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ACERVO BIBLIOGRÁFICO DO MUSEU DA COMPANHIA PAULISTA:
Identificação de histórico do acervo como estratégia de valoração do patrimônio
cultural.
ANDREZA VELLASCO GOMES*
INTRODUÇÃO
De acordo com as definições legais do Instituto Brasileiro de Museus - IBRAM se
enquadram em museus as instituições abertas ao público e a serviço da sociedade, que tem
como objetivo atualmente preservar memórias, identidade e expor para diversos fins coleções
de valor histórico, artístico, cientifico ou de qualquer diferente natureza cultural. Segundo
Marlene Suano (1986) sempre houve a preocupação por parte de diversos segmentos das
comunidades em compreender o passado e procurar preserva-lo, e nos moldes atuais essa
preservação consiste em manter e preservar testemunhos da data em questão para que sirvam
de pontos de partida para considerações e análises. Isto nos faz pensar sobre a função de
diferentes tipos de museus existentes (como os históricos, de ciências ou tecnologia, de
empresas ou industriais), e dentre eles um em particular: o museu ferroviário. Admitindo as
definições acima, assumimos que os museus ferroviários têm como finalidade oferecer
acervos e informações a fim de fomentar a preservação do patrimônio industrial ferroviário
em todo o Brasil.
O projeto tem como proposta estudar o acervo bibliográfico do Museu da Companhia
Paulista, situado em Jundiaí. O museu foi inaugurado em 1979 como “Museu Ferroviário
Barão de Mauá” para ser um centro de referências e preservação sobre os suportes materiais
da memória e a história da ferrovia da cidade de Jundiaí, no entanto, após um processo de
recuperação e restauro, foi reaberto em 1995 com novas bases museológicas e levando o
nome de “Museu da Companhia Paulista”. Contém um acervo bibliográfico e documental
bastante variado, composto por plantas, desenhos técnicos, mapas, atas, circulares, livros,
relatórios, além de uma série de documentos administrativos e periódicos (MUSEU DA
COMPANHIA PAULISTA, S/D).
* Graduanda em História pela Faculdade de Ciências e Letras de Assis – UNESP. A pesquisa conta com financiamento da FAPESP - Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo (2017/12896-0), sob orientação do Profº Dr. Eduardo Romero de Oliveira.
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Há um amplo debate sobre a problemática da preservação do patrimônio industrial
ferroviário, nota-se algumas dificuldades como a falta de uma legislação clara de proteção
dedicada aos bens ferroviários. Entretanto, de modo geral, tem ocorrido alguma proteção nas
últimas décadas, como no caso do estado de São Paulo (MORAES; OLIVEIRA, 2017); e no
Brasil, após a Lei 11435/2007, que atribui responsabilidade ao Instituto do Patrimônio
História e Artístico Nacional - IPHAN dos bens de valor histórico da extinta RRFSA.
Por outro lado, existem políticas públicas destinadas a gestão documental que define
como arquivos públicos “conjuntos de documentos produzidos e recebidos por instituições de
caráter público, por entidades privadas encarregadas da gestão de serviços públicos no
exercício de suas atividades” (BRASIL, Nº 8.159). Nesta legislação enquadra-se os acervos
da Rede Ferroviária Federal S.A. - RFFSA e sua administração, que também cabe a
instituições arquivísticas federais, estaduais e municipais.
Compreende-se que a discussão proposta as vezes aparece em paralelo com outras
questões como a história da instituição ou a difusão do museu. Tendo em conta então que o
acervo documental antecede a formação do museu, o propósito do projeto é então identificar
como se deu a formação desse acervo bibliográfico, em que condições foi formado, se existiu
uma legislação que impulsionou essa construção, os pormenores que levaram ao acúmulo
dessa coleção. Em termos específicos: identificar sua procedência; levantamento do conjunto
à época de reunião; procedimentos de guarda à luz da legislação nos anos 1990; verificar
interferência de alguma política de preservação.
Segundo Correa e Oliveira (2018) em um levantamento dentro das temáticas definidas
pela CNPQ, de 2011 a 2016 foram registrados 105 trabalhos entre dissertações e teses em
múltiplas áreas do conhecimento. Entretanto, apenas 40 são da área de história e 6 em
políticas públicas. No âmbito de acervos documentais também existem poucos trabalhos com
foco em acervos de empresas privadas e fundos industriais. O Museu da Companhia Paulista
é abordado na tese de Aline Bartcus (2012), contudo, não contém o acervo bibliográfico como
objeto, sendo então uma pesquisa de caráter inédito.
Portanto, identificando a procedência do conjunto bibliográfico, há um viés prático da
pesquisa que permite uma melhor organização do acervo. Identificando também a época em
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que foi acumulado o acervo, se foi antes ou depois da construção do museu auxiliaria na
compreensão da história administrativa da empresa e no entendimento das políticas de
preservação que geraram o acumulo documental. As reflexões e análises procuram auxiliar no
preenchimento das lacunas existentes sobre organização de acervos em museus ferroviários e
reforçar o debate geral sobre o trabalho, manutenção e conservação do patrimônio documental
no Brasil.
A respeito da metodologia adotada, a identificação de procedência do conjunto
bibliográfico se deu através da consulta a registros documentais sobre o acervo (listagem
patrimonial ou inventário, termo de cessão da RFFSA ou do IPHAN, fichas catalográficas
produzidas durante o período), foi realizado também um levantamento da época e em que
condições foi reunido o conjunto bibliográfico.
Após identificar indivíduos que atuam ou atuaram no museu na época de sua reunião,
foram realizadas entrevistas que aconteceram através de um roteiro pré-programado com base
em metodologias encontradas na história oral que consiste em atividades anteriores e
posteriores à gravação dos depoimentos: como um levantamento de dados para a preparação
de um roteiro para as entrevistas, contatar o entrevistado, gravar o depoimento, transcrevê-lo e
o tratamento e análise do material gravado (ALBERTI, 2005).
Verificou-se também se existia uma legislação sobre a guarda documental na época da
sua reunião, se atinge na pratica a empresas públicas e privadas, e se houve influências da lei
de arquivo 8.159 de 8 de janeiro de 1991 determinando a unificação do acervo, e para indicar
sua eficácia foi recolhido dados a respeito de outros acervos documentais protegidos posterior
ao ano de 1991, e também de outros materiais relacionados ao patrimônio ferroviário
tombados, ou preservados por lei através de órgãos como o IPHAN e CONDEPHAAT.
REFERÊNCIAS TEÓRICAS
Segundo Camargo (1999), a Revolução Francesa desencadeara “o início de uma
concepção baseada nas novas formas de administração do Estado” (CAMARGO, 1999:143).
Refere-se a criação dos Arquivos Nacionais na França, quando se redefiniu o uso
administrativo e político dos documentos de arquivo. Como parte dos resultados daquela
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revolução política, os arquivos nacionais, seguindo os moldes franceses, se espalharam por
toda a Europa e América. Foi o caso do Brasil, que criou o Arquivo do Império em 1838.
Desde então, as práticas de conservação e valorização dos arquivos se aperfeiçoaram,
respondendo as emanadas das administrações públicas.
Ao longo da história, ficou demonstrado que os arquivos públicos são tão
importantes para qualquer sociedade e para qualquer nação, que no direito
internacional relativo a sucessão dos estados, os arquivos são considerados
como um atributo essencial a soberania de um estado e, por consequência, são
imprescritíveis e alienáveis (CAMARGO, 1999:17).
Criado juntamente com o Instituto Histórico e Geográfico Brasileiro (IHGB), o Arquivo
do Império teria como objetivo recolher e preservar os documentos da administração central e
da Família Imperial Brasileira. Atualmente leva o nome de Arquivo Nacional, a instituição é
subordinada ao Ministério da Justiça, responsável pela gestão documental da administração
pública federal. O Arquivo Nacional tem como órgão vinculado o Conselho Nacional de
Arquivos (CONARQ), “mecanismo que, na esfera dos arquivos, equivale ao tombamento de
bens culturais realizados pelos órgãos de proteção ao patrimônio cultural” (CAMARGO,
MOLINA, 2010, p.2), e tem como finalidade definir a política nacional de arquivos públicos e
privados como órgão central de um Sistema Nacional de Arquivo (SINAR), visando a gestão
documental e a proteção aos documentos de arquivos.
Percebemos sob uma perspectiva histórica, que no país a ideia de patrimônio
documental foi aprofundada através do tempo e foram criadas instituições fundadas com a
finalidade de armazenar e fornecer acesso aos documentos públicos. Contudo, entre a
produção do documento até a seu acesso é imprescindível a atuação do Estado no que se
refere a organização, salvaguarda e acessibilidade.
No que diz respeito a políticas públicas que se referem a patrimônio documental Célia
Camargo (1999) indica que ao longo dos séculos XIX e XX, o patrimônio documental:
[...] foi marginalizado pelas políticas públicas de proteção patrimonial, e desde
o início, com a criação do SPHAN, os acervos documentais sob a guarda das
instituições foi marginalizado pela política então elaborada, reforçando uma
tendência de abandono que vinha gradativamente se consolidando desde o início
da fase republicana. (CAMARGO, 1991:15)
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Rodrigues (2000) defende que só em meados da década de 1980 a noção de patrimônio
foi ampliada, e nessa expansão passou a incluir também “documentos históricos, em geral
depositados em arquivos públicos e privados” (RODRIGUES, 2000:145). É só na
constituição de 1988 que o patrimônio nacional ganha um tratamento mais especifico,
“alcançando praticamente as modalidades do patrimônio histórico, (...) não só para o poder
público federal como para os Estados e Municípios, expressando desta forma a ampliação do
que até então se concebia como ator fundamental da política de proteção” (CAMARGO,
1999:131).
De acordo com Molina (2013), nas décadas de 1980 e 1990 se dá uma nova tendência
em relação ao patrimônio documental com a criação de programas nacionais e internacionais,
com o intuito de preservar e dar acesso ao patrimônio documental. Destacando em 1984 a
criação da Fundação Nacional Pró-Memória do Programa Nacional de Preservação da
Documentação Histórica – Pró-documento, que tinha como objetivo a identificação e
avaliação de acervos privados de interesse histórico. E a criação em 1992 do Programa
Memória do Mundo pela UNESCO, que reconhece as diretrizes do patrimônio documental e
mantém registros da memória coletiva e documentada de diversos povos do mundo,
representando então parte do patrimônio documental, entre os objetivos principais do
programa do programa estão facilitar a preservação do patrimônio documental mundial
mediante as técnicas mais adequadas, facilitar o acesso universal ao patrimônio documenta e
criar uma maior consciência em todo o mundo da existência e importância do patrimônio
documental (UNESCO, 2002).
Para o Arquivo Nacional, documento é: “unidade de registro de informações, qualquer
que seja o suporte [...]” (BRASIL, 2005, p 73). Já segundo Bellotto (2006), o conceito de
documentos de arquivo: “são aqueles que depois do trâmite dentro da ação que justificou sua
criação foram recolhidos a arquivos, passando pelas diversas fases do ciclo vital dos
documentos” (BELLOTTO, 2006, p. 272).
Nos estudos da área, a questão do patrimônio documental e dos processos de
patrimonialização de documentos se iniciam com a submissão de um determinado grupo de
documentos a um processo de avaliação e a aplicação da teoria conhecida como das “três
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idades”, de acordo com o Dicionário Brasileiro de Terminologia Arquivísticas a teoria das
três idades seria a “Teoria segundo a qual os arquivos são considerados arquivos correntes,
intermediários ou permanentes, de acordo com a frequência de uso por suas entidades
produtoras e a identificação de seus valores primário e secundário.” (BRASIL, 2005, p. 160).
Ou seja, os documentos da primeira idade chamados de correntes, são aqueles ainda utilizados
como instrumentos administrativos de uma determinada empresa. Os de segunda idade,
arquivos intermediários, são aqueles que já foram utilizados por uma determinada empresa,
contudo, ainda são passíveis de consulta. Os de terceira idade são os arquivos permanentes,
onde já nos órgãos de administração pública passam a ter outras funções de uso não
administrativas (JARDIM, 1996).
Segundo Knauss (2009), entre a primeira e a terceira fase, o documento muda de
sentido, deixando de ser suporte de ações do presente, para ser de ações do passado, e é nessa
terceira fase, a permanente, onde o documento passa a ter “dimensões históricas” e o mesmo
se afirma como patrimônio.
INTERPRETAÇÕES
Em um primeiro momento, foi consultado em pesquisa de campo um volume expressivo
do acervo bibliográfico do Museu e os resultados enquadrados em planilhas. Documentos
esses que podem ser compreendidos como documentos de arquivo, já que fazem parte de um
conjunto produzido para cumprir determinadas funções administrativas, e só depois de
cumpridas essas funções foram recolhidos a biblioteca do museu.
Em entrevista, Leticia Schoenmaker afirma que a reunião das obras na Fepasa se deu ao
longo do tempo, contudo, converteu-se em acervo devido a desestatização da ferrovia, ou seja,
entre as décadas de 1990 e 2000. De acordo com Oliveira (2010), nesse momento, o museu se
encontrava inserido num conjunto de oficinas desativado, que servia de estoque para peças e
documentação, sob administração de uma empresa já extinta, de modo que toda a manutenção
do acervo era responsabilidade de um único funcionário. Edmar de Stefano, era Coordenador
do Núcleo de Jundiaí e responsável geral da área oficinas desde a época em que o museu
estava sob administração da Fepasa e manteve o cargo até o ano de 2001, onde acabou por
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demitir-se devido à falta de pagamento. A situação de abandono foi denunciada em diversas
reportagens, além dos boletins policiais que relatam sobre o roubo de material.
Nos anos 2000, o museu é assumido por ex-ferroviários, por meio da formação
Associação de Preservação da Memória da Cia Paulista (APMCP), entidade sem fins
lucrativos sob a presidência de Eusébio Pereira dos Santos, a associação foi criada justamente
para assegurar a preservação do museu antes de se iniciar o processo de tombamento.
Segundo Bartcus (2010), em 14/07/2004, o IPHAN conclui o processo de tombamento do
conjunto de 34 edificações da Companhia Paulista de estradas de Ferro, que mais tarde, após a
privatização, ficou conhecida como Complexo FEPASA. O pedido em questão foi
protocolado no IPHAN em outubro de 2000, pela Sociedade Amigos da Preservação do
Patrimônio Histórico, Artístico e Arqueológico de Jundiaí – SOAPHA, apesar de outras
entidades de preservação serem envolvidas como o APMCP.
O processo de extinção das empresas públicas FEPASA e RFFSA, gerou então a
incorporação das diversas bibliotecas e a criação de um acervo comum com diversos tipos de
documentos, obras literárias, desenhos técnicos, plantas e estudos. Parte dos carimbos
registrados na Planilha 1 da biblioteca Fepasa, fornecem o endereço da rua Barra Funda, que
no ano de 1995, passou a ser de posse do estado. Entendo que nesse momento pode ter
ocorrido a transferência para Jundiaí (conforme indica o decr. 40.748/1996).
Artigo 1º - Fica destinada à Secretaria da Justiça e da Defesa da Cidadania o
imóvel pertencente à FEPASA - Ferrovia Paulista S.A., compromissado à Fazenda
do Estado de São Paulo, de acordo com o Contrato de Compromisso de Venda e
Compra celebrado em 1º de novembro de 1995, cuja aquisição foi autorizada [...]
imóvel esse situado no Município de São Paulo, à Rua Barra Funda, nº 930, 1020,
1028, 1030, 1032 e 1038, [....].
O acervo documental e bibliográfico da Fepasa havia sido transferido da Barra Funda
para galpões. Uma comissão técnica do Arquivo Público do Estado de São Paulo visitou o
local em 2001, e relata que a documentação se encontrava espalhadas em estantes, armários,
caixas e pacotes sem organização e numa situação alarmante, com animais mortos,
infiltrações e sujeira. Seriam documentos de caráter contábil e administrativo referentes ao
período de 1870 a 1997. Não havia instrumentos de acesso, nem histórico de registro dos
documentos (OLIVEIRA, 2010).
Em 2001, a prefeitura havia assumido os prédios da oficina e assumia também a
administração instável do museu. Com a extinção em fevereiro de 2002, do Programa de Bens
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Culturais, encerram os estudos para gestão e preservação destes edifícios, dos objetos e
documentos pelo Estado de São Paulo, assim como a colaboração da APMCP. Em 2004, parte
do acervo depositado nos galpões foi transferido para outro galpão no bairro do Bom Retiro,
sob a responsabilidade da inventariança da RFFSA, mantiveram-se em Jundiaí, o acervo de
objetos relativo ao Museu ferroviário e o acervo bibliográfico, documental e cartográfico que
compõe a biblioteca do Museu, sob a administração da prefeitura (OLIVEIRA, 2010).
A respeito das políticas públicas de patrimônio, a lei nº 8.159, de 8 de janeiro de 1991,
dispõe sobre a política nacional de arquivos públicos e privados e dá outras providências. E o
Art. 2º define arquivo como:
Consideram-se arquivos, para os fins desta Lei, os conjuntos de documentos
produzidos e recebidos por órgãos públicos, instituições de caráter público e
entidades privadas, em decorrência do exercício de atividades especificas, bem
como por pessoa física, qualquer que seja o suporte da informação ou a natureza
dos documentos. (BRASIL, Nº 8.159)
Ou seja, a ideia de arquivo mais aceita na comunidade arquivística é a de conjunto de
documentos oficialmente produzidos e recebidos por um governo, pessoa física ou jurídica,
arquivados e conservados para efeitos futuros.
Conforme dito anteriormente, os documentos contidos na planilha atendem aos fatores
necessários para terem a condição de documento arquivístico, já que completaram a ação que
justifica sua criação, e posteriormente foram recolhidos a arquivos. De modo que a Biblioteca
Ferroviária do Museu da Companhia Paulista, carrega em si também a função de arquivo, já
que além dos relatórios contidos na Planilha, também é composta por uma série de outros
documentos administrativos.
A Lei nº 8.159 cria também instrumentos para a gestão de documentos, como o
CONARQ-Conselho Nacional de Arquivos, que tem por finalidade definir a política nacional
de arquivos públicos e privados, como órgão central do Sistema Nacional de Arquivos –
Sinar. Apesar de órgão colegiado, o CONARQ tem características de um órgão executor:
É o caso, por exemplo, de atribuições como: estabelecer diretrizes para o
funcionamento do Sistema Nacional de Arquivos-SINAR; promover o inter-
relacionamento de arquivos públicos e privados; subsidiar a elaboração de planos
nacionais de desenvolvimento, estimular a integração e modernização dos arquivos
públicos e privados ; identificar os arquivos privados de interesse público e social,
articular-se com outros órgãos do Poder Público formuladores de políticas
nacionais nas áreas de educação, cultura, ciência, tecnologia, informação e
informática, etc. (JARDIM, 2008:10).
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Segundo Jardim (2008), entre 1994 e 2006 o CONARQ se reuniu em 40
oportunidades, gerando um grupo de atas nas quais são detalhadas suas ações. E ao realizar a
análise dessas atas que relatam os primeiros 10 anos de atuação do órgão, foram separados os
temas mais abordados no período. Constata-se que a ênfase dos debates se concentra na
produção de normas técnicas e na produção de mecanismos de funcionamento do próprio
Conselho. De modo que a política, nacional de arquivos, objeto do CONARQ, é um tema
completamente periférico, enquanto os Arquivos Municipais foram citados em somente 4%
das reuniões. De modo que podemos perceber que a legislação sobre a guarda documental não
era prioridade dos órgãos responsáveis na época de da reunião do acervo, ou então os
arquivos municipais.
Entretanto, a Lei nº 8.159 também separa os arquivos entre: Institucionais (públicos e
privados) e Pessoais. Sendo Arquivos Institucionais Públicos, onde se enquadram as empresas
de transporte ferroviário. Já os Artigos Institucionais Privados: “Art. 11 – Consideram-se
arquivos privados os conjuntos de documentos produzidos ou recebidos por pessoas físicas ou
jurídicas, em decorrência de suas atividades.” (BRASIL Nº 8.159), e estes podem ser
divididos entre Econômico ou Sociais.
E os Arquivos Pessoais, são aqueles produzidos e acumulados por pessoas físicas. E
entre os anos de 2004 e 2009 foram identificados o reconhecimento de em média 10 Arquivos
Pessoais declarados pela CONARQ através da classificação de interesse público e social. E
até maio de 2011 mais dois arquivos privados com processo em andamento e outros 3 com o
parecer desfavorável (SILVA, 2011).
Nas últimas décadas os estudos com foco nos arquivos pessoais têm sido recorrentes
no Brasil, o que nos mostra um desenvolvimento desta temática na área de patrimônios.
Inicialmente apenas obras arquitetônicas e obras de arte eram entendidas como patrimônio
histórico e cultural. Atualmente, este sentido se ampliou drasticamente e muitas novas
categorias como a de patrimônio documental. Ciente desta categoria patrimonial, a UNESCO,
responsável por desenvolver e coordenar uma série de ações preservacionistas em todo o
mundo, criou o programa memória do mundo. Este programa tem por objetivo estimular a
preservação e o acesso a conjuntos documentos considerados relevantes para a história da
humanidade. Até o ano de 2010, do total de 38 conjuntos nominados, 12 são arquivos
pessoais (UNESCO, 2002).
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Então, segundo a tabela de Jardim (2008), o CONARQ, conselho responsável pela
gestão de documentos em escala federal, coloca em prioridade dois temas (arranjo,
classificação, descrição e avaliação de documentos, além do próprio CONARQ, revelando
uma ênfase nesses temas, já que unidas as três primeiras categorias correspondem a 52% das
Resoluções. De modo que, as temáticas menos abordadas como Arquivos Municipais,
Terceirização de Serviços Arquivísticos e Conservação e Preservação, que somam juntos 12%
das Resoluções, é devidamente o que deixa a desejar na Biblioteca da Companhia Paulista
desde a década de 90. Já que de acordo com o item B dessa pesquisa, o diagnóstico a respeito
da situação precária do acervo, gira ao redor de problemas de gestão como a falta de
continuidades metodológica, falta de funcionários especializados por um longo período de
tempo, e problemas graves a respeito de conservação e preservação.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
Apesar da lei de arquivos de 1991 não atingir em alguns aspectos as empresas públicas
e privadas a respeito do tratamento do patrimônio documental, a mesma tem declarado um
número significativo de arquivos (ainda que privados), regularizado e aplicado um número de
princípios arquivísticos, como a teoria das 3 idades elaborado em 1961, a tabela de
temporalidade (instrumento que controla o ciclo das idades documentais) ou então processos
como o de recolhimento e identificação de documentos. Esses processos já eram adotados em
outros países como os EUA e a França e só foi aplicado no Brasil após a aprovação da lei nº
8.519, e providencias do CONARQ (DELMAS, 2010).
Políticas públicas de certa forma são deficientes no Brasil, logo, o caso das ausências
de políticas a respeito de patrimônio documental não é algo isolado. Entretanto, no caso da
Política Nacional de Arquivos, essa ausência chama especialmente atenção porque existe um
mecanismo pra tal: o CONARQ. Desde 1994, o CONARQ desenvolveu diversas ações
técnico-científicas relevantes. No entanto, não formulou - como previsto na legislação – uma
política nacional de arquivos e tampouco implementou o Sistema Nacional de Arquivos
(JARDIM, 2008). A ausência de uma política pública arquivística em nível nacional evidencia
as dificuldades estruturais do Estado no desenho e operacionalização de políticas públicas
informacionais.
Atualmente, a direção do museu está a cargo da prefeitura municipal, que procura
manter o seu funcionamento, mas não realiza investimentos como a atualização da exposição,
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contratação de pessoal técnico especializado e infraestrutura para conservação adequada. Mais
atualmente, em 2014, o Arquivo Nacional começa um processo de transferência de 2 mil
metros lineares de arquivos da Estação da Mooca para o Complexo Fepasa.
Percebe-se, que parte dos impasses a respeito do acervo em questão, se dá pela lacuna
entre a união do acervo que incorpora as bibliotecas na década de 90, o processo de
tombamento do Complexo que só foi finalizado no ano de 2004 e a lei 11.483 de maio de
2007 que se refere a responsabilização do IPHAN pelo patrimônio ferroviário.
Em carta da SOAPHA endereçada ao IPHAN, em dezembro de 2000, a entidade relata
uma série de atos de vandalismos na sala onde se encontrava o arquivo histórico de
documentos ferroviários, e de acordo com a sociedade, tais depredações teriam acontecido por
descuido da proprietária (Rede Ferroviária Federal) afirmando que não estaria preocupada
com a preservação da memória, já que interesse maior se concentrava no valor de mercado do
acervo, e da responsável (APMCP), que estaria gerenciando o museu e transferindo,
manuseando e organizando documentos históricos segundo critérios discutíveis e através de
funcionários que não estariam “aptos” para suas respectivas funções.
Logo, sem um responsável de fato pela preservação do patrimônio documental e
tridimensional no período em questão, o mesmo se viu no meio dos conflitos entre os agentes
preservacionistas e sem a manutenção adequada. Em meio a esse impasse administrativo, as
diversas metodologias adotadas para organização do acervo acabaram sem continuidade e
resultando num acervo documental precário.
É preciso notar que a reunião do conjunto documental em um acervo e suas condições
históricas na década de 1990 e 2000, revela além da história da instituição, a forma de gestão
pública da época. As relações estabelecidas entre criação desse acervo e das instituições que
deram origem a ele, geram reflexões sobre o modo como foram gerenciados os processos
patrimoniais no período de desestatização. Trata-se de poder compreender o funcionamento
das políticas públicas através da formação de um acervo, ainda que se trate de um arquivo de
empresa.
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REFERÊNCIAS
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