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Achados na Video-oculografia que sugerem comprometimento de vias vestibulares centrais Rogério C. Borges de Carvalho Video-oculografia (VOG) é um sistema de rastreamento ocular computadorizado que usa a técnica de gravação através de vídeo infravermelho. O sistema faz uso da tecnologia de localização da pupila e das propriedades refletivas da superfície da córnea para gravar os movimentos dos olhos diretamente 1 . A VOG é superior a eletronistagmografia em termos de maior resolução e maior estabilidade para observar, capturar e gravar os movimentos oculares 2 . A VOG usa duas câmeras, uma para cada olho e grava os movimentos oculares em dois canais, um para os traçados horizontais e um outro para os verticais. A figura 1 mostra uma visão geral da máscara da VOG. Figura 1: duas câmeras que permitem gravação dos movimentos oculares e a capa (seta verde) que possibilita avaliar sem fixação visual

Achados na Video-oculografia que sugerem comprometimento

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Page 1: Achados na Video-oculografia que sugerem comprometimento

Achados na Video-oculografia que sugerem comprometimento de

vias vestibulares centrais

Rogério C. Borges de Carvalho

Video-oculografia (VOG) é um sistema de rastreamento ocular

computadorizado que usa a técnica de gravação através de vídeo

infravermelho. O sistema faz uso da tecnologia de localização da pupila e das

propriedades refletivas da superfície da córnea para gravar os movimentos

dos olhos diretamente1. A VOG é superior a eletronistagmografia em termos

de maior resolução e maior estabilidade para observar, capturar e gravar os

movimentos oculares2.

A VOG usa duas câmeras, uma para cada olho e grava os movimentos

oculares em dois canais, um para os traçados horizontais e um outro para os

verticais.

A figura 1 mostra uma visão geral da máscara da VOG.

Figura 1: duas câmeras que permitem gravação dos movimentos

oculares e a capa (seta verde) que possibilita avaliar sem fixação visual

Page 2: Achados na Video-oculografia que sugerem comprometimento

O protocolo (conjunto de testes) da VOG pode variar de um laboratório

para outro, mas geralmente inclui a pesquisa do nistagmo espontâneo com e

sem fixação ocular, a pesquisa do nistagmo semiespontâneo, os testes

posicionais e de posicionamento (Dix e Hallpike, Head Roll Test, etc), a

avaliação dos movimentos sacádicos e de perseguição dos olhos, a prova

optocinética, as provas rotatórias, Head Shake Test e a prova calórica.

O diagnóstico de uma lesão vestibular central é desafiador e às vezes

há uma sobreposição de sinais e sintomas com uma lesão vestibular

periférica. Alguns casos de transtorno vestibular central iniciam apenas com

tontura, e sinais neurológicos discretos podem passar desapercebidos2.

A VOG é uma boa ferramenta diagnóstica para diferenciar entre lesões

vestibulares periféricas e centrais, principalmente quando sensibilizada com

os testes de fixação ocular, os testes oculomotores e a pesquisa dos

nistagmos posicionais centrais2.

Abaixo descrevo alguns achados centrais que podem ser encontrados

nos testes da VOG.

Pesquisa do Nistagmo Espontâneo

O nistagmo espontâneo é aquele identificado quando o paciente está

em posição neutra, na posição central do olhar.

O nistagmo espontâneo central diverge das características do nistagmo

espontâneo vestibular periférico (Figura 2): unilateral, horizontal (horizonto-

rotatório), unidirecional (direção fixa), suprimido pelo efeito inibidor da

fixação visual3.

Figura 2: nistagmo espontâneo vestibular periférico

O comprometimento do sistema nervoso central (SNC) pode gerar

nistagmo espontâneo vertical inferior, nistagmo vertical superior, nistagmo

não suprimido pela fixação ocular, nistagmo que muda de direção com o olhar

na posição neutra (nistagmo alternante periódico)2.

Page 3: Achados na Video-oculografia que sugerem comprometimento

O nistagmo espontâneo vertical inferior tem sido relacionado a

degeneração cerebelar (flóculo e/ou paraflóculo), lesões da junção crânio-

cervical (mal formação de Arnold-Chiari), esclerose múltipla, insuficiência

vertebrobasilar, e intoxicação por drogas4.

O nistagmo espontâneo vertical superior, menos prevalente que o

vertical inferior, é associado com infartos ou tumores do tronco cerebral e/ou

cerebelo, esclerose múltipla, e também intoxicação por drogas5,6.

Nistagmo espontâneo que muda de direção com o olhar na posição

neutra (nistagmo alternante periódico) está relacionado com transtorno de

tronco cerebral e cerebelo (nodulus e uvula) por infartos ou doenças

desmielinizantes7.

Nistagmo espontâneo torsional puro é raro e está associado com

infarto lateral de tronco cerebral (síndrome de Wallenberg)7.

A Figura 3 mostra o traçado de um nistagmo espontâneo vertical

inferior mais intenso com a fixação ocular (período sublinhado de verde) em

uma paciente de 52 anos com atrofia/degeneração cerebelar. Observe que

no período em que não está ocorrendo a fixação ocular (não sublinhado), o

nistagmo praticamente desaparece.

Link do caso:

http://borgesdecarvalhootorrinos.com.br/noticias/transtorno-do-sistema-

nervoso-central-em-um-caso-de-labirintite-8-nistagmo-vertical-inferior/

Figura 3: nistagmo espontâneo vertical inferior mais intenso com a fixação ocular

O vídeo 1 e vídeo 3 mostram exemplos de nistagmo espontâneo

vertical inferior, em casos centrais, com a VOG. Esses vídeos também

podem ser acessados pelo link:

http://borgesdecarvalhootorrinos.com.br/noticias/exemplo-de-nistagmos-

centrais-verticais-inferiores/

Page 4: Achados na Video-oculografia que sugerem comprometimento

A Figura 4 e o vídeo 6 mostram o traçado de um nistagmo espontâneo

vertical superior com ou sem a fixação ocular em uma paciente de 31 anos

com lesão cerebelar após ressecção de um Astrocitoma Pilocítico de fossa

craniana posterior. Observar que com a fixação (período sublinhado de verde)

a intensidade do nistagmo é maior.

Link do video:

http://borgesdecarvalhootorrinos.com.br/noticias/nistagmo-espontaneo-

vertical-superior-com-ou-sem-a-fixacao-ocular-em-uma-paciente-de-31-

anos-com-lesao-cerebelar-apos-resseccao-de-um-astrocitoma-pilocitico-de-

fossa-craniana-posterior/

Figura 4: nistagmo espontâneo vertical superior

O link http://borgesdecarvalhootorrinos.com.br/noticias/nistagmo-

espontaneo-vertical-superior/ mostra um caso que cursou com nistagmo

espontâneo vertical superior em um paciente de 78 anos em tratamento

quimioterápico para neoplasia na próstata e que subitamente apresentou

diplopia e oscilopsia vertical inferior.

O vídeo 2 mostra o registro no monitor do computador, de um

nistagmo espontâneo vertical superior sem fixação visual em uma paciente

de 77 anos que subitamente iniciou com tontura rotatória.

Nistagmo semi-espontâneo (Gaze Test)

O nistagmo semiespontâneo é o nistagmo sustentado identificado com

o olhar excêntrico (para direita, esquerda, para cima ou para baixo) 1,3.

O vídeo 10 mostra de forma acelerada como o teste é realizado.

O nistagmo semiespontâneo central diverge das características do

nistagmo semiespontâneo de natureza periférica. Esse último, obedece a Lei

de Alexander, ou seja, o nistagmo aumenta sua intensidade à medida que o

paciente olha na direção da sua componente rápida, somente é visível com

fixação quando a lesão é de natureza aguda, e tem direção fixa. Se o paciente

apresenta um nistagmo semiespontâneo periférico, apresenta também um

Page 5: Achados na Video-oculografia que sugerem comprometimento

nistagmo espontâneo sem fixação ocular ou observamos aumento da sua

intensidade com Head Shake Test 1.

O nistagmo semiespontâneo central pode apresentar as seguintes

características1:

- Quando identificado com fixação pode ser proveniente de lesão aguda

ou crônica e persistente, sem mostrar diminuição da sua intensidade com o

tempo.

- Pode ter direção fixa ou mudar de direção com a mudança do olhar,

ou seja, bate para a direita com o olhar para a direita, bate para a esquerda

com o olhar para a esquerda e assim por diante.

- Raramente está presente no olhar central (posição primária).

Entretanto, um nistagmo puramente vertical ou torsional pode estar

presente. Lembramos que, um nistagmo espontâneo vertical inferior,

aumenta de intensidade com o olhar lateral para ambos os lados, bem como

no olhar para baixo3.

- Após o Head Shake Test não costuma aumentar de intensidade, e

pode ter direção vertical. 1,3.

Portanto, o nistagmo semiespontâneo central tem como características

dominantes: a mudança de direção com a mudança do olhar, direção

puramente vertical ou torsional e a sua persistência 1,2.

A Figura 5 e o vídeo 4 mostram o registro de um nistagmo

semiespontâneo horizontal central bidirecional. Paciente de 72 anos que há

um ano e meio vem apresentando tontura e desequilíbrio crônico.

Page 6: Achados na Video-oculografia que sugerem comprometimento

Figura 5: nistagmo semiespontâneo horizontal central bidirecional

A Figura 6 e o vídeo 5 mostram o registro de um nistagmo

semiespontâneo multidirecional central em um paciente de 51 anos com

degeneração cerebelar.

Link do caso:

http://borgesdecarvalhootorrinos.com.br/noticias/transtorno-do-sistema-

nervoso-central-em-um-caso-de-labirintite/

Page 7: Achados na Video-oculografia que sugerem comprometimento

Figura 6: nistagmo semiespontâneo multidirecional central

A figura 7 mostra o traçado de um nistagmo semiespontâneo

persistente, de fixação, horizontal para a direita no olhar para a direita, em

um paciente de 43 anos com tontura crônica e progressiva.

Link do caso:

http://borgesdecarvalhootorrinos.com.br/noticias/transtorno-de-natureza-

vestibular-central/

Figura 7: nistagmo semiespontâneo persistente

O possível sítio de lesão do nistagmo semiespontâneo central vai

depender se sua direção é horizontal ou vertical. Os movimentos horizontais

dos olhos são gerados e controlados na região pontina do tronco cerebral,

enquanto que os verticais (e torsionais) são originados no mesencéfalo1.

Page 8: Achados na Video-oculografia que sugerem comprometimento

A manutenção do olhar binocular horizontal para a esquerda ou para a

direita envolve o núcleo prepositus hypoglossi e o núcleo vestibular medial7.

O núcleo intersticial de Cajal no mesencéfalo é o centro da manutenção do

olhar vertical1. O cerebelo (flóculo e paraflóculo) participa incrementando o

processo de integração neural no tronco cerebral, necessário para

manutenção do olhar excêntrico1.

O flóculo e paraflóculo cerebelares juntos com a porção caudal do

vermis cerebelar (nodulus e úvula) são parte da porção mais antiga do

cerebelo (archicerebellum) também chamada de vestíbulocerebelo. Lesões

no flóculo e paraflóculo cerebelar podem gerar alterações oculomotoras

passíveis de serem identificadas com a VOG: prejuízo na perseguição ocular

(rastreio pendular alterado), prejuízo na supressão do reflexo vestíbulo-

ocular (RVO), nistagmo semiespontâneo central, nistagmo espontâneo

vertical inferior e nistagmo de rebote (rebound nystagmus)8.

Quando pacientes com nistagmo semiespontâneo tentam manter o

olhar excêntrico por alguns segundos e, em seguida, retornam os olhos para

a posição central, pode ocorrer um nistagmo de rebote temporário (rebound

nystagmus), com fase rápida oposta à direção do olhar excêntrico anterior7.

A VOG permite a gravação em video e registro de cada olho

separadamente. Quando o nistagmo (semiespontâneo) no olhar lateral é

maior no olho abduzido, a causa pode ser oftalmoplegia internuclear (lesão

no fascículo longitudinal medial na via entre o núcleo do III e do VI par

craniano), e sacadas deverão ser testadas, procurando por lentificação do

olho em adução7. Portanto, a oftalmoplegia internuclear é caracterizada pelo

prejuízo no olhar horizontal conjugado, com inibição da adução do olho do

lado da lesão do fascículo longitudinal medial. Em pacientes abaixo de 60

anos de idade pensar em esclerose múltipla, e em pacientes com 60 anos ou

mais, pensar em uma causa vascular9.

Manobras Posicionais (Dix&Hallpike, Roll test, etc).

Além de permitir a documentação, a realização de manobras

posicionais usando a VOG facilita a observação das características do

nistagmo posicional.

A vertigem posicional paroxística benigna (VPPB) do canal posterior

(canalitíase) é o diagnóstico mais comum de vertigem posicional na

população em geral10. Para que se tenha as características típicas do

nistagmo posicional periférico (latência, duração, direção, fatigabilidade,

curso crescendo-decrescendo) é necessário integridade das vias vestibulares

centrais.

O diagnóstico de uma síndrome posicional de natureza central é

baseado na presença de desvios dos critérios diagnósticos para VPPB. O

nistagmo posicional central (NPC) tem características que divergem do

nistagmo posicional periférico (NPP)10.

Como possíveis indicadores do NPC temos: direção não atribuída ao

plano do canal estimulado, nistagmo vertical ou torsional puro, nistagmo que

Page 9: Achados na Video-oculografia que sugerem comprometimento

tem sua direção invertida apesar da manutenção na posição provocadora,

incremento de intensidade com a fixação ocular, longa duração ou sua

persistência durante todo o tempo em que a posição provocadora é mantida,

ausência ou curta latência, não ser fatigável com a repetição das manobras

e não desaparecer com as manobras de reposicionamento10.

O padrão mais comum de NPC é o nistagmo posicional vertical inferior

persistente10.

A figura 8 e o vídeo 11 mostram o traçado/vídeo de um nistagmo

posicional vertical inferior paroxístico que não é fatigável com a repetição das

manobras. Paciente de 38 anos portadora de doença mieloproliferativa

crônica que sofreu possível isquemia no sistema nervoso central.

Link para o caso:

http://borgesdecarvalhootorrinos.com.br/noticias/paroxysmal-downbeat-

nystagmus/

Figura 8: nistagmo posicional vertical inferior paroxístico, não fatigável

Uma outra característica que pode ser observada nas síndromes

posicionais centrais é a presença de vômito em uma manobra não

necessariamente associada com um nistagmo muito intenso, ou ocorrendo

até na ausência de nistagmo3.

Causas típicas de NPC incluem síndromes cerebelares degenerativas

ou lesões estruturais da fossa cerebral posterior (ex: tumores ou mal

formação de Arnold-Chiari)10.

Page 10: Achados na Video-oculografia que sugerem comprometimento

Provas Oculomotoras

Os testes oculomotores incluem as sacadas, a perseguição (rastreio) e

o teste optocinético. A presença de anormalidades nesses testes está

associada com desordens vestibulares centrais. Entretanto, o examinador

deve levar em conta que idade avançada, dificuldade de atenção, privação de

sono e uso de medicamentos podem afetar o resultado desses testes. Além

disso, a ausência de alteração nesses testes não exclui uma causa central2.

Estudo das Sacadas

Existem diferentes subclasses de movimentos oculares que atendem

aos requisitos específicos da fóvea (área de melhor nitidez da retina) para

uma função visual ideal11.

Quando novas informações são necessárias, as sacadas oculares

trazem as imagens de objetos de interesse vistos da periferia para a fóvea11.

Sacadas são os movimentos oculares mais rápidos, com velocidades

de até 700º /s e durações geralmente menores que um décimo de segundo11.

Para acessar as sacadas usando a VOG, os alvos são apresentados

através de uma projeção de video de forma randomizada em diferentes

posições nos planos horizontal e vertical.

O vídeo 12 e vídeo 13 exemplificam como o teste é realizado.

Ao examinarmos as sacadas, avaliamos sua latência, sua velocidade,

sua precisão e se os movimentos dos olhos estão conjugados.

A figura 9 mostra o registro de sacadas normais. Cada olho é avaliado

individualmente (registro vermelho: olho direito e registro azul: olho

esquerdo). O traçado em verde mostra o movimento do alvo. À direita, cada

ponto representa a análise de uma única sacada do total apresentado durante

o teste. No quadro das latências, cada ponto reflete o tempo decorrido em

milissegundos do início do movimento do alvo ao início do movimento dos

olhos. No quadro da velocidade, cada ponto reflete o pico de velocidade do

movimento dos olhos durante a trajetória do ponto inicial até a nova

localização dos olhos. E o quadro precisão, dá a porcentagem da distância

que o olho se moveu em relação ao alvo.100% indica que os olhos se

moveram a mesma distância que o alvo. Valores acima de 100% indicam

uma ultrapassagem ao alvo (overshoot), enquanto que os abaixo de 100%

não alcançaram o alvo (undershoot).

Page 11: Achados na Video-oculografia que sugerem comprometimento

Figura 9: registro de sacadas normais

Sacadas atrasadas (transtorno de latência), sacadas lentas (transtorno

de velocidade) e sacadas dismétricas (transtorno de precisão) sugerem uma

desordem vestibular central2. Anormalidades no teste das sacadas não

ocorrem como resultado de lesão vestibular periférica1.

Sacadas horizontais lentas ocorrem em lesões seletivas na ponte

(Pontine paramedian reticular formation – PPRF). Sacadas verticais lentas

sugerem disfunção seletiva no mesencéfalo superior (Rostral interstitial

nucleus of the medial longitudinal fascículos – riMLF)11. Sacadas lentas, de

ambos os olhos, em ambas as direções sugerem envolvimento de ambas

estruturas no tronco cerebral (PPRF e riMLF). No entanto, centros superiores

como o colículo superior ou hemisférios cerebrais precisam também ser

considerados1.

Como já colocado anteriormente, a VOG é um bom método para

analisar o movimento ocular de cada olho separadamente. Se a sacada é

lenta e envolve um único olho em abdução sugere paralisia do VI par craniano

(núcleo abducente). Com uma lentificação em adução sugere oftalmoplegia

internuclear (lesão do fascículo longitudinal medial ipsilateral)1. Assim,

movimentos não conjugados dos olhos podem ocorrer por paralisia de

musculo extraocular ou, quando ocorre nas sacadas horizontais, por

oftalmoplegia internuclear (limitação de adução de um olho por envolvimento

do fascículo longitudinal medial que conecta o núcleo abducente -VI com o

núcleo oculomotor – III)11. Na oftalmoplegia internuclear o olho em adução

está anormalmente lento. Reconhecer essa condição imediatamente implica

em lesão do fascículo longitudinal medial no lado do olho com lentificação na

adução (ex. AVC isquêmico). Quando a oftalmoplegia internuclear é bilateral,

presume-se o diagnóstico de esclerose múltipla até se prove o contrário1.

Sacadas anormalmente rápidas tipicamente ocorrem como resultado

de sacadas que param prematuramente antes de alcançar o alvo. Isso pode

ocorrer devido a desordens que reduzem a amplitude de movimento de um

olho (ex. Miastenia Gravis) ou por restrição mecânica dessa amplitude

(trauma ou lesão tumoral)1.

Page 12: Achados na Video-oculografia que sugerem comprometimento

Sacadas dismétricas (transtorno de precisão) podem ter diferentes

padrões. Podem ser hipométricas (a sacada para antes de alcançar o alvo –

síndrome restritiva), hipermétricas (a sacada ultrapassa o alvo) ou com

direção inapropriada.

Sacadas hipométricas ou hipermétricas estão relacionadas com lesão

cerebelar 9. O cerebelo, especificamente o vermis dorsal e regiões do núcleo

fastigial, é o maior contribuinte para a precisão das sacadas1,8,12. Lesão

experimental do vermis cerebelar dorsal causa alteração na latência,

precisão, e velocidade das sacadas, porém, a alteração duradoura ocorre na

precisão (hipometria)12. Lesão unilateral da região do núcleo fastigial leva a

sacadas hipermétricas ipsilateral e hipométricas contralateral. Lesão bilateral

da região do núcleo fastigial produzem sacadas hipermétricas em todas as

direções12.

A figura 10 mostra sacadas hipermétricas ao analisarmos a precisão

dos movimentos sacádicos. A presença do nistagmo espontâneo vertical

superior contamina o traçado. Paciente de 31 anos com síndrome cerebelar

e várias alterações oculomotoras.

Figura 10: sacadas hipermétricas na análise da precisão dos movimentos sacádicos

No estudo das sacadas, o examinador deve tomar cuidado com a

interpretação dos resultados em pacientes com deficiência severa da

acuidade visual, especialmente a degeneração macular. Esses pacientes

podem executar o teste produzindo múltiplas pequenas sacadas pela

dificuldade de colocar o alvo na fóvea. Além disso, pacientes com restrição

do campo visual (hemianopsia) podem produzir sacadas hipométricas1.

A latência de uma sacada é a quantidade de tempo para o início do

movimento dos olhos após o alvo ter aparecido. Lesões no PPRF ou riMLF

podem causar atraso na iniciação do movimento dos olhos horizontalmente

ou verticalmente, mas isso não é um achado comum. Múltiplas áreas

Page 13: Achados na Video-oculografia que sugerem comprometimento

cerebrais podem estar envolvidas1. O aumento na latência das sacadas

usualmente resulta de uma desordem cortical cerebral11.

A perseguição ocular (Rastreio Pendular)

A perseguição ocular permite uma clara visão de um alvo em

movimento pela manutenção desse alvo na fóvea da retina. Deve-se levar

em conta que a capacidade de perseguição diminui com a idade e pode ser

particularmente afetada por medicamentos11. O rastreio pendular é o teste

mais sensível a idade do examinado1.

O vídeo 15 e vídeo 14 exemplificam como o teste é realizado.

Um alvo em movimento sinusoidal horizontal é apresentado na tela em

diferentes velocidades. O sistema computadorizado compara a velocidade do

olho contra a velocidade do alvo. A relação entre essas duas velocidades é o

ganho do rastreio pendular (velocidade do olho dividida pela velocidade do

alvo)1,3. Com a instrução de seguir o alvo, é esperado que os olhos estejam

em fase com o alvo ou estejam minimamente um pouco atrás1.

A figura 11 mostra o registro de um teste normal de rastreio

pendular.

Figura 11: teste normal de rastreio pendular

Transtorno vestibular central pode gerar traçados simétricos,

assimétricos defeituosos, ou um rastreio sacádico2. O rastreio sacádico é

registrado quando o movimento dos olhos não acompanha o movimento do

alvo e sacadas corretivas são necessárias para trazer novamente os olhos ao

alvo11.

A figura 12 e o vídeo 7 mostram o rastreio sacádico em um paciente

de 51 anos com degeneração cerebelar.

Page 14: Achados na Video-oculografia que sugerem comprometimento

Link para acesso ao video:

http://borgesdecarvalhootorrinos.com.br/noticias/rastreio-sacadico-em-um-

paciente-de-51-anos-com-degeneracao-cerebelar/

Figura 12: rastreio sacádico em um caso de degeneração cerebelar

A figura 13 mostra o rastreio alterado em uma paciente com CANVAS

(Cerebellar ataxia, neuropathy and vestibular areflexia syndrome).

Figura 13: rastreio alterado em um caso da CANVAS

A via neurológica para o rastreio pendular inicia-se com a estimulação

retiniana e envolve múltiplas áreas do córtex, com projeções através da ponte

no tronco cerebral, ao cerebelo e para os músculos extraoculares. Devido à

complexidade das múltiplas vias envolvidas e seus contribuintes, fica difícil a

identificação topográfica de lesão. Entretanto, o vestíbulo-cerebelo é a via

Page 15: Achados na Video-oculografia que sugerem comprometimento

comum final envolvida no movimento ocular. Embora signifique uma

simplificação, uma anormalidade persistente no rastreio pendular pode estar

relacionada a lesões na via vestíbulo-cerebelar (flóculo e/ou paraflóculo) ou

de vias provenientes do tronco cerebral1.

Prova optocinética

Provas optocinéticas alteradas, simétricas ou assimétricas com ganho

baixo, podem ser registradas na VOG na presença de uma lesão vestibular

central2. Entretanto, na presença de uma lesão central, é de se esperar

encontrar também anormalidades em testes mais específicos como o rastreio

pendular e o teste das sacadas1.

A principal razão para a perda de sensitividade da prova optocinética

para lesões centrais, é o fato de que a geração do nistagmo optocinético é

dependente de dois sistemas sobrepostos dividindo o mesmo substrato

neurológico: O sistema optocinético e o sistema de perseguição ocular1.

O vídeo 16 exemplifica como o teste é realizado.

A figura 14 mostra o registro do nistagmo optocinético assimétrico em

uma paciente de 31 anos com síndrome cerebelar e várias alterações

oculomotoras.

Figura 14: nistagmo optocinético assimétrico em um caso de síndrome cerebelar

Provas rotatórias

Lesão vestibular central pode levar a diminuição ou a assimetria no

ganho do nistagmo per-rotatório. O ganho também pode estar aumentado

em alguns pacientes com lesões cerebelares. O padrão de registro do

nistagmo pode estar desorganizado produzindo um nistagmo per-rotatório

disrítmico (ex. atrofia cerebelar)3.

Page 16: Achados na Video-oculografia que sugerem comprometimento

Teste de supressão (ou cancelamento) do RVO

Também é um teste que pode ser realizado em cadeira rotatória

associada a máscara da VOG. Objetiva avaliar a possibilidade de um

envolvimento cerebelar (flóculo e/ou paraflóculo)13, através da capacidade do

paciente em suprimir o RVO, ao fixar um alvo que se move junto com a

cadeira.

Nesse teste o paciente recebe a orientação de estender os braços a sua

frente e fixar o olhar em seus próprios polegares enquanto a cadeira realiza

os movimentos rotacionais. Pacientes normais, ao fixar o olhar em um alvo

estático na sua referência, conseguem suprimir os nistagmos gerados pelo

RVO.

Link de como o teste é realizado:

http://borgesdecarvalhootorrinos.com.br/noticias/supressao-anormal-do-

reflexo-vestibulo-oculomotor-rvo/

Portanto, é também um teste de perseguição ocular. Lembro que no

rastreio pendular já descrito, a cabeça está fixa e a perseguição (manter o

alvo na fóvea da retina enquanto o alvo executa um movimento lento) é

realizada somente com o alvo em movimento. Só que o sistema de

perseguição ocular é também recrutado para perseguir objetos em situações

em que as imagens de fundo executam movimentos complexos e para

suprimir o RVO quando a perseguição ocular ocorre com a cabeça e o alvo

em movimento combinado1. É nessa situação que o teste do cancelamento é

realizado.

A figura 15 o vídeo 9 mostram o traçado/video normal do teste de

cancelamento do RVO (Teste de cancelamento negativo, sistema de

perseguição ocular normal).

Figura 15: teste de cancelamento do RVO normal

A figura 16 e o vídeo 8 mostram o traçado/video da falha na supressão

do RVO (Teste de cancelamento positivo, falha no sistema de perseguição

ocular).

Page 17: Achados na Video-oculografia que sugerem comprometimento

Figura 16: falha na supressão do RVO

Em muitos casos de lesão cerebelar em que o sistema de perseguição

ocular está comprometido, encontramos rastreio pendular e teste de

cancelamento do RVO anormais (ambos alterados).

Porém, algumas doenças do sistema nervoso central podem cursar

com rastreio pendular alterado e teste de cancelamento do RVO normal. São

doenças em que o RVO também está comprometido, e, portanto, não há

reflexo (RVO) para ser cancelado1. As figuras 17, 18, 19 e 20 exemplificam

essa situação. São de uma mesma paciente com CANVAS (Cerebellar ataxia,

neuropathy and vestibular areflexia syndrome).

Figura 17: rastreio pendular alterado

Page 18: Achados na Video-oculografia que sugerem comprometimento

Figura 18: teste de supressão negativo, não há RVO para ser suprimido

Figura 19: vídeo head impulse test comprovando a deficiência do RVO bilateral

Figura 20: hipofunção bilateral na prova calórica, índice de fixação elevado e

traçado de microescritura

Page 19: Achados na Video-oculografia que sugerem comprometimento

Prova calórica

Na VOG, um típico sinal de alteração central na prova calórica, é

quando o índice de fixação é maior que 60%2, uma falha no efeito inibidor da

fixação ocular, ou seja, quando a intensidade do nistagmo não é

suficientemente reduzido pela fixação ocular ao pedirmos que o paciente fixe

em um alvo estacionário durante a prova calórica1,14.

As vias que mediam a supressão do nistagmo vestibular por fixação

ocular envolvem várias localizações no sistema nervoso central1, como córtex

parietal e occipital, a ponte e o cerebelo (flóculo e/ou paraflóculo)3. Como

resultado, muitas diferentes etiologias centrais podem causar falha no índice

de fixação. Casos bilaterais estão usualmente associados a lesões difusas

como a degeneração cerebelar, enquanto que casos unilaterais estão

associados com lesões focais como tumores do ângulo pontocerebelar1.

Existe forte evidência que o sistema de perseguição ocular está

envolvido na supressão do nistagmo vestibular, o que explica porque muitos

casos centrais (geralmente cerebelares) cursam concomitantemente com

prejuízo no efeito inibidor da fixação ocular e anormalidades no rastreio

pendular1,3.

Uma hiperexcitabilidade calórica existe quando a resposta total de um

ou ambos os ouvidos excedem os limites de normalidade. Excluindo-se a

possibilidade de erros técnicos, a hiperreatividade calórica indica uma lesão

central, geralmente cerebelar 1. Lesões do cerebelo podem levar ao aumento

da resposta calórica pela perda da influência inibitória normal do cerebelo no

núcleo vestibular3.

A figura 21 mostra o registro de um aumento global das respostas

calóricas com índice de fixação ocular elevado. A paciente tem 78 anos e

apresenta quadro clínico de tonteira, astasia, disbasia e ataxia. Foi operada

de hematoma subdural quatro anos antes. O traçado sublinhado em verde

corresponde ao período em que o paciente está fixando o alvo.

Page 20: Achados na Video-oculografia que sugerem comprometimento

Figura 21: aumento global das respostas calóricas com índice de fixação ocular

elevado

Achados raros, de sinais centrais na prova calórica, incluem a inversão,

perversão e disritmia calórica. Uma vez que esses achados são raros, o

examinador deve assumir a possibilidade de um erro técnico até que se prove

o contrário1.

Inversão calórica ocorre quando todas as quatro irrigações produzem

respostas de direções opostas as esperadas, o nistagmo calórico pervertido

existe quando as irrigações produzem nistagmo puramente vertical1 , vertical

ou oblíquo3, e a disritmia calórica é definida pela variabilidade na amplitude

dos nistagmos sem qualquer mudança na velocidade de sua componente

lenta3.

A figura 22 mostra um traçado em que se observa a disritmia calórica

e o transtorno no efeito inibidor da fixação ocular (índice de fixação elevado).

Paciente de 67 anos que subitamente iniciou com diplopia e posteriormente

o desequilíbrio constante e progressivo.

Link do caso:

http://borgesdecarvalhootorrinos.com.br/noticias/nistagmo-multi-

direcional-paraneoplastic-cerebellar-degeneration/

Page 21: Achados na Video-oculografia que sugerem comprometimento

Figura 22: disritmia calórica e o transtorno no efeito inibidor da fixação ocular

Relação dos Vídeos

Link: http://borgesdecarvalhootorrinos.com.br/noticias/up-

date-em-otoneurologia-2021-videos/

Video 1: Nistagmo espontâneo vertical inferior

Video 2: Nistagmo espontâneo vertical superior

Video 3: Nistagmo espontâneo vertical inferior

Video 4: Nistagmo semiespontâneo horizontal bidirecional

Video 5: Nistagmo semiespontâno multidirecional

Video 6: Nistagmo espontâneo vertical superior

Video 7: Rastreio pendular sacádico

Video 8: Teste do cancelamento do RVO positivo

Video 9: Teste do cancelamento do RVO negativo

Video 10 : Pesquisa do nistagmo semiespontâneo (video acelerado)

Video 11: Nistagmo posicional vertical inferior

Video 12: Teste das sacadas

Video 13: Teste das sacadas

Video 14: Teste do rastreio

Video 15: Teste do rastreio

Video 16: Prova optocinética

Page 22: Achados na Video-oculografia que sugerem comprometimento

Referências

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