Upload
lelio-braga-calhau
View
234
Download
5
Embed Size (px)
DESCRIPTION
Ação judicial Cinesercla Venda Casada alimentos
Citation preview
MINISTÉRIO PÚBLICO DO ESTADO DE MINAS GERAIS
15ª PROMOTORIA DE JUSTIÇA DA COMARCA DE GOVERNADOR VALADARES - MG
EXCELENTÍSSIMO SENHOR DOUTOR JUIZ DE DIREITO DA _____VARA
CÍVEL DA COMARCA DE GOVERNADOR VALADARES – MINAS GERAIS
O MINISTÉRIO PÚBLICO DO ESTADO DE MINAS GERAIS,
através do Promotor de Justiça que esta subscreve, com lastro na Notícia de Fato nº
0105.16.001047-3, no exercício de suas atribuições institucionais, embasado nos artigos
127 e 129, inciso III, da Constituição Federal; artigos 1º e 25, inciso IV, da Lei Federal
nº 8.625/1993; e com base na Lei nº 7.347/1985 – Lei da Ação Civil Pública e demais
disposições legais que regem a matéria, vem à presença de Vossa Excelência,
AÇÃO CIVIL PÚBLICA
COM PEDIDO DE TUTELA ANTECIPADA
em face de EMPRESA DE CINEMAS SERCLA LTDA – EPP
(CINESERCLA), CNPJ nº 86.608.171/0009-70, pessoa jurídica de direito privado,
com endereço na Avenida Sete de Setembro, nº 3500, loja 145, em Governador
Valadares (GV Shopping), pelos fatos e fundamento que passa a expor:
1 – DOS FATOS:
A presente ação civil pública tem como objetivo a proteção dos interesses
dos consumidores, em relação aos serviços prestados pela empresa de cinema requerida,
a fim de que se adote a obrigação de não fazer consistente em se abster de impedir a
entrada e o consumo por seus clientes (espectadores) de alimentos, bebidas e/ou
15ª Promotoria de Justiça de Governador Valadares - Promotoria de Justiça de Defesa do Cidadão
1
MINISTÉRIO PÚBLICO DO ESTADO DE MINAS GERAIS
15ª PROMOTORIA DE JUSTIÇA DA COMARCA DE GOVERNADOR VALADARES - MG
qualquer outro produto alimentícios que não os comercializados pela ré e/ou que dela
tenham sido adquiridos.
A empresa Cinesercla é detentora do único cinema existente na cidade de
Governador Valadares, a qual conta com uma população de aproximadamente 278.363
habitantes (IBGE) e situada na Região do Vale do Rio Doce que é composta de 49
(quarenta e nove) municípios e com uma população de 646.879 habitantes (ano 2010).
Segundo consta, trata-se do único cinema instalado no único Shopping da
região (GV Shopping), o qual possui capacidade de 554 lugares, distribuídos em 4
(quatro) salas.
A atividade principal da empresa se resume à exibição cinematográfica e,
paralelamente, explora os serviços de lanchonete (bomboniere), onde comercializa
pipocas, balas, refrigerantes e chocolates. Vale destacar que após a aquisição dos
ingressos, o consumidor se dirige ao corredor que dá acesso às entradas das salas, sendo
que à esquerda da fila encontra-se instalada a bomboniere (como chamariz).
A Cinesercla comercializa em sua bomboniere os seguintes alimentos:
doces (balas e chocolates), pipoca, refrigerante, sucos e água. Em relação a esses
produtos, cumpre salientar que os preços cobrados pela requerida são sempre superiores
aos praticados no mercado, haja vista o noticiado à fl. 33.
A prática abusiva praticada pela requerida consiste em impedir os
consumidores, os quais se direcionam ao único cinema da região, de entrarem no seu
estabelecimento com qualquer tipo de alimento (e/ou bebida).
Ainda, consta ressaltar que a empresa requerida não disponibiliza
nenhuma alternativa ao consumidor para acondicionar os produtos, restando a seus
clientes (consumidor) o descarte do alimento/bebidas ou seu consumo imediato, ocasião
em que perderá minutos do filme escolhido.
Ademais, da Investigação Preliminar anexa (0105.16.001047-3) consta o
REDS 2016-008770594-001, lavrado por consumidora que foi impedida de ingressar à
sala de cinema por levar consigo um lanche (hambúrguer) adquirido em outro
estabelecimento. (fls. 5-9 e 33)
Inclusive, durante a apuração do procedimento realizou-se a oitiva de
funcionários da reclamada, os quais confirmaram a prática abusiva (fls. 17 e 34/35 - IP).
Desta forma, os consumidores que tentam ingressar no interior do cinema
(com alimentos e/ou bebidas, que não os previamente estabelecidos pela ré) adquiridos
15ª Promotoria de Justiça de Governador Valadares - Promotoria de Justiça de Defesa do Cidadão
2
MINISTÉRIO PÚBLICO DO ESTADO DE MINAS GERAIS
15ª PROMOTORIA DE JUSTIÇA DA COMARCA DE GOVERNADOR VALADARES - MG
em outros estabelecimentos são impedidos pelos funcionários do local (porteiros),
passando por situação constrangedora, como aquela vivenciada pela consumidora
mencionada à fl. 33.
É indubitável que a imposição da ré se mostra abusiva e ilegal, estando
em desconformidade com as regras relativas aos direitos dos consumidores.
2 – DO DIREITO
A) DA IMPOSSIBILIDADE DE SE LIMITAR O DIREITO DE ESCOLHA DO CONSUMIDOR
Discute-se, fundamentalmente, nesta demanda, a existência de venda,
casada efetuada pela Requerida, a consequente limitação do direito de liberdade de
escolha do consumidor, e a utilização de propaganda enganosa por omissão de dados
essenciais, práticas estas proibidas pelo Código de Defesa do Consumidor.
Precipuamente, é relevante a feitura de uma análise do que venha ser a
liberdade, uma vez que tal direito integra o rol dos direito fundamentais. Em um estudo
preliminar, José Afonso da Silva expõe as modalidades de liberdade interna e externa,
conceituando a primeira como sendo a possibilidade de escolha “entre alternativas
contrárias, se se tiver conhecimento objetivo e correto de ambas1”.
No direito do consumidor, a liberdade de escolha pode ser entendida
como uma consequência da liberdade de contratar, ou seja, do princípio da autonomia
privada, da livre iniciativa. Assim, nos termos do que preleciona Tiago Goulart Vargas,
pode-se dizer que “a liberdade de escolha consiste na livre escolha de consumir o
produto ou contratar serviço que considerar adequado a sua necessidade”. 2
O direito de escolha deve ser respeitado, principalmente na seara do
Direito do Consumidor, em que a vulnerabilidade é regra absoluta na relação jurídica
consumidor/fornecedor, imposta pelo Código de Defesa do Consumidor como alicerce
ao cumprimento do princípio constitucional da isonomia.
Em suma, a hipossuficiência exigida pela lei é a técnica ou de
conhecimento, ou seja, aquela diminuição da capacidade do consumidor que diz
respeito à falta de conhecimentos técnicos inerentes à atividade do fornecedor, ou 1SILVA, José Afonso da. Curso de Direito Constitucional Positivo. 33. ed. São Paulo: Malheiros, 2010. p. 231.
2Disponível em: http://www.upf.br/balcaodoconsumidor/images/stories/materiais/seminario/tiago_vargas.pdf. Consulta realizada em 12 de abril de 2012.
15ª Promotoria de Justiça de Governador Valadares - Promotoria de Justiça de Defesa do Cidadão
3
MINISTÉRIO PÚBLICO DO ESTADO DE MINAS GERAIS
15ª PROMOTORIA DE JUSTIÇA DA COMARCA DE GOVERNADOR VALADARES - MG
retidos por ele, isto é, a falta de conhecimento técnico sobre o objeto de uma relação de
consumo (produto ou prestação de serviços).
Além de ter o dever de garantir a liberdade de escolha ao consumidor, o
fornecedor deve assegurar-se de que o consumidor, em virtude de sua hipossuficiência
técnica ou de conhecimento, seja bem esclarecido sobre o produto ou serviço oferecido.
Assim, o artifício criado pela Requerida, gerou para si uma vantagem
manifestamente excessiva, em total afronta aos princípios de proteção do consumidor.
Através de sua conduta, a qual configura prática abusiva, viola o direito
de escolha do consumidor, previsto no artigo 6º, inciso II, do CDC.
Art. 6º São direitos básicos do consumidor:
(...)
II – a educação e divulgação sobre o consumo adequado dos
produtos e serviços, asseguradas a liberdade de escolha e a
igualdade nas contratações.
B) DA “VENDA CASADA”
Por praticas abusivas entendem-se “ações e/ou condutas que, uma vez
existentes, caracterizam-se como ilícitas, independentemente de se encontrar ou não
algum consumidor lesado ou que se sinta lesado. São ilícitas em si, apenas por existirem
de fato no mundo fenomênico”. 3
Assim, a conduta da requerida é abusiva e ilegal ante a vedação prevista
no artigo 39, inciso I e V do Código de Defesa do Consumidor:
Art. 39. É vedado ao fornecedor de produtos ou serviços, dentre
outras práticas abusivas:
I – condicionar o fornecimento de produto ou de serviço ao
fornecimento de outro produto ou serviço, bem como, sem justa
causa, a limites quantitativos;
V – exigir do consumidor vantagem manifestadamente
excessiva.
3 (NUNES, Rizzato, Curso de Direito do Consumidor. 6 ed., rev e atual. São Paulo: Saraiva, 2011. P. 588)
15ª Promotoria de Justiça de Governador Valadares - Promotoria de Justiça de Defesa do Cidadão
4
MINISTÉRIO PÚBLICO DO ESTADO DE MINAS GERAIS
15ª PROMOTORIA DE JUSTIÇA DA COMARCA DE GOVERNADOR VALADARES - MG
À evidencia, a política adotada pelo Cinesercla é abusiva, pois marcara
uma espécie de venda casada.
Na doutrina, o Min. Antônio Herman de Vasconcelos e Benjamin, que
colaborou para a elaboração do anteprojeto do Código de Defesa do Consumidor e
acompanhou sua evolução até a promulgação da lei, pontuou:
“As práticas abusivas nem sempre se mostram como atividades
enganosas. Muitas vezes, apesar de não ferirem o requisito da
veracidade, carreiam alta dose de imoralidade econômica e de
opressão. Em outros casos, simplesmente dão causa a danos
substanciais contra o consumidor. Manifestam-se através de
uma série de atividades, pré e pós-contratuais, assim como
propriamente contratuais, contra as quais o consumidor não tem
defesas, ou, se as tem, não se sente habilitado ou incentivado a
exercê-las. (...)
O Código proíbe, expressamente, duas espécies de
condicionamento do fornecimento de produtos e serviços. Na
primeira delas o fornecedor nega-se a fornecer o produto ou
serviço, a não ser que o consumidor concorde em adquirir
também um outro produto ou serviço. É a chamada venda
casada. Só que, agora, a figura não está limitada apenas á
compra e venda, valendo também para outros tipos de negócios
jurídicos, de vez que o texto fala em fornecimento, expressão
muito mais ampla.”4
Ainda, no mesmo sentido são as lições de Claudia Lima Marques:
Tanto o CDC como a Lei Antitruste proíbem que o fornecedor
se prevaleça de sua superioridade econômica ou técnica para
determinar condições negociais desfavoráveis ao consumidor.
Assim, proíbe o art. 39, em seu inciso I, a prática da chamada
venda “casada”, que significa condicionar o fornecimento de
4 (GRINOVER, Ada Pellegrinni. BENJAMIN, Antonio Herman de Vasconcelos e. FINK, Daniel Roberto. FILOMENO, José Geraldo Brito. NERY JUNIOR, Nelson. DENARI, Zelmo. Código Brasileiro de Defesa do Consumidor Comentado pelos Autores do Anteprojeto. Vol. I. 10ª ed., rev., atual., reform. Rio de Janeiro: Forense, 2011, p. 382).
15ª Promotoria de Justiça de Governador Valadares - Promotoria de Justiça de Defesa do Cidadão
5
MINISTÉRIO PÚBLICO DO ESTADO DE MINAS GERAIS
15ª PROMOTORIA DE JUSTIÇA DA COMARCA DE GOVERNADOR VALADARES - MG
produto ou serviço ao fornecimento de outro produto ou serviço.
O inciso ainda proíbe condicionar o fornecimento, sem justa
causa, a limites quantitativos. A jurisprudência assentou que a
prática de venda casada não pode ser tolerada, mesmo se há uma
bebesse para o consumidor incluída nesta prática abusiva, pois
apenas os limites quantitativos é que podem ser valorados como
justificados ou com justa causa. 5
A razão de ser da proibição à chamada venda casada se justifica na
vedação ao fornecedor de, utilizando-se de sua superioridade econômica ou técnica,
estipular condições negociais em prejuízo ao consumidor, prejudicando sua liberdade de
escolha entre os produtos e serviços, no que tange à qualidade e aos preços
competitivos.
Com efeito, a requerida condiciona o fornecimento de seus serviços ao
fornecimento de produtos comercializados no interior de seu estabelecimento, na
medida em que exige o descarte (vez que não fornece outra possiblidade) de alimentos
e/ou bebidas, que não aqueles por ela comercializados, adquiridos em outros locais, para
o ingresso dos frequentadores.
Os consumidores compram ingressos para um determinado evento
(sessão de cinema) e se dirigem às instalações da requerida interessados nos serviços
prestados, mas acabam sendo obrigados, ainda que indiretamente, a consumir os
alimentos e bebidas vendidos no local. Assim, a Cinesercla condiciona a entrada dos
consumidores no interior das salas de cinema à aquisição dos produtos
comercializados em sua bomboniere.
Desta forma, estamos vivenciando a venda casada transversa, ocasião em
que a requerida impede a entrada de produtos alimentícios que não os fornecidos por si,
obrigando o consumidor, de certa forma, a consumidor determinados gêneros
alimentícios (escolhidos previamente pela ré).
Durante julgamento de caso idêntico ao presente, o Ministro Benedito
Gonçalves do Superior Tribunal de Justiça, reafirmando a decisão anteriormente
proferida pela Egrégia Primeira Turma do STJ (RESP 744602/RJ) decidiu:
5 (MARQUES, Claudia Lima Marques. BENJAMIM, Antônio Herman; MIRAGEM, Bruno. Comentários ao Código de Defesa do Consumidor: 3ª ed., ver., ampl. e atual. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2010 p. 763
15ª Promotoria de Justiça de Governador Valadares - Promotoria de Justiça de Defesa do Cidadão
6
MINISTÉRIO PÚBLICO DO ESTADO DE MINAS GERAIS
15ª PROMOTORIA DE JUSTIÇA DA COMARCA DE GOVERNADOR VALADARES - MG
“No recurso especial, aponta-se violação dos artigos 188, I, do
Código Civil, 462 do Código de Processo Civil e 39 do Código
de Defesa do Consumidor (fls. 226-238).
Contrarrazões ao apelo nobre às fls. 272-292.
Nas razões do agravo, alega-se que a irresignação em comento
preenche os requisitos de admissibilidade recursal, de modo que
o seu provimento é mister.
Contraminuta ao agravo de instrumento às fls. 465-469.
É o relatório. Passo a decidir.
Tendo em vista o cumprimento dos requisitos de
admissibilidade da irresignação recursal de que trata o art. 544
do CPC, conheço do agravo de instrumento e, considerando que
estão presentes os documentos necessários para o julgamento do
recurso especial, passo, doravante, a enfrentar o mérito da causa,
com arrimo nos artigos 544, § 3º, e 557, caput, do Código de
Processo Civil.
A pretensão recursal não merece guarida, porque a Primeira
Turma do STJ ostenta entendimento segundo o qual constitui
venda casada a proibição de empresa que exibe filmes
cinematrográficos, de ingressar em suas salas de exibição com
produtos alimentícios que não os fornecidos por si.
Confira-se, por oportuno, a ementa do julgado supra, ipsis
litteris:
ADMINISTRATIVO. RECURSO ESPECIAL. APLICAÇÃO
DE MULTA PECUNIÁRIA POR OFENSA AO CÓDIGO DE
DEFESA DO CONSUMIDOR. OPERAÇÃO DENOMINADA
'VENDA CASADA' EM CINEMAS. CDC, ART. 39, I.
VEDAÇÃO DO CONSUMO DE ALIMENTOS
ADQUIRIDOS FORA DOS ESTABELECIMENTOS
CINEMATOGRÁFICOS.
1. A intervenção do Estado na ordem econômica, fundada na
livre iniciativa, deve observar os princípios do direito do
15ª Promotoria de Justiça de Governador Valadares - Promotoria de Justiça de Defesa do Cidadão
7
MINISTÉRIO PÚBLICO DO ESTADO DE MINAS GERAIS
15ª PROMOTORIA DE JUSTIÇA DA COMARCA DE GOVERNADOR VALADARES - MG
consumidor, objeto de tutela constitucional fundamental especial
(CF, arts. 170 e 5º, XXXII).
2. Nesse contexto, consagrou-se ao consumidor no seu
ordenamento primeiro a saber: o Código de Defesa do
Consumidor Brasileiro, dentre os seus direitos básicos "a
educação e divulgação sobre o consumo adequado dos produtos
e serviços, asseguradas a liberdade de escolha e a igualdade nas
contratações" (art. 6º, II, do CDC).
3. A denominada 'venda casada', sob esse enfoque, tem como
ratio essendi da vedação a proibição imposta ao fornecedor
de, utilizando de sua superioridade econômica ou técnica,
opor-se à liberdade de escolha do consumidor entre os
produtos e serviços de qualidade satisfatório e preços
competitivos.
4. Ao fornecedor de produtos ou serviços, consectariamente,
não é lícito, dentre outras práticas abusivas, condicionar o
fornecimento de produto ou de serviço ao fornecimento de
outro produto ou serviço (art. 39, I do CDC).
5. A prática abusiva revela-se patente se a empresa
cinematográfica permite a entrada de produtos adquiridos
na suas dependências e interdita o adquirido alhures,
engendrando por via oblíqua a cognominada 'venda casada',
interdição inextensível ao estabelecimento cuja venda de
produtos alimentícios constituiu a essência da sua atividade
comercial como, verbi gratia, os bares e restaurantes.
6. O juiz, na aplicação da lei, deve aferir as finalidades da
norma, por isso que, in casu, revela-se manifesta a prática
abusiva.
7. A aferição do ferimento à regra do art. 170, da CF é
interditada ao STJ, porquanto a sua competência cinge-se ao
plano infraconstitucional.
8. Inexiste ofensa ao art. 535 do CPC, quando o Tribunal de
origem, embora sucintamente, pronuncia-se de forma clara e
15ª Promotoria de Justiça de Governador Valadares - Promotoria de Justiça de Defesa do Cidadão
8
MINISTÉRIO PÚBLICO DO ESTADO DE MINAS GERAIS
15ª PROMOTORIA DE JUSTIÇA DA COMARCA DE GOVERNADOR VALADARES - MG
suficiente sobre a questão posta nos autos. Ademais, o
magistrado não está obrigado a rebater, um a um, os argumentos
trazidos pela parte, desde que os fundamentos utilizados tenham
sido suficientes para embasar a decisão.
9. Recurso especial improvido (REsp 744.602/RJ, Relator
Ministro Luiz Fux, Primeira Turma, DJ 15/3/2007).
Ante o exposto, conheço do agravo de instrumento e, desde
logo, nego seguimento ao recurso especial”.
(STJ – AG 1362633, Rel. Min. Benedito Gonçalves, d.p. DJe
02/03/2011)
Não se está afirmando, contudo, que qualquer um que pretenda assistir a
uma sessão de cinema deva obrigatoriamente adquirir os produtos alimentícios
comercializados pela empresa, mesmo que nada pretenda consumir.
Todavia, a requerida somente autoriza os espectadores (consumidor) a
adentrarem nas salas com os produtos alimentícios adquiridos (ou similares) àqueles
comercializados em sua bomboniere.
Importante destacar que a ré exige do consumidor vantagem
manifestamente excessiva, posto que tolhe do consumidor sua liberdade em escolher o
alimento que deseja consumir e lhe oferece (comercializa) produtos a preços excessivos.
Também, a ré não possibilita ao consumidor alternativas senão o descarte
do produto alimentícios que trazem consigo antes de ingressar nas salas de cinema ou
adentrar após o inicio da sessão (filme).
3 – DA LEGITIMIDADE DO MINISTÉRIO PÚBLICO
O Ministério Público de Minas Gerais tem legitimidade para mover a
presente ação civil pública, para a defesa dos interesses difusos e indisponíveis
envolvidos na questão: a integridade física das pessoas.
Afinal, nos termos do art. 127, caput, da Constituição Federal, ao
Ministério Público incumbe a defesa da ordem jurídica, do regime democrático e dos
interesses sociais e individuais indisponíveis.
A Constituição Federal em seu artigo 5º, inciso XXXII, estabelece que o
Estado promoverá, na forma da lei, a defesa do consumidor.
15ª Promotoria de Justiça de Governador Valadares - Promotoria de Justiça de Defesa do Cidadão
9
MINISTÉRIO PÚBLICO DO ESTADO DE MINAS GERAIS
15ª PROMOTORIA DE JUSTIÇA DA COMARCA DE GOVERNADOR VALADARES - MG
Nesse sentido, A Constituição da República Federativa do Brasil de
1988, no artigo 129, atribuiu ao Ministério Público a função de promover ação civil
pública para a proteção de direitos difusos e coletivos, zelando pelo efetivo respeito dos
Poderes Públicos e dos serviços de relevância pública aos direitos constitucionais.
Consultem-se os arts. 25, inciso IV, a, e 27 da Lei Federal 8.625/93 (Lei
Orgânica Nacional do Ministério Público) e os arts. 1º e 5º da Lei 7.437/85 (Lei de
Ação Civil Pública), os quais confere legitimidade ao Parquet para propositura de ação
em defesa dos direitos dos consumidores.
Ademais, o Código de Defesa do Consumidor, em seus artigos 81 e 82,
prescreve ser o Ministério Público legitimado para a defesa dos interesses e direitos dos
consumidores.
4 – DO DANO MORAL COLETIVO
Impõe-se, nessa esteira, a condenação da demandada ao pagamento de
valor, a ser revertido ao fundo criado pelo artigo 13 da Lei nº 7.347/85, a título de dano
extrapatrimonial coletivo, também denominado dano moral coletivo.
O dano moral está previsto em nosso ordenamento jurídico no artigo 1º
da Lei nº 7.347/85, por meio do qual é assegurada a responsabilização por danos morais
e patrimoniais causados ao meio ambiente, ao consumidor, à ordem urbanística, aos
bens e direitos de valor artístico, estético, histórico, turístico e paisagístico e a qualquer
outro interesse difuso ou coletivo.
O dano moral coletivo tem arrimo no ordenamento jurídico pátrio. A
redação do artigo 6º da Lei nº 8.078/90, elenca a reparação desse como um dos direitos
básicos do consumidor.
Não é demasiado lembrar que o dano moral atinge direitos da
personalidade. Necessário, sobre o assunto, fazer menção à proposital alteração
implementada no caput do art. 1º da Lei nº 7.347/85, promovida em junho de 1994 pela
Lei nº 8.884/94, onde estabeleceu:
“Art. 1º. Regem-se, pelas disposições desta lei, sem prejuízo da
ação popular, as ações de responsabilidade por danos morais e
patrimoniais causados”.
Evidente, portanto, o propósito da nova redação: proteger, por meio de
15ª Promotoria de Justiça de Governador Valadares - Promotoria de Justiça de Defesa do Cidadão
10
MINISTÉRIO PÚBLICO DO ESTADO DE MINAS GERAIS
15ª PROMOTORIA DE JUSTIÇA DA COMARCA DE GOVERNADOR VALADARES - MG
ação de responsabilidade, aspectos morais (não-patrimoniais) dos direitos coletivos. Na
verdade, a alteração legal colimou explicitar que os danos ali referidos são os morais e
patrimoniais.
Nessa senda, com base na expressa previsão legal, tanto a doutrina como
a jurisprudência têm destacado a importância do dano moral coletivo na proteção dos
direitos metaindividuais, sobressaltando seu caráter punitivo.
Como argumento adicional ao reconhecimento do caráter punitivo do
dano extrapatrimonial coletivo, indique-se que o valor da condenação não vai para o
demandante, sendo convertido em benefício da própria comunidade, destinando-se a
fundo, conforme indicado no art. 13 da Lei nº 7.347/85.
Portanto, o dano moral coletivo constitui hipótese de condenação em
dinheiro com função punitiva e reparadora, face à ofensa a direitos coletivos.
Também há previsão sobre o tema na Lei nº 8.078/90 – Código de Defesa
do Consumidor, que garante a prevenção e a reparação de danos patrimoniais e morais,
individuais, coletivos e difusos e o acesso aos órgãos judiciais e administrativos, além
de trazer o avanço das definições cabíveis dentro de direito coletivo (art. 81).
A indenização pelo dano moral sofrido tem previsão, ainda, nos incisos V
e X do art. 5º da Constituição Federal. Vejamos:
“Art. 5º Todos são iguais perante a lei, sem distinção de
qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos
estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à
vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade,
nos termos seguintes:
[...]
V - é assegurado o direito de resposta, proporcional ao agravo,
além da indenização por dano material, moral ou à imagem;
[...]
X - são invioláveis a intimidade, a vida privada, a honra e a
imagem das pessoas, assegurado o direito a indenização pelo
dano material ou moral decorrente de sua violação”.
15ª Promotoria de Justiça de Governador Valadares - Promotoria de Justiça de Defesa do Cidadão
11
MINISTÉRIO PÚBLICO DO ESTADO DE MINAS GERAIS
15ª PROMOTORIA DE JUSTIÇA DA COMARCA DE GOVERNADOR VALADARES - MG
No presente caso, como restou fartamente demonstrado, a conduta da
empresa de cinema é ilegal, por afrontar as normas infraconstitucionais que impedem a
prática da venda casada.
Há, no caso, o dever de indenizar porque a conduta ilícita praticada
ofendeu valores fundamentais compartilhados por todos os brasileiros.
Ensina Carlos Alberto Bittar Filho6:
O DANO MORAL COLETIVO É A INJUSTA LESÃO DA
ESFERA MORAL DE UMA DADA COMUNIDADE, OU SEJA,
É A VIOLAÇÃO ANTIJURÍDICA DE UM DETERMINADO
CÍRCULO DE VALORES COLETIVOS. Quando se fala em
dano moral coletivo, está-se fazendo menção ao fato de que o
patrimônio valorativo de uma certa comunidade (maior ou
menor), idealmente considerado, foi agredido de maneira
absolutamente injustificável do ponto de vista jurídico: quer
isso dizer, em última instância, que se feriu a própria cultura,
em seu aspecto imaterial.” (grifos nossos). (BITTAR FILHO,
Carlos Alberto. “Do dano moral coletivo no atual contexto
jurídico brasileiro” in Direito do Consumidor, vol. 12- Ed. RT.)
Além disso, necessário considerar o flagrante e habitual desrespeito aos
consumidores, sendo que a requerida se aproveita de suas inexperiências, bem como das
expectativas geradas pelo evento que produz, para lesar os seus direitos.
5 – DA TUTELA PROVISÓRIA DE URGÊNCIA (LIMINAR)
Consoante o artigo 12 da Lei nº 7.347/85, é cabível a concessão de tutela
de urgência, com ou sem justificação prévia, nos próprios autos da ação civil pública,
sem a necessidade de se ajuizar ação cautelar.
Requer-se liminarmente, sem a necessidade de prévia oitiva da parte
adversa, por estarem presentes a probabilidade do direito e o perigo de dano, vez que a
cada dia (sessão) os consumidores são tolhidos em seu direito.
6 BITTAR FILHO, Carlos Alberto. “Do dano moral coletivo no atual contexto jurídico brasileiro” in Direito do Consumidor, vol. 12- Ed. RT.
15ª Promotoria de Justiça de Governador Valadares - Promotoria de Justiça de Defesa do Cidadão
12
MINISTÉRIO PÚBLICO DO ESTADO DE MINAS GERAIS
15ª PROMOTORIA DE JUSTIÇA DA COMARCA DE GOVERNADOR VALADARES - MG
A probabilidade do direito está cabalmente demonstrada pelos
documentos que acompanham a presente, e, ainda, pelas normas mencionadas.
Por outro lado, se for possibilitado à requerida continuar com sua
atividade danosa enquanto corre o processo — o que poderá durar anos —, estar-se-á
permitindo a lesão irreversível ao direito coletivo dos consumidores.
Outrossim, a perda monetária reiterada por parte de inúmeros
consumidores que assistem às sessões de cinema. Muitos são os que vêm de outras
cidades para participarem, vez ser a requerida detentora do único cinema da região.
Disso resulta a necessidade de tutela de urgência, determinando que a
requerida se abstenha de impedir que consumidores adentrem em suas salas de cinema
instaladas no GV Shopping, com alimentos e bebidas (de qualquer espécie) adquiridos
de terceiros (que não em sua bomboniere), é bom ressaltar, tudo com base no artigo 12
da Lei 7347/85 e sob pena de pagamento de multa cominatória pelo descumprimento.
A não adoção de medidas imediatas e eficazes, inquestionavelmente,
gerará na comunidade sentimento de abandono, de desprezo e, pior, de total descrença
nos Poderes constituídos, além daquela desconfortável sensação de que “aos grandes e
poderosos nada acontece”.
Ademais, os consumidores tem direito à liberdade de escolha acerca dos
alimentos e bebidas que pretendem adquirir, no que tange à qualidade e aos preços
competitivos, não podendo ser obrigados pela requerida a adquirir somente
determinados alimentos e bebidas.
6 – DOS PEDIDOS
Ante o exposto, requer o MINISTÉRIO PÚBLICO DO ESTADO DEMINISTÉRIO PÚBLICO DO ESTADO DE
MINAS GERAISMINAS GERAIS:
1) nos termos do art. 12 da Lei 7.437/85, a concessão de MEDIDA
LIMINAR (TUTELA DE URGÊNCIA), sem oitiva da parte contrária, impondo-se
ao requerido a obrigação de não fazer, no sentido de abster-se de impedir o acesso
de consumidores às sessões (salas) de cinema portando alimentos e bebidas (de
quaisquer espécie) que não sejam adquiridos e/ou comercializados na bomboniere
da empresa Sercla de Cinema (Cinesercla);
15ª Promotoria de Justiça de Governador Valadares - Promotoria de Justiça de Defesa do Cidadão
13
MINISTÉRIO PÚBLICO DO ESTADO DE MINAS GERAIS
15ª PROMOTORIA DE JUSTIÇA DA COMARCA DE GOVERNADOR VALADARES - MG
1.A) em caso de descumprimento da liminar, seja fixada a multa
cominatória, a título de tutela inibitória, de R$ 10.000,00 (dez mil reais), a ser paga
pela demandada, nos termos dos arts. 12, § 2º, e 21 da Lei 7.347/85 c/c o art. 84, § 4º,
da Lei 8.078/90;
1.B) O valor resultante da multa por inadimplemento será integralmente
revertido em favor do fundo previsto no art. 13 da Lei 7.347/85, observado o disposto
no parágrafo único da referida norma jurídica;
2) a citação da demandada, para responder aos termos da presente ação;
3) a intimação pessoal do autor de todos os atos e termos processuais,
na pessoa do 15o Promotor de Justiça de Governador Valadares, especializado na
Defesa do Consumidor;
4) A procedência do pedido, para o fim de que seja a requerida
condenado à obrigação de não fazer, no sentido de abster-se de impedir os
consumidores de adentrem às suas salas portando alimentos e bebidas (de qualquer tipo
e espécie) e independente daqueles comercializados pela requerida e/ou do
estabelecimento onde foram adquiridos;
5) A condenação do requerido ao pagamento de indenização por danos
morais coletivos, no valor de R$ 200.000,00 (duzentos mil reais), acrescidos de juros e
correção monetária a partir da citação, importância que deverá ser revertida ao Fundo de
Direitos Difusos previsto na Lei nº 7.347/85;
6) A imposição de multa cominatória no valor de R$10.000,00 (dez mil
reais), pelo descumprimento de qualquer decisão judicial, inclusive eventual liminar
(tutela de urgência), a ser recolhida ao Fundo Estadual de Reparação dos Interesses
Difusos e Coletivos.
7) Requer ainda seja o requerido condenado ao pagamento das custas e
demais despesas processuais.
8) Que seja admitido ao autor fazer prova dos fatos alegados via da
juntada dos documentos em anexo e, se necessário for, através do depoimento pessoal
do requerido, sob pena de confissão, oitiva de testemunhas a serem oportunamente
arroladas, perícias, juntada de documentos novos e todas as demais provas em direito
admitidas.
15ª Promotoria de Justiça de Governador Valadares - Promotoria de Justiça de Defesa do Cidadão
14
MINISTÉRIO PÚBLICO DO ESTADO DE MINAS GERAIS
15ª PROMOTORIA DE JUSTIÇA DA COMARCA DE GOVERNADOR VALADARES - MG
Dá-se à causa, para efeitos fiscais, o valor de R$ 200.000,00 (duzentos
cem mil reais).
Governador Valadares, 29 de junho de 2016.
Lélio Braga CalhauPromotor de Justiça
15ª Promotoria de Justiça de Governador Valadares - Promotoria de Justiça de Defesa do Cidadão
15