8
E D I T O R I A L ÓRGÃO DA FUNDAÇÃO CHRISTIANO ROSA DISTRIBUIÇÃO GRATUITA PIQUETE, ABRIL/2016 - ANO XIX - N o 231 O ESTAFETA O Brasil vive momentos de tensão e incertezas.Mergulhado numa grave recessão, o país, um dos mais ricos e prósperos do mundo até então, procura entender o que lhe aconteceu nos últi- mos anos. Por trás desse triste cenário encontra-se a classe política que, ao in- vés de legislar, fiscalizar, propor e se empenhar em equacionar os anseios da população, passou a se preocupar com cargos e poder. Desviou-se de suas fun- ções e se corrompeu. O governo fede- ral, por sua vez, para garantir a gover- nabilidade, uniu-se a toda espécie de políticos. O desgastado sistema políti- co brasileiro permite a compra de votos, barganha de cargos e tudo o mais que o dinheiro e o poder possam corromper. O custo foi grande e, nesse vale-tudo, a corrupção – reconhecidamente endê- mica na administração pública – domi- nou todos os cenários. Os resultados estão ai: desgoverno, ausência de polí- ticas econômicas, sociais, educacionais e de saúde, endividamento, inflação, de- semprego e perda de credibilidade. Nesse momento, o Brasil carece de lideranças. Precisamos de pessoas éti- cas para nos tirarem dessa situação. No meio desse desastre – há muito anunci- ado – uma luz: para felicidade e espe- rança das pessoas de bem surgiu a Ope- ração Lava Jato. Desencadeada por Pro- motores Públicos, com o apoio da Polí- cia Federal, após exaustivas e sérias in- vestigações de uma força tarefa, a Lava Jato denunciou e prendeu centenas de agentes públicos, empresários e políti- cos, todos acusados de crimes de corrupção e desvio de dinheiro. Eviden- ciou-se uma verdadeira rede de delin- quentes de colarinho branco que se achavam acima da lei. A sofisticação da corrupção e o mon- tante desviado para campanhas políti- cas impressionam. A população nas ruas e nas redes sociais, cansada dessa ver- gonha, clama por mudanças. O país está paralisado há mais de um ano. Tendo perdido sua base de sustentação no Congresso, a presidente Dilma foi afas- tada, no último 17 de abril, por até 180 dias e passa agora por um processo de impeachment. É uma condição para a qual não se pode prever os impactos. A sociedade está atenta e acompa- nha esse triste momento de nossa his- tória. Fala-se em um pacto pelo país e da urgência de reformas políticas. Que não sejam mais promessas vãs! O momento é de incertezas, mas há de melhorar! Todos sonham com a cidade ideal. Para uns, ela não existe. Para outros, é uma uto- pia encontrada na literatura. Outros vão além ao afirmar que só a encontramos no mundo dos sonhos. Então, para que ela exis- ta é preciso sonhar. Como sonhar não faz mal a ninguém, aguça a criatividade e o sen- tido da perseverança, depende de cada um sonhar a sua cidade... Depois é só arrega- çar as mangas e começar a trabalhar para que ela crie vida. É um trabalho árduo que deve contar com a participação dos mora- dores cidadãos que a querem próspera como a idealizada. No fundo, construir uma cidade ideal passa por todos nossos deva- neios, que devem ser ordenados, prio- rizados e construídos, visando sempre ao bem-estar e à qualidade de vida. Existem várias características que podem delinear o que seria a cidade ideal, aquela que sonhamos para viver. Entre as priorida- des de uma cidade ideal, em todas as dis- cussões a respeito a educação aparece em primeiro lugar, como meta a ser perseguida por seu governante. Por meio dela, pode-se elevar a qualidade de vida na cidade e, em consequência, o seu bem estar. Quando se pensa em educação, não se atém apenas ao seu nível de escolaridade, mas, por exem- plo, ao nível de consciência política que o cidadão demonstra ao escolher seus gover- nantes, na busca de seus direitos, nos cui- dados com a higiene e na maneira com que cuida de sua cidade. O emprego, a saúde, a segurança, a moradia e a mobilidade urba- na, entre outras, são também metas a ser buscadas pelo governante. Além desses itens básicos indispensáveis, no programa de qualquer governo a cidade ideal onde se viver deveria conjugar aspectos como sa- neamento básico e infraestrutura. Atualmen- te, sustentabilidade é palavra de ordem ao se pensar em cidade ideal. O meio ambiente torna-se prioridade de governo e, com ele, mais uma vez um desafio: educação e cultu- ra ambiental. De nada adianta um governo cuidar da limpeza pública e da conservação do patrimônio se uma parcela da população suja as ruas e joga lixo nos rios com absolu- ta naturalidade! De que adiantam as ações de saúde pública se, por exemplo, pessoas mantêm vasos abertos com água, que são um convite à proliferação do Aedes aegypti? Conclui-se que a cidade ideal é o resul- tado de um trabalho coletivo da sociedade, na qual está materializada a história de vári- as gerações que ali se reuniam e se reunem em atividades comuns. Educação e cultura são fundamentais na consolidação da cida- de de nossos sonhos. A cidade ideal Foto Laurentino Gonçalves Dias Jr. Várias características podem delinear o que seria uma cidade ideal para vivermos. No programa de qualquer governo, essa cidade ideal, além dos requisitos básicos como educação e saúde, deve conjugar aspectos como saneamento básico e infraestrutura.

ABRIL 2016

Embed Size (px)

DESCRIPTION

Edição 231, de Abril de 2016, do informativo O ESTAFETA, órgão da Fundação Christiano Rosa, de Piquete/SP.

Citation preview

Page 1: ABRIL 2016

E D I T O R I A L

ÓRGÃO DA FUNDAÇÃO CHRISTIANO ROSA

DISTRIBUIÇÃO GRATUITA PIQUETE, ABRIL/2016 - ANO XIX - No 231

O ESTAFETA

O Brasil vive momentos de tensão eincertezas.Mergulhado numa graverecessão, o país, um dos mais ricos eprósperos do mundo até então, procuraentender o que lhe aconteceu nos últi-mos anos. Por trás desse triste cenárioencontra-se a classe política que, ao in-vés de legislar, fiscalizar, propor e seempenhar em equacionar os anseios dapopulação, passou a se preocupar comcargos e poder. Desviou-se de suas fun-ções e se corrompeu. O governo fede-ral, por sua vez, para garantir a gover-nabilidade, uniu-se a toda espécie depolíticos. O desgastado sistema políti-co brasileiro permite a compra de votos,barganha de cargos e tudo o mais que odinheiro e o poder possam corromper. Ocusto foi grande e, nesse vale-tudo, acorrupção – reconhecidamente endê-mica na administração pública – domi-nou todos os cenários. Os resultadosestão ai: desgoverno, ausência de polí-ticas econômicas, sociais, educacionaise de saúde, endividamento, inflação, de-semprego e perda de credibilidade.

Nesse momento, o Brasil carece delideranças. Precisamos de pessoas éti-cas para nos tirarem dessa situação. Nomeio desse desastre – há muito anunci-ado – uma luz: para felicidade e espe-rança das pessoas de bem surgiu a Ope-ração Lava Jato. Desencadeada por Pro-motores Públicos, com o apoio da Polí-cia Federal, após exaustivas e sérias in-vestigações de uma força tarefa, a LavaJato denunciou e prendeu centenas deagentes públicos, empresários e políti-cos, todos acusados de crimes decorrupção e desvio de dinheiro. Eviden-ciou-se uma verdadeira rede de delin-quentes de colarinho branco que seachavam acima da lei.

A sofisticação da corrupção e o mon-tante desviado para campanhas políti-cas impressionam. A população nas ruase nas redes sociais, cansada dessa ver-gonha, clama por mudanças. O país estáparalisado há mais de um ano. Tendoperdido sua base de sustentação noCongresso, a presidente Dilma foi afas-tada, no último 17 de abril, por até 180dias e passa agora por um processo deimpeachment. É uma condição para aqual não se pode prever os impactos.

A sociedade está atenta e acompa-nha esse triste momento de nossa his-tória. Fala-se em um pacto pelo país e daurgência de reformas políticas. Que nãosejam mais promessas vãs! O momentoé de incertezas, mas há de melhorar!

Todos sonham com a cidade ideal. Parauns, ela não existe. Para outros, é uma uto-pia encontrada na literatura. Outros vãoalém ao afirmar que só a encontramos nomundo dos sonhos. Então, para que ela exis-ta é preciso sonhar. Como sonhar não fazmal a ninguém, aguça a criatividade e o sen-tido da perseverança, depende de cada umsonhar a sua cidade... Depois é só arrega-çar as mangas e começar a trabalhar paraque ela crie vida. É um trabalho árduo quedeve contar com a participação dos mora-dores cidadãos que a querem prósperacomo a idealizada. No fundo, construir umacidade ideal passa por todos nossos deva-neios, que devem ser ordenados, prio-rizados e construídos, visando sempre aobem-estar e à qualidade de vida.

Existem várias características que podemdelinear o que seria a cidade ideal, aquelaque sonhamos para viver. Entre as priorida-des de uma cidade ideal, em todas as dis-cussões a respeito a educação aparece emprimeiro lugar, como meta a ser perseguidapor seu governante. Por meio dela, pode-seelevar a qualidade de vida na cidade e, emconsequência, o seu bem estar. Quando sepensa em educação, não se atém apenas aoseu nível de escolaridade, mas, por exem-plo, ao nível de consciência política que o

cidadão demonstra ao escolher seus gover-nantes, na busca de seus direitos, nos cui-dados com a higiene e na maneira com quecuida de sua cidade. O emprego, a saúde, asegurança, a moradia e a mobilidade urba-na, entre outras, são também metas a serbuscadas pelo governante. Além dessesitens básicos indispensáveis, no programade qualquer governo a cidade ideal onde seviver deveria conjugar aspectos como sa-neamento básico e infraestrutura. Atualmen-te, sustentabilidade é palavra de ordem aose pensar em cidade ideal. O meio ambientetorna-se prioridade de governo e, com ele,mais uma vez um desafio: educação e cultu-ra ambiental. De nada adianta um governocuidar da limpeza pública e da conservaçãodo patrimônio se uma parcela da populaçãosuja as ruas e joga lixo nos rios com absolu-ta naturalidade! De que adiantam as açõesde saúde pública se, por exemplo, pessoasmantêm vasos abertos com água, que sãoum convite à proliferação do Aedes aegypti?

Conclui-se que a cidade ideal é o resul-tado de um trabalho coletivo da sociedade,na qual está materializada a história de vári-as gerações que ali se reuniam e se reunemem atividades comuns. Educação e culturasão fundamentais na consolidação da cida-de de nossos sonhos.

A cidade ideal

Foto Laurentino Gonçalves Dias Jr.

Várias características podem delinear o que seria uma cidade ideal para vivermos. No programa dequalquer governo, essa cidade ideal, além dos requisitos básicos como educação e saúde, deve conjugaraspectos como saneamento básico e infraestrutura.

Page 2: ABRIL 2016

Página 2 Piquete, abril de 2016O ESTAFETA

A Redação não se responsabiliza pelos artigos assinados.

Diretor Geral:Antônio Carlos Monteiro ChavesJornalista Responsável:Rosi Masiero - Mtd-20.925-86Revisor: Francisco Máximo Ferreira Netto

Redação:Rua Professor Luiz de Castro Pinto, 22Tels.: (12) 3156-1207Correspondência:Caixa Postal no 10 - Piquete SP

Editoração: Marcos R. Rodrigues RamosLaurentino Gonçalves Dias Jr.

Tiragem: 1000 exemplares

O ESTAFETA

Fundado em fevereiro / 1997

Piquete nasceu de maneira espontânea.Diferentemente de muitas cidades, não teveum fundador. A área territorial que veio aconstituir o município começou a ser habi-tada em meados do século 18. Espalhadaspor uma extensa área, famílias foram se as-sentando. Viviam de uma lavoura de subsis-tência, da plantação de cana e da produçãode cachaça. Essa foi a primeira moeda detroca desses pioneiros, que exportavam nolombo de mulas toneis de aguardente para aregião de Minas. O capital acumulado comesse produto proporcionou, nos primeirosanos do século 19, a implantação da lavou-ra de café.

Em terras de Antônio Domingues Perei-ra e de seu genro, Narciso Rodrigues, corta-da por um caminho que se dirigia ao sul deMinas, foi instalado, em 1764, um posto fis-cal para cobrança de impostos. Esse cami-nho corria paralelo ao rio Piquete, e foi emsuas áreas mais baixas, onde o relevo sua-vizava, próximo ao local em que se encon-trava o Registro de entrada, que ranchos,pousos e vendas foram erguidos. Lugar deparada e descanso para tropas, esseadensamento populacional deu origem aoBairro do Piquete, que teve crescimento sig-nificativo a partir da segunda metade doséculo 19, com a construção da capela deSão Miguel. Quando em 1891 ocorreu aemancipação do bairro, a recém-criada Vilade Piquete contava com poucas ruas e ne-nhum edifício de destaque. Lugar pobre, cujaeconomia provinha de uma fraca cafeicultu-

ra, teve a sorte de assistir à instalação deuma fábrica de pólvora pelo Exército, nosprimeiros anos do século 20. Foi a partir dachegada de engenheiros militares a Piqueteque a cidade se transformou e conheceu amodernidade. Grandes obras foramprojetadas e erguidas na região sob contro-le da fábrica. Empregou-se a maioria da mão-de-obra do município. Do dia para a noiteconstruiu-se a Vila da Estrela com tudo demoderno que havia nos grandes centros.Piquete foi crescendo lentamente, sem ne-nhum planejamento. A cidade sempre foi de-ficitária. Sua baixa arrecadação a tornava de-pendente de benesses do governo. O au-mento populacional resultante da instala-ção da fábrica e da nova atividade econômi-ca do município forçaram a expansão urba-na. Sem um planejamento, a ocupação dosespaços se deu de maneira aleatória, comona maioria das cidades brasileiras. Além dis-so, o relevo de Piquete não ajudou na ex-pansão, que se deu em áreas consideradasde risco, expondo constantemente seus mo-radores ao perigo. Até a década de 1940 acidade não apresentava arruamento nem cal-çamento. Com a construção das vilas ope-rárias e o deslocamento do núcleo popu-lacional para locais próximos a essas vilasum novo traçado urbano foi se desenhandona cidade. Novos espaços foram sendo ocu-pados. Sendo a cidade produto de um lon-go processo histórico, assumiu formas dife-rentes ao longo dos anos. Nesse processo,uma das questões mais importantes foram

as mudanças sociais e ambientais produzi-das na paisagem, que tiveram impactos so-bre a qualidade de vida da população. A so-ciedade de hoje herdou uma cidade diferen-te e adaptada à dinâmica desse processo. Oser humano transforma o meio ambiente e,ao fazê-lo, transforma-se a si mesmo. As-sim, também o ambiente urbano foi marcadopelo crescimento da população. A passagemde “vilazinha” para cidade é a expressão dis-so.

Os atuais problemas ambientais e a máqualidade de vida estão relacionados com aexpansão urbana. A degradação ambientalconcorre para a perda da qualidade de vida:erosões, enchentes, desmatamento, polui-ção, entre outras. Recuperar e revitalizar omeio ambiente é uma das metas a serem per-seguidas numa paisagem em constantetransformação....

Uma paisagem em transformação

Imagem - Memória

Vista parcial de Piquete no finalda década de 1950

Foto Arquivo Pró-Memória

Page 3: ABRIL 2016

O ESTAFETA Página 3Piquete, abril de 2016

Padre Fabrício BeckmannGENTE DA CIDADEGENTE DA CIDADE

Fabrício Beckmann, nascido a 5 de no-vembro de 1977, é de uma tradicional famíliacatólica de Piquete: os pais, Ernâni Beck-mann e Maria Alzira Alves Beckmann, o cri-aram, assim como aos outros quatro filhos– entre eles o irmão gêmeo Fabrine – prati-cando a fé e a generosidade. “Minha fé evocação não surgiram do nada... Nascerame se desenvolveram a partir da convivênciacom pessoas caridosas que se doavam paraa comunidade. Entre essas, cita o avô,Rodolfo, com quem frequentava a Confe-rência dos Vicentinos, e Terezinha Genero-so – “aquela mulher era um exemplo...”. As-sim, as obras sociais e as religiosas, as cam-panhas de arrecadação de alimentos e decortes de tecidos são parte da história devida do hoje padre Fabrício, que frequen-tou o Seminário Diocesano de Lorena, cur-sando Filosofia na UNISAL, também naque-la cidade. A faculdade de Teologia foi feitaem Taubaté, com os padres dehonianos.“Deus é quem nos molda... Põe pessoas emnossas vidas que nos ensinam e direcionamnossos passos”, resume sobre a vocação.

A infância e a adolescência em família, aeducação cristã e a formação intelectual dequalidade moldaram o jovem Fabrício, quese tornou um homem generoso, caridoso,altruísta e culto. O profundo conhecimentode Filosofia e de Teologia, o pensamentoarticulado e a voz calma e pausada, além daobjetividade, completam o perfil do padreFabrício, atual pároco de Silveiras/SP. Pro-feridos sempre com linguagem que alcançaquem os ouve, seus sermões atraem a aten-ção dos fiéis.

Fabrício evangeliza tendo como foco ser“aprendiz do povo”: “Se hoje a Igreja buscaa comunidade de comunidades, pratico essafilosofia desde que fui ordenado, há dezanos”, constata, com a modéstia que lhe épeculiar. “Em Silveiras, tiro um dia da sema-na para celebrar nas comunidades, muitasvezes em quintais das casas, salões. Isso éessencial para que os fiéis se conscientizemde que são a Igreja, que é a Igreja que deveir ao encontro do povo...”, completa, em-polgado. As parábolas são outra ferramen-ta que usa frequentemente para repassar amensagem da Bíblia e a importância da fé.N’O ESTAFETA, artigos seus relatam o co-tidiano de membros de sua paróquia. A ob-servação da comunidade, o resgate e avalorização da cultura local também fazem

parte de seu serviço à Igreja: em 2012, orga-nizou um livro sobre os setenta e cinco anosda Diocese de Lorena, e, atualmente, é umdos responsáveis pela Comissão de BensCulturais, que irá identificar e catalogar osbens culturais dessa diocese. Político nosentido nobre da palavra, preconiza a justi-ça e incentiva a Pastoral da Juventude.

Com 38 anos, Fabrício tem profundo co-nhecimento intelectual adquirido na leituraconstante de pensadores diversos e na ob-servação das pessoas e do meio em que vive.A poesia, a natureza e os animais são pai-xões que emprega na evangelização. Emandanças pela zona rural de sua paróquiacoleciona fotografias de paisagens, de pes-soas e das festas religiosas. Ressalta quedepende de seus paroquianos, pois, semeles não daria conta da organização das fes-tas, das missas ou de cumprir sua agendade atividades. “Quem faz a Igreja é o povo.O rebanho vai à frente do pastor”, afirma,completando, em seguida: “Nesses dez anoscomo padre, completados em 22 de abrildeste ano, apesar da importância indispen-sável do Seminário, tenho certeza de queminha formação foi sedimentada com a ob-servação das pessoas”.

Fabrício Beckmann colabora com o in-formativo O ESTAFETAjá há um bom tempo. Pormeio de seus textos épossível evidenciar umpastor que vive parasuas ovelhas e que lutapor justiça social. O pa-dre Fabrício não se dis-socia do cidadão: viveo que prega, evangelizapor meio do exemplo devida. É de pastorescomo ele que a Igrejaprecisa. É de cidadãoscomo ele que a Igreja eo Brasil precisam. Oxa-lá seja longa a presta-ção de serviços dopadre Fabrício à Igre-ja, ao Brasil e à comu-nidade em que ele seencontrar!

Durante a Jornada da Juventude, em2013, no Rio de Janeiro, o Papa Franciscodisse: “Entre a indiferença egoísta e o pro-testo violento, há uma opção sempre pos-sível: o diálogo. O diálogo entre as gera-ções, o diálogo no povo – porque todossomos povo –, a capacidade de dar e rece-ber permanecendo abertos à verdade. Umpaís cresce quando dialogam de modoconstrutivo as suas diversas riquezas cul-turais (...)”. A admiração pelo Papa Fran-cisco só faz crescer... Naquele julho de2013, ele antevia a necessidade que tería-mos no Brasil quase três anos depois...

Estive presente, neste 07/04/2016, ao“Pátio dos Encontros”, evento organiza-do pela Arquidiocese do Rio de Janeirocom a finalidade principal de reforçar acultura do encontro e do diálogo, focandoo tema “Ética e Transcendência”.

Todos sabemos a ética como um dospilares fundamentais da vida de uma so-ciedade. Assim, o Cardeal GianfrancoRavasi, presidente do Pontifício Conse-lho para a Cultura do Vaticano, NélidaPiñon, ex-presidente da Academia Brasi-leira de Letras, Arnaldo Niskier, doutorem Pedagogia, judeu, também da ABL, eMuniz Sodré, jornalista, sociólogo e pro-fessor da UFRJ, debateram sobre de ondevem a ética que nos conduz como pesso-as e como sociedade. O debate contoucom uma exposição dos quatro pensado-res e quatro perguntas ao final. De tudo oque ouvi, depreendi que a ética, comofonte das normas, das prescrições, nãopode ser formulada, não é tangível. Nãose sabe exatamente o que é a ética, masela é sentida como imperativa e dela nãose pode prescindir.

Também a verdade foi bastante dis-cutida, já que não se dissocia da ética. Ocardeal Ravasi comparou-a a uma teia dearanha: cada um de nós tece a sua teia,que é diferente de todas as outras. Umavez destruída qualquer uma dessas teias,ela será reconstruída, mas já não será amesma, terá outras características. Assimé com a verdade, afirmou ele. Queremmensagem mais providencial para os nos-sos dias de constantes discussões? Sen-ti-me feliz por partilhar dessa ideia de quenão detemos a verdade absoluta. Senti-me alinhado a pensadores que me servemde fonte na qual posso me fartar em cul-tura e conhecimento.

Do evento, destaco uma frase que maisrepresenta meus conceitos: “A autorida-de, e não a verdade, faz a Lei” – afirmaçãode Thomas Hobbes, na obra “O Leviatã”,citada pelo Cardeal. Neste artigo, compar-tilho com vocês o enriquecimento cidadãoque o evento “Pátio dos Encontros meproporcionou. Foi-me emocionante emvários momentos – Nélida Piñon, em es-pecial, com suas palavras de amor pelopaís. Ao final, depois de tanta cidadania, acultura brasileira brilhou no palco comMaria Bethânia... Sobre ela, não me cansode falar – e de ouvir... Um espetáculo queencerrou a noite com magia.

Por fim, mais uma mensagem de Fran-cisco: “Em nossos dias, ou se aposta nodiálogo e se aposta na cultura do encon-tro, ou todos perdemos... Todos perde-mos”. Alguém duvida?

Ao encontro da éticaLaurentino Gonçalves Dias Jr.

Page 4: ABRIL 2016

O ESTAFETA Piquete, abril de 2016Página 4

É do entendimento geral

que o Estado surgiu da ne-

cessidade das sociedades

organizarem um sistema de

governo e nele estabelece-

rem um conjunto de normas

e leis para codificar o com-

portamento político, econô-

mico e social da população.

Inúmeros estudiosos e intér-

pretes das funções do Esta-

do analisam os aspectos

positivos e negativos des-

sa entidade que congrega

poder, atribui poderes e arrecada dos con-

tribuintes o que estabelece como devido

para sua manutenção e funcionamento. Tal-

vez por isso Fréderic Bastiat (1801 – 1850)

tenha afirmado que “O Estado é esta gran-

de ficção através da qual todos tentam vi-

ver às custas de todos os demais”. Sabe-

mos que autor escreve no seu tempo, ou

seja, nas condições nas quais está inserido,

sujeito e objeto das ideias que aí circulam e

determinam as ações. Observamos, a partir

dessas considerações, como se comportam

os Estados modernos, muitos, senão todos,

mergulhados em sérios problemas. Inclusi-

ve o nosso, e como! Aprofundar a análise

dessas questões não é, entretanto, nosso

propósito neste artigo. Afinal, são tão gra-

ves os problemas, as agruras, as contradi-

ções, as necessidades, os abusos e o

inchaço provocado pela necessidade de ar-

recadar cada vez mais e beneficiar cada vez

menos, que não caberia nesta coluna de

nosso periódico discutir casos e buscar suas

evidências. Nós, direta ou indiretamente,

estamos ligados a essas disposições, prer-

rogativas, custos e benefícios, além das cau-

sas e consequências.

Nas tendências do Estado moderno, ins-

pirado na divisão dos poderes segundo

Montesquieu e delineado pelo conceito de

soberania nacional frente a outras organi-

zações internacionais, produto dos enten-

dimentos estabelecidos quanto a interesses,

necessidades, projetos, níveis de desenvol-

vimento e políticas adotadas. Daí somos le-

vados a um encadeamento de trocas que

são dadas como supranacionais e de inte-

resses comuns. Estados organizados são

produtos das guerras mundiais que abala-

ram o século 20 e delinearam um futuro ame-

A organização mundial

açado pelo jogo de fronteiras, movimentos

de populações em processos migratórios,

tangidas por questões político-econômicas

em nome de imposições derivadas de pode-

res ligados a exclusões, marginalizadas, ou

religiosas, sempre em nome de decisões

impositivas por armas e ações cada vez mais

violentas. A supranacionalidade se expres-

sa em ligas como a Sociedade das Nações,

após a 1ª Guerra Mundial, depois sucedida

pela ONU, no final da 2ª Grande Guerra, além

da OEA (Organização dos Estados Ameri-

canos), OUA (Organização da União Afri-

cana) e outras que se repartem geografica-

mente, produzidas por países de diferentes

níveis de desenvolvimento em acordos de

ordem econômica, com retória política.

A ideia de se organizar em composições

supranacionais levou à formação dos cha-

mados Mercados Comuns ou Comunidades,

cujas finalidades basicamente econômicas

não se restringem apenas a essas finalida-

des – os interesses políticos aí estão inseri-

dos e, com grande empenho. Principalmen-

te dos mais poderosos, as chamadas potên-

cias. Aos outros que a ela se associam. Não

foi outra a intenção da criação do Mercado

Comum Europeu (MCE) depois denomina-

do Comunidade Comum Europeia (CEE).

Três grandes potências se alinharam a Esta-

dos soberanos de menor monta ou porte no

campo da economia, ou seja, das trocas co-

merciais, seja de comodities ou industriali-

zados. A Inglaterra, a França e hoje princi-

palmente a Alemanha. Esta dá as cartas atra-

vés de sua forte chanceler visualizada in-

tensamente nas mídias – Angela Merkel,

cujo poder transcendeu seu país de refe-

rência para se tornar um ícone mundial no

campo das finanças – e mesmo no

geopolítico. Por sua vez,

David Camerom, o 1º Minis-

tro britânico, com poder

também excedente da Grã-

Bretanha, por ele adminis-

trada, combina o que é do

interesse não só europeu,

mas também dos Estados

que se formaram após as in-

dependências do sistema

colonial por eles engendra-

dos. Não é, pois, sem moti-

vos, que se aliam aos Esta-

dos Unidos para formar um

eixo horizontal de grandes decisões, enquan-

to as ex-colônias ficam dependentes e mes-

mo discriminadas. Tudo sob o véu ideológi-

co de acordos, nos quais os mais fortes não

deixam esvaziados os papéis da “justificada”,

mas não aceita, teoria do “Espaço Vital”, que

admitia o poder dos mais fortes sobre os mais

fracos. Daí a ocupação de territórios, explo-

ração de riquezas e submissão do povo nati-

vo. Teoria dominante dos impérios coloniais

no período da expansão capitalista. Impérios

esses que deram origem às grandes potênci-

as, particularmente as europeias.

Encontraríamos no âmago dessas ques-

tões o que gerou o desequilíbrio de unida-

des geopolíticas na própria Europa, no cam-

po econômico, como a Grécia, a Irlanda, a

Itália, Portugal e Espanha. A Irlanda e a

Grécia, casos mais recentes de inadim-

plência, ocuparam amplamente o noticiário

ligado à defasagem provocada pelo eleva-

do endividamento e às crises internas. In-

fluências que extrapolaram os mercados lo-

cais e abalam a estrutura monetária à qual o

mundo se atrela e, mais cedo ou mais tarde,

nos atingem no Brasil. Daí as flutuações dos

valores do dólar e do euro, das quais nin-

guém escapa. São molas da conjuntura po-

lítico-econômica. Das injunções aqui expos-

tas emergem as figuras de Merkel, Camerom

e Obama. Este no papel hegemônico dos

EUA. Deles são as palavras que alavancam

essas organizações a que chamamos Mer-

cados Comuns. E o Mercosul ao qual nos

associamos é apenas um exemplo da

fragilização a que se submetem os povos

mais pobres. Os BRICS (Brasil, Rússia, Ín-

dia, China e África do Sul) são outro exem-

plo mais retórico do que ativo.

Dóli de Castro Ferreira

Sede da Organização das Nações Unidas (ONU), em Nova Iorque

Reprodução

Page 5: ABRIL 2016

O ESTAFETA Página 5Piquete, abril de 2016

Os papas são líderes mun-diais que, apoiados em suasfunções religiosas, são convo-cados a participar dos assun-tos de importância na vida dascomunidades. Sejam eles his-tóricos, sociais, geopolíticos,humanitários no sentido amploe total do significado. A políti-ca como um todo o coloca comoChefe de Estado, e, como tal,participante da conjuntura eco-nômica, social, estratégica epela natureza do pontifício nasquestões agudas da vida entreos seres vivos, privilegiada-mente os humanos. A palavra do papa é tidanão apenas como teológica: ela é fruto deuma profunda reflexão sobre as questõescruciais que permeiam as ações. Daí a res-ponsabilidade, não somente dada pela lide-rança que expressam, mas também pelos efei-tos que provocam. Por isso, se analisarmosas falas papais, os documentos por eles re-digidos e assinados tornam-se testemunhosde cogitações filosóficas em busca do quese convenciona admitir como verdades. Ain-da que amplamente discutidas, aceitas ourejeitadas.

As palavras usadas pelos ministros daIgreja nos seus diferentes escalões basei-am-se nos Evangelhos, nas narrativas e nosensinamentos bíblicos. Aos ministros, atéao Papa, cumpre interpretá-los,fundamentá-los e explicá-los. Há os que seprendem aos textos escritos e os repetem,muitas vezes, para ouvintes desatentos. Háos que os leem, sem bem o entender. Estouaqui me referindo ao povo que ouve ou lêos textos citados.

Aos dotados do ministério cumpre a ex-plicação: alguns são conservadores, em-

As palavras dos papas

bora didatas, claros e objetivos. Outros,são ousados, avançados e, sob a luz dosprofundos conhecimentos teológicos e fi-losóficos atualizam e modernizam enten-dendo as mudanças das sociedades, osanseios e as exigências de um mundo maiscomplexo. Coerentes com as doutrinas cris-tãs, defendem pontos de vista corajosos, atal ponto que provocam celeumas e dis-cussões acaloradas, senão “assustadas”.Mas estes provocam o pensamento e asações avançadas – os que levam a Igreja àfrente. Parece-me ser essa a postura doPapa Francisco, que trouxe de sua biogra-fia de Cardeal Mário Sérgio Bergoglio o em-penho pelas lutas sociais e a inserção dasposturas ao mundo em mudança, enfren-tando dissídias, provocando rupturas esubstituindo-as por ações concretas. Ve-jam seus compromissos ativados por pu-blicações, viagens, manifestações, cartas,exórdios, encíclicas e exemplos. Além dosdepoimentos pessoais, Francisco em suaExortação Apostólica “Evangeli Gaudium”(“Alegria do Evangelho”) de 2013, já dissetudo o que vem confirmando nos documen-

tos por ele publicados e assina-dos como esse “Laudato Si”(“Louvado Seja”).

Celebrado pela sua postura nadefesa do ambientalismo, o direi-to do Homem à Terra, ou seja, dahumanidade e dos seres vivos àsua casa, ele confirma o que já de-fendera no Exórdio, ao lado dasquestões sociais. Ele, na sabedo-ria de que é portador, desdobra ostemas, os atualiza e provoca.

A exortação é sempre utilizadacomo normatizadora em funçãodos sínodos e assembleias. Assimtambém são as chamadas Bulas.

Às Encíclicas reservam-se os aspectosdoutrinários, pastorais e de orientação.

Já Pio XII, em 1950, na “Humani Ge-neris”, avançava pela aceitação pela IgrejaCatólica da evolução das espécies, propos-ta científica levantada por Darwin. Provoca,até hoje, muita celeuma quando confronta-da com a criacionista que conservadores deoutras seitas cristãs procuram impor comoúnica e verdadeira. Não entraremos, entre-tanto, aqui, nesse espaço, nessa discussão.É de outro campo e momento.

Portanto, o Papa Francisco, alia admira-dores de todos os estratos, áreas, comuni-dades religiosas ou não, pela coragem,discernimento, visão atualizada, mostrandoenfim, o real papel que recebeu e honra cominabalável crença no que a Igreja, seja peloVelho, como pelo Novo Testamento, procla-ma nos Evangelhos como caminho de ver-dade e fé. Verdade que precisa ser medita-da, estudada e buscada, apesar de todas aspossíveis controvérsias e conflitos. E fé,que mantém os espíritos vivos e ilumina-dos, dispostos ao conhecimento.

Dóli de Castro Ferreira

Era domingo. Quando acordei, ele esta-va ali. De pé, aos pés de minha cama. Vestiauma roupa vermelha toda rasgada. Ele erabem negro. Não cheirava muito bem. Tive aimpressão de que não tomava banho haviaanos. Sua respiração cheirava a cachaçavagabunda de barril. Percebi em suas unhasuma faixa enegrecida, como se trabalhassea terra. Parecia cansado, com fome e sede.Seu olhar era de piedade e parecia que pe-dia algo. Estava descalço. Viam-se cicatri-zes em suas mãos e calos enormes. Pela rou-pa rasgada, aparentava ter sido chicoteado.Certamente havia sido escravo de algumcapataz violento.

Perguntei a ele se precisava de comida eágua. Ele assentiu com a cabeça. Nada dis-se. Levei-o até minha cozinha e dei-lhe umcopo com água. Peguei os restos do jantar eesquentei no micro-ondas. Ele comeu deva-gar e me olhava vez em quando.

Então perguntei quem ele era. Ele me dis-se que eu o conhecia, mas eu não o identifi-cava. Puxei pela memória. Não me lembravadaquela figura negra como ébano. Talvez oscabelos todos emaranhados e a barba sujaescondessem sua verdadeira identidade.Disse que não me lembrava. Perguntei a ida-

de e ele me disse que idade é algo bobo.Disse que o tempo era apenas uma imagina-ção. Aparentou ser muito sábio. Lembrei-me de um colega de faculdade. Negro e po-bre. Perguntei se era ele, já imaginando oque havia acontecido. Mas ele, sorrindocom poucos dentes amarelos, disse-me quenão. Emendou, porém, dizendo que se lem-brava desse meu colega. Completou dizen-do que aquele era um lutador.

Então ele me contou que morara emacampamentos dos sem-terra. Viveu no meioda cracolândia. Frequentava o mundo entregays e prostitutas. Fora invasor de terrenospor moradia. Havia passado por templos detodo tipo. Havia entrado e dançado em ter-reiros de religiões africanas. Havia frequen-tado muitas igrejas de diversas religiões.Nelas, em algumas havia sido bem recebidoe, noutras, expulso. Disse que, por fome,roubara uma coisinha aqui e ali. Por absti-nência, havia vagado pelas ruas à procurade sustento. Muitas vezes havia sido surra-do e em outras foi amarrado em postes comoexemplo. Recebeu toda a sorte de sortilégi-os e cusparadas. Ele chorou por muitos quesofriam a mesma sorte qual a dele. Foi presomuitas vezes. Teve seu corpo queimado

quando dormia debaixo de passarelas. Diase dias seu abrigo de papelão foi chutado.Puseram obstáculos para que ele não maisdormisse nos viadutos e pontes. Eu perce-bia seus olhos marejados naquele rosto sujo.

Teve fome. Teve sede. Andou nu. Nin-guém o acolheu. Chamaram-no comunista,vagabundo. E agora ele estava ali. Em mi-nha casa. Não me lembrei de nenhum perso-nagem que passou em minha vida que hou-vera sido tão humilhado. Entristeci-me. En-tão, ofertei-lhe um banho. Quem sabe es-tando limpo eu saberia quem ele era.

Ele se dirigiu ao banheiro e, ao tirar seustrapos vermelhos, pude ver que havia cica-trizes em seus pulsos. Uma outra bem pro-funda entre suas costelas. Marcas profun-das em seus dois pés. Ele entrou na banhei-ra bem devagar. Pôs-se debaixo d’água. Eali o deixei. Tranquei a porta por fora pormedo do que viesse a acontecer.

Ao voltar, um tempo depois, a porta es-tava aberta. No chão restavam seus traposvermelhos. Sobre o balcão a toalha úmidaperfeitamente dobrada. Ele já não estavamais lá.

Luiz Flávio Rodrigues

Era domingo...

Papa Francisco e seu antecessor, o Papa emérito Bento XVI

Reprodução

Page 6: ABRIL 2016

O ESTAFETAPágina 6 Piquete, abril de 2016

Crônicas Pitorescas

Palmyro MasieroBom censo...

Uma velhinha meio da assanhada! Emsua rua descalça, num dos bairros periféri-cos da cidade, havia umas oito casas de umlado e talvez o mesmo número no outro.Casas pobres, simples... Estava sentada nodegrau de sua porta quando avistou pelamanhã uma moça bonita com a pasta azul-marinho do censo que teve dela totalassenso. Levantou-se lépida e começou aanunciar aos gritos, feito barata tonta:

– Gente! Gente!... Dona Maria, donaAntônia, dona Chica... Tá chegando aqui amoça da televisão!

Até a recenseadora olhou pra trás paraver que estrela estava pintando lá por aque-las bandas miseráveis... Janelas e portascomeçaram a se abrir e foram surgindo carasde todos os tipos... Encabulada, a moça nãosabia se cumprimentava, se sorria... Não ti-nha ideia do que fazer! A velhinha alto-fa-lante resolveu tudo para a inquiridora. Apre-sentou-se (Dona Camilinha), prontificou-se,ofereceu-se, enfim, a ser a primeira a res-ponder àquilo que o Governo queria saber.Lesco-lesco tal, que a moça sentia-se umaRegina Duarte de tão badalada.

Terminada sua parte, ela saiu acompa-nhando a entrevistadora e foi apresentan-do-a de casa em casa. Durante o caminho,Dona Camilinha ia dando as informações detodos da rua: informações estas que nãointeressavam ao IBGE. Talvez à imprensamarrom. Se de um lado estava facilitando otrabalho da pesquisadora, de outro estavaurna parada fazer a boca dela ficar fechada.Parece que trancaram sua voz por longo tem-po e, de repente, abriram a comporta de umavez só. O sigilo do Censo com ela não funci-onava! Ela sabia mais da vida dos outros doque os próprios outros!

Horas passando... Em determinada casa,a única que faltava na rua a ser perquirida,Dona Camilinha deixou a moça em guarda.Ali moraria, segundo ela, uma megera fala-dora, gentinha, ralé... Já pegaram que se tra-tava de duas bicudas: não se beijavam. Avelhinha vitroleira draculou tanto a donadaquela casa, que a recenseadora levou a

mão ao pescoço num instinto de defesa.– Mas pode deixar que eu domo a fera –

disse ela dando uma piscadela de conluiopara a moça.

– Bata na porta e deixe o resto comigo.Afastou-se enquanto indecisa, cuidado-

sa e timidamente as batidas foram dadas.Momentos após, uma carantona surgiu najanela e soltou um “o que é?” que mais pa-recia ribombom de trovão. A mocinha tre-meu nas bases...

Como se estivesse passando por ali poracaso, Dona Camilinha dirigiu-se à censora:

– Ah, minha filha, com esta é besteira! Éburra, analfabeta, estúpida e grossa! Nãovai deixar você entrar nesse lixo que é a casadela.

– Estúpida é você, sua cobra venenosa!Linguaruda dos infernos!

A moça no meio das flechadas elogiosasolhava pra lá e pra cá, certamente fazendouma oração ao santo protetor do lBGE.

– Não te falei? – voltou Dona Camilinhapra recenseadora. Nem você que é da tele-visão ela vai deixar entrar. Também, ela nãosabe falar, só latir!

– Some daqui, bruxa velha nojenta, amal-diçoada!

Dona Camilinha afastou-se meneando acabeça de um lado e de outro.

– O que é que você quer, menina? – per-guntou a dona da casa.

– Eu sou do Censo minha senhora – apre-sentou documentos – e estou fazendo pes-quisas para o Governo...

– Pois não. Pode entrar...Tudo lá dentro transcorreu em paz. Con-

tente, embora exausta, com a rua já comple-ta, a censora se preparava para ir almoçar.Dona Camilinha, entretanto, ainda não ti-nha saído do circuito. Chegou-se:

– Viu como foi fácil? E só provocar aquelajararaca que ela engole o sapo que a gentequer.

Despedindo-se da moça da televisão,retomou a sua rua esfregando as mãos, cur-tindo aquele dia cheio e glorioso.

***************

Estamos convivendo com exemplosbastante desagradáveis de intolerância re-ligiosa. Sequestros na África, destruiçãona Ásia, atentados terroristas na Europa.

A História nos remete aos cristãos per-seguidos, às catacumbas. Mais próximo denós (1620), nossos livros de inglês do gi-násio estampavam figuras do pequeno na-vio Mayflower, que trazia da Inglaterra paraa América os Pilgrims, perseguidos porsuas convicções religiosas.

O homem primitivo, sentado no pátioda aldeia, observar o céu e pergunta a simesmo: quem fez esses pontos luminosos,quem fez aquele círculo maior que tornapossível ver alguma coisa na escuridão?por que as aves se calaram e só o urutau, ocuriango e a corujinha soltam seus gritosdesesperados? e a grande luz, será que al-guma vez ela vai deixar de vir?

E aquele ser humano, aquele homem,aquela gente resume suas dúvidas: quemsou eu, quem me fez, de onde eu vim? É ohomem ligado ao seu antes e seu depois –surge o homem religioso.

Houve um jovem de saúde debilitadaque procurava bons ares para se tornarum adulto forte.

O jovem canarino se pôs diante da gen-te do poderoso cacique Tibiriçá e disse:

“Venho como mensageiro de JesusCristo”.

Os índios se interessaram e ficaramatentos.

O jovem continuou:“Jesus Cristo é o filho único de Tupã”.A gentileza antropológica de Anchieta

acabava de edificar uma ponte resistentee resiliente entre duas culturas.

Aceito, o jovem se tornou o primeiroprofessor, o primeiro poeta, o primeiroteatrólogo, o primeiro linguista dos Cam-pos de Piratininga, da gente paulista.

Com tristeza, assisti a uma AudiênciaPública no Congresso Nacional sobre aperseguição deflagrada contra as religiõesde matriz africana.

A Constituição Brasileira garante a li-berdade de culto. Estrangeiros que emi-graram para o Brasil trouxeram seus tem-plos e seus sacerdotes semquestionamento algum por parte das au-toridades.

Além disso, presenças decisivas comoa do escritor Jorge Amado e do pintorCarybé pareciam haver afastado definiti-vamente o ranço persecutório.

Nossos parlamentares foram informa-dos de ataques aos locais de culto e desons exageradamente altos para perturbaras cerimônias religiosas. E o que é pior: adivulgação de informações falsas, até cons-trangedoras sobre sua doutrina.

Homens da Lei, os parlamentares aco-lheram os justos reclamos da parte ofendi-da de nossa população.

Que todos brasileiros tomem posiçãoem favor dos que têm o direito de praticarsua religião de acordo com a Lei Brasileira.

Abigayl Lea da Silva

Edificar

Eu já disse quem sou Ele.

Meu desnome é Andaleço.

Andando devagar

/ eu atraso o final do dia.

Caminho por beira de rios conchosos.

Para as crianças da estrada

/ eu sou o Homem do Saco.

Carrego latas furadas, pregos,

/ papéis usados.

(Ouço arpejo de mim nas latas tortas.)

Não tenho pretensões de conquistar

/ a inglória perfeita.

Os loucos me interpretam.

O Andarilho

A minha direção é a pessoa do vento.

Meus rumos não têm termômetro.

De tarde arborizo pássaros.

De noite os sapos me pulam.

Não tenho carne de água.

Eu pertenço de andar atoamente.

Não tive estudamento de tomos.

Só conheço as ciências que analfabetam.

Todas as coisas têm ser?

Sou um sujeito remoto.

Aromas de jacintos me infinitam.

E estes ermos me somam.

Manoel de Barros

Page 7: ABRIL 2016

O ESTAFETAPiquete, abril de 2016 Página 7

Uma sociedade é composta por indiví-duos que, ao interagirem, formam grupossociais com interesses mais ou menos ho-mogêneos. Se olharmos a formação de umasociedade a partir do lugar no qual a econo-mia põe cada um, poderíamos sintetizar omundo contemporâneo em dois grupos –ou classes – antagônicos: os trabalhado-res, que vivem dos seus salários e produ-zem as riquezas, e a burguesia, compostados patrões ou donos de capital que, à me-dida que empregam o primeiro grupo, seapropriam da riqueza produzida por ele. Nadisputa pelo poder, esses dois gruposadentram a arena da política.

Para compreender o golpe em marcha noBrasil é preciso, portanto, localizar ondeessas classes se situaram nos últimos anose quais interesses as fazem buscar mudan-ças. Os governos dirigidos pelo PT, inicia-dos em 2003, conseguiram estabelecer umaunidade entre os interesses fundamental-mente antagônicos de frações dessas clas-ses. Durante boa parte desse período a po-lítica econômica, marcada pela injeção decrédito e concessões financeiras ao empre-sariado nacional, resultou numa coalizaçãoque agregou trabalhadores informais debaixíssima renda, trabalhadores urbanosformais e burguesia industrial nacional.Bons retratos desse acordo se produziramnos inúmeros congressos que colocaram domesmo lado entidades de trabalhadores –CUT, CTB e Força Sindical – e de patrões –CNI e Fiesp.

Por volta de meados de 2012, quando ogoverno tentou iniciar um programa econô-mico de aceleração do crescimento ereindustrialização do país, que encolhe nosetor desde o fim do “Milagre Econômico”,

Vamos respeitar nosso patrimônio!

iniciou-se o rompimento do pacto de então.Como tem defendido o cientista políticoAndré Singer, fragmentou-se a “coalizãoprodutivista” composta por trabalhadoresurbanos e burguesia industrial nacional, eformou-se uma “frente única burguesa”,centrada na aliança entre a antes parceiraburguesia industrial com a burguesiarentista – amante dos juros e que vive derendimentos financeiros.

Ainda se sabe muito pouco das minú-cias que motivaram esse realinhamento dasfrações de classe no Brasil – essa, prova-velmente, será uma agenda de estudos deeconomistas, sociólogos e cientistas polí-ticos nos próximos anos. No entanto, éconstatável a existência desse reali-nhamento simbolizado no pato amarelo daFiesp, e que, às custas de rasgar a Consti-tuição, quer impor seu programa econômi-co – corte de gastos sociais e flexibilizaçãode direitos trabalhistas. Ao perder a capa-cidade de fazer cumprir essa agenda mate-rializada nesse ajuste fiscal, Dilma tornou-se inútil à burguesia.

O que se passa no Brasil, portanto, é umgolpe orquestrado pelos patrões. Aos 99%dos brasileiros que vivem dos seus saláriosa perspectiva de um governo Temer é a piorpossível: compromisso pleno com a agendado 1% que vive do que se apropria dos 99%,e disposto – para fazer cumprir esse progra-ma – a retirar direitos e reprimir os que serebelam. Do ponto de vista tático, resta anós, os 99%, nos posicionarmos contra ogolpe do 1% e pautar outra agenda que pri-vilegie a retomada do crescimento e que nãojogue a conta da crise em nossas mãos. Issoé luta de classes.

Rafael Domingues de Lima

A educação, como todos sabemos, éum direito social garantido pela Constitui-ção Federal. Do jeito que a coisa anda,porém, está mais para problema do que paradireito.

Nos últimos 20 anos, na tentativa damelhoria da qualidade da educação, o Bra-sil experimentou de tudo: escolaaprendende, escola cidadã, escolacandanga, entre tantas outrasadjetivações possíveis de serem atribuí-das à escola. Experimentou, também, pro-gressão continuada, ciclos, recuperaçãoparalela, progressão automática, progra-mas de formação continuada, hora-ativi-dade e avaliação contínua. A disciplina lín-gua portuguesa foi português, língua ma-terna e voltou a ser língua portuguesa. Ah,e como não se lembrar da escola da famí-lia, amigo da escola, escola para todos, es-cola inclusiva e tantos outros programas.Resultado de todas essas experiências? Agrande maioria dos alunos conclui o ensi-no fundamental sem o domínio básico dalíngua e dos conceitos matemáticos.

Os graves problemas da educação bra-sileira parecem estar relacionados primei-ramente à política pedagógica. Dissipou-se um discurso equivocado de ensino emque a escola tem que ser mais liberal, cadaaluno aprende no seu tempo, alunos ca-rentes têm dificuldades de aprendizagem,é preciso focar no processo etc etc etc.Não se tem o ensino como obrigação daescola. E ensino envolve, por parte do pro-fessor, domínio de conteúdo, preparaçãode boas aulas, domínio de classe, entreoutros aspectos. Por parte do aluno, exigetempo de estudo, dedicação e postura. Nãoexiste mágica para aprender.

Mas não só isso: os problemas tam-bém dizem respeito à estrutura das esco-las, que não atraem e nem motivam profes-sores e alunos. Temos prédios escolaresassombrosos. Fora isso, temos o proble-ma de desvalorização da classe do magis-tério, cujos salários são pouco atraentes.Em breve, teremos um colapso no númerode professores. Para completar, os sindi-catos atrapalham as tentativas demeritocratização. E os problemas não pa-ram por aí... Temos um sério problema so-cial: as famílias e a sociedade não cobramresultados da escola e se conformam como atual estado da situação. Os dirigentesda educação geralmente são políticos e emnada contribuem para o desenvolvimentode políticas efetivas.

Para mudar o status de problema paradireito fazem-se necessários vontade po-lítica e engajamento da sociedade.

Educação: direito ouproblema social?

Isso é luta de classes!

Havia muito tempo a população de Pi-quete clamava pela recuperação dos prédi-os do Elefante Branco e do Cinema, que,abandonados, estavam, se deteriorando.

Pois bem... A administração municipalobteve, por meio do Conselho Municipal deDefesa do Patrimônio Histórico, Arqui-tetônico, Artístico e Paisagístico, condiçõeslegais para reformar com recursos própriosesses dois imóveis tão significativos para ahistória e a cultura de Piquete. Já em fasefinal das obras, o Elefante Branco teve todasua estrutura restaurada, inclusive o telha-do. O Cine Estrela, além da reforma, ganhounovas portas e janelas, recuperadas de acor-do com as originais. Dessa forma, o conjun-to formado com a Praça Duque de Caxiasestá retomando a beleza que encantou ge-rações de piquetenses.

Dóli de Castro Ferreira escreveu certavez: “Os valores simbólicos de nossa cida-

de devem ser vistos, pois a referência aopassado não é nostalgia e muito menos sau-dosismo, mas, antes de tudo, o direito à pre-servação do que o engenho e a arte criaramcomo obras humanas, atestados de umaépoca e referências de homenagem ao futu-ro. São estas referências que nos garantemo direito de cidadania”.

Vamos, então, piquetenses, valorizarnossa “Pracinha”, vamos respeitar nossosprédios históricos. O Elefante Branco e oCinema são, sem dúvida, provas do enge-nho e da arte pensados e construídos porpiquetenses especiais que merecem nossareverência. Ambos os prédios, construídosem respeito aos operários da FPV, são, comodisse a Dóli, “atestados de uma época e (...)homenagem ao futuro”. Esse futuro já che-gou: somos nós! Somos nós, portanto, oshomenageados com a sua renovação.

Laurentino Gonçalves Dias Jr.

Laura Chaves

Fotos Laurentino Gonçalves Dias Jr.

Page 8: ABRIL 2016

O ESTAFETA Piquete, abril de 2016Página 8

Seu nome de batismo é Sebastião Cos-ta, mas todos o conhecem por BastiãoMatarazzo. Ele não gosta deste apelido. Di-zem que, certa vez, ouviu o nome da ilustrefamília ítalo-paulista em seu radinho de pi-lhas e o lançou ao chão... Fica enfurecidoquando ouve alguém chamá-lo assim.

Bastião nasceu, foi criado, envelheceue provavelmente morrerá na Serra dos Ma-cacos. Quase todas as mulheres daquelevilarejo são suas madrinhas. Estou há qua-se dez anos em Silveiras e já o consagrei àNossa Senhora do Patrocínio pelo menosumas trinta vezes – cada uma dessas vezescom uma madrinha diferente. Talvez somen-te as evangélicas do bairro ainda não te-nham ocupado essa função.

Bastião é muito devoto. Visita todasas casas do vilarejo com um surrado es-tandarte da padroeira do bairro, faz suareza e benze os visitados. Depois de pas-sar por todas as residências, vem me pedira bênção para reiniciar a missão. É meioabobado e fala com certa dificuldade, masnão deixa de participar dos festejos religi-osos com seu pandeiro. É uma figuramarcante entres os foliões do Divino Es-pírito Santo, de Santos Reis e de NossaSenhora do Patrocínio. Embora seja tão re-ligioso, vivêssemos nós no século XVIII,provavelmente seria alguém denunciadoà terrível Inquisição que por aqui agiu e a

Lá vai Tião atrás de sua encomendamuitos perseguiu naquele tempo. Tem com-portamento heterodoxo: não pode ficar sa-bendo que alguma moça tenha ficado grá-vida. Quando recebe uma notícia dessa, vailogo atrás de sua encomenda, um poucode leite materno. Tem verdadeira fissurapelo alimento. Chega a chorar como crian-ça por conta do desejo de beber ao menosum copo do tal leite. Certa vez perguntou aum rapaz recém-casado, por quem tinhamuito apreço, se ele não o permitiria mamarem sua jovem esposa, próxima de se tornarparturiente. O rapaz riu e perguntou se elemamaria com respeito. Ele se ajoelhou e res-pondeu que sim, pelos Divinos SantosReis. Não posso me recordar disso semachar graça... Bastião vive, pensa, chora esorri como uma criança. Pessoas como elesão os menores de nossos irmãos, comofala Jesus no Evangelho.

Sempre gostei de conhecer gente as-sim, ouvir suas histórias, interagir. São for-mas diferentes de expressão da mesma hu-manidade. Não podemos pensar nossas es-truturas sociais, nosso Estado, nossa ca-minhada pastoral sem levá-las em conta.Penso que temos sempre que partir deles,dos mais frágeis. Se eles forem considera-dos, contados como gente, escutados, nãohaverá sobrantes. Se eles tiverem lugar erespeito à sua dignidade, todos os outrostambém terão.

Quando aprendemos a ler a Bíblia, logopercebemos uma coisa muito bonita: a his-tória da salvação não é a história de genteimportante, de grandes personagens, degenerais, imperadores. As perícopes da Bí-blia, ao menos a maior parte delas, narramfatos da vida de gente simples, registram oponto de vista dos pequenos acerca da vidae dos fatos. Se quisermos permanecer natradição da Bíblia, temos que aprender anos interessar pelas histórias e narrativasdos menores de nosso tempo. Da existên-cia deles devem nascer nossosparadigmas, nossa maneira de ler e escre-ver o mundo. Acho isso fundamental.

Neste abril de 2016 completam-se dezanos que venho servindo à Igreja como pa-dre. As grandes lições que aprendi nestapequena caminhada me foram ministradaspelo povo de Deus, sobretudo pelas pes-soas mais simples. É enriquecedor convi-ver com pessoas tão inocentes como TiãoMatarazzo, capaz de pedir leite materno. Ébonito ver que existem pessoas generosase compreensíveis capazes de extrair o pró-prio leite e dar a ele para aplacar sua vonta-de. Há compreensão, generosidade, bon-dade e tolerância no meio do povo. Estaratento a tudo isso e conhecer essas histó-rias nos tornam melhores ao longo do tem-po.

Pe. Fabrício Beckmann

Os protestos de rua ocorridos por todoo país contra a corrupção e o uso indevidode recursos públicos por políticos que ocu-pam altos cargos têm contado com um nú-mero cada vez maior de pessoas de diferen-tes grupos etários, classes sociais e origens.

Pesquisas apontam para a insatisfaçãocrescente da população com a qualidade deseus representantes.

O cidadão nas ruas protestando mos-tra o crescimento e amadurecimento de nos-so processo democrático: a perda decredibilidade da classe política e a cor-rupção sistêmica nos setores públicos fi-zeram com que a população saísse às ruas,de forma organizada.

O modelo político em vigor no país es-gotou-se. O cidadão comum constata quenão basta cumprir seu direito democráticode votar, uma vez que os eleitos se distanci-am de suas bases e, num mecanismo fisioló-gico, se articulam, se vendem por cargos e,

a partir de então, só pensam nas eleiçõesfuturas, trabalhando para se manter em seuscargos e dando as costas para os eleitores.

A corrupção no Brasil tem raízes históri-cas e origem colonial. A documentação arespeito é farta e os escândalos também.Recentemente, a Operação Lava Jato, oMensalão, uma lista de contas secretas emparaísos fiscais, empresas sonegadoras,entre outros escândalos, ilustram os notici-ários. Em todos encontram-se políticos dealtos escalões. É fato que a corrupção sem-pre existiu, em maior ou menor grau, como éfato, também, que nos últimos tempos o pro-cesso de investigação e punição sobre es-ses crimes vem sendo mais apurado. O de-bate sobre a corrupção é saudável, assimcomo o seu combate. É preciso reconheceravanços significativos para extirpar essemal. A luta contra a corrupção é legitima,necessária e democrática.

Apesar de todos esses escândalos, a

política e os políticos são necessários paraa vida democrática. A atual crise por quepassa o país aponta que é chegada a horade se fazer uma reforma político-eleitoral. Aconstrução de uma democracia política, eco-nômica, social e cultural no Brasil passa,hoje, obrigatoriamente, pelo sistema eleito-ral. Os movimentos de rua são um chama-mento e um esforço para que essa reformaaconteça o mais rápido possível. É precisoque a sociedade esteja atenta e mobilizada,e acompanhe essas reformas, pois, se foremfeitas apenas pelos políticos, corre-se o ris-co de que pouca coisa aconteça. Somentecom reformas políticas objetivas e eficazesé que sairemos desse mar de imoralidades efisiologismo que há muito impede o Brasilde atingir um modelo de democracia plena.Uma democracia que garanta serviços pú-blicos de qualidade, transparência e efici-ência de gestão que beneficiem todos osbrasileiros.

O combate à corrupção: passando o país a limpo...

Reprodução