A URSS e a contra-revolução de veludo (VI)

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    Para a Histria do SocialismoDocumentos

    www.hist-socialismo.net

    Traduo do francs por LM, reviso e edio por CN, 16.06.11(original em http://www.marx.be/FR/AutresDocuments/Livres/ContrerevolutionVelours/Velours0.htm#tablematieres)

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    A URSS

    e a contra-revoluo de veludo (VI)Ludo Martens

    Segunda parte

    Janeiro de 1990

    A Unio Sovitica beira do abismo

    Sou partidria convicta da perestroika. uma ideia ousada e muito atractiva. Traz maisliberdade aos soviticos, inaugura a via que conduz ao progresso e prosperidade.Considero que a Unio Sovitica cumpre hoje uma misso histrica.1

    Deixamo-vos adivinhar por um instante quem ser a autora desta declarao. Para vos daruma boa pista, citar-vos-emos uma afirmao da agnciaNovosti, constatando que, no mundode hoje, vemos operarem-se duas revolues, uma a Leste e uma a Oeste. A Oeste, a agnciasovitica descobre uma revoluo na mentalidade poltica dos lderes dos pases maisimportantes do mundo, que mudam o seu comportamento em relao aos pases socialistas,por vezes, em 180 graus.2 Entre esses lderes que procederam grande viragem em relaoao socialismo est a Senhora Thatcher, autora da declarao atrs citada.

    A ouvir a Dama de Ferro, como a escutar o presidente Bush e o primeiro-ministro Martens,poder-se-ia pensar que tudo vai bem na Unio Sovitica, que a democracia se instaura, que aliberdade progride, que a prosperidade se anuncia. D para nos perguntarmos onde est entoessa famosa crise do comunismo No entanto, se a senhora Thatcher se considera feliz com aevoluo na Unio Sovitica, para os trabalhadores desse pas, a crise do comunismo torna-se numa realidade quotidiana. O Financial Times publicou, em 20 de Novembro de 1989, areportagem de uma importante conferncia sobre o futuro econmico da Unio Sovitica.

    Ablkine, vice-primeiro-ministro e responsvel pelas reformas econmicas apresentou a umrelatrio. Durante a discusso que se seguiu, o jornal bolsista anotou uma interveno invulgarque provocou grande perturbao. O seu autor, operrio de uma empresa, exclamou: Tudocomeou a correr mal na Unio Sovitica com Khruchov, quando foram introduzidoselementos do capitalismo no comunismo. No se podem misturar os dois sistemas. precisovoltar aos anos 50 O jornalista do Financial Times acrescenta que esta tomada de posioreflectia manifestamente o sentimento de grande parte do auditrio.3 Os soviticos que

    1Temps Nouveaux, n. 40, 1989, p. 7.2

    Agence de PresseNovosti,Bulletin, 5 de Dezembro de 1989, p. 3.3Financial Times, 20 de Novembro de 1989, The battle Lines are drawn.

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    acreditam no comunismo esto perfeitamente conscientes de que, na sua terra, as coisas vopor mau caminho. O operrio citado considera que o pas est lentamente a virar direitadesde h cerca de 30 anos e que, de promessas em reformas, a situao no cessa de sedegradar.

    Khruchov na ladeira escorregadia

    oportuno relembrar aqui quatro teses essenciais lanadas por Khruchov, h 30 anos, quepermitem compreender melhor o que se passa actualmente na Unio Sovitica.

    Primeira tese: J no h poder da classe operria na Unio Sovitica, o Estado da classeoperria substitudo pelo Estado de todo o povo. Aps ter assegurado a vitria total edefinitiva do socialismo e a passagem da sociedade construo do comunismo, a ditadurado proletariado cumpriu o sua misso histrica, () o Estado () transformou-se em Estadode todo o povo.4 Esta tese conduziu cessao da luta contra as correntes burguesas,reaccionrias, influenciadas pelo imperialismo, e visava, alm disso, assegurar a tranquilidadede uma burocracia que estava a caminho de se separar completamente dos trabalhadores. NumEstado de todo povo, a burocracia podia instalar-se confortavelmente, adquirir privilgios,tirar proveito pessoal das suas posies polticas e econmicas, j que, de qualquer modo, ascontradies de classe no podiam surgir entre ela e as massas trabalhadoras.

    Segunda tese: Khruchov anuncia em 1962 que a Unio Sovitica atingir o comunismo em1980 e que, nesse momento, ter ultrapassado os Estados Unidos. Bastar pouco tempo paraultrapassar economicamente os Estados Unidos. () A Unio Sovitica obter uma vitriahistrica de alcance universal na competio pacfica com os Estados Unidos.5 Teremostudo o que necessrio para criar em duas dcadas a base tcnica e material do comunismo?Sim, camaradas, possumos tudo isso.6 Hoje, portanto, a Unio Sovitica teria conhecido j aplenitude da felicidade em pleno comunismo, abundncia de tudo para todos, e isso h j dezanos! Na realidade, adormecendo as massas entre as quais a ideia da revoluo, do socialismo

    e do comunismo era muito popular, tais promessas de um futuro paradisaco permitiramconsolidar o poder e a posio dos tecnocratas e burocratas.

    Terceira tese de Khruchov. Declara que o capitalismo est a desmoronar-se no mundointeiro, enquanto o socialismo marcha irresistivelmente para o triunfo. Os progressosfulgurantes da Unio Sovitica atraem o olhar dos trabalhadores de todo o mundo, enquanto ocapitalismo enfraquecido j quase no tem capacidade de resistncia. Por isso tornou-sepossvel tomar o poder na Europa e no resto do mundo pela via parlamentar e pacfica.Criaram-se condies mais favorveis vitria do socialismo nos outros pases porque osocialismo triunfou na Unio Sovitica. O vasto campo dos pases do socialismo, nos quaisa populao ultrapassa os 900 milhes de habitantes, cresce e consolida-se. ()As ideias do

    socialismo apoderam-se efectivamente do esprito de toda a humanidade trabalhadora. Ocapitalismo tornou-se muito mais fraco. () Os partidos burgueses de direita e os governosque formam falham cada vez mais. Da a possibilidade de conquistar uma slida maioriano parlamento e de transform-la em instrumento de uma verdadeira vontade popular.7

    Estas posies face sociedade imperialista e ditadura da burguesia, posiesembrulhadas nas pregas do anti-stalinismo, constituem uma mudana total de orientaopoltica.

    4Khrouchtchev,Programme XXIIe Congrs, p. 585.5Idem, ibidem, p. 77.6

    Idem, ibidem, p. 211.7Khrouchtchev,XXe Congrs, p. 47.

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    aguerridos para us-los no seu interesse. Por felicidade, eles so muito raros entre ns.11 Adespolitizao da juventude decorre necessariamente da concepo do Estado de todo o povo.Um marxismo-leninismo esclerosado e fastidioso no pode ancorar-se no esprito dos jovens.Ora, desde Lnine que sabemos que no existe vazio em matria ideolgica. Onde a ideologiasocialista no se implanta, reina, sob as suas mltiplas formas, a ideologia burguesa.

    Com Brjnev, a elite burocrtica torna-se quase inamovvel. Ele declara: A solicitude e a

    ateno aos quadros so regra no Partido. Acabaram as transferncias injustificadas e asremodelaes demasiado frequentes de funcionrios.12 O brejnevismo a tranquilidadeassegurada camada emburguesada. Stline mostrava-se excessivamente exigente com osquadros, os que cometiam erros eram despedidos ou presos e os jovens, formados num esprito bolchevique puro e duro, eram promovidos a altas responsabilidades. Adepto de Khruchov,Jaurs Medvdiev escreve a propsito: Na poca de Stline, os dignitrios do Partidosentiram-se ainda mais ameaados pelos rgos de segurana do que os simples cidados.13E prossegue: Brjnev no era um verdadeiro chefe em 1964, mas sim o representante daburocracia que procurava viver tranquilamente e com mais segurana, enquanto aumentavaos seus privilgios. Os seus eleitores no eram outros seno a elite burocrtica.

    A este respeito, Brjnev tambm mudou o sistema, porque criou, mais que ningum, ascondies da expanso de uma verdadeira elite privilegiada, uma realnomenklatura.14Estando asseguradas para a elite a tranquilidade e a inamovibilidade, os seus membros no

    se contentavam com os proventos legais. A estabilidade da elite teve um outro efeitonegativo. A corrupo oficial no cessou de desenvolver-se a todos os nveis. A disciplina do Partido baixou, o nepotismo tornou-se um fenmeno normal e o prestgio ideolgico eadministrativo do Partido murchou.15 A grande corrupo dos burocratas soviticosaltamente colocados tornou-se numa forma de doena profissional. A distino entrepropriedade pblica e propriedade privada no era respeitada.16

    Vamos segunda grande ideia de Khruchov: ns ganharemos a competio pacfica com o

    imperialismo, realizaremos o comunismo em 1980.Dez anos mais tarde, Brjnev perde-se na mesma auto-satisfao beata e estpida. Nonosso pas, declara, foi construda uma sociedade socialista desenvolvida que setransforma progressivamente em sociedade comunista. uma economia sem crises e emperptuo crescimento. uma sociedade em face da qual se abrem as perspectivas ilimitadasde um progresso contnuo.17 Se Khruchov prometia o poderio e a abundncia num futuroprximo, Brjnev acreditava que estavam j ao alcance da mo. Sim, este Estado socialista,mais vigoroso e prspero que nunca, existe! O poderio da URSS no plano econmico, militare noutros inquebrantvel!18

    Terceira descoberta de Khruchov: o capitalismo desmorona-se, a passagem pacfica aosocialismo torna-se possvel.

    Fugindo anlise concreta como gato escaldado que da gua fria tem medo. De congressoem congresso, Brjnev repisa os mesmos clichs: A crise geral do capitalismo continua a

    11Brejnev,Rapport au XXIIIe congrs du PCUS, Moscovo, d.Novosti, 1966, pp. 127 e 151.12Brejnev,Rapport au XXVe congrs du PCUS, Moscovo, d.Agence Novosti, p. 96.13Medvedev Jaurs,Andropov au pouvoir, Paris, Flamarion, 1983, p. 7.14Idem, ibidem, pp. 226-227.15Idem, ibidem, p. 104.16Idem, ibidem, p.110.17

    Brejnev,Rapport XXVe congrs, pp. 110 e 118.18Brejnev,Rapport XXIIIe congrs, p. 174.

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    aprofundar-se.19 O imperialismo impotente para obstaculizar a marcha da histria.20 Ateoria da impotncia torna-se no alicerce da via parlamentar para o socialismo, que Brjnevpensa ser praticvel na Frana, na Itlia, nos Estados Unidos e por a fora 21 Citando aRepblica rabe Unida (o Egipto e a Sria), a Arglia, o Sudo, a Somlia (substituda depoispela Etipia), o Mali, a Guin, o Congo Brazaville e a Birmnia, onde srias transformaessociais foram realizadas, Brjnev afirma: As massas populares convencem-se de que a

    melhor via a do desenvolvimento no capitalista. ()Ns estabelecemos relaes estreitas eamigveis com os jovens Estados que se orientam para o socialismo.22 Assim, no hnecessidade alguma de fazer uma anlise de classe das foras no poder ou do antigo aparelhode Estado colonial, muitas vezes deixado intacto, ou ainda do poder real do imperialismo sobreas alavancas econmicas. A burguesia e a pequena-burguesia do terceiro mundo dirigiro arevoluo socialista de marca Brjnev

    Quarta ideia de Khruchov: a amizade sincera com o imperialismo.Brjnev no a largar. Rivalizando em fora militar com o imperialismo, mantm no

    entanto toda a confiana nele. Assim, Brjnev considera a concluso do tratado de 1970, entrea URSS e a RFA, como uma vitria estratgica, implicando, por parte do imperialismo, a sua

    renncia a pr em causa as fronteiras europeias existentes.23 Ele v apenas o evidenteesprito de revanche primitivo, militarista, e no entende o perigo do revanchismo escondido,inteligente, social-democrata.

    Do mesmo modo, Brjnev sada os laos econmicos, cientficos, tcnicos e culturais com oOcidente: Tudo isso, camaradas, a materializao do desanuviamento.24 Nem umapalavra sobre o modo como o imperialismo da tira proveito para ganhar influncia poltica einfiltrar os meios dirigentes.

    Longe de arrepiar caminho sobre os erros de Khruchov, Brjnev lanou-se na mesmanefasta direco, agravando mais o curso revisionista.

    Primeiro, Brjnev imprimiu uma orientao militarista a toda a poltica sovitica. Aposta

    quase exclusivamente no crescimento das foras militares soviticas para defender e alargar asposies da Unio Sovitica. Reforar o Estado Sovitico quer dizer tambm reforar assuas foras armadas, aumentar ao mximo a capacidade de defesa da nossa ptria .25 E vde saudar o equilbrio militar e estratgico que se instaurou entre a URSS e os EstadosUnidos.26 A via da paridade militar e nuclear com o complexo militar e industrial impraticvel e destruidora para um pas socialista. Relegando para o museu da histria amobilizao das massas, a continuao da luta de classes e a educao revolucionria, Brjnevadopta uma concepo e uma doutrina militar prprias dos seus adversrios. Tudo o que faziaa fora da Defesa socialista no tempo de Stline desaparece. Um esforo militar desmesuradomina toda a economia civil da Unio Sovitica.27

    19Brejnev,Rapport XXIVe congrs, p. 24.20Brejnev, Rapport XXIIIe congrs, p. 8.21 Idem, ibidem, pp. 22-23.22Idem, ibidem, p.4.23Brejnev,Rapport XXVe congrs, pp. 22, 24 e 30.24Idem, ibidem.25Brejnev,Rapport XXIVe congrs, p. 144.26Brejnev,Rapport au XXVIe congrs du PCUS, Moscovo, d.Agence Novosti, 1981, p. 41.27A tese de que a economia civil estava minada pelo sobredimensionamento do sector militar hoje

    questionada por vrios autores que estudaram os problemas da economia sovitica. Ver, por exemplo,

    Roger Keeran e Thomas Kenny, O Socialismo Trado, Por trs do Colapso da Unio Sovitica, ed.Avante!, Lisboa, 2008. (N. Ed.)

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    Em seguida, por efeito acumulado do revisionismo e do hegemonismo, Brjnev fazestilhaar o movimento comunista internacional.

    Em 1966, Brjnev excomunga, por desviacionismo de esquerda a China e a Albnia, queexpressaram o seu desacordo com o novo evangelho de Khruchov. Trs anos mais tarde,Brjnev transforma a confrontao poltica com a China em confronto armado. Exige ocontrolo do conjunto do rio Ussuri, que marca em mil e duzentos quilmetros a fronteira entre

    os dois pases. Brjnev coloca a sua fronteira na margem chinesa, contrariamente aos usosinternacionais que fazem passar a linha de fronteira pelo meio do canal de navegao. Brjnev quem d a ordem artilharia para atacar massivamente as tropas chinesas, o quelevou morte de vrios milhares de soldados chineses e a um profundo ressentimento daChina para com a Unio Sovitica.28

    Embriagados pelas novas ideias de Khruchov, muitos partidos comunistas avanam atoda a velocidade para a reconciliao com a burguesia dos seus prprios pases, o que provocaa destruio da unidade do movimento comunista internacional. Brjnev tem de reconhecerque o movimento rebenta em quatro eixos: os que defendem a experincia revolucionria deLnine so expulsos por revisionismo de esquerda; os que pregam a social-democratizao

    e a integrao no mundo imperialista, os Dubcek e os Carrillo, vm-se afastados porrevisionismo de direita; os partidos que se opem ao modelo sovitico como nica referncia,aos diktats e s intervenes da Unio Sovitica nos assuntos dos outros, so banidos pornacionalismo e anti-sovietismo, e finalmente restam os que fazem prova de umafidelidade incondicional URSS, os marxistas-leninistas autnticos.29

    Enquanto o revisionismo corri as bases do socialismo na Europa de Leste, Brjnev tem derecorrer ao controlo militar para manter uma aparncia de unidade no seu campo. Proclama:As fronteiras da comunidade socialista so inviolveis e intangveis. A unidade fraternaldos pases socialistas a melhor muralha contra as foras que tentam atacar e enfraquecer ocampo socialista.30 Na aparncia, a Unio Sovitica exprime assim a sua fidelidade ao

    internacionalismo proletrio. Mas a sua ingerncia e o seu controlo cada vez mais directos,corroem cada vez mais um socialismo raqutico. A teoria da melhor muralha: a proteco daUnio Sovitica uma inpcia. A melhor muralha ser sempre a mobilizao dostrabalhadores, o desenvolvimento da sua conscincia, o seu esforo independente paradefender o seu poder. Nesta base, um pas socialista pode apelar, em circunstnciasexcepcionais e por perodo limitado, ajuda dos pases amigos, como o fez a Repblicademocrtica e popular da Coreia, agredida, em 1950, pelo exrcito americano.

    Isto permite-nos voltar ao problema da reorientao esquerda que Brjnev teriainiciado reabilitando Stline e apoiando activamente os movimentos revolucionrios nomundo.

    Nos quatro congressos brejnevianos, no se contra uma palavra que seja para restabelecer oprestgio de Stline. Pelo contrrio, em 1966, Brjnev afirma apoiar-se na linha dos XX e XXII congressos do Partido.31 Cinco anos mais tarde sublinha que o dogmatismo dotempo de Stline cedeu o lugar ao esprito criador e que a destalinizao e a liquidaodas sequelas do culto da personalidade, empreendidas por Khruchov, eram necessrias ecorrectas. No quer ouvir falar nem da ditadura do proletariado nem da continuao da luta de

    28Medvedev, op. cit., p. 189.29Brejnev,Rapport XXIVe congrs, p. 35.30

    Idem, ibidem, pp. 21-22.31Brejnev,Rapport XXIIIe congrs, p. 5.

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    classes nem da depurao do partido dos seus elementos oportunistas, porque so opiniescontrrias ao elemento novo, criador, que o partido introduziu durante os ltimos anos.32

    Tomando uma orientao chauvinista que glorifica a grandeza do passado, a UnioSovitica ps em surdina as crticas a Stline. Evitava mostrar-se contra Stline tal como lherepugnava criticar os tsares.

    O apoio de Brjnev aos movimentos revolucionrios do terceiro mundo, com a ajuda de

    muitas citaes de Lnine, inseria-se essencialmente no quadro dos esforos soviticos paraarranjar esferas de influncia. Brjnev ops-se constantemente estratgia da insurreioarmada e da ditadura do proletariado no terceiro mundo. Pronunciou-se sempre a favor daestratgia reformista, a da direco da burguesia esclarecida, aliada a formaesrevisionistas: era a famosa via no capitalista de desenvolvimento.

    A sua revoluo mundial essencialmente o alastramento a todo o planeta dohegemonismo sovitico, seguindo o modelo da Europa de Leste. Brjnev nega que o socialismomundial nascer da soma de diferentes experincias revolucionrias mundiais. Desconheceque os partidos revolucionrios devem ancorar-se nas realidades especficas dos seus pases,que lhes necessrio mobilizar as amplas massas para a luta revolucionria tendo em conta as

    suas particularidades e que devem esmagar o imperialismo e a reaco locais. Odesenvolvimento dos pases socialistas, o crescimento do seu poderio, constituem hoje o eixoprincipal do progresso social da humanidade.33 A concepo do eixo principal exprime asubestimao, se no mesmo a negao, de dois eixos fundamentais do movimentorevolucionrio mundial: o da revoluo nacional e democrtica e o da revoluo socialista.

    Brjnev rejeita a ideia de que as massas populares em armas constituem a nica muralhacontra o imperialismo e a reaco. Faz rebrilhar perante os povos do terceiro mundo ainterveno do exrcito sovitico como garantia da liberdade deles. Brjnev: O socialismoserve de muralha aos povos que lutam pela sua liberdade e independncia.34 A UnioSovitica apoia reformistas (Chile), putschistas e aventureiros (Etipia e Afeganisto), assim

    como militaristas (Egipto, Sria), que apresenta indistintamente como obreiros da revoluosocialista. Como a Unio Sovitica est a seu lado e que o seu exrcito constitui o bastioque lhes garante a liberdade, Brjnev intervm em vrios pases para manter no poder forasreformistas e putschistas pr-soviticas. L onde o imperialismo agride um povo, a UnioSovitica enviar os seus soldados, l onde o imperialismo exporta a contra-revoluo, oexrcito sovitico est pronto a defender a revoluo. o que Brjnev, j com os ps para acova, declara de modo oficial em 1981, dando provas de um aventureirismo completamenteestranho ao marxismo-leninismo. Cada vez que preciso ajudar as vtimas de umaagresso, o soldado sovitico aparece ao mundo como um patriota desinteressado e corajoso,como um internacionalista pronto a ultrapassar qualquer dificuldade.35 Quando nos pedem, ajudamos os Estados a reforar a sua capacidade de defesa. Somos contra aexportao da revoluo, mas tambm no podemos aceitar a exportao da contra-revoluo.36 Esta poltica aventureirista atingiu o seu ponto culminante no momento dasinvases do Kampuchea e do Afeganisto.

    No domnio econmico, a crise futura da sociedade sovitica transparece no ltimo relatriode Brjnev, em 1981.

    32Brejnev, Rapport XXIVe congrs, pp. 183 e 157.33Brejnev,Rapport XXVe congrs, pp. 37-38.34Idem, ibidem, p. 15.35

    Brejnev,Rapport XXVIe congrs, p. 127.36Idem, ibidem, p. 22.

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    H j dez anos que ele insiste na necessidade de certas mudanas qualitativas nas estruturase mecanismos da economia. Com um tom fatigado, repete-se sublinhando a necessidade dapassagem a um desenvolvimento essencialmente intensivo em que a palavra de ordem sejaa eficcia. Mas porque se no chegou l? Ainda no se ultrapassou a fora da inrcia.37

    Tal como nos relatrios precedentes, Brjnev constata que os resultados da cincia sointroduzidos na produo com intolervel lentido.38 Retoma tambm os exemplos h

    muito conhecidos de desorganizao, de falta de disciplina e de incria. O sector do grandeconsumo continua negligenciado, embora dois planos quinquenais fossem baseados nasatisfao das necessidades quotidianas das pessoas.39

    Brjnev confessa que a planificao, um dos fundamentos da economia socialista, cada vezmais deficiente. O Partido encarou sempre o plano como uma lei. Esta verdade manifestatendncia para ser esquecida.40

    Desde h anos que so tomadas decises, mas no se est em condies de planificarconsequentemente o desenvolvimento econmico, Brjnev constata que alas inteiras doedifcio econmico sovitico ruem sem que ele consiga aperceber-se das causas e ainda menosde as remediar.

    Gorbatchov: reviravoltas e promessas aliciantes

    A militarizao, o sobre-armamento, as aventuras estrangeiras minaram cada vez mais aeconomia sovitica levando-a beira do desmoronamento e da crise.

    E nestas circunstncias dramticas, o novo profeta to esperado sobe ao palco da histria:como um arcanjo, Mikhail Gorbatchov aparece. Maravilha o mundo com um discurso novo noqual se mostram quatro linhas de fora.

    Gorbatchov pe praticamente fim poltica de militarizao. As tropas soviticas soretiradas do Afeganisto. O Vietname sofre presses para sair do Kampuchea. Vrias empresasmilitares so reconvertidas ou s-lo-o nos dois anos seguintes.

    Gorbatchov afirma a necessidade da democratizao da vida poltica na Unio Sovitica.Deseja que tudo possa ser livremente discutido, que haja debates contraditrios. A necessidadede tal abordagem no pode ser contestada num pas onde as amplas massas, desgostadas deum marxismo vazio de contedo, detestando as prticas burocrticas, j no se interessam pelacoisa pblica. Era absolutamente necessrio que esse povo retomasse o gosto da prtica dodebate poltico, da luta ideolgica, do socialismo. verdade que s a luta ideolgica aberta, so confronto com as correntes reaccionrias e revisionistas, poderia acabar com o marxismoesclerosado e ossificado da poca de Brjnev, e reintroduzir um marxismo vivo, autntico,revolucionrio. Gorbatchov afirma querer reavaliar tudo o que foi errado na construo dosocialismo retornando ao esprito e s teses de Lnine, o maior pensador e prtico da aco

    revolucionrio que o mundo conheceu.Gorbatchov afirma enfim que a Unio Sovitica deve dominar as ltimas conquistas da

    revoluo cientfica e tecnolgica que alastra pelo mundo. Acrescenta que impor economiasovitica um maior dinamismo e encorajar a criatividade dos trabalhadores por todos osmeios, econmicos e outros.

    37Idem, ibidem, p. 69.38Idem, ibidem, p. 81.39

    Idem, ibidem, p. 21.40Idem, ibidem, p. 95

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    Ns seguimos com interesse a evoluo destas linhas de fora. Pudemos, aps cinco anos deperestroika e de glasnost, fazer certo nmero de constataes e de anlises.

    Abordaremos em primeiro lugar o domnio poltico, em seguida o domnio econmico e porfim a poltica externa da Unio Sovitica.

    Glasnost para os anticomunistas

    No domnio poltico, comecemos por uma interrogao: a quem aproveitou a glasnost,quais as camadas e as foras polticas que realmente se exprimiram e que impuseram a suaorientao poltica aos media soviticos?

    A liberdade e a democracia nunca esto acima das classes e da luta de classes, mesmo esobretudo na Unio Sovitica ps-khruchoviana. Aglasnost, a liberdade de discusso, permitiuo alastramento de uma propaganda claramente contra-revolucionria, anti-socialista e pode-sedizer que quase tudo o que o povo russo construiu atravs de esforos titnicos e hericos, viu-se atacado, manchado, denegrido. Na leitura das publicaes soviticas, damo-nos conta que afraco mais abertamente burguesa entre os intelectuais tomou o controlo dos meios decomunicao.

    Gorbatchov e Rijkov, o primeiro-ministro, fizeram declaraes oficiais sobre o balanohistrico da construo do socialismo.

    Aquando do 70. aniversrio da URSS, Gorbatchov declarou que era preciso reconhecer osenormes mritos de Stline, a sua fora de trabalho, a sua vontade de ferro, a sua capacidadede organizao para reconstruir o pas e defend-lo contra o fascismo. Sublinhou igualmenteque era necessrio reconhecer, analisar e criticar todos os erros e todos os crimes que foramcometidos durante esse perodo. Rijkov fez declaraes do mesmo gnero, criticando certoserros cometidos por Stline, para colocar em evidncia o conjunto do Partido, os milhes degente simples cujo apego s ideias de Lnine e aos ideais revolucionrios no foi abalado .41Estas declaraes podiam ser passveis de um debate entre comunistas, embora para ns seja

    claro que os imensos mritos e conquistas do Partido, no perodo de 1924-1953, so tambm eantes de mais devidos direco do Comit Central do PCUS e de Stline.

    Infelizmente, desde h quatro anos, preciso desfolhar muitas publicaes soviticas paraencontrar um s artigo que seja expondo e explicando o trabalho revolucionrio doscomunistas durante os anos 20, 30 e 40, nos domnios da industrializao, da colectivizao,da revoluo cultural e da defesa do pas, para j no falar do que respeita ajudainternacionalista.

    Pelo contrrio, h centenas de artigos, inspirados directamente na literatura burguesa efascista mais revoltante, para denunciar as realizaes deste perodo histrico crucial.

    Hoje, a imprensa sovitica abundante neste estilo de extrema-direita: Stline foi um

    monstro e, se alguma vez existiu um autntico inimigo do povo, foi ele,42 ou ainda: oslimites da glasnost a respeito do stalinismo devem ser definidos pela Constituio, a qual probe a propaganda da violncia.43 Em resumo, a liberdade, a democracia e a glasnostquase chegam a proibir os soviticos de recordarem a experincia herica da geraoprecedente, de desenvolver o esprito revolucionrio e as teses fundamentais que guiaram aconstruo do socialismo e a sua defesa contra a agresso hitleriana.

    41Nouvelles de Moscou, n. 3, 1988, p. 4.42

    Ibidem.43Nouvelles de Moscou, n. 18, 1988, p. 11.

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    Um filsofo sovitico de direita lamenta que actualmente trabalhadores descontentescomecem a exprimir a sua admirao pelo entusiasmo que mobilizava o pas durante os anos20. E zanga-se: um clebre jornalista pretendeu mesmo que estes romnticos no eramamorais mas que tinham uma moral particular. Ora, foi justamente essa moral que criouAuschvitz e a Kolima.44 Eis um resumo perfeito da posio da extrema-direita ps-hitleriana:stalinismo igual a fascismo e os iluminados revolucionrios so arrumados junto dos

    criminosos.

    Os ataques contra o stalinismo visam o socialismo

    Que tm a dizer contra o stalinismo os numerosos autores que dominam hoje a imprensasovitica? Dois temas essenciais sobressaem dos seus escritos.

    O crime principal de Stline o de ter conduzido a luta de classes. Toda a gente tinha odever de odiar os fidalgos, os padres, os funcionrios e outros elementos socialmente hostis.() Era preciso odiar classes inteiras. Este dio foi cultivado a tal ponto que tomou raizgeneticamente.45 Porque Stline recusou a ideia de paz entre as classes (para impor) aideologia da hostilidade, () o pas mergulhou durante dezenas de anos na fantasmagoria dodelrio paranico.46Estas frases contm uma maravilhosa lio de dialctica para todos osque se deixaram levar a um dado momento pelo encanto do anti-stalinismo. Contra os errosgrosseiros de Stline, mudava-se o rumo para os princpios de Lnine. Mas no fim docaminho, damo-nos conta que agora o crime principal de Stline foi o de ter conduzido aluta de classes! Ser necessrio acrescentar que erradicando a luta de classes da histriatambm se enterra tanto o marxismo como o leninismo?

    O segundo crime de Stline diz respeito sua poltica externa. O vice-ministro dos NegciosEstrangeiros, Elguiz Pozdianikov fala disso. Optando pela revoluo mundial, ()contvamos dividir o mundo em proletrios e em burgueses. (Se isso) se pode justificar aindano perodo de efervescncia revolucionria no mundo, inadmissvel noutras condies,

    estando em total contradio com as normas das relaes entre Estados civilizados.47 Tosimples e to estpido como isto. Gostaramos de perguntar a esse ignaro se os Estadosfascistas dos anos 30 e 40 eram Estados civilizados, se os Estados colonialistas ingls efrancs o eram, se o imperialismo americano durante o perodo da guerra fria e da guerra daCoreia agia de maneira civilizada. Pois que foi contra estes adversrios que Stline teve delutar e lutou bem. Ou ainda, do mesmo autor: preciso um novo internacionalismoapostando no advento da internacional pan-humana, quer dizer, do futuro da comunidadehumana nica sobre a terra, que substituir o internacionalismo baseado nos interesses declasse, de partido, de grupo ou de Estado.48 Um outro fantico da glasnost comea porescrever: Havendo levado a cabo a revoluo no nosso pas, os proletrios renunciaram aos

    valores que se mostravam estranhos sua conscincia de classe e aos seus interesses. Eacrescenta: J no existem proletrios, em todo o caso no os h no Leste e no Oeste da

    44 Nouvelles de Moscou, n. 51, 17 de Dezembro de 1989, p. 13. [Kolima uma vasta regio nolongnquo Nordeste da Sibria. Importante centro de extraco mineira, foram a instalados, nos anos30, campos de trabalho para reclusos. Por isso, a propaganda anticomunista associa infamemente estaregio aos tenebrosos fornos crematrios nazis que funcionaram em Auschwitz, na Polnia, durante a IIGuerra. (N. Ed.)]

    45Nouvelles de Moscou, Alexandre Vassinski, n. 45, 5 de Novembro de 1989, p. 3.46Temps Nouveaux, Lonid Lonine, n. 42, 1989, p. 35.47

    Vie Internationale, Junho de 1989, pp. 8 e 12.48Idem, ibidem.

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    Europa. H operrios, camponeses, empregados, empresrios, representantes das profissesliberais, sacerdotes de cultos, estudantes, militares, reformados, crianas. Reagan eThatcher no diriam melhor. Por fim, o nosso autor chega ao fundo do seu pensamento:Todos eles tm um interesse comum: viver em paz e sobreviver. Eis a razo por que tempode renunciar palavra de ordem: Proletrios de todos os pases, uni-vos!.49 Para esteanticomunista que passa os dias como conselheiro principal dos Negcios Estrangeiros, o

    maior crime de Stline o de ter defendido a solidariedade de todos os proletrios do mundo.Uma vez lanados nesta larga estrada, j nada faz parar os nossos reformadores. H um ano

    e meio, deixaram de tagarelar a propsito de Stline e passaram desde ento a atacar Lnine ea revoluo socialista. Declaram que a Revoluo de Outubro foi um erro e que essa,finalmente, a mensagem que os anti-stalinistas pretendem fazer passar.

    Um representante do CVP, a democracia-crist flamenga, foi Unio Sovitica paraentregar fundos do Partido Democrata-Cristo e financiar a publicao de livros deSoljentsine. Durante o ano de 1990, foram impressos alguns milhes de livros desse autor. Artigos na imprensa j comentam os escritos de Soljentsine: Desde h 70 anos, a moralhumana incondicional foi substituda por um totalitarismo de classe unificado, apoiando-se

    numa ideologia capaz de justificar no importa que crime.50Os trotskistas podem propagareste gnero de literatura em nome da liberdade de expresso, eles, que fazem uma propaganda barulhenta a propsito dos escritos de Soljentsine, o autor preferido de Le Pen. Mas nsgostamos de dizer que essa uma literatura puramente fascista. Tambm o Nouvelles deMoscou pode continuar, com toda a lgica, a propagar estes pensamentos: Aresponsabilidade pessoal de Lnine nos aspectos ideolgicos da histria sovitica, antes daditadura stalinista, deve ser sublinhada. Pensadores de orientao nacionalista como Soljentsine intervm h muito, deixando supor que o leninismo e o stalinismo so dois fenmenos da mesma espcie.51 Torna-se portanto glorificao pblica do tsarismo, queSoljentsine to bem exprime no seu estilo enftico, em jornais que se dizem comunistas. Numlongo texto sobre o estado actual da Unio Sovitica, pode ler-se a seguinte interveno deMikhail Lobanov, jornalista poltico, partidrio feroz da glasnost: Em 70 anos destruiu-se aespiritualidade e, da, os apoios culturais do sistema econmico, indo at s tradiesnacionais, conscincia de si prprio. O essencial no espezinhar mais uma vez a Igreja.52O socialismo assim atacado por haver esmagado a espiritualidade do tempo dos tsares e osistema econmico que encontrava a a sua justificao.

    Sublinhemos enfim que a agitao das ideias abertamente anticomunistas tal que oprprio Gorbatchov j no sabe em que p danar. Algumas das suas intervenes bastantemedocres assim o demonstram. Num discurso em Setembro de 1989, diz: Toma-se por vezesuma atitude niilista no que respeita ao caminho percorrido pelo nosso pas, a Revoluo deOutubro apresentada como um erro, uma tragdia que perturbou o curso normal das

    coisas e no trouxe seno sofrimento ao nosso povo.53 Gorbatchov no consegue dar rplica dimenso da ofensiva anticomunista. Nenhuma diligncia por pouco militante que seja. Elecontenta-se com constataes desencantadas.

    49Vie Internationale, A. Kolossovski, conselheiro do vice-ministro dos Negcios Estrangeiros, Agostode 1989, pp. 43-44-45.

    50Nouvelles de Moscou, n 45, 5 de Novembro de 1989, p. 12.51Nouvelles de Moscou, n. 46, 12 de Novembro de 1990, pp. 8-9, artigo intitulado Octobre 17.52Vie Internationale, Julho de 1989, p. 37.53

    Gorbatchev, La perestroika, le parti, le socialisme, 28 de Setembro de 1989, Pravda, 30 deSetembro de 1989.

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    Valores universais: o grande recuo

    Abordamos agora a teoria dos valores universais, colocada em evidncia desde h trs ouquatro anos pela equipa de Gorbatchov, e que constitui hoje a linha ideolgica orientadora doPartido. Fatigado dos valores socialistas, Gorbatchov redescobre os valores universais dacivilizao europeia

    Os xitos econmicos da Europa e da Amrica do Norte so indivisveis de todas asoutras componentes tradicionais da civilizao europeia. So normas da moral e das ideiassobre o destino do homem, baseadas em primeiro lugar no cristianismo, nos princpios dademocracia que foram desenvolvidos durante sculos. () Estamos prontos a adoptar denovo os valores da civilizao europeia que negmos durante os ltimos 70 anos sob o pretexto de imperativos de classe. Para ns, isso marcar com efeito um grande passo nadireco da paz com o Ocidente. ()A histria demonstrou manifestamente que a ignornciadas leis inevitveis e necessrias da economia de mercado e a renncia s normas dademocracia e da moral elaborada no seio da civilizao europeia durante sculos, levam aatrasos no desenvolvimento.54 Na Blgica, era preciso ir muito longe direita para encontraruma expresso to franca da ideologia liberal e imperial! Se se quiser voltar sculos atrs para

    falar de democracia e de moral na Europa, deveria comear-se por falar dos 150 a 200 milhesde escravos africanos de que os civilizadores se apoderaram, sobre o trabalho dos quais ocapitalismo democrtico foi em parte construdo. Seria necessrio igualmente falar dos 60milhes de ndios massacrados no Mxico e no Peru para que a civilizao europeia pudessedevorar o ouro e a prata desse continente. preciso falar das dezenas de milhes de escravosque foram mandados vir de frica para rebentarem nas plantaes de cana-de-acar. preciso falar da extensa cadeia de massacres necessrios construo da conquista colonial nosculo XIX e da opresso colonial no presente sculo. A democracia europeia e a moraleuropeia crist distinguiram-se particularmente aquando do ascenso e do triunfo do fascismo.

    E basta olhar as ditaduras neocoloniais para constatar que a Europa e os Estados Unidos,

    cujos especialistas de economia, de intriga poltica e de tortura dirigem esses pases nosbastidores, continuam sempre a um palmo da concepo fascista do mundo.Sem ir to longe na extravagncia das declaraes pr-imperialistas acima citadas,

    Gorbatchov aproximou-se bastante delas, quando ao fundo, pela sua apreciao dos valoresuniversais. Diz, por exemplo, que a Unio Sovitica redescobrir os verdadeiros valores dosocialismo ligados elevao do homem, humanizao, democratizao das relaessociais. Fala de socialismo humano e democrtico apoiando-se sobre todos os progressosda civilizao contempornea, canta a palavra de ordem Liberdade! no sentido mais lato euniversal deste termo.55 Compreende-se desde logo a razo por que Marc Eyskens, ministrobelga dos Negcios Estrangeiros, declarou que o CVP, Partido Social-Cristo, primeiro partido

    do imperialismo belga, lhe poderia acordar o ttulo de membro honorfico. efectivamenteo mesmo falatrio oco, dito universal, que se encontra em todos os documentos dos partidoscristos e liberais da Europa civilizada!

    54Discurso de Gorbatchov no Plenrio do CC de 12 de Julho de 1989, Pravda, 14 de Julho de 1989.

    Discurso de Gorbatchov no II Congresso dos Deputados do Povo,Pravda, 25 de Dezembro de 1989.55Idem, ibidem.

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    Deus e o seu profeta, o reverendo Moon

    Enfim, um artigo de Temps Nouveauxanuncia-nos em ttulo que a visita de Gorbatchov ao Vaticano constitui um smbolo do continuado retorno da Unio Sovitica aos valoresuniversais da civilizao mundial!56

    Aqui a religio catlica, verso Joo Paulo II, verdadeira doutrina da apologia doimperialismo, que ostentada como valor universal a redescobrir. Um acadmico, a quemperguntaram qual o seu prognstico para a Unio Sovitica em 1990, respondeu que nesse anoiria acentuar-se a atraco da religio na sociedade. Trata-se de uma tendncia geral, edepois acrescenta: Durante todo o poder sovitico, () uma intensa propaganda anti-religiosa era levada a cabo por mpios belicosos e por sbios ateus . () A transparncia[glasnost] varreu os simulacros de ideais, isso leva o homem e a sociedade a tornarem aosideais milenrios.57 j o delrio. Mas o pior est para vir. Num jornal da seita Moon pode-seler um dilogo entre Moon e um jornalista sovitico. Moon, que se sabe estar ligado CIA,exprime a, em quatro pginas, as suas reflexes poltico-filosficas, e nelas o jornalistasovitico vai descobrir numerosos traos comuns entre o pensamento de Moon e o novopensamento sovitico!

    Ns apoiamos o presidente Gorbatchov nas suas reformas pelo novo pensamento!,titula o reverendo Moon. E o jornalista sovitico Iordanski vai mais longe: As palavras doreverendo Moon parecem, de qualquer modo, provar de maneira impressionante, que osconceitos filosficos do novo pensamento oferecem-nos novos horizontes na colaboraomundial.58

    A questo da religio na Unio Sovitica no portanto um mero detalhe, est ligada constatao de que os dirigentes do partido sovitico crem cada vez menos nas teses domarxismo-leninismo, afastam-nas completamente da prtica poltica e empurramdeliberadamente face ao vazio ideolgico, os trabalhadores para os ideais milenares.

    O cancro do nacionalismo burgus

    A agitao do nacionalismo burgus no pas e no partido constitui uma terceira tendnciamarcante na vida poltica e ideolgica. Esta ter, num futuro que pode estimar-se bastanteprximo, pesadas consequncias.

    H quatro anos, Gorbatchov declarava que era necessrio desenvolver o pluralismosocialista. Concordvamos que, aps o perodo Brjnev, era preciso permitir, na base dosocialismo, a expresso de diferentes ideias. O pensamento revolucionrio no podia revigorar-se seno atravs da luta contra as correntes burguesas. Mal foi lanada esta ideia, numerosasorganizaes e numerosas frentes populares foram criadas para apoiar a perestroika. Tratava-se de coligaes entre foras abertamente reaccionrias e de reformadores da poca de

    Khruchov, verdadeiras mquinas de guerra contra o que resta de socialismo na UnioSovitica.

    Tomemos o exemplo da Ucrnia onde, por iniciativa de gente de direita do Partido, foicriado o Movimento Popular Ucraniano para aPerestroika, a Frente Popular desta Repblica,que reivindica 280 mil membros. O seu congresso inaugural contava com 1100 delegados dosquais 25 por cento eram membros do Partido. Esta Frente provocou uma vaga de fundo de

    56Temps Nouveaux, n. 52, 1989, p. 36.57Nouvelles de Moscou, Raouchenbakh, n. 1, 7 de Janeiro de 1990, p. 758

    Ein frohes Fest Deutschland, CAUSA Deutschland, postfach 1320, 5303 Bornheim 1, Dezembro de1989, p. 25 e 20.

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    ideias anti-socialistas e anticomunistas, o que levou o seu congresso a denunciar o socialismo eo partido comunista sob as aclamaes da sala. Na tribuna, os representantes que tentaramdefender o PCUS foram vaiados e expulsos. O assunto era a ocupao da Ucrnia pela UnioSovitica. Reclamava-se a partida do Exrcito Vermelho e a criao de um exrcito ucraniano.E qual seria o ncleo desse exrcito? Durante a Segunda Guerra Mundial houve um exrcitoucraniano criado pelos bons cuidados de Hitler. O Movimento Popular Ucraniano para a

    Perestroika escutou respeitosamente uma inverosmil interveno de um tal Lukianenko. Estedeclarou perante o Congresso que era preciso reabilitar os guerrilheiros de Stepan Bandera, ochefe fascista ucraniano, como vtimas do stalinismo e combatentes pela liberdade. 59 Umlivro sobre a World Anti-Communist League (extrema-direita fascista controlada pelosamericanos e pelos taiwaneses) explica que, depois da guerra, os ingleses e os americanosprenderam um nmero considervel de membros do grupo de Bandera. Assim, derrotado onazismo, centenas de colaboradores ucranianos foram recrutados pelos servios ocidentaispara fazerem espionagem na Unio Sovitica. Membros do grupo de Bandera trabalharam naRadio Free Europe. H uns anos produziram algumas emisses abertamente pr-fascistas quesuscitaram vivos protestos nos Estados Unidos! Estas emisses faziam abertamente o elogio do

    grupo nazi Gallician SS.Que antigos nazis das SS, reconhecidos como tal na Ucrnia, tenham podido enviar um dosseus representantes para tomar a palavra numa reunio da Frente Popular, no momento emque se expulsam os comunistas, eis o que d para reflectir acerca da degenerescncia polticana Ucrnia. Relevemos aqui, entre parnteses, que as publicaes trotskistas do grupo deMandel apoiam o combate democrtico das Frentes Populares na Unio Sovitica epublicam as suas tomadas de posio, segundo a bem conhecida tctica da frente unida contrao comunismo, mesmo moribundo.

    Tambm na Letnia foi constituda uma Frente Popular de todos os antimarxistas. Um dosseus lderes declarava quando do ltimo congresso da Frente: importante para nsestreitar os laos com os pases do Ocidente, estabelecer contactos econmicos () parapreparar o caminho de regresso da Letnia ao mundo civilizado da Europa qual a Letniapertenceu no seu tempo. E acrescentou: A forma principal de propriedade na Repblica da Letnia deve ser a propriedade privada. A experincia dos Estados ocidentaisindustrializados prova que a propriedade privada e a iniciativa privada asseguram um funcionamento altamente eficaz do mercado livre.60 No se pode ser mais explcito: oregresso ao capitalismo, ao mundo imperialista e s leis mais elementares, mais simples, docapitalismo mundial.

    Gorbatchov: lastimoso

    A agitao das ideias anticomunistas nas repblicas blticas inquieta muito vivamente oPCUS. Com efeito, estas repblicas decidem reivindicar a sua independncia assim como aadeso, em duas ou trs fases, ao Mercado Comum. O Partido Comunista da Unio Soviticadeclarou ento: O carcter anti-socialista, anti-sovitico dos seus objectivos revelou-se. Viu-se aparecerem organizaes que lembram as formaes do perodo burgus e da ocupaofascista, assistiu-se criao de rgos paralelos do poder.61 Esta constatao exacta. Noentanto, as crticas, os protestos, as denncias no impediram os reaccionrios de continuar oseu trabalho de sapa e o prprio PC lituano passou recentemente para o lado dos

    59Daily Review, 15 de Setembro de 1989, pp. 5-7.60

    Temps Nouveaux, n. 42, 1989, p. 25.61Gorbatchev, discurso no CC, em 25 de Dezembro de 1989.

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    independentistas, declarando que j no pertencia ao PCUS e se tornara um partidoindependente, com o seu programa prprio, definido por si prprio e com os seus prpriosestatutos. Quer iniciar negociaes com o PCUS para determinar as bases das suas futurasrelaes.

    Em 25 de Dezembro ltimo, Gorbatchov pronuncia um dos mais interessantes discurso, emque revela todo o impasse em que se meteu e que soa j como o canto do cisne. Fala da ciso

    entre o partido lituano e o PCUS.H alguns anos, disse Gorbatchov, no se contavam na repblica seno algumas dezenas

    de guerreiros da oposio. Apenas procuravam tornar-se populares, atiando astendncias nacionalistas. A oposio juntou-se s palavras de ordem da perestroika com ofito de comprometer o socialismo. O perigo que este fenmeno representava no foi notadoem tempo til.62 H aparentemente muitas coisas que Gorbatchov no nota em tempo til.Tornaremos a falar disso.

    Em seguida, Gorbatchov sublinha a perda de influncia do partido nos media (). medida que estas posies eram tomadas, a Sajudis (Frente Nacionalista da Litunia)empenhava-se no caminho da luta pelo poder real.63 Aqui Gorbatchov confessa que a

    glasnost, a poltica de transparncia, caiu nas mos da direita e da extrema-direita. Mas volta areconhecer que no notou em tempo til este deslizamento.

    Depois Gorbatchov constata que, para assegurar as condies necessrias para a tomada parlamentar do poder, uma parte dos deputados representando Sajudis propagam as palavras de ordem da perestroika. Elaborou-se e aplica-se escrupulosamente a tctica dascadncias do desmantelamento das conquistas do socialismo.

    Assim, Gorbatchov concede que nos domnios da perestroika, da glasnoste da democracia trs das quatro linhas de fora da sua nova poltica no notou em tempo til o querealmente se passava na Unio Sovitica.

    A quarta constatao de Gorbatchov a propsito da Litunia uma confisso de

    incompetncia poltica. Houve numerosos contactos com o PC lituano. Este ltimo assegurava-lhe que as massas caminhavam no sentido do nacionalismo e que o PC era obrigado a segui-laspara poder mant-las sob a sua direco. E Gorbatchov confessa: preciso reconhecer quens demos ouvidos s suas propostas, e que muitas vezes fomos alm dos seus prpriosdesejos.

    Segundo as suas prprias confisses, uma tal situao utilizada pelos elementosnacionalistas, separatistas, anti-soviticos, () que sonham fazer renascer os regimes deantigamente, regimes autoritrios, de extrema-direita. perfeitamente verdade, mas queconta fazer agora Gorbatchov? A sua medocre anlise seguida de algumas reflexes damesma estirpe. Primeiro, devemos demonstrar grande conteno, reflexo e circunspeco.

    () [ preciso pedir a toda a gente para] reflectir mais uma vez.Em lugar de pedir aos outros para reflectirem quando j era tarde demais, Gorbatchov teriafeito melhor em reflectir ele prprio no avano das foras que ia desencadear.

    Aos membros do Comit Central que dizem ser preciso reagir, que no se pode deixar ir ascoisas at catstrofe, ele responde: Vocs tm a nostalgia do socialismo de caserna, cadavez que temos de enfrentar manifestaes das largas camadas da populao, nsempregamos meios polticos. Mas que meios polticos lhe restam?

    Depois agita um outro argumento: Vocs dizem que o poder j no forte, que seesfarrapa. Ora, o ideal de uma poltica forte no a animosidade nem a confrontao, a

    62

    Idem, ibidem.63Idem, ibidem.

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    concrdia e a solidariedade. Assim necessrio compreender o grande valor doscompromissos razoveis.

    Conhecendo ns os fascistas e a extrema-direita, perguntamo-nos como far Gorbatchovpara jogar sozinho este grande jogo dos compromissos.

    Gorbatchov acrescenta ainda isto: indispensvel tomar decises enrgicas paraconservar o Estado federal e assegurar a sua unidade. E que ningum se iluda acerca das

    intenes e das possibilidades do Centro.64 Depois de tudo o que declarou, estas so palavrasvs, de que todos os reaccionrios riro a bandeiras despregadas. Gorbatchov completa estaideia dizendo: necessrio submeter ao exame do rgo legislativo superior a questo dalegalidade das organizaes e dos movimentos polticos que encorajam o terrornacionalista. Eis ao que se reduz a feroz exclamao de que ningum tenha dvidas quantos intenes e s possibilidades.

    Este discurso mostra-nos um Gorbatchov enleado num impasse total. E a profundidadeda sua anlise deixa-nos a braos com numerosas interrogaes sobre o futuro da UnioSovitica.

    Friedman, ajude-nos a restaurar o capitalismo

    Depois de ter sublinhado os trs maiores eixos da orientao poltica e ideolgica,exporemos brevemente as concepes econmicas avanadas actualmente pela maioria dadireco do PCUS.

    H cinco anos, Gorbatchov declarou categoricamente que as coisas deviam mudar nestedomnio. Estagnao, inrcia, taxa de crescimento em baixa, falta de alimentos,impossibilidade de responder s necessidades mais elementares, preciso, dizia ele, lanaruma poltica econmica nova. Aps quatro anos, constata-se que nada mudou, salvo para pior!

    Na revista editada pelo ministrio dos Negcios Estrangeiros, pode-se ler que, com a criseactual na Unio Sovitica, cada vez encaramos mais seriamente o alerta lanado por F.Hayek, o nosso principal oponente entre os conservadores monetaristas. Este pretende quemesmo a via pacfica social-democrata conduz de qualquer modo ao colectivismo total scio-estatal, economia planificada e directivista. a via do monopolismo do estrangulamentodo individualismo, da democracia e da liberdade. E Larissa Picheva, investigadora noInstituto do Movimento Operrio (!) Internacional, nefita na cincia econmica docapitalismo selvagem, termina o seu ensaio com uma condenao da economia mista. Afirmaela que, na Unio Sovitica, h a necessidade das ideias de Milton Friedman e de FriederichHayek, porque a economia mista onde a propriedade privada se amalgama com apropriedade do Estado, onde o mercado tem de coexistir com os preos planificados, no temfuturo. Todos estes elementos do sistema de mercado, enxertados com tanta dificuldade na

    grande rvore estatal, agonizaro inevitavelmente, at ao dia em que o mecanismo jurdico,os novos sistemas de propriedade e formas de poder substituiro os sistemas e formasexistentes. H uma sada: a inteira liberalizao da nossa vida econmica e social, daruma boa formao aos nossos agricultores, aos nossos lavradores cooperativos,comerciantes, banqueiros, artesos, a todos aqueles que formaro a classe dos futurosadministradores e dirigentes do pas pessoas hbeis e diligentes.65 portanto a doutrinade Friedman que vai salvar o socialismo na Unio Sovitica, depois de ter salvado ocapitalismo perifrico no Chile!

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    Idem, ibidem.65Vie Internationale, Maio de 1989, pp. 104 e 110.

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    A longa marcha na direco da empresa privada

    Desde h dois anos constatamos que Gorbatchov nada tem a dizer no domnio econmicoque seja inspirado pelo socialismo cientfico. Ele fala da Nova Poltica Econmica de Lninefora de qualquer contexto histrico para melhor rejeitar o conjunto da doutrina de Lninesobre a economia e a poltica. As suas propostas prticas so cada vez mais nitidamenteorientadas para a empresa privada e para o mercado. Um artigo na revista Temps Nouveauxcontm esta prola: Embora o pas viva sem Stline h quase 40 anos, continuamos a nopoder libertar-nos definitivamente dos entraves do sistema stalinista, dos princpios feudaisdas estruturas econmicas que ele fundou, ao passo que outros tiranos europeus do sculo XXlevaram com eles para a tumba as instituies sociais que haviam criado, dando lugar democracia na economia e na poltica. Porqu? Porque nem Hitler nem Franco tinhamdestrudo a propriedade privada, sobre o fermento da qual, logo que a ditadura desapareceu,desabrochava uma sociedade florescente. 66

    O maior crime de Stline foi o de eliminar a propriedade privada. Eis porque ele pior doque Hitler. um discurso que Le Pen no repudiaria, nem os antigos combatentes da FrenteLeste. E compreendemos melhor por que razo Stline e Mao Ts-Tung sublinharam a

    necessidade de manter a ditadura do proletariado contra os elementos politicamentedegenerados, verdadeiros agentes da influncia imperialista.

    O director do Instituto Plekhnov, o senhor Vladmir Grochev, ainda por cima professor, dizque a propriedade privada [dos meios de produo] est presente no pas sob a forma deeconomia da sombra, de certas cooperativas e empresas mistas. O capital privado sob a forma de centenas de milhares de milhes de rublos, de vrios milhares de milhes dedlares, erra atravs da Unio Sovitica. Por muito professor que seja, ele tem na cabeaquestes que no so de ordem puramente acadmica. No ser melhor achar um meio dereconhecer esta forma de propriedade privada colocando-a ao servio da perestroika?67Colocar o capitalismo selvagem existente ao servio da perestroika? Mas no ser antes a

    perestroika que se coloca inteiramente ao servio do capitalismo selvagem? O mesmoprofessor conta que um congresso de homens de negcios soviticos props que a propriedadeprivada dos meios de produo seja reconhecida no mesmo plano que a propriedade doEstado. A sua concluso: Ns, os sbios, ajud-los-emos a terem xito.68Bom exemplo daaliana entre os novos capitalistas e os intelectuais tecnocratas.

    Uma outra professora, Margarita Maximova, doutorada em economia, afirma que necessrio desestatizar a propriedade e assegurar a igualdade, a concorrncia e acompetitividade de todas as formas de propriedade enquanto fundamento da liberdadeeconmica dos cidados; preciso preparar o estabelecimento de zonas de empresaslivres.69

    Apelos s multinacionais, odes liberdade de explorar como fundamento da liberdadeeconmica. As nicas propostas concretas formuladas visam o regresso ao capitalismo pelatctica gradual dos pequenos passos.

    H um ano, Gorbatchov nomeou Ablkine vice-primeiro-ministro responsvel pela reformaeconmica. Este apresentado noFinancial Times como um homem que defende de maneiraconvincente a desnacio9nalizao da propriedade. A sua tese a de que no halternativa vlida no mecanismo de mercado para coordenar as actividades e os interesses

    66Temps Nouveaux, n. 47, 1989, p. 34.67Bulletin Agence Novosti, 24 de Outubro de 1989, p. 1-2.68

    Idem, ibidem.69Bulletin Novosti, 12 de Dezembro de 1989, pp. 4-5

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    dos agentes econmicos. A diversidade das formas de propriedade, a sua igualdade e a suacompetio so a condio fundamental da liberdade econmica dos cidados que asseguraa utilizao ptima das suas capacidades, afirma o relatrio apresentado por Ablkine emNovembro de 1989.70 Isto demonstra que Gorbatchov se insere cada vez mais claramente nacorrente da direita liberal.

    O imperialismo que j no existe

    Passemos ao captulo da poltica externa sovitica. Trataremos da nova concepo doimperialismo, das consequncias que disso decorrem ao nvel da poltica mundial, e da anlisedas subverses na Europa de Leste.

    Vejamos o que afirma um conselheiro principal do ministro dos Negcios Estrangeiros:Uma atitude profundamente enraizada em ns () consiste em ver no Ocidente umsaqueador descarado dos pases em vias de desenvolvimento. um erro. Uma parteconsidervel dos pases do terceiro mundo continua a pronunciar-se a favor das palavras deordem da nova ordem econmica, esquecendo que uma poltica econmica voluntarista omais das vezes a causa principal do estado catastrfico das suas economias. () Nsaprendemos, por nossa prpria e amarga experincia, ao que leva a violncia para com aeconomia.71

    V perguntar-se ao Zaire, ao Brasil e s Filipinas, por exemplo, como doce viver onde noexiste violncia para com a economia, onde as multinacionais e os latifundirios, a mfia dogrande comrcio, os negreiros do trabalho infantil gozam de todas as liberdadeseconmicasE onde eles mergulham as massas populares num inferno de violncias de toda aespcie. O combate pela elevao dos preos das matrias-primas do terceiro mundo seriaportanto, segundo este conselheiro econmico em comunismo, uma violncia para as leisnaturais da economia. Para marcar mais claramente a sua passagem para o campo da antigaordem econmica imperialista, ele acrescenta: No seria possvel instaurar uma nova

    ordem. evidente que esta ideia pode bloquear a regulao dos problemas econmicosmundiais e levar-nos a uma rivalidade poltica [com o Ocidente]. A nova ordem econmica,tal como geralmente formulada, consiste na realizao de reivindicaes no pondo em causaos fundamentos do sistema imperialista. Os sociais-democratas foram os primeiros acompreender que se a situao do terceiro mundo continuar a degradar-se, haver explosesrevolucionrias um pouco por toda a parte. preciso, por consequncia, ser-se previdente,deixar cair algumas migalhas para salvar o essencial da dominao imperialista! Mas eis queum conselheiro comunista ultrapassa Mitterrand e Brandt pela direita. A concluso deKolossovski a seguinte: preciso acabar com as afirmaes de que o terceiro mundo umareserva do socialismo, porque tal posio empurrar-nos- para uma luta de classes em

    todos os azimutes na arena internacional. () O terceiro mundo no uma arena para umaconfrontao com o Ocidente. O Ocidente j no o nosso adversrio comum.72

    Vivam as multinacionais e o FMI!

    Prope-se aos meios progressistas dos pases do terceiro mundo lutar, no contra oreforo das relaes capitalistas enquanto tais, mas pelo capitalismo democrtico, contra oreforo dos seus traos reaccionrios e em concluso: As multinacionais poderiam criar

    70The Financial Times, 20 de Novembro de 1989.71

    Vie Internationale, Agosto de 1989, pp. 48-49, 52.72Idem, ibidem.

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    condies favorveis aos trabalhadores das suas empresas.73 Nutridos com tal pensamentohumanista e imbudos de tais valores universais, podeis utilmente apresentar os vossosservios Socit Gnrale ou Ford Company!

    Uma outra proposta: preciso acabar com as crticas ao Fundo Monetrio Internacionalnas suas iniciativas no terceiro mundo, porque: No ligados directamente aos interesses detal ou tal grupo privilegiado nos pases em vias de desenvolvimento, o FMI e o BIRD so

    muitas vezes mais consequentes do que os meios dirigentes locais, tanto no que respeita anlise das dificuldades econmicas () como para a elaborao de medidas com vista aresolv-las.74 No entanto, no ser necessrio ser marxista para compreender que o FMIestrangula os pases do terceiro mundo, isso coisa reconhecida por todas as foraspatriticas!

    Mas os novos filsofos soviticos ignoram at as verdades mais simples.E, como para mostrar bem que o revisionismo, uma vez desencadeado e sem freios, no

    pode evitar o ridculo e o grotesco, o mesmo doutor em cincias econmicas e mestre deinvestigao formula uma proposta prtica de envergadura estratgica: Foi dito tambm, semambiguidade, que a Unio Sovitica reconhece os laos histricos Norte-Sul () e que

    convm sanear estas relaes. tempo de descobrir e, mais do que isso, de formaractivamente zonas de interesses comuns no Leste e no Ocidente, no Sul.75

    Depois de se ter ouvido os aselhas acadmicos deste nvel, compreende-se melhor FidelCastro que, em 9 de Dezembro de 1989, exprimia o seu receio de ver certos pases (ex)-socialistas inserir-se nas redes da economia imperialista para explorar Cuba e a AmricaLatina.

    Os deserdados do mundo: potenciais terroristas

    Vejamos o que resulta, no domnio da luta poltica anti-imperialista, destas consideraesgerais.

    Um autor aborda o tema: Terceiro mundo: zonas de risco. Os riscos no provmabsolutamente em nada da opresso brbara do imperialismo, da poltica de genocdiopermanente contra milhes de pessoas, no, os riscos provm essencialmente dosrevolucionrios O terceiro mundo a fonte de um outro mal do nosso tempo: o terrorismo () H um ramo que desestabiliza particularmente a situao internacional, que conduz aaces conscientes contra os cidados dos pases desenvolvidos, em primeiro lugar,ocidentais.76 a linguagem de um racista branco e de um contra-revolucionrio. Destaca aliquidao de alguns brancos por um ou outro movimento fantico, e no diz palavra sobre ascentenas de milhares de mortos em consequncia do terrorismo de Estado praticado porIsrael, Taiwan, Estados Unidos e frica do Sul. O terrorismo, senhor Kossolovski, o verdadeiro

    terrorismo o imperialismo; aquele que tanto o excita quando muito a expresso dodesespero de seres humanos constantemente espezinhados, esmagados, despedaados. Osenhor, que se baba diante de sculos de civilizao europeia, olhe para uma das suas ltimasproezas: Desde 1976, a Renamo, criou em Moambique um dos maiores desastres do mundomoderno. Segundo um relatrio das Naes Unidas, publicado em Outubro de 1989, 900 mil

    73Vie Internationale, Maro de 1989, p. 67.74Sciences Sociales, Academia das Cincias da URSS, n. 3, 1989, Viktor Chinis, p. 148.75

    Idem, ibidem, p. 158.76Vie Internationale, Agosto de 1989, pp. 48-49, 52.

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    pessoas foram mortas em condies horrorosas. Civis vtimas de tiros, assassinatos a catanaou a machado, incndios de cubatas, afogamentos forados ou asfixia.77

    Num outro texto de anlise poltica, o autor Viktor Chinis, vai ainda mais longe na mesmadireco: ele liga directamente os movimentos das classes mais oprimidas do terceiro mundos noes de terrorismo, ditadura cruel e violncia sangrenta. Lembremos que, aquando daocupao do Afeganisto, certos idelogos expuseram a teoria do golpe de Estado militar

    revolucionrio, abrindo o caminho revoluo propriamente dita, sustentando que oscamponeses eram demasiado atrasados para constituir uma base para a revoluo. Hoje,alguns desenvolveram criativamente essa asneira: se os camponeses se mobilizam, tal nopode levar seno ao terrorismo e violncia destruidora.

    H um ponto de vista, fundado numa tradio cientfica e ideolgica de longa data,segundo o qual () o objectivo central das foras progressistas seria activar a luta dascamadas oprimidas, deserdadas das sociedades em vias de desenvolvimento e as formasmais extremas de uma tal luta seriam as mais eficazes. ()Seria muito perigoso apoiar umqualquer movimento da base, sobretudo aquele que leva a uma escalada de violncia. () Ocarcter conflitual da evoluo interna pe em causa a unidade nacional (). As foras em

    oposio, cada uma defendendo os seus prprios interesses, so periodicamente tentadas aapelar s camadas tradicionalistas e marginais da populao, a colocar em aco reservasde apoio e de presso que facilmente escapam a qualquer controlo (),fornecem terroristas,levam a violncias sangrentas, a pogroms, e provocam a instaurao de ditaduras mais oumenos cruis.78Esta uma posio francamente reaccionria. Chinis no v terrorismo nemditaduras sangrentas no Peru, na Guatemala, nas Filipinas. O imperialismo, diz, no uma caracterstica dominante do capitalismo neste final do sculo XX.79 O problemaessencial para o terceiro mundo o de se empenhar no processo de modernizao e, desteponto de vista, a contribuio do capitalismo positiva. Aqueles que mobilizam a base, asmassas tradicionalistas, os deserdados e os oprimidos, pem em perigo a unidade nacional e,por consequncia, o processo de modernizao. Estas massas atrasadas, uma vez levantadas,correm o risco de instaurar o seu poder que ser, contrariamente ao regime neocolonialmodernizador, uma ditadura cruel. A Unio Sovitica deveria portanto, segundo o senhorVictor Chinis, doutor em cincias econmicas, ficar do lado da ordem neocolonial, contra ospossudos e os elementos irresponsveis e amorais que pregam as velhas concepes daviolncia justa.80 No seria sem dvida razovel ver na sangrenta epopeia dos KhmersVermelhos um episdio isolado e nico na histria de um pequeno pas atrasado, tal comoseria errado subestimar o perigo das sevcias como as que so perpetradas pela organizaoperuana Sendero Luminoso (). Kampuchea, Peru, quem pode afirmar que esta espcie derevolucionrios no ameaaria a sociedade noutros pases em vias de desenvolvimento? Digo bem: uma ameaa para a sociedade inteira, que eclipsa o nmero de disputas e

    desacordos polticos.81 O contra-revolucionrio Chinis faz de conta que no sabe que osbombardeamentos americanos sobre o Kampuchea causaram a morte de 600 mil camponeses,que a fome criada pelas tropas americanas em fuga do Kampuchea provocou a morte de ummilho de kampucheanos, e isto segundo documentos oficiais. Na Amrica Latina, vriosmovimentos de guerrilha, bem implantados numa populao camponesa que os apoiava,foram mesmo assim esmagados pela violncia contra-revolucionria; foi o caso da Colmbia,

    77Le Soir, Robert Job, La mort honteuse de 900.000 personnes.78Sciences sociales , n. 3, 1989, pp. 150-151.79Idem, ibidem, p. 141.80

    Idem, ibidem, pp. 151-152.81Idem, ibidem.

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    tal como o da Guatemala. Que o Sendero Luminoso conseguisse no apenas manter-se, mastambm alargar a guerrilha a grande parte do territrio, prova que esta organizao temcapacidades revolucionrias reais, seja qual for a opinio que se possa ter sobre algumas dassuas tcticas e mtodos. Mas Chinis fala deste movimento revolucionrio de massas ndias ecamponesas como o faria um perito americano em contra-insurreio. Quando as massaspopulares, oprimidas durante sculos, aterrorizadas pelas matanas em massa, se levantam,

    mesmo a organizao mais disciplinada no pode evitar aces de vingana e erros. Todo orevolucionrio sabe que estes fenmenos so inevitveis em qualquer movimento de libertaopopular. Tomar isso como pretexto para preferir o terror e o genocdio permanente sob adominao imperialista passar para o campo da reaco.

    CIA eKGB de mos dadas contra a revoluo?

    Na realidade, o que se anuncia nestas declaraes, o direito de ingerncia, o direito dedecidir quais so os revolucionrios bastante bons, civilizados, educados e mansos paramerecer a considerao da Unio Sovitica e dos seus aliados ocidentais, e quais so osrevolucionrios brbaros e sangrentos que americanos, ingleses, israelitas e outros civilizados

    podem abater como coelhos para salvar a sociedade inteira.Em Janeiro de 1990, a Temps Nouveauxd a palavra ao chefe do regime de apartheid, F.

    De Klerk para dizer o qu? Eis a sua mensagem ao povo e aos comunistas soviticos: Nuncadefendi o apartheid. Ns lutamos apenas contra os movimentos que se dedicam a actividadesterroristas.82 Pik Botha foi Hungria (agora em regime de liberdade e de democracia!) a fimde a negociar um contingente de mo-de-obra de especialistas e de quadros de direco para a frica do Sul. Aproveitou para declarar triunfalmente a propsito do ANC: Que tenha emateno que os seus camaradas irmos da Europa de Leste viraram as costas sua ideologiae ao seu sistema poltico. Que tempo de o ANC compreender que aquilo que gostaria deestabelecer na frica do Sul, acaba de morrer na Europa de Leste e est a morrer na Unio

    Sovitica.83 Nisto ele tem alguma razo! Este exemplo permite compreender quais asrepercusses do que se passa a Leste sobre os povos que sofrem desde h sculos. As primeirasvtimas desta demagogia a propsito da democracia e da liberdade instauradas a Leste sero ospovos do terceiro mundo que lutam pela sua libertao. Ao lado dos prprios trabalhadoresdos pases de Leste, que acordaro bem depressa das suas iluses.

    Em concluso, podemos dizer que os revolucionrios do terceiro mundo devem tomarconscincia de um perigo que os ameaa, o das aces concertadas entre a superpotnciaamericana e uma Unio Sovitica que se lhe submete. Esta perspectiva tornar-se- realidade seas concepes mencionadas sobre o terrorismo, as massas deserdadas sanguinrias, osKhmers Vermelhos e o Sendero Luminoso se impuserem definitivamente na direco do pas.

    Alis, o prprio chefe doKGB evoca a possibilidade de aces conjuntas CIA-KGB no domniodo terrorismo (Mdio Oriente, Iro), da luta contra a droga (Amrica Latina) e nos pontosquentes do planeta frica Austral, Amrica Central, Indochina). Eis as respostas de VladmirKriutchkov, presidente do Comit de Segurana de Estado da URSS, a um jornalista: Em1990, o KGB projecta estender os seus contactos com os servios secretos de diferentes pases,nomeadamente com a CIA. Trata-se antes de tudo de travar o terrorismo, o trfico de droga,o contrabando. Por exemplo, estando a URSS e os Estados Unidos mutuamente interessadosem fazer baixar a tenso nos pontos quentes do planeta, o KGB e a CIApoderiam trocar

    82

    Temps Nouveaux, n. 1, 1990, Entrevista de Klerk.83Le Monde, 5 e 6 de Janeiro de 1990, Pik Botha rentre optimiste de Hongrie.

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    informaes secretas a fim de que os governos dos dois pases elaborem e efectuem acescomuns.84

    Golpes de Estado a Leste, orquestrados pela URSS

    Logo sua chegada ao poder, Gorbatchov declarou querer renovar o socialismo e regressar

    ao esprito revolucionrio de Lnine. O que se passa a Leste e nos partidos comunistas destespases mostra claramente que estas declaraes eram vs e que as repercusses da pretensanova mentalidade so ainda mais catastrficas para o socialismo na Europa de Leste do quena Unio Sovitica.

    Informaes cada vez mais numerosas tendem a mostrar que, apesar das declaraes de noingerncia nos pases de Leste, a Unio Sovitica intrometeu-se largamente nos seus assuntos.Isto claro na Alemanha de Leste, onde o prprio Gorbatchov sugeriu vincadamente asmudanas a introduzir na direco do partido. Efectivamente, sabemos agora que ainterveno directa dos soviticos abalou a direco e empurrou o SED85 para a deriva. Umajornalista bem introduzida nos corredores do poder, Marina Pavlova-Silvanskaia, escreve: significativo que aps as sevcias contra os manifestantes, E. Honecker e M. Jakes estavamprontos a continuar a defender os seus regimes. Saberemos mais tarde certamente como foievitado um desenvolvimento trgico dos acontecimentos na RDA. Contentemo-nos, poragora, a confiar nas declaraes de W. Brandt afirmando que os militares soviticos estavammetidos na coisa.86 As autoridades da RDA tinham perfeitamente o direito de decidirreprimir manifestaes que tomavam um carcter anti-socialista. Mas os hegemonistassoviticos continuavam a ditar o que os outros deviam fazer. Quanto a evitar a tragdia, areunificao alem e o revanchismo alemo, a partir de uma posio dominante na Europa,sero bem cedo uma catstrofe de uma outra amplitude, no apenas para os trabalhadores daex-RDA, mas para a Europa inteira.

    A direco do partido blgaro, inicialmente favorvel s aces de Gorbatchov, distanciou-

    se depois e declarou que jornais como o Nouvelles de Moscou, a revista Ogoniok e outros sehaviam tornado os porta-vozes das correntes anti-socialistas.87 Hoje pode ler-se na imprensasovitica apreciaes que mostram que o antigo reflexo hegemonista sobre os pases de Lesteno desapareceu completamente. Por exemplo, o Nouvelles de Moscou escreve: A naturezabestial do governo blgaro era conhecida e deixava presumir que um banho de sangue no otravaria para manter o poder.88 E explicava com aprovao aquilo que pura esimplesmente uma conjura e um golpe de Estado. Mas ouam. Primeiro, o jornal declara queJvkov queria punir severamente todos os contestatrios. Depois, os partidrios dasreformas radicais no Estado e no partido () decidiram agir. Ao princpio eram pouconumerosos: Djurov, Mladenov, Atanassov, Lukanov, Stanichev. Puseram-se de acordo? Sim,

    e estando as suas vidas em jogo, escolheram os membros do CC em que podiam fiar-se nessamatria. () O general Djurov, assim como Stanichev e Iotov foram encarregados deanunciar pessoalmente a Jvkov que este devia deixar o seu cargo. () Estavam prontos arecorrer a meios excepcionais? possvel, a julgar pelos resultados.89 Esta conspirao de

    84Nouvelles de Moscou, n. 1, 1990, p. 7.85 SED, Sozialistische Einheitspartei Deutschlands, Partido Socialista Unificado da Alemanha

    (PSUA). (N. Ed.)86Nouvelles de Moscou, n. 52, 31 de Dezembro de 1990, p. 6.87Moscow News, n 1, 1990, p. 14-15.88

    Ibidem.89Ibidem.

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    um punhado de dirigentes, apoiando-se essencialmente no exrcito, implicou necessariamenteuma participao activa da Unio Sovitica desde o princpio.

    Construir o socialismo com oSolidarnosc?

    Aps a chegada ao poder doSolidarnosc na Polnia e dos seus parceiros na Hungria, era

    claro para qualquer comunista que importantes lutas de classes se produziriam nos outrospases de Leste em torno da questo: tomada do poder por uma direita ao estilo do Solidarnoscou rectificao do poder socialista numa base autenticamente marxista-leninista. Ora, a equipade Gorbatchov encorajou manifestamente o derrube dos dirigentes comunistas que, de ummodo ou de outro, pretendiam manter certos princpios leninistas, em benefcio de dirigentesde tendncia social-democrata e pr-capitalista. Ambartsmov sada a subverso a Leste comouma autntica revoluo. No contra o socialismo, () mas contra o stalinismo e obrejnevismo. () Assim que a actual irrupo de paixes passar, as organizaes e ascorrentes e tendncias social-democratas comearo a marcar pontos.90 Trata-se portantode uma revoluo contra os princpios de base sobre os quais a Unio Sovitica foi fundada,em proveito das concepes sociais-democratas do mundo imperialista. O restabelecimento

    do capitalismo selvagem glorificado por autores soviticos em termos idnticos aos utilizadospelos representantes das multinacionais europeias. Os povos da Europa oriental parecemproteger agora os mesmos valores que a nossa perestroika: liberdade, democracia, glasnost,honestidade. ()Em resumo, o socialismo democrtico de face humana.91 A direita soviticaimpulsionou deliberadamente os processos de restaurao do capitalismo na Europa de Lestepara a achar uma base de apoio para a luta, muito mais decisiva e rdua, com vista suarestaurao na prpria Unio Sovitica. Felicitemo-nos pelo facto de que a revoluo actualtenha tirado o tapete debaixo dos ps dos organizadores de um pacto anti-perestroika escala internacional. () Agora, Berlim, Sfia e Praga foram perdidas para esse pacto. Eleest condenado nas suas ltimas trincheiras.92 A ltima frase indica claramente a vontade

    da direita sovitica de encorajar os movimentos anti-socialistas, ditos anti-stalinistas eantidogmticos, na Romnia, em Cuba, na Coreia do Norte, na Albnia, no Vietname e naChina.

    A revoluo de quem contra o qu?

    Nos anos 20, 30 e 40, o Partido Comunista da Unio Sovitica deu uma contribuio deimenso significado histrico causa do socialismo e da libertao nacional. Num pas emrunas, os comunistas erigiram a ditadura da classe operria, dos camponeses pobres e mdios,dos trabalhadores contra as antigas classes exploradoras, mobilizaram as camadas oprimidash sculos para a edificao do poder socialista, industrializaram o pas a uma velocidade

    incrvel, colectivizaram a agricultura e tornaram assim impossvel a evoluo capitalistaespontnea no sentido da ditadura dos kulaques, camponeses ricos, conseguiram uma granderevoluo cultural levando o ensino cientifico aos lugares mais remotos, dirigiram a grandeguerra antifascista e destruram o essencial das foras nazis. Stline foi um grande dirigentecomunista e, sob a sua direco, o Partido Comunista levou a cabo tarefas essenciais que ahistria lhe impunha. A seguir a Khruchov, oportunistas de todos os matizes pretenderam quedesejavam corrigir os erros de Stline. Ora, longe de corrigir os erros, bem reais e muitas vezesinevitveis na poca, atacaram as prprias bases da concepo leninista defendidas por Stline.

    90Nouvelles de Moscou, n. 49, 3 de Dezembro de 1989, p. 9.91

    Ibidem.92Nouvelles de Moscou, n. 45, 5 de Novembro de 1989, p. 7.

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    A seguir a Khruchov, sistematicamente, passo a passo, segundo ritmos tcticos bem calculados,estes oportunistas puseram em causa todas as teses marxistas-leninistas, retomando cada vezmais abertamente as concepes elaboradas pelos idelogos da burguesia ocidental, que foramapresentadas como adaptaes criativas do marxismo realidade presente, recuperaes dohumanismo socialista, aprofundamentos do socialismo que lhes dariam uma face humana.Como se os pobres e os oprimidos no tivessem uma face humana e s os burgueses, os

    banqueiros, os profetas da civilizao ocidental possussem a face humana, da qual osocialismo, numa verso Mitterrand, tem necessidade. Os partidos comunistas da Europa deLeste seguem desde h 30 anos, no essencial, as concepes de Khruchov, j no tmpraticamente nada em comum com as concepes revolucionrias em vigor sob Stline. Ora, apalavra stalinismo usada para indicar todas as teses e todos os valores do socialismo e sob abandeira da luta antistalinista que se travam os combates para eliminar o socialismo at aosltimos vestgios.

    Ouamos o politlogo Evgueni Ambartsumov: As foras de reestruturao na URSS estointeressadas na derrocada definitiva do stalinismo, seja qual for o preo desta revoluo.Uma revoluo, com efeito, porque no se trata de melhorar o socialismo mas de o

    transformar na base. () O carcter revolucionrio da actual reviravolta reside igualmentena renncia ao objectivo quanto sua essncia: a edificao de uma sociedade ideal. [Trata-se de uma] renovao interrompida pela contra-revoluo totalitria stalinista.93

    Oleg Bogomolov, deputado e colaborador de Gorbatchov, e Marina Pavlova-Silvanskaiaaprofundam estas reflexes. Diz a ltima: Uma reviravolta radical na poltica econmicaexige precisamente aos partidos comunistas o abandono das suas razes ideolgicas tericase sociais de classe. E Bogomolov aprova: Por contraditrio que seja este movimento, um passo no desenvolvimento da civilizao e nos esforos para reparar os erros que fizeramsofrer milhes de pessoas.94 Bogomolov, economista, acadmico, deputado-confidente deGorbatchov, no deixa dvidas quanto sua orientao poltica e econmica. A perestroikana URSS e as reformas na Polnia e na Hungria () possuem grande nmero de traoscomuns. () necessrio desmantelar de uma vez por todas o modelo stalinista. E oeconomista prope a organizao da economia de mercado com a manuteno do controlosocial e a proteco dos fracos contra as adversidades!95

    Aglasnoste as mentiras romenas

    Acrescentemos uma palavra sobre o papel desempenhado pela direita sovitica aquando doderrubamento do Partido Comunista Romeno. Em nenhuma outra ocasio foi to claro que aglasnost entrega os media soviticos reaco. Todas as mentiras da CIA, distribudascegamente pela imprensa imperialista, foram reproduzidas com avidez pela imprensa

    sovitica. Aqui vo algumas prolas. Combatentes da liberdade foram esmagados, abatidos,mortos ou espancados at morte 70 mil caram, um em cada 300 habitantes96 Umoutro jornal muito glasnost: 70 mil vidas levadas s na primeira semana da revoluo.97Ceausescu era um tirano louco, de poder ilimitado, na Romnia, o povo sofria umatirania mais stalinista que brejneviana, uma estrutura totalitria mais vida de sangue do

    93Moscow News, n. 1, 1990, p. 13.94Nouvelles de Moscou, n. 50, 10 de Dezembro de 1989, p. 3.95Moscow News, n. 1, 1990, p. 1496

    Temps Nouveaux, n. 2, 1990, p. 5.97Nouvelles de Moscou, n. 52, 31 de Dezembro de 1989, pp. 6 e 3.

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    que aptica.98 Em Timisoara mostraram-me fotografias de valas comuns abertas porexigncia do povo. Os corpos dos mortos encontravam-se em poses anormais: pressa,enterravam os feridos com os mortos.99 Claro, estes defensores do humanismo e dos valoresuniversais aplaudiram o assassinato de Ceausescu. O pas teria perdido muito mais vidas seestes dois se houvessem mantido por mais tempo. Para os terroristas fanticos romenos erabes, formados desde a infncia em campos especiais, Ceausescu vivo teria sido uma

    bandeira pela qual eles se bateriam at morte.100 Todas estas mentiras de tipo fascista seenquadram perfeitamente na poltica sovitica oficial, expressa por Chevardndze: Arevoluo romena, que de importncia mundial, perfeitamente compatvel com a nossa, aque chamamos de perestroika. [A Unio Sovitica] ope-se a todas as ditaduras, sejamcomunistas, ditas comunistas ou burguesas.101 extremamente curioso ouvir sublinhar aimportncia mundial da contra-revoluo romena: quem visado: A China? Cuba? A Coreiado Norte?

    Mencionemos para concluir que Ligatchov, que representa a esquerda no actual BureauPoltico, tomou algumas distncias em relao euforia liberal que acabamos de evocar. Disseele que na Europa de Leste, assistimos tambm a acontecimentos ligados restaurao do

    capitalismo e decomposio de partidos fundados sobre os princpios comunistas ().Alguns afirmam que a sociedade evolui no sentido do chamado capitalismo democrtico,mas eu no compreendo esse termo.102

    Em direco desagregao

    Por tudo o que vimos, podemos concluir que vrias foras polticas e econmicas seorientam para a desagregao da Unio Sovitica. O processo j est muito avanado e novemos como poder ser travado.

    No seio do PCUS, duas correntes situam-se nos antpodas uma da outra. A primeira toma adireco do capitalismo selvagem no estilo hngaro ou polaco. representada por Skharov e

    ltsine, quer dizer, por um anticomunista de longa data e por um antigo membro do BureauPoltico. O seu programa essencialmente o mercado livre e a empresa privada, com existncialegal de partidos burgueses e reaccionrios, quer dizer, do multipartidarismo. Tudo isso seencontra no projecto de Constituio, o ltimo texto de Skharov. Na nova Constituio,Skharov e ltsine esperam inscrever: A longo prazo, a Unio [Sovitica] aspira a umaaproximao mtua pluralista, convergncia dos sistemas socialista e capitalista.103 Estatendncia poltica que defende a liberalizao quase total do pas, agrupa cerca de 400 pessoasno Soviete Supremo, na maior parte tambm dirigentes do partido. Recordemos aqui que ogrupo trotskista de Mandel apoia, h anos, a fraco Skharov-ltsine, a que chama deesquerda radical

    A corrente oposta, muito minoritria, pronuncia-se pelo restabelecimento dos princpiosmarxistas-leninistas. chamada pela burguesia, tanto europeia como sovitica, de tendnciaconservadora, dogmtica, stalinista. Zaslavski, um membro do grupo de ltsine, fala, porexemplo, das pessoas que se inspiram, desde h muitos anos, na ideologia do totalitarismo eque acreditam nela sinceramente. Eles so particularmente numerosos entre as pessoas de

    98Temps Nouveaux, n. 2, 1990, p. 5.99Moscow News, n 1, 1990, p. 14.100Le Monde, 9 de Janeiro de 1990.101Bulletin A.P. Novosti, 25 de Janeiro de 1990, p. 1.102

    Temps Nouveaux, n. 52, 1989, p. 26.103Bulletin A.P. Novosti, 14 de Dezembro de 1989, p. 2.

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    idade avanada. claro que esta gente de idade avanada, que lutou nos anos 20, 30, 40e 50, sob a direco de Stline, pela construo do socialismo, que sofreu para defender opartido e o pas contra os nazis, tem ideias revolucionrias profundamente enraizadas nocorao.

    Entre estes plos extremos h variadas posies. A terceira corrente, taxada tambm deconservadora no Ocidente, favorvel ao restabelecimento do brejnevismo. Alguns so de

    opinio de que, sob Brjnev, havia pelo menos ordem, que as coisas eram previsveis, quenessa poca podia-se comandar sem ter de lutar e convencer politicamente e que toda a gentetinha comida suficiente.

    Uma quarta corrente, se se pode chamar assim ao conjunto de pessoas cujo imobilismo otrao dominante, a dos burocratas, prontos a seguir o poder, qualquer que ele seja. o blocoamorfo dos estou-me nas tintas.

    Gorbatchov dirige a primeira tendncia, hoje maioritria, j que se alia tanto com osbrejnevianos como com os amorfos. Visa a evoluo lenta, progressiva mas sistemtica, para arestaurao capitalista. Muito popular no Ocidente, Gorbatchov e a sua perestroika defrontamuma averso crescente na Unio Sovitica. Gorbatchov, encostado parede, procura cada vez

    mais apoios, tanto polticos como econmicos, do lado do mundo imperialista. Em troca, deixaos ocidentais fazer praticamente tudo o que querem na Unio Sovitica financiarorganizaes anti-socialistas, criar rdios livres, enviar contentores cheios de bblias edespachar peritos para erguer partidos pr-ocidentais.

    Em direco s crises que iro abalar o continente europeu

    A via que o Partido Comunista tomar nos prximos cinco anos ser portanto,provavelmente, a das lutas internas encarniadas e a da desagregao sobre um pano de fundode guerras civis locais. O que no pode deixar de levar paralisia da poltica internacional daUnio Sovitica. A sua repercusso sobre a situao na Europa de Leste poder tornar-se

    grave.Os partidos comunistas da Europa de Leste foram varridos. J no tm seno um papel

    marginal na vida poltica. Ao contrrio, os antigos partidos de direita e fascistas retomam foracom o apoio do Ocidente. A crise econmica aprofunda-se. O restabelecimento do capitalismoe a interveno das multinacionais arrastaro um descontentamento generalizado cujos sinaisprecursores j se manifestam. A nica sada para as classes dirigentes ser a utilizao dosremdios tradicionais, que consistem em arrastar as massas para o nacionalismo, ochauvinismo e a ideologia de extrema-direita. A consequncia ser o confronto entre asnacionalidades a Leste.

    Entretanto, nos prximos cinco anos, nada mais poder fazer parar a reunificao das duas

    Alemanhas. A Alemanha de Leste dispe de poucos trunfos para resistir a uma AlemanhaOcidental, terceira potncia imperialista do mundo. O PC da Alemanha de Leste est em crise,dividido e paralisado, e portanto sem meios. A reunificao far da Alemanha, que domina j oMercado Comum, tambm a potncia hegemnica em toda a Europa de Leste. O Leste foitradicionalmente o domnio reservado da Alemanha imperialista que, hoje, ultrapassalargamente a Frana, a Itlia e a Inglaterra no plano da penetrao econmica e financeira naChecoslovquia, na Jugoslvia, na Polnia e na Hungria. Actualmente fala-se muito daacelerao da unificao poltica da Europa e da dimenso militar que esta deve ter. UmaEuropa Ocidental, munida de meios militares considerveis, sob a direco da AlemanhaOcidental, ser fortemente tentada a intervir nas situaes caticas que no deixaro de surgir

    na Europa de Leste. A questo das fronteiras entre a Polnia e a Alemanha, a existncia deminorias alems na Hungria, Polnia e Romnia, os conflitos nacionalistas possveis um pouco

  • 8/6/2019 A URSS e a contra-revoluo de veludo (VI)

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    por toda a parte, sero outros tantos pretextos e ocasies para a Europa e a Alemanha, emnome do dever de ingerncia, da proteco dos direitos humanos e da democracia, de seimiscuir militarmente nos assuntos da Europa de Leste.

    A crise final do revisionismo

    Do perodo de Khruchov ao de Gorbatchov, passando pelo de Brjnev, foi o revisionismoque conduziu crise do socialismo. O debate foi lanado h 35 anos, com a chegada ao poderde Khruchov e o enunciado das suas teses: o imperialismo perdeu a sua agressividade, tornou-se numa fora de paz com a qual se pode colaborar em todos os domnios; j no h luta declasses nos pases socialistas posto que o socialismo triunfou definitivamente; o PartidoComunista, tornado em partido de todo o povo, j no tem a misso de mante