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ROBERTO LANGER A TRANSMISSÃO DA POLÍTICA MONETÁRIA VIA EFEITO RIQUEZA: UMA ANÁLISE DO CASO BRASILEIRO

A TRANSMISSÃO DA POLÍTICA MONETÁRIA VIA EFEITO RIQUEZA: UMA ANÁLISE DO CASO BRASILEIRO

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Page 1: A TRANSMISSÃO DA POLÍTICA MONETÁRIA VIA EFEITO RIQUEZA: UMA ANÁLISE DO CASO BRASILEIRO

ROBERTO LANGER

A TRANSMISSÃO DA POLÍTICA MONETÁRIA VIA EFEITO RIQUEZA: UMA

ANÁLISE DO CASO BRASILEIRO

CURITIBA

2009

Page 2: A TRANSMISSÃO DA POLÍTICA MONETÁRIA VIA EFEITO RIQUEZA: UMA ANÁLISE DO CASO BRASILEIRO

ROBERTO LANGER

A TRANSMISSÃO DA POLÍTICA MONETÁRIA VIA EFEITO RIQUEZA: UMA

ANÁLISE DO CASO BRASILEIRO

Artigo apresentado à disciplina de

Pesquisa Acadêmica, do curso de

Ciências Econômicas da FAE Centro

Universitário na área de Economia

Monetária.

Orientador: Prof. Lucas Lautert Dezordi

CURITIBA

NOVEMBRO 2009

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RESUMO

A política monetária brasileira vem sendo alvo de críticas recentes sobre a manutenção da alta taxa de juros necessária para controlar o nível de preços da economia. Algumas críticas colocam como um dos fatores responsáveis para esta alta taxa de juros a ineficiência do efeito riqueza como mecanismo de transmissão da política monetária. Assim, este trabalho tem como objetivo avaliar a transmissão da política monetária via efeito riqueza no Brasil. Para isto é feita uma análise das principais características dos mercados brasileiros de ações e de títulos públicos. Por último são realizados os conceitos de duração para verificar a sensibilidade dos preços dos principais títulos públicos brasileiros com relação às mudanças na taxa de juros. A pequena representatividade do mercado de ações, aliada à existência das Letras Financeiras do Tesouro (LFT) que são títulos públicos insensíveis à taxa de juros e ao curto prazo médio de vencimento das Letras do Tesouro Nacional (LTN), apontam para uma menor eficiência do efeito riqueza na transmissão da política monetária brasileira.

Palavras-Chave: Mecanismos de Transmissão da Política Monetária; Efeito Riqueza; Dívida Pública; Mercado de Ações.

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Introdução

O Brasil teve uma inflação muito elevada durante a década de 1980 que foi causada principalmente pela inércia inflacionária que realimentava a inflação e a tornava incontrolável. O controle da inflação brasileira só veio em 1994 com o lançamento do Plano Real que conseguiu acabar com a inércia através da criação da Unidade Real de Valor (URV). No início do Plano Real, a política monetária era muito rígida, com altas taxas de juros e elevadas taxas de depósito compulsório, o que reduziu o crédito e os investimentos produtivos e, conseqüentemente, fez com que a economia brasileira não registrasse taxas significativas de crescimento econômico entre 1996 e 1999.

A partir de 1999 a política monetária brasileira adotou o regime de metas de inflação que utiliza a taxa básica de juros de curto prazo como principal instrumento de política monetária para atingir uma meta de inflação pré-determinada. Assim o Banco Central passa a realizar operações no mercado aberto para influenciar a taxa de juros de curto prazo. A partir das mudanças na taxa de juros, a demanda agregada é afetada através dos diversos mecanismos de transmissão. No Brasil essa taxa básica de juros utilizada para alcançar as metas de inflação permanece em patamares muito elevados, o que acaba reduzindo os investimentos produtivos e gera diversos custos sociais como, por exemplo, o desemprego. Esta taxa de juros elevada também atrasa o crescimento econômico e o desenvolvimento da economia brasileira.

Diversos autores1 sugerem que um dos principais fatores que contribuem para a existência desta taxa mais elevada seria a menor eficiência de um mecanismo de transmissão da política monetária, o efeito riqueza. A principal justificativa para esta menor eficiência do efeito riqueza seria a existência de títulos públicos pós-fixados, as Letras Financeiras do Tesouro (LFT’s), que por serem indexados à taxa básica de juros acabam sendo insensíveis as mudanças nesta taxa e, portanto não geram nenhum impacto sobre a riqueza das famílias e conseqüentemente sobre o consumo dessas famílias. Assim, como estes títulos representam uma boa parcela da dívida pública, seria necessário uma taxa básica de juros cada vez maior para que fosse gerado um impacto negativo sobre a demanda agregada e conseqüentemente sobre a inflação.

O objetivo deste artigo é verificar e avaliar as características do efeito riqueza na economia brasileira e a sua importância na transmissão da política monetária. Para isto o trabalho foi dividido em três partes. Na primeira parte é feita uma revisão de literatura sobre os mecanismos de transmissão da política monetária, dando uma maior ênfase na teoria do efeito riqueza. Na segunda parte é feita uma análise dos mercados brasileiros de ações e de títulos públicos, buscando verificar o tamanho e a importância destes mercados na transmissão da política monetária via efeito riqueza. Na terceira parte é calculada a sensibilidade dos preços dos principais títulos públicos brasileiros com relação à taxa de juros para compreender melhor como o preço desses ativos se comporta frente às alterações na taxa básica de juros e qual o papel destes títulos na transmissão da política monetária brasileira. Para os cálculos da sensibilidade destes títulos será utilizado o conceito de duração, que é uma das principais ferramentas para cálculo de uma variação no preço de um determinado título com relação a uma variação na taxa de juros.

1 Os Mecanismos de Transmissão da Política Monetária

1 Ver, por exemplo, Bresser (2007).

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Os mecanismos de transmissão da política monetária passaram a ser estudados com maior freqüência a partir da década de 1990, quando diversos países adotaram o regime de metas de inflação. Desta forma os efeitos da taxa de juros sobre a economia se tornaram mais importantes, visto que esta nova forma de política monetária adota como principal ferramenta de controle inflacionário a taxa básica de juros e quanto maior o impacto que esta taxa de juros tiver sobre a economia, maior será a eficiência da política monetária.

Os principais mecanismos ou canais de transmissão da política monetária, segundo Mishkin (2000), são (i) o canal do crédito, (ii) o canal da taxa de juros, (iii) o canal do câmbio e (iv) o canal do preço dos ativos. Na figura 1 pode-se ver um esquema detalhado destes principais mecanismos de transmissão da política monetária.

FIGURA 1 - MECANISMOS DE TRANSMISSÃO DA POLÍTICA MONETÁRIA

Operações no Mercado Aberto

Oferta de Crédito

Preço dos Ativos Taxa de Câmbio

Reservas

Taxas de Juros do Mercado

Base MonetáriaTaxa de Juros (Selic)

Oferta de Moeda

Taxa de Juros Real / Esperada

Demanda Agregada

Balanços

Canal do Crédito "Amplo"Canal do Crédito

"Estreito"

Canal do Preço dos Ativos

Canal da Taxa de Juros

Canal da Taxa de Câmbio

FONTE: Adaptado de Kuttner e Mosser (2002).

1.1 O Canal da Taxa de Juros

O canal dos juros pode ser representado no modelo IS-LM, desenvolvido inicialmente por John Richard Hicks em 1937. Este modelo é formado pela função IS que representa os pontos de equilíbrio no mercado de bens e pela função LM que representa os pontos de equilíbrio no mercado monetário. A principal característica do modelo IS-LM é a de considerar a taxa de juros e a renda como endógenas. A partir dessa relação pode-se entender como ocorrem as variações na renda e na taxa de juros da economia no curto prazo, mantendo os preços constantes.

A partir desse modelo pode-se verificar a transmissão da política monetária através da taxa de juros. Assim, a partir do equilíbrio representado pelo ponto “E” na figura 3, uma política monetária expansionista, onde o Banco Central realize operações de compra de títulos no mercado aberto, faz com que a quantidade de moeda ofertada seja maior e conseqüentemente a taxa de juros seja menor. Com isso a função LM é deslocada para baixo, sendo representado na figura 3 por “LM’”.

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FIGURA 2 - O EFEITO DE UMA POLÍTICA MONETÁRIA EXPANSIONISTA

Taxa de Juros

Ei

Renda

LM

Y

IS

E'

LM'

i'

Y'

Com o aumento da oferta de moeda no mercado monetário e a conseqüente redução da taxa de juros, os gastos com bens de consumo duráveis, moradia e investimentos no mercado de bens aumentam, pois se tornam viáveis com essa nova taxa de juros e assim aumentam a demanda agregada e conseqüentemente o produto da economia, levando o novo equilíbrio simultâneo entre os mercados para o ponto “E’”. Neste caso, a taxa de juros atua como um mecanismo de transmissão da política monetária expansionista, fazendo com que demanda agregada e o produto da economia sejam maiores.

A principal crítica com relação a este canal de transmissão é a de Bernanke e Gertler (1995), que afirmam que o canal da taxa de juros seria uma “caixa preta”. A justificativa dos autores é de que a idéia está incompleta por diversas maneiras. O primeiro problema apontado seria a dificuldade de estudos empíricos, criados para compreender as mudanças no produto em função de mudanças na taxa de juros, de identificar um efeito quantitativamente importante da variável custo do capital, ou seja, existe uma dificuldade de mensurar o produto em função do custo do capital2.

Outro problema importante apontado pelos autores foi que, embora exista a pressuposição de que a política monetária tenha seu efeito maior sobre as taxas de juros de curto prazo, as políticas monetárias aparentemente têm efeitos maiores sobre o consumo de bens duráveis, bens de capital e moradia, que deveriam ser mais sensíveis às taxas de juros de longo prazo. Para solucionar estes problemas, os autores sugerem o canal do crédito que será visto com mais detalhes no item 1.3.

1.2 O Canal da Taxa de Câmbio

A taxa de câmbio entre dois países que, segundo Mankiw (2008), corresponde ao preço no qual os residentes desses países comercializam seus produtos, exerce influência direta sobre o produto de uma economia aberta, sendo que uma taxa de câmbio desvalorizada favorece o aumento das exportações líquidas e uma taxa de câmbio valorizada favorece uma redução dessas exportações líquidas.

Mishkin (2001) afirma que o canal da taxa de juros não existe nos regimes de câmbio fixo. Segundo o mesmo autor, no regime de câmbio flutuante a política monetária pode influenciar a taxa de câmbio entre dois países através de mudanças 2 O custo do capital para os Keynesianos pode ser entendido como a eficiência marginal do capital, ou seja, quanto o empresário tem de receita adicional (expectativas) em relação ao preço do capital a ser investido.

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na taxa de juros. Assim, uma taxa de juros mais baixa (política monetária expansionista) torna os depósitos denominados em moeda doméstica menos atrativos em relação aos depósitos denominados em moedas estrangeiras, o que leva a uma redução nos depósitos em moeda doméstica em relação aos depósitos em moeda estrangeira. Tem-se então uma desvalorização da taxa de câmbio em virtude de uma política monetária expansionista. Os impactos diretos de uma taxa de juros desvalorizada seriam o aumento das exportações líquidas que conseqüentemente, através do efeito multiplicador da renda, aumenta o produto da economia. Esse seria o principal papel da taxa de câmbio na transmissão da política monetária.

Mishkin (2001) também sugere que a taxa de câmbio tem efeitos importantes sobre o produto da economia através dos balanços das empresas financeiras e não-financeiras quando existe uma parcela substancial da dívida doméstica denominada em moeda estrangeira, o que ocorre com mais freqüência nas empresas dos países emergentes. Neste caso uma política monetária expansionista gera uma taxa de câmbio mais desvalorizada que faz com que o custo da dívida das empresas seja maior. Como a maioria das empresas possui ativos em moeda nacional, isso leva a uma redução do valor das empresas. Assim tem-se um aumento do risco moral e da seleção adversa no mercado de crédito, tornando os empréstimos mais escassos e levando a uma queda nos investimentos e no produto da economia.

1.3 O Canal do Crédito

Conforme Bernanke e Gertler (1995), a transmissão da política monetária pode ser considerada uma “caixa preta”. Com o intuito de compreender melhor como ocorre essa transmissão é que foi proposto o canal do crédito. Assim, o canal do crédito pode ser caracterizado por não ser totalmente independente, ou seja, são vários os fatores que fazem com que o impacto da política monetária seja maior por este canal. Este canal pode afetar a demanda agregada através de dois mecanismos diferentes. O primeiro é o mecanismo do balanço das empresas, conhecido também por canal de crédito amplo, enquanto que o segundo é o mecanismo do empréstimo bancário, conhecido também por canal de crédito estreito.

O canal de crédito amplo abrange qualquer tipo de crédito, podendo ser através da emissão de debêntures e de outros títulos da dívida, ou através de empréstimos bancários, e está baseado no balanço das empresas e no prêmio de risco de um financiamento externo que a empresa implica em função desse balanço. Assim quanto menor o valor patrimonial da empresa que está diretamente representado pelo balanço da mesma, maior o prêmio de risco do financiamento. Isso porque um balanço mais deteriorado da empresa reflete uma menor capacidade de pagamento e também menos garantias para quem está emprestando. Um balanço melhor representa uma melhor capacidade da empresa de se financiar ou de oferecer maiores garantias para quem emprestando. A empresa tendo uma condição financeira melhor faz com que o custo de um empréstimo seja reduzido, o que afeta diretamente na decisão de investimento da empresa.

Segundo Nóbrega (2005), uma redução no valor patrimonial das empresas pode aumentar os problemas de informação assimétrica, seleção adversa e risco moral. Assim, os credores passam a ter as suas chances de receber o capital emprestado reduzidas, o que impacta diretamente na rentabilidade esperada de

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novos empréstimos. Os credores então procuram reduzir o crédito aumentando as taxas de juros ou tornando o crédito mais restrito através de um racionamento.

As variações na taxa de juros, segundo Bernanke e Gertler (1995), podem afetar o valor patrimonial das empresas de duas maneiras. Na primeira, uma alteração na taxa de juros afeta o preço de alguns ativos desta empresa (ações e títulos públicos) e, conseqüentemente, o valor patrimonial da mesma. Na segunda, a mesma alteração na taxa de juros modifica os custos de um financiamento com taxas flutuantes que a empresa possa ter, alterando assim o fluxo de caixa da empresa, o que também acaba impactando no valor dessa empresa.

Bernanke e Gertler (1995) sugerem que as famílias também podem fazer parte deste canal de crédito. Assim uma redução no preço dos ativos das famílias afeta o balanço patrimonial das mesmas, gerando um problema de informação assimétrica que aumenta o prêmio de risco e faz com que ocorra um racionamento do crédito ou um aumento das taxas de juros. Com isso as famílias acabam postergando suas decisões de consumo.

O canal de crédito estreito ou bancário consiste na transmissão da política monetária via oferta de crédito, principalmente por parte dos bancos comerciais. Segundo Mishkin (2001), como os bancos possuem uma boa capacidade de resolver os problemas de informação assimétrica do mercado de crédito, eles dão acesso para mais tomadores de empréstimos que se tornam dependentes dos bancos para obter crédito, o que faz com que uma redução na oferta de crédito por parte dos bancos gere uma redução no consumo e, por fim, no produto da economia.

A política monetária através das operações no mercado aberto altera os níveis das reservas dos bancos, gerando assim uma alteração na capacidade dos bancos de emprestar mais dinheiro. Como os bancos são importantes intermediários de crédito, esse aperto (afrouxamento) do crédito ocasionado por uma alteração no nível das reservas bancárias gera uma redução (aumento) nos gastos com investimentos e consumo.

1.4 O Canal do Preço dos Ativos

O canal do preço dos ativos pode ser explicado por dois mecanismos. O primeiro, que é chamado de q de Tobin, consiste no aumento ou na redução dos investimentos das empresas ocasionado por uma mudança no preço das ações. Já o outro mecanismo, chamado de efeito riqueza, consiste no aumento ou redução do consumo das famílias em função do aumento do nível de riqueza das mesmas.

Tobin (1969) propôs uma razão entre o valor de mercado das empresas pelo custo de reposição do capital. A essa razão ele deu o nome de “q”. Segundo o autor quanto maior o “q”, maior será o valor de mercado da empresa em relação ao custo de reposição do capital. Assim os custos de novos investimentos na produção se tornam relativamente mais baratos, conforme o novo valor de mercado das empresas.

Conforme Mishkin (2001), o “q” de Tobin é um mecanismo de transmissão que, através de um aumento no preço das ações da empresa, torna os investimentos mais baratos se comparados ao maior valor de mercado da empresa. As empresas poderiam então emitir menos ações, captando mais recursos para novos investimentos. Com a redução da taxa de juros, através de uma política monetária expansionista, verifica-se um aumento no preço das ações. Com esse aumento, a razão entre o valor de mercado das empresas e o custo de reposição do

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capital aumenta (↑q), fazendo com que novos investimentos sejam realizados pelas empresas, levando a um aumento na demanda agregada e conseqüentemente no produto da economia.

O Efeito Riqueza é baseado na teoria do ciclo de vida do consumo, proposta numa série de artigos a partir do ano de 1954 por Franco Modigliani, Richard Brumberg e Albert Ando. Conforme Modigliani (1971), a base fundamental dessa teoria é que os consumidores procuram distribuir a renda auferida durante toda a sua vida, de forma a manter um determinado padrão de consumo. A nova função de consumo proposta pela teoria do ciclo de vida depende também do nível de riqueza das famílias. Assim quanto maior a riqueza das famílias, maior será o consumo, dado um determinado nível de renda durante toda a vida dessas famílias.

Através da constatação que o consumo varia também em função da riqueza, tem-se que o efeito riqueza é uma variação do consumo explicada por uma variação no nível de riqueza das famílias. A figura 3 mostra um deslocamento da função de consumo ocasionado pelo efeito riqueza.

FIGURA 3 - DESLOCAMENTO DA FUNÇÃO CONSUMO

Consumo

Renda

αW

C = αW + βY

αW'

C' = αW' + βY

A riqueza das famílias consiste basicamente em três ativos. Esses ativos são (i) os imóveis, (ii) as ações das empresas privadas e (iii) os títulos públicos.

Os imóveis são caracterizados por possuírem uma menor liquidez que os outros ativos e, portanto, afetam com maior intensidade o consumo de bens duráveis que também refletem decisões de consumo de longo prazo, onde o financiamento se torna necessário devido ao alto valor desses bens. Na maioria dos casos são necessários financiamentos para a compra de imóveis, assim a taxa de juros mais baixa torna esses financiamentos mais baratos o que aumenta a demanda por imóveis e, conseqüentemente aumenta os preços e a riqueza das famílias.

As ações têm como principal característica a maior liquidez e o risco mais elevado. O preço das ações, em geral, sofre muita influência das condições macroeconômicas da economia num determinado período, além de outros diversos fatores relacionados à empresa e ao setor da economia em que a empresa atua. Uma das principais características macroeconômicas que influencia o valor das ações, principalmente no curto prazo, é a taxa de juros.

Os títulos públicos representam investimentos de longo prazo e de risco baixo, assim como os imóveis, só que diferentemente destes, possuem uma liquidez muito maior. Essa liquidez maior gera um impacto sobre o consumo num tempo mais curto, podendo influenciar diretamente na eficiência da política econômica.

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Diversos estudos foram realizados para tentar mensurar o efeito riqueza, comprovando que o efeito riqueza é significativamente relevante para a função de consumo agregado.

Catte et al. (2004) fizeram um estudo para verificar a propensão marginal a consumir da riqueza financeira e imobiliária no curto e no longo prazo para alguns países membros da Organização para a Cooperação e o Desenvolvimento Econômico (OCDE). O estudo realizado estima a propensão marginal a consumir das riquezas financeira e imobiliária através de uma regressão baseada na teoria de consumo do ciclo de vida. Os resultados mostrados na tabela 1 mostram a existência do efeito riqueza em todos os países. Ainda deve-se destacar uma maior propensão marginal a consumir da riqueza imobiliária no longo prazo do que a da riqueza financeira em países como a Austrália, o Canadá, a Holanda, o Reino Unido e os Estados Unidos.

Riqueza Imobiliária Riqueza Financeira Riqueza Imobiliária Riqueza FinanceiraAustrália 0,02 --- 0,07 0,03Canadá 0,03 0,03 0,06 0,04França --- --- --- 0,02Alemanha --- 0,01 --- 0,02Itália --- 0,01 0,01 0,01Japão 0,01 --- 0,01 0,07Holanda 0,02 --- 0,08 0,06Espanha 0,01 --- 0,02 0,02Reino Unido 0,08 0,03 0,07 0,04Estados Unidos --- 0,02 0,05 0,03

TABELA 1 - ESTIMATIVAS DA PROPENSÃO MARGINAL A CONSUMIR DA RIQUEZA FINANCEIRA E IMOBILIÁRIA NO CURTO E NO LONGO PRAZO

Curto Prazo Longo Prazo

FONTE: Catte ET AL. (2004).

Diversos fatores influenciam no efeito riqueza e podem alterar a eficiência do efeito nas economias como, por exemplo, o fácil acesso a financiamentos, a maior distribuição de renda e a maior liquidez dos mercados financeiros e imobiliários.

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2 O Efeito Riqueza no Brasil

Como foi verificado, o efeito riqueza pode ser transmitido basicamente por três ativos: as ações; os títulos públicos; e os imóveis. Neste item serão vistas as características dos principais mercados de ações e de títulos públicos. Como não existe nenhum indicador que possa mostrar alguma evolução no preço dos imóveis a nível nacional, assim como não existem pesquisas sobre a importância dos preços dos imóveis no efeito riqueza no Brasil, não será possível caracterizar o mercado imobiliário brasileiro.

2.1 O Mercado de Ações

Conforme Vieira e Corrêa (2002), a principal fonte de recursos de investimento de longo prazo até a década de 90 era o Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES). O mercado de ações só passou a ter um papel mais importante como fonte de recursos das empresas brasileiras a partir do início da década de 90, quando o Brasil apresentava melhores condições macroeconômicas e que, em conjunto com a abertura comercial e a abertura financeira, tornou o país mais atraente para os investidores estrangeiros. Esses

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investidores estrangeiros foram os principais responsáveis pelo crescimento do mercado de ações no Brasil, injetando recursos e aumentando o volume de negócios e os preços das ações.

Segundo Vieira e Corrêa (2002), este crescimento do mercado ficou restrito a poucas empresas que tinham liquidez, pois o aumento dos negócios e do desempenho desse mercado não foi suficiente para incentivar novas aberturas de capitais devido aos altos custos para emitir ações.

Já no final da década de 90, segundo Carvalho (2000), o mercado de capitais no Brasil entrou em declínio por causa da falta de proteção ao investidor minoritário que, aliado a alta taxa de juros e a cobrança da Contribuição Provisória sobre Movimentações Financeiras (CPMF), tornava o mercado de ações pouco atrativo.

Como se pode verificar na tabela 2, o mercado de ações no Brasil depende muito dos investidores externos. Essa dependência aumenta a volatilidade dos preços das ações e também o impacto das crises externas no mercado nacional.

Essa elevada participação do investidor externo no mercado de ações brasileiro também sugere que um aumento do preço das ações gera um menor efeito riqueza, isto porque boa parte desse aumento na riqueza foi transferido para os investidores estrangeiros.

Tipo de Investidor 2001 2002 2003 2004 2005 2006 2007 2008

Investidor Individual¹ 18,70% 18,42% 20,75% 24,21% 23,09% 22,35% 21,61% 25,65%

Investidor Institucional² 16,80% 17,44% 30,17% 28,13% 27,81% 27,71% 30,19% 26,97%

Investidor Estrangeiro 26,90% 28,71% 27,26% 30,88% 36,35% 38,70% 37,34% 38,10%

Empresas Públicas e Privadas 2,40% 2,14% 2,92% 2,31% 1,54% 1,65% 1,55% 2,19%

Instituições Financeiras 35,00% 33,15% 18,53% 14,25% 11,07% 9,46% 9,17% 6,99%

Outros 0,20% 0,15% 0,38% 0,23% 0,15% 0,12% 0,14% 0,10%

Total 100,00% 100,00% 100,00% 100,00% 100,00% 100,00% 100,00% 100,00%

TABELA 2 - EVOLUÇÃO DA PARTICIPAÇÃO DOS INVESTIDORES NA BOVESPA - 2001-2008

FONTE: Bovespa.NOTAS: As participações são referentes ao volume total de negociações (compras + vendas) no mercado de títulos á vista.1 - Investidores P essoa Física e Clubes de Investimento (a partir de 2004).2 - Fundos de P ensão, Cias Seguradoras, Fundos Mútuos e Clubes de Investimento (até 2003).

Na tabela 2 pode-se verificar uma melhora na participação dos investidores individuais, passando de 18,70% do total do volume negociado em 2001 para 25,65% do total do volume negociado em 2008. Essa evolução ocorreu pelo aumento da proteção oferecida aos acionistas minoritários, pelo aumento de empresas aderindo á governança corporativa, pelos esforços das bolsas de valores para popularizar o investimento em ações, e pelas melhores condições macroeconômicas brasileiras que reduziram o risco e também fizeram com que o Banco Central pudesse reduzir a taxa básica de juros. Com isso outras formas de aplicações tiveram seus rendimentos reduzidos, o que aumentou a atratividade do mercado de ações.

Na tabela 3 que mostra o volume de negociação de ações em percentual do PIB nominal corrente de alguns países pode-se verificar uma elevada relação entre o volume de negociações e o PIB nominal nos países mais desenvolvidos representados pela Alemanha, Estados Unidos, Inglaterra e Japão, onde todos possuíam uma relação acima de 100% em 2008. Nos países em desenvolvimento apenas a China possuía uma relação acima de 100% em 2008, enquanto que o Brasil, a Índia e a Coréia do Sul apresentavam uma relação inferior a 100%.

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País 1998 1999 2000 2001 2002 2003 2004 2005 2006 2007 2008

Alemanha 68,20% 72,28% 111,23% 75,21% 59,89% 53,10% 56,06% 68,54% 93,90% 130,23% 127,58%

Estados Unidos 150,05% 214,60% 323,97% 219,60% 173,90% 158,05% 179,50% 199,81% 259,50% 419,34% 495,26%

Inglaterra 198,33% 226,19% 307,91% 307,20% 247,81% 193,78% 235,04% 249,02% 310,86% 368,61% 234,53%

Japão 24,09% 43,15% 56,57% 44,76% 43,01% 52,45% 72,75% 102,61% 143,43% 154,32% 119,58%

Brasil 16,54% 14,27% 15,76% 11,45% 9,16% 12,03% 15,67% 18,74% 25,35% 44,84% 46,04%

China ND ND ND 37,27% 24,23% 24,15% 26,78% 17,57% 43,61% 179,59% 87,44%

Coréia do Sul 39,93% 157,90% 104,22% 75,22% 103,42% 71,28% 86,50% 143,27% 140,97% 191,14% 151,26%

Índia ND ND ND 52,40% 39,81% 50,94% 56,57% 60,40% 72,94% 99,34% 84,90%

TABELA 3 - VOLUME FINANCEIRO DE NEGOCIAÇÃO DE AÇÕES EM PERCENTUAL DO PIB - 1998-2008

FONTE: Federação Mundial das Bolsas (WFE), Fundo Monetário Internacional.NOTAS: Os valores correspondem ao volume financeiro total das negociações de ações de empresas domésticas e estrangeiras negociadas em bolsa. Foi utilizado o P IB Nominal a preços correntes em dólar americano fornecido pelo Fundo Monetário Internacional.

O Brasil apresentou uma boa evolução nessa relação, saindo de 16,54% em 1998 para 46,04% em 2008, mas ainda está longe dos 84,90% da Índia, dos 87,44% da China e dos 151,26% da Coréia do Sul. O volume de negociações de ações nos Estados Unidos representava, em 2008, 495,26% do PIB nominal, o que pode ser explicado pela elevada representatividade desse mercado no mercado financeiro mundial.

Outro fator importante a ser analisado é a quantidade de empresas listadas em Bolsas de Valores. Conforme a tabela 4, o Brasil possui uma pequena quantidade de empresas listadas, se comparado com outros países. Essa quantidade reduzida de empresas aponta para um atrofiamento do mercado de ações no Brasil.

País 2000 2001 2002 2003 2004 2005 2006 2007 2008

Alemanha 983 983 934 866 819 764 760 866 832

Estados Unidos 7.851 7.069 6.586 6.159 6.097 6.029 6.005 5.965 6.449

Inglaterra 2.374 2.332 2.824 2.692 2.837 3.091 3.256 3.307 3.096

Japão 3.406 3.476 3.465 3.346 3.396 2.796 3.854 3.870 3.786

Brasil 467 441 412 391 388 381 350 404 392

China ND 1.154 1.223 1.285 1.373 1.377 1.421 1.530 1.604

Coréia do Sul 702 688 683 684 683 1.616 1.689 1.757 1.793

Índia ND 1.041 916 911 957 1.034 1.156 1.330 1.406

TABELA 4 - QUANTIDADE DE EMPRESAS LISTADAS EM BOLSA DE VALORES - 2000-2008

FONTE: Federação Mundial das Bolsas (WFE).NOTAS: No Brasil o volume corresponde ao volume da Bolsa de Valores de São P aulo (Bovespa).

Desde 2000 o Brasil passou a ter uma redução nesse número, saindo de 467 para 292 empresas listadas em 2008, número que não chega a representar nem um quarto (1/4) das empresas que possuíam ações em bolsas de valores na China. A Alemanha, dentre os países desenvolvidos, apresenta um número menor (832 empresas negociadas em bolsa de valores em 2008), mas que ainda representa o dobro da quantidade registrada no Brasil. No Japão e na Inglaterra o número de empresas negociadas em bolsa de valores passou dos 3.000 no ano de 2008. Já nos Estados Unidos, centro financeiro mundial, o número de empresas negociadas em bolsa de valores chegou a 6.449 em 2008.

Através desses dados pode-se verificar um mercado de ações no Brasil em crescimento, porém ainda muito pequeno se comparado com outros países. A elevada dependência de investidores externos faz com que o mercado fique muito dependente, se tornando mais volátil, e também faz com que uma parcela grande do efeito riqueza seja transferida para outros países.

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2.2 O Mercado de Títulos Públicos

Segundo Villela Pedras (2009), pode-se verificar que o Brasil até 1964 utilizava a dívida pública apenas para o financiamento de alguns projetos específicos. Com o Plano de Ação Econômica do Governo (PAEG) em 1964, o mercado de títulos públicos ganhou uma maior eficiência. A intenção desse plano era de consolidar as operações de mercado aberto (open market), obter recursos para financiar o déficit orçamentário, financiar investimentos específicos e aumentar o giro (volume de negociação) da dívida pública mobiliária interna.

Para compensar a elevada inflação do período e continuar a atrair investidores, foi instituída a correção monetária no mercado de títulos públicos, que surgiu com a criação da Obrigação Reajustável do Tesouro Nacional (ORTN) A partir do lançamento das ORTN’s o mercado de títulos públicos brasileiro passou a ter uma maior representatividade. É importante destacar que a parcela do déficit que não era financiada pela emissão de títulos púbicos no mercado era financiada pela colocação de títulos na carteira do Banco Central.

Com a consolidação do mercado de títulos públicos no início da década de 70, foi criada a Letra do Tesouro Nacional (LTN) que era mais apropriado para a política monetária. As LTN’s chegaram a representar 33,6% do total da DPFi em 1972, o que de certa forma era reflexo do milagre econômico registrado no período e também de uma desaceleração da taxa de inflação. Com isso a dívida pública brasileira passou a exercer também a função de auxiliar na execução da política monetária.

Já entre 1973 e 1979, o aumento dos preços ocasionado pelos choques do petróleo gerou um aumento considerável na inflação e com isso a preferência dos investidores voltou a ser pelas ORTN’s que eram indexados à taxa de inflação. Assim, em 1983 esses títulos chegaram a representar 96% da dívida pública em poder do público.

Segundo Villela Pedras (2009), a partir de 1986 o governo procurou fazer alterações na estrutura institucional da área fiscal, buscando um maior controle fiscal e uma centralização do controle dos gastos públicos através da criação da Secretaria do Tesouro Nacional. A função de colocar e resgatar os títulos públicos que era do Banco Central passou a ser da Secretaria do Tesouro Nacional.

Esse período ficou marcado pelas diversas tentativas de combate a inflação que já atingia níveis preocupantes. Essas tentativas de combate acabaram por influenciar também a política da dívida pública. Em 1986 foi lançado o Plano Cruzado que, numa tentativa heterodoxa de combate à inflação, congelou os preços, decretou o fim da correção monetária e reduziu as taxas de juros. Assim as ORTN’s passaram a ser chamadas de Obrigações do Tesouro Nacional (OTN’s) e também deixaram de ser indexadas á taxa de inflação. Com isso as novas emissões de títulos do Tesouro Nacional ficaram reduzidas, pois as LTN’s que eram pré-fixadas se tornaram menos atraentes com as elevadas taxas de inflação e as ORTN’s não poderiam ser mais emitidas por causa do fim da correção monetária. Assim o Banco Central acabou absorvendo as novas emissões da dívida. Em 1986 e 1987, conforme Villela Pedras (2009), o estoque da dívida pública em poder do Banco Central foi de 68% e 72% respectivamente. Em meados de 1986 o Conselho Monetário autorizou o Banco Central a emitir títulos próprios, visando aumentar os instrumentos de política monetária. Assim o Banco Central lançou as Letras do

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Banco Central (LBC’s) que eram títulos indexados a taxa Selic diária3. Como a emissão desses títulos interessou os investidores e considerando que a responsabilidade de administração da dívida pública passou a ser da Secretaria do Tesouro Nacional, foram criadas as Letras Financeiras do Tesouro (LFT’s). As LFT’s possuíam as mesmas características das LBC’s, porém a responsabilidade dessa dívida era do Tesouro Nacional que poderia utilizar esse instrumento apenas para cobrir os déficits orçamentários.

Em fevereiro de 1987, o Brasil acabou decretando a moratória da dívida externa por causa dos insucessos das políticas econômicas que deixaram o déficit orçamentário fora de controle. Esse acontecimento acabou por aumentar a necessidade de o governo buscar o financiamento interno.

A nova constituição de 1988 acabou por desmembrar a autoridade monetária da autoridade fiscal. O final da década de 80 ficou marcado por elevadas taxas de inflação, déficit fiscal e aumento da dívida pública através de emissões de LFT’s. Conforme Villela Pedras (2009), a dívida pública já representava 15% do PIB brasileiro em 1990. Essa dívida estava concentrada basicamente em LFT’s, com prazo médio de 5 meses.

Com o Plano Collor em 1990 foi determinado o congelamento de 80% dos ativos financeiros do país. Assim a dívida pública em poder do mercado foi substituída compulsoriamente pelos Bônus do Tesouro Nacional (BTN’s) que tinham um prazo de 18 meses e uma remuneração muito inferior a taxa Selic. Ocorreu uma forte redução na liquidez deste mercado e o Banco Central foi forçado a recomprar as LFT’s que ainda estavam no mercado. Com esses acontecimentos o governo registrou superávit de mais de 4% do PIB em 1990, mas graças à falta de confiança do mercado gerada pelo congelamento dos ativos financeiros e pelas elevadas taxas de inflação, a emissão das LTN’s ainda era difícil. Com isso o Banco Central decidiu emitir os Bônus do Banco Central (BBC’s) que serviriam como instrumento de política monetária. No final do ano de 1991, com o início do processo de descongelamento dos ativos, o Tesouro Nacional passou a emitir as Notas do Tesouro Nacional (NTN’s) para pagar os BTN’s que estavam vencendo. As NTN’s foram classificadas em diversas séries, conforme um determinado indexador. As principais séries eram a “D” que era indexada ao dólar, a “C” que era indexada ao IGP-M e a “H” que era indexada a Taxa Referencial (TR).

Em 1993 foram tomadas algumas medidas para aumentar a transparência na relação entre o Banco Central e o Tesouro Nacional e reestruturar a carteira do Banco Central para melhorar os instrumentos de política monetária. Assim, conforme Villela Pedras (2009), os títulos em poder do Banco Central caíram 24% ao longo deste ano. Esta menor participação do Banco Central como financiador do déficit público, além de melhorar a transparência das autoridades fiscais e monetárias também traz um maior papel do efeito riqueza gerado através dos títulos públicos. Isto ocorre porque mais títulos estão em poder direto ou indireto (através de fundos de investimento) das famílias.

Em 1994 foi lançado o Plano Real que conseguiu controlar a taxa de inflação da economia brasileira. Logo após o sucesso do Plano Real, o governo tomou algumas medidas para melhorar a qualidade da DPMFi, passando a emitir mais LTN’s e buscando prolongar o prazo da dívida. Em 1996 foram emitidas LTN’s com o prazo de 6 meses e no final do ano de 1997 o governo já emitia esses títulos com 2 anos de vencimento. Este processo de alongamento da dívida teve de ser

3 A taxa Selic diária é a taxa de juros média das operações compromissadas lastreadas em títulos públicos federais.

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suspenso logo em seguida com o aumento da desconfiança dos investidores graças à crise asiática (1997) e a crise russa (1998). Assim o governo voltou a oferecer LTN’s com 3 meses de vencimento. Após a crise russa o governo optou por recorrer às emissões das LFT’s que eram mais aceitas no mercado de títulos públicos. Com isso a parcela da dívida representada por esses títulos que chegou a ser nula entre junho de 1996 e novembro de 1997, passou a ser de 53,81% do total da DPMFi em dezembro de 19984.

Na tabela 5 pode-se verificar a evolução da composição da DPFi entre 1995 e 2008. Nesta tabela é possível verificar uma parcela representativa das LTN’s na composição da DPFi logo após o sucesso do Plano Real, chegando a representar 36,41% do total da DPFi. Ao longo dos anos de 1997 e 1998 ocorreram as crises asiática e russa que acabaram gerando um impacto na composição da DPFi. As LFT’s, por serem títulos indexados à taxa Selic, acabam atraindo mais investidores em momentos de crise. Com isso em 1998 mais da metade da DPFi já era representada pelas LFT’s.

Título 1995 1996 1997 1998 1999 2000 2001 2002 2003 2004 2005 2006 2007 2008

LTN 36,41% 32,69% 4,15% 2,06% 10,54% 17,66% 9,65% 2,44% 12,98% 20,00% 26,98% 31,58% 26,33% 18,73%

LFT 34,31% 0,00% 12,58% 53,81% 40,09% 47,96% 54,40% 63,90% 61,61% 56,15% 50,99% 36,95% 32,73% 35,22%

NTN-B - - - - - - - - - 3,29% 7,56% 15,53% 20,10% 23,93%

NTN-C 0,62% 0,01% - - 0,22% 1,64% 5,29% 8,48% 8,80% 9,85% 6,86% 6,12% 5,49% 4,76%

NTN-D 7,28% 8,46% 20,41% 10,12% 7,25% 3,51% 7,75% 8,95% 4,28% 1,47% 0,53% 0,12% 0,09% -

NTN-F - - - - - - - - - - 0,98% 4,47% 10,90% 13,39%

Outros 21,38% 58,85% 62,86% 34,01% 41,90% 29,22% 22,92% 16,24% 12,32% 9,23% 6,09% 5,23% 4,35% 3,96%

Total 100,00% 100,00% 100,00% 100,00% 100,00% 100,00% 100,00% 100,00% 100,00% 100,00% 100,00% 100,00% 100,00% 100,00%FONTE: Secretaria do Tesouro Nacional.

TABELA 5 - DÍVIDA PÚBLICA FEDERAL INTERNA - EVOLUÇÃO DA COMPOSIÇÃO POR TÍTULO - 1995-2008

Em 2001 deve-se destacar a crise da dívida pública argentina que aumentou as incertezas dos investidores em relação à economia brasileira e contribuiu para um aumento significativo da DPFi representada pelas LFT’s. Com isso as LFT’s que vinham sendo substituídas por outros títulos desde 1999 (principalmente as LTN’s) novamente já representavam mais da metade da DPFi. O ano de 2002 foi marcado por uma forte instabilidade macroeconômica que foi um reflexo da desconfiança dos investidores no novo governo que tinha Luis Inácio Lula da Silva como presidente. Assim ocorreu um novo aumento da parcela da DPFi representada pelas LFT’s, chegando ao máximo de 63,90% do total da DPFi em dezembro de 2002. Já em 2003 a economia mundial mostrava uma aceleração e o governo brasileiro também já passava mais confiança para os investidores. Com isso o Tesouro Nacional buscou melhorar a qualidade e aumentar os prazos da DPFi através da emissão das NTN-B’s (a partir de 2003), das NTN-F’s (a partir de 2006) e aumentando também a participação das LTN’s na composição da DPFi.

Em 2006, segundo Villela Pedras (2009), o governo isentou de imposto de renda sobre ganhos de capital os investidores externos e conseguiu então aumentar a participação das NTN-B’s e NTN-F’s que possuíam prazos mais longos. O ano de 2007 foi caracterizado por um crescimento econômico mundial e uma boa estabilidade macroeconômica brasileira que ajudaram no processo de alongamento da dívida e de aumento da participação dos títulos prefixados. Porém, com a crise financeira mundial de 2008 tem-se novamente um aumento da participação das LFT’s que foi menor do que o aumento verificado em outras crises mundiais graças a maior diversidade da DPFi e da maior estabilidade da economia brasileira.

4 Estatísticas da divida pública, Secretaria do Tesouro Nacional, 2009.

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A tabela 6 mostra a evolução recente do prazo médio da DPMFi por título, onde pode-se verificar um alongamento considerável do prazo médio das NTN-B’s e das NTN-C’s, que influenciou diretamente no aumento do prazo médio da DPFi, visto que esses títulos que representavam 21,65% do total da DPFi em 2006, passaram a representar 28,69% do total em 2008.

Títulos 2006 2007 2008

LFT 22,50 26,19 30,48

LTN 9,23 9,17 7,04

NTN - B 57,66 68,46 65,54

NTN - C 81,42 80,37 94,43

NTN - D 16,81 6,25 -

NTN - F 37,62 35,39 29,84 NOTAS: Os dados são referentes ao mês de dezembro.FONTES: Secretaria do Tesouro Nacional.

TABELA 6 - PRAZO MÉDIO DA DPMFI EM PODER DO PÚBLICO POR TÍTULO - 2006-2008 (em meses)

Pode-se destacar também o prazo médio das NTN-F’s que em 2008 foi de 29,84 meses, contra apenas 7,04 meses das LTN’s. Assim como as NTN-B’s, as NTN-F’s também tiveram sua representatividade sobre a DPFi aumentada de 4,47% do total em 2006 para 13,39% do total em 2008. O aumento da participação destes títulos foi fundamental para o alongamento da DPFi no período entre 2006 e 2008.

3 A Sensibilidade dos Títulos Públicos Com Relação à Taxa de Juros

A sensibilidade de um título de renda fixa com relação à taxa de juros pode ser dada inicialmente pela maturidade ou prazo de vencimento do mesmo. Assim quanto maior o prazo deste título, maior será a sensibilidade do preço deste com relação às alterações na taxa de juros. Porém, ao analisar dois títulos com características diferentes tanto das taxas de juros quanto da forma de pagamento, não é mais possível comparar a sensibilidade do preço destes títulos com base apenas na maturidade.

Para resolver este problema, Macaulay (1938), introduziu o conceito de “duration” ou duração que pode servir como instrumento para comparar qual título possui uma sensibilidade maior ou menor com relação à taxa de juros.

O problema da maturidade que foi colocado inicialmente por Macaulay (1938) consiste na comparação entre títulos com mais de um pagamento futuro, pois nessas condições a maturidade dos títulos não oferece um valor que mostre a real duração dos títulos e que possa ser comparável, sendo uma medida inadequada. Assim a duração de um empréstimo que tem mais de um pagamento futuro passa a ser a média ponderada das maturidades dos empréstimos individuais que correspondem a cada pagamento futuro.

Segundo Conroy (1998), considerando a duração de dois títulos com a mesma maturidade, porém um com pagamento semestral de juros e outro sem pagamento de juros, pode-se verificar que o título que não paga os juros é mais sensível que o título que paga os juros semestralmente.

Esse resultado mostra a diferença entre a duração efetiva de um título e sua maturidade, que é mais representativa quando o título paga juros semestralmente. Outra diferença ocorre entre títulos com a mesma maturidade, ambos pagando juros semestralmente, porém com cupom de juros diferentes. Neste caso o título mais sensível será o que possui um cupom menor.

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Para fazer um comparativo entre as sensibilidades dos principais títulos públicos brasileiros representados na tabela 6, que são a LFT, a LTN, a NTN-B, a NTN-C e a NTN-F devemos considerar que todos possuem a mesma maturidade.

Considerando a mesma taxa de juros esperada pelos investidores, a LFT é a única que não sofre alterações no preço em função de variações na taxa de juros, pois, segundo Barbosa (2006), estes títulos por serem indexados à taxa básica de juros possuem duração zero.

A LTN por não pagar juros é o título mais sensível à taxa de juros. Já as NTN’s por pagarem juros semestralmente são menos sensíveis. Entre as NTN’s, a NTN-C e a NTN-B possuem uma sensibilidade muito próximas, e por ambas possuírem um cupom menor que a NTN-F, acabam sendo mais sensíveis á taxa de juros do que a NTN-F.

Conforme a tabela 6, mesmo com uma sensibilidade menor, as NTN’s possuem um maior prazo de vencimento médio, o que acaba aumentando a sensibilidade da DPFi com relação à taxa de juros. Já as LTN’s possuem um prazo de vencimento médio muito inferior do que as NTN’s, o que reduz a sensibilidade da DPFi e também reduz a transmissão da política monetária via efeito riqueza. Conclusão

A transmissão da política monetária através do efeito riqueza no Brasil deve ser vista a partir de três ativos: os imóveis, as ações e os títulos públicos. Como não existe nenhum indicador de preços do mercado imobiliário a nível nacional, não é possível verificar a evolução do nível de riqueza das famílias a partir deste ativo, porém este ativo não pode ser desconsiderado, visto que em alguns países a propensão marginal a consumir da riqueza imobiliária é superior a propensão marginal a consumir da riqueza financeira, conforme Catte et al. (2004).

O mercado de ações por ser muito pequeno no Brasil, com pouquíssimas empresas listadas em Bolsa e com um pequeno volume de negócios. Outro fator que afeta o mercado de ações é a elevada participação de investidores estrangeiros que aumentam a volatilidade do mercado e, também, acabam reduzindo a eficiência do efeito riqueza gerado nesse mercado.

No mercado de títulos públicos, a elevada participação das LFT’s na DPFi acaba reduzindo o impacto da política monetária, pois estes títulos são insensíveis com relação à mudanças na taxa de juros. As LTN’s, mesmo possuindo características de um título mais sensível com relação à taxa de juros, também acabam reduzindo este impacto da política monetária pois o prazo médio desses títulos é muito reduzido.

A emissão das NTN-B’s e das NTN-F’s contribuiu significativamente para o aumento da eficiência do efeito riqueza a partir dos títulos públicos, pois ambos possuem uma sensibilidade próxima à das LTN’s, mas com prazos médios de vencimento muito mais elevados e esses títulos juntos também obtiveram uma representação maior do que as LFT’s sobre o total da DPFi em 2008.

Considerando o mercado de ações e o mercado de títulos públicos brasileiro, podemos verificar um efeito riqueza reduzido, o que significa uma menor eficiência na transmissão da política monetária que faz com que o Banco Central necessite de maiores taxas de juros para um mesmo impacto na demanda agregada.

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