a2007_v20_n06_art07

Embed Size (px)

Citation preview

  • 7/24/2019 a2007_v20_n06_art07

    1/7

    443

    Costanza et al.

    A Participao do Sistema Gastrintestinal na Insufcincia Cardaca

    Artigo de Atualizao

    Rev SOCERJ. 2007;20(6):443-449

    novembro/dezembro

    Artigo de

    Atualizao

    2

    Programa de Mestrado em Cincias Cardiovasculares - Universidade Federal Fluminenese (UFF) - Niteri (RJ), Brasil

    Correspondncia: [email protected]

    Annelise Cisari Costanza | Rua Marqus de Paran, 303 - Centro | Niteri (RJ), Brasil | CEP: 24033-900

    Recebido em: 21/11/2007 | Aceito em: 08/12/2007

    O Intestino na Insuficincia Cardaca:

    aspectos funcionais, imunolgicos e teraputicos

    The Intestine in Heart Failure: functional, immunological and therapeutic aspects

    Annelise Cisari Costanza, Angelo Michele di Candia, Evandro Tinoco Mesquita, Humberto Villacorta

    Resumo

    Fundamentos: A translocao intestinal de bactrias e

    endotoxinas pode contribuir para a ativao demediadores inamatrios observados em pacientes cominsuficincia cardaca. Alteraes na homeostase dabarreira intestinal aumentam a translocao.Objetivo: Revisar a inter-relao entre os sistemasgastrintestinal e cardiovascular na fisiopatologia dainsuficincia cardaca, com nfase nos mecanismosimunoinamatrios como novos alvos teraputicos.Mtodos: Foram selecionados pelo mtodo de busca noMedline, utilizando a combinao dos termos heart, heartfailureoucardiovascularegastrointestinal system,gut,bowel,probiotics andprebiotics, infammationou immune system,artigos originais ou de reviso sistemtica, no perodode janeiro de 1996 at abril de 2007.Resultados:Alteraes na homeostase da barreira intestinallevam translocao de bactrias e endotoxinas, que podeser um importante estmulo para a ativao da cascatainflamatria e liberao de citocinas que atuam nainsucincia cardaca. Paralelamente, o comprometimentoda funo miocrdica reduz a perfuso intestinal, provocandoisquemia e edema da mucosa, aumentando a permeabilidadeda parede do intestino, gerando um ciclo vicioso. Aesterilizao seletiva do clon em pacientes com insucinciacardaca descompensada demonstrou ser segura, emborano sejam encontrados ensaios clnicos que comprovem sua

    eficcia. O uso de pr e probiticos pode apresentarracionalidade teraputica, porm ainda no foi aplicado insucincia cardaca.Concluses: A insucincia cardaca uma complexasndrome multissistmica, com crescentes evidnciasacerca da participao do sistema gastrintestinal na suasiopatologia. Novas propostas teraputicas envolvendo

    Abstract

    Background: Intestinal translocation of bacteria and

    endotoxins may contribute to the activation ofinflammatory mediators in heart failure patients.Alterations to the intestinal barrier homeostasis fostertranslocation.Objective: To review the relationship between thegastrointestinal and cardiovascular systems with regardto heart failure physiopathology, particularly withimmuno-inammatory mechanisms as novel therapeutictargets.Methods: Original articles and systematic reviews weresearched through Medline, combining the terms heart,heart failureorcardiovascularandgastrointestinal system,gut, bowel, probiotics andprebiotics, inflammation orimmune system, from January 1996 to April 2007.Results: Changes to the intestinal barrier homeostasismay foster bacterial and endotoxin translocation, whichmay be an important stimulus for inammatory cascadeactivation, releasing cytokines that trigger heart failure.Furthermore, decreased cardiac function reduces bowelperfusion, inducing ischemia and mucosal edema whileincreasing the permeability of the gut wall, thusinducing a vicious circle. Selective gut sterilization inheart failure patients is safe, despite the lack of clinicaltrials proving its benets. Prebiotics and probiotics maybe of therapeutic interest, but there is no research

    applied to heart failure.Conclusions: Heart failureis a complex multisystemicsyndrome, with evidence of gastrointestinal participationin its physiopathology. New therapeutic strategiesinvolving immuno-inflammatory modulation arediscussed, although further research is required.

  • 7/24/2019 a2007_v20_n06_art07

    2/7

    444

    Costanza et al.

    A Participao do Sistema Gastrintestinal na Insufcincia Cardaca

    Artigo de Atualizao

    Rev SOCERJ. 2007;20(6):443-449

    novembro/dezembro

    a modulao imunoinflamatria intestinal tm sidopropostas, embora ainda sejam necessrios estudos quecomprovem sua eccia.

    Palavras-chave:Insucincia cardaca, Intestino, Barreiraintestinal, Translocao bacteriana, Endotoxina

    Keywords:Heart failure, Bowel, Gut, Intestinal barrier,Bacterial translocation, Endotoxin

    Introduo

    A insucincia cardaca (IC) representa um importanteproblema de sade pblica, sendo considerada umadas prioridades entre as doenas crnicas pelaOrganizao Mundial de Sade, devido ao aumentode sua prevalncia e incidncia, elevadamorbimortalidade apesar do arsenal teraputicodisponvel, e ao seu alto custo social e econmico.

    A IC tem sido reconhecida como uma sndromemultiorgnica, com anormalidades funcionais emdiversos sistemas. A ativao neuro-hormonal eimunoinamatria presentes nessa sndrome estodiretamente relacionadas a uma srie de eventosagravantes e perpetuadores, e que, associados hipoperfuso tecidual e congesto venosa dos rgos,participam da gnese de seus sinais e sintomas.

    H uma crescente evidncia acerca do envolvimentodo sistema gastrintestinal na siopatologia da IC1,porm so encontrados poucos estudos sobre o

    assunto. Os mecanismos propostos so: a liberaode endotoxinas do lmen intestinal na circulaoatravs de translocao bacteriana, e a intrincadasucesso de eventos que levam caquexia cardaca.Desse modo, alteraes inerentes IC, como ahipoperfuso tissular, levando isquemia e edemaintestinais, atuariam sobre a barreira intestinal,modicando a sua permeabilidade e facilitando at ranslocao de bac tr ias e endotoxinas .Paralelamente, o complexo estado de caquexiacardaca, j reconhecido como uma complicaoterminal das formas graves de IC, parece associadoao mesmo acometimento isqumico, gerando uma

    deficincia crnica na absoro de nutrientesessenciais.

    Metodologia

    Foram selecionados pelo mtodo de busca no Medline(na data de 30/04/07), utilizando a combinao dostermos heart, heart failure ou cardiovascular egastrointestinal system, gut, bowel, probiotics andprebiotics, inflammation ou immune system, artigosoriginais ou de reviso sistemtica, no perodo de

    janeiro de 1996 at abril de 2007.

    O Intestino Aspectos Morfofuncionais

    A Barreira Intestinal

    A superfcie mucosa intestinal deve ser compreendidacomo uma vasta interface fsica entre o sistemaimunolgico e o lmen intestinal, que abrange umarea de cerca de 400m2, em extenso linear. , portanto,a maior interface existente no corpo humano, entre ohospedeiro e os microorganismos2. A barreira intestinal

    possui a importante funo de impedir a penetraode antgenos luminais, toxinas e microorganismosassociados ao desenvolvimento de infeces sistmicase agravo de condies clnicas patolgicas j existentes3,alm de permitir a absoro de micronutrientesprovenientes do processo digestivo, sendo assimconsiderada uma barreira seletiva. Ela pode serdividida em: barreira ecolgica (microora intestinalnormal), barreira mecnica (entercitos recobertos pormuco) e barreira imunolgica (IgA, linfcitos,macrfagos, neutrlos, clulas natural killer, placasde Peyer e linfonodos mesentricos)2.

    Os entercitos formam a maior parte do epitliomucoso intestinal; essas clulas esto dispostas emuma lmina nica e interligadas por meio de junesintercelulares (tight junctions) e desmossomos,formando uma barreira mecnica seletiva4. Existemainda as clulas enteroendcrinas, responsveis pelasecreo de neuropeptdios e interao com o tecidolinfide submucoso, e as clulas T auxiliares ecitotxicas, que secretam lisozimas e outras substnciasque atuam na defesa do hospedeiro5. Uma camada demuco e glicoclix reveste a parede intestinal, exercendoum reforo mecnico contra agresses e aderncia depatgenos; alm disso, os glicolipdios e glicoprotenasinteragem atravs de receptores na superfcie mucosae impedem a ligao de bactrias patognicas4,5.

    A permeabilidade intestinal o mecanismo pelo qualas molculas atravessam a barreira gastrintestinal,atravs de duas vias principais: paracelular, pelasjunes intercelulares, e transcelular1. Os fluxosparacelular e transcelular so controlados por bombastransmembrana, canais inicos e pelas junesintercelulares, adaptando a permeabilidade snecessidades siolgicas6. Alteraes na permeabilidade

    intestinal podem ser induzidas por efeitos momentneos,

  • 7/24/2019 a2007_v20_n06_art07

    3/7

    445

    Costanza et al.

    A Participao do Sistema Gastrintestinal na Insufcincia Cardaca

    Artigo de Atualizao

    Rev SOCERJ. 2007;20(6):443-449

    novembro/dezembro

    como no caso de distrbios osmticos, ou atravs deprocessos mais complexos, reversveis ou no.Essesltimos encontram-se diretamente relacionados aotema em discusso, uma vez que esto ligados aalteraes inflamatrias, efeito de citocinas eendotoxinas, atuao neuro-hormonal e caquexia3. A

    colonizao bacteriana tambm interfere napermeabilidade; certos microorganismos comoKlebsiella pneumoniae e Streptococcus viridans aumentama permeabilidade, enquanto que a colonizao porLactobacillus breviscausa o efeito inverso1.

    A Flora Intestinal

    O intestino humano possui uma microbiota endgenaextremamente ampla e variada, com um nmeroestimado de microorganismos entre 10 trilhes e 100trilhes, em adultos normais2. Diferentes cepas

    bacterianas podem ser encontradas, principalmentedevido a variaes de pH e populao de clulas dasuperfcie mucosa, com as quais as bactrias residentesinteragem atravs de receptores especficos. Amicrobiota estomacal bem reduzida, se comparada intestinal, particularmente nas pores mais distaisdo clon. Esta muito diversicada e composta emsua maior parte por gram-negativos e anaerbios(Bacteroides, Eubacteria, Enterobacteria, Clostridium,Peptostreptococcus), enquanto aquela basicamenteapresenta gram-positivos.

    A microora intestinal possui um papel relevante no

    desenvolvimento dos tecidos linfides e na manutenoe regulao de sua imunidade.

    A Vascularizao Intestinal

    O intestino ricamente vascularizado, sendo asartrias mesentricas superior e inferior as principaisresponsveis pelo aporte sangneo arterial, e osistema porta, pela drenagem venosa. A circulaoesplncnica recebe cerca de do dbito cardaco total,o que faz com que o intestino seja o rgo maisperfundido em repouso1.

    O leito vascular intestinal possui densidade epermeabilidade capilares bem maiores que os outrossistemas vasculares, exceo do fgado7. Alm disso,o inuxo venoso intestinal tambm perfunde o sistemaporta, o que requer altas presses sangnea venosa ehidrosttica capilar. Desse modo, h um riscoconsidervel de perda de uidos em caso de aumentoda presso capilar nessa rea7.

    As vilosidades intestinais so perfundidas atravs deum uxo contracorrente, onde uma arterola centraldifunde oxignio por intermdio das vnulassubmucosas paralelas1. A extremidade distal das

    vilosidades, que representa sua superfcie absortiva,recebe a menor frao de oxignio do epitlio; assim,at mesmo discretas mudanas no uxo sangneopodem causar isquemia nessa rea1. Em estados debaixo dbito, uma frao signicativa do oxignio podesofrer shuntdas arterolas para as vnulas, prximo

    base dos vilos, causando isquemia em sua superfciedistal1. A estimulao simptica tambm provocaaumento da vasoconstrio pr e ps-capilar, levandoa um estado prolongado de baixa perfuso1. Essasalteraes vasculares podem ser notadas antes mesmoda ocorrncia de mudanas no dbito cardaco.

    O Intestino: rgo imune

    O intestino apresenta o que pode ser consideradocomo o maior rgo linfide no ser humano, o tecidolinfide associado mucosa (TLAM), responsvel pela

    produo de cerca de 70% do total de imunoglobulinassintetizadas5. O TLAM formado por agregados declulas linfides localizados nas placas de Peyer, noapndice vermiforme, nos folculos linfticos solitriose linfonodos mesentricos, e suas principais partesfuncionais so as placas de Peyer, que contm linfcitosB e T, e o tecido linfide difuso, encontrado ao longoda mucosa intestinal.

    A tolerncia em relao aos comensais e a imunidadecontra microorganismos patognicos requeremmecanismos de reconhecimento e resposta antignicosperfeitos. Essa harmonia dependente do sistemaimune inato, da presena de linfcitos especcos eimunoglobulinas, e da integridade do epitlio 8.Receptores citosslicos, conhecidos como toll-likereceptors (TLRs), desempenham importante funona resposta celular inata e subseqentes respostasadaptativas aos microorganismos patognicos9.Alteraes como translocao bacteriana decorrentede aumento da permeabilidade da parede, e distrbiosna interao entre o epitlio lesado e clulas T, podemlevar inamao e dano tissular6.

    O envolvimento da microflora comensal e seus

    componentes com propriedades imunoativadoras temsido proposto como importante fator na etiopatogeniade desordens multissistmicas8, inclusive a IC. Osmastcitos possuem uma atividade reguladora devrios processos moduladores da permeabilidadeintestinal10 . Substncias liberadas a partir dadegranulao dessas clulas, como a histamina, soresponsveis pela regulao do fluxo sangneo,alteraes na permeabilidade endotelial e epitelial,secreo mucosa, peristalse, reaes imunolgicas eangiognese10. Alm disso, possuem uma propriedadeprotetora contra infeces bacterianas atravs daproduo de citocinas, principalmente o TNF.Condies clnicas que apresentam alteraes na

  • 7/24/2019 a2007_v20_n06_art07

    4/7

    446

    Costanza et al.

    A Participao do Sistema Gastrintestinal na Insufcincia Cardaca

    Artigo de Atualizao

    Rev SOCERJ. 2007;20(6):443-449

    novembro/dezembro

    permeabilidade intestinal, como alergias alimentares esndrome do clon irritvel, so acompanhadas por umaumento dos nveis de mastcitos10.

    Mediadores intracelulares regulam a permeabilidadeda parede de diversas formas; como, por exemplo, o

    xido ntrico (NO), que atua sobre as clulas epiteliaise a microcirculao10. Ele est envolvido na regulaodo uxo sangneo, na manuteno do tnus vascular,no controle da agregao plaquetria, bem como namodulao da atividade dos mastcitos, alm depossuir atividade neurotransmissora11.

    O NO um radical livre produzido a partir da L-arginina pela NO-sintase (NOS) e, em presena deoxignio, rapidamente convertido em nitritos (NO2)e nitratos (NO

    3)10. Existem duas isoformas de NOS:

    cNOS, constitutiva e clcio-dependente, e iNOS,

    induzida e clcio-independente; ambas esto presentesnos entercitos10. A iNOS tambm aparece em clulasinamatrias, onde sua sntese e atividade podem serinuenciadas por endotoxinas e citocinas10. Evidnciasindicam que baixos nveis de NO, normalmentesintetizados a partir da ao da cNOS, so importantesna manuteno da funo normal da barreira mucosa10,11.Entretanto, a liberao exacerbada de NO atravs daiNOS tem sido associada a disfunes na barreiraintestinal e citotoxicidade, atravs de um mecanismocomplexo e multifatorial que inclui oxidao proteica,s-nitrosilao, ativao de GMPc e depleo energtica,com produo de peroxinitritos e outros compostos,

    altamente prejudiciais aos tecidos8.

    A Translocao Bacteriana e Endotoxemia

    A funo da barreira intestinal mantida atravs darelao harmnica entre a microora endgena, aintegridade da membrana mucosa e o sistemaimunolgico normofuncionante. Alteraes em um oumais desses sistemas podem levar ao processoconhecido como translocao bacteriana, ondebactrias luminais, ou seus produtos, atravessam amucosa e alcanam a circulao mesentrica e at

    mesmo rgos distantes1

    .

    Os mecanismos que favorecem a translocao bacterianaso: alterao na funo da barreira intestinal, crescimentoexacerbado da populao de bactrias e decincia nosistema imune do hospedeiro. Nesse processo, asbactrias acoplam-se aos entercitos, rompem suasmembranas celulares e penetram na membrana basal1.Dessa forma, a circulao linftica carreia as bactriasaos linfonodos mesentricos, de onde podem serespalhadas para outros rgos e tecidos1.

    Notadamente, pacientes com IC apresentam condiesque conduzem hipoxia e isquemia das vilosidades

    intestinais, assim como estase e edema da mucosa,alterando a funo da barreira e facilitando atranslocao bacteriana. Outras condies clnicascomo nutrio parenteral, choque hemorrgico, febre,revascularizao coronariana e cirurgias abdominaisj foram associadas translocao1.

    O principal produto de membrana das bactrias gram-negativas o lipdio A do lipopolissacardio (LPS), que um fosfolipdio encontrado na camada externa damembrana celular, tambm chamado endotoxina(ETX)1. A ETX capaz de estimular a sntese dediversas citocinas, como TNF, IL1 e IL612, quepodem estar associadas ao agravo da IC.

    Ao atingir a circulao, o LPS liga-se sua protenacarreadora (LBP), que uma glicoprotena com funode transporte e adeso de LPS s clulas

    mononucleares12

    . O complexo LPS-LBP possui altaanidade por protenas de membrana de clulasimunocompetentes12e passa a ser reconhecido pelosreceptores CD

    14 e TLR

    4 dessas clulas. Aps a

    ocorrncia da ligao da LPS com o receptor CD14,

    este se desprende e atinge a circulao em forma deCD

    14 solvel (sCD

    14); logo as concentraes

    plasmticas de sCD14

    reetem o grau de interaoentre este receptor e o LPS12.

    O LPS pode ativar clulas que no possuem TLR4

    aps a ligao com o CD14, como clulas endoteliais

    e cardiomicitos13. Dessa forma, ocorre ativao dac a sc a t a p r - i n f l a m a t r i a m e d i a d a p e l o smoncitos14.

    A correlao entre ETX e doena cardiovascular foiinicialmente estudada na gnese da doena arterialcoronariana, porm ainda no se encontram anlisesconclusivas1. Mais tarde, evidncias mostraram quepacientes com altos nveis de ETX apresentavam riscoaumentado para desenvolver aterosclerose carotdea15.Outro estudo mostrou que o polimorsmo do TLR

    4,

    que o receptor da ETX, estava relacionado a umamenor ocorrncia de doena coronariana, uma vez

    que a alterao gerava um subtipo ineficaz dereceptor16.

    Anker et al. foram pioneiros ao sugerir a hipteseETX-citocina na patognese da IC (Figuras 1 e 2). Emum estudo observacional em pacientes com ICavanada, foram detectadas elevaes sricasconcomitantes de TNFe do receptor CD

    14solvel,

    sugerindo que existe associao entre a presena deETX na circulao e a ativao imunoinamatria naIC17. O aumento de ETX em pacientes em classe IVNYHA foi posteriormente demonstrado por essemesmo grupo18.

  • 7/24/2019 a2007_v20_n06_art07

    5/7

    447

    Costanza et al.

    A Participao do Sistema Gastrintestinal na Insufcincia Cardaca

    Artigo de Atualizao

    Rev SOCERJ. 2007;20(6):443-449

    novembro/dezembro

    Figura 1

    Mecanismos celulares relacionados ativaoimunoinflamatria na IC pela ETX srica: a interaoendotoxina-citocina

    ETX=endotoxina; PCE=protena carreadora da ETX

    Figura 2

    Mecanismos subcelulares relacionados ativaoimunoinflamatria na IC pela ETX srica: a interaoendotoxina-citocinaETX=endotoxina; PCE=protena carreadora da ETX; rTL

    -4=receptor

    toll-like4; rCD14

    =receptor CD14

    ; sCD14

    =poro solvel do receptor

    CD14; TNF= tumor necrosis factor-alpha

    Intestino e IC

    A relao entre os sistemas gastrintestinal ecardiovascular conhecida em patologias como adoena celaca e a caquexia cardaca. Esses modelosapresentam mecanismos fisiopatolgicos distintos,porm relacionados entre si que, avaliadosrigorosamente, propem novas hipteses acerca doenvolvimento do intestino nas doenas cardacas,particularmente a IC.

    Recentemente, uma alta prevalncia de doenace l aca fo i encontrada em pac ientes comcardiomiopatia dilatada idioptica, sugerindo aexistncia de um mecanismo imunolgicoassociado19.

    O estabelecimento de uma interao negativarecproca entre o corao e o intestino j conhecidoem casos de injrias graves a um desses rgos;porm a possibilidade de dano simultneo aos doisrgos, decorrente de mecanismo patogenticocomum, no est comprovada19. Em estudo realizadoem pacientes com doena celaca, Frustaci et al.observaram a ocorrncia de um processo auto-imunecontra antgenos cardacos, o qual poderia estarenvolvido na patognese do dano inflamatriocardaco19. Observaram ainda que, nos portadoresde doena celaca que apresentavam miocardite, a

    terapia imunossupressora combinada dieta livre deglten mostrou melhora do quadro de IC. Vriosmecanismos foram propostos para o desenvolvimentode cardiomiopatia na doena celaca, como: mabsoro crnica de nutrientes, anormalidades napermeabilidade mucosa com conseqente translocaode bactrias e ETX, e resposta imune combinada aantgenos presentes no intestino e no corao20.Alguns estudos mostram correlaes entre doenacelaca e cardiomiopatia, arritmias cardacas e IC21.

    A caquexia cardaca pode ser definida como umestgio final da IC, quando ocorre reduo

    importante da massa muscular e adiposa, alm deperda mineral ssea22. Mecanismos que perpetuama caquexia envolvem neuro-hormnios e citocinaspr-inflamatrias, que contribuem para odesequilbrio entre processos anablicos ecatablicos, assim como deficincias dietticas naabsoro de micronutrientes e macronutrientes22.

    A permeabil idade da parede intest inal e ,conseqentemente, a absoro de nutrientes empacientes com IC so aparentemente influenciadaspor dois fatores: perfuso e edema intestinais22. O

    edema da parede pode levar m absoro denutrientes e perda proteica, alm de favorecer atranslocao bacteriana.

    Em um estudo com pacientes com descompensaoedematosa foram encontrados nveis elevados deETX, comparando-se ao grupo de pacientes comdoena compensada e ao grupo-controle 18 .Observou-se, ainda, diminuio desses nveis apsterapia diurtica, sugerindo que a melhora clnicaest intimamente relacionada diminuio daatividade inflamatria e translocao.

  • 7/24/2019 a2007_v20_n06_art07

    6/7

    448

    Costanza et al.

    A Participao do Sistema Gastrintestinal na Insufcincia Cardaca

    Artigo de Atualizao

    Rev SOCERJ. 2007;20(6):443-449

    novembro/dezembro

    Intervenes teraputicas relacionadas aotrato gastrintestinal e Insufcincia Cardaca

    Baseando-se na hiptese de que a ETX e a ativaoinflamatria possuem importante relevnciasiopatolgica na IC, Anker et al. sugeriram possveis

    direes e intervenes teraputicas para estudosfuturos, que podem ser visualizadas de formaresumida no Quadro 1, adaptado a partir do modelooriginal pelos autores deste trabalho.

    O incremento do uxo sangneo esplncnico podeser uma forma de promover reduo do edema eisquemia intestinais. Estudos prvios mostraramaumento do uxo sangneo intestinal com uso deinibidores da enzima conversora da angiotensina(IECA) e dopexamina, como descrito por Anker et al.1.O efeito de substncias inotrpicas ou de medicamentos

    que implementem a funo endotelial, como asestatinas, ainda desconhecido e merece estudos quecomprovem seus efeitos atravs de parmetros queavaliem a perfuso intestinal1.

    A tentativa de neutralizao de LPS com polimixinaB em pacientes queimados no mostrou resultadossatisfatrios23. Entretanto, ainda so necessrios outrosestudos para um melhor entendimento do mecanismode reduo de ETX circulante e sua real participaona siopatologia de desordens multissistmicas.

    A descontaminao seletiva do intestino j foi estudadaem pacientes com infeces hospitalares, encefalopatiaheptica, transplante heptico e, recentemente, ICavanada24,25. Estudos em cobaias, usando IECA ealopurinol, mostraram reduo da translocaobacteriana1,26.

    A antibioticoterapia utilizada como forma de reduzira populao bacteriana e, paralelamente, a translocao,em pacientes com IC avanada foi introduzidainicialmente por Conraads et al.24. Nesse estudo, apsdescontaminao intestinal seletiva com polimixina Be tobramicina, os nveis de ETX do lmen diminuramsignicativamente (p

  • 7/24/2019 a2007_v20_n06_art07

    7/7

    449

    Costanza et al.

    A Participao do Sistema Gastrintestinal na Insufcincia Cardaca

    Artigo de Atualizao

    Rev SOCERJ. 2007;20(6):443-449

    novembro/dezembro

    pacientes crticos no somente pela disseminaosistmica de bactrias patognicas e seus produtos, masprincipalmente pela produo local de fatores pr-inamatrios pelo tecido linfide, que so liberadospara a circulao.

    Um conhecimento mais amplo nesse mbito podepermitir uma melhor compreenso acerca da complexainter-relao entre os sistemas gastrintestinal ecardiovascular. Novas hipteses fisiopatolgicas epropostas teraputicas esto sendo avaliadas em meio aesses recentes conceitos, incentivando linhas de pesquisa.So necessriosoutros estudos direcionados sobre oassunto, de modo a propor novos alvos teraputicos paraa IC, uma doena cada vez mais prevalente.

    Referncias

    1. Krack A, Sharma R, Anker SD. The importance of thegastrointestinal system in the pathogenesis of heartfailure. Eur Heart J. 2005;26:2368-374.

    2. Kotanko P, Carter M, Levin NW. Intestinal bacterialmicroora a potential source of chronic inammationin patients with chronic kidney disease. Nephrol DialTransplant. 2006;21:2057-2060.

    3. Sun Z, Wang X, Andersson R. Role of intestinalpermeability in monitoring mucosal barrier function.Dig Surg. 1998;15:386-97.

    4. Dewitt RC, Kudsk KA. The guts role in metabolism,mucosal barrier function and septic shock. Infec Dis Clin

    North Am. 1999;13:465-81.5. Kagnoff MF. Immunology and inflammation of the

    gastrointestinal tract. In: Feldman M. Sleisenger andFordtrans gastrointestinal and liver disease. 6th ed. NewYork: W.B. Saunders; 1998:19-42.

    6. Baumgart DC, Dignass AU. Intestinal barrier function.Curr Opin Clin Nutr MetabCare. 2002;5(6):685-94.

    7. Haglund U, Bergqvist D. Intestinal ischemia the basics.Langenbecks Arch Surg. 1999;384:233-38.

    8. Tlaskalov-Hogenov H, Stepnkov R, Hudcovic T, et al.Commensal bacteria (normal microflora), mucosalimmunity and chronic inammatory and autoimmune

    diseases. Immunol Lett. 2004;93(2-3):97-108.9. Harris G, Kuolee R, Chen W. Role of toll-like receptorsin health and diseases of gastrointestinal tract. World JGastroenterol. 2006;12(14):2149-160.

    10. Fahradi A, Banan A, Fields J, et al. Intestinal barrier: Aninterface between health and disease. J GastroenterolHepatol. 2003;18:479-97.

    11. Martin MJ, Jimenez MD, Motilva V. New issues aboutnitric oxide and its effects on the gastrointestinal tract.Curr Pharm Des. 2001;7:881-908.

    12. Ulevitch RJ, Tobias PS. Recognition of gram-negativebacteria and endotoxin by the innate immune system.Curr Opin Immunol. 1999;11:19-22.

    13. Wagner DR, McTiernan C, Sanders VJ, et al. Adenosineinhibits lipopolysaccharide-induced secretion of tumornecrosis factor- in the failing human heart. Circulation.1998;97:521-24.

    14. Frantz S, Kobzik L, Kim YD, et al. Toll 4 (TLR4) expressionin cardiac myocytes in normal and failing myocardium.

    J Clin Invest. 1999;3(104):271-80.15. Wiedermann CJ, Kiechl S, Dunzendorfer S, et al.

    Association of endotoxemia with carotid atherosclerosisand cardiovascular disease: prospective results from theBruneck study. J Am Coll Cardiol. 1999;34:1975-981.

    16. Kiechl S, Lorenz E, Reindl M, et al. Toll-like receptor 4polymorphisms and atherogenesis. N Engl J Med.2002;347:185-92.

    17. Anker SD, Egerer KR, Volk HD, et al. Elevated solublereceptors and altered cytokines in chronic heart failure.Am J Cardiol. 1997;79:1426-430.

    18. Niebauer J, Volk HD, Kemp M, et al. Endotoxin andimmune activation in chronic heart failure: a prospectivecohort study. Lancet. 1999;353:1838-842.

    19. Frustaci A, Cuoco L, Chimenti C, et al. Celiac diseaseassociated with autoimmune myocarditis. Circulation.2002;105:2611-618.

    20. Goel NK, Mcbane RD, Kamath PS. Cardiomyopathyassociated with celiac disease. Mayo Clin Proc.2005;80(5):674-76.

    21. Celiac.com [homepage on the internet]. Yick L. Heartfailure, cardiomyopathy and celiac disease. [cited 2007Apr 23]. Available from:

    22. Von Haehling S, Doehner W, Anker SD. Nutrition,

    metabolism, and the complex pathophysiology ofcachexia in chronic heart failure. Cardiovasc Research.2007;73:298-309.

    23. Nieuwenhuijzen GA, Goris RJ. The gut: the 'motor' ofmultiple organ dysfunction syndrome? Curr Opin CritCare. 1999;5:126-31.

    24. Conraads VM, Jorens PG, De Clerck LS, et al. Selectiveintestinal decontamination in advanced chronic heartfailure: a pilot trial. Eur J Heart Fail. 2004;6:483-91.

    25. Rayes M, Seehofer D, Hansen S, et al. Early enteral supplyof lactobacillus and fiber versus selective boweldecontamination: a controlled trial in liver transplant

    recipients. Transplantation. 2002;74(1):123-28.26. Schimpl G, Pesendorfer P, Steinwender G, et al. Allopurinolreduces bacterial translocation, intestinal mucosal lipidperoxidation, and neutrophil-derived myeloperoxidaseactivity in chronic portal hypertensive and common bileduct-ligated growing rats. Pediatr Res. 1996;40:422-28.

    27. Kopp-Hoolihan L. Prophylactic and therapeutic uses ofprobiotics: a review. JAm Diet Assoc. 2001;2(101):229-41.

    28. Chermesh I, Eliakim R. Probiotics and the gastrointestinaltract: where are we in 2005? World J Gastroenterol.2006;12(6):853-57.

    29. Fiocchi C. Probiotics in inammatory bowel disease: yetanother mechanism of action? Gastroenterology.2006;131(6):2009-2012.