de barracões em madeira em bom estado de conservação. Com

esse material foi construído na unidade de Parelheiros uma sala de educação física

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e oficinas. Já na Unidade de Cambuci, foi construído um barracão que garantiu a

posse do terreno e serviu como sede provisória da AMA. (2013, p. 27).

No ano de 1993, para comemorar os 10 anos de fundação, a AMA realizou

um evento no mês de agosto, promovendo um treinamento em TEACCH, com

duração de sete dias. “O curso contou com a presença de profissionais como o Dr.

Thomas Mates e duas profissionais do Orange Grove Center dos EUA. Para o

evento foram convidadas instituições do Ceará, Sergipe, Brasília e algumas de São

Paulo” (2013, p. 27).

Segundo o relato, no final daquele mesmo ano, a instituição recebeu a visita

de Claudia Martins, uma assistente social brasileira que trabalhava com autismo na

Suécia. Claudia, em visita a seus pais, foi até a USP à procura de bibliografias sobre

autismo, em português e acabou encontrando “apenas um texto de autoria da AMA”,

e aí, resolveu visitá-la. Segundo Mello, ficou impressionada com o esforço dos pais,

resolveu encontrar um meio de ajudá-los. Ao regressar para a Suécia entrou em

contato com Inger Nilsson, que ensinava a abordagem TEACCH para professores

de crianças com autismo, e convidou-a para ministrar um curso sobre autismo em

SP. Inger Nilsson, aceitou o convite e veio para São Paulo pagando suas próprias

despesas. O curso foi ministrado no auditório das Faculdades São Marcos, de 29 de

junho a 1º de julho de 1994, sendo um grande sucesso (2013, p. 27-8).

Nas suas memórias Mello registrou a trajetória de dois alunos da AMA.

Tratou-se de Jeferson e o de Dudi, dois aspergers, uma forma leve de autismo. Em

2013, ambos trabalham juntos na Gráfica da instituição. Segundo ela, esses

meninos iniciaram seus estudos na AMA em 1994 e, após serem alfabetizados,

foram incluídos na escola particular Irmã Catarina28, no ensino Comum. Segundo

ela, o trabalho de inclusão na Escola Irmã Catarina, de forma geral funcionava muito

bem, pois a escola era adepta do método Montessoriano, que é bem aceito pelas

crianças com autismo. (2013, p. 28).

Mello enfatizou que o ano de 1994 outra conquista foi muito significativa para

os fundadores. No sítio (Unidade Parelheiros), comprado com o dinheiro do leilão de

28 Escola Irmã Catarina adepta do sistema Montessoriano, começou a funcionar em 1972, na Rua Loureiro da Cruz, na Aclimação-SP, com a unidade de classes especiais, para crianças carentes de uma atenção especial, crianças treináveis, educáveis, autistas, cujo resultado foi constatado pelos neurologistas e psicólogos que enviavam seus clientes para o trabalho psicopedagógico na escola. Fonte: www.irmacatarina.com.br acesso em 18/10/2015.

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1989, entrou em funcionamento a primeira residência para autistas. “Foi o primeiro

passo para a realização da visão que tínhamos ao fundar a AMA, ou seja, criar um

lugar no qual nossos filhos pudessem viver a vida adulta em condições adequadas e

com segurança” (2013, p. 26).

Conforme relatou de Ana Maria Mello, o ano de 1996 marcou outra conquista

das mães fundadoras da AMA. Ela, Marisa, Marli e Marialice foram representar a

instituição no V Congresso Autismo Europa, na cidade de Barcelona. Além da

participação no Congresso, no qual apresentaram um pôster sobre o trabalho

desenvolvido na instituição, visitaram, na Inglaterra, “a instituição Sommerset Court,

uma residência assistida para adultos com autismo” (2013, p. 28-9).

Conforme registrou Mello, o trabalho da instituição ampliava e ganhava

reconhecimento, tanto que, no ano de 1997, a AMA recebeu o Prêmio Bem Eficiente

da Fundação Kanitz & Associados, como uma das 50 melhores entidades

beneficentes do país.

Segundo Mello, mesmo com todo o reconhecimento que a AMA já gozava na

época, isso não impediu de a instituição passar sérias dificuldades financeiras no

decorrer do ano de 1998, correndo o risco de não tendo condições de terminar o ano

e continuar os trabalhos. “Como por milagre, fomos agraciados com o Prêmio

Direitos Humanos 1998, entregue pelas mãos do Presidente da República, junto

com um prêmio em dinheiro: exatamente a quantia que precisávamos para pagar

nossas despesas” (2013, p. 29).

Conforme indicou Mello, a busca por recursos financeiros continuou firme em

1999, visando iniciar a construção de uma nova unidade no terreno do Cambuci. Foi

então que o Instituto Credicard doou uma quantia em dinheiro que garantiu o início

das obras. A arquiteta Sônia Regina Longato Bitar doou a planta, ficando para a

Marisa Fúria Silva a tarefa de buscar contribuições para efetivar o projeto. A busca

logrou êxito, tanto que vários grupos empresariais doaram os materiais e o projeto

foi tomando corpo. O Grupo Votorantim doou o cimento, alumínio e vidros, a

Fundação Elijass Gliksmanis doou os componentes elétricos e o piso do andar

térreo, e vários outros amigos foram fazendo suas doações dentro de suas

possibilidades, viabilizando a construção da obra e a compra dos equipamentos.

(2013, p. 29-30).

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Em 6 de abril de 2000, a AMA inaugurou o Centro de Reabilitação Infantil,

(atual unidade Lavapés), num grande evento, cuja apresentação ficou a cargo da

apresentadora Ana Maria Braga. De acordo com Mello, um proprietário de uma

galeria doou, nesse dia, um quadro enorme para ser leiloado. No entanto, devido à

grande quantidade de pessoas que se aglomeravam entre o prédio e o palco, não foi

possível a realização do leilão do quadro no dia. Assim, a obra acabou sendo

exposta na “parede da entrada do Centro de Conhecimento e é, junto com o aquário

doado pelo Cláudio Petrilli, uma das marcas registradas da Unidade Lavapés” (2013,

p. 30).

Conforme registrou Ana Maria Mello, o pessoal da Suécia continuava decidido

a colaborar com a AMA. Para melhor viabilizar uma ajuda efetiva, em 2001,

fundaram a “Associação dos Amigos da AMA de São Paulo em Estocolmo” (2013, p.

31). Isso tornou possível um convênio com a Shia29. A parceria, prevista para durar

10 anos, tornou possível patrocínios e projetos técnicos específicos, entre eles o

Centro de Conhecimento da AMA, intercâmbios e desenvolvimento de projetos para

geração de renda da Associação. A parceria foi muito importante para a AMA, pois

permitiu a oferta de cursos de capacitação profissional, constituindo-se em uma

excelente fonte de renda para a instituição.

Nos anos que se seguiram, a AMA realizou vários outros eventos, todos de

grande sucesso para a entidade em si e para a formação das demais entidades pelo

Brasil. Segundo Mello, “o Centro de Conhecimento da AMA veio atender a uma das

nossas primeiras aspirações: difundir e aprofundar o conhecimento sobre o autismo

nas suas mais diversas implicações” (2013, p. 31).

No entanto, segundo Mello, o ano de 2005 foi particularmente vitorioso para o

autismo no Estado de São Paulo, pois, no dia 2 de julho, o jornal O Estado de São

Paulo, publicou uma decisão judicial, cuja sentença vinha correndo desde o ano de

2000. A sentença determinou que o Governo do Estado garantisse tratamento

especializado para pessoas com autismo. Esse atendimento poderia ser efetivado

diretamente por seus órgãos ou por intermédio de entidades privadas. O

atendimento especializado dos autistas deveria ocorrer num prazo máximo de 30

dias após os responsáveis pelos autistas terem entrado com um pedido ao

29 Shia.- Associação sueca de colaboração internacional para a deficiência e a RFA, a associação de autismo sueca.

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Secretário do Estado de Saúde. O pedido deveria estar acompanhado por um

atestado médico comprovando a deficiência. No caso de descumprimento, o Estado

deveria ser punido com uma multa de R$ 50.000,00 por dia. Mediante essa decisão,

a AMA assinou convênios com as Secretarias do Estado de Saúde e Educação.

Assim, a partir de 2006 foi possível a ampliação dos atendimentos gratuitos para um

número maior de pessoas autistas. (2013, p. 33-4).

Nesse mesmo ano, a AMA também assinou um convênio com o BNDS com o

intuito de terminar a construção da Unidade de Parelheiros e a Unidade Luís Gama.

A construção da Unidade Luís Gama teve início no dia 23 de fevereiro de 2007,

entrando em funcionamento no dia 10 de março de 2008.

Conforme indicou Mello, em 2009, o convênio com a Suécia foi encerrado

porque eles consideraram que o Brasil já estava apto para realizar um bom trabalho

com os autistas. Segundo ela, “este convênio nos trouxe a possibilidade de estender

nosso atendimento a mais crianças, de criar e desenvolver o Centro de

Conhecimento, promover importantes eventos científicos” (2013, p. 34).

No mesmo ano de 2009 tiveram início as atividades da Unidade Teodureto,

em uma casa alugada e em caráter provisório. A nova unidade surgiu da

necessidade de ampliação do atendimento para autistas adolescentes e jovens, com

idade superior a 12 anos e com problemas graves de comportamento.

Ao final de seu relato, Mello ainda destacou que no final de 2010, a AMA

firmou um convênio com a Secretaria de Saúde, para realizar atendimentos de

crianças com autismo, no Centro de Referência, conduzido em parceria com o

Centro de Atenção Integrada em Saúde Mental (CAISME) Philippe Pinel de São

Paulo. Ressaltou também que no ano de 2012, o governador Geraldo Alckmin

cedeu, via decreto, para um período de 30 anos o uso de um terreno na Rua Wadih

Hatti, na Vila Ré, no qual, a entidade pretende construir uma nova unidade para

atender às demandas da Zona Leste da Cidade de São Paulo (2013, p. 35).

Mello fecha seu relato destacando, que depois de decorridos 30 anos da

fundação “não há como não ver o quanto conseguimos andar. Tão certo como isto,

porém, é o quanto ainda resta por fazer” (2013, p. 35).

No Brasil, a AMA, certamente é o maior centro de atendimento à pessoa com

autismo. Suas referências vão além da grandeza de suas conquistas materiais,

respaldando-se também na produção e difusão de conhecimentos teóricos e práticos

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para o trabalho com autistas, seja na forma de treinamentos de profissionais,

transmissão de informações por meio dos mais variados tipos de cursos

preparatórios, mediante parcerias firmadas com universidades.

A Trajetória da Associação de Proteção dos Autistas de Dois Vizinhos -

APADV

Para escrever sinteticamente a história da Associação de Proteção dos

Autistas de Dois Vizinhos (APADV), me baseei na resposta ao questionário

encaminhado por e-mail, para a presidente da APADV, Maria de Cássia Bernardo

Inácio, em meados de 2012, o qual serviria de fonte para a monografia de

especialização em educação especial, concluída em 2013, mas que na oportunidade

não chegou a ser usado, devido à mudança do objeto da monografia. Além desse

questionário, fiz uso de documentos da Associação e de matérias publicadas no

Jornal de Beltrão (JB), a partir do ano de 2010.

A história da APADV, também surgiu de uma necessidade de os pais terem

um local apropriado para deixar seus filhos. Maria de Cássia Bernardo Inácio, relata

que sofreu duramente para ter um diagnóstico para seu filho Alexandre, pois, há

trinta anos atrás eram raros os médicos neuropediatras que estavam aptos para

diagnosticar autismo. Diante de uma situação aflitiva, Maria de Cássia iniciou uma

pesquisa individual em busca de respostas para o problema que seu filho

apresentava. Após ler vários livros verificou que os sintomas apresentados pelo seu

filho mais se aproximavam do diagnóstico de autismo.

Cássia contou que durante um tempo seu filho frequentou a APAE de Dois

Vizinhos, no entanto, quando iniciou a juventude e suas atitudes fugiam um pouco

do atendimento prestado pela instituição, ela teve mais uma decepção, pois, a

direção e os funcionários da APAE decidiram dispensar seu filho Alexandre. A única

alternativa para os pais, foi cuidar dele em casa e procurar um tratamento, com

medicamentos, para melhorar seu comportamento. (INÁCIO, 2012).

Maria de Cássia disse não suportar a ideia de tê-lo longe de seus cuidados e,

numa instituição tão radical aos seus olhos, como um sanatório. Em suas leituras e

pesquisas, via outros caminhos mais humanizados, porém, encontrava-se sozinha.

Segundo ela, certo dia apareceu em sua casa uma jovem querendo saber sobre a

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situação de seu filho Alexandre. Justificou o interesse devido ao fato de que seu

marido havia ido à sua casa colocar uma porta e observou que o Alexandre

apresentava características muito semelhantes com a de seu filho de 06 anos que

era autista. Cassia relata que desse encontro nasceu a ideia de criarem uma ONG

para ajudar crianças com autismo. (INÁCIO, 2012).

A maior dificuldade para organizar a ONG foi a busca pelos pais de autistas

de Dois Vizinhos. Após levantar os possíveis casos, empreendeu-se à procura pelas

famílias fazendo visitas nas suas casas e convidando-as para se juntar ao grupo.

Outras pessoas se juntaram ao grupo porque queriam ajudar na organização da

Associação de pais. Maria de Cássia relata que a união dessas famílias foi de

grande valor, pois, permitiu o compartilhamento de experiências, histórias de vida,

manias de cada um dos autistas, trazendo alento e confortando ao drama vivido em

cada família.

Segundo Maria de Cássia, no dia 10 de abril de 2009, foi realizada uma

primeira reunião com o grupo de pais e fomentar a ideia da Associação. Como

houve consenso no grupo, definiram-se algumas tarefas e foi marcada a data da

assembleia para fundar oficialmente a instituição. Assim, no dia 1º de maio de 2009,

os pais e amigos dos autistas se reuniram em assembleia para discutirem e aprovar

o Estatuto Associação de Proteção dos Autistas de Dois Vizinhos (APADV) e eleger

os membros da diretoria. A assembleia elegeu como presidente da Associação,

Maria de Cássia Bernardo Inácio e Márcia Quoos Duarte, como vice-presidente

(ATA, n. 01/2009, p. 1). A ata e o estatuto da entidade foram registrados no Cartório

de Registros e Títulos e Documentos de Dois Vizinhos com data de 21 de maio de

2009. Posteriormente foi registrada Cadastro Nacional da Pessoa Jurídica (CNPJ),

da Receita Federal com o nº 11.013.735/0001-76.

Conforme previsto no seu estatuto, a APADV nasceu com o objetivo de dar

assistência, promover e incentivar pesquisas sobre autismo, bem como, promover

programas de amparo, ajuda, adaptações, reabilitações e integração sensorial, sem

distinção de raças, cor, condição social, credo político ou religioso, incluindo também

em seus objetivos a defesa dos interesses e direitos protegidos pelo Estatuto da

Criança e do Adolescente – Lei Federal nº 8069, de 13/07/90 (APADV. ESTATUTO,

2009, p. 1).

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Depois de criada a entidade, a diretoria iniciou o trabalho de conscientização

da sociedade sobre a problemática do autismo e o convencimento das autoridades

sobre a importância de um local específico para o atendimento multidisciplinar e

especializado, que pudesse intervir qualitativamente na vida dos autistas e suas

famílias.

Pelo trabalho que vinha sendo desenvolvido pela entidade, e pela

necessidade de viabilizar parcerias com o poder público foi solicitado junto ao

Legislativo Municipal a declaração da APADV, como entidade de utilidade pública

municipal. No dia 27 de julho de 2010, o projeto de lei foi aprovado pela

unanimidade dos vereadores, e no dia 28/07/2010, foi sancionado pelo prefeito

constituindo-se na Lei n. 1577. A referida lei declarou de “Utilidade Pública a

Associação de Proteção dos Autistas de Dois Vizinhos – APADV” (DOIS VIZINHOS,

Lei n. 1577 de 2010). Essa foi a primeira grande conquista da entidade. A partir de

então já era possível firmar convênios com o Município e receber recursos públicos,

para poder atender aos autistas de Dois Vizinhos e região.

Com muito trabalho e empenho dos pais e amigos, o projeto da casa/escola

foi ganhando força e se tornou realidade, mais de um ano depois da fundação da

Associação, conforme indicou a reportagem do jornalista Alex Trombetta, veiculada

no Jornal de Beltrão, no dia 23 de setembro de 2010, com o título “Iniciadas

atividades na casa de apoio da APADV”. Conforme a matéria, a casa estava em

atividade fazia uma semana e funcionava das 13h30 até as 17h e atendendo 4

autistas e estava localizada na Rua do Comércio, 910 – Centro. Para iniciar o

funcionamento, o município de Dois Vizinhos assumiu o aluguel e cedeu uma

funcionária para trabalhar na casa. Para organizar e equipar a casa/escola foram

recebidas doações de móveis usados e roupas de clubes de serviços. Na

reportagem citada, o jornalista entrevistou Maria de Cássia Inácio, presidente da

entidade, que enfatizou a importância da conquista do espaço:

Para nós, enquanto mães, ver nossos filhos assim, muitas vezes sendo discriminados e excluídos de grupos ou locais, é muito triste. Com isso, começamos a estudar e buscar compreender eles, e agora queremos colaborar com outras famílias que também passam pela mesma situação (JB, 23/09/2010, p. 6).

No início, a casa/escola oferecia atividades pedagógicas e o atendimento

clínico, contando com atendimento multiprofissional, prestado por profissionais

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voluntários, para pessoas autistas e com Transtorno Global do Desenvolvimento

(TGD) com idade de 0 a 100 anos. Segundo Maria de Cássia, o atendimento visa ao

desenvolvimento de hábitos saudáveis, atitudes, conhecimentos funcionais,

iniciativas de independência, segurança e socialização entre os alunos (INÁCIO,

2012).

A partir de 2011, a Prefeitura cedeu ainda alguns profissionais, como um

fisioterapeuta, uma secretária, zeladora/merendeira e alguns professores. Nesse

ano, os pais contrataram um professor de música, depois esse profissional foi

assumido pelo Rotary Club da cidade. A APADV fez convênio com a União de

Ensino do Sudoeste do Paraná (UNISEP), que passou a oferecer a equoterapia para

os alunos uma vez por semana, na estrutura da faculdade.

Aos poucos, Associação passou a ser reconhecida no município e região.

Uma das estratégias utilizadas pela entidade para se fazer conhecida e divulgar o

problema do autismo foi fazer mobilizações e carreatas, no dia 2 de abril, dia

mundial de conscientização sobre o autismo. Tais ações repercutem na imprensa

regional. Como exemplo pode ser citada a matéria “Entidade organiza mobilização

pelo dia do autismo” (JB, 02/04/2011, p. 3). E a matéria “APADV realiza carreata

pelo dia do autista”. Conforme indicou o texto: “Os veículos irão carregar balões da

cor azul, característico do autismo, e faixas com mensagens e frases”, também

indicou que os pais participariam de um programa na rádio da cidade. (JB,

31/03/2012, p. 4).30

O apoio do poder público municipal e da sociedade foi fundamental para o

desenvolvimento do trabalho da Associação, todavia, em função da crescente

demanda era necessário ampliar os atendimentos. Como forma de viabilizar a

obtenção de recursos público, a diretoria recorreu a Deputada Estadual Rose Litro,

que reside no município, para entrar com pedido de Utilidade Pública Estadual. A

deputada encaminhou o processo e o mesmo foi aprovado, constituindo-se na Lei n.

17021 de 16 de dezembro de 2011, que declarou de “Utilidade Pública a Associação

de Proteção dos Autistas de Dois Vizinhos – APADV, no Município de Dois

Vizinhos”. (PARANÁ. Lei n. 17.021, de 2011).

30 As carreatas com balões, constituíram-se numa tradição da APADV nos anos seguintes. Ela fecha uma série de atividades que a entidade promove na cidade, na semana que antecede o dia 2 de abril, de cada ano, como noticiado na imprensa escrita. Cf. (JB, 02/04/2013, p. 6; JB, 03/04/2014, p. 4; JB, 02/04/2015, p. 4).

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Com a declaração de Utilidade Pública Estadual, representantes da APADV

foram até Curitiba para conversar com o Secretário Estadual de Educação e vice-

governador, Flávio Arns. Essa ação foi registrada no Jornal de Beltrão, no dia 20 de

setembro de 2012 com o título: “Diretores APADV falam de convênio com Flávio

Arns”. De acordo com a matéria:

Na pauta do encontro, o processo de regularização da documentação da APADV, visando a celebração do convênio entre a associação e a Secretaria do Estado da Educação, o que permitirá, entre outros benefícios, a cessão de profissionais para incrementar o quadro de funcionários da instituição. Os representantes levaram fotografias dos projetos desenvolvidos para apresentar ao secretário e falaram dos projetos futuros da instituição, entre eles o desenvolvimento de um grande espaço de lazer urbano no qual possam ser desenvolvidas atividades com o objetivo de angariação de fundos para a entidade (JB, 20/09/2012, p. 6).

A intervenção junto ao secretário de educação do Estado deu resultado, visto

que pouco mais de um mês depois, a “APADV recebeu autorização para o

funcionamento”, como noticiado pelo Jornal de Beltrão, em 25 de outubro de 2012.

Segundo o texto, foram mais de dois anos de muita luta, até que, pela Resolução n.

6185/2012 recebeu a autorização para funcionar como “instituição especializada

Novo Mundo”. Conforme destacaram os diretores da instituição: “Com a

autorização, a APADV poderá habilitar-se a solicitar convênios com a Seed e isso é

muito importante para o funcionamento geral da entidade” (JB, 25/10/2012, p. 6).

Conforme matéria publicada no Jornal de Beltrão, pelo jornalista Alex

Tronbetta, em meados de 2013, a APADV atendia 13 alunos autistas. A reportagem

intitulada de “O papel fundamental de entidades como a APADV”, registrou a visita a

Dois Vizinhos, de Berenice Piana, mãe de autista e a principal ativista na luta pela

aprovação da Lei que instituiu a Política Nacional de proteção a pessoa com

autismo, lei que, inclusive levou o seu nome.31 Berenice destacou o papel de

entidades como a APADV, enquanto as ações mais concretas do Estado não se

efetivam. “Essas poucas associações que existem é que estão cuidando para dar

um atendimento digno. É um trabalho voluntário lindo, mas muito sofrido”. De acordo

com a matéria, Maria de Cássia Inácio, destacou a importância da presença de

31 Berenice Piana residiu por um período de tempo em Dois Vizinhos e tem a mãe e outros familiares que moram no município.

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Berenice Piana vir a Dois Vizinhos e poder explicar, para os pais, os objetivos da Lei

nacional e acrescentou:

Quando finalmente a lei foi aprovada, sabíamos que iria reforçar nosso trabalho e mostrar para a sociedade em geral que é importante o trabalho da instituição e todos os direitos que temos garantidos com uma lei para defendê-los (JB, 28/07/2013, p. 7A).

A luta por mais recursos e pela sede própria da instituição continuou unindo a

equipe de diretores, levando-os a contatar os políticos da região que exercem

mandatos federais. A matéria do Jornal de Beltrão, “APADV pede o apoio do

deputado Nelson Meurer”, do dia 13 de novembro de 2013, é um exemplo disso.

Conforme o texto, membros da diretoria da instituição foram até o escritório do

deputado, localizado em Francisco Beltrão, para apresentar o trabalho desenvolvido

e solicitar o “apoio do deputado, na viabilização de recursos para a construção da

sede própria, visto que, atualmente o atendimento está sendo feito em casa alugada

com pequenas dependências” (JB, 13/11/2013, p. 7).

No início de 2014, a entidade atendia 20 alunos, vindos de vários pontos da

cidade e do interior, por isso, se fazia necessário viabilizar o transporte escolar.

Nesse sentido, foi solicitado o apoio do poder municipal, o qual, pela Lei n. 1855, de

12 de fevereiro de 2014, disponibilizou uma Kombi usada, para fazer o transporte

dos alunos (DOIS VIZINHOS, Lei n. 1855 de 2014).

Com o constante aumento dos casos de crianças diagnosticadas com

autismo, a entidade era/é frequentemente procurada pelos familiares. Isso obriga

empenhar esforços políticos para viabilizar uma melhor infraestrutura para atender

aos autistas com mais qualidade. Uma dessas lutas era a conquista de um terreno

para construir a sede própria. Depois de várias solicitações feitas ao prefeito e

vereadores, finalmente, a administração municipal fez a concessão do terreno.

Conforme noticiado no Jornal de Beltrão com o título: “APADV recebe terreno da

administração municipal”, no dia 22 de maio de 2014, a administração municipal

cedeu a entidade “um terreno de pouco mais de 1 mil metros quadrados no

loteamento Casa da Gente I da prefeitura de Dois Vizinhos” (JB, 22/05/2014, p. 4).

Todavia, a aprovação da demorou mais alguns meses e o terreno cedido foi menor

do que o noticiado anteriormente. De acordo com o exposto na Lei municipal n.

1912, de 03 de setembro de 2014, foi cedido por um período de 20 anos os Lotes

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Urbanos n. 01 e n. 01-A, da Quadra n. 01, do Loteamento Casa da Gente I, ambos

com área de 430,00m², perfazendo um total 860, 00m². (DOIS VIZINHOS, Lei n.

1912, de 2014).

Uma das principais preocupações da coordenação pedagógica da APADV é

com a formação dos profissionais. Além de estudar materiais bibliográficos, vídeos,

cartilhas etc., a equipe também participou de cursos de capacitação em Francisco

Beltrão, Curitiba e fez visitas em outras instituições que trabalham com os autistas.

Uma dessas visitas foi noticiada no Jornal de Beltrão com a manchete: “Diretora da

APADV conheceu diversas entidades em São Paulo”. Conforme descrito na matéria,

o “objetivo da viagem foi buscar mais informações sobre o autismo para melhorar a

qualidade de vida dos alunos autistas e seus familiares”. Maria de Cássia visitou a

AMA-SP. “Lá conhecemos o histórico da entidade e como são os métodos usados

nas cinco unidades se são Paulo”. Na visita, Maria de Cassia destaca que teve a

oportunidade de conversar com uma das fundadoras da AMA-SP, Ana Maria Mello,

com a presidente da ABA, Marisa Furia, conheceu também o trabalho desenvolvido

pela Associação dos Amigos da Criança Autista (AUMA). Além de conhecer o

trabalho desenvolvido nessas instituições, aproveitou para visitar a USP, conhecer o

Laboratório de Células Tronco e conversar com a pesquisadora Patrícia Braga,

coordenadora do projeto Fada do Dente, projeto este, que estuda as células

presentes na polpa do dente de leite de autistas, para investigar possíveis causas de

sua manifestação e possibilidades de tratamento. (JB, 04/03/2015, p. 4).

Em matéria publicada no Jornal de Beltrão “Hoje é o dia Internacional de

Conscientização do Autismo”, foi enfatizado que a APADV atendia 35 alunos, no

início de 2015. Segundo o depoimento de Maria de Cássia B. Inácio, “Sociedade já

está conhecendo a entidade e sabendo reconhecer os sintomas do autismo” (JB,

02/04/2015, p. 4).

Pelo que foi relatado até aqui, ficou evidente uma intensa luta política para

criar as condições mínimas de atendimento aos autistas, tanto no aspecto

pedagógico, na socialização, quanto para o comprometimento do poder público,

para garantir esse direito. Nesse sentido, os pais envolvidos na Associação, mesmo

cientes de que já existe uma lei federal e uma lei estadual, sobre uma política de

proteção aos autistas, entenderam que seria relevante lutar por uma lei que

instituísse uma política municipal para os autistas, ou seja, é necessário

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comprometer mais o Município com a causa. Decididos a isso, contataram o

vereador Deolino Benini Júnior, solicitando que ele apresentasse o projeto de lei,

instituindo a política municipal de proteção aos autistas. O vereador abraçou a causa

e apresentou o projeto. Esse fato foi noticiado no Jornal de Beltrão no dia 10 de julho

de 2015, com a matéria: “Promulgada, na Câmara, a Lei de Proteção ao Autista em

Dois Vizinhos”. Segundo o texto:

Na última segunda-feira, 6, na sessão ordinária da Câmara de Vereadores de Dois Vizinhos, foi promulgada a lei 2007/15 que estabelece princípios para a Política Municipal de Proteção dos Direitos da Pessoa com Transtorno Espectro Autista. Diversos pais, professores, alunos e membros da diretoria da Associação de Proteção dos Autistas de Dois Vizinhos (Apadv) acompanharam a

reunião. O vereador Deolino Benini Júnior (PSD) propôs a nova

lei, que foi aprovada por unanimidade, e entregou a promulgação para a Maria de Cássia Bernardo Inácio, presidente da Apadv. O projeto agora vai para a sanção do Executivo (JB, 10/07/2015, p. 6).

Todavia, ao consultar o banco de leis no portal da Câmara Municipal de

Vereadores e da prefeitura de Dois Vizinhos, via internet, verifiquei que a lei

simplesmente não existe. Em contato com Maria de Cassia fui informada que a lei,

aprovada na Câmara de Vereadores, não foi sancionada pelo prefeito municipal.

Isso revela que, a Associação precisa fortalecer a luta política.

Enquanto, na esfera municipal, a Associação encontrava resistência, no

plano federal houve vários progressos, pois no segundo semestre de 2015, a

APADV conseguiu duas certidões extremamente importantes para receber

financiamento público federal. Pela Portaria nº 81, de 28 de julho de 2015, do

Ministério do Desenvolvimento Social e Combate à Fome - Secretaria Nacional de

Assistência Social, a Associação recebeu a “certificação de entidade beneficente

de assistência social” (BRASIL. MDS/SNAS, Portaria n. 81, de 2015). Pela Portaria

n, 2.005, de 3 de dezembro de 2015, o Ministro de Estado da Justiça decretou:

Art. 1º Declarar de Utilidade Pública Federal a ASSOCIACÃO DE PROTECÂO DOS AUTISTAS DE DOIS VIZINHOS APADV (ASSOCIACÂO DE PROTECÂO DOS AUTISTAS DE DOIS VIZINHOS-PR), com sede na cidade de Dois Vizinhos, Estado do Paraná (BRASIL. MJ, portaria n. 2.005, de 2015).

Não há dúvidas de que a conquista das certidões abre as portas para novos

projetos e possibilita a obtenção de recursos para construir a sede própria.

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No final de 2015, o espaço da casa/escola já era insuficiente para atender à

demanda, pois, os casos não param de chegar, a APADV já estava atendendo a 35

alunos. Devido à necessidade de maior espaço, no início de 2016, uma nova sede,

ampla e espaçosa foi alugada pelo município e disponibilizada para a entidade,

enquanto a sede própria da APADV não ficar pronta.

Segundo Maria de Cássia, os atuais convênios com a prefeitura e o Estado

não são estáveis, devido às novas regras das políticas de saúde e educacional e as

exigências do tribunal de contas do Estado. Como ficou demonstrado, o município

doou um terreno para a APADV e um projeto arquitetônico se encontra em fase de

elaboração. A luta agora é para conseguir uma emenda ou emendas com os

deputados para a efetivação do projeto. O sonho da fundadora Maria de Cássia é

uma sede com uma estrutura física melhor, cozinha adaptada, quadra de esportes,

brinquedoteca, sala de música, localizada em local mais calmo, com alguns animais,

como cavalos e ovelhas. Além disso, é necessário profissionais qualificados e

comprometidos com a causa dos autistas.

Tendo em vista essas experiências, passamos a análise acerca da inclusão

dos autistas no ensino Comum.

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CAPÍTULO IV

O PROCESSO DE INCLUSÃO DOS AUTISTAS NO ENSINO COMUM:

EXPERIÊNCIAS E DESAFIOS

O presente capítulo está dividido em dois tópicos. No primeiro procuro

evidenciar algumas experiências de inclusão de autistas no ensino Comum,

considerando o recorte temporal desta pesquisa (1983-2015), em diferentes locais

em que elas se realizaram, bem como evidenciar o debate gerado em torno dessa

inclusão. Para tanto tomo como base documental, matérias da Folha de São Paulo,

livros memórias escritos por familiares de autistas, e pesquisas que analisam

determinadas experiências. Tais fontes contribuem para o resgate da história da

educação dos autistas no Brasil. No segundo tópico analiso os desafios para o

processo de inclusão dos autistas no ensino Comum a partir da legislação, de

entrevistas, pesquisas acadêmicas entre outras fontes.

O Processo de Inclusão dos Autistas: algumas experiências

Em minhas pesquisas em arquivos de Revistas e Jornais pela internet, na

leitura de livros memórias, nas visitas às instituições e entrevistas à procura de

registros sobre o período ao qual me detenho a estudar, 1983-2015, não encontrei

documentos nem informações abundantes, todavia, o pouco que encontrei me

permitiu refletir sobre algumas experiências e práticas de inserção dos autistas no

ensino Comum32.

Como vimos no capítulo anterior, a AMA-SP, como as demais, nasceram pela

falta de locais adequados para o atendimento educacional dos autistas, sendo,

portanto, natural que tais instituições não tenham como foco de suas ações, a

inclusão dos autistas no ensino Comum, tanto no passado, como no presente.

32 Cleusa Barbosa Szabo, em suas memórias sobre o desenvolvimento de seu filho Alexandre, registrou sua trajetória escolar. Conforme suas anotações, depois de Alexandre passar por várias escolas particulares, frequentou uma classe especial da Escola Estadual Alfredo Paulino, entre 1979 e 1983, conseguindo algum progresso. A autora reproduz um relatório elaborado pela professora que o acompanhou entre 1981-83. A professora fechou seu relatório com a seguinte observação: “Acreditamos que o menor Alexandre poderá desenvolver mais suas potencialidades se tiver oportunidade de frequentar uma escola da rede oficial que tenha condições de atender melhor educando com problemas de autismo” (1988, p. 40-42). Infelizmente, Alexandre não pode contar com a tal escola sugerida pela professora.

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Deusina Lopes da Cruz, em suas memórias sobre o desenvolvimento de seu

filho autista, Carlos Felipe, registrou o que, segundo ela foi a primeira experiência de

“atendimento educacional integrado destinado a autistas em escolas públicas do

Brasil” (2008, p. 39). A autora relata que em 1986, juntamente com um grupo de pais

de Brasília, fundaram a Associação ASTECA, ONG que passou a promover a

educação de autistas no Distrito Federal. Segundo ela, a ASTECA propôs uma

parceria com a Fundação Educacional do Distrito Federal para promover o

atendimento educacional especializado para os autistas. “A proposta consistia na

implantação de classes especiais para autistas dentro de uma escola pública da

rede regular de ensino de 1ª a 4ª série do ensino fundamental” (2008, p. 40). Depois

de muita negociação, a Fundação Educacional aceitou iniciar um projeto piloto de

classes especiais na Escola Classe 405 Sul no segundo semestre de 1987. A

Fundação Educacional disponibilizou três professoras especializadas e a ASTECA

prestava assessoria pedagógica e arcou com as despesas referentes aos

professores auxiliares que apoiavam os professores regentes. Dessa experiência

nasceu a primeira classe de alfabetização de autistas. Segundo Cruz, seu filho se

desenvolveu adequadamente, tanto que no ano seguinte passou a acompanhar a

turma de 1ª série de classe comum. Nessa classe seu filho não contava mais com o

apoio do professor auxiliar, acarretando algumas dificuldades pedagógicas e de

socialização. Segundo ela:

sem esse apoio, as dificuldades no seu processo de integração começaram a surgir e, pela primeira vez, tive receio de estar expondo o Felipe a um ambiente hostil de difícil compreensão para ele. Tive medo de que o tão sonhado processo de estudar integrado não servisse para melhorar o seu desenvolvimento pessoal e, pelo contrário, tornasse-o mais frágil ao ressaltar as suas dificuldades (2008, p.43).

Considerando que tal experiência ocorreu no final da década de 1980, não há

dúvidas, quanto ao seu caráter inovador, no processo de inclusão de autistas.

Segundo Cruz a proposta perdurou por vários anos, tanto que seu filho permaneceu

em turmas comuns na escola pública até o 6º ano, mas a experiência sofreu

diversos questionamentos, referentes ao “aproveitamento escolar dos alunos, a

capacidade acadêmica de cada um, o papel dos professores e a presença de

profissionais auxiliares na sala de aula” (2008, p. 59). Mesmo considerando as

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resistências e entraves ao processo de inclusão de autista, consideramos que a

experiência registrada por Cruz foi muito profícua, que merece ser melhor

investigada.33

Ao consultar o arquivo online da Folha de São Paulo sobre o tema autismo, é

comum encontrar notícias que retratam o descaso com a educação das pessoas

com necessidades especiais, especialmente autistas. Como registro menciono as

matérias publicadas no dia 13 de maio de 1990, caderno C, p. 8, com a manchete:

“Escolas para excepcionais podem fechar” informava que dezesseis escolas

especiais privadas, de São Paulo passavam por sérias dificuldades financeiras. Em

outra manchete “150 alunos perdem curso”, retratou a situação vivenciada pela

Sociedade Pestalozzi, também de São Paulo. Outra manchete enfatizou que “Faltam

salas na rede pública”, para abrir classes especiais para atender aos deficientes.

(JFSP, 13/05/1990, Caderno C, p. 8).

A primeira notícia positiva foi do dia 22 de junho de 1991, com o título, “Rio

Preto constrói a 1ª escola pública especializada em educação de autistas”. Segundo

a matéria, o estado atendia uma reinvindicação da associação de pais e amigos dos

autistas (a AMA de Rio Preto), que já cobrava há quatro anos a construção de uma

escola-clínica. Segundo a nota, a prefeitura iniciou a construção da obra de 600

metros quadrados, a qual passaria a atender os autistas com exercícios específicos,

sendo totalmente custeada pelo poder público (JFSP, 22/06/1991, 9º Caderno, p. 1).

Na Folha de São Paulo, do dia 19 de janeiro de 1992, a construção da

referida escola voltou a ser noticiada. Segundo a matéria seriam ofertadas 30 vagas

na escola a ser inaugurada no dia 19 de março, na cidade de Rio Preto-SP,

atendendo a uma reinvindicação antiga da Associação de Proteção dos Autistas de

Rio Preto.34 Na mesma nota, informou que havia uma instituição temporária que

33 Em entrevista Deusina Lopes da Cruz afirmou: “A experiência da ASTECA durou anos e foi importantíssima porque impulsionou a expansão do movimento dos pais no Brasil afora, com a formação de várias Associações dos Amigos do Autista/AMA e da Associação Brasileira de Autismo/ABRA, com a realização de vários Congressos Nacionais e Internacional, com a constituição de um Grupo de Estudos e Pesquisas/GEPAPI, de inúmeras ações de capacitação e muitos avanços na legislação brasileira de inclusão das pessoas com autismo e suas famílias. Resultou, por fim que no DF, atualmente (2015), os alunos autistas são matriculados nas Classes Comuns das Escolas Regulares, como direito de cidadania (2015). 34 Enquanto os autistas de Rio Preto aguardavam a construção da escola e o início das aulas, a Folha noticiava uma experiência positiva da AMA de Ribeirão Preto, que estava tendo sucesso com a alfabetização de três garotos autistas. A reportagem ouviu Deusina Lopes da Cruz, que na época era presidente da Associação Brasileira dos Autistas (ABRA). Segundo ela, na época, “menos de 1% dos

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atendia a 450 pessoas psicóticas, entre elas os autistas, os quais tinham seu quadro

agravado pela falta de tratamento adequado, dizia o secretário municipal de

Educação (JFSP, 19/01/1992, Folha Norte, p. 10).35

Em matéria publicada em 8 de junho seguinte, com o título: “Trinta autistas

esperam por vaga em escola” ficou registrado que a escola já estava em

funcionamento e atendia a 18 autistas, todavia, estava tendo dificuldades de atender

à demanda devido à falta de funcionários. Segundo informado, a prefeitura anunciou

a contratação de funcionários, para ampliar as vagas “na única escola municipal

para autistas existente no Brasil, que funciona em Rio Preto”. A nota informa que na

cidade havia cerca de 400 autistas, na época. (JFSP, 08/06/1992, Folha Norte, p. 7).

Na época, certamente a matéria revelou uma exceção no país, ao notificar

que a administração pública atendia ao pedido da associação de pais e amigos de

autistas. Digo isso perante a realidade que presenciamos, como ativista na luta

pelos direitos dos autistas, pois, na época atual (2016), ainda são poucas as

clínicas-escolas construídas pelo poder público. Após aprovada a Lei Berenice

Piana, no final de 2012, que garante uma série de direitos, entre eles a educação

especializada e os atendimentos clínicos necessários ao autista, é comum encontrar

pessoas com autismo sem nenhum tipo de atendimento especializado.

Numa matéria do dia 2 de julho de 1994, a Folha noticiou um caso de sucesso

no Pará. Com o título: “Escola no Pará ensina autista a ler e escrever”, foi registrada

a experiência desenvolvida na rede estadual de educação. O projeto desenvolvido

na escola Yolanda Martins e Silva, transformou uma parte da escola numa espécie

de “casa-laboratório”, que atendia “os autistas mais velhos, que precisavam, como

prioridade, aprender regras de socialização, ler e escrever. Não sabemos se um dia

vão chegar ao ensino normal, mas esse é um dos nossos objetivos” (JFSP,

02/07/1994, p. 3).

Como demonstrado no capítulo 2º, a Constituição de 1988, no seu artigo 208,

garantia o atendimento educacional especializado aos deficientes, preferencialmente

autistas conseguem ser alfabetizados e que o índice obtido pela AMA de Ribeirão Preto é ‘altíssimo’” (JFSP, 03/10/1991, Folha Norte, p. 8). 35 Para os pais e profissionais da área que convivem com autistas a compreensão da fragilidade emocional/psicológica do autista é clara. Segundo Cruz (2008), referindo-se a seu filho, o estado emocional deles parece ser um cristal, não podendo ser estabilizado o tratamento, mas tendo a delicadeza de não forçar ao máximo, pois quando não tratado de forma adequada, ou submetido a terapias forçadas seu quadro de desenvolvimento tende a regredir ou piorar.

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na rede Comum de ensino. Essa bandeira ganhou ainda mais força a partir de 1994,

com a promulgação da Declaração de Salamanca, que promoveu enfaticamente a

inclusão dos deficientes no ensino regular ou comum. De lá para cá, as experiências

isoladas se intensificaram em diversos cantos do país, mas uma política consistente

e articulada em esfera nacional ou mesmo no âmbito dos estados ainda é uma

tarefa em construção.

Ulisses da Costa, pai do autista Rafael, relatou em suas memórias os

desafios enfrentados para garantir a educação de seu filho entre 2001 e 2009.

Conforme relatou, Rafael era acompanhado por profissionais especializados, cujo

tratamento era bancado pela família. Depois de ser rejeitado em várias escolas,

matriculou seu filho Rafael numa classe Comum do Colégio Santa Mônica, do Rio de

Janeiro, em 2001. Costa relata que conseguiu negociar na escola, para que as

profissionais (fonoaudióloga, psicóloga e psicopedagoga) que acompanhavam seu

filho frequentassem a escola quinzenalmente para orientar e assessorar os

professores e funcionários no processo de inclusão do Rafael. O pai também

conversava frequentemente com os professores e funcionários para saber do

desenvolvimento do menino. Conforme anotou, chegou a preparar “um conjunto de

apostilas sobre inclusão de autistas. Quais as suas reações e como ajudá-los diante

do estresse e/ ou mudança de rotina”, gravou “vídeos com profissionais de saúde e

demais terapeutas falando sobre o que era o autismo. Fiz vários envelopes com este

material e pedi à diretora da escola que me concedesse uma reunião com os

professores de meu filho” (2013, p. 38). Costa registrou várias dificuldades no

processo de escolarização de seu filho, mas, devido à abertura da escola e o

constante diálogo com os profissionais e com a família, Rafael passou por essa fase

com relativo sucesso, surpreendendo a todos por diversas vezes.

Esse exemplo expressa a clara necessidade de cooperação e articulação das

ações entre a equipe escolar, os profissionais e a família, para que haja

desenvolvimento integral do sujeito autista.

Os anos foram se passando e o debate sobre a inclusão cada vez mais vinha

à tona. Em matéria publicada na Folha de São Paulo, do dia 17 de outubro de 2006

encontramos uma matéria que expressa as contradições desse processo. A

reportagem “Juiz decide que escola privada pode vetar crianças com Down”

apresentou as dificuldades de uma mãe para conseguir uma vaga para sua filha. A

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matéria destacou uma decisão de um juiz do Estado de São Paulo que desobrigava

uma escola privada a matricular a criança com Down, alegando que a obrigação era

do estado e não da escola. No entanto, a procuradoria geral do Estado sustentou

que a Constituição garantia “igualdade de condições”. (JFSP, 17/10/2006, Caderno

C, p. 6). Se em 2006, para as crianças com síndrome de Down conseguirem uma

vaga na escola comum, ainda era caso de justiça, o que poderíamos pensar em

relação há uma criança com autismo? As famílias nem se davam conta de que era

um direito, assim, a grande maioria que poderia frequentar as escolas, seguia o

caminho das APAES. Recentemente tivemos uma polêmica que envolveu a

obrigatoriedade ou não de aceitar uma criança autista ou com outra deficiência em

escola particular, tendo uma grande ala que saiu em defesa das escolas

particulares.36 Mas, me pergunto será que as escolas particulares querem sobreviver

só do que dá lucro e status? E quando surge a questão da inclusão nas escolas,

elas por serem particulares, querem se desobrigar dessa responsabilidade.

No dia 05 de novembro de 2006, a Folha de São Paulo, promoveu um debate

em suas páginas sobre a frequência dos alunos com deficiência na escola Comum

ou especial. O debate foi provocado levando em consideração o drama vivido pela

personagem Regina Duarte, na novela “Páginas da Vida”, que representava o papel

de mãe de uma menina com síndrome de Down. A novela retratava a difícil busca

por uma vaga no ensino escola Comum, mesmo sendo o caso de uma menina de

fácil inclusão. Na mesma página, havia o relato de uma advogada que preferiu

colocar a filha autista numa escola especial, devido a melhor aceitação da mesma,

por estar num ambiente adaptado, com profissionais preparados, acompanhamento

personalizado e ser aceita entre os demais coleguinhas, fato este que não acontecia

na escola comum (JFSP, 05/11/2006, Caderno C, p.10).

36 Conforme amplamente divulgado, após a promulgação da Lei Brasileira de Inclusão ou Estatuto da Pessoa com Deficiência, mas mesmo antes de a Lei entrar em vigor, a Confederação das Escolas particulares acionou o STF contra dispositivos da Lei. Segundo matéria publicada na internet: “A Confederação Nacional dos Estabelecimentos de Ensino (CONFENEN) ajuizou, no Supremo Tribunal Federal (STF), a Ação de Inconstitucionalidade (ADI) 5357, com pedido de liminar, contra dispositivos do Estatuto da Pessoa com Deficiência (Lei 13.146/2015), norma que entra em vigor a partir de janeiro de 2016. De acordo com a entidade, o parágrafo 1º do artigo 28 do estatuto prevê uma série de obrigações às instituições particulares de ensino regular no atendimento de todo e qualquer portador de necessidade especial, mas veda a cobrança de valores adicionais de qualquer natureza em suas mensalidades, anuidades e matrículas no cumprimento dessas determinações” (CONFENEN, 2015).

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Emilene Coco dos Santos, ao tratar da política de inclusão fez a seguinte

afirmação:

A política de inclusão escolar vigente no país define que o espaço educativo privilegiado para as crianças com deficiência, transtornos globais do desenvolvimento ou com altas habilidades e superdotação é a escola regular. Crianças e jovens que até alguns anos atrás frequentavam somente escolas especiais hoje devem ser matriculados na escola de ensino comum. Ações como essa, em processo de implementação desde 2001 pelo Ministério da Educação, tem sido compreendidas de formas diferenciadas pelas famílias desses sujeitos que antes frequentavam prioritariamente escolas especiais (2013, p. 59).

Esse debate tardio entre opiniões divergentes dos familiares dos autistas

encontra-se longe do consenso, devido as diferentes realidades, tanto no que diz

respeito ao espectro de cada autista, como quanto à realidade oferecida por cada

escola em suas mais diversas regiões do país.

Talita Cruz, em sua pesquisa de mestrado, acompanhou o processo de

inclusão dos jovens Murilo e Gabriel, durante o ano de 2007, nas séries finais do

ensino fundamental, numa escola pública de São Paulo. A partir de observações e

entrevista com os professores constatou que, de modo geral, ainda eram

“insuficientes às condições de ensino a eles oferecidas na escola regular, bem como

as formas de lidar com suas peculiaridades de conduta” (2014, 121).

A folha de São Paulo, de 14 de maio de 2010, trouxe dados do MEC que

indicavam que somente 17,5% das escolas públicas estavam em condições

adequadas de acessibilidade para receber deficientes, contra 29% no sistema

privado. De acordo com o decreto federal de 2007, todas as escolas deveriam ser

adaptadas às pessoas com deficiência. A falta de acessibilidade nos banheiros, para

as pessoas com deficiências era/é um empecilho, pois para poderem frequentar uma

escola Comum se viam obrigadas a utilizarem fraldas geriátricas, sem necessidade

biológica, por falta de banheiros adaptados nas escolas públicas e particulares

(JFSP, 14/05/2010, Cotidiano. p. 1).

Em outra matéria publicada na Folha de São Paulo, do dia 28 de março de

2012, meses antes da aprovação da Lei de proteção dos autistas, Maria Gabriela

Menezes de Oliveira, mãe de um filho autista culpava a implantação do ENEM como

um veículo de exclusão das pessoas com deficiências. Segundo ela, quanto mais o

ENEM se fortalece como instrumento de avaliação e como meio de ingresso ao

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ensino superior, menos vagas sobram para as pessoas com necessidades

especiais. O ENEM provocou uma corrida das escolas para melhorar o índice da

nota de seus alunos, criando uma competição que deixou as pessoas com

dificuldades na aprendizagem em situação difícil, até para pleitear uma vaga na

escola. Assim argumentou: “Quando digo que meu filho tem necessidades especiais,

a vaga some. Ele sofrerá bullying, diz a diretora. Mas não serão eles os errados se

fizerem bullying comigo?” Questionou o rapaz autista de 16 anos ao ouvir a palavra

bullying, mas não obteve uma resposta da diretora. Esse desabafo presente na

matéria do jornal revela como a escola é uma instituição em forma de peneira,

perversa, que só inclui os eleitos. Segundo a matéria é preciso a união dos pais em

busca dos direitos dos seus filhos, ainda pequenos, para que quando adultos

possam exercer a cidadania plena (JFSP, 28/03/2012, Caderno Opinião, p. 3).

Numa outra matéria publicada na Folha de São Paulo, do dia 19 de abril de

2012, Ana Maria Elias Braga relatou sua experiência de mãe adotiva de um casal de

gêmeos univitelinos, que após serem diagnosticados autistas enfrentaram a dura

realidade de insistir numa inclusão, que não deu certo. Após duas tentativas em

escolas diferentes, e com a ausência da convivência entre os coleguinhas “normais”,

principalmente nas festas de aniversários, paqueras e finais de semana, resolveu

ouvir o apelo dos filhos pela permanência na classe especial, onde se sentiam iguais

aos demais, e não eram discriminados, participando das festas e eventuais

paqueras da juventude. Dizia a mãe dos jovens que, enquanto não houvesse uma

inclusão de verdade, o melhor seria para eles, estar entre seus iguais, do que se

sentirem rejeitados pelos “normais” (JFSP, 19/04/2012, Caderno Opinião, p. A3).

Sobre esse debate, Emile Coco dos Santos, afirma: “Observamos posturas

que vão desde o receio em relação à maneira pela qual seus filhos seriam acolhidos

na escola regular até a luta por uma escola que efetivamente lhes possibilite

avanços no desenvolvimento” (2013, p. 59).

Entendemos que esse receio não é um mero capricho dos pais, um excesso

de zelo pela deficiência do filho, mas um fato impresso em nossa sociedade, como

bem aponta Dayse Serra: “o estranho relaciona-se ao que é assustador e,

normalmente, o que é assustador o é porque possui sentido indefinido, provoca

medo, repulsa e traz aflição” (2008, p. 37-8). Reforçando essa visão, Serra,

reportando-se a Vilhena (2005), afirmou:

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a desumanização envolve categorizar um grupo como não humanos, seja pelo uso de categorias “de criaturas sub-humanas”, tais como raça inferior ou animais, seja pelo uso de categorias negativamente utilizadas como super-humanas, tais como demônios, monstros e criaturas satânicas (2008, p. 38).

É nesse contexto que a escola promove o silêncio e encaminha os hiperativos

para a medicalização, para promover a paz, enfatiza a autora (2008, p. 38).

Diante dessa realidade, a inclusão causa receio a todos. Os pais, porque

sentem na pele o preconceito mediante a uma discriminação velada. A equipe

pedagógica por que é cobrada pela eficiência, produtividade e ordem pelos pais dos

alunos “típicos” ou “normais”. Assim, a inclusão precisa ser debatida e promovida,

“para que ela não seja uma ‘inclusão de estatística’” (SERRA, 2008, p. 14). O fato

concreto é que o primeiro passo já foi dado e caberá aos pais e profissionais o

trabalho de promover e fiscalizar as escolas que atendem os alunos especiais.

No início de 2013, a Folha de São Paulo publicou algumas matérias sobre a

lei que estabeleceu a Política de Proteção aos direitos dos autistas (Lei 12.764 de

2012). A jornalista Iara Biderman escreveu uma matéria com o título “O lugar do

autismo”, trazendo o posicionamento do psiquiatra Estevão Vadasz, coordenador do

programa de transtorno do espectro autista do Instituto de Psiquiatria do Hospital

das Clínicas de São Paulo, sobre a lei de defesa do autista, aprovada entre o

feriadão de natal, de 2012 e o ano novo de 2013. Segundo Vadasz, a aprovação da

lei passou despercebida como os dois milhões de autistas do Brasil, população três

vezes maior que a síndrome de Down.

Os autistas no Brasil são invisíveis. A população não sabe o que é, a maioria dos profissionais não sabe do que se trata (...). É quase um quebra cabeça compreender e reconhecer o autismo, que pode se apresentar tanto numa pessoa com alguma habilidade extraordinária e boa cognição quanto em alguém com séria deficiência intelectual e que não consegue se comunicar verbalmente (JFSP, 15/01/2013, p. 3).

Com a institucionalização de uma Lei Federal, as famílias de autistas

começaram a serem vistas como um grupo que tem direitos, garantidos como

qualquer outra pessoa com deficiência e passaram a ser assegurados por lei. A

mídia trouxe à tona essa novidade e o assunto ganhou espaço, iniciando uma

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jornada pela divulgação desses direitos e pela inclusão na escola e na sociedade.

Tarefa que os pais abraçaram através de associações e centros de convivência.

Na mesma edição foi publicada a matéria: “Escola especial não é o ideal, mas

às vezes é necessária, diz advogada”. Segundo a advogada Renata Tibyriço, a

questão do direito da pessoa autista implica no acesso ao tratamento e à escola,

agora garantido por lei, sendo equiparados aos demais brasileiros com deficiências

– antes, legalmente os autistas não eram considerados deficientes.

A nova lei cria diretrizes para um plano nacional de proteção. Vamos ver como vai ser na prática. É preciso tirar essa população do limbo social: muitos ficam presos em casa e até as mães são excluídas socialmente, porque tem que cuidar dos filhos (JFSP, 15/02/2013, p. 4).

A reportagem enfatizou que a inclusão não estava funcionando como deveria

pela falta de profissionais preparados nas instituições sem entender o

comportamento do aluno autista, isso causava transtornos, sendo que em alguns

casos, as escolas especiais apesar de não serem o ideal, ainda eram a melhor

opção. Segundo a psicanalista Fernanda de Franceschi, em opinião emitida na

mesma matéria,

a inclusão do autista gera um conflito muito rico, pois, apesar de o autista quase não se expressar, sua presença denuncia o que está de baixo do tapete, porque perturba a ordem preestabelecida e mostra que a escola precisa se rever.

Conforme informado pela matéria, estava em curso uma ação civil pública, a

qual obrigava o Estado de São Paulo a manter centros especiais para autistas e, na

ausência destes custear tratamento particular. (JFSP, 15/02/2013, p. 4).

A recusa em aceitar os alunos autistas era evidente nas escolas públicas, no

entanto com a nova Lei, elas se viram obrigadas a aceitá-los, o que não ficou

evidenciado para as escolas particulares, as quais continuaram a rejeitá-los. Enfim,

a Lei da política de proteção aos direitos dos autistas provocou muitos debates e

isso foi/é muito salutar para o processo de inclusão das pessoas com autismo.

A Folha de São Paulo frequentemente abriu espaço para esse debate. Em

matéria publicada no dia 18 de agosto de 2013, apresentou de forma clara o

pensamento de duas mães em relação à escola para seus filhos. Segundo Silvia

Ruiz Mangalva, mãe e jornalista, a “interação é a única forma de quebrar o

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preconceito. Não dá mais para manter a invisibilidade dos autistas. Nunca vai haver

shopping especial só para eles, mercado só para eles”. Por outro lado, Fabiana

Cezar Baralde, mãe e psicóloga, argumentou que sua filha tem um desenvolvimento

diferente das outras crianças e precisa de uma atenção, um modo de educar

diferente e relata ser difícil manter a filha em escola Comum. (JFSP, 18/08/2013,

Caderno Cotidiano, p. 4). Ao observarmos os fatos que acompanham o texto é

possível afirmar que no primeiro caso, trata-se de uma criança com autismo leve,

pela forma que passeia tranquilamente e de mãos dadas com a mãe, já no segundo,

parece se tratar de uma menina com autismo moderado, e que necessitava de

maiores cuidados.

A mesma matéria trouxe o posicionamento de Manuel Vasquez Gil, pai e

psicólogo, que tem um filho com autismo severo, o qual estuda em uma escola

Comum. Segundo Vasquez Gil: “O mundo moderno exige toda a criança na escola e

o governo investiu em leis e procedimentos que levassem o país a esse patamar. Se

a criança não puder ir à escola por motivos médicos sérios, a escola deve ir à

criança”. A matéria apresentou outra declaração importante feita por Piana (a

matéria não especifica, mas provavelmente trata-se de Berenice Piana). Segundo

Piana: “Os pais precisam ter o direito de escolha de onde querem educar os filhos.

Eles são os melhores especialistas, vivem o problema no dia-a-dia” (JFSP,

18/08/2013, Caderno Cotidiano, p. 4). Daí a importância da implantação de políticas

que garantam o atendimento de acordo com as necessidades particulares.

O jornalista Hélio Schmarstsman também se posicionou nesse debate em

artigo publicado na edição do dia 25/08/2013, com título “Inclusão na marra”. Nele

analisa as posições divergentes dos pais, entre os que apoiam a inclusão e os que

acham melhor os filhos seguirem pela escola especializada. Segundo ele, o veto da

presidenta Dilma Rousseff, ao regulamentar a Lei 12.764, não deixou aberta a

possibilidade de oferecer educação especial gratuita, por considerar que feria o

acordo internacional de Inclusão para todos. Já alguns pais, alegam que cada caso

é um caso e que seria um erro adotar um padrão para todos (JFSP, 25/08/2013,

Caderno Opinião, p. A2).

Em reportagem produzida pela Folha de SP, gerada a partir do debate

realizado no auditório do próprio Jornal, no dia 04 de setembro de 2013 entre pais,

especialistas e educadores, ficou explícita as divergências sobre a opção de incluir

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ou não crianças autistas em escolas Comuns. O representante do Ministério da

Educação defendia ser inconstitucional a manutenção das escolas especiais, sendo

o Brasil um país signatário da convenção internacional que determinava a educação

inclusiva. A defensora pública Renata Tibyriço colocou em debate a questão de que

apesar da justiça já haver determinado que o estado deveria prestar atendimento

educacional especializado adequado para as pessoas com autismo, ainda não havia

avanços. Ela relatou que recebia muitas mães que tentavam colocar seus filhos em

escolas Comuns, mas diante das deficiências para a inclusão, optavam por mantê-

las em escolas especiais. “Sou a favor da Inclusão, mas infelizmente temos

situações em que a escola especial acaba sendo a alternativa porque não existe

outro serviço adequado oferecido pelo poder público”, afirmou a defensora pública

Renata Tibyriço (JFSP, 04/09/2013, Caderno Cotidiano, p. 7). A representante das

APAEs, Maria Elisa Granchi Fonseca, manifestou-se a favor da Inclusão, mas

sustentou que os autistas severos, exigem atendimento especifico, o qual é

oferecido nas APAEs. “Não podemos cortar da família o direito de opção de escolher

em que tipo de escola colocar a criança” (JFSP, 04/09/2013, Caderno Cotidiano, p.

7).

Não podemos desprezar o trabalho pioneiro das APAEs, no entanto, a maioria

delas atende todo o tipo de deficiência de forma genérica. Para o tratamento dos

autistas, onde cada caso é um caso, necessita-se de técnicas de atendimento

individualizado e especializado para um bom desenvolvimento. Sendo exceção e

não regra, as APAEs que fazem um trabalho direcionado para os autistas, zelando

pelas suas particularidades e promovendo o seu desenvolvimento, devido à grande

demanda de deficiências.

A questão de incluir os autistas em escolas comuns ou em escolas especiais,

gera polêmica, ou seja, não é consenso entre as famílias de autistas e entre as

instituições especializada e as próprias AMAs. Todavia, esse é um debate, sobre o

qual precisamos avançar, pois, a inclusão precisa ser feita. A lei garante e os

deficientes precisam que ela aconteça. No caso dos autistas, penso que ela é

fundamental, mas o tipo de inclusão deve ser decidido caso a caso.

Os desafios da Inclusão dos Autistas no ensino Comum

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Numa breve análise histórica, Serra (2008) percorreu o caminho da história da

educação especial, relembrando desde que a pessoa com necessidades especiais

era excluída de qualquer tipo de atendimento, tido como ser “monstruoso”, castigo

para a família e motivo de ser eliminado. Num segundo momento, progredimos para

o atendimento clínico, ou seja, o período da medicalização, mas sem se pensar que

estas pessoas tinham capacidade de aprender e direitos à educação. Num terceiro

momento “a educação começa a fazer parte da vida dos deficientes”, mas esta

educação passou por várias fases. No princípio de uma forma mais tímida,

“segregada, assistencialista”, oferecida somente por instituições de ensino

especializadas, como APAES e as Escolas Especiais. Na década de 1970 ganhou

destaque o “movimento da integração”, pelo qual, o aluno com deficiência que

pudesse acompanhar o ritmo dos demais era aceito, mas sem nenhum tipo de

adaptação. A partir dos anos 1990 ganhou força a proposta de educação inclusiva,

impulsionado pelos movimentos internacionais, como a Conferência Mundial de

educação para todos de 1990, a Declaração de Salamanca de1994 (2008, p. 13-4).

O movimento da educação inclusiva fortaleceu a luta das pessoas com

deficiência, das associações e entidades ligadas ao trabalho com deficientes e um

conjunto de direitos legais foram conquistados, como explicitado no segundo

capítulo, fazendo com que o movimento de inclusão educacional e social seja

irreversível.

Graças a esses avanços, hoje sabemos que uma pessoa com autismo que

tem a possibilidade de realizar as terapias necessárias e que conte com um bom

acompanhamento neurológico, pode se tornar independente e produtiva, com

exceção dos casos mais severos. Mas, mesmo estes, como já demonstrado pelo

trabalho de várias instituições, podem, quando recebem o tratamento adequado, ter

uma boa qualidade de vida, com uma relativa independência. Um bom exemplo

disso é o filho de Berenice Piana, um autista não verbal, que reside atualmente em

Itaboraí-RJ, que depois de uma intervenção adequada, é hoje, totalmente

independente em suas atividades dentro de casa, inclusive ajudando o pai na

marcenaria da família. Outro exemplo é o caso da professora Maria de Cássia

Bernardo, que reside em Dois Vizinhos-PR, a qual após ter seu filho sido rejeitado

pela APAE local, resistiu à ideia de interná-lo em uma clínica e não desistiu de lutar

por uma vida melhor para ele, fundando a APADV, como mencionado no capítulo

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anterior. Alexandre, filho de Maria de Cassia, foi diagnosticado pela própria mãe aos

vinte anos, o que tornou mais difícil readequar seu comportamental, mas mesmo

assim próximo de trinta anos começou a pronunciar as primeiras palavras e hoje tem

uma vida mais tranquila no ambiente familiar e na APADV, onde tem seu tempo

ocupado com várias terapias, o que ajuda a ter uma melhor qualidade de vida.

Esses exemplos citados tiveram sua origem há mais de duas décadas,

todavia, hoje, ainda sofremos para conseguir os atendimentos necessários para as

pessoas com autismo. Legalmente, os autistas têm todos os direitos garantidos,

educação, saúde e uma vida digna, como indicado no capítulo II. Vimos que depois

de intenso movimento dos pais de autistas, foi aprovada a Lei Federal n. 12.764, de

27 de dezembro de 2012, que instituiu a Política Nacional de Proteção dos Direitos

da Pessoa com Transtornos de Espectro Autista, sendo tal lei, devidamente

regulamentada pelo Decreto n. 8.368, de 2014. Essas leis se constituem em

expressiva força para o movimento em defesa dos direitos dos autistas.

A Convenção dos Direitos das Pessoas com Deficiência (CDPD) adotada pela

ONU em 2006 estabeleceu que as pessoas com deficiência, inclusive os autistas,

devem ter serviços especializados, mas não exclusivos por razões igualmente

importantes, a de não reafirmar e promover a exclusão, apartação e o isolamento

dessas pessoas e suas famílias e garantir a igualdade de oportunidades e a

participação social. Como signatário dessa Convenção, o Brasil, pelo Decreto nº

6.949, de 25 de agosto de 2009, promulgou, com status de Emenda Constitucional,

as decisões da referida declaração. Conforme o artigo 1º, do CDPD da ONU,

referendada pelo Brasil pelo Decreto 6.949/2009:

Pessoas com deficiência são aquelas que têm impedimentos de longo prazo de natureza física, mental, intelectual ou sensorial, os quais, em interação com diversas barreiras, podem obstruir sua participação plena e efetiva na sociedade em igualdade de condições com as demais pessoas (BRASIL. Decreto n. 6.949 de 2009).

Essa medida serviu de base para as leis 12.764/2012 e para o Decreto

8.368/2014, que tratam especificamente dos direitos dos autistas.

Pelo exposto na Nota Técnica n. 24 do MEC/SECADI/DPEE, de 21 de março

de 2013, com Orientações aos Sistemas de Ensino para a implementação da Lei nº

12.764/2012, fica claro que os municípios precisam ter

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Planejamento e organização do atendimento educacional especializado considerando as características individuais de cada estudante que apresenta transtornos do espectro autista, com a elaboração do plano de atendimento objetivando a eliminação de barreiras que dificultam ou impedem a interação social e a comunicação.

Cabe, portanto, à cada escola organizar seu planejamento dialogando com a

família e os profissionais que atendem ao aluno autista incluso. Conforme previsto

no artigo 7º, da Lei n. 12.764/2012, e reforçado pela Nota Técnica n. 24 do MEC, “a

recusa de matrícula e o não atendimento às necessidades educacionais específicas

dos estudantes, fere o dispositivo constitucional que assegura o direito à inclusão

escolar”. A Nota Técnica recomenda que na ocorrência de

tal fato seja comunicado ao Ministério Público, bem como ao Conselho de Educação, no âmbito municipal, estadual ou federal, responsável pela autorização de funcionamento da respectiva instituição de ensino, pública ou privada, afim de que se proceda à instrução de processo de adequação ou de descredenciamento da instituição de ensino, bem como aplicação das penalidades previstas ao gestor escolar ou autoridade competente que recusar a matrícula do estudante com transtorno do espectro autista (BRASIL. MEC/SECADI/DPEE, Nota Técnica n. 24 de 2013).

A inclusão veio como uma recomendação do Governo Federal, que, por sua

vez, sofreu as diretivas da ONU, que justifica estar cumprindo um apelo mundial pelo

fim da segregação. Ao pensar como pesquisadora, mãe de autista e militante da

causa, vejo que essas ações fortalecem a luta dos pais e associações, todavia,

quando pensamos na instituição escolar, verificamos que a imposição da inclusão

das pessoas com deficiência no ensino comum gera dúvidas, sobre qual a

alternativa mais correta, a escola comum ou especial? Não questionamos o fato do

direito, pelo qual, todos somos iguais perante a Lei, mas, o modo pelo qual a

inclusão está sendo oferecida. Podemos nos perguntar: em qual escola ao

chegarmos para matricular uma criança autista ou com qualquer outro tipo de

deficiência, encontra-se tudo pronto e organizado para recebê-la? Apesar de haver o

direito assegurado por Lei, os pais, individualmente ou através de associações,

como a AMA-SP, a APADV, a AMA-FB, como tantas outras pelo Brasil afora,

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precisam se mobilizar, buscar apoio e lutar de forma constante para que os direitos

dos seus filhos autistas sejam efetivados.37

Questionada sobre essa problemática Deusina Lopes da Cruz, assim se

manifestou:

Reconheçamos que nenhum serviço se prepara para receber um usuário que não existe, portanto, vamos matricular os alunos autistas. (...). Não é possível você falar de preparação antecipada da escola para receber alunos com autismo, se eles não estiverem lá, para serem vistos, para identificar suas demandas individuais, porque variam de criança e de aluno para aluno (CRUZ, 2015).

Essa foi a leitura que eu e meu esposo fizemos na hora de matricular nosso

filho na escola Comum. Entre matricular na escola privada e escola pública, optamos

pela pública para gerar demanda. Cruz reforça essa ideia de forma mais enfática:

Então, se ficar sentado em casa só acusando a escola de não funcionar bem, e que o governo não faz isso e aquilo, não vai acontecer nada. Acho que essa é uma posição muito refratária, uma posição muito pobre, diante de uma competência enorme que todos nós temos de contribuição nesse processo, de inclusão e de garantia de direito (2015).38

Em outras palavras, as crianças autistas precisam ir para a escola, para que a

inclusão deixe de ser um discurso e vire uma prática.

As escolas sabem que a inclusão é um direito e contra esse fato nada podem

fazer; sabem também que o professor regente é o professor do aluno autista e que o

professor de apoio, quando se faz necessário está próximo para dar todo o suporte.

No entanto, na maioria dos casos isso não acontece, porque o professor regente

está muito ocupado, tentando dar conta da turma de alunos “normais” e o professor

de apoio fica com o compromisso de alfabetizar e cuidar do aluno autista, tomando o

cuidado para que este não atrapalhe o curso normal das aulas. E o que dizer do

planejamento individualizado que todo aluno especial necessita? Como ele pode

acontecer se nem ao menos são garantidas as horas-atividade que todo professor

de apoio tem direito?

37 Segundo Serra: “Reconhecer as características positivas dos filhos, reconhecer o seu valor, suas potencialidades, sua individualidade e sua capacidade criativa, pode representar a maior dádiva que os pais podem dar aos filhos” (2004, p. 24). 38 Não existe escola ideal. Ideal é a escola que se preocupa com seus alunos, onde eles são felizes, constroem relações sociais significativas, tem os seus processos de ensino e aprendizado respeitados, mediados e favorecidos para um bom desenvolvimento (CRUZ, 2015).

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Incluir não é levar o aluno com autismo na escola e deixar conviver no meio

de crianças “normais”. Incluir é eliminar as barreiras que um ser humano possui, é

despertar seu potencial criativo, é educar e socializar. Tudo isso impõe um

planejamento adequado, um trabalho conjunto entre o professor regente e o

professor de apoio, comunidade escolar, a família e os terapeutas, caso contrário

haverá uma separação de conhecimentos, ou seja, uma inclusão fragmentada. No

entendimento de Eliana Borali: “A inclusão tal como ela se estabelece hoje, onde se

pega uma criança e se joga numa sala, sem os critérios, sem o devido respeito à

pessoa que possui diferenças, isto não é incluir isto é surra pedagógica” (2015).

Ao ser questionada sobre essa questão Berenice Piana, assim se manifestou:

Olha eu sou e vou sempre ser a favor da inclusão, mas eu não gosto de faz de conta e nunca aquela inclusão que é propagada por aí: coloca dentro da sala de aula e fecha a porta e acha que isso é inclusão. E aí ele está mais excluído do que nunca. Sou a favor daquela inclusão onde existe o acompanhante especializado, onde essa turma é preparada para receber essa criança. Aonde esse professor é capacitado para trabalhar com essa criança. Aonde ele é acolhido verdadeiramente e não aonde ele vai para uma sala e ficou lá feito um peixe fora da água. Essa não! (2014)39

A inclusão é um tema relativamente novo e que merece ser discutido com

carinho e respeito, quanto mais conhecermos sobre o aluno e suas necessidades,

de forma individualizada, mais justos seremos quando formos expor nossos

conhecimentos em defesa de uma melhor inclusão. Ao tratar da problemática da

inclusão, Santos afirmou:

A própria escola, no intuito de se organizar para receber o aluno com deficiência, muitas vezes faz ajustes que desconsideram o direito da criança de estar matriculada no ensino comum, principalmente quando propõe uma carga horária reduzida ou sua permanência na escola associada ao apoio de outro adulto além da professora na sala de aula (2013, p. 59-60).

Do exposto pela autora, discordo de dois pontos. Ao se reportar a questão da

igualdade de direitos, a autora afirma que a criança pode ser prejudicada com os

ajustes de carga horária. Em se tratando de autistas, é necessária uma análise mais

aprofundada de todo o espectro, pois dentro dele há muitas diferenças. Cada autista

39 E sou a favor também de um ensino especializado, quando esta criança não consegue aprender e nem desenvolver no ensino regular, quando existe a necessidade dele ter um ensino especializado (PIANA, 2014).

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é único e deve ser analisado de forma diferenciada, pois tem vários casos em que

há a necessidade de horário reduzido para que haja uma adaptação qualificada.

Outro ponto é a crítica ao outro adulto que faz a mediação com a professora e a sala

de aula. Poucos são os alunos com autismo que, ao serem incluídos, não

necessitam de um professor de apoio. O que pode acontecer quando há um único

professor em sala de aula para atender a todos os alunos de forma indiscriminada?

Para verificar os problemas é só visitar algumas escolas onde há inclusão. As

dificuldades são gritantes, até mesmo quando tem um professor de apoio. Esse

professor ao atuar diretamente com o aluno autista, tem a tarefa de educá-lo e

mantê-lo o mais integrado/disciplinado possível, no ambiente escolar.

Santos (2013), reportando-se em Vigotski, sustenta que o desenvolvimento

infantil está relacionado às mediações, que lhe são possibilitadas no convívio social,

para tanto é necessário reconfigurar as práticas educativas, na escola e na sala de

aula. A formação da consciência e o desenvolvimento cognitivo ocorrem, do plano

social para o individual, sendo, portanto, a inclusão algo necessário para o

desenvolvimento do ser humano acometido de alguma deficiência.

Uma das questões centrais no processo educacional dos deficientes é a

problemática da medicalização. Segundo Santos, além da precariedade da

organização de muitas escolas, há a “persistência de uma visão clínica, baseada na

ideia de que esses estudantes necessitam de uma intervenção ‘curativa’ às suas

‘deficiências’, em detrimento do acesso comum trabalhado no coletivo da turma”

(2013, p. 64). O problema da medicalização é muito delicado, mas é um debate que

precisa ser feito. Em muitos casos, os deficientes precisam de intervenções clínicas,

como condição, para garantir o seu desenvolvimento educativo, pois se eles não

estiverem com a parte neurológica clinicada, não terão condições de aprender.

Quanto à preocupação do deficiente em acompanhar o coletivo da turma, também

precisa ser pensada com cuidado, pois a realidade não é tão simples para quem

convive com a deficiência. Devemos sim, afastar todas as formas de medicalização

indevida e preconceituosa, que tem como objetivo exclusivo manter a paz no

ambiente escolar, todavia, se não dermos as condições clínicas, instrumentais e

metodológicas para cada particularidade apresentada pelo deficiente, estaremos

negando o pressuposto defendido por Vigostki (explicitados no final do 1º capítulo),

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ou seja, que a sociedade deve criar instrumentos para que a deficiência não seja

motivo para que o ser humano deixe de ser útil.

Dayse Serra (2004) fez uma análise do papel decisivo da família para o

sucesso da inclusão. Uma difícil decisão, onde está latente a dor psíquica nas várias

fases da vida, desde a notícia da deficiência e durante seu desenvolvimento para a

fase adulta. A dor da comparação aos demais, o sentimento de piedade exposto no

olhar do outro é um processo difícil para as famílias e a superação e aceitação

disso, é muito variado, mas o certo é que o quanto mais rápido ela acontecer,

melhor será para a criança.

Em entrevista com Eliana Borali, fundadora da AUMA pedi para deixar um

conselho para as famílias que convivem com autistas. Ela nos deixa a seguinte lição:

Aceite o autismo, né! Entenda o autismo! Aprenda autismo! Estude autismo! Porque aprendendo, estudando autismo você vai ter uma facilidade maior de aceitar e aceitando você vai ter um teor de felicidade maior. Não lute contra! Lute a favor dele! Esse é o melhor caminho é a aceitação. Agora eu peguei a aceitação como uma bandeira para fazer um movimento social que traga alívio, esperança, felicidade, esclarecimento, conhecimento, apoio a outras famílias que vivem a mesma dor que eu vivi. Mas eu não fiquei chorando em cima na minha dor não, eu fiz dela uma alavanca para me deixar forte e ela me deixou (2015).

Não há dúvidas sobre o papel fundamental que a família tem para o sucesso

da inclusão, fornecendo informações sobre a comunicação e o comportamento da

criança. Segundo Serra a “escola é o único espaço social que divide com a família a

responsabilidade de educar”, visto que “trabalha a unidade na coletividade”. E, ao

promover isso “favorece uma certa transitoriedade entre as diferenças individuais e

as necessidades do grupo, oferecendo ao indivíduo, oportunidades de

comportamentos normalizantes” (2004, p. 23). Serra reforça, que além da família

ajudar a compor o currículo das crianças com autismo, elas devem evitar os

“malefícios da infantilização”, contrapondo com os benefícios do aprendizado para a

independência da criança, por isso deve-se trabalhar ao máximo o desenvolvimento

de suas potencialidades. (2004, p. 24).

Essa leitura nos permite retomar as proposições de Vigostky ao enfatizar, que

com a vivência em sociedade, em grupos, o potencial cognitivo da pessoa com

deficiência tende a evoluir. Segundo Cruz:

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Você está diante de um ser humano social e não pode ser negado a ele nenhum acesso a serviços sociais de convivência coletiva, ofertados às demais pessoas. É uma questão de princípio, do direito à igualdade de oportunidade. Não é dada a família, nem a sociedade e nem aos gestores públicos, o direito de privar esse acesso (2015).

Umas das condições essenciais para que haja a inclusão de forma efetiva na

escola, é a de que quem estiver na coordenação, à frente do setor de educação

especial dos estados, municípios e das próprias escolas tiver a preocupação em

desenvolver um trabalho específico para o aluno autista. Serra (2008) confirmou isso

ao analisar o trabalho de implementação de programas de educação para crianças

autistas em dois municípios de Estado do Rio de Janeiro. Conforme relatou Serra, a

coordenação de educação especial de um dos municípios contratou uma

neurologista para fazer a formação de professores. A partir dessa formação, num

período de menos de seis meses depois, 102 alunos suspeitos foram encaminhados

para avaliação, sendo que destes, 97 tiveram seus diagnósticos confirmados (2008,

p. 10-11). O que fez a diferença para essas crianças foi o interesse de quem estava

à frente da educação especial. Como enfatizou Berenice Piana:

A inclusão quando feita cedo, feita com carinho, amor. Quando ela é feita de maneira correta o autista tem muito mais chance de se recuperar e aprende a socializar, aprende a respeitar e ser respeitado. Mas se ele vai para uma turma onde não há nenhum tipo de acompanhamento ele vai só sofrer. Ele não vai desenvolver (2014).

Infelizmente, as ações concretas na grande maioria dos municípios do Brasil

ainda são isoladas, manter a invisibilidade dos casos ainda é mais prático, e a cena

se repete. Os alunos autistas sem diagnóstico e com um comportamento avesso aos

padrões sociais são tidos como deficientes mentais e recebem o atendimento como

deficientes mentais, sendo a falta de informação e de um diagnóstico mais preciso o

pior dos males, pois, essas crianças terão toda a sua vida prejudicada pela falta de

intervenção na idade certa.

O fato é que existe uma grande dificuldade para formar especialistas na

educação. O que dificulta esse trabalho de formação continuada é a constante

entrada e saída de profissionais, devido aos contratos temporários para professores.

Esses contratos têm a duração de um ano letivo, podendo ser renovado por mais um

ano. O que significa que o investimento numa formação continuada desses

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profissionais, será de curta duração e não há outra saída, a não ser reiniciar o

processo de formação a cada ano, para o novo grupo de professores que serão

contratados. O conhecimento mais efetivo e aprofundado sobre o autismo e suas

práticas não se dá do dia para noite, é um processo, que pode ocorrer de forma

mais efetiva, com professores concursados.

Além da falta de professores especializados, o Brasil ainda carece de outros

profissionais que são fundamentais para o diagnóstico e intervenção juntos aos

autistas, como lembrou a cientista Patrícia Braga, coordenadora do projeto Fada do

Dente40:

Eu acho que tem uma coisa que falta no Brasil, assim faltam profissionais habilitados para tratar esses pacientes, para diagnosticar esses pacientes. Profissionais nas mais diversas áreas, então a nossa ideia, que não é só minha. É minha, do Alysson, que na verdade a gente não inventou, a gente está copiando do que já existe nos EUA e na Europa são centros de pesquisa. A ideia era montar um centro de pesquisa no Brasil, para quê? Para além de fazer pesquisa, ter um centro de treinamento para capacitar profissionais das mais diversas áreas a reconhecer, fazer o diagnóstico precoce desses indivíduos, tratar esses indivíduos. Então teria fonoaudiólogo, terapeuta, psicólogo, psiquiatra, educadores, profissionais das mais diversas áreas que pudessem dar um atendimento global para esses pacientes porque não adianta só a gente dizer que o Governo tem que dar, aonde a gente vai procurar esse profissional especializado? Não tem? E não devia ser assim, uma patologia com uma incidência tão alta? Tem que ter um respaldo específico para ela. É fundamental (2015).

A carência de profissionais é muito grande no Brasil. As famílias de autistas

encontram muitas dificuldades, mesmo pagando, para conseguir atendimento com

neuropediatras, terapeutas ocupacionais, fonoaudiólogos, odontólogos, psicólogos,

que tenham um bom conhecimento em autismo.

Serra enfatizou a importância da aproximação entre educação e saúde para

facilitar o diagnóstico precoce e desenvolver um trabalho com o aluno autista. Como

obter um diagnóstico precoce se nem ao menos conseguimos um diagnóstico com

facilidade? No caso relatado por Serra, a solução encontrada por um determinado

40 O projeto Fada do Dente é desenvolvido em um laboratório de genética, na USP e coordenado pela professora Patrícia Braga. O projeto consiste na retirada de células da polpa do dente de leite de crianças autistas. Essas células são transformadas em neurônios funcionais, permitindo uma série de testes com diversas substâncias. Braga explicou que as células do dente de leite têm uma excelente qualidade para a pesquisa “e eu posso receber sem causar nenhuma dor ao paciente eu posso receber isso de vários lugares do Brasil, o paciente não precisa vir me entregar” (2015).

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município, foi a realização de um curso de identificação do autismo, para pediatras

da rede municipal de saúde. Ao serem diagnosticadas precocemente, as crianças

podem receber a intervenção adequada, possibilitando o resgate de grande parte do

desenvolvimento típico, trazendo a criança ao curso normal de seu amadurecimento

cognitivo (2008, p. 12-13).41

Diante da análise que buscamos fazer sobre o processo de inclusão, nesse

momento da história da educação especial, de debate sobre o caráter benéfico ou

não dessa prática, muito ainda precisamos caminhar para termos uma resposta

definitiva se a inclusão é o melhor caminho ou não. Conforme indicado por Serra, a

“humildade e cautela diante do tema” e a necessidade de uma constante

aprendizagem, apontadas por Kanner em 1943, quando iniciou sua descoberta

sobre o autismo, ainda devem estar presentes em nossas falas e ações (2008, p.

14). No entanto, alguns direcionamentos podem ser apontados e estes ajudarão aos

pais e profissionais na decisão de incluir ou não seus filhos e alunos.

Segundo Serra:

A educação de uma criança portadora de autismo42 representa, sem dúvida, um desafio para todos os profissionais da Educação. A singularidade e, ao mesmo tempo, a diversidade de conceitos sobre a síndrome nos fazem percorrer caminhos ainda desconhecidos e incertos sobre a melhor forma de educar essas crianças e sobre o que podemos esperar efetivamente de nossas intervenções (2008, p. 14).

Devido ao fato de a inclusão ser uma política mundial estimulada pela ONU e

UNESCO, os organismos internacionais de financiamentos educacionais têm

cobrado das redes públicas dados estatísticos sobre o percentual de alunos

especiais matriculados, o que favorece a entrada desses alunos nas instituições,

mas os profissionais comprometidos e os pais e cuidadores desses alunos precisam

estar atentos para questionar a qualidade dos atendimentos que eles estão

41 Ao ser questionada sobre o que se fazer quando se tem o diagnóstico de autismo, Patrícia Braga assim se posicionou: Eu acho que investir nas terapias, sem dúvida nenhuma. Cobrar do Governo esse investimento, porque esse é papel do Governo. E o Governo tem que dar subsídio tanto para escola, quanto para os tratamentos, para as terapias, para melhorar os indivíduos que tem autismo porque a gente sabe que quanto mais cedo tem intervenção melhor é (2015). 42 A expressão portadora usada pela autora não é mais utilizada para se referir as pessoas especiais, tendo como justificativa que quando porto algo posso me desfazer a qualquer momento e uma deficiência se leva para toda a vida. A expressão mais adequada é pessoa com deficiência.

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recebendo. Conforme as orientações legais a inclusão deve respeitar a

individualidade, pois cada caso é um caso. Como defende Deusina Lopes da Cruz:

Assim como a sala de aula comum precisa ser acessível a uma pessoa cega e usar o braile por exemplo, a língua de sinais para ser acessível ao aluno surdo etc., podemos dizer: “nós precisamos de acessibilidade, de uma metodologia que seja acessível e que alcance a mente “diferenciada” desse aluno autista”, só isso (2015).

Para a maioria das crianças, se for trabalhada de forma adequada e com as

adaptações necessárias, os efeitos da inclusão na escola comum serão positivos,

todavia, sempre haverá aqueles que vão necessitar de um atendimento

especializado, podendo inclusive receber o atendimento educacional em sua própria

casa ou numa escola especializada. Conforme posicionamento do cientista Alysson

Muotri ao ser questionado sobre a inclusão:

Eu acho que vai depender de cada caso. Tem casos que são mais graves, vão precisar de uma atenção melhor. E casos menos graves, eu acho que tem que haver um esforço de inclusão sim, mas isso deve ser feito dependendo de cada caso (2015).

A inclusão de alunos autistas é polêmica por se tratar de pessoas que tem

estereotipias, causadas pelo transtorno. Esse fato é extremamente relevante, pois

implica de forma direta nas trocas interpessoais que ocorrem na escola. É comum os

autistas terem atitudes inesperadas e sem nenhuma explicação aparente. Esse

comportamento atrai a atenção dos colegas, despertando, por vezes, situações

engraçadas ou temor e desconfiança.

É fato concreto que a hiperatividade, agressividade e a dificuldade de

comunicação são fatores que contribuem de forma direta na resistência por parte

das escolas em recebê-los. Nas pesquisas de campo, em conversas com

professores e equipes pedagógicas nas escolas que visitei, a crítica sobre e/ou para

a inclusão é quase sempre a mesma: a falta de preparo dos professores para atuar

na educação especial; o poder público aceitou a inclusão, mas não oportunizou às

escolas a formação para trabalhar com os alunos inclusos, em especial os autistas.

Enfim, as poucas informações recebidas são insuficientes para a realização de um

trabalho eficiente e tranquilo com os alunos. Ainda existe a divergência de opiniões,

diretores que aceitam a inclusão, mas que se angustiam por não saberem o que

fazer e sentem falta de uma formação continuada e aqueles diretores e equipe

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pedagógica que não aceitam, acham que esses alunos deveriam ir para escolas

especializadas, pois eles (alunos) estão sofrendo com a inclusão. Esse pensamento

comodista dificulta a permanência dos alunos com deficiência, em especial os

autistas que são os que mais necessitam de entendimento e paciência.

Um fator indispensável para a organização de qualquer programa educacional

é conhecer as características individuais dessas crianças. Um questionário pode ser

enviado ou feito aos pais para responder perguntas sobre o que eles gostam e o que

não gostam e essas informações utilizadas a favor do professor. Se o aluno gosta de

cachorros, utilizar figuras de cachorros para chamar atenção, nas mais variadas

atividades realizadas. Outro recurso a ser utilizado é o PEP-R, uma avaliação

realizada por um psicólogo ou profissional preparado, que irá mostrar os altos e

baixos dos alunos, suas dificuldades e potencialidades. Segundo Cruz:

“Necessariamente, os três precisam estar juntos: escola, profissionais e as famílias,

para descobrirem as necessidades dos alunos, as estratégias de capacitação, de

ajustes para melhorar tudo isso e para fazer acontecer” (2015). Ou como afirma

Serra: “A Inclusão sem a formação adequada de professores, sem o apoio dos

colegas de sala e sem a participação dos familiares, paradoxalmente, pode significar

a pior das exclusões“ (2008, p. 6. Resumo).

Serra complementa de forma enfática:

Por educação de qualidade entendo aquela que garantirá aprendizagem e desenvolvimento aos seres humanos. A inclusão envolve participação democrática de todos, e isso inclui Estado, professores, familiares, alunos, etc. A inclusão não pode ocorrer por meio de um manual ou força de documentos políticos, pois envolve culturas, políticas e práticas pedagógicas, e, nesse caso, não só a diversidade do sujeito, mas a diversidade local deverá ser considerada, pois os princípios culturais vão orientar as decisões políticas e as práticas pedagógicas. A construção de valores sobre a inclusão é um processo cultural (2008, p. 19).

Concordamos com Serra quando destaca que a inclusão é um processo

cultural e que, portanto, não se faz de um dia para o outro. Todavia, considerando

que a inclusão é uma política global, assumida pelo Brasil, entendemos que é um

movimento sem volta, irreversível. Enquanto militante, não tenho dúvidas de que

esse processo fortalece a nossa causa, mas enquanto pesquisadora e profissional, a

realidade coloca-nos um grande desafio, que é o de se qualificar ainda mais,

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buscando compreender cada vez melhor o autismo e os autistas, para poder intervir

qualitativamente na formação de profissionais e na produção de instrumentos

pedagógicos que leve à inclusão e à emancipação das pessoas com deficiência.

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CONSIDERAÇÕES FINAIS

Concluir um estudo é sempre uma tarefa difícil, pois, é nessa hora que

percebemos as limitações do texto e constatamos que é necessário avançar. Por

isso, opto pelo termo considerações finais e não conclusão.

Ao retomarmos as bases legais da educação especial no Brasil, detalhadas

no capítulo II, verificamos que com acirramento das discussões em torno do

processo de educação especial, desencadeado a partir da Lei 4.024/61, nossa

primeira Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional (LDBEN), o conceito chave

para a inserção dos deficientes foi o de “integração”, pelo qual, os alunos com

deficiência que conseguissem acompanhar o ritmo dos “normais” poderiam

frequentar a escola comum sem contar com um apoio especializado. A partir do final

da década de 1980 e início da década de 1990, o termo “integração” perdeu força,

sendo substituído pela ideia de “inclusão”, para todos sem distinção.

O avanço do conceito e do debate sobre inclusão se deu, justamente, no

contexto de expansão dos princípios e práticas denominadas de neoliberais, que

privilegia o individualismo, a propriedade privada, o estado mínimo etc. Por um lado

expressa uma grande contradição, como incluir numa sociedade que favorece a

exclusão? Por outro lado, o fato de valorizar o individualismo acabou favorecendo a

luta dos excluídos, das minorias por direito à igualdade, ao menos perante a lei.

O movimento da inclusão tomou uma perspectiva mundial a partir da

Conferência Mundial de Educação para Todos, de 1990 e, principalmente a partir da

Declaração de Salamanca de 1994. O fato de o movimento da inclusão ter virado

uma política mundial promovida pela ONU, não significa que ela partiu da cabeça

dos governantes presentes nas conferências. Como evidenciado pela documentação

utilizada, a demanda da inclusão e dos direitos das pessoas com deficiência chegou

a ONU graças as ações de pais, associações e dos próprios deficientes que viviam

nos países mais desenvolvidos, que lutaram por décadas para terem seus direitos

garantidos.

Porém, se em boa parte dos países da Europa e nos Estados Unidos, a

inclusão das pessoas com deficiência na sociedade e nas escolas já era uma

realidade em meados da década de 1990, em países como o Brasil esse processo

estava apenas iniciando. Conforme demonstrado no capítulo II, um conjunto

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significativo de medidas legais foi adotado a partir da Declaração de Salamanca

para incluir as pessoas com deficiências na escola comum, todavia, as resistências

a essa política foram grandes, tanto pelas escolas, professores, quanto familiares.

Lentamente, as resistências foram ou estão diminuindo, devido às ações dos

deficientes ou de entidades que lutam pelas causas dos deficientes. O movimento

de inclusão fortaleceu as ações das entidades e, estas, com suas ações

promoveram a inclusão.

Nesse cenário de ampliação do movimento de inclusão, as pessoas com

Transtornos de Espectro Autistas foram as últimas a serem contempladas com uma

política específica. Essa política tem pouco mais de três anos e expressa uma

conquista dos pais e associações de pais e amigos dos autistas. A aprovação da Lei

12.764/2012 fortaleceu imensamente a luta dos autistas, e acelerou o processo de

inclusão das crianças no ensino Comum, todavia, como demonstrado no capítulo IV,

essa inclusão vem sofrendo significativa resistência, pois, os autistas, por terem um

comportamento diferenciado, têm provocado certa instabilidade no ambiente escolar.

Como ilustrado pelos depoimentos registrados no referido capítulo, os autistas

necessitam de uma mediação pedagógica especializada. E além disso, de um

conjunto de outros profissionais e do envolvimento da própria família, que precisam

acompanhar o processo de inclusão escolar e social desses alunos. As experiências

indicadas demonstram que para haver sucesso na inclusão de autistas, é necessária

uma articulação entre a escola, a família e a equipe multidisciplinar que atende as

crianças.

A trajetória do AMA-SP e da APADV, expressas no terceiro capítulo, revelou a

importância e a força dos pais para garantir um mínimo de qualidade de vida para os

autistas. O amor pelos filhos e a necessidade de buscar um espaço que oferecesse

um atendimento adequado, estimulou-os a fundarem instituições especializadas.

Ficaram evidenciadas nas trajetórias das instituições, que os motivos e os objetivos

da fundação foram os mesmos, bem como os desafios enfrentados para a sua

manutenção. Outra característica que pode ser evidenciada está associada ao grau

de autismo dos filhos dos fundadores. No caso de autismo severo, a filosofia de

instituição tende a centrar-se mais no trabalho especializado não estimulando tanto

a inclusão no ensino Comum, já no caso de filhos com autismo leve, os pais tendem

mais a promover a inclusão na escola Comum.

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Constantemente envolvo-me em polêmicas, quando procuro defender, com o

meu trabalho à frente da AMA-FB, que o atendimento aos autistas deve ser

especializado, que precisa ser individualizado. Não podemos deixar que os

descasos das autoridades levem/encontrem as soluções mais “confortáveis”, para

eles, mandando os autistas para as APAEs ou CAPS. Esse é um conflito travado

entre quem busca um direcionamento humanizado e de qualidade, contra quem

busca por um caminho mais fácil, meramente paliativo. Considero essas duas

instituições importantíssimas, em sua natureza, que fazem um grande e valoroso

trabalho, quando se dedicam de forma humanizada e eficiente para tratar outros

tipos de deficiências. Valorizo a manutenção e criação de novos CAPS, cuja função

é tratar de problemas relacionados ao álcool, drogas e outros desvios de

comportamento social da infância e adolescência. Então como tirar a importância

desses centros de atendimentos? Jamais buscamos isso, com tantos casos que

temos em nossa sociedade, mas incluir os autistas nesse meio, só para terem um

local para ficar, não tem sentido algum. Com a sua vulnerabilidade e ingenuidade de

pensamento, não seria um ato humano para com eles. Ao forçá-los a conviver, nos

CAPS com pessoas que tem consciência do que estão praticando, que

conscientemente utilizam-se da violência, da exploração sexual, é submeter os

autistas a tortura. Incluir um ser que não tem noção de maldade, não tem

previsibilidade muito nos assusta, como pais e profissionais, e isso nos motiva a

intensificar a luta pela criação de Centros de Atendimento Especializado para

Autistas, que possam atender aos autistas que não têm condições de frequentar a

escola Comum e prestar apoio aos alunos incluídos no ensino Comum. Além disso,

acompanhar e fiscalizar o trabalho realizado nas escolas Comuns, é obrigação de

todos os envolvidos no processo de inclusão, pais e profissionais.

A presente pesquisa que tive a oportunidade de desenvolver, teve para mim

um valor inestimável, pois, em seu início tinha dúvidas se conseguiria dar conta. Não

tive até hoje a oportunidade de lecionar, devido ao direcionamento que minha vida

tomou, como mãe de autista, presidente de uma associação de autistas, pesquiso

constante sobre o tema e assumi funções que se associam com a causa, como:

Conselheira Municipal da Saúde, de Assistência Social e Conselheira Nacional de

Saúde, meu tempo tem sido restringido a essas atividades. No entanto em minha

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vida, a educação sempre se fez muito presente, por meio de leituras, na graduação

em História e especializações.

Tive a sorte de ter uma filha perfeita, típica e muito independente em suas

atividades escolares. Ao receber o diagnóstico de autismo do meu filho, senti meu

coração muito apertado, porém, passado os dias de luto, fui à luta. Não poderia

conviver com a ideia de que meu filho viveria num mundinho só dele, pois, para

conseguir viver precisava do seu carinho e do seu amor. Lembro-me de ter dito a

minha filha, nós vamos trazer ele para o nosso mundo e ele vai ser o autista mais

amado do mundo. E assim com musiquinhas, coceguinhas, brincadeiras e muitos,

mas muitos beijinhos, hoje ele é um menino com 9 anos, super carinhoso, em pleno

desenvolvimento. Sabemos que ele ainda precisará muito do nosso apoio com a

continuação de algumas terapias, mas nossa esperança é grande nele, na ciência e

principalmente em Deus.

O trabalho que desenvolvi além de me ajudar na inclusão do meu filho, que

tem resistência ao ambiente escolar, mas que vamos sempre tentando algumas

adaptações, também ajudará muitas outras famílias a entenderem que não são os

únicos que enfrentam problemas com atendimentos, terapias, inclusão e

preconceitos. Auxiliará a conhecer seus direitos e a necessidade em ter uma

conexão direta entre terapeutas, professores/escola e a família para que haja o bom

desenvolvimento da criança.

E acabo por concluir que conhecer a história da pessoa com deficiência, seus

direitos, entender o processo e a importância das associações de proteção de

autistas, como uma força que oportuniza aos pais a compartilhar experiências,

emoções, conflitos etc., faz com que todos se sintam um pouco pais e mães de

outros autistas. Relações que ajudam a amenizar o desconforto no autismo, na

escola e na sociedade e levam a conhecer nossos direitos e onde buscá-los.

Ao tratar de direitos vemos cotidianamente uma clara contradição entre

direitos do Estado e dos cidadãos. Quando o Estado baixa medidas que aumentam

tributos, multas, reduzem ou excluem conquistas do povo, estas imediatamente

passam a serem executadas. Contraditoriamente, quando uma medida estabelece

direitos à população, sua efetivação é muito lenta e, muitas vezes só se efetiva com

pressão popular ou ações judiciais. Tal realidade reforça a necessidade de fortalecer

as organizações populares, os movimentos sociais, e associações para pressionar o

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Estado para que cumpra seu papel de promover a cidadania plena, especialmente

dos excluídos.

A inclusão não pode ser entendida como algo pronto e acabado, ela demanda

um longo processo de debates, conhecimentos e experiências a serem

desenvolvidas. Ter escolas de qualidade só para pessoas com deficiências, onde

possam ser tratadas com respeito e oportunidades, não as deixariam mais felizes? É

uma pergunta relevante e deve ser analisada com zelo pelos pais e cuidadores na

hora de escolher uma escola para os filhos autistas. Por outro lado, a escola

Comum, vai oportunizar uma aprendizagem ao aluno com deficiência, de como é o

mundo lá fora, relação essa que uma escola especializada, com tudo preparado só

para o aluno com deficiência não poderá ofertar. A escola Comum, com a inclusão,

irá oportunizar uma formação mais humanizada e menos competitiva aos alunos que

convivem com os deficientes. Ao colocarmos no mesmo espaço crianças “típicas” e

“atípicas”, estaremos potencializando o respeito ao próximo, às diferenças, o direito

de justiça e igualdade, essências em uma sociedade que quer ser democrática.

Sendo a escola o local de aprendizagem para a vida é, sem dúvida um ótimo espaço

para aprendermos a conviver com as diferenças. A Escola pode, portanto,

desenvolver valores de solidariedade ou preconceito, dependendo da forma como

receber a pessoa com deficiência e ensinar aos demais colegas típicos em como

tratá-la.

Como indicado no texto, a luta pela inclusão escolar e social das pessoas

com deficiência já vem de muitos anos. Vencemos uma importante batalha que

foram as conquistas legais, mas, a luta para que tais conquistas se efetivem de

forma plena e integral, na escola e na sociedade ainda está só começando.

Atualmente há uma hegemonia na ideia de inclusão escolar das pessoas com

deficiência, mas, na prática, a inclusão ainda se aproxima mais de exclusão, de

segregação. Os primeiros passos já foram dados, mas, a luta pela inclusão real,

integral, que leva à emancipação das pessoas com deficiência, entre elas os

autistas, ainda requer muito de nossas energias para debater, estudar, questionar e

cobrar. Espero que este estudo possa contribuir com essa relevante tarefa.

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BIBLIOGRAFIA

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JORNAL FOLHA de São Paulo. Autistas terão uma escola. São Paulo: Folha de São Paulo, 19 de janeiro de 1992, p. 10 (Folha Norte).

JORNAL FOLHA de São Paulo. Trinta autistas esperam por vaga em escola. São Paulo: Folha de São Paulo, 08 de junho de 1992, p. 7 (Folha Norte).

JORNAL FOLHA de São Paulo. Escola no Pará ensina autista a ler e escrever. São Paulo: Folha de São Paulo, 02 de julho de 1994, p. 4.

JORNAL FOLHA de São Paulo. Gene saltador pode explicar o autismo. São Paulo: Folha de São Paulo, 30 de agosto de 2006, p. 16A (Ciência).

JORNAL FOLHA de São Paulo. Juiz decide que escola privada pode vetar crianças com Down. São Paulo: Folha de São Paulo, 17 de outubro de 2006, p. 6, (Caderno C).

JORNAL FOLHA de São Paulo. Pais e escolas vivem dilema sobre deficiente. São Paulo: Folha de São Paulo, 5 de novembro de 2006, p. 10, (Caderno C).

JORNAL FOLHA de São Paulo. Só 17,5% das escolas têm acesso adequado para deficientes. São Paulo: Folha de São Paulo, 14 de maio de 2010, p. 1, (Caderno Cotidiano).

JORNAL FOLHA de São Paulo. Inclusão na escola, um relato pessoal. São Paulo: Folha de São Paulo, 28 de março de 2012, p. A3, (Caderno Opinião).

JORNAL FOLHA de São Paulo. Meus filhos com autismo, um contraponto. São Paulo: Folha de São Paulo, 19 de abril de 2012, p. A3, (Caderno Opinião).

JORNAL FOLHA de São Paulo. O lugar do autismo. São Paulo: Folha de São Paulo, 15 de janeiro de 2013, p. 3, (Caderno Equilíbrio).

JORNAL FOLHA de São Paulo. Escola especial não é o ideal, mas às vezes é necessária, diz advogada. São Paulo: Folha de São Paulo, 15 de janeiro de 2013, p. 4, (Caderno Equilíbrio).

JORNAL FOLHA de São Paulo. Qual é o caminho? São Paulo: Folha de São Paulo, 18 de agosto de 2013, p. 4, (Caderno Cotidiano).

JORNAL FOLHA de São Paulo. Inclusão na marra São Paulo: Folha de São Paulo, 25 de agosto de 2013, p. A2, (Caderno Opinião).

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ENTREVISTAS

BORALI, Eliana. Entrevista concedida a Juliane Gorete Zanco Castanha durante sua

visita a Associação dos Amigos da Criança Autista – AUMA, em São Paulo – SP, no

dia 25 de fevereiro de 2015.

BRAGA, Patrícia Beltrão. Entrevista concedida a Juliane Gorete Zanco Castanha em

sua visita ao Laboratório de Células-Tronco da Faculdade de Medicina Veterinária e

Zootecnia da USP – São Paulo - SP, no dia 25 de fevereiro de 2015.

CRUZ, Deusina Lopes da. Entrevista concedida a Juliane Gorete Zanco Castanha,

no Hotel Atos Bulcão - Brasília – DF, no dia 02 de dezembro de 2015.

INÁCIO, Maria de Cássia Bernardo. Questionário respondido de forma escrita e devolvido para Juliane Gorete Zanco Castanha, no dia 20 de junho de 2012.

MUOTRI, Alysson. Entrevista concedida a Juliane Gorete Zanco Castanha, no Auditório da AMRGS – Porto Alegre – RS, durante sua participação no Seminário: Autismo – Do preconceito da década de 80 ao reducionismo atual – Fórum de debate com os expertises em 06 de junho de 2015.

PIANA, Berenice. Entrevista concedida a Juliane Gorete Zanco Castanha, em visita

a sua residência em Itaboraí – RJ, no dia 05 de dezembro de 2014.