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UNIVERSIDADE DO VALE DO ITAJAÍ UNIVALI CENTRO DE CIÊNCIAS SOCIAIS E JURÍDICAS - CEJURPS CURSO DE DIREITO A VIOLAÇÃO DO PRINCÍPIO CONSTITUCIONAL DO ACESSO À JUSTIÇA DEVIDO A IRRECORRIBILIDADE DAS DECISÕES INTERLOCUTÓRIAS PROFERIDAS NO JUIZADO ESPECIAL CÍVEL ESTADUAL JESSICA VOGEL ROSSO Itajaí, 18 de novembro de 2010

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UNIVERSIDADE DO VALE DO ITAJAÍ – UNIVALI CENTRO DE CIÊNCIAS SOCIAIS E JURÍDICAS - CEJURPS CURSO DE DIREITO

A VIOLAÇÃO DO PRINCÍPIO CONSTITUCIONAL DO ACESSO À JUSTIÇA DEVIDO A IRRECORRIBILIDADE DAS DECISÕES INTERLOCUTÓRIAS PROFERIDAS NO JUIZADO

ESPECIAL CÍVEL ESTADUAL

JESSICA VOGEL ROSSO

Itajaí, 18 de novembro de 2010

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UNIVERSIDADE DO VALE DO ITAJAÍ – UNIVALI CENTRO DE CIÊNCIAS SOCIAIS E JURÍDICAS - CEJURPS CURSO DE DIREITO

A VIOLAÇÃO DO PRINCÍPIO CONSTITUCIONAL DO ACESSO À JUSTIÇA DEVIDO A IRRECORRIBILIDADE DAS DECISÕES INTERLOCUTÓRIAS PROFERIDAS NO JUIZADO

ESPECIAL CÍVEL ESTADUAL

JESSICA VOGEL ROSSO

Monografia submetida à Universidade do Vale do Itajaí – UNIVALI, como requisito parcial à obtenção do grau de Bacharel

em Direito. Orientadora: Professora MSc. Denise Schmitt Siqueira Garcia

Itajaí, 18 de novembro de 2010

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AGRADECIMENTOS

Agradeço a Deus por me iluminar nesses cinco anos

de curso e à todos os professores que não me

deixaram desistir apesar de todos os obstáculos

enfrentados, por este motivo agradeço, também, às

minhas amigas queridas Luana e Ana Paula que

apesar da distância física nunca se afastaram do

sentimento de amizade que nos uniu ainda quando

éramos adolescentes.

Agradeço à Flávia, que com seus inconformismos

sempre me fez enxergar um universo de

possibilidades, quando por muitas vezes me

acomodei em objetivos tão pequenos diante da

minha capacidade que até então eu desconhecia.

Agradeço à Ariane, quando gastou quase uma

plataforma petrolífera ao circular na Avenida Brasil e

Atlântica, tentando me convencer que a vida era

maravilhosa e que a felicidade não estava no outro e

sim na minha própria pessoa.

Agradeço ao Dr. José Carlos, pessoa maravilhosa e

chefe exemplar que me mostrou que os caminhos

oferecidos pelo Direito nem sempre são retos e que

nada é difícil ou complexo para aquele que busca o

conhecimento e por ter uma paciência imensurável

comigo durante todos esses anos em que tive a

honra de participar de sua equipe de trabalho.

Agradeço à minha querida orientadora, pela atenção

e paciência dispensadas no decorrer deste trabalho.

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TERMO DE ISENÇÃO DE RESPONSABILIDADE

Declaro, para todos os fins de direito, que assumo total responsabilidade pelo aporte

ideológico conferido ao presente trabalho, isentando a Universidade do Vale do

Itajaí, a coordenação do Curso de Direito, a Banca Examinadora e o Orientador de

toda e qualquer responsabilidade acerca do mesmo.

Itajaí, 18 de novembro de 2010

Jessica Vogel Rosso Graduanda

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PÁGINA DE APROVAÇÃO

A presente monografia de conclusão do Curso de Direito da Universidade do Vale do

Itajaí – UNIVALI, elaborada pela graduanda Jessica Vogel Rosso, sob o título A

Violação do Princípio Constitucional do Acesso à Justiça devido a Irrecorribilidade

das Decisões Interlocutórias proferidas no Juizado Especial Cível Estadual foi

submetida em 25 de novembro de 2010 à banca examinadora composta pelos

seguintes professores: Denise Schmitt Siqueira Garcia (orientadora e Presidente da

banca) e Ana Lúcia Pedroni (examinadora), e aprovada com a nota [Nota] ([nota

Extenso]).

Itajaí, 18 de novembro de 2010

Profª. Msc. Denise Schmitt Siqueira Garcia Orientadora e Presidente da Banca

Prof. MSc. Antonio Augusto Lapa Coordenação da Monografia

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ROL DE CATEGORIAS

Rol de categorias que a Autora considera estratégicas à

compreensão do seu trabalho, com seus respectivos conceitos operacionais.

Agravo

O recurso apto a impugnar as decisões interlocutórias que tenham causado gravame

ou prejuízo1, nos ritos estabelecidos no Código de Processo Civil Brasileiro vigente.

Decisão Interlocutória

Corresponde, assim, ao “ato pelo qual o juiz, no curso do processo, resolve questão

incidente”.2

Devido Processo Legal

Humberto Theodoro Júnior destaca referido princípio como aquele em que se

“Inspira e torna realizável a proporcionalidade e razoabilidade que deve prevalecer

na vigência e harmonização de todos os princípios do direito processual de nosso

tempo”3

Duplo grau de jurisdição

Consiste na possibilidade de submeter-se a lide a exames sucessivos, por juízes

diferentes, “como garantia da boa solução”.4

Justiça

“Com respeito à justiça, restou forte a conclusão de Kelsen: "é nosso sentimento,

nossa vontade e não nossa razão, é o elemento emocional e não o racional de

1 MIRANDA, Gilson Delgado & PIZZOL, Patrícia Miranda. Recursos no processo civil. 5ª Ed. São

Paulo, Atlas, 2007, p. 01.

2 THEODORO JÚNIOR, Humberto. Curso de Direito Processual Civil: Teoria geral do direito

processual civil e processo de conhecimento. 46ª Ed. Rio de Janeiro, 2007, p. 258.

3 THEODORO JÚNIOR, Humberto. Curso de Direito Processual Civil: Teoria geral do direito

processual civil e processo de conhecimento. 46ª Ed. Rio de Janeiro, 2007, p. 29.

4 THEODORO JÚNIOR, Humberto. Curso de Direito Processual Civil: Teoria geral do direito

processual civil e processo de conhecimento. 46ª Ed. Rio de Janeiro, 2007, p. 628.

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nossa atividade consciente que soluciona o conflito". A frase ajuda esclarecer o

sentido da palavra justiça. A justiça é o que é justo ao emocional de quem julga.”5

Juizado especial cível estadual

Os Juizados Especiais Cíveis estaduais são órgãos da Justiça Ordinária, regidos

pela Lei 9.099/95, criados para conciliação, processo, julgamento e execução nas

causas de sua competência, orientando-se sempre pelos princípios da oralidade,

simplicidade, informalidade, economia processual e celeridade, buscando, sempre

que possível a conciliação ou a transação.

Mandado de Segurança

Mandado de Segurança é a ação civil de rito sumaríssimo pela qual qualquer pessoa

pode provocar o controle jurisdicional quando sofrer lesão ou ameaça de lesão a

direito líquido e certo, não amparado por habeas corpus nem habeas data, em

decorrência de ato de autoridade, praticado com ilegalidade ou abuso de poder.6

Princípio constitucional

Princípios constitucionais configuram as diretrizes gerais do ordenamento jurídico,

na medida em que contam com maior valor e eficácia e são vinculantes. Princípios

constitucionais, infraconstitucionais e internacionais: de todos os princípios (que

configuram as diretrizes gerais do ordenamento jurídico), gozam de supremacia

(incontestável) os constitucionais. “(...)” Os princípios constitucionais contam com

maior valor e eficácia e são vinculantes (para o intérprete, para o juiz e para o

legislador).7

Principio do acesso à justiça

O princípio do acesso à justiça, compreendido por Mauro Cappelletti é “o mais

básico dos direitos humanos – de um sistema jurídico moderno e igualitário que

5 SANTOS, Eduardo Sens dos. Justiça e Moral: estudo comparado dos conceitos em Kelsen,

Kant, Reale e Del Vecchio. Jus Navigandi, Teresina, ano 5, n. 45, 1 set. 2000. Disponível em: <http://jus.uol.com.br/revista/texto/12>. Acesso em: 18 nov. 2010. 6 DI PIETRO, Maria Sylvia Zanella. Direito Administrativo. 21ª Ed. São Paulo, Atlas, 2008, p. 729.

7 GOMES, Luiz Flávio. Normas, regras e princípios: conceitos e distinções. Jus Navigandi,

Teresina, ano 10, n. 851, 1 nov. 2005. Disponível em: <http://jus.uol.com.br/revista/texto/7527>. Acesso em: 6 nov. 2010.

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pretenda garantir, e não apenas proclamar os direitos de todos”8, vez que o referido

acesso “não é apenas um direito social fundamental, crescentemente reconhecido;

ele é também, necessariamente, o ponto central da moderna processualística”9

Recurso

Caracteriza-se o recurso como o meio idôneo a ensejar o reexame da decisão

dentro do mesmo processo em que foi proferida, antes da formação da coisa

julgada.10

Recurso Inominado

Recurso Inominado é o recurso previsto no art. 41 e 42 da Lei 9.099/95, utilizado

para revisar sentença proferida em sede de Juizado Especial Cível.

8 CAPPELLETTI, Mauro & GARTH, Bryan. Acesso à justiça. Tradução de Ellen Gracie Northfleet.

Porto Alegre, Fabris, 1988, p. 12.

9 CAPPELLETTI, Mauro & GARTH, Bryan. Acesso à justiça. Tradução de Ellen Gracie Northfleet.

Porto Alegre, Fabris, 1988, p. 13.

10 THEODORO JÚNIOR, Humberto. Curso de Direito Processual Civil: Teoria geral do direito

processual civil e processo de conhecimento. 46ª Ed. Rio de Janeiro, 2007, p. 620.

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SUMÁRIO

RESUMO........................................................................................... IX

INTRODUÇÃO .................................................................................. 11

CAPÍTULO 1 ..................................................................................... 14

NOÇÕES GERAIS SOBRE O PROCEDIMENTO NO JUIZADO ESPECIAL CÍVEL ............................................................................. 14

1.1 CONSIDERAÇÕES PRELIMINARES ............................................................ 14

1.2 DO ACESSO À JUSTIÇA ............................................................................... 14

1.3 DO DEVIDO PROCESSO LEGAL...................................................................19

1.3.1 Da razoável duração do processo.............................................................21 1.4 PRINCÍPIOS NORTEADORES DO JUIZADO ESPECIAL CÍVEL..................22 1.4.1 Princípio da oralidade.................................................................................24 1.4.2 Princípio da simplicidade e informalidade................................................26 1.4.3 Princípio da economia processual............................................................27 1.4.4 Princípio da celeridade...............................................................................28

CAPÍTULO 2 ..................................................................................... 31

DOS RECURSOS PREVISTOS NO JUIZADO ESPECIAL CÍVEL ... 31

2.1 CONSIDERAÇÕES GERAIS ACERCA DA ESFERA RECURSAL .............. 31

2.1.1 DO DIREITO DE RECORRER .............................................................................. 31 2.1.2 Diferença entre recurso e outros meios de impugnação .......................34 2.2 PRINCÍPIOS FUNDAMENTAIS DOS RECURSOS.........................................36 2.2.1 Do princípio do duplo grau de jurisdição.................................................36 2.2.2 Do princípio da taxatividade......................................................................37 2.2.3 Do princípio da unirrecorribilidade...........................................................37 2.2.4 Do princípio da fungibilidade.....................................................................38 2.2.5 Do princípio da proibição da reformatio in pejus....................................38 2.3 EFEITOS DOS RECURSOS NO JUIZADO ESPECIAL CÍVEL.....................39 2.4 DOS RECURSOS PREVISTOS NA LEI 9.099/95 CONTRA DECISÕES PROFERIDAS EM PRIMEIRO GRAU DE JURISIDIÇÃO....................................39

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2.4.1 Dos embargos de declaração....................................................................39 2.4.2 Do recurso inominado................................................................................41 2.5 DO MANDADO DE SEGURANÇA COMO SUCEDÂNEO DO AGRAVO DE INSTRUMENTO.....................................................................................................42 2.5.1 Conceituação da decisão interlocutória...................................................42 2.5.2 Do mandado de segurança........................................................................44

CAPÍTULO 3 ..................................................................................... 49

A IRRECORRIBILIDADE DAS DECISÕES INTERLOCUTÓRIAS PROFERIDAS EM PRIMEIRO GRAU DE JURISDIÇÃO NO JUIZADO ESPECIAL CÍVEL E O ACESSO À JUSTIÇA COMO PRINCÍPIO NORTEADOR DA LEI 9.099/95 ........................................................ 49

3.1 A INTENÇÃO DO LEGISLADOR AO SUPRIMIR MEIOS PARA IMPUGNAR AS DECISÕES INTERLOCUTÓRIAS ....................................................................... 49

3.2 A IRRECORRIBILIDADE DAS DECISÕES INTERLOCUTÓRIAS COMO UMA AFRONTA AO DEVIDO PROCESSO LEGAL .................................................... 53

3.2 DA AUSÊNCIA DE RECURSO HÁBIL PARA INSURGIR-SE CONTRA DECISÕES INTERLOCUTÓRIAS COMO UMA FORMA DE COIBIR O ACESSO À JUSTIÇA .............................................................................................................. 57

CONSIDERAÇÕES FINAIS .............................................................. 65

REFERÊNCIA DAS FONTES CITADAS ........................................... 67

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RESUMO

O presente trabalho visa discutir acerca da violação do

princípio constitucional do acesso à justiça em razão da irrecorribilidade das

decisões interlocutórias no Juizado Especial Cível. A Lei 9.099/95 não previu

possibilidade recursal para se insurgir contra as decisões interlocutórias proferidas

no Juizado Especial Cível, e com isso admite a impetração da Ação de Mandado de

Segurança, alternativa apoiada pela doutrina, porém, não admitida pelo Supremo

Tribunal Federal ao julgar o Recurso Extraordinário 576.847-3/BA. O objetivo desta

pesquisa é demonstrar a nítida afronta ao princípio constitucional do acesso à

justiça, em razão das decisões interlocutórias perante à Lei 9.099/95 serem

irrecorríveis. Na metodologia foi utilizado o método indutivo, com as técnicas das

categorias, do referente, e da revisão bibliográfica.

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INTRODUÇÃO

A presente Monografia tem como objeto o debate acerca da

irrecorribilidade das decisões interlocutórias no Juizado Especial Cível estadual.

Possui como objetivo institucional a produção de Monografia

para obtenção do Título de Bacharel em Direito - Universidade do Vale do Itajaí –

UNIVALI.

O objetivo geral é verificar a existência de violação do princípio

constitucional do acesso à justiça, em razão da irrecorribilidade das decisões

interlocutórias no Juizado Especial Cível, na esfera estadual.

A finalidade da presente pesquisa se objetiva especificamente

em analisar se a irrecorribilidade das decisões interlocutórias no Juizado Especial

Cível fere o princípio do acesso à justiça, se é possível assegurar o devido processo

legal com referida supressão recursal, bem como se a impetração de Mandado de

Segurança é pertinente ao caso, em razão do vácuo contido na legislação, para se

insurgir contra referidas decisões.

O assunto em debate, deve ser analisado com muita cautela,

pois a ausência de duplo grau de jurisdição, neste caso pode ser visto como afronta

ao devido processo legal, ao menos deve ser permitida a impetração de Mandado

de Segurança, a fim de que o prejuízo provocado por uma decisão judicial

equivocada não tenha proporções irremediáveis e não se alcance a efetiva justiça.

De outra parte, deve-se sempre primar pela qualidade das

decisões judiciais, vez que uma justiça célere pode ser legal, mas não justa, desta

forma a rapidez não deve prevalecer sobre os direitos fundamentais dos litigantes,

principalmente quando lhe são suprimidos os caminhos para se chegar nessa

finalidade.

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Para tanto, principia–se, no Capítulo 1, tratando de noções

gerais acerca do Juizado Especial Cível, conceituado o princípio constitucional de

acesso à justiça, fazendo uma análise do princípio do devido processo legal, bem

como dos princípios expressamente previstos na Lei 9.099/95, como norteadores da

aplicação da legislação em comento.

No Capítulo 2, abordará os recursos que encontram previsão

na Lei 9.099/95, tecendo considerações gerais acerca dos princípios inerentes aos

recursos, conceituando as decisões interlocutórias e fazendo uma análise da ação

de Mandado de Segurança e o seu cabimento para impugnar decisões judiciais.

O Capítulo 3 será dedicado a discorrer sobre a intenção do

legislador ao suprimir uma forma recursal para desconstituir as decisões

interlocutórias, destacando a afronta ao princípio do devido processo legal e do

acesso à justiça ante a irrecorribilidade das decisões interlocutórias.

O presente Relatório de Pesquisa se encerra com as

Considerações Finais, nas quais são apresentados pontos conclusivos destacados,

seguidos da estimulação à continuidade dos estudos e das reflexões sobre o acesso

à justiça nos Juizados Especiais.

Para a presente monografia foram levantadas as seguintes

hipóteses:

1) A irrecorribilidade das decisões interlocutórias no Juizado

Especial Cível viola o princípio constitucional de acesso à justiça.

2) Ante a ausência de recurso cabível para se insurgir contras

as decisões interlocutórias no Juizado Especial Cível estadual é cabível a

impetração de Mandado de Segurança.

3) O princípio constitucional do acesso à justiça não pode ser

violado em detrimento dos princípios da oralidade e celeridade previstos na Lei

9.099/95.

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Quanto à Metodologia empregada, registra-se que, na Fase de

Investigação11 foi utilizado o Método Indutivo12, na Fase de Tratamento de Dados o

Método Cartesiano13, e, o Relatório dos Resultados expresso na presente

Monografia é composto na base lógica Indutiva.

Nas diversas fases da Pesquisa, foram acionadas as Técnicas

do Referente14, da Categoria15, do Conceito Operacional16 e da Pesquisa

Bibliográfica17.

11 “[...] momento no qual o Pesquisador busca e recolhe os dados, sob a moldura do Referente estabelecido [...]. PASOLD, Cesar Luiz. Metodologia da pesquisa jurídica: teoria e prática. 11 ed. Florianópolis: Conceito Editorial; Millennium Editora, 2008. p. 83.

12 “[...] pesquisar e identificar as partes de um fenômeno e colecioná-las de modo a ter uma percepção ou conclusão geral [...]”. PASOLD, Cesar Luiz. Metodologia da pesquisa jurídica: teoria e prática. p. 86.

13 Sobre as quatro regras do Método Cartesiano (evidência, dividir, ordenar e avaliar) veja LEITE, Eduardo de oliveira. A monografia jurídica. 5 ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2001. p. 22-26.

14 “[...] explicitação prévia do(s) motivo(s), do(s) objetivo(s) e do produto desejado, delimitando o alcance temático e de abordagem para a atividade intelectual, especialmente para uma pesquisa.” PASOLD, Cesar Luiz. Metodologia da pesquisa jurídica: teoria e prática. p. 54.

15 “[...] palavra ou expressão estratégica à elaboração e/ou à expressão de uma idéia.” PASOLD, Cesar Luiz. Metodologia da pesquisa jurídica: teoria e prática. p. 25.

16 “[...] uma definição para uma palavra ou expressão, com o desejo de que tal definição seja aceita para os efeitos das idéias que expomos [...]”. PASOLD, Cesar Luiz. Metodologia da pesquisa jurídica: teoria e prática. p. 37.

17 “Técnica de investigação em livros, repertórios jurisprudenciais e coletâneas legais. PASOLD, Cesar Luiz. Metodologia da pesquisa jurídica: teoria e prática. p. 209.

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CAPÍTULO 1

NOÇÕES GERAIS SOBRE O PROCEDIMENTO NO JUIZADO ESPECIAL CÍVEL

1.1 CONSIDERAÇÕES PRELIMINARES

A fim de dar cumprimento ao disposto no inciso I do art. 98 da

Constituição da República Federativa do Brasil de 198818, a Lei 9.099/95 trouxe aos

jurisdicionados uma perspectiva voltada ao desafogamento do Poder Judiciário, bem

como oferecer à população um acesso mais amplo à justiça, ou melhor, à pretensão

de se buscar a tutela jurisdicional, que não se confunde com “justiça”, propriamente

dita.

1.2 DO ACESSO À JUSTIÇA

A efetivação do direito ao acesso à justiça, há muito

tempo ansiado pelo sistema jurídico pátrio, destaca-se por alguns doutrinadores

como o primeiro dentre todos os direitos humanos.

Isto porque, a entrega da prestação jurisdicional justa e a

disposição de todos que dela necessite, qualifica o processo não somente como a

instrumentalização para a concretização do direito material, mas como um método

que vise propiciar o bem comum, a justiça social, alicerçado no XXXV, do art. 5º da

Constituição Federal, “a lei não excluirá da apreciação do Poder Judiciário lesão ou

ameaça a direito”.

No mesmo norte, salienta Alexandre de Moraes:

O princípio da legalidade é basilar na existência do Estado de

Direito, determinando a Constituição Federal sua garantia,

18

No decorrer da pesquisa tratarei referido diploma legal como Constituição Federal.

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sempre que houver violação do direito, mediante lesão ou

ameaça (art. 5º, XXXV). Dessa forma, será chamado a intervir

o Poder Judiciário, que, no exercício da jurisdição, deverá

aplicar o direito ao caso concreto.19

Uma vez que para muitos, o acesso ao Poder Judiciário

através do modo tradicional, é o mesmo que se constatar a ausência desse direito

para se postular em juízo, em razão do excesso de burocracia, tornando moroso o

desempenho dos procedimentos, dificultando, o acesso da camada mais

hipossuficiente e simplória da população, neste sentido compreende Weber Martins

Batista e Luiz Fux:

Dentro desse contexto, de evolução do movimento de acesso

à Justiça, a que Cappelletti denominou de terceira onda, os

Juizados surgem para atuar sobre essa gama de conflitos até

então ignorada pelo Estado, oferecendo uma possibilidade de

mitigação pelo Poder Judiciário, sem que com isso tenha que

submetê-los ao sistema processual vigente que, como é

notório, não tem capacidade para absorvê-los, uma vez que

impor a essas pessoas o modo tradicional de solução de

conflitos é o mesmo que negar a elas o direito de exigir do

Estado que lhes preste jurisdição.20

Pedro Manoel Abreu, em sua obra “Acesso à justiça e

Juizados Especiais” defende que “o acesso à justiça considera a perspectiva

constitucional, trabalhando a teoria do processo a partir da idéia de democracia

social.”21, e para tanto, destaca referendando Boaventura de Souza Santos, acerca

do tema do acesso à justiça, como sendo:

19

MORAES, Alexandre de. Direito Constitucional. 22ª Ed. São Paulo, Atlas, 2007, p. 77.

20 BATISTA, Weber Martins & FUX, Luiz. Juizados Especiais Cíveis e Criminais e Suspensão

Condicional do processo no processo penal: a Lei 9.099/95 e sua doutrina mais recente. 1ª Ed. Rio de Janeiro, Forense, 2002, p. 8-9.

21 ABREU, Pedro Manoel. Acesso á justiça e juizados especiais: o desafio histórico da

consolidação de uma justiça cidadã no Brasil. 1ª Ed. Florianópolis, Fundação Boiteux, 2004, p. 38.

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(...) aquele que mais diretamente equaciona as relações entre

o processo civil e a justiça social, entre igualdade jurídico-

formal e desigualdade socioeconômica.

A jurisdição e o tema do acesso à justiça, nessa direção,

devem ser focados na perspectiva do Estado Democrático de

Direito: a jurisdição visando à realização dos fins do Estado; o

acesso à justiça objetivando a superação das desigualdades; o

processo, com uma participação paritária de armas,

possibilitando a participação do cidadão na gestão do bem

comum, aliás, um dos escopos da jurisdição.22

Mauro Cappelletti corrobora tal assertiva quando defende

o princípio do acesso à justiça como sendo “o mais básico dos direitos humanos –

de um sistema jurídico moderno e igualitário que pretenda garantir, e não apenas

proclamar os direitos de todos”23, vez que o referido acesso “não é apenas um

direito social fundamental, crescentemente reconhecido; ele é também,

necessariamente, o ponto central da moderna processualística”24

Mostra-se nítido que o acesso à justiça, não se trata

somente do mero acesso enquanto instituição estatal, mas sim de disponibilizar ao

indivíduo a tutela jurisdicional, sempre que houver lesão ou ameaça a direito.

Na busca incessante da referida acessibilidade

postulatória, diante da condição social e econômica da população brasileira, um

novo modelo de justiça era esperado pelos jurisdicionados, algo com contornos

diferenciados, sob a forma alternativa, democrática e participativa, privilegiando o

acesso das bases populares, de uma maneira célere, informal e gratuita, viu-se

22

ABREU, Pedro Manoel. Acesso á justiça e juizados especiais: o desafio histórico da consolidação de uma justiça cidadã no Brasil. 1ª Ed. Florianópolis, Fundação Boiteux, 2004, p. 38-39.

23 CAPPELLETTI, Mauro & GARTH, Bryan. Acesso à justiça. Tradução de Ellen Gracie Northfleet.

Porto Alegre, Fabris, 1988, p. 12.

24 CAPPELLETTI, Mauro & GARTH, Bryan. Acesso à justiça. Tradução de Ellen Gracie Northfleet.

Porto Alegre, Fabris, 1988, p. 13.

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instituída a Lei 7.244 de 1984, mais comumente conhecida como a Lei do Juizado

de Pequenas Causas.

O procedimento inovador dos Juizados de Pequenas

Causas surgiu no cotidiano da magistratura gaúcha, ultrapassando as fronteiras e

sendo aderida em outros estados da federação, posteriormente institucionalizado

por meio da Lei 7.244 de 1984, destacando que a sua instalação nos Estados era

facultativa:

De uma prática informal, empírica, assumiu foro institucional

com a edição de lei regulamentadora, a qual, por sua absoluta

força criativa, gerou reflexos profundos no âmbito do processo

e na democratização do Judiciário, abrindo espaço para a

consecução da cidadania.25

Em que pese sua revogação, a Lei 7.244 de 1984,

constitui referência legislativa de suma importância, ao passo que motivou o

legislador da Carta Política de 1988, criar em seu art. 98, I os Juizados Especiais,

conferindo foro constitucional a tal legislação especial, tornando, inclusive,

obrigatório a sua criação pelos Estados.

Tal preceito constitucional foi regulamentado pela Lei

9.099 de 1995, a qual viabilizou a postulação em juízo de causas que versassem

sobre litígios de menor complexidade, com valor da causa não superior à 40

(quarenta) salários mínimos, as causas enumeradas no II do art. 275 do Código de

Ritos, quaisquer que seja o seu valor, ação de despejo para uso próprio e ações

possessórias sobre bens imóveis não ultrapassando o valor excedente a 40

(quarenta) salários mínimos.

Pedro Manoel Abreu discorre sobre o assunto:

25

ABREU, Pedro Manoel. Acesso á justiça e juizados especiais: o desafio histórico da consolidação de uma justiça cidadã no Brasil. 1ª Ed. Florianópolis, Fundação Boiteux, 2004, p. 184.

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18

O diploma em questão foi promulgado em cumprimento do art.

98, inciso I, da Constituição Federal, dispondo sobre os

juizados especiais cíveis e criminais. Na parte cível acolheu

por inteiro, com pequenas modificações e acréscimos, as

idéias e os princípios contidos na Lei 7.244/84, que foi

expressamente revogada (artigo 97). A modificação mais

significativa verificou-se na ampliação da competência dos

juizados. Todavia, não foi alterada a matriz ideológica do

sistema, que preconizava a facilitação do acesso à justiça pelo

cidadão comum, especialmente pela camada mais humilde da

população.

Para atingir esse escopo, o legislador não se limitou a criar um

novo tipo de procedimento simplificado, trazendo, ao contrário,

um conjunto de inovações que envolvem desde aspectos

filosóficos e estratégicos no tratamento de conflitos de

interesses, até técnicas de abreviação e simplificação

procedimental.26

Vale registrar, ainda, que os ideais incutidos na criação

da Lei 9.099/95, deixaram evidente que a preocupação com a efetividade da justiça

deve ser superior aos procedimentos demasiadamente formalizados, burocráticos e

morosos inerentes ao próprio sistema tradicional, mais precisamente aos ritos

elencados no Código Processual Civil.

Sendo assim, a instituição do referido diploma legal, foi

uma das formas de possibilitar o acesso à justiça, de maneira menos burocrática e

formal, alcançando forma e visibilidade com a Lei 7.244/84, o que inspirou a

Assembléia Nacional Constituinte em 1988 a criar os Juizados Especiais,

regulamentando em 1995, referido dispositivo constitucional, por meio da Lei 9.099,

proporcionando a aproximação da população ao Poder Judiciário.

26

ABREU, Pedro Manoel. Acesso á justiça e juizados especiais: o desafio histórico da consolidação de uma justiça cidadã no Brasil. 1ª Ed. Florianópolis, Fundação Boiteux, 2004, p. 208.

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19

A legislação em estudo, promulgada em cumprimento ao art.

98, I da Constituição Federal, figura como um dos instrumentos inovadores para

propiciar à população hipossuficiente, assim como às demais camadas da

sociedade, a facilitação de um acesso rápido, célere, informal e gratuito à justiça,

oportunizando a solução de seus litígios, recebendo do Estado a entrega da tutela

jurisdicional pleiteada.

1.3 DO DEVIDO PROCESSO LEGAL

Diferentemente das Cartas Políticas anteriores, a

Constituição Federal de 1988, instituiu expressamente o princípio do devido

processo legal, de onde derivam os princípios da ampla defesa e contraditório.

Pode-se ver as previsões constitucionais concernentes ao

tema em debate:

Art. 5º. Todos são iguais perante a lei, sem distinção de

qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos

estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à

vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade,

nos termos seguintes:

(...)

LIV – ninguém será privado da liberdade ou de seus bens sem

o devido processo legal;

LV – aos litigantes, em processo judicial ou administrativo, e

aos acusados em geral são assegurados o contraditório e

ampla defesa, com os meios e recursos a ela inerentes;

Como vimos o direito à jurisdição é uma garantia

individual, como já ressaltou Humberto Theodoro Júnior “O direito à jurisdição é,

também, o direito ao processo, como meio indispensável à realização da justiça”27,

pois em sintonia estas disposições constitucionais é que se estabelece os demais

princípios envolvidos nas diretrizes processuais, propiciando às partes a defesa de

27

THEODORO JÚNIOR, Humberto. Curso de Direito Processual Civil: Teoria geral do direito processual civil e processo de conhecimento. 46ª Ed. Rio de Janeiro, 2007, p. 28.

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20

seus interesses e ao magistrado instrumentos hábeis tanto para a busca da verdade

real, quanto para garantir a ausência de ferimentos aos direitos das partes.

Referido princípio não se limita somente ao processo em

si, ou seja, sua tramitação perante o Poder Judiciário, mas, está compreendido

implicitamente em outras garantias fundamentais como por exemplo, a do juiz

natural, do juiz competente, a garantia de acesso à justiça, à ampla defesa e

contraditório, dentre outras, logo, o que se busca é a fusão de conceito do devido

processo legal com o processo justo.

Aduz Humberto Theodoro Júnior que “o processo deve

adequar-se a realizar o melhor resultado concreto, em face dos desígnios do direito

material”28, concluindo-se que é nessa linha de pensamento que se estará mais

próximo do devido processo legal.

Afirma, ainda, o autor supracitado que “Nesse âmbito de

comprometimento com o „justo‟, com a „correção‟, com a „efetividade‟ e a „presteza‟

da prestação jurisdicional, o due process of law realiza, entre outras, a função de um

superprincípio, coordenando e delimitando todos os demais princípios que informam

tanto o processo como o procedimento”29.

Acrescentando, no mesmo norte, que destacado princípio

“Inspira e torna realizável a proporcionalidade e razoabilidade que deve prevalecer

na vigência e harmonização de todos os princípios do direito processual de nosso

tempo”30

28

THEODORO JÚNIOR, Humberto. Curso de Direito Processual Civil: Teoria geral do direito processual civil e processo de conhecimento. 46ª Ed. Rio de Janeiro, 2007, p. 29.

29 THEODORO JÚNIOR, Humberto. Curso de Direito Processual Civil: Teoria geral do direito

processual civil e processo de conhecimento. 46ª Ed. Rio de Janeiro, 2007, p. 29.

30 THEODORO JÚNIOR, Humberto. Curso de Direito Processual Civil: Teoria geral do direito

processual civil e processo de conhecimento. 46ª Ed. Rio de Janeiro, 2007, p. 29.

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21

Acerca da ampla defesa, vale registrar que devem ser

asseguradas às partes todas as condições para se desenvolver a marcha

processual de forma justa, o que deve ser frisado que nem todas as decisões

emitidas são justas, ao passo que o próprio dispositivo constitucional acima admite

que “(...) são assegurados o contraditório e ampla defesa, com os meios e recursos

a ela inerentes” (art. 5º, LV da CRFB/88).

Desta forma, se existem meios para se conseguir a tutela

pleiteada, deverá sempre existir um recurso hábil para contrapô-la quando

necessário se fizer, a fim de que sempre possa prevalecer no âmbito do Poder

Judiciário a tão aclamada decisão justa e atenta para os fins a que se destinam.

Alexandre de Moraes assim concatena as definições

relativas à ampla defesa, bem como ao contraditório:

Por ampla defesa entende-se o asseguramento que é dado ao

réu de condições que lhe possibilitem trazer para o processo

todos os elementos tendentes a esclarecer a verdade ou

mesmo de omitir-se ou calar-se, se entender necessário,

enquanto o contraditório é a própria exteriorização da ampla

defesa, impondo a condução dialética do processo (par

conditio), pois a todo ato produzido pela acusação caberá igual

direito da defesa de opor-se-lhe ou de dar-lhe a versão que

melhor lhe apresente, ou, ainda, de fornecer uma interpretação

jurídica diversa daquela feita pelo autor. 31

O processo deve sempre atender às necessidades das partes,

a fim de que possam demonstrar e possibilitar a busca da verdade, por meio dos

atos processuais, alcançando sempre que possível a qualidade e efetividade das

decisões emitidas.

1.3.1 Da razoável duração do processo

31 MORAES, Alexandre de. Direito Constitucional. 22ª Ed. São Paulo, Atlas, 2007, p. 100.

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22

Para ver calcificado todos os elementos principiológicos

elencados no ordenamento jurídico pátrio, necessário se faz a menção à Emenda

Constitucional nº 45/04, trazendo maneiras de alcançar a celeridade, transparência e

controle da atividade jurisdicional, através da famosa Reforma do Judiciário,

salientou Alexandre de Moraes entre outras manifestações que “O sistema

processual judiciário necessita de alterações infraconstitucionais, que privilegiem a

solução dos conflitos, a distribuição da Justiça e maior segurança jurídica,

afastando-se tecnicismos exagerados”.32

A legislação em estudo é um exemplo nítido e cristalino do

afastamento de tais tecnicismos citados pelo autor Alexandre de Moraes, tendo em

vista que oferece ás partes a eficiência e a celeridade da marcha processual,

balanceado no compromisso da entrega da prestação jurisdicional justa.

1.4 PRINCÍPIOS NORTEADORES DO JUIZADO ESPECIAL CÍVEL

Os princípios que conduzem e norteiam o rito inserto na Lei

9.099/95 são os previstos expressamente no referido diploma legal, em seu art. 2º33,

em que pese denominados como critérios cumprem essencialmente a função

orientadora, exercida principalmente pelos princípios, logo, serão interpretados como

tal, ao passo que todos os atos derivados desta Lei estão sempre em consonância

com tais linhas principiológicas.

Os princípios fundamentais do processo compõem a linha

política e filosófica de um país, vez que influenciam a solução de litígios, tanto por

exegese à legislação, quanto no preenchimento de lacunas, servindo de diretrizes

para a aplicação e interpretação das normas processuais, subdividindo-se em

informativos e gerais.

32

MORAES, Alexandre de. Direito Constitucional. 22ª Ed. São Paulo, Atlas, 2007, p. 102.

33 “Art. 2º O processo orientar-se-á pelos critérios da oralidade, simplicidade, informalidade, economia

processual e celeridade, buscando, sempre que possível, a conciliação ou a transação.”

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23

O primeiro representa o caráter ideológico do processo, como

sendo aqueles que procuram orientar o processo pelo seu objetivo maior, ou seja, o

ideal a ser alcançado com a tutela jurisdicional pretendida.

Por outro lado, os princípios gerais do processo são aqueles

em que se encontram destacados os princípios lógico, jurídico, político e econômico,

que por sua vez norteiam as atividades das partes, do Juiz, do Ministério Público,

dos auxiliares da Justiça, da ação, do processo e do procedimento.

Referidos princípios de caráter fundamental, orientadores do

ordenamento processual civil em consonância com o espírito da Lei 9.099/95,

possuem ampla e irrestrita aplicabilidade no sistema processual em análise.

Destacam-se, dentre outros, o do contraditório, ampla defesa,

igualdade entre as partes, segurança jurídica, relação entre o pedido e a prestação

jurisdicional imposta, inerentes ao devido processo legal, merecendo ser observados

quando da aplicação do direito ao caso concreto, em qualquer sistema processual.

Destaca Cercato Padilha, acerca do tema:

Entende-se, então, como Grinover, Gomes Filho e Fernandes, que a

previsão de controle interno das decisões judiciárias seja um

postulado do Estado de Direito.

Busca-se, destarte, através do princípio do duplo grau de jurisdição,

a conformidade ou a correspondência exata entre a vontade da

sociedade e a efetivação do binômio segurança-justiça.34

Diante dos princípios processuais elencados no ordenamento

jurídico pátrio, não se permite a hierarquização destes, vez que estão direcionados a

atingir um único objetivo, qual seja a prestação da tutela jurisdicional justa e

equânime.

34

PADILHA, Cercato. Recursos Civis perante os Juizados Especiais e Turmas de Juízes. Blumenau, Acadêmica, 2001, p. 27.

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24

Desde que referida prestação jurisdicional se concretize de

uma forma menos burocratizada, porém, sempre conciliando qualidade e eficácia de

suas decisões, conforme discorre Alexandre de Moraes:

Os processos administrativos e judiciais devem garantir todos

os direitos às partes, sem, contudo, esquecer a necessidade

de desburocratização de seus procedimentos e na busca de

qualidade e máxima eficácia de suas decisões.35

Assim, os princípios tanto informativos, quanto os gerais,

devem orientar o processo pelo ideal a ser alcançado com a tutela pretendida, bem

como orientar as atividades de todos os personagens da instrução processual, quais

sejam, as partes, o magistrado, o Ministério Público e os auxiliares da Justiça.

1.4.1 Princípio da oralidade

No tocante ao critério da oralidade, disposto no art. 2º da Lei

9.099/95, referido preceito nada mais é do que a predominância da forma oral

estabelecida entre as partes e o Juizado, sem excluir, evidentemente, a utilização da

escrita, isto porque, todos os atos serão reduzidos a termo, tendo em vista a

imprescindibilidade da produção documental de todo a marcha processual.

Derivam, portanto, deste critério, outros princípios a serem

observados, inerentes à sua própria sistemática, como consectário lógico, o do

imediatismo, caracterizado pelo contato direto do juiz com as alegações e as provas,

bem como com as partes e seus procuradores; da concentração, que implica numa

compressão procedimental, reduzindo o procedimento a uma só audiência ou em

datas aproximadas, buscando preservar as impressões pessoais do magistrado

acerca dos fatos; da identidade física do juiz, decorrente da oralidade e imediatismo,

conforme entendimento extraído de obra de Weber Martins Batista e Luiz Fux “o juiz

35

MORAES, Alexandre de. Direito Constitucional. 22ª Ed. São Paulo, Atlas, 2007, p. 101.

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25

que colhe diretamente a prova é o que se encontra mais habilitado a decidir.”36; da

irrecorribilidade das decisões interlocutórias, impedindo a paralisação, ainda que

parcial, dos atos, evitando-se tumultuar o andamento do processo.

Destacando o princípio da irrecorribilidade das decisões

interlocutórias, perante o Juizado Especial Cível, ressalta-se que a intenção do

legislador foi a de dissolver brevemente as controvérsias postas em discussão,

realizando, preferencialmente todos os atos processuais em audiência una.

Desta forma, o procedimento venerado na legislação,

inutilizaria a recorribilidade das decisões interlocutórias, em razão da própria

concentração, isto porque, os jurisdicionados deveriam receber ao fim da referida

audiência, a tutela jurisdicional na forma de sentença.

Mas, infelizmente, não é a realidade mais encontrada nos

Juizados pátrios, eis que muitas vezes o magistrado tem que decidir questões, antes

mesmo de instruir o processo e solucionar a lide, a fim de se evitar danos

irreparáveis às partes, bem como ante a ausência de estrutura hábil, profissionais,

servidores e até mesmo de tempo a ser dedicado, em razão do número absurdo de

audiências a serem realizadas em um mesmo dia, em contradição aos próprios

princípios norteadores de tão nobre procedimento.

No tocante a este contra senso, defendem Joel Dias Figueira

Junior e Mauricio Antonio Ribeiro Lopes:

Entendemos desarrazoado pensar que em homenagem ao princípio

da oralidade (celeridade, concentração e imediatismo processual) se

possa transformar num minus o princípio dispositivo, do duplo grau

de jurisdição, do contraditório, da eventualidade, da ampla defesa,

em suma, do devido processo legal. Os sistemas instrumentais e

seus princípios convivem universalmente de maneira aberta e

36

BATISTA, Weber Martins & FUX, Luiz. Juizados Especiais Cíveis e Criminais e Suspensão Condicional do Processo Penal: a Lei 9.099/95 e sua doutrina mais recente. Rio de Janeiro, Forense, 2002, p. 97.

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26

unitária, cabendo ao intérprete a difícil tarefa de buscar e encontrar

uma solução harmoniosa entre eles.37

Acrescentam referidos autores, ainda, que:

(...) desde ocorrida hipótese específica, não se pode obstar a

interposição de agravo, mas tão somente pelo regime da retenção,

sob pena de importar em sérios prejuízos aos litigantes, evitando-se,

desta maneira, a incidência do fenômeno da preclusão.38

Logo, o conjunto desses critérios, devem ser adotados em

detrimento e prevalência da manifestação escrita das partes e dos magistrados, a

fim de visualizar o processo, como sendo predominantemente oral, em atendimento

ao disposto na Lei 9.099/95.

Ilustrando referido princípio, vale destacar que o pedido inicial

pode ser formulado oralmente perante o Juizado, assim como o mandato do

advogado, a contestação, a réplica, e também, a sentença, porém, tudo será

obviamente reduzido a termo nos autos, vez que “um processo oral não é sinônimo

de processo verbal”39.

Assim, pode-se dizer que o princípio da oralidade presente nos

procedimentos elencados pela Lei 9.099/95, incute ao mesmo um caráter

aparentemente mais célere e simplificado, reduzindo todos os termos em uma só

audiência, alcançando desta feita, um dos objetivos buscados pela legislação em

discussão, qual seja o acesso à jurisdição e a celeridade na realização de seus atos.

1.4.2 Princípios da simplicidade e informalidade

37

FIGUEIRA JÚNIOR, Joel Dias & LOPES, Mauricio Antonio Ribeiro. Comentários à Lei dos Juizados Especiais Cíveis e Criminais: Lei 9.099, de 26 de setembro de 1995. São Paulo, Revista dos Tribunais, 1995, p. 51.

38 FIGUEIRA JÚNIOR, Joel Dias & LOPES, Mauricio Antonio Ribeiro. Comentários à Lei dos

Juizados Especiais Cíveis e Criminais: Lei 9.099, de 26 de setembro de 1995. São Paulo, Revista dos Tribunais, 1995, p. 52.

39 FIGUEIRA JÚNIOR, Joel Dias & LOPES, Mauricio Antonio Ribeiro. Comentários à Lei dos

Juizados Especiais Cíveis e Criminais: Lei 9.099, de 26 de setembro de 1995. São Paulo, Revista dos Tribunais, 1995, p. 47.

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27

Na mesma seara, extrai-se da legislação em comento, o

princípio da simplicidade, bem como da informalidade qualificando-se o

procedimento adotado no procedimento do Juizado Especial Cível.

Extrai-se do entendimento doutrinário a respeito:

A supremacia da questão de fundo é total, de sorte que somente um

comprometimento absoluto com os fins de justiça do processo é que

pode invalidar a relação processual, com a destruição do provimento

ou do processo.

Destarte, a fusão da simplicidade e da informalidade sob o mesmo

título decorre do fato de que a primeira é instrumento do segundo,

ambos, consectários da instrumentalidade.40

Desta maneira, abarca-se o critério da simplicidade no

caminhar da instrução processual, sempre respeitando os demais princípios

processuais, em causas sem maiores complexidades, conferindo aos litigantes uma

acessibilidade maior, diante da atuação informal e simplória atribuída ao processo.

1.4.3 Princípio da economia processual

Pertinente ao princípio da economia processual, que aliado

aos demais critérios anteriormente citados, confere aos jurisdicionados menor

onerosidade possível no interregno da busca da tutela pleiteada, referendando

Weber Martins Batista e Luiz Fux, tal princípio “impõe ao julgador que dirija o

processo, conferindo às partes um máximo de resultado em confronto com um

mínimo de esforço processual”41.

Partindo-se da premissa de que “os atos processuais serão

válidos sempre que preencherem as finalidades para as quais forem realizados,

40

BATISTA, Weber Martins & FUX, Luiz. Juizados Especiais Cíveis e Criminais e suspensão condicional do processo penal. Rio de Janeiro, Forense, 2002, p. 94-95.

41 BATISTA, Weber Martins & FUX, Luiz. Juizados Especiais Cíveis e Criminais e Suspensão

condicional do processo penal. Rio de Janeiro, Forense, 2002, p. 93.

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atendidos os critérios indicados no art. 2º desta Lei.”42, não se declarará nulidades,

sem que tenha havido prejuízo para as partes, caracterizando o critério da economia

processual, as demais hipóteses trazidas na legislação em estudo, quais sejam: a

cumulação de pedidos conexos (art. 15); a formulação do pedido contraposto

inserido na própria contestação (art. 17, parágrafo único); a dispensa do relatório

nas sentenças (art. 38), bem como nos acórdãos (Enunciado 92 do FONAJE)43.

Desta forma, o aproveitamento de todos os atos, apesar de

não seguir rigorosamente o rito estabelecido, deve-se destacar que “a agilização do

provimento, formas seguras e não solenes de implementação das providências

aptas a afastar o estado de periclitação, são corolários da economia processual.”44

1.4.4 Princípio da celeridade

O direito à jurisdição conceitua-se como sendo o recebimento

de uma justiça efetiva e adequada, porém, satisfazer esse direito morosamente viola

o princípio do devido processo legal, no que diz respeito ao acesso à justiça, ao

passo que o rito estabelecido pela Lei 9.099/95, transformou-se em um instrumento

mais próximo da concretização do princípio da celeridade, diante de um

procedimento denominado pela Carta Política de 1988, como sendo sumaríssimo.

O distanciamento entre o acesso à justiça e o tempo

percorrido para se obter a tutela judicial, é um confronto explícito com devido

processo legal, conforme define Weber Martins Batista e Luiz Fux:

O acesso à justiça, para não se transformar em mera garantia

formal, exige “efetividade”, que tem íntima vinculação com a questão

temporal do processo. Uma indefinição do litígio pelo decurso

42

Art. 13 “caput” da Lei 9.099/95.

43 Enunciado 92 do FONAJE: Nos termos do art. 46 da Lei nº 9099/1995, é dispensável o relatório

nos julgamentos proferidos pelas Turmas Recursais (Aprovado no XVI Encontro – Rio de Janeiro/RJ).

44 BATISTA, Weber Martins & FUX, Luiz. Juizados Especiais Cíveis e Criminais e suspensão

condicional do processo penal. Rio de Janeiro, Forense, 2002, p. 93.

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excessivo do tempo não contempla à parte o devido processo legal,

senão mesmo o “indevido” processo.45

E, acrescenta:

Além dessa finalidade genérica, inegável é o requisito da celeridade

na prestação jurisdicional como integrante da efetividade, tanto que

só se considera uma justiça efetiva aquela que confere o provimento

contemporaneamente à lesão ou ameaça de lesão ao direito. A

tutela de segurança é assim informada, prioritariamente, pelo

princípio da efetividade uma vez que nessas ações busca-se uma

solução sob medida, eficiente e célere.

Compreende-se, no espectro da efetividade, a “celeridade”,

mencionada na lei como princípio e que, na realidade, é instrumento

de alcançar-se os desígnios daquela. Desta sorte, o que é célere

conspira em favor da efetividade.46

O direito a uma duração razoável do processo, foi instituído,

através da Emenda Constitucional nº 45 de 2004, acrescentando o inciso LXXVIII na

Constituição Federal, referendando José Afonso da Silva de que “é o resultado do

exercício do direito de acesso à justiça previsto no inc. XXXV”47.

Apesar de o Congresso Nacional legislar acerca do assunto,

na intenção de mais uma vez dar celeridade na tramitação dos processos, isto

impõe a criação de uma estrutura judiciária que sustente e garanta a efetividade do

dispositivo constitucional, a fim de que não se torne mais uma norma estéril.

José Afonso da Silva acrescenta que:

45

BATISTA, Weber Martins & FUX, Luiz. Juizados Especiais Cíveis e Criminais e Suspensão Condicional do Processo Penal: a Lei 9.099/95 e sua doutrina mais recente. Rio de Janeiro, Forense, 2002, p. 99.

46 BATISTA, Weber Martins & FUX, Luiz. Juizados Especiais Cíveis e Criminais e Suspensão

Condicional do Processo Penal: a Lei 9.099/95 e sua doutrina mais recente. Rio de Janeiro, Forense, 2002, p. 92.

47 SILVA, José Afonso. Curso de Direito Constitucional Positivo. 27ª Ed. São Paulo, Malheiros,

2006, p. 432.

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30

(...) a forte carga de trabalho dos magistrados será, sempre, um

parâmetro a ser levado em conta na apreciação da razoabilidade da

duração dos processos a seu cargo. É, nesse contexto, que entra

outro aspecto na norma em análise, qual seja: a organização dos

meios que garantam a celeridade da tramitação dos processos.48

Logo, a concretização do devido processo legal está

interligada com o tempo dispensado para isso, pois, a demora da marcha processual

não se configura como sendo justa, ocasionando danos decorrentes da sua própria

morosidade.

Ante os princípios trazidos no presente capítulo inaugural,

tratar-se-à no capítulo vindouro considerações pontuais acerca das formas recursais

previstas no microssistema do Juizado Especial Cível Estadual.

48

SILVA, José Afonso. Curso de Direito Constitucional Positivo. 27ª Ed. São Paulo, Malheiros, 2006, p. 432.

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CAPÍTULO 2

DOS RECURSOS PREVISTOS NO JUIZADO ESPECIAL CÍVEL

2.1 CONSIDERAÇÕES GERAIS ACERCA DA ESFERA RECURSAL

Seguirá neste capítulo uma análise somente em relação ás

decisões interlocutórias proferidas em primeiro grau de jurisdição na esfera do

Juizado Especial Cível estadual, vez que referida delimitação é fator importante para

o desenvolvimento e a concatenação de idéias que deverão ser firmadas e

assentadas por esta autora ao fim da pesquisa.

Vislumbram-se, neste segundo capítulo breves considerações

principiológicas e conceitos inerentes à esfera recursal.

2.1.1 Do direito de recorrer

Apesar do notado anseio pela celeridade na solução das

controvérsias trazidas ao Poder Judiciário, o legislador não suprimiu por completo a

possibilidade de se rever os julgados proferidos em sede de Juizado Especial Cível.

Denota-se o nítido amparo e sustentação no art. 2º da

legislação em debate “O processo orientar-se-á pelos critérios da oralidade,

simplicidade, informalidade, economia processual e celeridade, buscando, sempre

que possível, a conciliação ou a transação”, ante a explícita busca pela rapidez na

entrega da prestação jurisdicional.

Ocorre que tão aclamada celeridade não pode ser o escudo

protetor para justificar o cometimento de injustiças, pois, a prestação jurisdicional

deve ser célere, porém, realizada sempre com qualidade, fazendo-se prevalecer a

justiça adequada à cada caso concreto.

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32

Em que pese a figura imparcial do magistrado na atuação da

relação jurídica processual, onde se poderia conferir às suas decisões, a

característica de imutáveis e distantes de quaisquer vícios, ressalta Patrícia Miranda

Pizzol que “Juízes não são máquinas. São seres humanos e, assim, vulneráveis a

erros e injustiças variados”49, evitando, inclusive, decisões de cunho arbitrário, caso

inexistisse um órgão superior para análise e controle da atividade jurisdicional.

Jaime Luiz Vicari afirma que “cercear os meios de impugnação

apressaria o deslinde dos processos, mas impediria a busca da melhor justiça”50.

Extrai-se, ainda, da obra de referido autor a incessante busca

pela aplicação do binômio certeza x celeridade, nas decisões judiciais:

Desde os tempos mais remotos, em que surgiram os primeiros

julgamentos, sempre houve a irresignação ante o resultado adverso,

assim como a preocupação com os possíveis equívocos ou erros do

julgador. Também perde-se no tempo o desejo e a necessidade de

rápida solução dos litígios, com o pronto restabelecimento da paz

social. Entre julgar sem erro, demoradamente, e julgar rápido com

possibilidade de erro, as leis de processo buscam um meio-termo

que assegure a possibilidade de correção, sem, contudo, levar para

as calendas o deslinde das controvérsias. 51

E, também se destaca interessante pontuação sobre o tema,

quando afirma que “a observância rigorosa das formas e prazos processuais é a

melhor receita para conciliar a rapidez e a segurança”52

49

MIRANDA, Gilson Delgado & PIZZOL, Patrícia Miranda. Recursos no processo civil. 5ª Ed. São Paulo, Atlas, 2007, p. 01.

50 VICARI, Jaime Luiz. O recurso do agravo nas decisões de primeiro grau. Florianópolis,

Conceito Editorial, 2009, p. 19.

51 VICARI, Jaime Luiz. O recurso do agravo nas decisões de primeiro grau. Florianópolis,

Conceito Editorial, 2009, p. 19.

52 VICARI, Jaime Luiz. O recurso do agravo nas decisões de primeiro grau. Florianópolis,

Conceito Editorial, 2009, p. 20.

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33

Neste sentido, cumprindo os julgadores em sintonia com o

aparelhamento do Poder Judiciário, os prazos e formas estabelecidos na legislação,

no caso em estudo, seria inútil a recorribilidade das decisões interlocutórias no

Juizado Especial Cível, pois, atendidos fielmente os ditames da lei, os

jurisdicionados se encontrariam em uma única audiência para a resolução da lide, o

que de fato não é observado tanto pelos julgadores, quanto pelas partes.

Ante a procrastinação dos atos, a aplicação da lei não é

atendida, proferindo-se decisões de cunho interlocutório, sem a previsão recursal ou

meio de impugnação cabível, criando-se um território preocupante, um limbo

processual intrigante.

A irrecorribilidade das decisões interlocutórias é um tema a ser

discutido com mais ênfase no terceiro capítulo da presente pesquisa.

De outra parte, o direito de recorrer conforta de uma certa

forma o espírito do jurisdicionado inconformado com o decisum atribuído à resolução

da sua pretensão.

A possibilidade de se recorrer é para a maioria dos

jurisdicionados uma necessidade psicológica, definindo-a mais como uma

inquietação involuntária, a qual é intrínseca ao ser humano, onde sempre busca uma

nova chance, a fim de que se conheça dos mesmos fatos e fundamentos com outra

óptica.

Ante a referida inquietação humana, busca-se assim a reforma

ou adaptação do resultado de sua pretensão, com um julgamento que lhe seja mais

favorável, diferente daquela que se está impugnando53.

53

MIRANDA, Gilson Delgado & PIZZOL, Patrícia Miranda. Recursos no processo civil. 5ª Ed. São Paulo, Atlas, 2007, p. 05.

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34

Humberto Theodoro Júnior compreende que os recursos

“devem acomodar-se às formas e oportunidades previstas em lei, para não tumultuar

o processo e frustrar o objetivo da tutela jurisdicional em manobras caprichosas e de

má-fé”54.

Totalmente defensável tal entendimento, vez que o acesso à

justiça não deve ser um princípio invocado para fundamentar práticas protelatórias e

de cunho antiético, ferindo os princípios norteadores do rito em discussão,

ocasionando rumos diversos dos quais se pretende na esfera do Juizado Especial,

qual seja a busca pela celeridade aliada à eficácia das decisões judiciais.

Entende, também, referido autor que “todo ato do juiz que

possa prejudicar um direito ou um interesse da parte deve ser recorrível, como meio

de evitar ou emendar os erros e falhas que são inerentes aos julgamentos

humanos”55.

Conforme se vê, a necessidade de uma forma de impugnação

ou uma meio recursal para discutir prestações jurisdicionais equivocadas e distantes

do direito, é um sentimento unânime dentre a maioria dos doutrinadores, bem como

da sociedade, pois, o inconformismo é algo intrínseco à natureza humana.

2.1.2 Diferença entre recurso e outros meios de impugnação

Vale destacar que o recurso é um dos meios de impugnação

existentes no Direito Processual Civil, compreendido como “o meio ou o remédio

54

THEODORO JÚNIOR, Humberto. Curso de Direito Processual Civil: Teoria geral do direito processual civil e processo de conhecimento. 46ª Ed. Rio de Janeiro, Forense, 2007, p. 32.

55 THEODORO JÚNIOR, Humberto. Curso de Direito Processual Civil: Teoria geral do direito

processual civil e processo de conhecimento. 46ª Ed. Rio de Janeiro, Forense, 2007, p. 32.

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35

impugnativo apto para provocar, dentro da relação processual ainda em curso, o

reexame de decisão judicial”56.

Luiz Fux aduz que por meio dos recursos:

“(...)” a parte vencida obtém o reexame do decidido, podendo anulá-

lo, reformá-lo ou integrá-lo, como ocorre, no primeiro caso, se

acolhida alegação de existência de vício in procedendo, no segundo,

vício in judicando e, na terceira hipótese, a necessidade de suprir

lacuna, obscuridade ou contradição.57

Convém, ainda, destacar:

Os recursos são, então, conceituados, operacionalmente, como o

poder de exigência, previsto constitucionalmente e facultado, dentro

de certo lapso temporal, ao vencido, ou ao terceiro prejudicado, ou,

ainda, ao fiscal da lei, de maneira una, expressa, ou oral, de que o

Estado cumpra o seu dever nos casos em que se dispõe,

antecipadamente, de reexaminar, indiferentemente, nos casos de

dúvida objetiva e erro escusável, na mesma relação jurídica

processual, os seus atos judiciais, sejam interlocutórios, ou de

finalização, mediante correlata, motivada e, excepcionalmente,

alterável, declaração de insatisfação, que contenham erro no

proceder, julgar, aclarar, ou integrar, sem que a sua situação

processual seja piorada, ou melhorada, sob pena de consumação

do aludido pronunciamento.58

De outra banda, existem no ordenamento jurídico brasileiro

outras formas de impugnação como a Ação Rescisória, a qual não é prevista no

56

THEODORO JÚNIOR, Humberto. Curso de Direito Processual Civil: Teoria geral do direito processual civil e processo de conhecimento. 46ª Ed. Rio de Janeiro, Forense, 2007, p. 620.

57 FUX, Luiz. Juizados Especiais Cíveis e Criminais e Suspensão Condicional do processo no

processo penal: a Lei 9.099/95 e sua doutrina mais recente. Rio de Janeiro, Forense, 2002, p. 235.

58 PADILHA, Cercato. Recursos Civis perante os Juizados Especiais e Turmas de Juízes.

Blumenau, Acadêmica, 2001, p. 36.

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Juizado Especial Cível, o Mandado de Segurança, a Ação Declaratória de

Inexistência ou Nulidade da sentença e ação cautelar, que por sua vez, igualmente,

não é prevista no microssistema da Lei 9.099/9559.

Nesta esteira, constata-se que o recurso é o meio pelo qual,

se busca a reforma, declarando como injusta ou incorreta a decisão recorrida, a

invalidação, anulando a decisão por questões de vício processual, ou até mesmo a

integração, que é o caso exatamente dos Embargos de Declaração, da decisão

objurgada pelo jurisdicionado inconformado60, impedindo desta feita que se opere a

preclusão acerca da matéria debatida, com o trânsito em julgado.

Os outros meios de impugnação, no entanto, ensejam a

proposição de uma nova ação, para se discutir os efeitos do decisório, com o

atendimento das peculiaridades atinentes a cada meio impugnativo.

2.2 PRINCÍPIOS FUNDAMENTAIS DOS RECURSOS61

2.2.1 Do princípio do duplo grau de jurisdição

Em que pese não estar expressamente previsto na legislação

pátria, o princípio do duplo grau jurisdição é inerente ao do devido processo legal,

vez que é o “princípio do qual emanam todos os demais”62

Tal princípio, conforme já exposto, não encontra previsão

expressa na Carta Magna de 1988, mas, a referida legislação constitucional

menciona a existência de tribunais, o que vem a ser corroborado, por consectário

59

MIRANDA, Gilson Delgado & PIZZOL, Patrícia Miranda. Recursos no processo civil. 5ª Ed. São Paulo, Atlas, 2007, p. 02. 06.

60 MIRANDA, Gilson Delgado & PIZZOL, Patrícia Miranda. Recursos no processo civil. 5ª Ed. São

Paulo, Atlas, 2007, p. 02.

61 Trago apenas alguns dos princípios, que deixarei de esmiuçar os demais existentes, em razão do

estreitamento da matéria a ser discutida no presente trabalho, destacando apenas os pertinentes ao tema em debate.

62 MIRANDA, Gilson Delgado & PIZZOL, Patrícia Miranda. Recursos no processo civil. 5ª Ed. São

Paulo, Atlas, 2007, p. 7.

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lógico, a possibilidade de se recorrer de uma decisão que não lhe foi favorável de

alguma forma.

A fim de se elucidar conceitualmente tal princípio, Gilson

Delgado Miranda e Patrícia Miranda Pizzol aduzem que:

O Judiciário exerce atividade escalonada, existindo órgãos inferiores

e órgãos superiores, competindo a esses últimos, em regra, o

julgamento dos recursos interpostos pelas partes. É o juízo ad quem

reapreciando as decisões do juízo a quo.63

Isto porque o recurso deve sempre ser compreendido em

sintonia com o princípio em debate, ao passo que “consiste na possibilidade de

submeter-se a lide a exames sucessivos, por juízes diferentes, como garantia da

boa solução”64, o que não deve ser confundido como garantia de uma decisão justa.

2.2.2 Princípio da taxatividade

Princípio pelo qual se entende que somente são cabíveis os

recursos previstos no rito ou denominados na lei processual, no caso em especial, a

Lei 9.099-95, onde prevê o recurso inominado, bem como os embargos

declaratórios.

2.2.3 Princípio da unirrecorribilidade

Também conhecido como princípio da singularidade,

conceitua-se como sendo “cabível apenas um tipo de recurso de cada decisão

judicial”65, conforme sintetiza Patrícia Miranda Pizzol e Gilson Delgado Miranda.

63

MIRANDA, Gilson Delgado & PIZZOL, Patrícia Miranda. Recursos no processo civil. 5ª Ed. São Paulo, Atlas, 2007, p. 8.

64 THEODORO JÚNIOR, Humberto. Curso de Direito Processual Civil: Teoria geral do direito

processual civil e processo de conhecimento. 46ª Ed. Rio de Janeiro, 2007, p. 628.

65 MIRANDA, Gilson Delgado & PIZZOL, Patrícia Miranda. Recursos no processo civil. 5ª Ed. São

Paulo, Atlas, 2007, p. 09.

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Entende-se também pela “impossibilidade da interposição

simultânea de mais de um recurso”66, desta forma, entende-se que para cada

decisão judicial é cabível apenas um tipo de recurso, no caso do Juizado Especial

Cível, da sentença cabe o Recurso Inominado e os Embargos Declaratórios, do

acórdão proferido pelas Turmas Recursais apenas Recurso Extraordinário,

inexistindo previsão para se atacar a decisão interlocutória.

2.2.4 Princípio da fungibilidade

Referido princípio é o meio pelo qual se possibilita a parte

recorrente o conhecimento do reclamo recursal, quando interposto recurso diverso

daquele que deveria ter sido apresentado, porém, sob as condições do recurso

correto, devendo obedecer os pressupostos objetivos e subjetivos do recurso

pretendido.

Logo, se a peça recursal atendeu à finalidade pretendida,

observando os prazos e peculiaridades pertinentes, equivocando-se apenas na

forma e modelos apresentados, o recurso deverá ser admitido em razão do princípio

da fungibilidade.67

2.2.4 Princípio da proibição da reformatio in pejus

Consiste na vedação do ordenamento jurídico brasileiro, em se

reformar a sentença objurgada para piorar a situação do recorrente, salvo se ambas

as partes recorrerem, sendo inaplicável referido princípio quando presente esta

situação.

Entende Humberto Theodoro Junior que “Valer-se do recurso

para agravar a situação do recorrente importa, em outros termos, decidir extra ou

66

THEODORO JUNIOR, Humberto. Curso de Direito Processual Civil. 46ª Ed. Rio de Janeiro, Forense, 2007, p. 635.

67 THEODORO JUNIOR, Humberto. Curso de Direito Processual Civil. 46ª Ed. Rio de Janeiro,

Forense, 2007, p. 636.

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ultra petita, atuar jurisdicionalmente de ofício, e violar coisa julgada ou a preclusão,

no tocante àquilo que se tornou definitivo para a parte que não recorreu”.68

Em apertada síntese, é inadmissível a prestação jurisdicional

de ofício mesmo em nome dos princípios efetivos do juizado, até porque ao juiz só é

conferido essa possibilidade nos limites estabelecidos em lei, por consectário lógico,

observando as mesmas disposições e princípios concernentes à postulação inicial

previsto no art. 2º do Código Buzaid69, ao passo que o recurso é um instituto que

visa beneficiar somente ao recorrente e não ambas as partes.

2.3 EFEITOS DOS RECURSOS NO JUIZADO ESPECIAL CÍVEL

Ao contrário do que se aplica no procedimento comum,

previsto no Código de Processo Civil, em de Juizado Especial Cível, a regra é de

que o recurso sempre terá efeito somente devolutivo, conforme disposição no art. 43

da Lei 9.099-9570, em atenção aos princípios estampados no art. 2º do mencionado

diploma legal, produzindo as decisões desde logo os seus efeitos no mundo jurídico,

salvo em raras exceções se concedido o efeito suspensivo, a fim de que se evite

dano irreparável à parte, caso o apelo seja provido e suas conseqüências forem

irreversíveis.

2.4 DOS RECURSOS PREVISTOS NA LEI 9.099/95 CONTRA DECISÕES

PROFERIDAS EM PRIMEIRO GRAU DE JURISDIÇÃO

2.4.1 Dos Embargos de Declaração

Da sentença, acórdão ou decisão interlocutória sempre

caberão Embargos Declaratórios, quando presentes obscuridade, omissão,

68

THEODORO JUNIOR, Humberto. Curso de Direito Processual Civil. 46ª Ed. Rio de Janeiro, Forense, 2007, p. 626.

69 Art. 2º. Nenhum juiz prestará a tutela jurisdicional senão quando a parte ou o interessado a

requerer, nos casos e forma legais (Código de Processo Civil).

70 Art. 43. O recurso terá somente efeito devolutivo, podendo o Juiz dar-lhe efeito suspensivo, para

evitar dano irreparável para a parte (Lei 9.099-95).

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contradição ou dúvida, devendo os erros materiais ser corrigidos de ofício pelo

magistrado71, a fim de que na decisão judicial inexistam divergências, lacunas e

obscuridades, devendo ser interpostos em cinco dias contados da ciência da

decisão embargada72.

Referido recurso de Embargos de Declaração, quando

interpostos contra sentença ou acórdão, diferente do que é aplicado no Código de

Ritos, ele suspende o prazo para a interposição de outros recursos73, sendo “Essa

suspensão diz respeito a ambas as partes, e o prazo suspenso conta-se pelo tempo

que faltava”74.

No Código de Processo Civil, a interposição de Embargos

Declaratórios interrompe o prazo para outros recursos, logo, a parte poderá interpor

o recurso de Embargos de Declaração e após análise do mesmo, o prazo para

interpor Apelação Cível fica incólume, não lhe sendo computado nenhum dia,

contrário do que aplicado nos Juizados Especiais Cíveis.

As questões sanáveis por meio dos embargos declaratórios

podem ser pressupostos, inclusive, para requisito de admissibilidade para outros

recursos, conhecido como prequestionamento75, havendo inclusive entendimento

sumulado do STJ, aduzindo que os embargos com intuito prequestionador não

possui caráter protelatório76.

71

Art. 48. Caberão embargos de declaração quando, na sentença ou acórdão, houver obscuridade, contradição, omissão ou dúvida. Parágrafo único. Os erros materiais podem ser corrigidos de ofício. (Lei 9.099-95)

72 Art. 49. Os embargos de declaração serão interpostos por escrito ou oralmente, no prazo de cinco

dias, contados da ciência da decisão. (Lei 9.099-95).

73 Art. 50. Quando interpostos contra sentença, os embargos de declaração suspenderão o prazo

para recurso. (Lei 9.099-95).

74 BATISTA, Weber Martins & FUX, Luiz. Juizados Especiais Cíveis e Criminais e Suspensão

Condicional do Processo Penal: a Lei 9.099/95 e sua doutrina mais recente. Rio de Janeiro, Forense, 2002, p. 249.

75 BATISTA, Weber Martins & FUX, Luiz. Juizados Especiais Cíveis e Criminais e Suspensão

Condicional do Processo Penal: a Lei 9.099/95 e sua doutrina mais recente. Rio de Janeiro, Forense, 2002, p. 250.

76 Enunciado da Súmula 98 do Superior Tribunal de Justiça: Embargos de declaração manifestados

com notório propósito de prequestionamento não tem caráter protelatório.

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41

2.4.2 Do recurso inominado

Da sentença proferida em sede de Juizado Especial Cível,

caberá recurso, no prazo de 10 (dez) dias, contados da ciência da sentença, onde

deverá ser apresentada por escrito, acompanhada das razões e o pedido do

recorrente, conforme o disposto nos arts. 41 e 42 do diploma legal em questão77.

Preenchendo todos os pressupostos objetivos e subjetivos, o

recurso será remetido à Turma de Recursos, a fim de que seja reapreciado o mérito

discutido nos autos, ao passo que “O recurso interposto tem o condão de evitar se

solidifique as imperfeições do julgado, por isso é que se afirma que o seu principal

efeito é impedir o trânsito em julgado da decisão”78

O recurso inominado será julgado por uma Turma de três

juízes togados em atuação no primeiro grau de jurisdição, onde as partes serão

obrigatoriamente representadas por advogado, por inteligência ao §2 do art. 41 da

Lei 9.099-95.

Outro aspecto que difere do procedimento comum, é que

naquele rito, o do CPC, caso não seja acolhido o reclamo recursal ou inadmitido,

não é imposto nenhum ônus ao recorrente, mas na esfera do Juizado Especial Cível,

77

“Art. 41. Da sentença, excetuada a homologatória de conciliação ou laudo arbitral, caberá recurso para o próprio Juizado.

§ 1º O recurso será julgado por uma turma composta por três Juízes togados, em exercício no primeiro grau de jurisdição, reunidos na sede do Juizado.

§ 2º No recurso, as partes serão obrigatoriamente representadas por advogado.

Art. 42. O recurso será interposto no prazo de dez dias, contados da ciência da sentença, por petição escrita, da qual constarão as razões e o pedido do recorrente.

§ 1º O preparo será feito, independentemente de intimação, nas quarenta e oito horas seguintes à interposição, sob pena de deserção.

§ 2º Após o preparo, a Secretaria intimará o recorrido para oferecer resposta escrita no prazo de dez dias.”

78 BATISTA, Weber Martins & FUX, Luiz. Juizados Especiais Cíveis e Criminais e Suspensão

Condicional do Processo Penal: a Lei 9.099/95 e sua doutrina mais recente. Rio de Janeiro, Forense, 2002, p. 236.

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42

em que pese em primeiro grau haver a isenção de custas e honorários79, o

recorrente quando vencido arcará com tal incumbência80.

2.5 DO MANDADO DE SEGURANÇA COMO SUCEDÂNEO DO AGRAVO DE

INSTRUMENTO

2.5.1 Conceituação da decisão interlocutória

Importante conceituar e ressaltar as características e

definições da decisão interlocutória, antes mesmo de adentrar na essência da

discussão acerca da irrecorribilidade de referido ato judicial no microssistema da Lei

9.099/95 e as conseqüências que a mesma oferece ao processo, ante a

possibilidade de seu conteúdo contemplar uma arbitrariedade emanada de juízes

integrantes do Juizado Especial Cível, em primeiro grau de jurisdição, causando por

óbvio dano irreparável ou de difícil reparação às partes.

Conforme conceituação expressa na própria legislação

processual, no §2º do art. 16281 do Código de Processo Civil, as decisões

interlocutórias são os pronunciamentos do juiz, emitidos no curso do processo, sem

solucionar o litígio, vez que “só ocorre a decisão interlocutória quando a solução da

questão incidente não leva ao encerramento do feito” 82.

As características básicas deste ato do magistrado, conforme

conceito extraído da obra Manual de Direito Processual Civil, de Hélio do Valle

Pereira consiste na carga valorativa, na possibilidade de causar dano aos litigantes e

79

“Art. 54. O acesso ao Juizado Especial independerá, em primeiro grau de jurisdição, do pagamento de custas, taxas ou despesas.

80 “Art. 55. A sentença de primeiro grau não condenará o vencido em custas e honorários de

advogado, ressalvados os casos de litigância de má-fé. Em segundo grau, o recorrente, vencido, pagará as custas e honorários de advogado, que serão fixados entre dez por cento e vinte por cento do valor de condenação ou, não havendo condenação, do valor corrigido da causa.”

81 “Art. 162. Os atos do juiz consistirão em sentenças, decisões interlocutórias e despachos.”

“[...]” §2º Decisão interlocutória é o ato pelo qual o juiz, no curso do processo, resolve questão incidente.

82 THEODORO JUNIOR, Humberto. Curso de Direito Processual Civil. 46ª Ed. Rio de Janeiro,

Forense, 2007, p. 259.

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a não extinção do processo83, na maioria das vezes tratará de questões processuais,

ante a vedação da análise fracionada do mérito.

Entende Costa Machado que:

A questão incidente, que é objeto da decisão interlocutória, tem

sempre caráter processual e nunca de direito material, ainda quando

a decisão corresponda a uma antecipação de tutela, posto que seus

fundamentos são matérias processuais como fumus boni iuris,

periculum in mora, abuso de direito de defesa, etc. São questões

resolvidas por decisão no processo de conhecimento: a exceção de

incompetência, a impugnação ao valor da causa, o cabimento de

denunciação da lide, de chamamento, do pedido de intervenção

como assistente, o saneamento do processo; no processo de

execução, a nomeação de bens, o pedido de penhora, o pedido de

ampliação da penhora, o requerimento de adjudicação; no processo

cautelar, o pedido de liminar a sua revogação, a substituição da

medida por caução, etc. Todas essas são questões cujas soluções

não acarretam a extinção do processo, daí tratar-se de decisões

interlocutórias (inter, no meio; locutionis, processo) e não de

sentenças.”84

Nelson Nery Júnior atribui o conceito de que:

“Toda e qualquer decisão do juiz proferida no curso do processo,

sem extingui-lo, seja ou não sobre o mérito da causa, é

interlocutória. Como, para classificar o pronunciamento judicial, o

CPC não levou em conta apenas seu conteúdo, mas também sua

finalidade, se o ato contiver matéria do CPC 267 ou 269, mas não

extinguiu o processo, que continua, não pode ser sentença, mas sim

decisão interlocutória. Pode haver, por exemplo, decisão

interlocutória de mérito, se o juiz indefere parcialmente a inicial,

83

PEREIRA, Hélio do Valle. Manual de Direito Processual Civil. Florianópolis, Conceito Editorial, 2007, p. 340.

84 MACHADO, Costa. Código de Processo Civil Interpretado e Anotado: artigo por artigo,

parágrafo por parágrafo. 2ª Ed. Barueri – SP, Manole, 2008, p. 443.

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44

pronunciando a decadência de um dos pedidos cumulados, e

determina a citação quanto ao outro pedido: o processo não se

extinguiu, pois continua relativamente ao pedido deferido, nada

obstante tenha sido proferida decisão de mérito ao se reconhecer a

decadência (CPC 269 IV). Admitindo decisão interlocutória com

conteúdo de sentença” [...]85

A decisão interlocutória deverá ser sempre fundamentada,

ainda que de forma concisa, em atenção ao previsto no art. 16586, bem como inciso

IX do art. 93 da Carta Política de 198887.

Nos ritos previstos no Código de Processo Civil, o recurso

cabível para discutir referido decisum é o Agravo, a fim de que não se preclua o

direito reclamado na referida decisão interlocutória, ao passo que “As decisões

recorríveis ficam cobertas pela preclusão, se contra elas não for oportunamente

interposto o recurso cabível”88.

2.5.2 Do mandado de segurança

O Mandado de Segurança é um remédio constitucional, de

natureza civil, previsto no inciso LXIX do art. 5º da Constituição Federal, o qual visa

proteger direito líquido e certo do interessado contra ato de autoridade pública e está

regulamentado pela Lei 12.016 de 200989.

85

NERY JUNIOR, Nelson & NERY, Rosa Maria de Andrade. Código de Processo Civil Comentado e legislação extravagante. 9ª Ed. São Paulo, Revista dos Tribunais, 2006, p. 375.

86 “Art. 165. As sentenças e acórdãos serão proferidos com observância do disposto no art. 458; as

demais decisões serão fundamentadas, ainda que de modo conciso.”

87 “Art. 93. Lei complementar, de iniciativa do Supremo Tribunal Federal, disporá sobre o Estatuto da

Magistratura, observados os seguintes princípios:”

“[...]” IX todos os julgamentos dos órgãos do Poder Judiciário serão públicos, e fundamentadas todas as decisões, sob pena de nulidade, podendo a lei limitar a presença, em determinados atos, às próprias partes e a seus advogados, ou somente a estes, em casos nos quais a preservação do direito à intimidade do interessado no sigilo não prejudique o interesse público à informação;

88 NEGRÃO, Theotonio & GOUVÊA, José Roberto Ferreira. Código de Processo Civil e legislação

processual em vigor. 39ª Ed. São Paulo, Saraiva, 2007, p. 288.

89 “Art. 1

o Conceder-se-á mandado de segurança para proteger direito líquido e certo, não amparado

por habeas corpus ou habeas data, sempre que, ilegalmente ou com abuso de poder, qualquer pessoa física ou jurídica sofrer violação ou houver justo receio de sofrê-la por parte de autoridade, seja de que categoria for e sejam quais forem as funções que exerça.” (Lei 12.016 de 2009)

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Referido remédio constitucional poderá ter caráter repressivo

quando já houver ocorrido a ilegalidade, ou preventivo a fim de evitar a violação do

seu direito líquido e certo oriunda de autoridade pública.

Suas espécies se subdividem em individual e coletivo, mas

trataremos aqui somente do individual, que será mais pertinente ao desenvolvimento

do presente trabalho.

José dos Santos Carvalho Filho define o Mandado de

Segurança individual como “(...)” aquele impetrado pela pessoa, física ou jurídica,

para defender direito próprio.”90

Entende-se por direito líquido e certo “(...)”aquele que pode ser

comprovado de plano, ou seja, aquela situação que permite ao autor da ação exibir

desde logo os elementos de prova que conduzam à certeza e à liquidez dos fatos

que amparam o direito”91.

Hely Lopes Meirelles aduz que “Direito líquido e certo é o que

se apresenta manifesto na sua existência, delimitado na sua extensão e apto a ser

exercitado no momento da impetração – ou seja, pressupões fatos incontroversos,

demonstrados de plano por prova pré-constituída, por não admitir dilação

probatória.”92

A abrangência desta ação constitucional é definida

residualmente, ou por exceção, pois, só cabível quando o direito líquido e certo a ser

90 CARVALHO FILHO, José dos Santos. Manual de Direito Administrativo. 16ª Ed. Rio de Janeiro,

Lúmen júris, 2006, p. 856.

91 CARVALHO FILHO, José dos Santos. Manual de Direito Administrativo. 16ª Ed. Rio de Janeiro,

Lúmen júris, 2006, p. 857.

92 MEIRELLES, Hely Lopes. Direito Administrativo Brasileiro. 32ª Ed. São Paulo, Malheiros, 2006,

p. 715.

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protegido não for amparado por habeas corpus, habeas data ou em casos de

decisões judiciais, se houver recurso pertinente ao caso.

A Lei 12.016 de 2009 trouxe em seu bojo três hipóteses que

impedem a propositura de referido remédio jurídico:

Art. 5o Não se concederá mandado de segurança quando se tratar:

I - de ato do qual caiba recurso administrativo com efeito

suspensivo, independentemente de caução;

II - de decisão judicial da qual caiba recurso com efeito suspensivo;

III - de decisão judicial transitada em julgado.

No tocante à competência para julgamento do mandado de

segurança contra atos e omissões judiciais de tribunais, Alexandre de Moraes,

amparado no entendimento jurisprudencial dominante, afirma que “a competência

dos próprios Tribunais para processarem e julgarem os mandados de segurança

impetrados contra seus atos e omissões”93.

Especialmente em relação aos Juizados Especiais, a

competência não foge à regra, ao passo que “compete à própria Turma Recursal o

julgamento de mandado de segurança impetrado contra seus atos”94, afirma o autor

Alexandre de Moraes acerca do tema.

Extrai-se do repertório doutrinário que o Mandado de

Segurança “somente pode ser utilizado contra pronunciamento judicial quando não

existir recurso apto a impedir lesão a algum direito líquido e certo”95

Para corroborar, o Supremo Tribunal Federal já sumulou

referido entendimento “Súmula 267: Não cabe mandado de segurança contra ato

judicial passível de recurso ou correição”.

93

MORAES, Alexandre de. Direito Constitucional. 22ª Ed. São Paulo, Atlas, 2007, p. 154.

94 MORAES, Alexandre de. Direito Constitucional. 22ª Ed. São Paulo, Atlas, 2007, p. 155.

95 MIRANDA, Gilson Delgado & PIZZOL, Patrícia Miranda. Recursos no processo civil. 5ª Ed. São

Paulo, Atlas, 2007, p. 47.

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Ainda:

O mandado de segurança está previsto no art. 5º, incisos LIX e LXX,

da Constituição Federal, podendo ser utilizado tanto nas hipóteses

de ameaça quanto nos casos de lesão a direito líquido e certo,

sendo seu campo de abrangência fixado por exclusão. Quanto à

previsão constitucional, é importante lembrar o art. 5º, XXXV, da

Constituição Federal, que prevê o princípio da inafastabilidade do

controle jurisdicional ou da ação.

“[...]”

Em síntese, pode afirmar que é um instrumento para que o particular

oponha ao Estado (inclusive do Poder Judiciário) os direitos e

garantias que a CF lhe assegura.96

Cercato Padilha, referenda o entendimento lançado:

De toda sorte, não resta a menor dúvida de que é cabível a ação

constitucional contra ato judicial.

“[...]”

Em resumo a autoridade que fere direito líquido e certo do

impetrante, quando pratica um ato ilegal, isto é, quando se

desvincula da lei ou, quando comete um ato abusivo, ou seja, no

momento em que não aplica o esquema subsuntivo de velar pela

segurança de forma acertada, ou, melhor, no instante em que

preenche o conceito vago erradamente.

“[...]”

Diante da Lei n. 9.099/95, afora outros atos que possam ser

praticados, parece perfeitamente admissível a utilização do

mandado de segurança, em substituição ao recurso vedado de

agravo, quando, por exemplo, o juiz deixa de admitir o recurso, por

incabível ou intempestivo; declara-o deserto sem ser o caso, ou,

ainda, se não concede o efeito suspensivo, porque aí terá praticado

96

MIRANDA, Gilson Delgado & PIZZOL, Patrícia Miranda. Recursos no processo civil. 5ª Ed. São Paulo, Atlas, 2007, p. 47.

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um ato ilegal e, permanecendo eficaz a sentença, como antes

realçado, pode gerar ao impetrante um dano irreparabile. 97

Vários autores compreendem que diante da ausência de

recurso cabível para se discutir supostas injustiças realizadas por meio de decisões

interlocutórias, o Mandado de Segurança é o meio mais adequado para se reavaliar

referidas prestações jurisdicionais:

Daí, em conclusão, inexistindo a possibilidade de impugnar a

decisão interlocutória mediante o uso do recurso de agravo de

instrumento em face da concentração do sistema recursal do

Juizado Especial Cível, força reconhecer que o remédio apto a

afastar eventual dano irreparável em decorrência do

pronunciamento judicial será o Mandado de Segurança98

Considerando o entendimento que predomina entre os

doutrinadores sobre a matéria, é de todo defensável a hipótese de cabimento de

Mandado de Segurança contra decisões interlocutórias no Juizado Especial Cível,

uma vez que inexistindo outro meio para se impugnar a decisão deve ser admitido o

cabimento do writ.

Tais entraves serão tema de discussão do terceiro capítulo do

presente trabalho, onde serão analisados os cruzamentos de princípios, o

prevalecimento de qual deles é mais adequado a fim de que não se admita a

restrição do acesso à justiça, em contrapartida a possível prejudicialidade do

princípio da celeridade, se admitida a possibilidade recursal das decisões

interlocutórias.

97

PADILHA, Cercato. Recursos Civis perante os Juizados Especiais e Turmas de Juízes. Blumenau, Acadêmica, 2001, p. 72-73.

98 MIRANDA, Gilson Delgado & PIZZOL, Patrícia Miranda. Recursos no processo civil. 5ª Ed. São

Paulo, Atlas, 2007, p. 50.

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CAPÍTULO 3

A IRRECORRIBILIDADE DAS DECISÕES

INTERLOCUTÓRIAS PROFERIDAS EM PRIMEIRO GRAU DE

JURISDIÇÃO NO JUIZADO ESPECIAL CÍVEL E O ACESSO

À JUSTIÇA COMO PRINCÍPIO NORTEADOR DA LEI

9.099/95

3.1 A INTENÇÃO DO LEGISLADOR AO SUPRIMIR MEIOS PARA IMPUGNAR AS

DECISÕES INTERLOCUTÓRIAS:

Conforme exaustivamente exposto no capítulo inaugural deste

trabalho, a irrecorribilidade das decisões interlocutórias amparou-se fortemente num

dos princípios norteadores da Lei 9.099/95, qual seja o da oralidade.

O princípio da oralidade, um dos pilares do rito processual em

debate, firma-se na intenção do legislador que foi de dirimir todas as controvérsias

trazidas ao processo em uma única audiência.

A resolução da lide nessa audiência tornaria de fato a

recorribilidade das decisões interlocutórias inútil, vez que a prestação jurisdicional

extraída de referido ato judicial seria em forma de sentença, o que comporta a

interposição de Recurso Inominado, o qual encontra previsão expressa no art. 42 da

Lei 9.099/95, o que não levaria a questão a maiores debates sobre o seu cabimento.

Assim a irrecorribilidade das decisões interlocutórias se

justificaria unicamente em razão da concentração e imediatismo dos atos

processuais, o que não é aplicado com a freqüência devida.

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Alguns doutrinadores defendem a idéia de que apesar das

decisões interlocutórias serem irrecorríveis, a sua matéria não preclui, podendo ser

objeto de Recurso Inominado, meio apropriado para se desconstituir a sentença

proferida em sede de Juizados Especiais, essa é a posição adotada por diversos

autores, dentre eles Pedro Manoel Abreu, ao dizer que “como consectário do

princípio da irrecorribilidade das decisões interlocutórias, é forçoso deduzir pela

ausência de preclusão de tais decisões, que poderão ser atacadas livremente no

recurso inominado”99.

Superada a questão acerca da preclusão das matérias

decididas através das decisões interlocutórias, outro ponto é de alta indagação na

esfera deste referido microssistema, qual seja a lesão grave e de difícil reparação.

Conforme orientação do enunciado 26 do FONAJE100, é

plenamente aceitável e admitido no Juizado Especial Cível, a invocação da tutela

antecipada, a qual só é conferida se preenchidos os pressupostos previstos no art.

273 do CPC101, desta forma, se houver urgência a ser remediada, e a iminência de

lesão à parte caso não lhe seja concedida tal benesse processual, deverá existir

instrumento hábil para discutir a decisão denegatória, sob pena ferir o princípio

constitucional do acesso à justiça e do devido processo legal.

Destaca-se que na maioria dos Juizados Especiais Cíveis

instalados tanto no presente Estado, quanto nas demais unidades da Federação,

estão á míngua do que é esperado pelo diploma legal em estudo, por não possuírem

estrutura física e funcional para dar cumprimento efetivo à celeridade imposta pela

lei.

99

ABREU, Pedro Manoel & BRANDÃO, Paulo de Tarso. Juizados Especiais Cíveis e Criminais: aspectos destacados. Florianópolis, Obra Jurídica, 1996, p. 90.

100 Enunciado 26 - São cabíveis a tutela acautelatória e a antecipatória nos Juizados Especiais Cíveis.

(nova redação no Fonaje Florianópolis/SC);

101 “Art. 273. O juiz poderá, a requerimento da parte, antecipar, total ou parcialmente, os efeitos da

tutela pretendida no pedido inicial, desde que, existindo prova inequívoca, se convença da verossimilhança da alegação e:

“I – haja fundado receio de dano irreparável ou de difícil reparação;”

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Logo, mais uma vez, dentre outros tantos ramos do direito, se

está diante da criação de normas, as quais não encontram suporte técnico para sua

aplicação efetiva na sociedade.

Joel Dias Figueira Junior assevera pontualmente esta questão

ao acreditar que a estrutura oferecida pelo Poder Judiciário não comporta os

objetivos da lei em questão, visto que não se criaram as estruturas para a sua

aplicação adequada, isto por que:

(...) não raras vezes, incidentes processuais ocorrem fora (antes) da

audiência referida, exigindo do juiz instrutor uma decisão imediata

da questão, a qual não pode ser postergada ao decisum final, sob

pena de causar prejuízo às partes, ou, ainda, hipóteses em que a

sentença não é proferida na conclusão dos trabalhos instrutórios,

também não são incomuns, ficando pendente alguma matéria de

ordem processual que exigia manifestação imediata do julgador102.

Acrescenta, ainda, o autor supra citado que:

(...)como se não bastassem estes argumentos, há que se observar

atentamente alguns dispositivos da Lei, os quais de certa forma, já

ventilam a possibilidade – e diríamos, não remota – de surgimento

de incidentes processuais ou não conclusão dos trabalhos num

único ato, ao contrário das próprias características da oralidade,

imediação e concentração103.

A intenção principal da criação da Lei 9.099, além de cumprir a

determinação constitucional contida no art. 98, I, teve como enfoque propiciar uma

aplicação expressiva do princípio do acesso à justiça para a sociedade.

102

FIGUEIRA JÚNIOR, Joel Dias & LOPES, Mauricio Antonio Ribeiro. Comentários à Lei dos Juizados Especiais Cíveis e Criminais: Lei 9.099, de 26 de setembro de 1995. São Paulo, Revista dos Tribunais, 1995, p. 50.

103 FIGUEIRA JÚNIOR, Joel Dias & LOPES, Mauricio Antonio Ribeiro. Comentários à Lei dos

Juizados Especiais Cíveis e Criminais: Lei 9.099, de 26 de setembro de 1995. São Paulo, Revista dos Tribunais, 1995, p. 50-51.

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A aplicação deste princípio encontra-se obstado, uma vez que

as decisões interlocutórias são irrecorríveis.

Joel Dias Figueira Junior entende que “os sistemas

instrumentais e seus princípios convivem universalmente de maneira aberta e

unitária, cabendo ao intérprete a difícil tarefa de buscar e encontrar uma solução

harmoniosa entre eles”104

Diante deste entrave, qual seria o remédio processual

pertinente ao caso, já que a interposição de Agravo em quaisquer de suas formas é

incabível, pois a legislação queda-se silente quanto a este aspecto.

Por consectário lógico a única forma de se insurgir contra

alguma incongruência direcionada em tais decisões seria através do remédio

constitucional denominado Mandado de Segurança, ação constitucional admitida

quando inexiste recurso ou meio hábil para se insurgir contra ilegalidades cometidas

pela autoridade coatora, como foi visto no capítulo anterior pode o Poder Judiciário,

figurar no pólo passivo, representado pelo juízo coator.

Desta forma, em uma visão perfunctória o Mandado de

Segurança é o meio adequado para suprir a ausência de recurso de Agravo, sendo

inclusive, uma das indicações constantes na própria legislação regente deste

remédio constitucional em art. 5º, inciso II, onde dispõe que não caberá o writ contra

a decisão judicial, caso exista recurso cabível para desconstituí-la.

Logo, o caso em análise é a situação ideal pela qual deve-se

admitir a impetração deste remédio constitucional, tanto por ausência de recurso

cabível, quanto pela iminência de causar à parte lesão grave e de difícil reparação,

presentes então explicitamente direito líquido e certo a ser amparado, por exegese

ao art. 1º da Lei. 12.016:09.

104 FIGUEIRA JÚNIOR, Joel Dias & LOPES, Mauricio Antonio Ribeiro. Comentários à Lei dos

Juizados Especiais Cíveis e Criminais: Lei 9.099, de 26 de setembro de 1995. São Paulo, Revista dos Tribunais, 1995, p. 51.

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3.2 A IRRECORRIBILIDADE DAS DECISÕES INTERLOCUTÓRIAS COMO UMA

AFRONTA AO PRINCÍPIO DO DEVIDO PROCESSO LEGAL

Em consulta à Corte Suprema do nosso país, observa-se que

referida divergência doutrinária e jurisprudencial foi aparentemente solucionada

através do Recurso Extraordinário 576.847-3, tendo como relator o Ministro Eros

Grau.

No recurso extraordinário mencionado, foi reconhecida

repercussão geral da matéria, atinente à irrecorribilidade das decisões interlocutórias

em sede de Juizado Especial Cível.

No julgamento do mérito, discutiu-se o cabimento do Mandado

de Segurança contra decisões interlocutórias proferidas por juízes em exercício no

Juizado Especial Cível, ao passo que inexiste previsão legal para outro recurso.

O Relator votou no sentido de que tanto é incabível a

aplicação subsidiária do CPC, quanto a utilização do instituto do Mandado de

Segurança para tal insurgência.

Fundamentou seu voto ao argumento de que em obediência à

promoção da celeridade insculpida no rito sumaríssimo dos juizados, a

irrecorribilidade é inafastável.

Aduziu, ainda, inexistir afronta ao princípio constitucional da

ampla defesa, em razão das insurgências terem a possibilidade de serem dirimidas

por eventual interposição de Recurso Inominado, quando proferida sentença.

Eis a ementa do acórdão em análise:

RECURSO EXTRAORDINÁRIO. PROCESSO CIVIL.

REPERCUSSÃO GERAL RECONHECIDA. MANDADO DE

SEGURANÇA. CABIMENTO. DECISÃO LIMINAR NOS JUIZADOS

ESPECIAIS. LEI N. 9.099/95. ART. 5º, LV DA CONSTITUIÇÃO DO

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BRASIL. PRINCÍPIO CONSTITUCIONAL DA AMPLA DEFESA.

AUSÊNCIA DE VIOLAÇÃO. 1. Não cabe mandado de segurança

das decisões interlocutórias exaradas em processos submetidos ao

rito da Lei n. 9.099/95. 2. A Lei n. 9.099/95 está voltada à promoção

de celeridade no processamento e julgamento de causas cíveis de

complexidade menor. Daí ter consagrado a regra da irrecorribilidade

das decisões interlocutórias, inarredável. 3. Não cabe, nos casos por

ela abrangidos, aplicação subsidiária do Código de Processo Civil,

sob a forma do agravo de instrumento, ou o uso do instituto do

mandado de segurança. 4. Não há afronta ao princípio constitucional

da ampla defesa (art. 5º, LV da CB), vez que decisões

interlocutórias podem ser impugnadas quando da interposição de

recurso inominado. Recurso extraordinário a que se nega

provimento.105

Os demais ministros acompanharam o voto do Relator, exceto

o Ministro Marco Aurélio que obteve a conclusão de que o afastamento da

possibilidade de proposição de Mandado de Segurança seria o afastamento da

própria jurisdição.

O voto do Relator Ministro Eros Grau sustenta que a

celeridade prevista no Juizado Especial Cível não abarca a possibilidade de se

viabilizar o duplo grau de jurisdição das decisões interlocutórias:

“(...)” A Lei n. 9.099/95 está voltada à promoção de celeridade no

processamento e julgamento de causas cíveis de complexidade

menor.

2. Daí ter consagrado a regra da irrecorribilidade das decisões

interlocutórias, inarredável.

3. Não cabe, nos casos por ela abrangidos, aplicação subsidiária do

Código de Processo Civil, sob a forma do agravo de instrumento, ou

o uso do instituto do mandado de segurança, qual pretende a

recorrente.

105

Recurso Extraordinário 576.847-3 – BA. Relator Ministro Eros Grau. Julgado em 20 de maio de 2009.

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4. Os prazos para agravar --- de dez dias [art. 522 do CPC] --- e

para impetrar mandado de segurança --- de cento e vinte dias [art.

18 da Lei n. 1.533/51] --- não se coadunam com os fins aos quais se

volta a Lei 9.099/95.

5. Ademais, a opção pelo rito sumaríssimo é faculdade das partes,

com as vantagens e limitações que a sua escolha acarreta.

6. Mais, a admissão do mandado de segurança na hipótese dos

autos importaria a ampliação da competência dos juizados

especiais, que cabe exclusivamente ao Poder Legislativo.

7. De resto não há, na hipótese, afronta ao princípio constitucional

da ampla defesa, vez que decisões interlocutórias podem ser

impugnadas quando da interposição de recurso inominado.

Nego provimento ao recurso extraordinário, para manter a decisão

que extinguiu o processo sem julgamento do mérito.106

Em contrapartida colaciono o voto do Ministro Marco Aurélio,

onde observou que a inexistência da possibilidade de se insurgir contra as decisões

interlocutórias é o mesmo que negar a jurisdição aos litigantes:

“(...)” Senhor Presidente, estamos diante de situação peculiar.

Ressaltou o Ministro Eros Grau, e o fez com absoluta fidelidade à

Lei 9.099/95, que, nas causas submetidas aos Juizados Especiais,

não é cabível o agravo. Vale dizer: as decisões interlocutórias não

são impugnáveis de imediato. Indago: é possível fechar-se a porta,

diante de uma situação excepcionalíssima – e estou, aqui, a

raciocinar em tese - , ao manuseio do mandado de segurança,

afastando-se, até mesmo, a possibilidade de corrigir-se um erro de

procedimento ou julgamento causador de prejuízo irreparável? A

meu ver, não. A meu ver, estamos diante de exceção comportada e

alcançada pela Lei nº 1.533/51, no que essa lei realmente revela

como regra o não-cabimento de mandado de segurança contra

decisão judicial. Mas a previsão pressupõe a possibilidade de ter-se

recurso contra essa decisão e, na espécie, é pacífico que não

haveria esse recurso. Creio que o mandado de segurança merecia o

106

Recurso Extraordinário 576.847-3 – BA. Relator Ministro Eros Grau. Julgado em 20 de maio de 2009, p. 3-4.

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processamento e não o indeferimento liminar verificado. Assim

concluo diante das peculiaridades do caso, da regência do processo

pela Lei nº 9.099/95, que exclui o recurso.

Relembro o que se contém nessa vetusta Lei nº 1.533/51:

“Art. 5º. Não se dará mandado de segurança quando se tratar:

I – (...)” – que não vem à espécie –

II – de despacho ou decisão judicial,” – mas há a condição para

excluir-se a ação mandamental – “quando haja recurso previsto nas

leis processuais ou possa ser modificado por via de correção.”107

Peço vênia, Presidente, para entender que, no caso, o afastamento

do mandado de segurança implica o da própria jurisdição, e assim

provejo o extraordinário.”108

Um verdadeiro debate se instala desde então, será que é

permitido aos julgadores restringir o acesso à justiça escondendo-se atrás do

princípio da celeridade e oralidade prevista na lei que rege os juizados especiais,

afrontando nitidamente o princípio do devido processo legal?

Assim, pode-se dizer que o princípio da oralidade presente nos

procedimentos elencados pela Lei 9.099/95, incute ao mesmo um caráter

aparentemente mais célere e simplificado, porém, traz consigo um leque restrito de

possibilidades recursais, bem como não oferece aos jurisdicionados o exercício

pleno do devido processo legal, princípio que deve estar presente em todos os ritos

e procedimentos na legislação pátria.

107

Destaca-se que o conteúdo de tal artigo foi mantido pela novel legislação que disciplina o Mandado de Segurança Individual e Coletivo, senão vejamos:

“Art. 5o Não se concederá mandado de segurança quando se tratar:

I - de ato do qual caiba recurso administrativo com efeito suspensivo, independentemente de caução;

II - de decisão judicial da qual caiba recurso com efeito suspensivo;

III - de decisão judicial transitada em julgado.” (Lei 12.016 de 2009)

108 Recurso Extraordinário 576.847-3 – BA. Relator Ministro Eros Grau. Julgado em 20 de maio de

2009, p. 3-4.

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3.3 DA AUSÊNCIA DE RECURSO HÁBIL PARA INSURGIR-SE CONTRA

DECISÕES INTERLOCUTÓRIAS COMO UMA FORMA DE COIBIR O ACESSO À

JUSTIÇA

É nítida a afronta ao princípio do devido processo legal,

quando não se permite a interposição de qualquer meio adequado para se impugnar

a decisão interlocutória em sede de Juizados Especiais Cíveis.

Em que pese as causas serem de menor complexidade, bem

como de menor valor, os direitos pelos quais motivam a propositura de uma ação da

parte não deve ser medida e nem ignorados, ao argumento de que a oralidade e

celeridade são mais importantes que o acesso à verdadeira justiça.

O acesso à justiça é um princípio a ser observado e pratica

sempre em quaisquer atos processuais, vez que se trata de um direito fundamental,

um dos mais importantes como assevera Mauro Cappelletti:

o acesso à justiça pode, portanto, ser encarado como o requisito

fundamental – o mais básico dos direitos humanos – de um sistema

jurídico moderno e igualitário que pretenda garantir, e não apenas

proclamar os direitos de todos.

“(...)”

O enfoque sobre o acesso – o modo pelo qual os direitos se tornam

efetivos – também caracteriza crescentemente o estudo do moderno

processo civil. “(...)” O processo, no entanto, não deveria ser

colocado no vácuo. Os juristas precisam, agora, reconhecer que as

técnicas processuais servem as funções sociais; “(...)” e que

qualquer regulamentação processual, inclusive a criação ou o

encorajamento de alternativas ao sistema judiciário formal tem um

efetio importante sobre a forma como opera a lei substantiva – com

que freqüência ela é executada, em benefício de quem e com que

impacto social. “(...)” não é apenas um direito social fundamental,

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crescentemente reconhecido; ele é também, necessariamente, o

ponto central da moderna processualística.109

Caso seja aceito esse entendimento, estaríamos diante de um

dilema principiológico, de um lado a celeridade e de outra a efetivação da justiça no

caso concreto.

Isto porque, a definição de justiça é algo muito complexo, e

muito importante, reitero entendimento do autor Mauro Cappelletti acerca do

assunto:

Embora o acesso efetivo à justiça venha sendo crescentemente

aceito como um direito social básico nas modernas sociedades, o

conceito de “efetividade” é, por si só, algo vago. A efetividade

perfeita, no contexto de um dado direito substantivo, poderia ser

expressa como a completa “igualdade de armas” – a garantia de que

a conclusão final depende apenas dos méritos jurídicos relativos das

partes antagônicas, sem relação com diferenças que sejam

estranhas ao Direito e que, no entanto, afetam a afirmação e

reivindicação dos direitos. Essa perfeita igualdade é utópica.110

Desta forma, o princípio que traz à parte um benefício é o

mesmo que lhe retira a garantia de que a prestação jurisdicional imposta seja

realmente justa.

Em análise ao tema em debate, extrai-se que apesar de

admitido na esfera do Juizado Especial Cível a possibilidade de antecipação dos

efeitos da tutela, por exemplo, não se pode discutir os seus reais reflexos no caso

concreto, com base em uma interpretação totalmente inconstitucional, quando

sequer admite a impetração de Mandado de Segurança, remédio pelo qual toda a

109

CAPPELLETTI, Mauro & GARTH, Bryan. Acesso à justiça. Tradução de Ellen Gracie Northfleet. Porto Alegre, Fabris, 1988, p. 12.

110 CAPPELLETTI, Mauro & GARTH, Bryan. Acesso à justiça. Tradução de Ellen Gracie Northfleet.

Porto Alegre, Fabris, 1988, p. 15.

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sociedade deveria ter à sua disposição, em casos de ferimento ao seu direito líquido

e certo.

A impetração do writ of mandamus não pode ser impedida, vez

que na ausência de recurso pertinente, e estando presentes a iminência de

ferimento do direito líquido e certo do impetrante, a ação mandamental deve ser

admitida, sob pena de violação ao devido processo legal.

Em análise à Lei do Mandado de Segurança, Alexandre de

Moraes assenta o seguinte entendimento:

Ocorre que a referida lei deve, por óbvio, ser interpretada de acordo

com a garantia constitucionalmente deferida à proteção do direito

líquido e certo. Portanto, sempre será cabível o mandado de

segurança se as três exceções previstas não forem suficientes para

proteger o direito líquido e certo do impetrante. “(...)” o Poder

Judiciário não se pode furtar o exame de qualquer lesão de direito.

“(...)” Igualmente, caberá mandado de segurança se o recurso

judicial existente não possuir efeito suspensivo que possibilite a

correção imediata da ilegalidade, colocando em risco o direito

líquido e certo.111

A Lei 12.016/09 é claro ao definir que não se concederá

mandado de segurança quando se tratar de decisão judicial da qual caiba recurso:

“Art. 5o Não se concederá mandado de segurança quando se tratar: “(...)” II - de

decisão judicial da qual caiba recurso com efeito suspensivo;”, desta forma, diante

da ausência de recurso cabível para se impugnar decisões interlocutórias no Juizado

Especial Cível, o cabimento do Mandado de Segurança é medida que deve ser

observada.

José dos Santos Carvalho Filho aduz que:

111

MORAES, Alexandre de. Direito Constitucional. 22ª Ed. São Paulo, Atlas, 2007, p. 148.

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“(...)” consta na lei descaber o mandado de segurança contra

despacho ou decisão judicial, quando houver recurso previsto nas

leis processuais idôneo para discuti-los (art. 5º, II). A ratio legis é

clara: se o ato judicial pode ser discutido por recurso processual

próprio, fica afastada a possibilidade de impugnação pelo

mandamus “(...)” A jurisprudência atenuou a interpretação desse

dispositivo, admitindo o cabimento do remédio quando o ato judicial

só pudesse ser reapreciado através de recurso sem efeito

suspensivo e, além disso, quando houvesso o risco de lesão

irreparável para a parte (periculum in mora) e o direito por esta

invocado tivesse certo grau de plausibilidade (fumus boni iuris). 112

Assim sendo, inexistindo as restrições elencadas na Lei

12.016, estando ausente recurso cabível para se discutir uma decisão judicial injusta

e que propicia a ocorrência de prejuízo irreparável à parte, o Mandado de

Segurança, remédio constitucional heróico, deve ser admitido, do contrário estará se

estabelecendo um território apto à ações arbitrárias provenientes dos juízos

singulares.

A complexidade das causas, bem como o seu valor não

devem ser óbice ou até mesmo fundamento para não se aplicar a efetiva justiça, ao

impedir a recorribilidade e a revisão do julgado, vez que estamos à mercê de

julgamentos provenientes de seres humanos, animais racionais providos de emoção

e perfeitamente suscetíveis a erros e aplicações de entendimentos equivocados.

A busca pela tutela jurisdicional, o desejo de buscar a proteção

e o amparo judicial é uma característica subjetiva da parte, sendo defeso a qualquer

pessoa medir o seu direito através de fatores relacionados à complexidade ou valor,

estaria desta forma violando o acesso à justiça.

Com a possibilidade da revisão de um julgado se está

possibilitando o duplo grau de jurisdição, bem como oportunizando uma maior

possibilidade de ocorrer a efetiva justiça. 112

CARVALHO FILHO, José dos Santos. Manual de Direito Administrativo. 16ª Ed. Rio de Janeiro, Lúmen júris, 2006, p. 857.

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Não se pode ignorar que o duplo grau de jurisdição é a

garantia, ou ao menos uma possibilidade aproximada, de se concretizar uma

entrega da prestação jurisdicional justa e adequada.

Diante deste conflito de princípios, quando os princípios da

oralidade e celeridade é defendida em detrimento ao princípio do acesso à justiça,

ressalto lição de Miguel Reale, quando se referia às determinações legais, que

apesar de corretas pois seguiam estritamente as disposições normativas, não se

mostram justas, como no caso da irrecorribilidade das decisões interlocutórias, onde,

por um lado é prestigiado a celeridade em detrimento da qualidade das decisões

judiciais “É o problema da „resistência às leis injustas‟, ou da não-obediência ao que

é „legal‟, mas não é „justo‟.”113

Logo, a impossibilidade de se reavaliar as decisões

interlocutórias proferidas pelos juízes dos Juizados Especiais Cíveis, fere

explicitamente o acesso à justiça.

Em muitos casos a revisão por um órgão colegiado traz mais

segurança jurídica ao jurisdicionado, vez que:

A revisão ínsita em todo o recurso pressupõe que se transfira ao

órgão revisor o conhecimento da causa com todas as suas

viscitudes para que este, colocando-se nas mesmas condições em

que se encontrava o julgador, possa concluir se também decidiria tal

como foi decidido.114

Referido princípio, qual seja, o acesso à justiça, foi um dos

pilares básicos da criação da Lei 9.099/95, quando se buscava que a população

mais hipossuficiente se beneficiasse com a possibilidade de reivindicar suas

controvérsias, judicialmente.

113

REALE, Miguel. Lições preliminares de direito. 19ª Ed. São Paulo, Saraiva, 1991, p. 313.

114 BATISTA, Weber Martins & FUX, Luiz. Juizados Especiais Cíveis e Criminais e Suspensão

Condicional do Processo Penal: a Lei 9.099/95 e sua doutrina mais recente. Rio de Janeiro, Forense, 2002, p. 237.

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Impedido esse direito, inexistindo a possibilidade de ver sua

decisão ser examinada por um órgão colegiado, o “acesso à justiça” encontra-se

restringido, ao passo que a tutela jurisdicional prestada nem sempre se apresenta

justa e correta.

Ora, o acesso à justiça não se define apenas como o acesso

do povo ao órgão do Poder Judiciário, mas sim, de visualizar através do processo a

efetivação da justiça, ou seja, do seu direito traduzido em uma tutela jurisdicional

livre de qualquer vício, ou até mesmo de qualquer equívoco.

O sistema jurisdicional seria perfeito, se ao contrário de

magistrados, houvessem máquinas proferindo decisões uniformes e sempre

perfeitas, mas o direito não é estático ou até mesmo matemático, ele é subjetivo e

aberto tanto à pensamentos inovadores, quanto à entendimentos inaceitáveis.

Em razão disso não se poderia incutir uma só pessoa de tão

grande responsabilidade, comprometendo-a a ser perfeita em suas decisões, pois se

inexiste um meio recursal para impugnar sua decisão, ela deve proferi-la

uniformemente, como se fosse uma máquina de prestações jurisdicionais, onde

saem perfeitas decisões, porém, se está sob o comando humano a difícil tarefa de

decidir e solucionar um impasse trazido ao Poder Judiciário.

Ressalta-se que a natureza humana não é robótica e nem

perfeita, são seres humanos quem solucionam os litígios, logo são facilmente

suscetíveis tanto a maravilhosas ações, quanto a efetuar atos de forma equivocada

e distanciada da justiça.

Esses são os motivos pelos quais não se deve obstar a

recorribilidade das decisões interlocutórias, ainda que a causa não seja de valor tão

elevado, ainda que o pretenso bem da vida não seja visto como significativo e de

importância imensurável.

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Vale destacar que para quem intentou a ação ou para quem

está sendo compelido a cumprir uma obrigação, através do rito estabelecido pela Lei

9.099/95, o duplo grau de jurisdição soa como uma garantia de que realmente a

tutela jurisdicional está mais próxima da justiça.

Esse é um sentimento majoritário entre os jurisdicionados, ao

se sentirem impotentes diante de decisões injustas, vez que se prima o princípio do

acesso à justiça para se propor uma ação, mas não se observa quando da sua

aplicação nos casos concretos.

Compelir o duplo grau de jurisdição no caso em análise, seria

obstar o jurisdicionado de um de seus mais importantes direitos conquistados, qual

seja o princípio constitucional do acesso à justiça.

Referido princípio movimentou a sociedade com a criação da

legislação que rege os Juizados Especiais Cíveis Estaduais, e que agora em sua

aplicação não pode ser omitido.

Omite-se o acesso à justiça com fulcro no princípio da

oralidade, sob o argumento de que essa supressão está em sintonia com os fins a

que se destina a legislação em debate.

Ora, ao suprimir a acessibilidade à justiça com tais

fundamentos, está se admitindo a impossibilidade de se corrigir eventuais erros

cometidos por magistrados, bem como julgamentos que ocasionam prejuízos e

lesões irreparáveis.

Diante deste contexto, deve ser admitida a impetração do

remédio constitucional pertinente, qual seja o Mandado de Segurança, vez que é a

forma adequada a preencher essa lacuna processual, ou, melhor dizendo, esse

limbo circunstancial, pois, o não cumprimento fiel da Lei trouxe essas

conseqüências.

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Logo, obstando o duplo grau de jurisdição contra as decisões

interlocutórias, proferidas no Juizado Especial Cível, estar-se-ía, obstando a

concretização da própria justiça.

É incoerente se pensar que em atenção ao princípio tanto da

oralidade, quanto da celeridade e imediatismo, deve-se abolir o princípio dispositivo

do devido processo legal, obstando o acesso à justiça com a irrecorribilidade das

decisões interlocutórias na esfera do Juizado Especial Cível.

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CONSIDERAÇÕES FINAIS

A presente pesquisa teve como objeto o debate acerca da

violação do princípio constitucional de acesso à justiça diante irrecorribilidade das

decisões interlocutórias no Juizado Especial Cível estadual.

A Lei 9.099/95, além de dar cumprimento ao disposto no inciso

I do art. 98 da Constituição da República Federativa do Brasil de 1988, trouxe aos

jurisdicionados uma perspectiva voltada ao desafogamento do Poder Judiciário, bem

como oferecer à população um acesso mais amplo à justiça, ou melhor, à pretensão

de se buscar a tutela jurisdicional.

Mais uma vez ressalto que o direito que fundamenta o bem da

vida buscado pelas partes não deve ser medido ou até mesmo ignorado em

detrimento de princípios que foram criados com intenções diversas das quais estão

sendo aplicadas, por este motivo não se pode permitir a restrição do acesso à justiça

alicerçado em uma celeridade duvidosa, eu não digo como acesso à estrutura física

do Poder Judiciário, mas sim a garantia de que a prestação jurisdicional entregue

seja realmente sempre próximo à justiça.

A pressa é inimiga da perfeição, a imposição de uma

celeridade um tanto quanto relativa não pode servir de base para trazer prejuízos

irremediáveis para a parte.

Para se atingir a verdadeira justiça não se deve traçar

parâmetros como valor e medida, talvez alguns juristas defendam a idéia de que

como o processamento se trata de uma pequena causa, os caminhos para efetivar

se entregar a tutela jurisdicional pode ser suprimido, cerceando os meios para se

impugnar uma decisão judicial, que pode trazer prejuízos imensos para o patrimônio

de uma pessoa de parcos recursos, sem observar a aplicação da “justiça”.

O caminho pode ser curto, mas precisa oferecer justiça, a

dimensão valorativa não deve estar à frente dos princípios fundamentais do acesso

á justiça, do devido processo legal.

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A ausência de duplo grau de jurisdição, neste caso pode ser

visto como afronta ao devido processo legal, ao menos deve ser permitida a

impetração de Mandado de Segurança, a fim de que o prejuízo provocado por uma

decisão judicial equivocada não tenha proporções irremediáveis.

Desta forma, a primeira hipótese levantada, qual seja, a

irrecorribilidade das decisões interlocutórias no Juizado Especial Cível viola o

princípio constitucional de acesso à justiça restou confirmada, isto porque, conforme

se verificou com base no próprio princípio da legalidade, que o processo não

significa apenas a instrumentalização da concretização do direito material, mas um

método que propicia o bem comum, a justiça social, com fulcro no XXXV, do art. 5º

da Constituição Federal, “a lei não excluirá da apreciação do Poder Judiciário lesão

ou ameaça a direito”.

E ausência de uma forma de discutIr uma decisão que oferece

prejuízos às partes deve ser impugnável.

A segunda hipótese foi refutada, eis que o Supremo Tribunal

Federal reconheceu a Repercussão Geral da matéria e ao analisar o mérito

entendeu que não se admite Mandado de Segurança como uma forma de se

impugnar uma decisão interlocutória na esfera do Juizado Especial Cível.

Quanto à terceira hipótese, a mesma foi confirmada, pois

diante de um conflito de princípios, a justiça não deve ser afastada, deve se primar

pela qualidade das decisões apresentadas aos jurisdicionados, pois muitas vezes

uma justiça célere pode ser legal, mas não justa, desta forma a rapidez não deve

prevalecer sobre os direitos fundamentais dos litigantes.

O princípio constitucional do acesso à justiça não pode ser

violado em detrimento dos princípios da oralidade e celeridade previstos na Lei

9.099/95.

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