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UNIVERSIDADE DO MINHO INSTITUTO DE EDUCAÇÃO MARILDA PASQUAL SCHNEIDER RELATÓRIO DE PÓS-DOUTORAMENTO EM CIÊNCIAS DA EDUCAÇÃO Relatório de Pós-Doutoramento submetido ao Conselho Científico do Instituto de Educação da Universidade do Minho - Campus de Gualtar (Braga) - Especialidade em Política Educativa. Responsável Científico: Professor Doutor Almerindo Janela Afonso Braga 2013 AGRADECIMENTOS

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UNIVERSIDADE DO MINHO INSTITUTO DE EDUCAÇÃO

MARILDA PASQUAL SCHNEIDER

RELATÓRIO DE PÓS-DOUTORAMENTO EM CIÊNCIAS DA EDUCAÇÃO

Relatório de Pós-Doutoramento submetido ao Conselho Científico do Instituto de Educação da Universidade do Minho - Campus de Gualtar (Braga) - Especialidade em Política Educativa.

Responsável Científico: Professor Doutor Almerindo Janela Afonso

Braga 2013

AGRADECIMENTOS

Ao Prof. Doutor Almerindo Janela Afonso, por ter me aceito como sua orientanda; pelas oportunidades de diálogo e reflexão nos espaços de interlocução oportunizados e nas reuniões de trabalho realizadas; pela atenção e cuidado dispensados durante todo o período de realização do meu pós-doutoramento.

Ao Instituto de Educação da Universidade do Minho, pelo acolhimento de minha candidatura como pós-doutoranda em Ciências da Educação, na especialidade em Política Educativa.

À Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior - CAPES, pela aprovação de minha solicitação de apoio para o pós-doutoramento no exterior e pela concessão de bolsa de estágio pós-doutoral.

À Universidade do Oeste de Santa Catarina, Instituição na qual atuo como docente e pesquisadora, pela anuência à realização do pós-doutoramento no exterior e pela liberação de minhas atividades profissionais durante o período de seis meses.

À minha família, especialmente meu esposo Valdir, por ter me apoiado na realização do pós-doutoramento, por compreender e suportar nosso forçado afastamento durante minha estada no exterior. Ao meu amigo e parceiro de trabalho e estudos, Elton Luiz Nardi, pela oportunidade de crescimento profissional e pessoal oportunizados em nossos encontros diários de estudo e de trabalho e pela companhia incondicional em todos os momentos de nossa permanência em Portugal.

À minha filha, Ana Luíza, por ter me acompanhado na minha estada em Braga, pelo sorriso franco e entusiasmo constante, bálsamos nos momentos em que a saudade reclamava um retorno antecipado para casa.

Aos colegas do Programa de Pós-graduação em Educação da Universidade do Oeste de Santa Catarina, por terem apoiado a realização do meu pós-doutoramento e por terem assumido tarefas que possibilitaram meu afastamento das atividades do Programa.

Aos professores do Instituto de Educação da Universidade do Minho, pela troca de experiências e pela convivência, oportunizadas nos diferentes momentos de contato e interlocução.

À Maria Alice Campos, amiga que me deu suporte e apoio durante minha estada em terras bracarenses.

À Escola 2, 3 de Lamaçães, diretora de turma e professores, pela acolhida, a mim e a minha filha, e pela disponibilidade em conceder as entrevistas. SUMÁRIO 1 APRESENTAÇÃO............................................................................................ 05 2 PRIMEIRAS APROXIMAÇÕES AO TEMA DA ACCOUNTABILITY.... 10 2.1 É POSSÍVEL UMA CONCEITUAÇÃO DE ACCOUNTABILITY?................ 12 2.1.1 Tendências na utilização das ferramentas da accountability no campo

da educação....................................................................................................... 18

2.2 ACCOUNTABILITY EDUCACIONAL NA AMÉRICA LATINA..................... 23

3 AVALIAÇÕES EXTERNAS: UM OLHAR SOBRE A REALIDADE EDUCACIONAL PORTUGUESA..................................................................

32

4 ATIVIDADES ACADÊMICO-CIENTÍFICAS E ESPAÇOS DE INTERLOCUÇÃO........................................................................................

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4.1 PRODUÇÕES CIENTÍFICAS SUBMETIDAS NO PERÍODO......................... 41 5 BALANÇO DA EXPERIÊNCIA...................................................................... 44 REFERÊNCIAS......................................................................................................... 45

1. APRESENTAÇÃO

A realização de meu pós-doutoramento no exterior foi motivada, primeiramente, pelo desejo

da descoberta, especialmente considerando o propósito de investigação de um tema polêmico e ainda com muitas dimensões a explorar no campo educacional, a accountability, bem como pela abordagem metodológica, que requeria ultrapassar as fronteiras da política educacional brasileira. A motivação central, portanto, esteve ancorada na ideia de um estudo investigativo de um tema atual e de caráter mais alargado em termos de abrangência territorial.

O fato de a Universidade do Minho possuir investigadores com experiência consolidada na temática escolhida, favorecida especialmente por estudos realizados pelo Professor Doutor Almerindo Janela Afonso, originou forte motivação pela escolha do país e, por consequência, da Instituição.

Associado aos anteriores esteve o interesse pela realização de estudos comparados, importante para o aperfeiçoamento de minha formação como pesquisadora em um Programa de Pós-graduação em Educação no qual atuo também como docente nas disciplinas de Seminário de Pesquisa e Seminário de Dissertação. Como docente e pesquisadora, impulsionou-me o desejo de ampliar meus conhecimentos em torno dessa metodologia de investigação.

Por fim, vinculado ao tema central, motivou-me a oportunidade de aprofundamento em outro tema que, associado ao central, constitui problemática de minhas incursões investigativas há vários anos. O tema das avaliações em larga escala, ou avaliações externas, como é mais comumente conhecido e tratado em Portugal, constitui objeto de estudo e investigação na linha de pesquisa a que sou filiada na Instituição onde atuo. Poder aprofundar esse tema em uma perspectiva comparada e no contexto das políticas de accountability educacional, significou, para mim, um passo adiante nas investigações, bem como a possibilidade de novos olhares e perspectivas de abordagem.

Tendo essas motivações e interesses como propulsores, estabeleci para objetivo geral da proposta de investigação submetida, a um só tempo, à Universidade do Minho e à Coordenação para o Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (CAPES), analisar comparativamente o modus operandi das políticas de avaliação educacional em curso no ensino básico em Portugal, e fundamental e médio no Brasil, e suas relações com modelos e objetivos da accountability (explícitos ou implícitos), identificando possíveis implicações no desenvolvimento do currículo e no trabalho docente. Para dar conta do objetivo geral, tracei como objetivos específicos: a) Compreender o modo de estruturação e de organização da educação no Brasil e em Portugal; b) Caracterizar as políticas, os instrumentos, as modalidades e finalidades das avaliações estandardizadas, adotados pelos dois países; c) Captar especificidades da associação entre avaliação e accountability no desenvolvimento dos currículos escolares e no trabalho docente. Considerando que as reformas na educação, encetadas em diferentes países nas últimas décadas, têm sido interpretadas por diferentes autores como resultado de um novo rearranjo nos níveis mega e macro (ver, por exemplo, OLIVEIRA, PINI, FELDEFEBER, 2011), a partir do qual se assenta uma nova regulação social, os pressupostos do estudo comparado pareceram-me adequados ao propósito do estudo, bem como ao processo de levantamento e tratamento dos dados e informações. Em questão esteve a identificação de medidas que buscam introduzir determinados modelos e objetivos da accountability na educação e as implicações no âmbito escolar, nomeadamente nos currículos e no trabalho dos docentes do ensino básico (fundamental e médio) dos países envolvidos (Portugal e Brasil).

Consoante destacam Oliveira, Pini e Feldfeber (2011, p. 20), “a comparação é uma prática natural e recorrente nos estudos sociológicos e políticos. Por essa razão, apresenta-se como ferramenta essencial à compreensão do mundo na atualidade”. Assim, meu interesse com a adoção desse percurso metodológico foi o de produzir um modelo de análise que permitisse lograr algumas explicações pautadas nas especificidades de cada caso e na diversidade das formas econômicas, sociais, políticas e culturais a que a análise dessas políticas estaria submetida. Bourdieu (2009) advoga que, pelo método comparativo, tem-se uma forma de pensamento relacional. Nessa perspectiva, a análise aqui referida pressupôs a construção de um quadro de características pertinentes a cada realidade investigada para, então, enveredar no exame das similitudes, distinções e especificidades.

Justamente para evitar generalizações apressadas é que uma parte dos estudos foi proposta para ser realizada em Portugal, considerando a possibilidade de maior aproximação com o sistema de

educação do país e, portanto, de maiores condições para um pensar relacional exatamente pelas oportunidades de intercâmbio de ideias, experiências e atividades e pelo contato com escolas, investigadores e docentes portugueses.

Dada a complexidade e a envergadura da tarefa, logo que iniciei as primeiras incursões no tema da accountability compreendi que não poderia dar conta da investigação no período de seis meses, prazo delimitado para o pós-doutoramento. Assim, meus objetivos de investigação extrapolam o tempo de duração dessa formação, e o Plano de Atividades submetido junto à proposta aprovada pela Universidade do Minho, considerou apenas a realização de uma das etapas da pesquisa.

Concretamente, os estudos realizados nos seis meses de pós-doutoramento estiveram destinados, especialmente, à compreensão do fenômeno das avaliações externas em Portugal e ao aprofundamento do conceito de accountability a partir do campo teórico, tarefa que, no estágio em que me encontrava em relação ao tema de investigação, representava exercício necessário ao acercamento da problemática de investigação. Associado ao estudo teórico, realizei recolha documental buscando compreender como o tema da accountability emerge no contexto latino-americano.

O vasto acervo bibliográfico da Universidade do Minho facilitou meu acesso a publicações de origem estrangeira, cujos estudos sobre a accountability são mais recorrentes que no Brasil. Assim, a fase inicial da pesquisa consistiu no levantamento de fontes de base teórica e documental na Biblioteca Geral e na biblioteca especializada do Instituto de Educação, bem como nas bases de dados on-line do governo português e, ainda, leituras e análise de textos.

O período de seis meses em Portugal (de 02 de fevereiro a 31 de julho de 2013) permitiu que, em termos do Programa de trabalho, eu pudesse efetuar, ainda: (a) aproximação com a realidade das avaliações externas numa escola de ensino básico portuguesa, oportunizada especialmente pela realização de entrevistas semiestruturadas a sujeitos escolares sobre suas percepções acerca dos exames nacionais em Portugal; (b) apreensão e compreensão da organização, estruturação e funcionamento da escola de ensino básico em Portugal, facilitada especialmente pela oportunidade de participação na trajetória escolar de minha filha que, durante o período de meu pós-doutoramento, frequentou as aulas em uma turma de 8ª série de uma escola pública de segundo e terceiro ciclos, na cidade de Braga. A convivência, por meio do acompanhamento escolar de minha filha, teve efeito de um laboratório que me permitiu compreender algumas especificidades da organização e dinâmica de funcionamento da escola portuguesa, bem como identificar idiossincrasias do processo ensino-aprendizagem; por fim, também tive oportunidade de realizar visita à Escola da Ponte, tendo em vista conhecer formas distintas de organização e funcionamento da escola de ensino básico em Portugal.

Às atividades de cunho investigativo somaram-se outras, também de caráter acadêmico-científico, porém destinadas à integração e ampliação de contatos e trocas de experiências profissionais, tais como: participação em eventos; participação em júri (banca) de provas de doutoramento; frequência a algumas aulas no Curso de Mestrado em Ciências da Educação, área de especialização em Administração Educacional; realização de palestra a estudantes do Curso de Mestrado em Ensino da Educação Física; participação nas comemorações alusivas ao 39º aniversário da Universidade do Minho; participação, na condição de associada da Sociedade Portuguesa de Ciências da Educação, do II Encontro Primavera/Verão 2013, bem como participação em outras atividades acadêmico-científicas promovidas pela Universidade do Minho no período.

Considerando a variedade de ações desenvolvidas/vivenciadas, organizei o presente relatório de modo a evidenciar, ainda que de forma breve, o conjunto de atividades realizadas durante a realização do pós-doutoramento. Assim, primeiramente faço uma explanação do levantamento de cariz teórico e empírico, acerca do tema central de investigação. No que concerne a esse levantamento, destaco o conceito de accountability (avaliação, prestação de contas e responsabilização) e apresento resultados do estudo de um documento produzido por investigadores do Programa de Promoción de Reforma Educativa en América Latina y el Caribe (PREAL) em conjunto com o CIDE (Centro de Investigación y desarollo de La Educación), com o intuito de demonstrar especificidades do processo de inclusão do tema na agenda da política educacional Latino-americana, bem como procurar pistas que possam auxiliar-me, em fase posterior, na ampliação da visão acerca da accountability na agenda da política educacional brasileira.

No que concerne aos dados de cariz empírico, faço um breve inventário dos documentos oficiais do Governo português levantados nesse período, que tratam da regulamentação das avaliações externas, do currículo e dos docentes, temas estes que, consoante anunciei, tocam a problemática de minha proposta de investigação, e procuro tensioná-los com dados colhidos na entrevista realizada com uma coordenadora de escola de ensino básico, dado que a tarefa de transcrição e análise das

entrevistas realizadas com os demais membros escolares (um coordenador de secretariado de provas, dois coordenadores de diretores de turma, um diretor de turma e dois professores, um da disciplina de Língua Portuguesa e outro da de Matemática) se encontra em processo.

Por fim, destaco o conjunto de atividades acadêmico-científicas relacionadas aos espaços de interlocução vivenciados e que, a meu ver, contribuíram para o meu processo formativo. Compõe esse momento, ainda, a apresentação das produções científicas organizadas/submetidas no período e que representam, em alguma medida, o resultado do esforço empreendido no meu pós-doutoramento e termos de produção científica. Em tom de balanço conclusivo, apresento uma síntese apreciativa da experiência vivenciada.

2. PRIMEIRAS APROXIMAÇÕES AO TEMA DA ACCOUNTABILITY

A accountability é um tema recorrente em vários países e já faz “parte da linguagem política

cotidiana na comunidade internacional.” (SCHEDLER, 2004, p. 8). A utilização das ferramentas que integram esse conceito tornou-se comum nas agendas políticas dos governos de muitas nações, não sendo mais possível negligenciar essa tendência que se espraia em muitos países.

Na Ciência Política Comparada, onde os estudos sobre o tema são mais abundantes, muitos autores têm se dedicado à tarefa de explicitar esse conceito. Dentre eles, destaco: a) Andreas Schedler - Professor de Ciência Política e Investigador do CIDE (Centro de Investigación y

desarollo de La Educación) - Santiago - Chile; b) Christopher Pollitt - Professor Pesquisador de gestão pública na Faculty of Social Science of

Katholieke Universiteit Leuven - Bélgica. c) Eric Hanusheck - professor de Educação e Economia na Stanford University - Califórnia; d) Guillermo O’Donnel - Professor de Ciência Política na Universidade Yale - Argentina; e) Mark Bovens - Professor de Administração Pública da University of Utrecht - Holanda; f) Melvin Dubnick - Professor de Ciência Política da University of New Hampshire Durhan - New

Hampshire - Stranford - EUA; g) Richard Mulgan - Professor de políticas públicas na Crawford of Economics and Governmen,

Australian National University - Austrália; h) Tero Erkkilä - Professor Assistente do Departamento de estudos políticos e econômicos da Helsinki

University - Finlândia;

Com lugar comum na literatura da administração pública (Schedler, 2004), o uso de formas de accountability alastrou-se, por iniciativa dos EUA, a partir dos anos de 1970, também para o campo educacional. Nesse campo, o interesse e a defesa pela implementação de alguma forma de accountability vem crescendo na mesma proporção em que se ampliam as exigências, tanto internacionais como locais, por mais e melhor educação. No entanto, os estudos acerca desse tema podem ser considerados ainda escassos. Destaco como mais relevantes, ainda que com objetivos distintos, os estudos realizados nesse campo por: a) Almerindo Janela Afonso - professor da área de Sociologia da Educação da Universidade do Minho -

Portugal; b) Gordon Stobart - Professor do Departamento de Currículo, Pedagogia e Avaliação da University of

London - Londres. c) Javier Corvalán Rodriguez - Professor de Sociologia da Universidad Alberto Hurtado. Investigador

do CIDE - Santiago – Chile.

A exemplo do que ocorre em alguns países, também no Brasil os estudos que tomam o tema da accountability estão em um fase inicial, nomeadamente no campo educacional. Como os de maior impacto nesse campo, destaco os realizados por: a) Amaury Patrick Gremaud - Professor na área de Economia da Universidade de São Paulo. Foi

Diretor de Avaliação da Educação Básica do INEP/MEC até 2009; b) Nigel Brooke - Professor convidado da Faculdade de Educação da Universidade Federal de Minas

Gerais e consultor do Grupo de Avaliação e Medidas Educacionais da Faculdade de Educação; c) Reynaldo Fernandes - Professor nas áreas de Economia do Trabalho, Economia da Educação e

Políticas Sociais da Universidade de São Paulo. Foi presidente do INEP/MEC até 2009. Considerando a emergente centralidade no campo da educação, e a diversidade de pontos de

vista que o tema suscita de acordo com a área e os autores que se enveredam no estudo, minha incursão ao tema teve por objetivo explorar o conceito de accountability tendo em conta a defesa pela utilização de suas ferramentas como referência na melhoria da qualidade educacional. Com o intuito de apreender as especificidades do processo de inclusão da accountability na agenda da política educacional brasileira, efetuo, ainda, análise do documento “Accountability educacional: posibilidades y desafios para América Latina a partir de la experiência internacional”. 2.1 É POSSÍVEL UMA CONCEITUAÇÃO DE ACCOUNTABILITY?

Autores consagrados nos campos relacionados ao tema da accountability (AFONSO, 2009a, 2009b, 2010a, 2010b, 2012; DUBNICK, 2007; MULGAN, 2000; SCHEDLER, 1999, 2004, entre outros) têm procurado evidenciar as variações do conceito em diferentes contextos, sua amplitude e seus alcances e limites nos setores que a vêm empregando. As análises e reflexões realizadas por esses estudiosos põem em evidência, de um lado, o caráter ambíguo e plural do termo e, de outro, tendências e alternativas que lhe são creditadas à medida que o conceito avança para novos campos e setores.

Por significar “muitas coisas para pessoas diferentes”, admite-se que a accountability enfrenta uma crise “perpétua” de conceituação (BOVENS, 2007, p.1). Para esse autor, não só a conceituação, mas também as “divergências sobre a accountability são perpétuas” (p.2). Segundo destaca, essa crise é devida, em boa medida, porque a discussão permanece enclausurada no campo teórico havendo “poucos trabalhos que vão além de análises conceituais e teóricas e se envolvem, sistematicamente, com a pesquisa comparativa empírica, com a exceção de uma série de estudos no estreito campo da psicologia social.” Como resultado, nos estudos sobre o tema prevalece “a fragmentação e a desarticulação” (BOVENS, 2007, p.2).

A despeito de sua imprecisão semântica, e da inexistência de uma tradução exata do termo para a língua portuguesa, é certo que a origem do vocábulo1 remete seu uso mais estrito ao direito de alguém exigir prestação de contas por uma ação ou ato praticado por outra pessoa e à obrigação ou ao dever de quem é chamado a prestar contas de fazê-lo, responsabilizando-se pelo resultado da ação praticada (MULGAN, 2000; SCHEDLER, 1999; 2004).

De um lado, tem-se a prestação de contas como uma ação obrigatória daquele a quem se exige; de outro, como um direito de quem a exige. Mesmo que se admita que quem presta contas pode fazê-lo por ato voluntário, resultado de sua própria iniciativa e não por uma determinação externa, é certo que a accountability conserva um sentido claro de obrigação. Mas não só. Ela também inclui exigência de contas, por direito (SHEDLER, 2004).

Tomando as reflexões de Schedler como impulsionadoras do debate, tenho que a accountability contempla as duas partes envolvidas – aquele que presta contas e aquele que as solicita. Compreende, portanto, de um lado, o direito de receber informações e, de outro, a obrigação correspondente de disponibilizar e divulgar as informações consentâneas a uma determinada ação. Por esse pressuposto, passível de contestação, um modelo coerente de accountability implicaria o direito de alguém receber uma explicação sobre um determinado ato ou uma ação, por exemplo, a aplicação de recursos públicos, e o dever correspondente de quem é chamado a prestar informação de o fazê-lo com a máxima transparência.2

Não obstante essa ideia, no seu uso mais formal e recente, a busca pela construção de um modelo teórico de accountability tem favorecido que o tema seja vinculado à ideia de responsabilização, esta última também de caráter controverso. Na perspectiva da responsabilização, apontada especialmente nos estudos de Mulgan (2000), um sistema de accountability congregaria uma dimensão interna e outra externa.

Para esse autor, defensor da ideia de que estamos diante de um conceito em expansão, a dimensão externa de um sistema de accountability está associada à imputação de responsabilidades em vista de uma autoridade delegada. Implica, portanto, um conjunto de constrangimentos públicos e normativos de controle das ações e de sua justificação, que impõe a uma pessoa ou instituição a obrigação de responder pelo que faz. A responsabilidade é imposta e implica a obrigação de prestar contas para o que se prevê a atribuição de sanções e recompensas. Nessa dimensão, estariam incluídos os conceitos de obrigatoriedade e de consequência.3

Bovens (2007), apesar de tomar o campo da administração pública como referência, parece concordar com Mulgan a esse respeito. Para o autor, a sanção é um mecanismo constitutivo de um estágio da accountability, a prestação de contas. Portanto, a possibilidade de sanção - e não a imposição real dela - deveria fazer parte da definição de um sistema de accountability. Porém, como o termo sanção tem uma conotação bastante formal e negativa o autor argumenta que muitos têm optado por utilizar o termo “consequências” que, consoante destaca, seria uma forma “mais branda de expressar a existência de sanções.” (BOVENS, 2007, p.6)

Embora as consequências possam ser igualmente formalizadas, impondo multas, medidas disciplinares, dispensa das funções ou sanções penais, segundo Bovens elas poderiam basear-se em regras não escritas, como no caso da responsabilidade política, que implica regras menos explícitas e, portanto, mais informais. Nesse sentido, o termo consequência, no lugar de sanções, causaria “menor resistência à introdução de um sistema de accountability em determinados setores de atividades.”(BOVENS, 2007, p.6)

1 Segundo Pinho e Sacramento (2009), em dicionários anglo-saxões, o termo aparece cunhado ainda no

século XVIII, mais precisamente desde o ano de 1.794. Mas é a partir da década de 1970 (século XX),

nos Estados Unidos, onde o movimento de accountability passou a ter forte manifestação, nesta época

inclusive no campo educacional. 2 Em Shedler (1999), a prestação de contas compreende três aspectos: informação, justificação e sanção.

Esses termos, associados a outros afins, tais como, vigilância, auditoria, fiscalização ou penalização,

compartilhariam a pretensão de domesticar o exercício do poder. Essa explicação daria sentido à

natureza coercitiva desse modelo. 3 Mulgan (2000) advoga que a ideia de consequência remete à ideia de justificação, explicação e sanção.

De um lado, tem-se o direito de autoridade, em que aquele que solicita a prestação de contas tem o

direito de impor sanções no caso de não cumprimento do que foi estabelecido alhures; de outro, tem-se

o dever da justificação, em que aquele que é chamado a prestar contas procura responder e clarificar,

aceitando a imputação de sanções, no caso de descumprimento.

Em se tratando dessas duas dimensões, quer seja, responsabilização e prestação de contas, Mulgan (2000) defende que a busca por uma conceituação de accountability implica considerar, ainda, a sua dimensão interna. Essa segunda dimensão, a interna, remeteria às questões de moralidade profissional, valores pessoais e responsabilidade individual, independendo de qualquer sanção ou consequência, real ou potencial. A sanção, se existir, é interna e possui sentido de culpa pessoal, moralidade ética e profissional. Por essa definição, a origem da responsabilidade seria, portanto, também interna e independeria de controle externo. Aqui, a accountability é identificada com o sentido de responsabilidade pessoal.

Estudiosos dessa última noção (MULGAN, 2000; ERKKILÄ, 2007; DUBNICK, 2007, dentre outros) concordam que a ideia de moralidade ética tem favorecido com que a mudança de significado da accountability grasse para uma maior valorização da sua dimensão interna, ou seja, da responsabilidade pessoal. Favorece essa compreensão o fato de, na administração pública, a accountability ter sido, segundo Mulgan (2000, p. 558), alinhada à ideia de “delegação de responsabilidades profissionais”.

Conforme justifica, por assumir o compromisso com certos objetivos e os seus resultados num determinado setor de atividade, o grupo ou a instituição a quem é creditada essa responsabilidade “passaria a assumir a prestação de contas como seu dever” e, a partir daí, determinaria mecanismos de controle internos à instituição, de modo a assegurar que as metas fossem atingidas.

O autor adverte, porém, que, “sempre onde as fontes das expectativas da accountability são internas, elas o são para a organização e não para o indivíduo. Portanto, do ponto de vista dos funcionários, toda accountability supõe controle, por uma razão ou outra, e em um sentido externo.” (MULGAN, 2000, p.559), Donde a compreensão do autor de que a accountability guarda um elemento de controle, o que conflui para a preservação de um importante aspecto de seu sentido mais estrito.

Porque a prestação de contas implica responsabilidade ante alguém e, o seu contrário, ser responsável ante alguém sugere compromisso, ainda que não necessariamente4, de render-lhe contas, é que Schedler (2004) entende que a responsabilização contém uma forte conotação impositiva e sancionatória designada, pelo autor, de enforcement.

Procurando contribuir com essa discussão, Bovens (2007, p.03) argumenta que especialmente no debate acadêmico e político de países norte-americanos (mas não só), “a accountability é vista principalmente como um conceito normativo, um conjunto de normas para a avaliação de comportamento de agentes públicos.”. Nesse caso, “ser acontável” é visto como uma virtude proativa, uma característica positiva de organizações e funcionários. Tem a ver com a “capacidade de resposta” (responsiveness) e “senso de responsabilidade” (p.04). Portanto, para os norte-americanos, a responsabilidade tem, na visão de Bovens, caráter de virtude e a prestação de contas transmite uma imagem de transparência e confiabilidade.

Seguindo, o autor argumenta que, para os britânicos, australianos e o continente europeu, a accountability é entendida, de forma geral, como “um mecanismo social, uma relação institucional em que um ator pode ser responsabilizado perante um fórum” (BOVENS, 2007, p.03). Portanto, para esse segundo grupo, o locus de estudo da accountability não é o comportamento dos atores, a sua atitude ou a forma como os dispositivos institucionais operam, como o é no caso dos norte-americanos. O foco da prestação de contas não reside em verificar se os agentes agiram de forma responsável ou não, mas se eles “são ou podem ser responsabilizados ex post facto perante um fórum de accountability” (BOVENS, 2007, p.03). A responsabilização, portanto, é passiva e, a accountability, tomada como um mecanismo social que envolve a obrigação de explicar e justificar condutas, implica uma relação entre um ator (indivíduo, organização ou instituição pública) e um fórum de prestação de contas (uma pessoa específica ou uma agência).

Concorre com a visão desse autor, o fato de que os mecanismos tradicionais de controle estão sofrendo alterações. Como consequência, novos tipos e diferentes definições de accountability estão surgindo e sendo identificados, em conformidade às estruturas e contextos em que é empregado esse termo. Os mecanismos de controle em curso, assentados em formas mais responsivas e que ofereçam menor resistência, têm colocado como centralidade a necessidade de novas agendas, especialmente no campo da administração pública, recolocando a accountability como “uma obrigação moral e uma cruzada política” (HOUSE, 1975 apud AFONSO, 2012). Aqui, a conotação da accountability é política.

Tomando a literatura da governança como base para a sua análise, Erkkilä (2007) defende que as mudanças estruturais que ocorreram na política e administração pública, especialmente nos países

4 Aqui estamos nos referindo ao fato de uma pessoa, porque é responsável por outra, não significa que

deva prestar-lhe contas das decisões que toma em relação ao seu protegido.

ocidentais, desde o final dos anos de 1980, e que persistem até o presente, podem estar convergindo exatamente para uma alteração na conceituação tradicional da accountability. As mudanças a que alude o autor dizem respeito às condições, padrões e estrutura dos governos, mas também à natureza, ao número e às relações entre os atores envolvidos. Consoante argumenta, seria o próprio conceito de governação que teria mudado trazendo consigo a necessidade de mudanças também nas concepções tradicionais de accountability.

As várias definições ou tipos de accountability em construção seriam, para Erkkilä, altamente dependentes dos contextos nos quais aparecem. Assim, em vez de procurar identificar novos mecanismos de accountability, “mais atenção deveria ser dada às transformações que ocorrem exatamente nos seus mecanismos tradicionais de accountability” e “às potencialidades que as configurações engendradas oferecem aos novos desenhos institucionais” (ERKKILÄ, 2007, p.1).

A suspeita desse autor é que mudanças nas formas de governação têm desafiado os sistemas tradicionais da accountability. À medida que os sistemas tradicionais são colocados em suspeição em um novo contexto administrativo, outros meios de controle seriam construídos. Seria esse movimento que, segundo Erkkilä, estaria afetando tanto o sentido da responsabilização como a composição do próprio sistema de accountability.

Na tentativa de sumarizar algumas das definições mais alargadas do termo, notadamente as que surgem a partir dos novos modos de governação, o autor organiza uma tipificação do conceito tomando por base a literatura sobre os dois temas, governança e accountability.

Na sua tipificação, Erkkilä estabelece uma relação entre diferentes estruturas e contextos nos quais a accountability poderia ser aplicada destacando o que designa de concepções tradicionais e as que passam a ser requeridas nas novas estruturas de governação. Consoante argumenta, a caracterização efetuada (Quadro 1) toma por referência a nova realidade político-econômica e social que se descortina, especialmente em países da Europa Ocidental e América do Norte, onde os reflexos de uma crise que atinge dimensões estruturais seriam mais nitidamente perceptíveis. Trata-se, portanto, de tipificação motivada por razões que buscam extrapolar o debate corrente. Quadro 1: Tipificação da Accountability

Tipos Características Mecanismos Contexto

Política Externa Democrática

Eleições

Democrático

Burocrática Legal Hierárquica

Regulação Supervisão

Burocrático

Pessoal Interna Normativa Moral

Cultura Valores Ética

Coletivo

Profissional Complexa Orientada por pares

Controle por especialistas Regras profissionais

Organizações de especialistas

Performance Orientada para o cliente

Competição Self-regulation

Mercado

Deliberação Interativa Aberta

Transparência Acesso a Informação

Esfera Pública

Fonte: Adaptada de Erkkirä (2007) A classificação proposta põe em evidência as diferentes combinações possíveis entre tipos e

tipificações, características, mecanismos e contextos de accountability, revelando, a um só tempo, tanto a extensão de seu alcance e significado quanto suas restrições em cada área de atividade. Em destaque está a articulação entre as diferenças nos mecanismos de accountability, mas também nos contextos administrativos onde esses mecanismos são aplicados.

Erkkilä considera as quatro classificações iniciais (Política, Burocrática, Pessoal e Profissional) como tipos tradicionais de accountability dada sua trajetória dentro do contexto do Estado democrático e da administração pública. Já as cunhadas como performance e deliberação são vistas pelo autor como tipologias adotadas mais recentemente na administração pública em vista das mudanças carreadas especialmente pela “diluição do poder estatal” e “pela introdução de modelos gerenciais de administração pública” (ERKKILÄ, 2007, p.28). Consoante destaca,

o debate acadêmico em torno da performance e da deliberação refletem as mudanças nas estruturas e condições de governação. O discurso da performance pode ser unido ao das rápidas transformações na administração pública desde do anos de 1990. Como as fronteiras tradicionais entre organizações públicas e privadas começaram a ficar opacas, o significado de controle governamental foi também revisto. Então, a terminologia passou de ‘controle’ para ‘accountability’ (ERKKILÄ, 2007, p. 28 - destaques do autor - tradução livre da autora).

Por conta desse cenário, à questão “É possível conceituar accountability?”, argumento que se

trata de um conceito em construção, mas cuja significação não fica restrita à sua terminologia tradicional. Ela se estende à esfera das políticas administrativas e institucionais, incluindo a congruência entre controle e poder, mas também entre justificação, informação, responsabilização e sanção (ou consequências). 2.1.1 Tendências na utilização das ferramentas da accountability no campo da educação

Conquanto a accountability tenha sido apontada como parte importante da atual agenda social

e política da comunidade internacional (SCHEDLER, 2004), mais recentemente o uso dos mecanismos e das ferramentas que a compõem vem sendo devido, ao menos no plano discursivo, especialmente a países nos quais foi restaurada recentemente a democracia. Dada essa “nova vaga democrática” (AFONSO, 2009a, p. 58), a utilização da accountability nesse contexto se justifica pela oportunidade de poder exigir-se que governantes eleitos e funcionários públicos, de um lado, informem sobre a utilização dos recursos públicos e, de outro, se responsabilizem pelas ações praticadas. Nesse sentido, o exercício da accountability evocaria “um diálogo amistoso entre que exige e quem rende contas” (SCHEDLER, 2004, p.15) Do ponto de vista do recente debate acadêmico, nos contextos de democracia ativa, a accountability pode ser associada, portanto, à ideia de exercício de uma cidadania crítica e conquista de empowerment (SCHEDLER, 1999, 2004; MULGAN, 2000).

Porquanto vinculada aos conceitos de explicação, argumentação e justificação, mas também de responsabilização e sanções ou consequências, a accountability seria “oposta não somente ao exercício mudo do poder senão também ao controle mudo e unilateral do poder” (SCHEDLER, 2004, p. 13). Logo, consubstanciada em valores vincados em princípios democráticos, a utilização de suas ferramentas compreenderia um “diálogo crítico” entre quem solicita prestação de contas e que a presta.

Tomando por referência a nova realidade política, econômica e social que se descortina, pôr em execução uma política de accountability poderia representar, nessa visão, uma oportunidade de assunção de novos objetos no campo da gestão pública fazendo cada governante prestar contas do uso dos recursos públicos que lhe são confiados.

No entanto, é preciso atenção, pois as discussões aqui trazidas e as intenções realçadas dão evidências de que, se o tom pode ser por uma distribuição mais justa do poder, as evidências não necessariamente seguem essa mesma direção. Consoante Afonso (2009a, p.58), entre outros, a defesa pela implementação de um sistema de accountability vem sincronizada com pressões contraditórias “de redefinição do papel do Estado, de tímida e ambígua descentralização administrativa, de expansão de lógicas de quase-mercado e retracção dos direitos sociais [...].

Nesses espaços, “as demandas por maior participação, transparência, prestação de contas e responsabilização (accountability), sobretudo no que diz respeito às instituições públicas estatais e também às organizações do chamado terceiro sector, vão ganhando maior consistência e maturidade [...]” (AFONSO, 2009a, p. 58). Não obstante, consoante destaca, tais demandas são, muitas vezes, alimentadas por motivações que, em muitas situações, passam ao largo de preocupações com questões relacionadas ao compromisso ético, à justiça e à democracia. Elas evocam uma compreensão restrita de democracia formal, baseada apenas “na consagração legal ou jurídica de direitos e deveres [...]” (AFONSO, 2009b, p. 25).

Na esteira desse autor, argumento que a referência democrática implica capacidade para forjar espaços de negociação e de exercício transparente da função pública, nos quais prevalece a valorização social, cultural e política dos processos de participação. Pode, portanto, evocar relações de poder e controle, mas também de obrigação, direito e diálogo. Assim, entendo que, em uma perspectiva

democrática, a accountability poderia abrir espaço para a transgressão das suas fronteiras convencionais, confinadas, muitas vezes, nos limites de uma tradução única e hegemônica.

Não obstante, ainda na esteira de Afonso (2010b, p. 148) sustento que “os discursos que reclamam a introdução de mecanismos de accountability não são necessariamente democráticos, ou não são sempre motivados por razões explicitamente democráticas”. Ocorre que, por ser recente a transição dos países que têm dado lugar a maiores níveis de participação da sociedade, a agenda que parece sobressair no mundo globalizado é exatamente outra, qual seja, a que reforça os princípios do que se convencionou como uma boa governação ou uma governação democrática.

Aludindo à problemática da governação, Antunes (2011, p. 5) considera que as formas de governação actualmente observáveis: (i) revelam a reconstituição e reorientação e não a redução da centralidade da acção, do papel e do poder do Estado; (ii) reordenam a distribuição de poder entre as escalas supra e subnacional; e (iii) se relacionam ainda com movimentos e aspirações sociais e reacções e respostas de baixo para cima, no sentido de ampliar a participação democrática e a transparência na administração e no governo.

Discutida como “matriz sociopolítica de regulação social em processo de imposição (ANTUNES,

2011, p.7), os novos modos de governação inscrevem-se no contexto da crise das democracias, de legitimidade e de governabilidade sendo marcados por uma agenda política pautada na participação popular, inclusão e justiça social.

Na contramão das possibilidades aqui referidas, o pressuposto de uma nova gestão pública dos sistemas, baseada substancialmente na perspectiva de um Estado neoliberal, tem levado à valorização de uma lógica gerencial em diferentes setores, em boa medida por conta de um apelo à implementação de um bom governo, uma boa governação e uma governança democrática (AFONSO, 2012). Ainda que ancorado no discurso da necessidade de fortalecimento da democracia, predominam políticas e práticas administrativas movidas por razões instrumentais neoconservadoras cujo maior interesse é a construção de novas formas de controle capazes de assegurar a perpetuação do projeto hegemônico.

Essa mesma agenda, que induz a produção de políticas nacionais por meio da accountability como instrumento para uma reforma neoconservadora e tecnocrática, é transportada para a educação oferecendo, em muitos países, as bases estruturantes e de referência para uma accountability educacional. Como parte do discurso político-ideológico que anuncia preocupação, ainda que duvidosa, com as questões da qualidade educacional, nesse campo o uso da accountability como ferramenta para melhorar o funcionamento das escolas e responsabilizar, tanto os membros da comunidade escolar como a sociedade em geral pelos resultados educacionais, vem ganhando consistência. Também aqui o seu significado tem permanecido enclausurado em um discurso de feição predominantemente gerencial e tecnocrática (AFONSO, 2010a; 2010b).

Em países que utilizam ferramentas e mecanismos de accountability como referência para implementação de uma política educacional, a avaliação educacional vem se tornando um dos referenciais mais importantes na construção de novas formas de gestão das escolas e dos sistemas de ensino. No entanto, em tais contextos, a função da avaliação tem sido, majoritariamente, estabelecer padrões de desempenho e aplicar sanções ou premiar, consoante o alcance desses padrões (AFONSO, 2010a).

Acerca da centralidade da avaliação educacional nos processos de gestão das escolas, Lima (2011 p. 25) defende que “toda e qualquer acção de avaliar em contexto escolar baseia-se numa concepção organizacional de escola [...]”. Assim, tanto no plano teórico como nos contextos de produção discursiva, as políticas e práticas de avaliação em contexto escolar seriam dependentes das concepções de organização de escola remetendo, por isso, a uma determinada imagem da organização escolar. Referindo-se a concepções presentes no atual contexto educativo, o autor adverte, no entanto, para possíveis incongruências entre análises organizacionais e práticas de avaliação educacional, “com distintos contornos consoante se trate da avaliação de alunos ou de escolas, por exemplo.” (LIMA, 2011, p.34).

Além dos Estados Unidos, cuja história de utilização da avaliação educacional com a finalidade de exercer controle sobre as escolas vem desde os anos de 1970, constituindo, portanto, um exemplo paradigmático de uso hierárquico-burocrático da avaliação, também em países europeus a valorização de exames externos vem se consolidando como principal ferramenta de governos neoliberais para a

construção de políticas educacionais de accountability (AFONSO, 2012; STOBART, 2010). Como indicativo, cito o caso do Programa do atual governo de Portugal (2011-2015).

No tocante à educação, o Programa do XIX Governo Constitucional propôs a realização de exames nacionais em todos os ciclos (4º, 6º, 9º, 11º e 12º ano), com provas de aferição e incidência na avaliação final de um conjunto maior de disciplinas que as consideradas tradicionais (português e matemática). No bojo das mudanças propostas, o Programa de Governo propunha a substituição do Gabinete de Avaliação Educacional, do Ministério da Educação e Cultura, por uma entidade externa que coordenasse e elaborasse as provas e analisasse os resultados; seleção dos professores em início de carreira por meio de provas; avaliação das escolas em articulação ao desempenho dos professores; definição de metas curriculares com explicitação de um conjunto de conhecimentos e capacidades essenciais ao aluno e; criação de um sistema nacional de indicadores de avaliação da educação, em linha com as melhores práticas internacionais, que subsidiasse as famílias na tomada de decisões sobre a escolha da escola para os filhos, entre outras. (PORTUGAL, 2011).

Apesar de nem todas as proposições terem se efetivado, chama atenção a centralidade atribuída à escola como produtora da política educativa e de uma avaliação educacional orientada para a performatividade, fenômeno esse observado por Lima (2011, p. 37) ao referir-se à mudança paradigmática na forma de controle e inspeção das escolas “a partir de um pretenso aumento da autonomia de cada escola”.

Mas o que a ênfase em processos avaliativos centrados em exames nacionais, tem a ver com as atuais políticas de accountability em curso em muitos países? E mais, quais implicações desses exames na construção de propostas alternativas de accountability em educação?

Afonso (2009a) concebe ao pilar da avaliação a função de recolha e tratamento de informações. Essa recolha pode ocorrer tanto antes da prestação de contas (ex-ante) como na fase posterior, entre a prestação de contas e a fase da responsabilização (ex-post), ou de forma autônoma, por meio de “[...] estudos ou relatório elaborados por entidades internas e/ou externas, assumindo-se assim como instrumento estruturante da prestação de contas [...]” (p. 59). Logo, não se circunscreve nos limites das avaliações externas ou de testes de comparação entre países.

Entretanto, como destacado, não parece que as políticas de accountability educacional, em curso em vários países norte-americanos e europeus, estejam atribuindo aos sistemas de avaliação a finalidade aqui descrita. Essa constatação tem levado o autor a argumentar que os governos desses países

[...] pela sua natureza híbrida, articulando conjunturalmente as ideologias neoconservadora e neoliberal, constituem exemplos paradigmáticos de viragem nos modos de governação dos sistemas educativos, nomeadamente pela utilização das avaliações externas, baseadas em testes estandardizados, como estratégia de indução de medidas de privatização e/ou lógicas de quase-mercado em educação, mas também de aumento do controlo central do Estado – e, em decorrência disso, de indução de formas ou modelos de accountability em educação compatíveis com esses instrumentos de avaliação (AFONSO, 2009b, p. 19 – grifos do autor)

Com base nos argumentos da ineficácia dos métodos pedagógicos, do mau uso da autonomia profissional dos docentes, do fortalecimento do Estado como mecanismo de controle social e da racionalização dos investimentos públicos, é que comumente têm sido adotadas formas de responsabilização e de prestação de contas desvinculados de processos de avaliação como os já referidos.

Em muitos casos a avaliação existe, mas não potencializa o caráter participativo da prestação de contas e da responsabilização. Não se trata, portanto, de negar a importância da avaliação ou de ser contra a necessidade de a sociedade saber o que ocorre nas escolas. Por sua onipresença e pelo papel que desempenha, a avaliação tem, atualmente, grande relevo social, podendo tanto transformar, justificar ou desacreditar programas sociais (HOUSE, 1994).

Mesmo com sua presença massivamente justificada no atual contexto educativo, é certo, porém que essas avaliações não traduzem, por si só, a situação da educação de um país. Portanto, depositar nelas a confiança de que seus resultados apontam conclusões definitivas e universais é esperar mais do que podem, de fato, oferecer.

Diferentes enfoques sobre a avaliação no campo da taxionomia concordam no significativo papel que ela desempenha no processo de tomada de decisão. Porém, se é verdade que uma “avaliação pública supõe critérios e valores públicos”, ela, então, “deve prever processos de decisão coletiva” (HOUSE, 1994, p. 171). Não cabem, portanto, deliberações autoritárias, centradas na ideia de um poder coercitivo e unilateral.

A construção de um sistema de accountability, que tenha por objetivo superar políticas educacionais conservadoras, requer, segundo os estudos aqui referidos, especialmente os do campo da educação, transgredir as fronteiras convencionais que impõem uma agenda pautada em uma gestão que toma como baliza a mesma lógica do mercado e, por outro, protagonizar a construção de um projeto alternativo, integrado em políticas mais amplas, as quais, como afirma Afonso (2009a, p. 66), tenham presente “preocupações efectivas com as dimensões éticas, de justiça e de democracia” e possibilitem alternativas mais democráticas e participativas de avaliação, prestação de contas e de responsabilização (accountability). 2.2 ACCOUNTABILITY EDUCACIONAL NA AMÉRICA LATINA

Seguindo a tendência que se espraia pela Europa, América do Norte e outros continentes, também na América Latina o tema da accountability educacional e, por extensão, dos termos a ela associados, tais como, monitoramento do desempenho educacional, prestação de contas, busca da transparência, controle e responsabilização pelos resultados, entre outros, vem adquirindo espaço prioritário na agenda de organizações multilaterais. Disso, o PREAL (Programa de Promoción de la Reforma Educativa en America Latina y el Caribe) é exemplo cabal na região.

Com sede em Washington, o PREAL é um programa financiado pelo Banco Interamericano de Desenvolvimento (BID), que atua em conjunto com o CIDE (Centro de Investigación y Desarollo de La Educación) - este com sede em Santiago (Chile). O objetivo declarado do Programa é promover a melhoria da qualidade do ensino em países latino-americanos e caribenhos, pelo monitoramento e implantação de políticas públicas na área da educação. Sob essa bandeira, desde 2003 o PREAL vem integrando os temas da accountability como parte principal de sua agenda política educacional para a região.5

No ano de 2005, em conjunto com o CIDE, organizou e coordenou a realização de um seminário que teve como tema “Accountability educacional: posibilidades y desafios para América Latina a partir de la experiência internacional”. Consoante anunciado no sítio do PREAL, o principal objetivo do seminário foi

debatir sobre la importância de la rendición de cuentas em educación, entendiendo que los sistemas de accountability proveen información sobre el desempeño escolar y sus resultados, entregan retroalimentación a los actores interesados sobre los logros y, a la vez, ejercen presión para lograr su mejoramiento.(PREAL)6

No prefácio da obra publicada em 2006, composta por alguns trabalhos apresentados no

seminário realizado no ano anterior, os coordenadores do evento concordam que a utilização do conceito de accountability é recente na América Latina, nomeadamente no campo da educação, e que, por isso, o tema requer maior compreensão especialmente no tocante ao seu significado. Na tentativa

5 É difícil precisar exatamente o período em que o tema entra na agenda política do PREAL e, por

extensão, na dos países latino-americanos. Em julho de 2003, em conjunto com o CIDE, lança a edição

número 1 da Série Políticas, no Caderno Formas & Reformas de La Educación, com um texto que leva

o título “Rendición de cuentas em educación”. Conforme anunciado no Caderno, o texto inaugura uma

série de resumos do Programa sobre responsabilidade pelos resultados em educação no Chile e em

outros países da América Latina (PREAL, 2003). Tomando por base esse documento, adotamos por

referência o ano de 2003 como o que inaugura oficialmente a produção de material sobre o tema no

âmbito da educação na região. 6 Disponível em http://www.preal.org/Seminario.asp?Id_Seminario=3&Id_Seccion1

de contribuir para o debate, os textos selecionados no livro7 dedicam especial atenção à explicitação desse conceito, estabelecendo, no seu conjunto, um marco conceitual da accountability educacional para os países da região.

Definem, assim, que, no contexto latino-americano, o conceito da accountability educacional remeterá majoritariamente

[...] a los resultados del aprendizaje escolar y a la responsabilidad que le cabe a las escuelas –y dentro de ellas a la comunidad escolar– por los resultados que obtienen sus alumnos. Entre las acciones orientadas a lograr estos propósitos resulta prioritario evaluar periódicamente los resultados del aprendizaje y el cumplimiento de metas curriculares; alinear estas evaluaciones con estándares de contenido, desempeño y oportunidades de aprendizaje, dentro y fuera del aparato escolar; premiar o castigar el buen desempeño de los actores del sistema y, tan importante como esto, cuidar que estos ejercicios de medición y regulación no acaben distorsionando el contenido y orientación de la práctica educativa y permitan – paralelamente – fortalecer las capacidades de gestión en los establecimientos rezagados y prestar, a los maestros, el respaldo técnico necesario para realizar sus proyectos educativos con resultados de excelencia. (GAJARDO; PURYEAR, 2006, p. 7)8

Ancorada na ideia de potencialização de um sistema de avaliação de aprendizagens e formulação de standards educacionais, no âmbito dos países abrigados pelo PREAL a accountability é sugerida “como um tema compatível e necessário com os processos de reforma educativa na região” (CORVALÁN, 2006, p.13)9, sendo-lhe atribuído papel fundamental nas condições de melhoria da educação nesses países.

Consoante anunciado no documento, o resultado mais importante esperado pelo PREAL é a aprendizagem dos alunos, esta verificada preferencialmente em provas de rendimento passíveis de serem medidas nacionalmente e não tanto nos insumos do processo educativo. Mas não só.

Nos textos que encerram o documento produzido, a accountability é considerada uma ferramenta para produzir pressão em todos os níveis e setores educacionais de um país. Destaque especial é dado aos estudos comparados entre países. Esses teriam o objetivo de informar e responsabilizar seus representantes educativos pelo desempenho das escolas, mediante classificação e a comparação entre eles. No âmbito dos Estados, o documento remete à comparação entre unidades subnacionais, locais e regionais, departamentais ou municipais, de modo a responsabilizar e exigir prestação de contas dos governos e representantes educacionais dessas unidades.

A aproximação dos temas da accountability com os processos de reforma educativa na região é devida especialmente a quatro aspectos do desenvolvimento educativo nesses países, apontados por Corvalán no texto introdutório do documento.

O primeiro deles diz respeito aos crescentes processos de descentralização e geração de autonomia escolar, associados à ampliação dos graus de influência das famílias dos alunos nas decisões escolares. De acordo com o que expõe Corvalán (2006), para a tomada de decisões faz-se necessário que os pais detenham informações adequadas e suficientes e que tenham, juntamente com os demais atores escolares, níveis importantes de responsabilização acerca dos processos e de seus resultados. Ainda que o autor admita que maiores graus de informação não sejam, por si só, suficientes para atribuir responsabilidades, a possibilidade de mais e melhor informação representaria um passo importante na identificação e assunção dos problemas educacionais na região.

7 Contando com a introdução, de autoria de Javier Corvalán, o documento é constituído por um conjunto

de sete textos, dois deles de investigadores associados ao CIDE, um do codiretor do PREAL, um de

origem da Cumbre Latinoamericano de Educação Básica – Documento del Latin American Basic

Education Initiative (LABEL, 2001). Os dois documentos restantes são de autoria de pesquisadores

associados a universidades americanas. Nesses dois textos, seus autores debatem aspectos do estágio de

desenvolvimento da accountability nos Estados Unidos. 8 Codiretores do PREAL. 9 Investigador do CIDE.

O segundo aspecto da reforma educativa aludida pelo autor refere-se exatamente à importância que a accountability assume a partir da ampliação dos indicadores educacionais, representados em boa medida pelos testes de rendimento escolar, produzidos pelos países ou a partir de uma perspectiva comparada. Para Corvalán, dada a crescente valorização de testes estandardizados pela maioria dos países da região, sejam eles censitários ou amostrais, já não seria possível falar de indicadores educacionais sem associá-los às ferramentas da accountability. Apesar de concordar que tais testes não configuram, em si mesmos, um sistema de accountability, o autor destaca que eles constituiriam ferramentas fundamentais para a accountability “por fornecerem informações objetivas acerca das escolas, dos sistemas subnacionais e do que e como ensinam” (CORVALÁN, 2006, p.14 ).

Para países que ainda não implantaram sistemas nacionais de avaliação, o PREAL aconselha tomar outros dados para aferição de resultados educacionais, tais como, taxas de aprovação, retenção e abandono, número de alunos que alcançam níveis educacionais mais altos e que concluem esses níveis. Consoante realça Corvalán (2006, p.15), o importante é “não perder de vista a necessidade de forjar dados que demonstrem os resultados educacionais tanto dos países como de suas escolas.”

Estreitamente associado ao segundo, o terceiro aspecto da reforma educativa apontado vincula a discussão da qualidade da educação na região com as condições de desenvolvimento de uma política de accountability educacional. Sobre esse aspecto, Corvalán (2006 p.15) acentua que as propostas em torno da melhoria das escolas em situação deficitária requerem processos que integram ferramentas da accountability, sem o que “estariam comprometidas as condições de melhoria educacional nos países da região.”

O último aspecto refere-se às vantagens da accountability não apenas nos processos de descentralização educacional, mas também como ferramenta para as estruturas governamentais centrais. Considerando que a América Latina vem “experimentando alternativas mais participativas de gestão educacional” (CORVALÁN, 2006, p.16), os signatários do documento defendem ser necessário definir os níveis de responsabilidade de cada um dos atores envolvidos no processo educativo, quer se trate dos governos central, regional ou das escolas e da comunidade escolar. E essa tarefa seria confiada às condições de implementação de uma accountability educacional em cada país da região.

Conquanto se admita não haver uma só palavra para traduzir accountability, ao menos no espanhol (e, como vimos, também no português), os signatários do documento concordam que o conceito pode ser descrito como “responsabilidade por resultados”, “fixação de responsabilidade” ou “prestação de contas” (MCMEEKIN, 2006) 10.

Responsabilização é a palavra mais importante, no entanto, apesar de evocar a educação como responsabilidade de toda a sociedade, o foco do PREAL recai sobre as escolas. O ponto central dessa argumentação é que “las escuelas deben responsabilizarse por los resultados que producen” (MCMEEKIN, 2006, p.20). Adotando ferramentas de accountability, a escola veria reforçada a motivação intrínseca de seus educadores na busca de bons resultados educacionais. Mas quem possibilitaria a viabilização de uma política de accountability nos países da região?

Para o PREAL, são os professores “que fazem funcionar a accountability”. Logo, seriam eles que poderiam por em marcha um sistema de prestação de contas para as escolas. Com base nesse pressuposto, recomenda fortemente incentivar professores, diretores e os demais envolvidos com a educação a avaliar seu próprio trabalho e desempenho de modo a assumir a responsabilidade pelos resultados educacionais. A implementação de mecanismos de avaliação interna, promovidos pela própria escola, seria o motor que proporcionaria ”quebrar resistências à ideia da accountability” e, portanto, “fazer funcionar” esse sistema. (MCMEEKIN, 2006, p. 44) Para os países conseguirem responsabilizar escolas pelos resultados, o PREAL considera imprescindível fazer com que estes cumpram algumas condições tidas como fundamentais. Essas condições são apontadas pelo LABEI (Latin American Basic Education Initiative), num dos textos publicados no documento, e no seu conjunto, cobrem um espectro de elementos que responderiam pela implementação de um sistema completo de accountability educacional na região.

A primeira delas diz respeito à necessidade de os países estabelecerem standards11 educacionais gerais, de conteúdo e desempenho, que estabeleçam o que se espera que os estudantes alcancem em que cada etapa escolar e que estabeleçam o tipo de conhecimento considerado adequado

10 Investigador associado ao CIDE. 11 Nos dicionários de língua inglesa, o vocábulo standards é traduzido por padrões; critérios; valores

morais ou normas (COLLINS GEM dictionary, 1992). Preferimos manter a forma original, apresentada

também assim no documento do PREAL.

e suficiente ou insuficiente. Acompanhados desses standards gerais, haveria necessidade de se estabelecer standards mínimos no que concerne à disponibilidade de materiais pedagógicos e à formação dos docentes.

A segunda condição concerne à necessidade de os países possibilitarem acesso a um conjunto de informações confiáveis em relação aos resultados dos alunos, ao desempenho das escolas e às mediadas que se devem tomar para melhorá-las. Isso, de acordo com a LABEI, seria alcançado por meio de um sólido sistema de provas em matemática, ciências e linguagem, e em outras áreas cruciais para cada país. Recomenda, ainda, um sistema de avaliação dos docentes e o reconhecimento público de seu desempenho. Os resultados dessas avaliações deveriam chegar ao conhecimento dos pais e da comunidade local de forma precisa, atualizada e por instrumentos fáceis de serem compreendidos e assimilados. A terceira condição refere à previsão de consequências acerca da prestação de contas realizada pelas escolas, o que permitiria estabelecer um sistema de qualificação do desempenho das escolas identificando e retribuindo bons mestres e prestando ajuda para os que devem melhorar seu desempenho. Segundo o documento, “escolas que não lograrem bom desempenho devem ser submetidas a medidas corretivas e alunos devem ter seus certificados retidos até que cumpram com os standards educacionais acordados.” (LABEI, 2006, p. 97)

Por fim, a última condição diz respeito à necessidade de os países atribuírem autoridade às escolas, comunidades locais e pais para que possam introduzir mudanças e tomar decisões. Consoante recomendado, “diretores de escolas devem ter a faculdade de contratar, preparar, promover, e se todos os anteriores falharem, despedir professores”. Os professores, por sua vez, devem ter autonomia para organizar cursos e selecionar materiais sendo “estritamente responsáveis pelos resultados em termos de aprendizagens”; devem, ainda, participar da administração e da reforma das escolas (LABEI, 2006, p. 98). Esse é o sentido de autoridade a que se refere o PREAL e que, aliado aos demais elementos, significaria a presença de políticas de accountability nos países da região.

No balanço das condições que definiriam a presença ou não da accountability na educação de nível básico na região, Puryear (2006) verificou que todos os sistemas educacionais desses países possuem alguns dos elementos aqui referidos, fundamentais à sua implementação. Salienta, no entanto, que é preciso verificar “quais estão mais presentes, a quem afetam e quão sólidos eles são” (p. 126).

Segundo o autor, no que concerne ao estabelecimento de standards, poucos países da região teriam desenvolvido essa condição. E os que a teriam desenvolvido ainda não conseguiram alinhar as avaliações aos demais elementos (informação, consequências e autoridade). Sobre procedimentos de informação, Puryear informa que todos os países da região possuem registros estatísticos e sistemas de avaliação das aprendizagens, porém eles não seriam comparáveis entre si. Em relação às consequências, apenas Colômbia, Cuba, Chile e México preveem-nas em seus sistemas. No entanto, essas consequências basicamente premiam escolas. Poucas impõem sanções para as que não cumprem os objetivos e metas traçadas.

Por fim, no que concerne à presença de elementos de autoridade, o PREAL entende que apenas Brasil, Colômbia, Nicarágua, El Salvador e Guatemala apresentam iniciativas de delegação de autoridade às escolas em seus sistemas educacionais (PURYEAR, 2006). Donde se conclui que, até o momento, nenhum país da região teria alcançado todas as condições requeridas pelo PREAL à sinalização da presença de um sistema formal de accountability educacional nos países.

De modo geral, os textos publicados no documento apontam a accountability educacional na região como “desejável” (PURYEAR, 2006, p. 126) e “boa para a educação” (MCMEEKIN, 2006, p.43). Ela é entendida como uma medida “adequada e eficaz” para fazer frente tanto à necessidade de definir metas educacionais e responsabilizar os envolvidos (alunos, pais, professores, gestores e ministérios) pelo seu cumprimento, como para estabelecer “incentivos” de modo a possibilitar que os envolvidos no sistema escolar tenham “desempenho apropriado às metas traçadas” e, por fim, também para assegurar que as escolas “ofereçam o nível de educação esperado.”(MCMEEKIN, 2006, p.43).

Na argumentação tecida ao longo dos textos que compõem o documento publicado em 2006, é reforçada uma sólida combinação entre standards, informações – definidas como avaliações em forma de provas de rendimento –, consequências e autoridade. Esses quatro aspectos, combinados e articulados, concorreriam para a conformação de um modelo formal e completo de accountability, para o que converge a necessidade de que cada país a) estabeleça “objetivos claros e ambiciosos a serem atingidos no âmbito da educação”; b) defina as “ferramentas para medir com a finalidade de verificar se os objetivos estão sendo alcançados” e, c) “recompense o sucesso no alcance desses objetivos remediando as falhas” (PURYEAR, 2006, p.124). Se um desses componentes for deficiente, estaria

comprometida a possibilidade de se desenvolver uma accountability completa e, portanto, “uma educação consistentemente boa” (p.125).

Consoante destacado, os dois primeiros aspectos (estabelecer objetivos claros e ambiciosos e definir ferramentas para medi-los) teriam alcançado um estágio desejável na maioria dos países da região. No entanto, o último deles - recompensar o sucesso e remediar as falhas - teria ficado pra trás, sendo-lhe devida, portanto, de acordo com o que defende o PREAL, maior atenção “tanto por parte do Programa como dos governantes dos países”.

O esforço dos signatários do documento segue no sentido de reforçar a premissa da recompensa, procurando demonstrar que a imposição de consequências às escolas, alunos e professores, pelo desempenho, “forçosamente iria elevar o nível educacional nos países”.

A avaliação externa representa outro ponto fortemente destacado pelo PREAL na conformação de um sistema de accountability. Sua concretização, pelos sistemas de ensino, é vinculada à realização de provas estandardizadas e comparáveis, sendo tomada como elemento que impulsiona tanto a produção de informações sobre o trabalho realizado pelas escolas e os docentes quanto a definição de standards educacionais. Constitui, por isso, o elemento-chave tanto na prestação de contas como na responsabilização pelos resultados, sendo, na perspectiva do PREAL, o primeiro elemento necessário na implementação de uma política de accountability.

Conclusivamente, a interpretação dada pelo PREAL às ferramentas da accountability me leva a argumentar que essa interpretação atribui caráter restritivo às possibilidades de transgressão das fronteiras tradicionais da accountability porquanto valoriza uma única direção do conceito, qual seja, o controle externo das escolas. A visão de controle da qualidade educacional flui de forma vertical, de cima para baixo - do governo para as escolas -, confinando a prestação de contas a limites estreitos da accountability, por uma evidente concentração de responsabilidade sobre a escola.

Nos textos que compõem o documento não ficam claramente delimitadas as responsabilidades que competem aos governos e sistemas que mantém as unidades escolares. A atribuição majoritária de responsabilidades fica para a escola e seus agentes diretos (gestores, professores, alunos e pais), sendo subsumidas as ações que permitiriam evidenciar a destinação de corresponsabilidades para além dos agentes escolares e da comunidade local. Na interpretação dada, os governos dos países passam a ter função de agentes ativos que, investidos do poder que lhes fora concedido pelo voto dos eleitores, exercem o direito de exigir prestação de contas aos seus funcionários, neste caso, os gestores e professores das escolas. A estes é destinada a função de agentes passivos, ou seja, porque administram interesses públicos devem submeter-se à obrigação de prestar contas, primeiro aos órgãos centrais, mas também à comunidade local.

Função de agente passivo também é destinada aos alunos, que devem prestar contas de seu desempenho aos órgãos centrais, mediante realização de testes externos e de serem por meio desses testes avaliados quanto aos resultados de suas aprendizagens. A avaliação realizada pelo professor ao longo do percurso educativo perde força e lugar, em favor de avaliações externas, que passam a definir o que e quanto o aluno aprendeu do que se supunha ter sido ensinado, e o nível de aprendizagem em que cada um se encontra. 3. AVALIAÇÕES EXTERNAS: UM OLHAR SOBRE A REALIDADE EDUCACIONAL PORTUGUESA Na seção anterior procurei demonstrar que, em educação, a defesa do uso da accountability como pressuposto para a regulação desse setor veio associada à intensificação das políticas de avaliação educacional. Com base nessa evidência, meus estudos sobre a accountability em Portugal foram marcados especialmente pelo levantamento documental e pela realização de entrevistas a sujeitos

escolares sobre o tema das avaliações externas. No que tange ao levantamento documental, fiz um inventário inicial de documentos oficiais emitidos pelo Ministério da Educação e Ciência e disponíveis no sítio do governo português, que pudessem fornecer um panorama dessas avaliações no país.

Encontrei dezenas de documentos oficiais exarados pelo Ministério da Educação e Ciência e que tocam, ou mesmo tangenciam, temas relacionados às avaliações externas, produzidos especialmente a partir de 2006. Esse fato exigiu seleção dos que fariam parte do corpus documental. Considerando a necessidade de compreensão não só do modus operandi dessas avaliações, mas também sobre o funcionamento do sistema educativo em Portugal, do currículo e do trabalho docente, foram inventariados os seguintes documentos: 1. O Sistema Educativo em Portugal. Produzido pela Eurybase, esse documento trata da organização

do ensino em Portugal no período 2005-2006. Apresenta os principais órgãos executivos e legislativos; a organização do sistema educativo; especificidades da educação pré-escolar, do ensino básico, do ensino secundário e do ensino superior; a organização da educação de jovens e adultos; bem como aspectos da carreira docente e do pessoal da educação, da avaliação das instituições de ensino e do sistema educativo, dentre outros.

2. Currículo Nacional do Ensino Básico: Competências Essenciais. Trata-se de um documento produzido em 2001 pelo Ministério da Educação e Ciência com o apoio das Comunidades Europeias. Apresenta competências gerais e específicas para cada uma das disciplinas escolares, a serem desenvolvidas pelos professores do primeiro, segundo e terceiro ciclos do ensino básico. Em 2011, esse documento foi revogado, por meio do Despacho Ministerial n. 17169/2011.

3. Lei n. 31, de 20 de dezembro de 2002. Por meio dessa Lei, é aprovado o sistema de educação e do ensino não superior, regulamentando o sistema de avaliação do ensino básico. No que se refere às avalições externas, no art. 16º consta que

Os resultados da avaliação das escolas e do sistema educativo, constantes de relatórios de análise integrada, contextualizada e comparada, devem ser divulgados com o objetivo de disponibilizar aos cidadãos em geral e às comunidades educativas em particular uma visão extensiva, actualizada, criticamente reflectiva e comparada internacionalmente do sistema educativo português. (PORTUGAL, 2002).

O acesso a esse documento possibilitou-me identificar uma das finalidades das avaliações

externas em Portugal, prevista ainda em 2002, qual seja: permitir comparações com avaliações externas ao país, bem como fornecer aos cidadãos portugueses informações acerca do ensino no país (Portugal, 2002), ponto esse que coincide com um dos objetivos atribuídos por aqueles que defendem o uso da accountability educacional como ferramenta de prestação de contas e responsabilização dos agentes escolares acerca da educação ofertadas.

4. Decreto-Lei n. 15, de 19 de janeiro de 2007. Esse Decreto regulamenta o Estatuto da Carreira

Docente dos Educadores de Infância e dos Professores dos Ensinos Básico e Secundário e estabelece um regime de avaliação de desempenho com efeitos no desenvolvimento da carreira com o objetivo de “identificar, promover e premiar o mérito e valorizar a actividade Lectiva” (PORTUGAL, 2007).

5. Decreto-Lei n. 139, de 5 de julho de 2012. Esse documento estabelece os princípios orientadores da organização e da gestão dos currículos, da avaliação dos conhecimentos e capacidades a adquirir e a desenvolver pelos alunos dos ensinos básico e secundário.

No Capítulo III do decreto são definidas as modalidades de avaliação da aprendizagem, que compreendem: “avaliação diagnóstica, avaliação formativa e avaliação sumativa”. Esta última, “traduz-se na formulação de um juízo global sobre a aprendizagem realizada pelos alunos, tendo como objetivos a classificação e certificação” (PORTUGAL, 2012). No documento, está definido que essa modalidade inclui “a avaliação sumativa interna, de responsabilidade dos professores e dos órgãos de gestão e administração dos agrupamentos e escolas não agrupadas” e; a “avaliação sumativa externa, da responsabilidade dos serviços ou entidades do Ministério da Educação e Ciência designados para o efeito”. (PORTUGAL, 2012).

Pelo estudo do documento e pelas entrevistas realizadas com sujeitos escolares, pareceu-me que, especialmente a “avaliação sumativa externa”, produz efeitos sobre a dinâmica de organização da escola, do trabalho e atuação dos professores e, ainda, sobre a aprendizagem dos alunos de 4º, 6 e 9º anos do ensino básico e dos alunos do ensino secundário. Portanto, não se trata, como declarado pelo coordenador de escola entrevistado, de acreditar que, porque “os exames já se tornaram peça fundamental na avaliação dos alunos”, as atividades da escola “não sofrem interferência do modelo de avaliação” praticado externamente (Entrevista).

6. Outros documentos relativos à temática de investigação:

a) Despacho n. 2162-A, de 5 de fevereiro de 2013. Esse documento, de caráter informativo, estabelece o Calendário dos exames nacionais para o ano de 2013.

b) Despacho n. 17169, de 7 de dezembro de 2011. Publicado pelo Ministério da Educação e Ciência, esse Despacho revoga o Documento Currículo Nacional do Ensino Básico - Competências Essenciais, divulgado em 2001, bem como as orientações curriculares para aos programas, metas de aprendizagem, provas e exames nacionais nele contidos.

c) Lei n. 85, de 27 de agosto de 2009. Estabelece o regime de escolaridade obrigatória para as crianças e jovens que se encontram em idade escolar e consagra a universalidade da educação pré-escolar para as crianças a partir dos 5 anos de idade. A vasta produção de documentos encontrados reitera minha percepção, já constatada por

Afonso (2010a, p.17), de uma “crescente regulamentação legislativa” na organização da educação portuguesa. Apesar de anunciar que “as medidas adotadas passam, essencialmente, por um aumento da autonomia das escolas na gestão do currículo [...]” (PORTUGAL, 2012), verifiquei, a partir do inventário realizado, que se trata, na prática, justamente do contrário. Ao que tudo indica, elas atribuem maior centralização na regulação da educação portuguesa, nomeadamente no ensino básico e secundário; orientações curriculares pouco flexíveis e, ainda; aumento das atribuições e responsabilidades docentes, associadas a um processo avaliativo marcadamente de caráter externo e padronizado para todo território. As entrevistas a sujeitos escolares que atuam em escola de segundo e terceiro ciclos do ensino básico contribuíram para a minha compreensão sobre o tema das avaliações externas em Portugal. A finalidade das entrevistas consistiu em captar especificidades dessas avaliações, bem como verificar as percepções desses sujeitos acerca dos exames no ensino básico em Portugal. As escolas acolheram muito bem minha solicitação de concessão de entrevista, tendo disponibilizado horários para conversar com docentes bem como condições de tempo e espaço para a realização do trabalho de coleta de dados. Os entrevistados mostraram-se atenciosos e dispostos a colaborar.

Foram entrevistados: um coordenador de escola, um coordenador de secretariado de provas, dois coordenadores de diretores de turma, um diretor de turma e dois professores, um da disciplina de Língua Portuguesa e outro da de Matemática. As entrevistas foram realizadas em dois momentos distintos. O primeiro deles, no período que antecedeu à realização da primeira fase de realização das provas finais do primeiro ciclo (primeira semana do mês de maio/2013); o segundo, no período que antecedeu à realização das provas finais de segundo e terceiro ciclos (primeira quinzena do mês de junho/2013). Até o momento, foi efetuada transcrição da entrevista com o coordenador de escola. Pelas informações colhidas, pude constatar que a “avaliação sumativa externa”, prevista na legislação portuguesa, está plenamente incorporada ao imaginário dos docentes, coordenadores de turma e coordenador de escola entrevistados. Segundo declarou o coordenador de escola, “a intenção dos exames [externos] é aferir os resultados dos alunos por escola, [...] aferir, em termos de qualidade, onde é que as escolas se posicionam.“ Em termos de finalidade dos exames, destaca, ainda, a de “tornar o ensino mais igual”, por fim, “a intenção dos exames nacionais, é de fato, aferir a qualidade geral nacional.” Apesar dessa afirmação, alguns entrevistados demonstraram desconfiar da eficácia dos resultados em termos de construção de um retrato real da qualidade do ensino praticado nas escolas, dado especialmente o fato de não considerarem a realidade de cada escola e de haver, por parte de algumas delas, “uma seleção natural dos alunos”. Essas “aparecem sempre num lugar mais elevado”. (Coordenador de escola) Diferentemente do Brasil, em Portugal os resultados das avaliações externas têm peso no desempenho final do aluno. Talvez esse seja exatamente o ponto que torna distintas as experiências brasileira e portuguesa, no que concerne aos objetivos dessas avaliações nos dois países. Por compor

parte da nota final atribuída ao aluno e, portanto, contribuir para sua retenção ou avanço escolar, há uma atenção especial por parte de dirigentes escolares, professores e pais e alunos quando comparado ao caso brasileiro acerca tanto do processo como do produto dessas avaliações. Consoante destacado pela coordenadora de escola, “o exame externo tem um peso efetivo na avaliação dos alunos. [...]. A escola tem que se organizar de forma que eles aconteçam, com qualidade, para que os alunos estejam numa situação calma e consigam fazer os exames da melhor forma possível”. Essa posição indica, a meu ver, que há, em alguma medida, elementos de justificação e imposição nas avaliações praticadas em Portugal, elementos esses que, como reforçam Afonso (2009a) e Schedler (2004), fazem parte da prestação de contas na edificação de um modelo de accountability. Pelos dados coletados nas entrevistas, pude constatar, ainda, que, ao menos na escola investigada, há certa tendência à conformação aos exames externos, bem como na sua utilização como instrumento para aferir o desempenho dos estudantes e prestar contas sobre o processo educativo. “Se nós temos bons resultados, isso significa que os nossos professores prepararam bem os alunos, portanto o trabalho que desenvolveram foi consistente, sustentado e deu bons resultados, portanto pode ser isto uma prestação de contas.” (Entrevista coordenadora de escola). Seria importante verificar se a visão do coordenador sobre esses exames seria a mesma, caso a escola a que se vincula não lograsse o resultado esperado nesses exames. Endossa minha percepção sobre certa resignação da equipe dessa escola aos exames externos, o fato de essa escola ter aderido a testes de intermédio, não obrigatórios, mas comuns a todo o país e realizados no mesmo dia e mesma hora em todas as escolas que optam por essa forma de avaliação dos alunos.

Nós, já há alguns anos, optamos por fazer testes de intermédio e, para além dos exames nacionais, nós temos feito testes de intermédio a português, a matemática, nos vários anos, e temos também feito há três anos testes de intermédio de inglês no nono ano. Este ano começamos a historia e a física ou química. Portanto, a nossa preocupação é também tentar, mesmo nas disciplinas onde não há os exames nacionais, tentar de alguma forma aferir por outros meios para verificarmos se, de fato, o trabalho que estamos a fazer é ou não, ou esta ou não esta a ser proveitoso. (Entrevista com coordenador de escola)

Ao mesmo tempo em que se constata, nesse caso, confiança em relação à capacidade de esses testes aferirem o desempenho dos alunos, parece haver certa intencionalidade, mesmo que inconsciente, em deixar a tarefa de pensar o processo educativo a agentes externos e, também para estes a tarefa de apontar o que é mais importante assegurar no processo formativo dos estudantes. Se confirmada essa hipótese, estaremos diante de uma situação em que os docentes abririam mão de sua autonomia pedagógica para se transformarem em meros receptores de decisões tomadas fora dos muros da escola. Referindo-se a relatórios de avaliação externa das escolas, Lima (2011, p.39) advoga que, do ponto de vista dos avaliadores externos, existem “vários elementos naturalizados e imediatamente associados a dimensões positivas” da avaliação das escolas, como se elas fossem dotadas de autonomia, tais como: “a angariação de verbas, a assinatura de protocolos e a celebração de parcerias, a inovação, a preocupação com a imagem da escola e com a construção de uma cultura escolar ‘positiva’”, entre outras. Segundo o autor, esses elementos associam-se às possibilidades de “fabricação da imagem das escolas” (BALL, 2002 apud LIMA, 2011, p. 39) e criam uma espécie de “ilusionismo para influenciar os avaliadores”. Essa visão atomizada e racionalista da escola favorece a compreensão de que a educação que conta é a que permite comparar e mensurar os “resultados educativos produzidos [...]” (LIMA, 2011, p.41). Pelo que pude constatar nas entrevistas realizadas e na análise dos documentos exarados pelo governo português, parece predominar uma visão positiva dos exames externos, especialmente por parte do dirigente escolar e do coordenador de Provas, como se esses exames endossassem o trabalho da escola e não o seu contrário. Sobre as reformas curriculares promovidas pelo Decreto-Lei n. 139/12, o coordenador afirmou que as alterações efetuadas tornaram o currículo “mais acadêmico, está muito mais voltado para as áreas estruturantes, como o português, a matemática, o inglês, a historia, enquanto aquelas áreas mais

criativas: Educação Visual, Educação Tecnológica, Educação Física, acabam por ter menos tempo.” (Entrevista)

A despeito de considerar haver certo grau de autonomia da escola na organização curricular, pela possibilidade de a escola ofertar disciplinas complementares e definir, o coordenador de escola admite que, com a última reforma, o currículo passou a ser orientado para as disciplinas que incidem sobre testes externos, nacionais ou internacionais.

Se pensarmos que os exames, que tem como referenciais o português e a matemática, entendemos que o currículo está orientado para aí. Repare que também, no 1º ciclo, até agora, nos tínhamos uma avaliação qualitativa em todas as áreas, este ano, pela primeira vez, português e matemática têm uma avaliação quantitativa. E tiveram exame a português e matemática internacional. De fato, o currículo esta todo orientado para as áreas estruturantes, português e matemática, sem duvida. (Entrevista)

Embora, por parte do Estado, as determinações curriculares possam ter ficado formalmente

mais democratizadas em vários aspectos do currículo (definição de conteúdos curriculares, da carga horária dos componentes e das áreas de conhecimento, por exemplo), é certo que as avaliações externas constituem uma das forças que agem sobre a escola podendo até, conforme afirma Apple (1999, p.179) “tornar tais escolhas praticamente sem significado.”

Pelos dados levantados, há evidências de reforço, com essa reforma, à construção de um currículo nacional em Portugal, apontada por Apple (1994, p.74) como uma tendência que “possibilita a criação de um procedimento que pode supostamente dar aos consumidores escolares ‘selos de qualidade’ para que as ‘forças de livre mercado’ possam operar em sua máxima abrangência.” (destaques do autor). Por essa via, tanto um currículo nacional quanto um sistema nacional de avaliação atuariam como “um comissão de vigilância do Estado”. (APPLE, 1994, p.74). Para esse autor, a “vigilância do Estado” teria por função “controlar os excessos do mercado”. No entanto, parece-me que, ao menos no caso aqui analisado, trata-se mais de controle das escolas e menos de controle do mercado.

4. ATIVIDADES ACADÊMICO-CIENTÍFICAS E ESPAÇOS DE INTERLOCUÇÃO O período de seis meses de permanência em Portugal possibilitou-me participar de uma rica diversidade de atividades acadêmico-científicas, desenvolvidas especialmente pela Universidade do Minho. Para demonstração, distribuí em dois grupos as atividades de que participei. No primeiro, estão apontadas as atividades desenvolvidas em espaços de interlocução, incluindo minha participação em eventos científicos da área, reuniões de trabalho com o responsável científico, júri de doutoramento e palestra por mim proferida. No segundo grupo estão as de produção científica, que incluem trabalhos preparados para eventos, projetos submetidos a agências de fomento e artigos submetidos a periódicos científicos da área. As atividades destacadas possuem relação com o programa de trabalho inicialmente aprovado pelo Conselho Científico. Cito-as em ordem cronológica, seguindo o período de realização de cada uma delas. Nas festividades comemorativas aos 39 anos da Universidade do Minho ocorreu a Conferência “Garantia da Qualidade no Ensino Superior. Que impacto? Que futuro?”, tendo, como conferencistas: Prof. Doutor Licínio Lima, Professor Catedrático do Instituto de Educação da Universidade do Minho; Prof. Doutor Alberto Amaral, Presidente da Agência da Avaliação e Acreditação do Ensino Superior; Prof.

Doutor Sérgio Machado dos Santos, Membro Executivo do Conselho de Administração da Agência da Avaliação e Acreditação do Ensino Superior. A palestra foi moderada pela Profª. Doutora Graciete Dias, Vice-Reitora para a Qualidade, Avaliação e Ética Acadêmica da academia minhota. O tema tratado pelos conferencistas versou sobre as relações entre qualidade e avaliações externas, tocando na temática da prestação de contas. Especialmente a conferência do prof. Doutor Licínio Lima, foi esclarecedora sobre os aspectos implicados no sistema nacional de avaliação das escolas. Outro espaço importante de interlocução foi oportunizado pela minha participação, na condição de ouvinte, de algumas aulas na disciplina de Investigação Portuguesa em Administração Educacional, ministrada pelo Prof. Dr. Virgínio Sá, no Curso de Mestrado em Ciências da Educação, Área de Especialização em Administração Educacional. Essa atividade estava prevista para ocorrer nas seguintes disciplinas: (I) Temas de Política Educativa e (II) Avaliação de Políticas de Educação e Formação. Como as disciplinas não foram ofertadas, em acordo com o responsável científico, optei pela participação em um curso e em uma disciplina que tivesse relação com a minha proposta investigativa, escolha adequada e pertinente dada a oportunidade de conhecer e compreender as especificidades da administração educacional em Portugal. A participação no I Colóquio Internacional de Ciências Sociais da Educação e III Encontro de Sociologia da Educação “O Não-Formal e o Informal em Educação: centralidades e periferias”, na condição de ouvinte e na apresentação de comunicação, foi outro importante espaço para articulação e intercâmbio de experiências. Nesse evento, apresentei, em coautoria, o trabalho Articulações entre a educação formal e a não-formal: possibilidades a escola pública brasileira em tempos de avaliação em larga escala.

Além desse evento, também participei, na condição de ouvinte, nas sessões do XIV Diálogos sobre Educação, realizado pelo Departamento de Ciências Sociais da Educação, do Instituto de Educação da Universidade do Minho; ainda, do II Encontro Primavera/Verão 2013, promovido pela Sociedade Portuguesa de Ciências da Educação (SPCE), que ocorreu na cidade do Porto, em 06 de julho de 2013. Dentre as atividades acadêmico-científicas realizadas, destaco, ainda, a minha participação como membro do júri (banca) da prova de Doutoramento em Ciências da Educação, especialidade em Organização e Administração Escolar, tendo atuado como arguidora principal da Tese “Autonomia, Poder, Autoridade e Participação: uma análise das práticas autônomas no quotidiano das escolas estaduais do Rio de Janeiro no Município de Nova Iguaçu - Brasil.” A Prova ocorreu no dia 14 de junho de 2013 e a minha participação foi viabilizada graças à indicação de meu nome, ao Departamento, pelo responsável científico. Esse foi um rico espaço de interlocução e troca de experiências acadêmicas, além de oportunizar importante contato com os demais membros do júri que incluiu, além de docentes da Universidade do Minho, também docentes de outras duas Universidades. Por fim, registro minha satisfação pela oportunidade concedida pelo responsável científico, professor Almerindo Janela Afonso, de proferir palestra no Curso de Mestrado em Ensino da Educação Física, com a temática “Avaliações externas na educação básica brasileira”. Essa oportunidade permitiu socializar com os mestrandos do referido curso estudos que venho desenvolvendo no Brasil acerca de um tema com forte aderência na minha proposta de investigação. Espaços importantes de interlocução e profundo aprendizado foram oportunizados, ainda, em reuniões de trabalho realizadas com o responsável científico. Os diversos momentos em que nos encontramos para tratar do tema de minha pesquisa oportunizaram, além de rico espaço de aprendizagem, também estreitamento de nossos laços de amizade e parcerias em mais dois projetos de pesquisa encaminhados a agências de fomento no Brasil e em Portugal.

4.1. PRODUÇÕES CIENTÍFICAS SUBMETIDAS NO PERÍODO 1. Artigos submetidos a periódicos da Área

a) Qualidade (social) na educação básica: o desafio da construção nos municípios do oeste

catarinense. Publicação aprovada para ser publicada em 2013, pela Revista Conjectura Filosofia e Educação, da Universidade de Caxias do Sul RS/Brasil.

b) Qualidade na educação básica: ações e estratégias dinamizadoras. Submissão à Revista Educação & Realidade, da Universidade Federal do Rio Grande do Sul/Brasil (Aguardando parecer).

c) Condições de trabalho docente: novas tessituras das políticas de avaliação a qualidade. Submissão de artigo à Revista Educação, da Universidade Federal de Santa Maria/Brasil (Aguardando parecer).

d) O Ideb e a construção de um modelo de accountability na educação básica brasileira. Submissão de artigo à Revista Portuguesa de Educação da Universidade do Minho/Portugal (Aguardando parecer).

2. Trabalhos submetidos a eventos científicos da área

a) Articulações entre a educação formal e a não-formal: possibilidades a escola pública

brasileira em tempos de avaliação em larga escala (Resumo e Trabalho Completo) - submetido e apresentado no I Colóquio Internacional de Ciências Sociais da Educação e III Encontro de Sociologia da Educação - “O Não-Formal e o Informal em Educação: centralidades e periferias.

b) Accountability em educação: contribuição para o debate do tema no Brasil (Trabalho

completo) - submetido à 36ª Reunião Anual da Anped (Associação Nacional de Pós-Graduação e Pesquisa em Educação)/Brasil, GT 05 – Estado e Política Educacional. O evento ocorrerá no período de 29 de setembro a 02 de outubro de 2013.

c) Da política de avaliação para a qualidade às ações de escolas de educação básica: implicações no trabalho docente (resumo e trabalho completo) - aprovado para ser apresentado no II Encontro Sobre Trabalho Docente e Formação, que ocorrerá na Faculdade de Psicologia e Ciências da Educação, da Universidade do Porto/ Portugal, no período de 1º a 03 de novembro de 2013.

d) Decorrências da reforma curricular do ensino fundamental no trabalho docente (resumo e trabalho completo) - aprovado para ser apresentado no II Encontro Sobre Trabalho Docente e Formação, que ocorrerá na Faculdade de Psicologia e Ciências da Educação, da Universidade do Porto/ Portugal, no período de 1º a 03 de novembro de 2013.

e) Accountability e avaliações em larga escala: um olhar a partir das novas configurações do Estado Neoliberal (resumo e trabalho completo), aprovado para o III Congresso Internacional de Avaliação e VIII Congresso Internacional de Educação, que ocorrerá na FAURGS - Gramado-RS/Brasil, de 07 a 9 de Outubro de 2013.

f) Indicadores de qualidade de escolas municipais catarinenses. (resumo e pôster), aprovado para o III Congresso Internacional de Avaliação e VIII Congresso Internacional de Educação, que ocorrerá na FAURGS - Gramado-RS/Brasil, de 07 a 9 de Outubro de 2013.

g) Ideb e a Prova Brasil: desafios de escola municipais (resumo e trabalho completo), aprovado para o III Congresso Regional de Docência e Educação Básica - Rumo à qualidade social, que ocorreu no período de 23 a 25 de julho de 2013, na cidade de Xanxerê - SC (Apresentado pelos coautores).

3. Projetos de Pesquisa encaminhados a Agências de Fomento

a) Políticas de accountability na educação básica: estudo comparado em países do cone sul - Projeto de pesquisa submetido ao Edital Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq), Chamada Universal - MCTI/CNPq Nº 14/2013. A proposta tem como objetivo analisar comparativamente políticas de accountability para a educação básica de quatro países da região do Cone Sul – Argentina, Brasil, Chile e Uruguai – de modo a identificar aproximações e especificidades de modelos (implícitos ou explícitos) ou mesmo sistemas de accountability, bem como motivações dos respectivos governos à implementação dessas políticas. A submissão dessa proposta de investigação ao CNPq foi motivada pelo objetivo de dar continuidade ao processo investigativo acerca do tema, numa perspectiva comparada, agora no contexto de países da América Latina. A realização da investigação está prevista para os anos de 2014 e 2015 e a equipe é composta por investigadores de duas universidades brasileiras e pelo Responsável Científico dos estudos de pós-doutoramento na Universidade do Minho. (Aguardando aprovação)

b) Estudo comparado sobre accountability: políticas de avaliação, prestação de contas e

responsabilização na escola pública não-superior no Brasil e Portugal - Projeto de Pesquisa em

parceria entre Universidade do Minho/ Universidade do Oeste de Santa Catarina, submetido ao Edital n. 038/2013 da Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior – CAPES/Fundação para a Ciência e a Tecnologia - FCT. Adotando uma perspectiva de análise comparada, Brasil/Portugal, o projeto de investigação e de intercâmbio acadêmico pretende compreender, entre outros aspectos, a emergência e desenvolvimento de políticas de accountability (avaliação, prestação de contas e responsabilização) na educação pública não-superior. Por Portugal, o projeto será coordenado pelo professor Almerindo Janela Afonso. (Submissão em processo).

Esse conjunto extensivo de atividades e produções demonstra, em alguma medida, o esforço

por mim empreendido na realização de meu pós-doutoramento. Ao mesmo tempo, retrata o percurso acadêmico-científico realizado nos seis meses de minha permanência em terras portuguesas. 5. BALANÇO DA EXPERIÊNCIA

A experiência de pós-doutoramento representou importante oportunidade para troca de

experiências, para novas aprendizagens e novos contatos profissionais, bem como aperfeiçoamento de minha atuação como pesquisadora. Das atividades vivenciadas e realizadas, destaco como mais significativas as que me possibilitaram contato direto com docentes, pesquisadores e estudantes, quais sejam: o I Colóquio Internacional de Ciências Sociais da Educação e III Encontro de Sociologia da Educação; a palestra aos alunos do Curso de Mestrado no Ensino de Educação Física; o júri de doutoramento; as aulas frequentadas na disciplina de Investigação Portuguesa em Administração Educacional; e, por fim, o II Encontro Primavera/Verão da SPCE. O acolhimento e atenção, por parte do responsável científico pelo meu pós-doutoramento e dos docentes do Instituto de Educação, foram motivadores e impulsionares do desejo de intensificar as relações profissionais, propósito este firmado pela submissão, a agências de fomento (brasileira e portuguesa), de dois projetos de pesquisa em parceria com o orientador científico, docentes, mestrando e doutorando do Instituto de Educação da Universidade do Minho. O contato de seis meses com o cotidiano dos bracarenses possibilitou um aprendizado que supera os limites da proposta de investigação realizada no período. Além do aperfeiçoamento profissional, inegavelmente alcançado, também destaco meu amadurecimento como ser humano, favorecido pela convivência diária com pessoas singulares (taxistas, atendentes de cafeterias, lojas e supermercados, etc.), com as quais, sempre que possível, travava diálogos que extrapolavam o interesse meramente comercial.

Dizem que os bracarenses são um povo acolhedor. Volto ao Brasil convencida de que o são, de fato. Mas não só! Em Braga, há, no jeito de ser das pessoas, algo de muito singular e especial, que toca em um sentimento inexplicável: a saudade e, com ela, o desejo de retornar outras vezes ao lugar.