Introdução
Estimados docentes, alunos e amigos!
Recebi o convite de Dom Leomar Brustolin, Bispo Auxiliar de Porto
Alegre e Coordenador
da Pós-Graduação da PUCRS para apresentar neste Congresso de
Mariologia o tema A Virgem
Maria na Patrística. É uma bela oportunidade, poder testemunhar o
amor que tenho pela Virgem
Maria, amor recebido ainda na família e transmitido por minha mãe.
Sempre tive grande devoção
à Virgem Maria. Sua presença materna e espiritual é um farol que
ilumina minha vida de monja e
missionária além-fronteiras. “A nossa vocação é virginal e mariana.
Maria não teve de condenar o
mundo, este é que veio quebrar-se de encontro à mansidão. Assim
deve ser a alma contemplativa,
cuja missão não é julgar os homens, mas repousar em Deus.”1
Diante da grandeza e profundidade do tema que me foi confiado, de
sua importância que
tem para o estudo da teologia e a vida da Igreja, desde já sei que
não será possível expor toda a
riqueza que a Patrística oferece do ponto de vista literário,
teológico, dogmático, espiritual e
artístico. O pensamento dos Padres da Igreja é de uma
extraordinária riqueza! Suas obras
teológicas requerem muito mais tempo e me sinto pequena diante do
tamanho desafio. No
entanto, tentarei partilhar pinceladas do tão riquíssimo patrimônio
teológico e espiritual que a
Patrística oferece sobre a Virgem Maria.
O período patrístico inicia com a segunda metade do século I e se
estende até o século VI, no
Ocidente, com Isidoro de Sevilha (c. 570-636), e o século VIII, no
Oriente, com João Damasceno
(750). Os testemunhos, as cartas, os rituais, as doutrinas foram
elaboradas, constituindo o tesouro
da fé cristã.
Os primeiros escritos patrísticos são contemporâneos a uma parte
dos textos do Novo
Testamento. Eles mostram como a fé cristã foi plantada no coração
dos discípulos de Jesus e
transmitida aos seus seguidores que assumiram seu projeto,
difundiu-se até os confins do mundo.
No segundo período da Patrística o pensamento teológico sobre a
Virgem Maria encontra-
se relacionado com a elaboração dos dogmas cristológicos. Seus
protagonistas são Gregório de
Nissa, Gregório de Nazianzo, Basílio Magno, assim como: Ambrósio de
Milão, Agostinho de Hipona,
Cirilo de Jerusalém.
* Romena, monja eremita e iconógrafa. Possui Doutorado em Ciências
Eclesiásticas Orientais pelo Pontifício Instituto
Oriental de Roma. É professora na Faculdade de Teologia da
Arquidiocese de Brasília, no Instituto São Boaventura de Brasília e
Professora de Patrística no Instituto Redemptoris Mater. Contato:
[email protected].
1 UM CARTUXO. A Vida em Deus, p. 101.
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50 Congresso de Mariologia – PUCRS 2017
No terceiro período da Patrística, a mariologia alcança seu auge
com João Damasceno,
Andréa de Creta, Teodoro Estudita, Germano de Constantinopla e
Epifânio, o Monge. Este último,
inclusive escreveu um tratado intitulado A Vida de Maria. Todos
eles deram uma grande
contribuição à fundamentação dos quatro dogmas marianos.
1 Primeiro período da Patrística
1.1 Maria, Mãe de Jesus2
Na transição da tradição bíblica para a Patrística constata-se que
nem o Novo Testamento
nem os escritos dos Padres da Igreja oferecem uma mariologia
sistemática, mas apenas peças de
mosaico sobre pontos doutrinais individuais e sobre a figura de
Maria, que o Evangelista Lucas
delineara.
Nos primórdios do cristianismo, os testemunhos sobre a Virgem Maria
no Novo Testamento
e na literatura apócrifa, como também a preeminência cristológica
nas controvérsias teológicas
tornaram a figura de Maria um tema da Patrística. A posição dos
Padres da Igreja expressou-se,
sobretudo no âmbito de outros temas, a serviço seja do ensinamento
da fé (catequese), seja de sua
defesa (apologia) contra as várias heresias, principalmente contra
o judaísmo e a gnose.
1.2 O surgimento das heresias
No século II, Valentin é o primeiro a adaptar as suas doutrinas
tiradas da heresia gnóstica.
Ele afirmava que Cristo nasceu por meio de Maria e não de Maria. Na
verdade os judeus
inventaram que a mãe de Jesus foi expulsa pelo carpinteiro por ter
sido culpada de adultério com
o soldado chamado Pantera. A invenção desta lenda objetivou “negar
a conceição milagrosa pelo
Espírito Santo”3.
O primeiro livro do tratado de Ireneu de Lião, Contra as heresias
mostra o contexto histórico
e religioso marcado por muitas controvérsias e proliferação das
falsas doutrinas. Apesar de
extensa, a citação abaixo oferece uma ideia do desafio que os
Padres da Igreja enfrentaram na
elaboração da cristologia e da mariologia da época.
Há uma Díada inefável, um dos elementos chama-se Inexprimível, o
outro Silêncio. Esta Díada emitiu outra Díada, um elemento dela
chama-se Pai e o outro Verdade. Esta Tétrada frutificou o Logos e a
Vida, o Homem e a Igreja: eis então formada a primeira Ogdôada. Do
Logos e da Vida emanaram dez Potências: uma delas se afastou, foi
degradada e fez o restante da obra da fabricação. Valentin
estabelece depois dois Limites, entre o Pleroma e o Abismo que
separa os Éões gerados do Pai ingênito e o outro que divide a sua
Mãe do Pleroma. O Cristo não foi produzido pelos Éões que estão no
Pleroma, mas pela Mãe que estava fora dele e se lembrava das
realidades superiores, mas não sem alguma sombra. Sendo o Cristo
masculino, tirou de si mesmo esta sombra e voltou para o Pleroma. A
Mãe, então deixada na sombra e esvaziada da substância pneumática,
gerou outro filho, o Demiurgo, onipotente sobre todas as coisas
submetidas a ele. E diz, de forma semelhante àquela dos que nós
chamaremos gnósticos, que, junto com ele, foi também gerado
Arcontes da esquerda. Quanto a Jesus, ele o faz derivar ora do Éon
que se separou da Mãe e se reuniu com os outros, isto é, Desejado;
ora daquele que voltou ao Pleroma, isto é, Cristo; ora do Homem e
da Igreja. Diz que o Espírito Santo foi emitido pela Verdade
para
2 Por quanto segue, cf. SÖLL, G. I. Maria, p. 885-887. Para esta
informação, p. 885. 3 ORÍGENES. Contra Celso, p. 73.
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A Virgem Maria na Patrística 51
julgar e fecundar os Éões, entrando invisivelmente neles e por seu
meio os Éões produziram frutos de verdade. Isto é o que ensina
Valentim.4
Marcião mutilou o Evangelho de Lucas, eliminando tudo o que se
refere à geração do Senhor.
Também excluiu passagens dos escritos paulinos referentes às
profecias sobre a vinda de Jesus.
Segundo Marcião Jesus não teve alma humana nem um corpo terreno,
nem nasceu de Maria, a não
ser que repentinamente apareceu em Judéia com a idade de trinta
anos num corpo imaginário
(como uma fantasia). Sua doutrina elimina a matéria5.
Apeles6, discípulo de Marcião, aceita que Cristo teve carne
verdadeira, mas celestial, não de
Maria, e refuta simplesmente que a Sagrada Escritura chama Cristo
de “Filho do Homem”; teve
paixões humanas, emoções humanas; menor escândalo é seu nascimento
que sua morte.
As falsas doutrinas levaram a um gradual desenvolvimento da
mariologia. Sobretudo os
escritos dos Padres Orientais oferecem uma ampla reflexão sobre a
figura de Maria vista como
Nova Eva. É possível delinear a vida de Maria segundo três
momentos: antes da encarnação do
Verbo, a partir da anunciação até a vida pública de seu Filho Jesus
e durante o ministério público
de Jesus Cristo.
Hipólito de Tebas, escritor grego, que viveu no final do século VII
e inicio do século VIII,
apresenta uma cronologia exata sobre a vida de Maria, porém sem
indicar as fontes. Assim relata:
A Santa Theotokos viveu, de fato, entre os homens, cinquenta e nove
anos, que se dividem desta forma: quatorze anos no templo, na casa
de José quatro meses e no entanto foi evangelizada pelo anjo;
concebeu e deu a luz Nosso Senhor Jesus Cristo o dia 25 de
dezembro, tinha em torno de quinze anos; viveu trinta e três anos
após a Encarnação de Nosso Senhor, e após a Assunção de Nosso
Senhor viveu com os discípulos na casa de João o Evangelista
durante onze anos, total de anos de sua vida foram cinquenta e nove
anos7.
No pensamento dos Padres Orientais, as temáticas abordadas sobre a
figura da Virgem
Maria tratam: o paralelismo Eva-Maria, Maria é a nova Eva; a
virgindade perpétua de Maria; a
maternidade divina de Maria; a santidade de Nossa Senhora e a morte
e assunção de Maria.
Os escritos dos Padres Apostólicos e Apologistas, assim como os
escritos apócrifos, colocam
as bases do pensamento mariologico.
1.3 Inácio de Antioquia (†110)
No início do segundo século, a primeira testemunha da inserção da
doutrina mariológica no
patrimônio dogmático da Igreja é Inácio de Antioquia. Na sua viagem
para Roma, onde ia ser
martirizado, escreveu sete cartas nas quais mostra como o evento
salvífico de Cristo apoia-se na
real maternidade da Virgem Maria. A concepção virginal de Jesus,
seu nascimento real e sua morte
na cruz são três mistérios que se realizam no silêncio de
Deus8.
No confronto dialético do humano e do divino em Jesus Cristo,
Inácio preparou as
posteriores declarações do Concílio de Calcedônia (Aos Efésios
7,2), deu à virgindade de Maria, à
sua concepção e à morte do Senhor o nome de “três grandiosos
mistérios” (Aos Efésios 19,1).
4 IRENEU. Contra as Heresias, I, 11.1, p. 64-65. 5 Cf. IRENEU.
Contra as Heresias, I, 27,2, p. 109. 6 Cf. GIANOTTO, C. Apeles, p.
126. 7 EPIFANIO MONJE. Vida de María, p. 158. 8 Cf. INÁCIO DE
ANTIOQUIA. Aos Efésios 18-19. In: Padres Apostólicos, p. 88.
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52 Congresso de Mariologia – PUCRS 2017
Segundo Inácio, Cristo é da Estirpe de Davi e de Maria;
verdadeiramente nasceu, comeu e
bebeu; verdadeiramente foi crucificado e morreu. O evento salvífico
de Cristo apoia-se na real
maternidade de Maria. A concepção virginal de Jesus, seu nascimento
verdadeiro e a morte de
cruz são três mistérios que se realizaram no silêncio de
Deus9:
O nosso Deus, Jesus, Cristo, foi trazido no seio de Maria, segundo
o plano de Deus, nascido da descendência de David e do Espírito
Santo, Nasceu e foi Batizado para purificar a água pela sua paixão
(Aos Efésios, 18). E permaneceram ocultos ao príncipe desse mundo a
Virgindade de Maria e seu parto, bem como a morte do Senhor: três
mistérios de clamor, realizados no silêncio de Deus (Aos Efésios,
19).10
Para compreensão destes mistérios o cristão é desafiado entrar no
silêncio de Deus.
Os Padres da Igreja ensinam que se Jesus nasceu da Virgem Maria,
ninguém senão ela pode
gerar Jesus. Assim como no “sim” de Abraão foi selada a antiga
aliança, pelo “sim” de Maria Deus
instaurou uma nova aliança. Ambos acreditaram e geraram a vida.
Maria gerou Àquele que se
identificou com o “Caminho, a Verdade e a Vida”. Curioso é que
nunca foi negado a Nossa Senhora
a prerrogativa de Mãe de Deus, seus contemporâneos nunca negaram
que ela fosse a Mãe de Jesus
(cf. Mc 6,1-3). A crise partiu dos ebionitas11 e
docetistas12.
O docetismo afirmava que o Salvador não teve um verdadeiro corpo
humano, a menos que
passou através do corpo da Virgem sem ser formado de sua
substância. Há outra negação: os
gnósticos distinguiam entre Jesus nascido de Maria e Cristo descido
em Jesus no momento do
batismo; aqui se nega implicitamente que o filho de Maria foi
Deus.
A reação cristã dos primeiros três séculos foi categórica, mesmo
que não se trata de atribuir
o título de Mãe de Deus a Nossa Senhora, pois ainda não se tinha
certeza do título antes do século
IV. Contudo, os Padres Orientais se posicionaram com firmeza
afirmando que Jesus
verdadeiramente nasceu de Maria e Jesus, nascido de Maria, é
Deus.
Na sua Carta aos Tralianos, Inácio de Antioquia, refuta os hereges
afirmando que Jesus
Cristo é descendente de Davi e Filho de Maria; verdadeiramente
nasceu, comeu e bebeu13. Mas
ainda, Jesus Cristo “nascido de Maria é Deus”14. Como esta última
expressão induzia a imaginar
dois indivíduos em Cristo, um humano (nascido de Maria) e outro
divino (de Deus), Inácio afirma:
“O nosso Deus Jesus Cristo, segundo a economia de Deus, foi levado
no seio de Maria, da
descendência de Davi e do Espírito Santo. Ele nasceu e foi batizado
para purificar a água na sua
paixão”15.
Pápias, bispo de Hierápolis, (70 a 140 d. C.) teria sido discípulo
de João e contemporâneo de
Inácio de Antioquia16. Num trecho em que estabelece um paralelo
entre os sete dias da criação e
9 Cf. KRIEGER, M. Com Maria, a Mãe de Jesus, p. 73. 10 INÁCIO DE
ANTIOQUIA. In: Padres Apostólicos, p. 88. 11 Trata-se de um número
indefinido de seitas judeu-cristãs que acolheram Jesus como um
simples homem, viviam
segundo a lei judaica e rejeitaram os escritos de Paulo. Ireneu é o
primeiro a citá-los como um grupo herético. Cf. KLIJN, A. F. J.
Ebionitas, p. 437.
12 O docetismo professa o modo dualista, espiritualista de explicar
a encarnação e a paixão, excluindo tudo que parece indigno de Deus;
é uma tendência a subestimar a realidade histórica da obra de
Cristo. Despreza a verdadeira humanidade de Jesus, base da
salvação. Cf. STUDER, Basílio. Docetismo, p. 421.
13 Cf. INÁCIO DE ANTIOQUIA. Aos Efésios. In: Padres Apostólicos, p.
84. 14 Cf. INÁCIO DE ANTIOQUIA. Aos Efésios 7,2. In: Padres
Apostólicos, p. 84. 15 Cf. INÁCIO DE ANTIOQUIA. Aos Efésios 18,2.
In: Padres Apostólicos, p. 88. 16 Cf. Padres Apostólicos, p.
321.
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A Virgem Maria na Patrística 53
os sete dias da atividade redentora, afirma que o “anjo trouxe a
Maria a nova alegria num dia em
que o dragão seduziu a Eva”17. Essa afirmação foi desenvolvida
também por Justino e mais tarde
no Concílio de Éfeso. “É possível para ti alcançar a felicidade,
reconhecendo o Cristo de Deus e
iniciando-te em seus mistérios”18.
1.4 A Virgem Maria nos Padres Apologistas
O período pós-apostólico até o Concílio de Nicéia (325) é marcado
pela evolução do
pensamento mariológico. Maria concebeu a Deus! Esta é a verdade que
os Padres Apologistas
defenderão em contraposição ao paganismo, judaísmo e surgimento das
inúmeras heresias19.
Um precioso escrito da literatura apologética conhecido como Carta
a Diogneto mostra a
iniciativa divina na obra da salvação e a superioridade do
cristianismo em relação ao paganismo
e ao judaísmo.
Nenhum homem viu, nem conheceu, mas ele próprio se revelou a nós.
Revelou-se mediante a fé, unicamente pela qual é concedido ver a
Deus. [...] Quando, por meio de seu Filho amado, revelou e
manifestou o que tinha estabelecido desde o princípio, concedeu-
nos junto todas as coisas: não só participar dos seus benefícios,
mas ver e compreender coisa que nenhum de nós teria jamais
esperado20.
A dimensão do mistério na vida de Maria permeia toda a Patrística.
Percebe-se essa
realidade nos primeiros escritos da literatura cristã antiga, tanto
dos Padres Apostólicos como
dos Apologistas no século II.
Na sua Apologia segundo os fragmentos Gregos, Aristides defende a
verdadeira religião e a
fé dos cristãos em Cristo como Filho do Deus Altíssimo no Espírito
Santo que nasceu de uma
virgem santa, sem germe de corrupção e apareceu aos homens, para
afastá-los do erro do
politeísmo21.
No Discurso aos Gregos, Taciano, o Sírio, explica o mistério da
geração do Verbo por
participação: “Da mesma forma que de uma só tocha se acendem muitos
fogos, mas o fato de
acender não diminui a luz da primeira, assim também o Verbo,
procedendo da potência do Pai,
não deixou sem razão aquele que o havia gerado”22.
São Justino de Roma († 165) defendeu a concepção virginal de Jesus,
que, embora atestada
nos Evangelho, foi contestada pelos contemporâneos. Para Justino,
entre Eva e Maria há um
paralelo e um contraste: nos dois casos, uma mulher tomou uma
decisão que teve consequências
para toda a humanidade. Eva desconfiou de Deus e lhe desobedeceu,
enquanto Maria acreditou e
lhe obedeceu. O resultado foi, de um lado, o pecado e a morte; de
outro, a salvação e a vida (cf. PG
7, 958-960).
Deus se fez homem de Maria! Justino não mostra interesse em
ressaltar o papel redentor da
Virgem, seu pensamento centra-se sobre Cristo. “Jesus Cristo é
Filho e embaixador de Deus, e antes
17 BURGHARDT, J. W. Maria en el pensamento de los Padres Orientais,
p. 489. 18 JUSTINO. Diálogo com Trifão, n. 8, p. 123. 19 Cf. SÖLL,
G. I, Maria, p. 885. 20 Padres Apologistas, p. 51. 21 Cf. Padres
Apologistas, p. 51. 22 Padres Apologistas, p. 69-70.
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54 Congresso de Mariologia – PUCRS 2017
era Verbo, que apareceu algumas vezes em forma de fogo, outras em
imagem incorpórea e agora,
feito homem [...] nasceu de uma virgem por vontade do Pai”23.
Além de defender a virgindade de Maria antes do parto, Justino foi
o primeiro a introduzir
o paralelismo Eva-Maria:
De fato, quando ainda era virgem e incorrupta, Eva tendo concebido
a palavra que a serpente lhe disse, deu à luz a desobediência e a
morte. A virgem Maria, porém, concebeu fé e alegria, quando o anjo
Gabriel lhe deu a boa notícia de que o Espírito Santo viria sobre
ela e a força do Altíssimo a cobriria com sua sombra”24.
A intuição de Justino é mostrar que o caminho da redenção do ser
humano caminha em
paralelo com sua queda. Em ambos interveio uma virgem. Maria deu à
luz obediência e alegria.
“Foi demonstrado que tudo isso foi ordenado por causa da dureza de
vosso coração, do mesmo
modo, por vontade do Pai, tudo teria terminado em Cristo, Filho de
Deus, nascido da virgem da
descendência de Abraão, da tribo de Judá e de Davi.”25 Mais uma vez
aparece a dimensão do
mistério: Justino, evocando as profecias do Antigo Testamento,
deixa claro que a descendência de
Cristo não admite explicação humana.
“Quem cantará a sua geração? Porque a sua vida é tirada da terra.
Pelas iniquidades do meu povo ele foi conduzido à morte” (Is 53,8).
O Espírito profético disse isso por ser inexplicável a descendência
daquele que morreria para curar a todos nós, homens pecadores, com
as suas chagas. [...] Vede que a virgem conceberá e dará à luz um
filho, e ele será chamado com o nome de Emanuel (Is 7,10-16; 8,4;
7,16-17)26.
O Diálogo com Trifão representa a mais antiga controvérsia entre o
cristianismo e judaísmo.
Nele, Justino mostra o universalismo do cristianismo, suplantando o
judaísmo, realizando
plenamente as profecias do Antigo Testamento. Trata-se da
derrogação da lei antiga e o advento
da nova. Justino defende que no Antigo Testamento quem falou a
Moisés não foi o Pai, e sim Cristo,
Filho de Deus, o Verbo que “nasceu homem de uma virgem, conforme o
designo do Pai”27. Por fim,
o esforço de Justino é explicar que a encarnação só é compreendida
a partir das Escrituras28.
O paralelismo de Justino sobre Eva e Maria foi retomado e
desenvolvido por Ireneu de Lião
(†202) a partir do qual foi possível esclarecer tanto a dimensão
soteriologica quanto ética da
Virgem Maria.
1.5 A Virgem Maria no pensamento de Ireneu de Lião
Ireneu de Lião é considerado protagonista chave da mariologia. Seu
pensamento ressalta o
caráter soretiologico do consentimento de Maria no momento da
anunciação: o objetivo não foi
só a encarnação, e sim a encarnação manifestamente redentora. O
fato indica que a analogia Eva-
Maria, destinada a ser tema principal da mariologia bizantina na
época posterior, surgiu na Ásia
Menor, e o centro principal foi a comunidade cristã de Éfeso e
arredores. Sua teologia é fruto da
23 JUSTINO. Apologia I, n. 63, p. 123. 24 JUSTINO. Diálogo com
Trifão, n. 100, p. 265. 25 JUSTINO. I e II Apologias. Diálogo com
Trifão, n. 43, p. 172. 26 JUSTINO. I e II Apologias. Diálogo com
Trifão, n. 43, p. 172-173. 27 JUSTINO. I e II Apologias. Diálogo
com Trifão, p. 80. 28 JUSTINO. I e II Apologias. Diálogo com
Trifão, n. 68, p. 216-218.
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A Virgem Maria na Patrística 55
intimidade com a Palavra de Deus, donde tira profunda compreensão
do mistério da redenção. As
temáticas centrais de sua teologia são:
1. Recapitulação (Adv. Haer. II, 22,4),
2. Maria como Advocata Evae (Adv. Haer. V, 19,1)
3. Maria Causa salutis (Adv. Haer. III, 22,4)
4. Introduziu o uso dos outros nomes (epitheta ornantia) que
confluirão mais tarde nas ladainhas.
5. Abriu a via da inserção de Maria no Símbolo (Adv. Haer. I,
10,1).
Entre Eva e Maria há um paralelo e um contraste com profundas
consequências para
humanidade. Eva desconfiou de Deus e lhe desobedeceu, enquanto
Maria acreditou e lhe
obedeceu. Eva trouxe o pecado e a morte, Maria tornou-se causa de
salvação e vida (cf. PG 7, 958-
960)29.
O título “Mãe de Deus” ainda não aparece no pensamento de Ireneu.
No entanto, existem aí
os dois componentes deste conceito: o reconhecimento da
preexistente divindade de Cristo e a
realidade de seu nascimento terreno. Assim ele ressalta a vitória
de Cristo e a economia da Virgem
Maria.
Quando o Senhor veio de modo visível ao que era seu, levado pela
própria criação que ele sustenta, tomou sobre si, por sua
obediência, no lenho da cruz, a desobediência cometida por meio do
lenho. A sedução de que foi vítima, miseravelmente, a virgem Eva
destinada a varão, foi desfeita pela boa-nova da verdade,
maravilhosamente anunciada pelo anjo à Virgem Maria, já desposada a
varão. Assim como Eva foi seduzida pela fala de anjo e afastou-se
de Deus, transgredindo a sua palavra, Maria recebeu a boa-nova pela
boca de anjo e trouxe Deus em seu seio, obedecendo à sua palavra.
Uma deixou-se seduzir de modo a desobedecer a Deus, a outra
deixou-se persuadir a obedecer a Deus, para que, da virgem Eva, a
Virgem Maria se tornasse advogada. O gênero humano que fora
submetido à morte por uma virgem, foi libertado dela por uma
virgem; a desobediência de uma virgem foi contrabalançada pela
obediência de uma virgem; mais, o pecado do primeiro homem foi
curado pela correção de conduta do Primogênito e a prudência da
serpente foi vencida pela simplicidade da pomba: por tudo isso
foram rompidos os vínculos que nos sujeitavam à morte30.
Na teologia de Ireneu, Maria, como segunda Eva tem uma função
determinada dentro do
plano de Deus para a redenção do homem. A cooperação da primeira
Eva trouxe a morte espiritual
do homem, a cooperação de Maria com Deus repercutiu na obra da
redenção e no retorno do
homem à vida. Sua cooperação implica uma atividade de ordem moral:
deu ao anjo Gabriel e a
Deus seu livre consentimento determinante para a
soteriologia.
Consequência da última transgressão do mandamento de Deus (Gn 2,17)
foi a morte – moris
carne – da qual o Criador havia gratuitamente isentado o homem.
Consequência da vitória do
inimigo foi a escravidão de Adão e de sua estirpe sob o poder do
diabo.
Mais do que a relação da criatura para com seu Criador, Ireneu, no
delito de Adão, sublinha a vitória do inimigo: diretamente sobre a
obra predileta de Deus e indiretamente sobre o próprio Criador.
Este não se contenta com apenas reabilitar o homem só diante de
Deus; intenta reabilitá-lo também com uma vitória justa e
definitiva sobre o inimigo31.
29 Cf. IRENEU, Contra as Heresias. III, 19,3, p. 338. 30 IRENEU,
Contra as Heresias. V, 19,1, p. 569. 31 ORBE, A. Ireneu, p.
716-720. Para esta informação, p. 719.
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56 Congresso de Mariologia – PUCRS 2017
Ireneu, ao falar da gnose verdadeira e gnose falsa, destaca o
perfil do verdadeiro discípulo
espiritual que saberá discernir as heresias e as falsas opiniões
gnósticas, sobretudo os ebionitas.
Adiantando-se com oportuna prudência, pôs como eixo a palavra
“fides” para o paralelismo Maria
– Igreja: “Mas como [os homens] irão abandonar o nascimento de
morte, se, por meio da fé, não
forem regenerados por um novo nascimento, dado inopinadamente por
Deus, como sinal de
salvação, aquele que se realizou pela Virgem?”32.
Como podem os homens se salvarem, se Deus não é quem opera a
salvação na terra? Ou como o homem irá a Deus, se Deus não veio ao
homem? Como poderão eles abandonar a geração da morte, se não for
por novo nascimento dado por Deus de maneira inesperada e
maravilhosa em sinal de salvação, aquele que aconteceu no seio da
Virgem, e serem regenerados pela fé? [...] Por isso, no fim, o
próprio Filho de Deus mostrou esta semelhança, fazendo-se homem
assumindo em si a antiga criatura33.
Ireneu cita o cumprimento das profecias a respeito do nascimento de
Cristo como mistério
inefável, tendo uma origem inexprimível a linguagem humana: “o puro
que abre de modo puro o
seio puro que regenera os homens em Deus, que ele fez puro; e
tendo-se feito aquilo mesmo que
nós somos, é o Deus forte e possui origem inexprimível”34. Sua
afirmação de que Cristo veio à luz
“purus purê puram aperiens vulvam” (IV, 33,11) não evoca o sentido
da virginitas in partu e post
partum.
Em 333, o persa Afraates, lembrou por sua vez que por meio de uma
mulher, o demônio teve
acesso sobre os homens. Por causa de Eva a terra foi amaldiçoada e
produziu espinhos, mas “pela
vinda do Filho de Maria, os espinhos foram arrancados, a maldição
foi pregada na cruz, a ponta da
espada foi atirada na arvore da vida, (a qual) deu-se como alimento
aos fieis”35.
2 Segundo período da Patrística
Com o Edito de Milão (313) o cristianismo recebeu liberdade de
culto sob o imperador
Constantino. Ao cessar as perseguições externas, a Igreja
deparou-se com dificuldades internas
surgidas pelas heresias (arianismo, nestorianismo, pneumatomacos,
monofisimo etc.), o que
resultou num enorme progresso na elaboração doutrinária da fé. Este
período da Patrística é
considerado época de ouro. Nos Concílios Ecumênicos de Nicéia
(325), Constantinopla I (381),
Éfeso (431) e Calcedônia (451) os debates teológicos tiveram como
centro de suas discussões a
pessoa divina e humana de Jesus Cristo, a divindade do Espírito
Santo e a pessoa da Virgem Maria,
como Mãe de Jesus Cristo e Mãe de Deus.
No campo da mariologia, a Igreja assistiu à definitiva afirmação
dos dois mais antigos
dogmas marianos: maternidade divina e virgindade perpétua de Maria.
O título Theotókos surge
no ambiente alexandrino, com o bispo Alexandre de Alexandria e
Atanásio, relacionado com a
elaboração dos dogmas cristológicos.
32 IRENEU, Contra as Heresias, IV, 33,4. 33 IRENEU, Contra as
Heresias. IV, 33,4, p. 473-474. 34 IRENEU, Contra as Heresias. IV,
33,11, p. 477-478. 35 AFRAATES. Demonstratio 6. In: Patrologia
syriaca, p. 1.a. t. 1. col. 265.
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teologia 21 a 23 de agosto de 2017 ISBN: 978-85-397-1075-1
A Virgem Maria na Patrística 57
Os primeiros cristãos tinham um conceito de dogma diferente do que
existe hoje, como se o
dogma negasse a liberdade, algo irracional. Outros relacionam o
conceito de dogma a uma
mensagem da salvação aprisionada em conceito da razão.
A origem etimológica do “dogma” vem do grego édoksen, e significa
uma obediência de fé,
isto é, uma abertura a Deus, um momento de encontro de Deus com o
homem e do homem com
Deus. O dogma é fruto de uma experiência de fé com clara referência
ao mistério. Portanto, o
dogma é uma proclamação da ação salvadora de Deus na história em
favor dos homens. É um sinal
que indica o que se conseguiu conhecer com certeza e não um
obstáculo na vivência da fé.
2.1 Dogma na Patrística36
O uso patrístico do termo dogma reflete o uso do helenismo
clássico. Neste, a ideia
fundamental é: “aquilo que parece (δοκει) ser justo”. Aplica-se,
por um lado, em sentido mais
teórico: opinião, doutrina, princípio filosófico e, por outro, em
sentido prático: decisão tomada e
promulgada por uma autoridade (nunca religiosa), isto é, edito,
decreto.
Por influência das heresias, os Padres Apologistas descobriram no
cristianismo a verdadeira
filosofia retomando o segundo significado de dogma relacionado ao
conceito de heresia (hairesis),
distinguindo o dogma ou os dogmas dos filósofos, dos dogmas dos
hereges e dos cristãos37.
É notável como Cirilo de Jerusalém e Gregório de Nissa opõem a
fidelidade ao dogma
(doutrina, ensinamento) à conduta moral boa. Basílio Magno (†369)
distingue a ideia de dogma
ou doutrina a se considerar ainda secreta, e kerygma, ensino
público38.
Para a compreensão dos dogmas é necessário considerar a pregação,
os textos litúrgicos, os
testemunhos da devoção cristã, a hagiografia e a arte cristã. Essas
fontes refletem a consciência
da fé que se encontra na base das confissões, dos decretos e dos
cânones sinodais. Assim, percebe-
se que a reflexão teológica dos Padres da Igreja contribuiu para
elaboração de quatro dogmas
sobre a Virgem Maria: Virgindade perpétua, Maternidade divina,
Imaculada Conceição e Assunção
de Maria. Dentre eles, Atanásio, Basílio Magno, Gregório de
Nazianzo e Gregório de Nissa
defenderam a virgindade e a maternidade divina de Maria.
2.2 Maternidade divina de Maria
A reflexão patrística que fundamenta o dogma da maternidade divina
ensina que Maria é a
Mãe de Deus, pois Jesus Cristo, seu Filho, é filho de Deus e Deus
ele mesmo. Deus nesta expressão
designa unicamente a pessoa do Filho. Naturalmente, Maria não é a
mãe da divindade de Jesus.
Desde a Encarnação, contudo, não se pode separar nele a divindade
da humanidade (cf. Gl 4,4; Mc
6,3; Mt 1,18.25; 13,55; Jo 6,42; Lc 1,35.39-44,56).
O nestorianismo, que negava a maternidade divina de Maria,
encontrou um feroz adversário
em Cirilo de Jerusalém, o qual conjurou a Nestório a aceitar o
título de Theotokos39. O dogma da
maternidade divina de Maria foi proclamado no Concílio de Éfeso
(431): Maria é a Theotókos
36 Cf. STUDER, B. Dogma, p. 421-423. Para esta informação p. 422.
37 Cf. ORÍGENES. Contra Celso, 3.39, p. 238-239. 38 Cf. BASÍLIO
MAGNO. Sobre o Espírito Santo, 27.66, p. 168. 39 Cf. DROBNER, R. H.
Manual de Patrologia, p. 451.
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58 Congresso de Mariologia – PUCRS 2017
(θεοτοκος), a Mãe de Deus. Deus, na pessoa de Jesus, entrou no
mundo e na história da
humanidade.
Maria é vista sempre em relação com seu Filho Jesus Cristo. Entre
os protagonistas do
segundo período da Patrística que merecem atenção estão os Padres
Capadócios: Gregório de
Nissa, Gregório de Nazianzo, Basílio Magno, assim como Epifânio,
Bispo de Salamina (†402),
Ambrósio de Milão e Agostinho de Hipona. Seus tratados enraízam o
conceito de “Mãe de Deus”
(Theotokos) na consciência cristã40. A mariologia alcançará seu
ápice com João Damasceno,
Andréa de Creta, Teodoro Estudita, Germano de Constantinopla e
Epifânio, o Monge. Este último
escreveu, inclusive, um tratado intitulado A Vida de Maria.
Todos eles deram uma grande contribuição à fundamentação dos quatro
dogmas marianos:
Maternidade divina de Maria (Concílio de Éfeso, em 431); a
Virgindade perpetua de Maria,
(Concílio de Calcedônia, em 451 e de Constantinopla II, em 533);
Imaculada Conceição, “a santa e
sempre virgem e imaculada Maria” (Concílio Lateranense, em 649), e
o dogma da Assunção de
Maria, declarada por Pio XII. Este último cita João Damasceno como
pregoeiro da Tradição:
“Convinha que morasse no tálamo celestial aquela que o Eterno Pai
desposara (Munificentíssimus
Deus, 21)41.
2.3 Reflexões marianas
Ambrósio de Milão († 397) apresentou Maria como modelo das jovens
que consagram sua
virgindade a Deus42. “A vida de Maria representa para vós a imagem
da virgindade: nela refulge
como num espelho a beleza da castidade e o modelo das
virtudes”43.
O monge Efrém Sírio (306-373) contemplou Maria com um olhar
penetrante e compôs
poemas a serem cantadas pelas crianças. “Tua Mãe, Senhor, ninguém
sabe como chamá-la. Vamos
chamá-la de Virgem? Mas eis o seu Filho! Esposa? Mas nenhum homem a
conheceu! Se é difícil
descrever tua mãe, quanto não será difícil, então, te
descrever?”44
São Gregório de Nissa († 394) ressaltou a resposta de Maria ao anjo
como expressão do voto
de virgindade que teria feito.
Alegra-te, tu que tens o favor de Deus, o Senhor está contigo. De
ti nasceu aquele que é perfeito em dignidade, e no qual reside a
plenitude da divindade. Alegra-te, tu que tens o favor de Deus, o
Senhor está contigo. Com a serva (Lc 1,38), o rei; com a Imaculada,
aquele que santifica o universo; com a bela, o mais belo dos filhos
dos homens, para salvar o homem feito à sua imagem45.
Epifânio (365/403), intransigente no que diz respeito aos
fundamentos da fé, viu a Virgem
Maria significada em Eva: “Nossa Senhora é mãe dos viventes” no
mais profundo sentido da
palavra, porque, “obedecendo à graça, deu a luz ao que vive, a Vida
mesma, o Cordeiro, de cuja
40 Cf. SÖLL, G. I, Maria, p. 885-887. Para esta informação p.
885-886. 41 JOÃO DAMASCENO, Panerigico II, 14, p. 171. 42 AMBRÓSIO.
De Virginitatibus 2,2,7. 43 Liber de Institutione Virginis 7,49, PL
16, col. 333. 44 1a Estrofe do “Hino sobre o Nascimento”. In:
Corpus Scriptorum Christianorum Orientalium, 186, Syr. 82, p.
69-70. 45 GREGÓRIO DE NISSA. Homilia. PG 46,1136.
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A Virgem Maria na Patrística 59
glória, como de um véu, nos foi feito uma veste de imortalidade.
Eva foi a causa da morte para os
homens (πρφασις), porque por ela ‘a morte veio ao mundo’ (Rm 5,12);
porém Maria foi causa
(πρφασις) de vida: por ela, a Vida nos gerou”46. Epifânio
acrescentou aos títulos Theotókos e
Sempre Virgem, o de “Mãe dos Viventes”, em oposição ao papel
desempenhado por Eva.
2.4 Maria no pensamento de Agostinho
No seu tratado Dos bens do matrimônio, A santa virgindade, Dos bens
da viuvez,47 Agostinho
ressalta a virgindade e a fecundidade de Maria em relação a Cristo
e a Igreja. Jesus Cristo e a
Virgem Maria são modelos de virgindade fecunda. Cristo é o esposo
da Igreja, virgem e mãe. Aí
está a finalidade do seu tratado. Agostinho suplica ajuda ao
próprio Cristo, filho da Virgem e
esposo das virgens, nascido corporalmente de seio virginal, e
esposo espiritual das virgens.
Ora, já que a Igreja universal é uma virgem desposada a um único
esposo, que é Cristo, como diz o Apóstolo (2Cor 11,2), quão dignos
de honra não hão de ser aqueles seus membros que guardam, em sua
carne, o que toda a Igreja guarda na fé? Ela, que toma como modelo
a mãe de seu esposo e Senhor. Pois a Igreja também é mãe e virgem.
Se a Igreja não fosse virgem, por que haveríamos de zelar por sua
integridade? E se ela não fosse mãe, de quem seriam filhos aqueles
a quem dirigimos a palavras? Maria deu à luz corporalmente a Cabeça
desse corpo. A Igreja dá à luz espiritualmente os membros dessa
Cabeça. Nem em Maria nem na Igreja a virgindade impediu a
fecundidade. E nem em uma nem em outra a fecundidade destruiu a
virgindade. Portanto, se a Igreja universal é santa de corpo e
espírito, sem contudo ser virgem universalmente pelo corpo, mas só
pelo espírito, quanto mais excelente deve ser a santidade naqueles
membros em que ela é virgem, e pelo corpo e pelo espírito48.
Agostinho denomina a Igreja “virgem” com tal insistência que supõe
uma doutrina firme e
sólida. Porém, é necessário compreender o contexto, pois refere-se
ao conceito de Igreja como
“Corpo Místico”, isto é, à humanidade santificada por Cristo,
vivendo de sua graça, fazendo um só
com ele. A Igreja é a verdadeira Cidade de Deus, toda animada pelo
Espírito de Deus. Mas a Igreja
é também a Esposa de Cristo (cf. Paulo). É justamente por esse
último título que a Igreja é chamada
virgem. Com frequência ele a compara a Igreja com Maria, tanto mais
que também é Mãe, como
Maria, nossa Mãe pelo espírito.
Diz Agostinho no Enchiridion (X,35): “A Igreja, imitando a mãe de
Jesus, cada dia dá à luz
novos membros, e permanece sempre virgem”. Essa virgindade da
Igreja consiste na perfeita
integridade da fé, da esperança e da caridade49.
“Quem é minha mãe e quem são meus irmãos? E, apontando para os
discípulos com a mão,
disse: “Aqui estão a minha mãe e os meus irmãos...” (Mt 12,46-50).
Segundo Agostinho, o
ensinamento de Jesus é um convite a antepor o parentesco espiritual
ao parentesco carnal. Os
bem-aventurados são os que seguem a doutrina e os exemplos
dele50.
46 EPIFÂNIO. Panarion 78, 18. 47 AGOSTINHO. Dos bens do matrimônio.
A Santa Virgindade. Dos bens da viuvez, p. 101. 48 AGOSTINHO. Dos
bens do matrimônio. A Santa Virgindade. Dos bens da viuvez, n. 2,
p. 102. 49 Cf. J. SAINT-MARTIN, A.A., Nota complementar n. 11, De
sancta virginitate, t. III, p. 523. 50 Cf. AGOSTINHO. Dos bens do
matrimônio. A Santa Virgindade. Dos bens da viuvez, n. 3, p.
102.
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60 Congresso de Mariologia – PUCRS 2017
Assim, Maria tornou-se mais feliz recebendo a fé de Cristo do que
concebendo a carne de Cristo. [...] Tampouco de nada houvera
aproveitado o liame materno de Maria, se ela não tivesse sido mais
feliz por ter trazido Cristo em seu coração do que em sua
carne51.
A virgindade de Maria, segundo Agostinho, já tinha sido consagrada
a Deus antes da
anunciação do anjo.
O que tornou a virgindade de Maria tão santa e agradável a Deus não
foi porque a concepção de Cristo a preservou, impedindo que sua
virgindade fosse violada por um esposo, mas porque antes mesmo de
conceber ela já a tinha dedicado a Deus e merecido, assim, ser
escolhida para trazer Cristo ao mundo. É o que indicam as palavras
de Maria em resposta ao anjo que lhe anunciava a maternidade: “Como
é que vai ser isso, se eu não conheço homem algum?” (Lc
1,34)52.
Agostinho explica que Maria não teria falado assim, se não houvesse
consagrado
anteriormente sua virgindade a Deus. A virgindade e a maternidade
divina de Maria serviriam de
inspiração para a vida consagrada na Igreja.
Mas por estar destinada a servir de modelo às futuras virgens
consagradas, era preciso não deixar parecer que unicamente ela
deveria ser virgem, ela que merecera conceber fora do leito
nupcial. Assim, consagrou sua virgindade a Deus, enquanto ainda
ignorava de quem havia sido chamada a ser mãe53.
Desse modo, Maria ensinava às outras a possibilidade de imitar a
vida angélica (do céu) num
corpo terrestre e mortal, em virtude de um voto e não de um
preceito, e realizando-o por opção
toda de amor, não por necessidade de obedecer54. A fecundidade
espiritual de Maria e de suas
imitadoras como adesão à vontade divina. “Pois elas também, unidas
a Maria, são mães de Cristo,
se fizerem a vontade do Pai”55.
Hoje, o pensamento de Agostinho sobre a paternidade e a maternidade
espiritual é de
grande atualidade para a vida da Igreja. “Sua mãe é a Igreja
inteira, pois, pela garça de Deus, ela
dá à luz os seus membros que são os fiéis”56. A mãe de Cristo é
também “toda alma piedosa que
cumpre a vontade de seu Pai e cuja fecunda caridade manifesta-se
naqueles que ela gera para ele,
até que o próprio Cristo seja formado neles” (Gl 4,19)57. Ao fazer
a vontade de Deus, Maria
corporalmente só é a mãe de Cristo, mas espiritualmente é também
sua mãe e irmã.
Como é que vai ser isso, se eu não conheço homem algum? (Lc 1,34).
Como o celibato em si
não era uma praxe entre os antigos, nem entre os judeus, o voto de
virgindade do qual fala
Agostinho foi uma novidade. Por isso, Maria foi confiada em
casamento a “um varão justo, seu
guardião”58.
Mais tarde, Epifânio o Monge, no seu tratado sobre a Vida de Maria,
vai mostrar que José e
Maria (Theotokos) eram filhos de dois irmãos59. Anna Catarina
Emmerich, uma mística
51 AGOSTINHO. Dos bens do matrimônio. A Santa Virgindade. Dos bens
da viuvez, n. 3, p. 103. 52 AGOSTINHO. Dos bens do matrimônio. A
Santa Virgindade. Dos bens da viuvez, n. 4, p. 103. 53 AGOSTINHO.
Dos bens do matrimônio. A Santa Virgindade. Dos bens da viuvez, n.
4, p. 104. 54 Cf. AGOSTINHO. Dos bens do matrimônio. A Santa
Virgindade. Dos bens da viuvez, n. 4, p. 104. 55 AGOSTINHO. Dos
bens do matrimônio. A Santa Virgindade. Dos bens da viuvez, n. 5,
p. 105. 56 AGOSTINHO. Dos bens do matrimônio. A Santa Virgindade.
Dos bens da viuvez, n. 5, p. 105. 57 AGOSTINHO. Dos bens do
matrimônio. A Santa Virgindade. Dos bens da viuvez, n. 5, p. 105.
58 AGOSTINHO. Dos bens do matrimônio. A Santa Virgindade. Dos bens
da viuvez, n. 4, p. 103-104. 59 “Da estirpe de Natã, filho de Davi,
procede Levi, que foi pai de Melqui e de Panter. Melqui casou e
morreu sem filhos.
[...] Joaquim e Eli, por parte de pai Panter, eram irmãos e Eli e
Jacó o eram por parte de seu pai Mathan. Joaquim foi o pai da
Theotokos e Eli o foi, segundo a lei, de José, de maneira que José
e Maria eram filhos respectivamente de dois
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A Virgem Maria na Patrística 61
agostiniana, fala dos antepassados de Nossa Senhora que tiveram
relação com uma organização
religiosa dos Essênios liderada pelo Arkos60, profeta do Monte
Horeb e guia espiritual dos
Essênios por 90 anos. Numa das visões relata como a avó de Santa
Anna consultou o ancião sobre
seu próprio casamento.
É notável que era sempre sobre as meninas que estes profetas faziam
previsões e que os antepassados de Anna, bem como ela própria,
tinham filhas em sua maioria. Era como se o objeto de toda sua
devoção e orações fosse obter de Deus uma bênção de mães piedosas
de cujos descendentes a Bem-aventurada Virgem, a Mãe do Salvador,
pudesse surgir, tanto quanto as famílias de Seu precursor e Seus
servos e discípulos61.
O lugar onde o líder dos Essênios orava e profetizava no Monte
Horeb era a caverna em que
o profeta Elias havia morado. Ali a avó de Santa Anna buscava
conselhos do profeta Arcos.
Agostinho ressalta a excepcional dignidade da Virgem Maria, a única
a ser ao mesmo tempo
virgem e mãe, não somente pelo espírito, mas também pelo corpo.
Jesus não nasceu de relações
matrimoniais normais, mas de uma concepção operada pelo Espírito
Santo no seio da Virgem
Maria (cf. Mt 1,18-25; Lc 1,16-38).
O Protoevangelho de Tiago conta como José levou Maria para uma
caverna no momento do
nascimento de Jesus e, deixando seus filhos com ela (pois era
viúvo), foi buscar uma parteira na
região de Belém. O texto relata fenômenos extraordinários que
encontra no caminho.
É Maria, a que se criou no templo do Senhor, e ainda que me tivesse
sido dada por mulher, não é, pois concebeu por virtude do Espírito
Santo. E interrogou-lhe a parteira: “Isso é verdade?” José
respondeu: “Vem e verás”. Então a parteira se pôs a caminho junto
com ele. Ao chegar à gruta, pararam, e eis que estava sombreada por
uma nuvem luminosa. E exclamou a parteira: “Minha alma foi
engrandecida, porque meus olhos viram coisas incríveis, pois que
nasceu a salvação para Israel”62.
Ao sair a parteira da gruta, veio ao seu encontro Salomé, a qual
não acreditou e, exigindo
tocar com os dedos e examinar a natureza, foi punida pela sua
incredulidade, tendo a mão
carbonizada. Em seguida, orientada pelo anjo a aproximar a mão do
menino, sentiu-se curada e
exclamou: “Adorar-te-ei, porque nascente para ser o grande Rei de
Israel”63.
O dogma da Virgindade perpetua de Maria é citada em diversos
concílios: Calcedônia (451):
“Jesus é nascido da Virgem Maria”; Constantinopla II (553):
“encarnou-se da gloriosa Theotókos e
sempre Virgem Maria”; Lateranense (649): “a santa e sempre virgem e
imaculada Maria”.
No pensamento de Agostinho está delineada a grandeza de Maria, mas
também da alma fiel
a Deus tanto na vida consagrada como matrimonial.
Maria é a mãe conforme o espírito, não de quem é nossa Cabeça, isto
é, do Salvador do qual ela nasceu espiritualmente. Pois todos os
que creram – e nesse número ela mesma se encontra – são chamados
com razão “filhos do esposo” (Mt 9,15). Mas ela é certamente a mãe
de seus membros – que somos nós – porque cooperou com sua caridade
para que
irmãos. José, era de profissão carpinteiro e por parte de Jacó teve
como irmão de sangue Cléofas, que também se chama Cleopa”.
60 Cf. EMMERICH, A. C. Santíssima Virgem Maria, p. 17-28. 61
EMMERICH, A. C. Santíssima Virgem Maria, p. 26. 62 TRICCA, M. H. O.
(Org.). Apócrifos, p. 118-119. 63 TRICCA, M. H. O. (Org.).
Apócrifos, p. 120.
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62 Congresso de Mariologia – PUCRS 2017
nascessem os fiéis na Igreja, os membros desta divina Cabeça, da
qual ela mesma é verdadeira mãe conforme a carne64.
Para Agostinho, Maria é a Mãe de Cristo, e a Igreja é a mãe dos
membros de Cristo. Se Cristo
é a Cabeça do seu corpo, Maria é o membro mais santo, mais eminente
deste (cf. PL 46, 938). Maria
concebeu o Filho de Deus, a Palavra de Deus, mas o “concebeu antes
de tudo no seu espírito e só
depois em seu ventre” (PL 38,1074). Esse pensamento de Agostinho
influenciará toda a tradição
posterior. “Sua concepção te doou o dom da fecundidade e seu
nascimento não tirou de ti a honra
da virgindade”65.
Cristologia, eclesiologia, mariologia e antropologia aparecem, na
visão de Agostinho,
intimamente interlaçadas. A vinda de Cristo da Virgem Maria é o
reflexo do nascimento espiritual
de seus membros de uma outra virgem, isto é, a Igreja. Somente
Maria é mãe e virgem, o espírito
e no corpo. É Mãe de Cristo e também Virgem de Cristo66.
2.5 Santidade de Maria
Após a morte de Agostinho (430), o pensamento patrístico direciona
sua atenção sobre a
santidade de Nossa Senhora. Alguns fatos antes do Concílio de
Nicéia indicam a sensibilidade do
Oriente Cristão sobre o tema que viu Nossa Senhora como causa de
salvação. Seu consentimento
na encarnação redentora não foi simplesmente um fato singular tanto
que remediou a desgraça
cometida por Eva; seu consentimento foi um ato de excepcional
grandeza. Em diversos exemplos
se prega a santidade de Maria sem especificar a natureza íntima
desta santidade.
Há um testemunho que parece sugerir que mais uma vez a piedade
popular antecipou-se à
ciência teológica. O Protoevangelho de Tiago (150-180)67 é
testemunha. Maria é descrita como
fruto de justiça. O tema da pureza virginal aparece com frequência
no Protoevangelho de Tiago. O
Protoevangelho sugere a concepção virginal de Maria e, por isso,
imaculada. Joaquim se tinha
retirado para o deserto para chorar a esterilidade de Anna, chora e
reza. “Não sairei daqui (para
minha casa), nem sequer para comer ou beber, até que não me visite
o Senhor meu Deus; que
minhas preces me sirvam de comida e de bebida”68.
Após prolongada ausência, Joaquim primeiro recebe a saudação de um
anjo e, em seguida,
de Anna com o anúncio da concepção.
“Ana, Ana, o Senhor escutou teus rogos: conceberás e darás à luz e
de tua prole se falará em todo o mundo”. Ana respondeu: “Viva o
Senhor meu Deus, que, se chegar a ter algum fruto de bênção, seja
menino ou menina, levá-lo-ei como oferenda ao Senhor, e estará a
seu serviço todos os dias de sua vida”69.
Nesse ponto, os estudiosos encontram certa dificuldade textual e
gramatical. Há escritores
que sustentam que o anjo disse: “Tua mulher concebeu”. Alguns
interpretam o tempo perfeito
como relativamente antigo e que era muito difundido na época.
Outros acham que o tempo
64 AGOSTINHO. Dos bens do matrimônio. A Santa Virgindade. Dos bens
da viuvez, n. 6, p. 106. 65 AGOSTINHO. Sermões 369, PL 39, col.
1655. 66 Cf. AGOSTINHO. Dos bens do matrimônio. A Santa Virgindade.
Dos bens da viuvez, n. 6, p. 106. 67 TRICCA, M. H. O. (Org.).
Apócrifos, p. 105-123. 68 TRICCA, M. H. O. (Org.). Apócrifos, p.
106. 69 TRICCA, M. H. O. (Org.). Apócrifos, 106.
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A Virgem Maria na Patrística 63
perfeito não queira dizer uma “concepção virginal”. Por outra
parte, a separação de Joaquim e Ana
não devia ser mais de quarenta dias.
A interpretação de Epifânio não é totalmente inaceitável:
utilizando o tempo perfeito, o anjo
predisse o iria acontecer para evitar qualquer incerteza. Embora
alguns cristãos interpretaram o
tempo perfeito e concluíram que se trata de uma concepção virginal,
Epifânio indica que esta
teoria não representa o pensamento da Igreja.
Merece atenção a descrição do encontro de Joaquim e Ana à porta:
“Ao vê-lo chegar, pôs-se
a correr e atirou-se ao seu pescoço dizendo: ‘Agora vejo que Deus
me bendisse copiosamente, pois,
sendo viúva, deixo de sê-lo e, sendo estéril, vou conceber em meu
ventre’. E Joaquim repousou
naquele primeiro dia em sua casa”70. Contudo, a concepção de Maria
é constatada como milagrosa.
Pouco mais à frente, após o nascimento de Maria, o Protoevangelho
colocou na boca de Ana
um cântico. “Entoarei um cântico ao Senhor meu Deus, porque me
visitaste, afastaste de mim o
opróbrio de meus inimigos e me deste um fruto santo”71. O fruto é
Maria, ela é digna da santidade
de Deus.
Os escritores alexandrinos fazem alusão à santidade de Maria.
Clemente de Alexandria
compara a Igreja com a Nossa Senhora. As duas são virgens e,
portanto, incorruptas; as duas são
mães e, portanto, amantíssimas72. Orígenes explica algo mais:
argumenta que antes da anunciação
Maria era santa e meditava diariamente a Sagrada Escritura73.
Significativa é a viagem de Nossa Senhora “apressadamente a um
lugar montanhoso”. Indica
uma etapa muito significativa nos seus esforços para alcançar as
alturas da perfeição74. A visitação
foi manancial de notável progresso para Isabel e João Batista, “a
causa da presença da Mãe do
Senhor e da presença do próprio Salvador”. Pode Maria cantar o
Magnificat. “Minha alma glorifica
o Senhor”, não porque o Senhor era capaz de crescer, mas porque a
semelhança de sua alma com
o Senhor aumenta.
Portanto, percebe-se que a vida espiritual é crescimento na imagem
e semelhança com Deus.
Aqui entra toda a teologia da divinização do ser humano que os
Padres gregos elaboraram. A
humildade de sua serva é interpretada por Orígenes como retidão,
moderação, valor e sabedoria.
Enfim, o retrato de Maria no pensamento de Orígenes corresponde ao
conceito geral de uma
alma que progride na vida espiritual e seus progressos refletem as
qualidades da alma, as próprias
disposições boas e, sobretudo a assistência do Espírito Santo. Sem
dúvida, as provas existentes,
ainda que escassas, indicam que para alguns escritores antinicenos
do Oriente a pessoa de Maria
tinha certa santidade. Para a maioria é insuspeitada a essência
desta, apesar de Orígenes revelar
que a prática da virtude, a intervenção de Deus e a ascese leva à
perfeição. A evidência de que se
trata não nos autoriza a concluir que o Oriente preniceno percebia
uma rara e singular santidade
da Mãe de Deus nem que, formalmente, acreditava que sua concepção
era imaculada. Ressaltar
que a Imaculada Concepção é dedução legitima da doutrina patrística
da segunda Eva leva
considerar que seria uma dedução e que não se tinha antes do
concílio de Niceia.
70 TRICCA, M. H. O. (Org.). Apócrifos, p. 108. 71 TRICCA, M. H. O.
(Org.). Apócrifos, p. 109. 72 Cf. CLEMENTE, Pedagogo. 1.1. c.6. 73
Cf. ORÍGENES. Hom. 6. In: Id. Homilias sobre o evangelho de Lucas.
74 Cf. ORÍGENES. Hom. 7. In: Id. Homilias sobre o evangelho de
Lucas.
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64 Congresso de Mariologia – PUCRS 2017
2.6 A participação de Maria na obra da salvação
No drama sobre A Paixão de Cristo, Gregório de Nazianzo destaca a
missão da Virgem Maria
no plano da redenção. Se Jesus é o protagonista no campo dogmático
da salvação, Maria o é no
campo da intercessão, pois ela enfrenta uma série de sofrimentos
por ser a mãe do Filho de Deus75.
Ela garante o perdão para as mais graves traições76; é a
embaixadora permanente diante do
Verbo77 e salvação suprema para todos78. Por natureza, Maria é
igual a nós na sensibilidade, mas
pela graça recebida de Deus, supera a todos no acesso ao
Pai79.
Ícone: Maria, salvação do povo romano (do séc. VIII, Basílica Santa
Maria Maior de Roma)
3 Terceiro período da Patrística
As fontes que abordam a figura da Virgem Maria no terceiro período
da Patrística variam de
tratados teológicos, escritos de caráter pastoral, escritos
apologéticos, homilias, hinos, orações,
obras de arte etc. No final da Idade Patrística, a Mariologia
alcançou o ápice, sobretudo no Oriente,
e as expressões de entusiasmo e de arrebatamento aparecem não só na
himnologia, mas também
nas homilias dos ilustres monges e patriarcas, como Germano de
Constantinopla, André de Creta
e João Damasceno. A devoção mariana interessa-se também em coletar
histórias sobre a vida da
Virgem Maria e sobre as circunstâncias de sua Dormição.
3.1 Vida de Maria
No século VIII, quando já abundam esses materiais, que não carecem
de interesse teológico
e literário, alguns autores começam ordenar cronologicamente o
desenvolvimento dos
acontecimentos e dos mistérios da vida de Nossa Senhora.
75 Cf. GREGÓRIO NAZIANZENO. La Pasión de Cristo, p. 21. 76 Cf.
GREGÓRIO NAZIANZENO. La Pasión de Cristo, p. 86. 77 Cf. GREGÓRIO
NAZIANZENO. La Pasión de Cristo, p. 183. 78 GREGÓRIO NAZIANZENO. La
Pasión de Cristo, p. 184. 79 Cf. GREGÓRIO NAZIANZENO. La Pasión de
Cristo, p. 23.
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A Virgem Maria na Patrística 65
O monge bizantino Epifânio de Constantinopla, que viveu entre o
final do século VIII e o
início do século IX, escreveu a mais antiga Vida de Maria80 sob o
título: Tratado sobre a vida e os
anos da Santa Mãe de Deus. É uma das mais antigas vidas de Maria
(PG 120,185-216)81. Trata-se
de um relato importantíssimo para mariologia. Sua leitura e
meditação que suscita na alma e no
espírito do fiel uma moção interior semelhante à experiência do
“escrever” um ícone seguindo os
cânones da iconografia do Oriente cristão.
O próprio autor é consciente de que antes dele ninguém escreveu um
relato cronológico,
que teria abarcado todos os dados conhecidos sobre o itinerário de
vida da Virgem82. O monge se
propõe recorrer somente às fontes que considera dignas de fé,
sólidas e verdadeiras. O tratado
oferece uma visão que se tinha sobre Maria no século VIII na Igreja
bizantina do Oriente,
sobretudo nos círculos monásticos.
Influenciado pela crise iconoclasta, o autor provoca uma reação e
renova os sentimentos do
povo, engrandecendo-lhe a devoção à Theotokos e a veneração das
imagens e relíquias, como por
exemplo, o Maforion de Constantinopla. A Virgem Maria é apresentada
como modelo das pessoas
consagradas na vida ascética e por isso desenvolve com muito
interesse o tema da presença de
Maria no templo de Jerusalém, no grupo dos discípulos e das
mulheres que seguiam Jesus e os
apóstolos.
É à luz dessa realidade que se torna possível a compreensão da
evolução do celibato na
Igreja. Merece atenção registrar a importância dada, conforme
certas tradições mais antigas, ao
vínculo da família de Maria com as famílias sacerdotais que serviam
no templo de Jerusalém.
A santidade de Maria, definida com a παναμωμος (Imaculada), é, para
Epifânio, uma
verdade que está fora de qualquer dúvida. A gloriosa Dormição da
Theotokos é apresentada como
a mais significativa realidade da vida da Igreja primitiva.
Esta Vida de Maria servia de leitura edificante nas igrejas,
sobretudo nos mosteiros. Assim
se entende o fato de que o código que a conservou começa com as
palavras ευλγησον, Δσποτα,
λογοσ-ρα, que são uma invocação de bendição para o leitor, igual ao
Iube, Domine, benedicere do
rito romano83.
Segundo Epifânio Maria é “mãe dos viventes” em sentido mais
profundo do que Eva: é causa
de vida porque deu à luz a Vida. Será que isto não implica
extraordinária santidade?
Passando ao Novo Testamento: se as mulheres teriam sido destinadas
por Deus para o ofício sacerdotal ou para exercer alguma função
ministerial na Igreja, teria sido Maria que desempenhava o ofício
de sacerdote no Novo Testamento. Foi considerada digna de receber
no seu próprio ventre o Monarca absoluto e Deus celestial, o Filho
de Deus, o seu seio estava preparado pelo amor de Deus ao homem e,
por um mistério escondido, como templo e morada da encarnação do
Senhor84.
80 EPIFANIO MONGE. Vida de María, p. 19-180. 81 O código transcrito
por Mingarelli: Num só código, e não plenamente satisfatório, foi
conservada a Vida da Theotokos
escrita por Epifânio. Leo Allatius, na sua coleção Symmicta
(Colônia 1653), fez conhecer alguns fragmentos deste escrito. No
entanto, quem, pela primeira vez, fez a sua transcrição completa e
o traduziu para o latim foi o helenista italiano G. L. Mingarelli
(1722-1793). Esse código, de origem grega, é parte da chamada
Biblioteca Naniana, pertencente a uma família de patrícios
venezianos.
82 EPIFANIO MONGE. Vida de María, p. 20: “Em cambio, al mencionar
algo de Ella, em seguida pasaban a otros asuntos, disponiéndolo así
El Espíritu Santo”.
83 Cf. EPIFANIO MONGE. Vida de María, Introducción, p. 13-14. 84
EPIFÂNIO MONGE. Panarion 79,3.
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66 Congresso de Mariologia – PUCRS 2017
Uma das questões levantadas no final da palestra A Virgem Maria na
Patrística neste
Congresso da PUCRS foi relacionada a um dos mistérios do Santo
Rosário que cita a apresentação
ao templo e a purificação de Maria.
O estudioso Walter J. Burghardt cita três teólogos da Patrística
Oriental que abordam a
questão: Cirilo de Jerusalém, Gregório de Nazianzo e Efrem, o
Sírio. Segundo eles a santificação e
a purificação de Maria evocam uma conexão imediata com o pecado,
seja original, seja atual. No
caso da Virgem Maria, “se entende bem o contexto se o compreendemos
como um crescimento na
santidade, que o católico chama de graça, concedida por Deus na
ordem da divina maternidade;
tal santificação não teria como objeto o perdão, e sim, o aumento
na intimidade da união”85.
Portanto, em Maria é possível contemplar dois tipos de santidade:
uma impecabilidade,
fruto da natureza, e outra como fruto da graça. Antes do Concílio
de Éfeso, o Oriente cristão era
consciente da santidade de Maria, reconhecia-a como algo especial,
e inclusive pode-se perceber
passageiramente uma concepção que rivalizou com a de Cristo na sua
pura ausência do pecado.
Epifânio faz atenção quanto à expressão de que Maria foi “agraciada
de todas as maneiras”,
pois sabe que se deve tratar com cuidado. Ele censura os
“coliridianos”86, que fizeram de Maria
uma deusa oferecendo-lhe sacrifícios.
Ao mesmo tempo em que a santidade de Nossa Senhora é fruto da
natureza, é também fruto
da colaboração com a graça que a faz progredir na intimidade com o
Criador. A ideia que melhor
explica a teologia de Epifânio sobre a santidade de Maria está
contida na seguinte afirmação:
“Embora Maria seja notavelmente boa, embora seja santa, embora deva
ser honrada, não há de
ser adorada”87.
Isso quer mostrar a maneira correta de cultuar a Virgem Maria e os
santos, como orienta
também São João Damasceno. “Aquele que cai aos pés da Mãe de Cristo
(Theotokos) certamente
mostra honra a seu Filho. Não há senão um só Deus, Ele é conhecido
e adorado na Trindade”.
Antes de tudo (veneramos) aqueles entre os quais Deus descansou,
Ele, único santo que mora entre os santos (cf. Is 57,15), como a
Mãe de Deus e de todos os santos. Estes são aqueles que, enquanto
possível, tornaram-se semelhantes a Deus com sua vontade e pela
inabitação e a ajuda de Deus; são chamados realmente de deuses (cf.
Sl 82,6), não por natureza, mas por contingência e por participação
do fogo. Diz, de fato: ‘Sereis santos porque eu sou santo’ (Lv
19,2).88
3.2 O culto à Virgem Maria
A reflexão sobre mariologia encontra sua autêntica expressão na
arte sacra. A Virgem Maria
entrou no repertório da arte cristã como Mãe de Cristo. Como tal,
ocupa um lugar exclusivo nas
cenas da infância do Senhor, todas voltadas para a glorificação de
Jesus Cristo, de sua encarnação,
85 BURGHARDT, W. J. María em la patrística oriental, p. 531. 86
Coliridianismo era um movimento cristão obscuro, considerado
herético pela Igreja Católica. Seus adeptos
aparentemente adoravam a Virgem Maria, mãe de Jesus, como uma
deusa. A principal fonte de informações sobre esta seita vem de
Epifânio de Salamina, que escreveu sobre eles em sua obra
intitulada Panarion (cerca de 375 d.C.). De acordo com Epifânio
(Panarion, Haer. 79), algumas mulheres sauditas (em grande parte,
pagãs) sincretizaram crenças indígenas com o culto de Maria,
oferecendo a ela bolos e pães. Pouco se sabe sobre a origem do
coliridianismo, mas Epifânio assegura que foi em Trácia e Cítia.
Cf. Coliridianismo. In: Wikipédia. Disponível em:
<https://pt.wikipedia.org/wiki/Coliridianismo>. Acesso em 18
set. 2017.
87 EPIFÂNIO, Panarion 79,7. 88 PG 94, col. 1352 A.
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A Virgem Maria na Patrística 67
de sua realeza, da universalidade de seu poder. Trata-se de
figurações cristológicas, portanto, não
marianas. Desde a arte das catacumbas até o triunfo da ortodoxia
sobre os iconoclastas há um
progresso desenvolvimento da iconografia mariana. A Virgem Maria
aparece também na
representação do milagre de Caná, embora raramente; depois, junto
de Cristo, já nas mais antigas
cenas da Crucifixão, com as piedosas mulheres perto do sepulcro, e
nas imagens da Ascensão e de
Pentecostes.
Com o Concílio de Éfeso (431) e a solene proclamação da
partenogênese, a iconografia de
Nossa Senhora se afasta nitidamente do repertório existente.
Glorificada como Rainha das virgens,
a Theotokos, Maria assume entre as figurações um lugar sempre de
maior realce até quando os
iconoclastas, liderados pelos imperadores Leon III Isauro e
Constantino V, tentaram derrubar seu
culto e acabar com a veneração de suas imagens.
João Damasceno é um dos maiores doutores da mariologia e grande
defensor do culto das
sagradas imagens. Além dos Panegíricos sobre a Assunção escreveu
uma Apologia em favor da
veneração das imagens sagradas. “Nós veneramos a tua imagem: nós
veneramos tudo o que é teu,
os teus ministros, os teus amigos e, antes desses, Tua Mãe, a Mãe
de Deus”89.
Damasceno observa como o diabo tolera as práticas da vida
espiritual, assim como os
elementos utilizados no culto litúrgico (luzes, incenso), no
entanto, levanta uma tempestade
contra as imagens.
Sofrônio, o Patriarca de Jerusalém, no seu livro, Jardim
Espiritual, narra o ciúme do demônio
contra às imagens. O Abade Teodoro Aeliotes, citado por João
Damasceno, narra a história de um
santo eremita que, incomodado pelo demônio da fornicação, um dia
começou a se queixar
amargamente.
“Quando você vai me deixar sozinho?”, ele disse para o diabo. “Vá
embora de mim! você e eu envelhecemos juntos”. O diabo apareceu
para ele, dizendo: “Jura-me que você vai guardar o que estou
prestes a dizer-lhe a si mesmo, e eu não vou te incomodar mais.” E
o velho jurou a ele. Então o diabo disse-lhe: “Não venere mais esta
imagem, e eu não vou atormentá-lo”90.
A imagem em questão representava Nossa Senhora, a Santa Mãe de
Deus, tendo nos braços
o nosso Senhor Jesus Cristo. Na verdade, o demônio da fornicação se
esforçou para afastá-lo do
culto à imagem de Nossa Senhora, em vez de tentar o homem velho a
impureza, pois sabia que o
antigo mal era maior do que a fornicação.
3.3 A Virgem Maria na Iconografia
Sobre os traços da Mãe de Deus, Dionísio de Furná91 apresenta um
retrato que inspira a arte
iconografica.
A Santíssima Mãe de Deus era de estatura mediana [alguns dizem que
também ela tinha de altura três braços], da cor do trigo, com os
cabelos louros e os olhos claros e belos, as sobrancelhas longas,
nariz médio, mão longa com os dedos delgados; era simples,
humilde
89 JOANNIS DAMASCENI, De Imaginibus Oratio I, Migne, PG 94, 1282D.
90 JOÃO DAMASCENO, De Imaginibus Oratio III, PG 94, 1336CD. 91
DIONÍSIO DE FURNÁ. Ermeneutica della pittura, p. 305.
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68 Congresso de Mariologia – PUCRS 2017
e natural, ativa, gostava de roupas de cor natural, como testemunha
o maphorion [manto] que se encontra no templo a ela
dedicado92.
Na Liturgia bizantina da Semana Santa, canta-se a beleza da Virgem
Maria: “Morada santa
de Deus te revelaste, ó Virgem; em ti, com efeito, o Rei dos céus
habitou corporalmente e de ti saiu,
belo, depois de ter remodelado em si, divinamente, o homem”93.
Epifânio oferece um retrato de
suas caraterísticas:
[Maria] era de estatura alta, embora alguns digam que apenas
superava os limites da média. Sua cor, ligeiramente dourada pelo
sol da sua terra, refletia a cor do trigo. Louros os cabelos, vivos
os olhos, ou pouco olivácea a pupila. As sobrancelhas arqueadas e
pretas, o nariz um pouco alongado, os lábios vermelhos e cheios de
suavidade no falar. O rosto, nem redondo nem aguçado, mas
elegantemente oval; as mãos e os dedos adelgaçados94.
O terceiro cânone do IV Concílio de Constantinopla (8o ecumênico),
na versão do
bibliotecário Anastásio, n. 653-656, determina: “Decretamos que a
sagrada imagem de nosso
Senhor Jesus Cristo, libertador e salvador de todos, seja venerada
com a mesma honra que o livro
dos santos Evangelhos. [...] Do mesmo modo também a imagem da
imaculada sua Mãe e Genitora
de Deus, Maria”95.
Conclusão
Sem a pretensão de exaurir o tema sobre Virgem Maria na Patrística
pode-se concluir que a
reflexão mariologica na Patrística é um patrimônio espiritual comum
da Igreja indivisa, dos
Padres Orientais e Ocidentais dos primeiros oito séculos de
cristianismo. Seus tratados teológicos
fundamentam o pensamento mariológico. Trata-se de um patrimônio
teológico e espiritual que
ilumina e dá significado à vivência da fé, mostrando como o
dinamismo das comunidades
primitivas pode inspirar hoje o rumo da Igreja. Embora, nos
primórdios do cristianismo, os Padres
da Igreja não dispusessem ainda dos termos teológicos adequados
para expressar o mistério
cristológico e o significado salvífico da Mãe de Deus, desde o
início, os testemunhos da Escritura e
da Tradição apostólica foram por eles corretamente interpretados,
preparando o caminho para os
sucessivos desenvolvimentos da mariologia.
A reflexão sobre a Virgem Maria na Patrística introduz o cristão na
dimensão do mistério. A
Virgem Maria foi uma mulher contemplativa e ativa na realização do
projeto divino para com a
humanidade. Quem bebe das fontes da Patrística, percebe como os
textos dos Padres da Igreja
possuem um dinamismo de moldar a alma e conduzi-la para a
verdadeira meta da Teologia (gr.:
Theoria) que é a contemplação do mistério de Deus. Hoje, a
Patrística pode oferecer uma
importante contribuição na recuperação da dimensão do mistério na
vida da Igreja. O atual
Pontífice orienta a Igreja aprender dos pescadores a dar espaço ao
mistério de Deus:
Uma Igreja que alberga de tal modo em si mesma esse mistério, para
que ele possa encantar as pessoas, atraí-las. Somente a beleza de
Deus pode atrair. [...] Penso nos
92 GHARIB, G. Os ícones de Cristo, p. 72, apud KONTOGLOU, F.
Ekpharasis tes ortodoxou eikonographias, p. 400. 93 GHARIB, G. Os
ícones de Cristo, p. 62. 94 GHARIB, Georges. Os ícones de Cristo.
História e culto. p. 68. Apud: Epifânio Monge, Discurso sobre a
vida da SSma.
Mãe de Deus, 15. Migne, PG 120,192-193. 95 DENZINGER, H. Compêndio
dos símbolos definições e declarações de fé e moral, n. 603, p.
238-239.
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A Virgem Maria na Patrística 69
pescadores que chamam seus vizinhos para verem o mistério da
Virgem. Sem a simplicidade do seu comportamento, a nossa missão
está fadada ao fracasso96.
O Papa Francisco observa que a Virgem Maria despertou os pescadores
para a contemplação
do mistério de Deus. “O povo simples tem sempre espaço para
albergar o mistério. Talvez nós
tenhamos reduzido a nossa exposição do mistério a uma explicação
racional; no povo, pelo
contrário, o mistério entra pelo coração”97. Isto atinge o método
da ciência teológica. Os Padres da
Igreja são testemunhas de uma experiência de fé e sua doutrina tem
muito a dizer a quem estuda
ou ensina teologia98. Por fim, o interesse pelo pensamento
patrístico sobre a Virgem Maria neste
Congresso Mariológico da PUCRS constitui, talvez, o reflexo de uma
verdadeira “fome do
patrimônio espiritual dos Padres; um fenômeno consolador que não
deixa de refletir-se
positivamente também nas Faculdades teológicas e nos
Seminários”99.
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