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    CRISE ECOLOGICA, CRISE CAPITALISTA, CRISE DECIVILIZAO: a alternativa ecossocialista

    Michael Lwy*DOSSI

    A crise econmica atual , sem dvida, amais grave na histria do capitalismo desde 1929.Provocando desemprego massivo, recesso econ-mica, quebra de bancos, endividamento insupor-tvel dos Estados, gera sofrimento, misria, deses-pero, levando muitas de suas vtimas ao suicdio.Ela ilustra a total irracionalidade de um sistemaeconmico baseado na mercantilizao de tudo, naespeculao desenfreada, no totalitarismo dosmercados financeiros e na globalizao neoliberala servio exclusivo do lucro capitalista. Os gover-nos seja de direita, seja de centro-esquerda se revelam incapazes de propor uma sada, e in-

    sistem, com uma extraordinria obstinao, naaplicao das tradicionais receitas neoliberais privatizaes, corte de recursos para a educao ea sade, reduo dos salrios e das penses, de-misso de funcionrios pblicos, que tm comonico resultado: agravar a crise, intensificar arecesso e aumentar o peso da dvida.

    Por outro lado, seria uma iluso acreditar como pensam muitos marxistas que se trata dacrise final do capitalismo e que o sistema estcondenado a desaparecer, vtima de suas contradi-es internas. Como ja dizia Walter Benjamin, nosanos 1930, o capitalismo nunca vai morrer demorte natural. Em outros termos: se no houveruma ao social e poltica anticapitalista, um mo-vimento de insurgncia dos explorados e oprimi-dos, o sistema poder continuar ainda por muitotempo. Acabar, como no passado, por encontraralguma sada para a crise, seja por medidas

    keynesianas hiptese mais favorvel seja pelo

    fascismo e pela guerra.O mesmo vale para a crise ecolgica. Por simesma, ela no leva ao fim do capitalismo; pormais que acabe o petrleo, ou que se esgotem ou-tras fontes essenciais da riqueza, o sistema conti-nuar a explorar o planeta, at que a prpria vidahumana se encontre ameaada.

    A crise econmica e a crise ecolgica resul-tam do mesmo fenmeno: um sistema que trans-forma tudo a terra, a gua, o ar que respiramos,os seres humanos em mercadoria, e que no co-

    *Doutor em Cincias Sociais. Professor emrito da coledes Hautes tudes en Sciences Sociales. Diretor de pes-quisa do Centre National de la Recherche Scientifique.CEIFR, 10 rue M. Le Prince, 75006. Paris - [email protected]

    Neste artigo defende-se a tese que a crise do capitalismo e a crise ecolgica resultam da dinmi-ca do sistema capitalista que transforma seres humanos e recursos naturais em mercadoriasnecessrias expanso dos negcios e a acumulao de lucros. Na sua feio atual a crisereflete as dificuldades da civilizao capitalista industrial e do seu modo de vida caracterizadopelo american way of life, em manter-se sem rupturas. A questo ecolgica, do meio ambiente, central no capitalismo. As tentativas de solues, a exemplo da Tratado de Kioto e as medidaspactuadas em Copenhagen em 2008, esto muito aqum das providncias necessrias resolu-o do problema . O ecosocialismo, em sua utopia, mas sem ser uma abstrao, apresenta-secomo um paradigma de civilizao alternativo.PALAVRAS-CHAVE: Crise ecolgica. Crise do capitalista. Meio ambiente. Modo de vida. Ecosocialimo.

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    nhece outro critrio que no seja a expanso dosnegcios e a acumulao de lucros. As duas crises

    so aspectos interligados de uma crise mais geral,a crise da civilizao capitalista industrial moder-na.Isto , a crise de ummodo de vida cuja formacaricatural o famoso american way of life, que,obviamente, s pode existir enquanto for privil-gio de uma minoria de um sistema de produo,consumo, transporte e habitao que , literalmen-te,insustentvel.Atualmente, a crise financeira como salvar os bancos e pagar a dvida anica que preocupa os vrios governos represen-tativos do sistema, com a crise ecolgica pratica-

    mente desaparecendo dos seus horizontes, comoo demonstra o recentre fracasso da ConfernciaRio+20. Mas, do ponto de vista da humanidade,o maior perigo, a ameaa mais preocupante, acrise ecolgica, que, contrariamente crise finan-ceira,no tem soluo nos marcos do sistema.

    H alguns anos, quando se falava dos peri-gos de catstrofes ecolgicas, os autores se referi-am ao futuro dos nossos netos ou bisnetos, a algoque estaria num futuro longnquo, dentro de cemanos. Agora, porm, o processo de devastao danatureza, de deteriorao do meio ambiente e demudana climtica se acelerou a tal ponto que noestamos mais discutindo um futuro a longo prazo.Estamos discutindo processos que j esto emcurso a catstrofe j comea, esta a realidade.E, realmente, estamos numa corrida contra o tem-po para tentar impedir, brecar, tentar conter esseprocesso desastroso.

    Quais so os sinais que mostram o cartercada vez mais destrutivo do processo de acumula-

    o capitalista em escala global? Eles so multiplose convergentes: crescimento exponencial da polui-o do ar nas grandes cidades, da gua potvel e domeio-ambiente em geral; incio da destruio da ca-mada de oznio; destruio, numa velocidade cadavez maior, das florestas tropicais e rpida reduoda biodiversidade pela extino de milhares de es-pcies; esgotamento dos solos, desertificao; acu-mulao de resduos, notadamente nucleares (al-guns com durao de milhares de anos), imposs-veis de controlar; multiplicao dos acidentes nu-

    cleares Fukushima! e ameaa de um novoChernobyl; poluio alimentar, manipulaes ge-

    nticas, vaca louca; secas em escala planetria,escassez de gros, encarecimento dos alimentos.Todos os faris esto no vermelho: evidente que acorrida louca atrs do lucro, a lgica produtivista emercantil da civilizao capitalista e industrial nosleva a um desastre ecolgico de propores incal-culveis. No se trata de ceder ao catastrofismo,mas, simplesmente, de constatar que a dinmicado crescimento infinito, induzido pela expansocapitalista, ameaa destruir os fundamentos natu-rais da vida humana no Planeta.1

    De todos estes processos destrutivos, o maisbvio, e perigoso, oprocesso de mudana clim-tica, um processo que resulta dos gases a efeito deestufa emitidos pela indstria, pelo agro-negcio epelo sistema de transporte existentes nas socieda-des capitalistas modernas. Esta mudana, que jcomeou, ter como resultado, no s o aumentoda temperatura em todo o planeta, mas adesertificao de setores inteiros de vrios conti-nentes, a elevao do nvel do mar, com o desapa-recimento de cidades martimas Veneza,Asmterdam, Hong-Kong, Rio de Janeiro - debaixodos oceanos. Uma srie de catstrofes que se colo-cam no horizonte dentro de no se sabe vinte,trinta, quarenta anos, isto , num futuro prximo.

    Tudo isso no resulta do excesso de popu-lao, como dizem alguns, nem da tecnologia emsi, abstratamente, ou tampouco da m vontade dognero humano. Trata-se de algo muito concreto:das consequncias doprocesso de acumulao docapital, em particular na sua forma atual, da

    globalizao neoliberal sob a hegemonia do imp-rio norte-americano. Este o elemento essencial,motor desse processo e dessa lgica destrutiva, quecorresponde necessidade de expanso ilimitada aquilo que Hegel chamava de m infinitude ,um processo infinito de acumulao de mercado-

    1 Ver, a esse respeito, a excelente obra de Kovel, J. TheEnnemy of Nature. The end of capitalism or the end ofthe world? Nova Iorque: Zed Books, 2002.

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    rias, acumulao do capital, acumulao do lucro,que inerente lgica do capital.

    No se trata da m vontade de tal ou qualmultinacional, ou governo, mas da lgicaintrinse-camente perversado sistema capitalista, baseadona concorrncia impiedosa, nas exigncias de ren-tabilidade, na corrida atrs do lucro rpido; umalgica que , necessariamente, destruidora do meioambiente e responsvel pela catastrfica mudanado clima.

    A questo da ecologia, do meio ambiente, a questo central do capitalismo; para parafrasearuma observao do filsofo da Escola de Frankfurt

    Max Horkheimer se voc no quiser falar docapitalismo, no adianta falar do fascismo eudiria, tambm: se voc no quer falar do capitalis-mo, no adianta falar do meio ambiente, porque aquesto da destruio, da devastao, do envene-namento ambiental produto do processo de acu-mulao do capital. Logo, a questo que se coloca a de uma alternativa, mas de uma alternativaque seja radical. As tentativas de soluesmode-

    radasse revelam completamente incapazes de en-frentar esse processo catastrfico. O chamado Tra-tado de Kiotoest muito aqum, quase infinita-mente aqum, do que seria o necessrio, e, aindaassim, o governo norte-americano, que dirige oprincipal pas poluidor, campeo da poluio pla-netria, recusa-se a assinar. O Tratado de Kioto, narealidade, prope resolver o problema das emis-ses de gases que causam o efeito estufa por meiodo assim chamado mercado dos direitos de po-luir. As empresas que emitem mais CO2 vo com-prar de outras, que poluem menos, direitos de

    emisso. Isto seria a soluo do problema para oefeito estufa! Obviamente, as solues que aceitamas regras do jogo capitalista, que se adaptam sregras do mercado, que aceitam a lgica de expan-so infinita do capital, no so solues, e so in-capazes de enfrentar a crise ambiental uma criseque se transforma, devido mudana climtica,numa crise de sobrevivncia da espcie humana.

    A conferncia das Naes Unidas sobre aMudana Climtica, realizada em Copenhagen, emdezembro de 2009, foi mais um exemplo clamoro-

    so da incapacidade ou da falta de interesse daspotncias capitalistas em/para enfrentar o dramti-

    co desafio do aquecimento global.A montanha deCopenhagen pariu um rato, uma miservel decla-rao poltica, sem nenhum compromisso concre-to e cifrado de reduo das emisses com efeitoestufa. O mesmo se aplica Conferncia Internaci-onal das Naes Unidas Rio+20, que tentouimpor a pretensa economia verde isto , o ca-pitalismo pintado com outra cor e terminou comvagas declaraes, sem nenhum compromisso efe-tivo de combate mudana climtica. A atitudedas classes dominantes, e em particular dos go-

    vernos das principais potncias responsveis pelapoluio e pela acumulao de CO2, muito pare-cida com a dos Reis da Frana: depois de mim, odilvio!, teria dito Lus XV, o penltimo dosBourbons. No sculo 21, o dilvio poderia tomar aforma de uma subida irreversvel do nvel do mar.

    Precisamos pensar, portanto, em alternativasradicais, alternativas que coloquem outro horizontehistrico, mais alm do capitalismo, mais alm dasregras de acumulao capitalista e da lgica do lu-cro e da mercadoria. Como uma alternativa radical aquela que vai raiz do problema, que o capita-lismo, essa alternativa o ecossocialismo, uma pro-posta estratgica, que resulta da convergncia en-tre a reflexo ecolgica e a reflexo socialista, a re-flexo marxista. Existe hoje, em escala mundial,uma corrente ecossocialista: h um movimento eco-socialista internacional, que, recentemente, porocasio do Frum Social Mundial de Belm (ja-neiro de 2009), publicou uma declarao sobre amudana climtica e, em mbito do Brasil, uma

    rede eco-socialista que publicou, tambm, ummanifesto, h alguns anos. Ao mesmo tempo, oecossocialismo uma reflexo crtica. Em primei-ro lugar, crtica ecologia no socialista, ecologiacapitalista ou reformista, que considera possvelreformar o capitalismo, atingir um capitalismo maisverde, mais respeitoso ao meio ambiente. Trata-seda crtica e da busca de superao dessa ecologiareformista, limitada, que no aceita a perspectivasocialista, que no se relaciona com o processo daluta de classes, que no coloca a questo da pro-

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    priedade dos meios de produo. Mas o eco-soci-alismo , tambm, uma crtica ao socialismo no

    ecolgico, por exemplo, da Unio Sovitica, ondea perspectiva socialista se perdeu rapidamente como processo de burocratizao, e o resultado foi umprocesso de industrializao tremendamente des-truidor do meio ambiente. H outras experinciassocialistas, mais interessantes do ponto de vista eco-lgico, como a experincia cubana, por exemplo.

    Deste modo, o ecossocialismo implica umacrtica profunda, uma crtica radical das experin-cias e das concepes tecnocrticas, burocrticas eno ecolgicas de construo do socialismo. Isso

    nos exige, tambm, uma reflexo crtica sobre aherana marxista, o pensamento e a tradio mar-xista, sobre a questo do meio ambiente. Muitosecologistas criticam Marx, por consider-lo umprodutivista tanto quanto os capitalistas. Tal crti-ca me parece completamente equivocada: ao fazera crtica do fetichismo da mercadoria, justamen-te Marx quem coloca a crtica mais radical lgicaprodutivista do capitalismo, ideia de que a pro-duo de mais e mais mercadorias o objetivo fun-damental da economia e da sociedade capitalistas.O objetivo do socialismo, explica Marx, no pro-duzir uma quantidade infinita de bens, mas sim,reduzir a jornada de trabalho, dar ao trabalhadortempo livre para participar da vida poltica, estu-dar, jogar, amar. Portanto, Marx fornece as armaspara uma crtica radical do produtivismo e,notadamente, do produtivismo capitalista. No pri-meiro volume de O Capital, Marx explica como ocapitalismo esgota, no s as energias do trabalha-dor, mas, tambm, as prprias foras da Terra, es-

    gotando as riquezas naturais, destruindo o pr-prio planeta. Assim, essa perspectiva, essa sensi-bilidade est presente nos escritos de Marx, embo-ra no tenha sido suficientemente desenvolvida.

    O problema que a afirmao de Marx e,mais ainda, de Engels de que o socialismo asoluo da contradio entre o desenvolvimentodas foras produtivas e as relaes de produo,foi interpretada por muitos marxistas de formamecnica: o crescimento das foras produtivas docapitalismo se choca com os limites que so as

    relaes de produo burguesas a propriedadeprivada dos meios de produo e, portanto, a

    tarefa da revoluo socialista seria, simplesmente,destruir as relaes de produo existentes, a pro-priedade privada, e permitir, assim, o livre desen-volvimento das foras produtivas. Parece-me queessa interpretao de Marx e de Engels deva sercriticada, porque pressupe que as foras produ-tivas sejam algo neutro; o capitalismo as teria de-senvolvido at certo ponto e no pde ir alm,porque foi impedido por aquela barreira, aqueleobstculo que deve ser afastado para permitir umaexpanso ilimitada. Essa viso deixa de lado o fato

    de que as foras produtivas existentes no soneutras; elas so capitalistas em sua dinmica e noseu funcionamento e, portanto, so destruidorasda sade do trabalhador, bem como do meio ambi-ente. A prpria estrutura do processo produtivo,da tecnologia e da reflexo cientfica a servio des-sa tecnologia e desse aparelho produtivo inteira-mente impregnada pela lgica do capitalismo e leva,inevitavelmente, destruio dos equilibrios eco-lgicos do planeta.

    O que se necessita, por conseguinte, deuma viso muito mais radical e profunda do queseja uma revoluo socialista. Trata-se de transfor-mar, no s as relaes de produo, as relaesde propriedade, mas a prpria estrutura das for-as produtivas, a estrutura do aparelho produti-vo. Isto , na minha concepo, uma das ideiasfundamentais do ecossocialismo. H que se apli-car ao aparelho produtivo a mesma lgica que Marxaplicava ao aparelho de Estado, a partir da experi-ncia da Comuna de Paris, quando ele diz o se-

    guinte: os trabalhadores no podem se apropriardo aparelho de Estado burgus e us-lo a serviodo proletariado; no possvel, porque o aparelhodo Estado burgus nunca vai estar a servio dostrabalhadores. Ento, trata-se de destruir esse apa-relho de Estado e criar um outro tipo de poder.Essa lgica tem que ser aplicada, tambm, ao apa-relho produtivo: ele tem que ser, se no destrudo,ao menos radicalmente transformado. Ele no podeser, simplesmente, apropriado pelos trabalhado-res, pelo proletariado, e posto a trabalhar a seu

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    servio, mas precisa ser estruturalmente transfor-mado. A ttulo de exemplo, o sistema produtivo

    capitalista funciona com base em fontes de energiafsseis o carvo e o petrleo , responsveis peloaquecimento global, de modo que um processo detransio ao socialismo s possvel quando hou-ver a substituio dessas formas de energia pelasenergias renovveis, que so a gua, o vento e, so-bretudo, a energia solar. Por isso, o ecossocialismoimplica uma revoluo do processo de produodas fontes energticas. impossvel separar a ideiade socialismo, de uma nova sociedade, da ideiade novas fontes de energia, em particular do sol

    alguns ecossocialistas falam do comunismo solar,pois entre o calor, a energia do Sol e o socialismo eo comunismo haveria uma espcie de afinidadeeletiva.

    Mas no basta, tampouco, transformar oaparelho produtivo; necessrio transformar, tam-bm, o estilo, o padro de consumo, todo o modode vida em torno do consumo, que o padro docapitalismo baseado na produo massiva de ob-jetos artificiais, inteis, e mesmo perigosos. A lis-ta de produtos, mercadorias e atividades empresa-riais que so inteis e nocivas aos indivduos imensa. Tomemos um exemplo evidente: a publi-cidade. A publicidade um desperdcio monu-mental de energia humana, trabalho, papel, rvo-res destrudas para gasto de papel, eletricidade etc.,e tudo isso para convencer o consumidor de que osabonete X melhor que o sabonete Y eis umexemplo evidente do desperdcio capitalista. Logo,trata-se de criar um novo modo de consumo e umnovo modo de vida, baseado na satisfao das ver-

    dadeiras necessidades sociais, que algo comple-tamente diferente das pretensas e falsas necessida-des produzidas artificialmente pela publicidadecapitalista.

    Uma reorganizao do conjunto do modode produo e de consumo necessria, baseadaem critrios exteriores ao mercado capitalista: asnecessidades reais da populao e a defesa do equi-lbrio ecolgico. Isto significa uma economia detransio ao socialismo, na qual a prpria popula-

    o e no as leis do mercado ou um ComitPolitico autoritrio decide, num processo de

    planificao democrtica, as prioridades e os in-vestimentos. Esta transio conduziria, no s aum novo modo de produo e a uma sociedademais igualitria, mais solidria e mais democrti-ca, mas, tambm, a ummodo de vida alternativo,umanova civilizao, ecossocialista, mais alm doreino do dinheiro, dos hbitos de consumo artifi-cialmente induzidos pela publicidade e da produ-o ao infinito de mercadorias inteis.

    Se ficarmos s nisso, porm, seremos criti-cados como utpicos. Os utpicos so aqueles que

    apresentam uma bela perspectiva de futuro, e aimagem de outra sociedade, o que obviamentenecessrio, mas no suficiente. O eco-socialismono s a perspectiva de uma nova civilizao,uma civilizao da solidariedade no sentido pro-fundo da palavra, solidariedade entre os huma-nos, mas, tambm, com a natureza , como, tam-bm, uma estratgia de luta, desde j, aqui e agora.No vamos esperar at o dia em que o mundo setransforme, no, ns vamos comear desde j, ago-ra, a lutar por esses objetivos. Assim, oecossocialismo uma estratgia de convergnciadas lutas sociais e ambientais, das lutas de classee das lutas ecolgicas contra o inimigo comum queso as polticas neoliberais, a Organizao Mundi-al do Comrcio (OMC), o Fundo Monetrio Inter-nacional (FMI), o imperialismo americano, o capi-talismo global. Este o inimigo comum dos doismovimentos, o movimento ambiental e o movimen-to social. No se trata de uma abstrao, h muitosexemplos; aqui mesmo, no Brasil, como um belo

    exemplo do que seja uma luta ecossocialista, tive-mos o combate herico de Chico Mendes, que pa-gou com sua vida o compromisso de luta com osoprimidos.

    Como essa, h muitas outras lutas. Seja noBrasil, em outros pases da Amrica Latina e nomundo inteiro, cada vez mais se d essa conver-gncia. Mas ela no ocorre espontaneamente, temque ser organizada conscientemente pelos militan-tes, pelas organizaes, preciso construir uma

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    estratgia ecossocialista, uma estratgia de luta emque vo convergindo as lutas sociais e as lutas eco-

    lgicas. Esta me parece ser a resposta ao desafio, aperspectiva radical de uma transformao revolu-cionria da sociedade para mais alm do capitalis-mo. Precisamos de uma perspectiva de luta contrao capitalismo, de um paradigma de civilizao al-ternativo e de uma estratgia de convergncia daslutas sociais e ambientais, desde agora plantandoas sementes dessa nova sociedade, desse futuro,plantando sementes do ecossocialismo.

    A alternativa ecossocialista implica, em l-tima anlise, uma transformao revolucionria da

    sociedade. Mas, que significarevoluo? Em umainteressante passagem de suas notas para as Tesessobre o conceito de histria Walter Benjamin (1940),prope uma nova definio de revoluo, que meparece muito atual: Marx disse que as revoluesso a lacomotiva da histria mundial. Mas talvezas coisas se apresentem de maneira distinta. Podeser que as revolues sejam o ato pelo qual a hu-manidade que viaja no trem puxa os freios deemergncia.2De manera implcita, a imagen suge-re que, se a humanidade permite ao trem seguirseu caminho j traado pela estrutura de ferrodos trilhos e nada detenha a sua corrida vertigi-nosa, vamos diretamente a um desastre. Ban-Ki-Moon, o secretrio geral das Naes Unidas umpersonagem que nada tem de revolucionrio pro-punha, h alguns anos, o seguinte diagnsticosobre a questo ambiental: Ns sem dvidareferindo-se aos governos do planeta estamoscom o p colado no acelerador e nos precipitamosno abismo (Le Monde 5.9.2009).

    Walter Benjamin definia, em suas Teses de1940, como uma tempestadeoprogresso destrutivoque acumula as catstrofes. A mesma palavra,tempestade,aparece no ttulo, que parece inspira-do por Benjamin, do ltimo livro de James Hansen,o clebre climatlogo da NASA (Estados Unidos)e um dos maiores especialistas em mudana cli-

    mtica no mundo. O livro se chama Storms of myGrandchildren.The truth about the coming climate

    catastrophe and our last chance to save humanity:As tempestades de meus netos. A verdade sobrea catastrfe climtica que se aproxima a nossaltima chance para salvar a humanidade. Hansentampouco um revolucionrio, mas sua anliseda tempestade3 que , para ele, como para Benja-min, uma alegoria de algo muito mais ameaador ou dilvio que se aproxima o aquecimento glo-bal de uma impressionante lucidez.

    Asistimos, no comeo do sculo 21, a umprogresso cada vez mais rpido do trem da civi-

    lizao industrial e capitalista em direo ao abis-mo, um abismo que se chama catastrfe ecolgica. importante levar em conta a acelerao crescentedo trem, a vertiginosa velocidade com a qual seaproxima do desatre. Precisamos puxar os freiosde urgncia da revoluo, antes que seja tarde de-mais.

    Recebido para publicao em 05 de novembro de 2012Aceito em 10 de fevereiro de 2013

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    3James Hansen. Storms of My Grandchildren: the Truthabout the Coming Climate Catastrophe and Our LastChance to Save Humanity. New York, BloomsburyPublishing, 2009.

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    LALTERNATIVE CO-SOCIALISTE

    Michael Lwy

    Nous soutenons, dans cet article, la thseselon laquelle la crise du capitalisme et la crisecologique sont fruits des dynamiques du systmecapitaliste qui transforment les tres humains etles ressources naturelles en marchandises donton a besoin pour lexpansion du commerce etlaccumulation des bnfices. Actuellement lacrise reflte les difficults de la civilisationcapitaliste industrielle et de son mode de viecaractris par le modle amricain americanway of life qui se maintient sans interruption.La question cologique, de lenvironnement, est

    fondamentale pour le capitalisme. Les tentativesde solutions, tels que par exemple le trait deKyoto et les accords de Copenhague en 2008,sont bien au-de des mesures exiges pourrsoudre le problme. Lco-socialisme, dans sonutopie, tout en ntant pas quelque chosedabstrait, reprsente un paradigme pour unecivilisation alternative.

    MOTS-CLS: Crise cologique. Crise du capitalisme.Environnement. Mode de vie. co-socialisme.

    ECOLOGICAL CRISIS, CAPITALIST CRISIS,CRISIS OF CIVILIZATION: the ecosocialist

    alternative

    Michael Lwy

    This article defends the thesis that thecapitalist crisis and the ecological crisis are boththe result of the dynamics of the capitalist systemwhich transforms human beings and naturalresources into goods which are necessary for theexpansion of business and the accumulation ofprofits. The current crisis reflects the difficultiesof industrial capitalist civilization and itslifestyle, known as the American way of life, tokeep from falling apart. The ecological issue, theenvironment, is central to capitalism. Attemptedsolutions, such as the Kyoto Protocol and the

    environmental agreements made in Copenhagenin 2008, fall far short of the steps needed to sol-ve the problem. Eco-socialism, with its utopiannature, unless it becomes an abstraction, offersitself as a paradigm of alternative civilization.

    KEYWORDS: Ecological crisis. Capitalist crisis.Environment. Way of life. eco- socialism.

    Michael Lwy- Doutor em Cincias Sociais. Professor emrito da cole des Hautes tudes en SciencesSociales. Diretor de pesquisa do Centre National de la Recherche Scientifique. Publicaes recentes:A teoriada revoluo no jovem Marxganhou nova edio em 2012;Romantismo e messianismo:ensaios sobre Luckse Walter Benjamin. Traduo: Myriam Vera Baptista e Magdalena Pizante Baptista, 2 ed. So Paulo: Perspec-tiva, 2012, 213p.;Marx, os marxistas e a questo nacional:a Revoluo de Outubro e o sonho naufragado. In:Incontornvel Marx. 2007.