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8 A LEITURA DO TEXTO PROPAGANDÍSTICO: ABORDANDO A SITUAÇÃO DA MULHER EM SALA DE AULA Suelen dos Santos Andreu (PG UEMS/CAPES)* Silvane Aparecida de Freitas (UEMS)* RESUMO: Pretendemos com o presente artigo compreender o estudo das propagandas que trazem as representações femininas e como a mídia constrói discursos que permeiam nosso imaginário social para nos persuadir. Para tanto buscaremos fundamentos teóricos da Análise do Discurso de linha francesa em que inclui questões ideológicas e jogos de imagens que perpassam as propagandas analisadas e os estudos de Bakhtin. Levaremos em consideração também a utilização de textos propagandísticos em sala de aula, como um recurso a mais, para contribuir no desenvolvimento de aulas, principalmente de Língua Portuguesa, mais dinâmicas, críticas e repletas de significados a serem compartilhados com os alunos, fazendo com que os mesmos tornem-se mais participativos e engajados tanto na sociedade como diante dos diversos temas que as propagandas abordam. PALAVARAS-CHAVE: Texto propagandístico; Representações femininas; Sala de aula. ABSTRACT: We intend with this article include the study of the advertisements that bring the representations of women and how media discourse constructs that permeate our social imagination to persuade us. To seek both theoretical foundations of Discourse Analysis French line that includes games and ideological issues that pervade the propagandas images analyzed and the studies of Bakhtin. We will take into consideration also the propagandistic use of texts in the classroom, as one more resource to help development of classes, mainly Portuguese Language, more dynamic, critical and full of meanings to be shared with students, making they become more involved and engaged both in society and on the various topics that deal with advertising. Interletras, volume 3, Edição número 16,outub.2012/març.2013 - p

abordando a situação da mulher em sala de aula

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A LEITURA DO TEXTO PROPAGANDÍSTICO: ABORDANDO A SITUAÇÃO DA MULHER EM SALA DE AULA

Suelen dos Santos Andreu (PG UEMS/CAPES)*Silvane Aparecida de Freitas (UEMS)*

RESUMO: Pretendemos com o presente artigo compreender o estudo das propagandas que trazem as representações femininas e como a mídia constrói discursos que permeiam nosso imaginário social para nos persuadir. Para tanto buscaremos fundamentos teóricos da Análise do Discurso de linha francesa em que inclui questões ideológicas e jogos de imagens que perpassam as propagandas analisadas e os estudos de Bakhtin. Levaremos em consideração também a utilização de textos propagandísticos em sala de aula, como um recurso a mais, para contribuir no desenvolvimento de aulas, principalmente de Língua Portuguesa, mais dinâmicas, críticas e repletas de significados a serem compartilhados com os alunos, fazendo com que os mesmos tornem-se mais participativos e engajados tanto na sociedade como diante dos diversos temas que as propagandas abordam.

PALAVARAS-CHAVE: Texto propagandístico; Representações femininas; Sala de aula.

ABSTRACT:

We intend with this article include the study of the advertisements that bring the representations of women and how media discourse constructs that permeate our social imagination to persuade us. To seek both theoretical foundations of Discourse Analysis French line that includes games and ideological issues that pervade the propagandas images analyzed and the studies of Bakhtin. We will take into consideration also the propagandistic use of texts in the classroom, as one more resource to help development of classes, mainly Portuguese Language, more dynamic, critical and full of meanings to be shared with students, making they become more involved and engaged both in society and on the various topics that deal with advertising.

KEYWORDS: Text propaganda; Representations of women; Classroom.

INTRODUÇÃO

A intenção do presente artigo é mostrar que os professores têm à disposição ferramentas de muito valor para produzirem suas aulas e ampliarem a competência discursiva de seus alunos, tais ferramentas podemos dizer que são os gêneros discursivos, ou melhor,

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a diversidade de gêneros, pois devemos levar em conta que é por meio deles que as práticas de linguagem manifestam-se nas atividades dos aprendizes, devido ao fato de os alunos poderem posicionar-se e interagirem com o mundo ao seu redor.

Desse modo, faz-se necessário o uso dos gêneros para que o processo ensino/aprendizagem torne-se significativo e que tenha relevância para os alunos, pois, segundo Schneuwly e Dolz (1999), “o gênero é considerado um mega-instrumento que fornece suportes para as atividades de comunicação e passa a ser referência para quem aprende”. Logo, as práticas de linguagem aliadas às atividades dos alunos por meio da leitura dos diversos gêneros discursivos tornam-se essenciais para a ampliação das manifestações psicológicas, sociais, culturais e linguísticas dos estudantes.

Em estudos de Chiappini (1998) realizados com alunos de ensino médio sobre como se utilizar textos não escolares em sala de aula, constatou-se que nem sempre as vivências dos alunos fora da sala de aula são levadas em consideração na prática escolar, porém em alguns casos, quando ocorre, de professores que se baseiam em novelas, notícias de jornais, desenhos, histórias em quadrinhos, filmes e até mesmo de propagandas, não o fazem de maneira aprofundada, direcionada ou planejada, e sim como uma forma de iniciar algum tema que será abordado em sala ou para uma aproximação com os alunos. Mal percebem que esses recursos poderiam servir para ampliarem as aulas, não somente na disciplina de língua portuguesa, em todas por sinal, havendo um trabalho interdisciplinar.

Com essas considerações, portanto, vamos nos ater à leitura do gênero propagandístico e algumas possibilidades de usá-lo em sala de aula, pelo fato de os alunos terem maior acesso a ele, pois a televisão, hoje em dia, faz parte da vivência dos estudantes, além de que não é apenas por meio da televisão que as propagandas são disseminadas, elas estão ao nosso redor nos cartazes espalhados pela rua, em outdoors, na internet, no rádio, enfim, são inúmeros os meios que nos levam a ter contato com as propagandas, sem contar que aparecem até no material didático dos alunos.

Nesse sentido, traremos um exemplo de propaganda para refletirmos, por meio da leitura desse tipo de texto, como se dá a representação das mulheres nesse gênero discursivo, bem como a ideologia que envolve algumas marcas de produtos,

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objetivando, com isso, trilhar um caminho que possa nos levar a alunos que se posicionem, não mais alienadamente, diante de assuntos que nos rodeiam.

O propósito é enfatizar como se estabelece o processo ensino/aprendizagem de língua materna centrado na leitura do texto propagandístico e como esse gênero poderá ser divulgado como possível proposta de ensino, aliado a um ensino de língua portuguesa voltado para uma prática social significativa, e também mostrar como o aluno/leitor pode se posicionar frente à realidade do texto propagandístico relacionando a imagem que faz de si e do outro, incorporando os papéis sociais das mulheres. Lembrando-nos de que o texto propagandístico é um gênero a mais a ser explorado em sala de aula e não o único e não o único.

1 GÊNEROS DISCURSIVOS EM BREVES CONSIDERAÇÕES

A diversidade de gêneros discursivos, sobretudo os mais circulados socialmente, deve ser levada para a sala de aula, afim de que o aluno perceba que o que é levado para a escola é significativo para ele, pois assim, valorizará melhor as práticas escolares e, com isso, conseguirá refletir sobre a língua que aprende na escola, por vezes, tão distante dele.

Para que essa interação aconteça é necessário também levar em conta os gêneros com os quais os alunos se identificam para que eles possam se reconhecer enquanto sujeitos de uma determinada ação. Com isso, os professores devem prestar mais atenção quando os alunos trazem assuntos com os quais tiveram contanto seja pela televisão, pelo rádio, pela internet, ou se identificam com algum personagem da novela, do seriado, do filme, enfim, as vivências deles são importantes e devem ser consideradas.

Nagamini (1998) coloca-nos que o impacto dos veículos de massa na vida do aluno, assim como a influência que exercem nos modos de recepção e interpretação do mundo são fatores que justificam uma abordagem pedagógica desses veículos. Uma educação voltada para tais meios contribuiria pra a formação de um leitor capaz de manifestar-se criticamente perante mensagens transmitidas, reconhecendo que elas não são neutras, já que marcadas por uma série de interesses.

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Catelli (1998) nos alerta que os alunos vivem uma intensa relação com as linguagens, de uma forma geral, o que resulta em discussões, troca de experiências, estratégias de socialização, mas que acabam desaparecendo em meio ao silêncio no momento sacralizado da aula.

Os professores devem mostrar os sentidos que podem elucidar dos diversos gêneros, acrescentando outros que os alunos, por vezes, não têm tanto contato, para que, assim, ele comece a se identificar com outros gêneros, além dos que ele já conhece e consiga trazer os seus próprios sentidos para aquilo que está tendo contato, mas que até então era desconhecido em seu dia-a-dia, já que isso poderá ampliar sua visão de mundo.

Prova disso, apoiamo-nos em Marcuschi (2005, p. 18-19), quando argumenta que os gêneros são rotinas sociais e que por isso não devemos considerá-los imutáveis, mas sim como “formas culturais e cognitivas de ação social, fenômeno linguístico”, pois se leva em conta que a sociedade se transforma ao longo dos tempos e, com isso, a linguagem também, cabendo, assim, uma adequação às novas realidades e perspectivas do cotidiano. Logo, passamos a suscitar nos alunos o fomento à leitura, enquanto produção de sentidos, para que possam, enfim, ter significado na vida dos aprendizes.

2 ASPECTOS DO TEXTO PROPAGANDÍSTICO

De acordo com Sandmann (2001, p.11-12), a linguagem da propaganda se serve da linguagem coloquial mais que da erudita ou padrão, justamente, porque quer alcançar seu interlocutor de maneira mais próxima, mais íntima, sendo a linguagem coloquial mais comum à maioria. Ao mesmo tempo, é uma linguagem que se distingue, por outro lado, como a literária, pela criatividade, pela busca de recursos expressivos que chamem a atenção do leitor, que o façam parar e ler ou escutar a mensagem que está sendo dirigida a ele, nem que para isso se infrinjam as normas da linguagem padrão ou as convenções da gramática normativa tradicional e, em certo sentido, da competência linguística abstrata, geralmente, aceita.

Sem contar que esse leitor do cotidiano, pensando de uma forma geral, todavia levando em conta nossos alunos também, são a todo instante envoltos a um turbilhão de estímulos sensoriais, visuais e estão a todo instante na “correria”. Por isso sem tempo de

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se aterem a todas as mensagens que chegam até eles; dessa forma, a linguagem da propaganda deve ser simples, mas ao mesmo tempo chamar a atenção, ser criativa para que o leitor/ouvinte preste atenção ao que o publicitário quer vender, mesmo que, para isso, ele tenha que chocar esse leitor, seja por meio da linguagem ou da imagem.

Temos de ressaltar que não é intuito da escola do ensino fundamental ou médio formar publicitários e nem que o professor explore apenas o texto propagandístico em sala de aula, não defendemos isso. No entanto, defendemos o princípio de que esse gênero pode ser o ponto de partida para a entrada de outros gêneros na sala de aula.

Devemos levar em consideração, também, ainda de acordo Sandmann (2001, p.13), que a linguagem da propaganda está envolta a aspectos ortográficos, tais como as grafias exóticas; aspectos fonéticos como rima, ritmo, aliteração, paronomásia; aspectos morfológicos tais como as criações lexicais, ressegmentações; aspectos sintáticos a exemplo da topicalização, paralelismos, simplicidade estrutural; aspectos semânticos, assim como a polissemia, homonímia, ambiguidade, antonímia; linguagem figurada a exemplo das metáforas e desmetaforização, metonímia, personificação; jogo com frases feitas e com a palavra; os chamados desvios linguísticos da norma padrão e claro que todo esse aparato linguístico pode estar associado às imagens que também dialogam ou contrastam com os recursos linguísticos para enriquecer ainda mais a propaganda. Por diversas vezes, podemos também, se tivermos um repertório de leitura, perceber as ideologias das peças publicitárias.

Portanto, é importante ressaltar a importância da produção de sentidos do texto propagandístico, já que não devemos fazer desse trabalho apenas uma aula de gramática, utilizando-nos das propagandas para retirarmos as orações subordinadas do texto, ou “consertarmos” a grafia errada, não devemos fazer disso um instrumento para ensinar gramática, mas sim para dinamizar e enriquecer as aulas, ampliar o repertório dos alunos, instigar suas capacidades de leitura, de modo que possamos contribuir para que suas capacidades linguísticas possam ir além, sem se prender à gramática pela gramática, mas utilizar desses recursos para a produção de sentidos do texto.

Dessa forma, se o uso de propagandas em sala de aula não deve, então, ser considerado como mais um aparato ao ensino de gramática, fica-nos a questão: o que irá mudar na

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forma de ensinar ou de se compreender determinado texto ou de se interpretar o que nos rodeia por meio dos gêneros discursivos e em especial a propaganda?

O volume dois dos Parâmetros Curriculares Nacionais, destinado a Linguagens, Códigos e suas Tecnologias (PCN, 1999, p.14) nos responde isso ao afirmar que: “a linguagem humana, tal como o homem, destaca-se pelo seu caráter criativo, contraditório, pluridimensional, múltiplo e singular, a um só tempo”, por conta disso, o uso de textos propagandísticos em sala de aula requer conhecimentos de diversas linguagens, tanto verbal como não verbal, tais como o código-oral, compreensão dos aspectos estilísticos, ideológicos, elementos linguísticos e imagéticos.

Além disso, dentre o conjunto dos gêneros tido como potencialmente infinito e mutável (KLEIMAN, 2005, p. 8), temos a publicidade, tida como um dos gêneros mais acessíveis à população. Nas palavras de Hoff (2005, p.1), “convivemos com tanta familiaridade com as ideias e imagens neles (no gênero) – nos meios de comunicação de massa – veiculadas que as aceitamos como verdade e as utilizamos para guiar nossas decisões e escolhas de vida”.

Assim, além de estar de acordo com as orientações teórico-metodológicas dos PCN, um dos méritos do trabalho didático pedagógico com os gêneros discursivos, e, nesse caso, a propaganda, é o fato de proporcionar a ampliação da competência discursiva do aluno no processo de leitura e produção textual, tendo como consequência o domínio do funcionamento da linguagem em situações concretas de comunicação, uma vez que é por meio dos gêneros discursivos que as práticas de linguagem incorporam-se nas atividades dos alunos.

Para Koch (2003, p. 53), o contato com os textos da vida cotidiana exercita a nossa capacidade metatextual para a construção e intelecção de textos. Sem contar que, para Bakhtin (2011, p. 262), cada enunciado particular é individual, mas cada campo de utilização da língua elabora seus tipos relativamente estáveis de enunciados, os quais denominamos gêneros do discurso. A escolha do gênero, para ele, portanto, é determinada em função da especificidade da esfera de produção em que ocorre a comunicação verbal, pelas necessidades de uma temática e do conjunto constituído pelos participantes.

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Mas para que isso aconteça, é necessária uma continuidade dos estudos dos professores para que possam transcender os conteúdos ditos escolares. Leva-se em conta também que no próprio livro didático encontramos já uma diversidade de gêneros, mas talvez ainda sejam utilizados discretamente, como um recurso não tão importante ainda, assim como os temas que os alunos trazem para a sala são considerados assuntos dissociados das aulas, como se não tivessem de acordo com o conteúdo escolar.

3 ANÁLISE DE PROPAGANDA “DOVE” A PARTIR DA REPRESENTAÇÃO

FEMININA

Para que possamos validar as considerações feitas até aqui em relação ao uso do texto propagandístico em sala de aula, traremos como exemplo uma propaganda da marca Dove que traz a linha de hidratação para os cabelos que concomitante a isso faz uma alusão a personagens femininas de desenhos animados, as quais para serem aceitas pela sociedade devem apresentar-se com o cabelo liso, reportando que o cabelo, de nós mulheres, para ser bonito, seja qual for o estilo, deve ser liso.

Nesse aspecto partimos de um estudo realizado por Catelli (2009) sobre diversos temas da área de História para se trabalhar em sala de aula. Num dos temas o autor traz a história (enquanto disciplina) estudada a partir da mulher na qual elabora reflexões para os professores se utilizarem em sala de aula, à maneira de um manual; ele traça roteiros, traz dicas de textos, imagens e questões relacionadas à representação feminina ao longo de toda a História e coloca-nos uma questão interessante: “até que ponto os publicitários estão fazendo valer o ideal feminino?” (CATELLI, 2009, p. 230) e por conta dessa questão é que trago a propaganda da linha para cabelos Dove para refletirmos sobre o universo feminino.

Percebemos até aqui um avanço em relação ao estudo de Chiappini (1998) sobre como trabalhar com textos não escolares nas escolas, pois no caso de Catelli (2009) observamos vários temas a serem abordados na área de História, o que mostra a interdisciplinaridade e a importância da diversidade de gêneros para enriquecer as aulas, sejam de história, de língua portuguesa, matemática, enfim. O importante é trazer temas

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relevantes para a sala de aula que sejam passíveis de discussões e que tenhamos subsídios para tal.

A empresa Unilever, responsável por diversos produtos de beleza, higiene pessoal, limpeza, enfim, é responsável também pelo sabonete Dove, que devido a seu sucesso e por agradar ao público feminino acabou levando a marca a produzir, além do sabonete, creme hidratante, desodorantes, xampus, condicionadores, gel anti-frizz. A empresa, com isso, traz o lema da “beleza sem artifício”, “da real beleza da mulher”, levando em conta as diferenças, sem estereótipos, cultuando o que a mulher tem de melhor, que é sua garra, sua força, seu poder de seduzir sem precisar ser magra, alta, loira ou com os cabelos lisos. Observa-se, por exemplo, nas imagens abaixo como os cabelos das personagens dos desenhos estão um tanto diferentes do usual.

www.googleimagens.com.br/dove

O que vemos na propaganda são personagens bastante significativas, que marcam ou marcaram épocas e que podem perfeitamente dialogarem com avós, mães e filhas, ou seja, diversas faixas etárias, pois Vilma – (de Os Flinstones, famosa série de televisão animada produzida pela Hanna-Barbera de 1960 a 1966), Velma – (do Scooby-Doo, desenho animado americano produzido também pela Hanna-Barbera, e criado no ano de 1969 por Iwao Takamoto) e Marge – (de Os Simpsons, EUA, estreado em 17 de dezembro de 1989, criado por Matt Groening para o canal Fox e produzido por James L. Brooks) são personagens que traçaram sua trajetória e mesmo que sejam de uma ou outra época são facilmente encontradas em circulação pela internet ou ainda na televisão.

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Por meio desses desenhos, então, com suas personagens femininas percebemos que a trajetória delas galga por uma beleza que não era relevante na época em que foram concebidas, como por exemplo, ter o cabelo liso e todo arrumadinho. Com a emancipação da mulher, devido à pós-modernidade, sob o impacto da globalização, torna-se um pouco complicado pensar nas identidades femininas como algo, imutável, que não seja dinâmico, portanto até os desenhos são passíveis de mudanças, por exemplo, em seu visual, como visto na propaganda.

Afirma-nos Andrade (2011), que esse desejo de intervenção em nosso visual, de fato, é produzido pelas práticas discursivas midiáticas, e isso se torna possível devido à infinidade de recursos biotecnológicos, tais como os tratamentos estéticos, os produtos de beleza que “agem a nosso favor”, pois se é possível deixar os cabelos de uma mulher da idade da pedra mais bonitos e sedosos, ou de uma com o cabelo bastante armado, sem o temido frizz e até uma intelectual – cujo estereótipo é o de que a mulher considerada inteligente, na maioria das vezes, é desleixada – ficar bonita e vistosa com os cabelos soltos e lisos, por que não deixar os cabelos de simples mulheres do dia-a-dia que não tem tempo de se cuidarem, de irem à salão de beleza, que vivem num mundo caótico, correndo de um lado para o outro, bonito também? Por que não ter esse produto como um aliado?

Segundo Hall (2001, p.39), “a identidade, inerente a nós, como indivíduos, não surge plenamente, mas aparece de uma falta de inteireza que é ‘preenchida’ a partir de nosso exterior pelas formas por meio das quais nós imaginamos ser vistos pelo outro”, sendo assim, nenhuma mulher, ou ao menos a maioria, não quer ser vista como uma pré-histórica (Velma), “nerdizinha” desajeitada (Vilma), ou com o cabelo armado chamando a atenção de todos (Marge). Queremos ser vistas, pelo contrário, com o cabelo arrumado, sem frizz, sempre bonito e impecável, o exterior acaba superando o interior, e no caso, sabemos que a autoestima é extremamente importante para as nossas vivências diárias, sejamos homens ou mulheres, não importa. Mas ainda leva-se em conta que o cabelo para ser bonito tem que ser liso, e precisa de tratamento para que fique arrumado, ficando incoerente, então a mensagem da “real beleza” aclamada pela marca Dove, já que o cabelo pode ser bonito de qualquer forma, pois se cuidado, não precisa necessariamente ser liso, ou que o liso seja sinal de cuidado.

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Todas essas considerações, se levadas até o ambiente escolar, podem suscitar em aulas bastante significativas, tendo em vista a produção de sentido do texto em primeiro plano, pois se a ideia é levar uma diversidade de gêneros para as aulas não só de língua portuguesa, mas em boa parte das disciplinas escolares, devemos partir dos textos mais circulados socialmente. Seria, portanto, uma maneira de aliarmos os conhecimentos extra/sala de aula para produzirmos sentidos mais amplos e críticos em nossos alunos por meio de discussões pertinentes às representações femininas, por exemplo, que repercutem tanto no universo escolar, quando observamos jovens estudantes em meio a escovas progressivas, revistas de moda com mulheres lindas, magras e cabelos bem lisos. Não encaixar nesse modelo, por vezes, acaba gerando até vítimas de bulling pelo fato da pessoa ter esse ou aquele tipo de cabelo.

Seria, então, uma maneira de estimular aulas mais críticas, com professores e alunos se manifestando diante de material tão rico como a propaganda, que mesmo com a finalidade de venda pode promover discussões a respeito de qualquer assunto que queiramos abordar para propiciar o processo ensino/aprendizagem.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Mary Del Priore (2000, apud ANDRADE, 2011, p.184-185) coloca-nos que o ideal de beleza é construído a fim de atender às necessidade dos sujeitos das sociedades de consumo, necessidades essas que são criadas e construídas discursivamente pela mídia, por isso, ter o cabelo liso seria um ideal de beleza imposto pela mídia, mas ao mesmo tempo a própria Unilever nos traz ideias sobre quebras de estereótipos, nas quais as mulheres devem se orgulhar de suas curvas, ou se tiverem os cabelos enrolados, crespos, elas devem ser o que são.

Essas são somente indagações para colocarmos em pauta em sala de aula, para refletirmos, por exemplo, sobre a identidade feminina, o que se busca? O que se espera? Talvez a propaganda não nos dê as respostas, até mesmo porque seu papel é chamar nossa atenção para as vendas, mas podemos instigar essas reflexões, buscando os nãos ditos do texto, ou seja, explorando os diversos sentidos que se pode produzir, por meio da leitura de um texto.

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Trazer esses questionamentos suscitados pelas propagandas é levar em conta que estamos trabalhando com os diversos gêneros discursivos e pensarmos nos papéis femininos que, por vezes, são construídos dentro da própria escola, possibilitando, assim, discursos mais embasados sobre as igualdades e as diferenças.

REFERÊNCIAS

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BRASIL. Ministério da Educação. Secretaria de Educação Média e Tecnologia. Parâmetros Curriculares Nacionais: Ensino Médio: Vol 2, Linguagens, Códigos e suas Tecnologias. Brasília, 1999. 

CATELLI, R.J. A história estudada a partir da mulher. In: Temas e linguagens da história: Ferramentas para a sala de aula no ensino médio. São Paulo: Ed. Scipione 1ª edição, 2009.

CHIAPPINI, L.(Org.). A circulação dos textos na escola: um projeto de formação-pesquisa. In: CHIAPPINI, L. Aprender e ensinar com textos não escolares. São Paulo: Cortez Editora, 2ª ed. Vol. 3, 1998, p.7-15. ________. Escola e meios de massa. In: CITELLI, O. A. Aprender e ensinar com textos não escolares. São Paulo: Cortez Editora, 2ª ed. Vol. 3, 1998, p. 17-28.

________.Televisão, publicidade e escola. In: NAGAMINI, E. Aprender e ensinar com textos não escolares. São Paulo: Cortez Editora, 2ª ed. Vol. 3, 1998, p. 29-62. 

HALL, S. A identidade cultural da pós-modernidade. RJ:DP & 2001.  KLEIMAN, Ângela B. Apresentação. In: DIONÍSIO, Ângela Paiva; MACHADO, Anna Rachel; BEZERRA, Maria Auxiliadora (orgs). Gêneros textuais & ensino. 4. ed. Rio de Janeiro: Lucerna, 2005.

KOCH, I. V. Desvendando o texto. In: Desvendando os segredos dos textos. São Paulo: Cortez Editora, 2ª ed. p. 53-60, 2003.

MARCUSCHI, L. A. Gêneros Textuais: definição e funcionalidade. In: DIONÍSIO, A.P., MACHADO, A.R., BEZERRA, M. A. (Orgs.) Gêneros textuais & ensino. Rio de Janeiro: Lucerna, 2002.p.19-36.

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RODRIGUES, M. L. (Org.) A discursividade da estética feminina: o tamanho dos seios em questão. In: ANDRADE, F. A. Linguagem Identidade Gênero e História. Rio de Janeiro: Ed. Quártica Premium, 2011, p. 175-201.

SANDMANN, A. A linguagem da propaganda. São Paulo: Editora Contexto, 2001.

SCHNEUWLY, B.; DOLZ, J. Os gêneros escolares: das práticas de linguagem aos objetos de ensino. Revista Brasileira de Educação, 1999, nº11.

Sites:www.wikipedia.com.br www.googleimagens.com.br/dove www.unilever.com.br

* Mestranda do programa de pós-graduação em Educação pela Universidade Estadual de Mato Grosso do Sul-UEMS; apoio CAPES

*Pós-doutoramento em Linguística Aplicada – IEL/UNICAMP; Doutora em Letras - UNESP/Assis; Docente da Universidade Estadual de Mato Grosso do Sul – UEMS - nos Programas de Educação e Letras; Dourados-MS; Brasil; apoio CNPQ; [email protected]

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