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Actas das Jornadas de Jovens Investigadores de Filosofia SEGUNDAS JORNADAS INTERNACIONAIS GRUPO Krisis

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Actas das Jornadas de Jovens Investigadores de Filosofia SEGUNDAS JORNADAS INTERNACIONAIS GRUPO Krisis ACTAS DAS JORNADASDE JOVENS INVESTIGADORES DE FILOSOFIA SEGUNDAS JORNADAS INTERNACIONAIS ISBN: 978-989-20-2077-8Ttulo: Actas das Jornadas de Jovens Investigadores de Filosofia Segundas Jornadas Internacionais Autor: Grupo KrisisData: 2010-07-20Editor: Olivier Feron Disponvel in http://www.krisis.uevora.pt/edicao/actas_vol2.pdf 3 NDICE APRESENTAO .........................................................................................................................5 Antnio CASELASNeo-perspectivismo e biopoltica: Zizek crtico de Agamben ........................................................7 Antnio Jlio ANDRADE REBELO Cinema - Filosofia: direccionar a abordagem,contribuir para a compreenso de perspectivas em confronto ..................................................... 19 Bruno PEIXE DIASDialctica e dualismo: Ser e Acontecimento na ontologia poltica de Alain Badiou ....................................................... 27 Cludia Franco SOUZA Dostoivski, Nietzsche e Freud e o mal-estar na conscincia ...................................................... 39 Cristiana BOSCARELLI Libert democrazia e socialismo: un tentativo teorico- praticodi declinazione positiva tra Rodolfo Morandi e Raniero Panzieri............................................... 45 Fernando MACHADO SILVANovas notas para uma fico suprema: Apontamentos sobre tica-esttica,Corpo, Acontecimento, Fantasma e a morte como obra de arte................................................... 71 Giuseppe BOMPREZZI Ontologia del testo letterario ...................................................................................................... 85 Helena LEBREDa dvida cartesiana dvida flusseriana ............................................................................... 123 Irene PINTO PARDELHADas emoes entre a mecnica de Descartes e a magia de Sartre .............................................. 139 Irene VIPARELLILaripetizione della controversia tra Luxemburg e Lenin.Negri e iek eredi post-moderni del pensiero rivoluzionario .................................................. 147 Jos CASELASBiopoltica e subjectividade. (Soberania ou multido) .............................................................. 157 Laura MARI The notion of individual between ontology and epistemology .................................................. 167 Lisete RODRIGUESO Homem como problema poltico em Hobbes e Espinosa ........................................................ 181 Marco DAMONTEQuale teologia naturale oggi? .................................................................................................. 203 4 Maria do Cu PIRESDa tica civis tica cordis. O percurso de Adela Cortina ....................................................... 227 Marlia Rosado CARRILHOCuidado e Responsabilidade dois conceitos (ainda) fundadores da contemporaneidade? ....................................................... 235 Miguel ANTUNESAcontecimento em Deleuze e Baudrillard ................................................................................ 245 Nuno Filipe RIBEIRONietzsche contra Kant uma redefinio do projecto crtico kantiano .................................... 257 Nuno FONSECADasVerdadeiras e Falsas ideias acerca da Representao das Ideias:A polmica entre Arnauld e Malebranche ................................................................................ 265 Nuno PEREIRA CASTANHEIRA Hannah Arendt, estado-nao e imperialismo: Prolegmeno a uma crtica arendtiana dos Direitos do Homem ............................................... 281 Paolo BONARILimmunit e la realt anti-realisti e realisti nella spirale illuministica ................................... 295 Pedro VINAGREA discusso entre Direita e Esquerda, a partir de Norberto Bobbio: Algumas implicaes no caso portugus .................................................................................. 303 Thiago de OLIVEIRA SALES A desmesura do heri irresponsvel: Uma incurso ao universo filosfico de Albert Cossery ............................................................ 323 Victor GONALVES Friedrich Nietzsche: antimoderno, ps-moderno, moderno ...................................................... 347 Margarida Gomes AMARAL Um irrealista irresponsvel? A crtica de Hannah Arendt a Rousseau ................................. 367 5 APRESENTAO semelhanadoprimeirovolume,asActasdasJornadasdosJovens InvestigadoresdeFilosofia-SegundasJornadasInternacionaispublicadopelo GrupoKrisisetemcomoobjectivodaraconheceralgunsdostextos apresentadosnasSegundasJornadasInternacionaisdosJovensInvestigadoresde Filosofia. Uma vez mais o encontro cientfico anual organizado pelo Grupo Krisis teve a colaborao do Departamento de Filosofia da Universidade de vora e o apoio doCentrodeFilosofiadaUniversidadedeLisboa,talcomodaFundaoparaa CinciaeTecnologia.AsjornadastiveramlugarnaUniversidadedevoranos dias24,25e26deJunhode2010.AComissoorganizadoradoencontrofoi formadaporIrenePintoPardelha,JosCaselas,AntnioCaselas,Miguel AntuneseLuizeteDias.ParticiparamdaComissocientfica:oProf.Doutor Olivier Feron e os Doutores Eduardo Pellejero e Davide Scarso. Apublicaofoipensadaemformatowebdeformaaproporcionaruma maiorvisibilidadeeacessibilidadeaoscontedoscientficosabordadospelos participantesdasjornadas,oriundosdevriospasestantoeuropeuscomo americanos.As Jornadas foram subordinadas ao tema Controvrsias Filosficas Modernas eContemporneas.Ostextosreunidosnestevolumesotestemunhosda fecundidadedastemticasapresentadasaolongodostrsdiasdoencontroe reflectemotrabalhodeinvestigaoqueosseusautoreslevavamacabona altura do mesmo. ACTAS DAS JORNADAS DE JOVENS INVESTIGADORES DE FILOSOFIA SEGUNDAS JORNADAS INTERNACIONAIS Krisis 2010 Antnio CASELAS 7 Neo-perspectivismo e biopoltica: Zizek crtico de Agamben Antnio CASELAS Universidade de vora (Portugal) Emboratenhaevoludoparaumaabordagemonto-teo-poltica,Agamben , sobretudo, conhecido pela sua contribuio para a corrente biopoltica. Zizek refere-sepontualmenteaoseupensamento,quandopretendeilustrarcertas consequnciasparcelaresdatesedohomosaceroudavidanua,doslimitesdo humano e do animal, do grau zero da existncia na figura do homem sem rosto, sem identidade e humanidade de Auschwitz.Noentanto,noseulivroInDefenseofLostCausesarefernciaaAgamben assumeaformadeumacontrovrsia:consideraZizekqueops-desconstrucionismoagambenianoincuoeinconsequenteparaasalteraes dasociedade.Talcomoafirma:AEsquerdacontemporneareagiude diferentesmodos(queparcialmentesesobrepem)hegemoniatotaldo capitalismoglobaleaoseucomplementopoltico,ademocracialiberal[e portanto Agamben defende] a aceitao da futilidade de toda a luta, dado que a conjuntura/ o quadro hoje em dia totalmente abrangente, coincidindo com o seu oposto(algicadoscamposdeconcentrao,oestadopermanentede emergncia), por isso, na realidade, nada pode ser feito, s se pode esperar por uma exploso de violncia divina.1 Otmidoapeloparagemdamquinabiopolticaquesurgenofinaldo livro sobre o estado deexcepo parece fundamentar a posio de Zizek mas a defesadoabandonooudainutilidadedalutacontraasformasmitigadasde opressoqueamodernidadeinstituiunosregimespolticos,aparentemente, abertosedemocrticosqueseoferecemreprovaodoautoritalianonose impe. Ascategoriasfundamentaisdabiopolticaherdaramaambivalncia,a polaridadedosopostoselementaresdafilosofiaantiga.Zizekrefereessa polaridadenafilosofiapoltica,quandoanalisaotextoemqueBatailleanalisa os regimes fascistas, no seu livroA estrutura psicolgica do fascismo. Nesse texto, Bataillerecorrescategoriasdehomogneoeheterogneoparaexplicitara naturezadofascismo,passando,infelizmente,aoladodasdeterminaes polticasercicasdessesregimesecentrando-senassuasvertentesreligiosae Email: [email protected] 1 ZIZEK, In defense of lost causes, pp. 337-338. ACTAS DAS JORNADAS DE JOVENS INVESTIGADORES DE FILOSOFIA SEGUNDAS JORNADAS INTERNACIONAIS Krisis 2010 Antnio CASELAS 8 militar2.Emtermosagambenianospoderamosassimilarafigurado homogneonormalizaoeoheterogneoexcepo,oinclusivoeo exclusivo,ressalvando,porm,ofactodeseremelementosourealidades indissociveisqueapelamsempreunsparaosoutros,numatensaunidade.A coeso e a paz convivem e coexistem com a desmesura, a violncia, o delrio e a loucura.Servindo-sedapolaridadefreudiana,queseparaaconscinciado inconsciente,unindo-osnomesmoaparelhopsquico,Batailleaplicaas categoriasdehomogneoeheterogneorealidadepoltica.Dofamiliaredo estranho,doprprioedoestranhamentefamiliar.Atendncia concentracionriainerenteaofascismo,assim,oresultadodaemergnciada fora, daautoridade,doseufundamentoreligioso,dopoderiomilitar.Assuas tonalidadesafectivasrevelam-senoseuusoespecficodopodersoberano. Como assinala Zizek, Bataille reprova os fascismos e receia o comunismo; neste casoissodeve-sepropensodosregimessocialistasdeideologiacomunista paraanormalizao,oquesignificariaaintegraodoidealrevolucionrio numa ordem ainda mais homognea do que a que verificamos no capitalismo.3 conhecida a arcaica radicao dessa polaridade nas categorias de puro e deimpuro.RogerCaillois,porexemplo,refere-anumartigode1938como ttuloAambiguidadedosagrado.Asuaambivalnciafazcomqueotemordo impuro se transforme em fascnio. A univocidade e o afastamento do purono absolutaeintocvel.Talcomoosacer,oimpurocomeaporsersacralizado mastambmpartedonossomundo.Odivinoeomalditoestabelecem relaesdentimaproximidade:oguerreirotambmimpuroeosmaiores pecadorespodemtransformar-seemsantos.4Oquemacula,tambm, procuradocomofontedepurificao.Nenhumdosopostospodeserpensado para alm dessa intercomunicao e ambivalncia. Esta implica, tambm que as figuraes do puro e do impuro, do inclusivo e do exclusivo, do normalizado e do proscrito pela condio de excepo, se tornem, essencialmente ambguos. A separao entre o centro e a periferia tnue e ilusria. ParaAgamben,oEstadoeodireitoencontram-seconfinadosrealidade do estado de excepo e, por isso, o retorno a uma condio jurdica neutra ou pretensamentenormalizadorajnopossvel.Atesecatrastofistaquese depreende,facilmente,destaposiodepoisexplicitadapelotemordeum desequilbrio global. O receio de uma guerra civil mundial referido no final do texto sobre o estado de excepo.5 A designada mquina biopoltica dever ser paradamasestarecomendaonoarticuladacomnenhumaideia revolucionria. No so indicados quaisquer processos ou estratgias concretas 2 BATAILLE, La structure psychologique du fascisme, p. 45 ss. 3 ZIZEK, La parallaxe, p. 129. 4 CAILLOIS, Roger, Lambiguit du sacr, p. 386-387. 5 AGAMBEN, Stato de eccezione, p. 111. ACTAS DAS JORNADAS DE JOVENS INVESTIGADORES DE FILOSOFIA SEGUNDAS JORNADAS INTERNACIONAIS Krisis 2010 Antnio CASELAS 9 paraefectivaressaparagemoupara comprometer seusosefeitosperigosos.O enredamentodaexceponavidacomprometeoseuequilbriomasno apresentado nenhum projecto de transformao poltica. Essa lacuna no pode, porm,serapresentadacomoumabandonoouumademissodaalteraodo quadropoltico-jurdico.Asubtilezaascondieseestratgiasdereproduo docapitalismosugeridasporZizeknoseulivrosobreaviolnciadificultam essareacops-revolucionria.Amscarahumanizadoraepopulistado capitalismoactualassumeumadasformasmaiscriativasdessahipocrisiaque apaga as pontes e passagens entre a violncia ou opresso oculta (ou invisvel) e a violncia visvel. A visibilidade da violncia pressupe a sua objectividade. A primeiraradicanasegunda.umaviolnciasistmicaeannima.6O capitalismo tem sabido regenerar-se, assume a subtil mscara do empreendedor eco-paternalistaesolidrio.Orecorrentemulticulturalismofazpartedessa mscara como sublinhou Zizek no seu livro Elogio da intolerncia.7 A par da crtica da sua radicalidade, refere-se, tambm, a inadequao das tesesdeAgambenrealidadepolticacontemporneaeesquece-se,muitas vezes,queoseufundamentomodernoobrigaevocaodoHolocaustoe respectivassequelasreveladasnosconflitostnicoseuropeuseextra-europeus que ocorreram e ocorrem recentemente. Agambenpensaadimensodavidaedapolticacomoindissociveis, mesmoperanteumadecisoquedeterminaumactodeexcepo(a transformaodo serhumanoemhomosacer)quetemimplicaesinequvocas na esfera jurdica e poltica. A radicalidade da tese de Agamben , neste aspecto conhecidae,tambm,polmica:noexisteumafronteiraentreaexcepo (comoactodeterminadopelopodersoberano)eacondioexistencialdoser humanoenquantoserdeterminadopelarealidadepolticaesocial.Apesarde pensada a partir do paradigma do Holocausto, a vida nua no se aplica apenas aumasituaodeexcepoconcretaedeviolnciaextrema.umacondio originriadeconfiguraodohumanoqueamodernidadenosrevela.As suas implicaesultrapassamaesferaprpriadascondiesextremasdeviolncia comunitria que reclamam um controlo jurdico. Ohomosacerconstituiafiguradodireitoromanoquedesignaaquele que seencontraabandonadoeexpostomorte(umavezquedelanodecorre qualquerpunio)eque,igualmente,insacrificvel.Encontra-seforado sistemajurdicoereligioso.Corresponde,porisso,figuraparadigmticada excepoqueserelacionacomodomniojurdico-poltico.Avidanua, disponibilizadademodooriginrioatravsdohomosacer,encontra-se implicadanodomniopoltico,ecabeaopodersoberanoesformasdoseu exerccioasuafixaocomofiguradaexistnciahumana.Aesferada 6 ZIZEK, Violncia, p. 20. 7 ZIZEK, Elogio da intolerncia, pp. 73-74. ACTAS DAS JORNADAS DE JOVENS INVESTIGADORES DE FILOSOFIA SEGUNDAS JORNADAS INTERNACIONAIS Krisis 2010 Antnio CASELAS 10 biopolticacorrespondepolitizaodavidanuasobessaformaquea determina na sua radicalidade. Agamben atribui deciso soberana o poder de configurao da vida nua como existncia politicamente qualificada. A sua base deincidnciano,apenaseacidentalmente,referidaaosistema concentracionrioinstitudopeloregimenazinempelossistemastotalitrios queosucederamnanovaordemmundialquefoicriadadepoisdaderrotado nazismo,masconstituiamissorecorrentedequalificaoeconcepoda realidade humana. A relao entre a vida e o poder soberano, que na excepo adquire a sua formamaisradical,permite-noscompreenderosentidodoabandonoda existncia. Abandono perante a autoridade, a esfera jurdica e o poder poltico. Abandono,emsuma,peranteasestruturasformaiseossistemasderelaes queorganizamasociedade.Aexterioridadedesignadaapartirdasacralidade paradoxaldohomosacer,equeatingeasuamximavisibilidadenarelaode excepo,fornece-nosapistaparaacompreensodaestruturaprofundada existnciahumana.Agambenprocedeaplicaoextensivadeumacategoria quenodireitoromanoserefereaoindivduoque,poralgumarazo,sesitua foradodireitohumanoedodireitodivino.Adisponibilidadeeoabandono perante a morte que no pode ser sustentada nem sancionada pela consagrao ritual,ealibertaodo deverdeprestarcontasdaquelesque concretizamessa disponibilidade,noimpedeainclusodohomosacernacategoriadosagrado. Agambennosesatisfaz,porm,comosentidonegativodacategorizao limiteedaszonasdeindiferenciaoou,ainda,deambiguidade,associadasa essafiguradodireitoromano.Pretendeafirmaraconsistnciadasua constituio paradoxal e, por isso, integra os seus atributos numa realidade que, como verificmos, designa a existncia na sua totalidade. Parte da existncia de uma ambivalncia que s aparentemente se pode considerar inconclusiva para a defesa do seu estatuto real. A relao do poder soberano com o indivduo ou a comunidade,eodomniodessasacralidadeparadoxal,iluminam-se reciprocamente.8Emtodoocaso,osagradodesignadopeloSacerea concomitante justaposio de significados opostos (ou seja, o puro e o impuro, o santo e o maldito), e que deram lugar noo de tabu, no esgota a natureza matricialdareferidacategoria.Apartirdessaobscuraeremotafigurajurdica romana,mostra-searealidademodelardeumavidasagradaquepodeser sujeita morte ou aco de outros dispositivos biopolticos (morte da qual no decorre qualquer punio) e que no sancionvel pelo rito ou pela cerimnia sacrificial.Masavidaqueaquiseconsideraa vidapoliticamente qualificada ouaquelaquenotermolatinovitaassociaasduasdimensesdesignadasna tradioeculturagrega:abiolgicae,tambm,apoltico-social,isto,a existncia como z e bios. 8 AGAMBEN, G., Homo Sacer, p. 92. ACTAS DAS JORNADAS DE JOVENS INVESTIGADORES DE FILOSOFIA SEGUNDAS JORNADAS INTERNACIONAIS Krisis 2010 Antnio CASELAS 11 A nvel social ou mesmo global, o estado ou a comunidade organizada de estados,mantmessarelaodavidapolitizadacomopodersoberano,e pensada a partir desse paradigma. A vida nua objecto de integrao social a partir da sua prpria excluso: esse, precisamente, o sentido do paradoxo que a une ao Estado e a implica na suaacopoltico-jurdica.Asuaconsideraocomoexcepopossvel porque essa existncia se encontra, desde logo, exposta aco biopoltica que a sujeitamorteouaodespojamentodasuahumanidade,ouseja,auma potencialeradicaldesumanizao.ParaAgamben,avidanoseencontra,na origem, autonomizada face a essa aco ou deciso do poder poltico e das suas estruturas;asuadisponibilidaderadicalimplica-acomovidanua.Apesarde nela se assistir confluncia da dimenso biolgica e poltica e, de na mesma, se pretendercumprirafinalidadeessencialdarealizaotico-polticaqueos indivduosoucidadosesperamdoEstado,avidanua,comodeterminao primeiradohomosacer,mantmasuacondiometafsicadeabandonoquea exceporevela.Aexcepoafectaprimordialmenteaexistncia,eessefacto, mantm-se em todos os momentos e processos atravs dos quais essa existncia includanasociedadeformalmente organizada.Aprprianoodenatureza humana encontra o seu sentido nessa integrao que exceptua: A politizao da vida nua a misso metafsica por excelncia, e o que nela est em jogo a humanidade do homem.9

A excluso significa a exposio morte ou a disponibilidade total perante o poder e a deciso soberana, e essa caracterstica transforma-se na condio ou pressupostofundamentaldaincluso,quetacitamenteassumidapelopoder soberano. No esquema de concretizao da sua funo biopoltica, o Estado no assume qualquer compromisso biunvoco (pensado a partir da concretizao do objectivodeassegurararealizaodosdireitosfundamentais)mascumpre, apenas, a tarefa de incluir ou assimilar a existncia includa sob a forma de vida nua.Afirma-se,assim,acoincidnciaouaindistinoentreavidanuaea existnciasegundofinalidadesprojectadasapartirdodomniopoltico.O excludoeoincludo,oexterioreointerior,avidanuaeavidaorientada segundodireitosouprincpiostico-polticos,penetramnumazonade indistino. O lugar da resistncia e da reaco contrria instituio prtica do poder, encontra-se situado nesse espao de indistino e, ao invs de negar essa condio de incluso do que se encontra excludo, revela-a e actualiza-a. A face autnticadoEstadodemocrticorevela-senesselugardeindeterminaoe,ao mesmo tempo, mostrauma finalidade que parece contrariar os esforos do seu percursohistricoemancipatrio.porissoqueoresvalamentodasociedade aberta para o sistema totalitrio deixa de ser inexplicvel. O Estado democrtico encerra,desdeasuaorigemgregaessadisponibilidadedaquelesqueo 9 AGAMBEN, op. cit., p. 11. ACTAS DAS JORNADAS DE JOVENS INVESTIGADORES DE FILOSOFIA SEGUNDAS JORNADAS INTERNACIONAIS Krisis 2010 Antnio CASELAS 12 legitimameneleestoconfinados.Aconvergnciaentreavidanuaeavida socialpolitizada,tornaexplcita,umaoutraquecorrespondequeligae relacionaintimamenteoEstadodemocrticoeoEstadototalitrio.Agamben temconscinciadocarcterpolmicodestatese,porisso,apresenta-asob condiodeumaprevisvelprudncia.OEstadodemocrticosurge,assim, como a expresso poltica formal da excepo soberana.Subsistindonumequilbrioprecrio,odireitoeavida,onomosea anomiapermanecemnessazonadeindistinoqueligaarealidadepoltica existncia; a auctoritas tem como referente a vida e resguarda a sua vitalidade e fora potencial que a pode determinar, a todo o momento como vida nua.10 At quepossaserdesmanteladaoudesvinculadadoseupropsito,amquina biopoltica mantm intacta essa possibilidade que a sua intrnseca constituio lhe permite. No final do seu ensaio sobre o Estado de Excepo, Agamben refere-seesperananodesmantelamentodessamquinaprodutoradavidanua, permitindo-nos vislumbrar, ainda que de forma um tanto fugaz, uma esperana que contrarie uma consequncia indutora de uma tese catastrofista. OrepresentantedoEstadomodernomantmumresqucioda impossibilidadedesesubmeteraosacrifcioqueumtraocomumaohomo sacer: ele no se poder submeter a um julgamento comum, o mesmo sucedendo com aqueles que assumem a representatividade poltica da sociedade.11 Apesar dessetraomarcantedasuaexterioridade,osoberanopode,noentanto, determinaraexcepodeformainesperadae,muitasvezes,arbitrria.Essa exterioridade distancia-o, apesar de tudo da exposio do cidado que sujeito a essa deciso. Aquilo que os une , to somente, a interligao que existia entre oplanoreligiosoeprofano.Ousodessadecisoparaalmdoslimitesda garantia da sobrevivncia dos cidados, distancia, tambm, o acto do soberano, do respeito por qualquer acordo implcito da passagem do direito natural para o direito positivo: A violncia soberana no , na verdade, fundada num pacto, masnainclusoexclusivadavidanuanoEstado.12Essajunodaesferada naturezaedodireitorevela,nocasodosoberano,apossibilidadedese demarcar da prpria vida nua. Porm, torna-se claro que a poltica o domnio emquese decideapassagemdavida,aparentemente, qualificada,vidanua. Semtermosaparentesqueessaqualificaopersiste,porquetodosos cidados,submetidosaopoderesdecisespolticasdoEstadoso, virtualmentehominessacri.Independentementedeseconsiderarouno,neste contextodeanlise,aperspectivadodescentramentooumesmodeanulao tcita do poder do Estado contemporneo, essa condio virtual mantm a sua foraeassuasimplicaesemtermosderelacionamentoparadoxalentreos 10 AGAMBEN, Stato di Eccezione, Bollati Boringhieri, 2003, p. 109-110. 11 AGAMBEN, Homo Sacer. Il potere sovrano, p. 115. 12 AGAMBEN, Homo Sacer. Il potere sovrano p. 119. ACTAS DAS JORNADAS DE JOVENS INVESTIGADORES DE FILOSOFIA SEGUNDAS JORNADAS INTERNACIONAIS Krisis 2010 Antnio CASELAS 13 cidados,oEstadoouorepresentantedopodersoberano.Essaexposiodos cidadosaopodereaossistemasderelaesemqueseencontramenredados continuamafazervalerasuaprerrogativa.Ascategoriaspolticascorrentes como povo, populao, nao, territrio, Estado ou Estados, mantm, de forma incontornvel,essaligaoaoparadigmabiopoltico.Umadasideiasmais controversas de Agamben, consiste em estabelecer essa aproximao ou mesmo identificaoentrearealidadematricialdoLager(ocampodeconcentraoe extermnio nazi) e o sistema democrtico. Apesar de condicionada pelas linhas dereflexodepensadoresdodireitoedapolticaquetentaramintegraro fenmenonaziemquadrosexplicativosmaisoumenosprecisos,estatese decorredaaceitaodafundaodamodernidadeapartirdocarcter distintivo da sacratio, ou seja, da marca primordial da incluso exclusiva.TalcomoHannahArendt,porexemplo,Agambenpensaolugarea missotico-polticadohomemedamulhercontemporneosapartirdas implicaescriadaspeladesumanizaonazi.Comofoireferido,oHolocausto supera as condies determinantes de uma violncia condicionada: o terror nazi contrariaquaisqueratribuiesexplicativas.Paraalmdagratuitidadeeda constnciadaviolnciaedatortura,aabsolutafriezaeanegaodos sentimentoshumanosbsicos,fizerampartedesseterritriobiopolticode exposiodohumanoaosseuslimitesextremos.Oterrornazidesafioua radicalidadedopensamentoque,perante,elesesentiuderrotado,talcomo enunciadonatesedeArendtsobreabanalidadedomal.Oprogramade eutansianazi,constituiuumexemplodaaplicaodadecisosoberanaaos indivduos que, ao contrrio dos judeus, no eram considerados bastardos.13 O objectivo de eliminar a vida que no era considerada digna de ser vivida abrangeu, por isso, os prprios cidados alemes. A sua cuidadosa planificao esistematicidade,fezpartedosdesgniosinstitucionais.14Agambenrefere-o comoumprogramaquemostra,deformainequvoca,aexemplificaoda deciso soberana: legitima-se a aniquilao do indivduo sem que se incorra na prticadehomicdio.15Ajustificaodaeliminaodooutro,baseou-seno princpioticodeautonomiaemquesepodearquitectaralegitimaodo suicdio.Procede-seaplicaodomesmoprincpioquelesque,poralguma razo, no esto aptos a faz-lo pelos seus prprios meios. O acto de eliminar a vida desvalorizada, considerado aqui dentrodos limites da aco institucional, tornavisvel,maisumavez,aocorrnciadamarcadaindeterminao sagrada que verificmos no paradigma biopoltico. Evidentemente, que Agamben torna extensvel esse acto para alm das fronteiras contextuais do estadode excepo 13 La Libralisation de la destruction dune vie qui ne vaut pas dtre vcue, in Schank, Klaudia ; Schooyans, Michel, Eutthanasie: Le Dossier Binding et Hoche, (trad. franc.) Ed.Sarment, 2002. 14GITTA-SERENY,Aufonddestnbres,deleuthanasielassassinatdemasse :unexamende consciense, (trad. franc.), Denol, 1975. 15 AGAMBEN, Homo Sacer. Il potere sovrano, pp. 154-156. ACTAS DAS JORNADAS DE JOVENS INVESTIGADORES DE FILOSOFIA SEGUNDAS JORNADAS INTERNACIONAIS Krisis 2010 Antnio CASELAS 14 defendendoasuapropensoparadeleseautonomizar.Aexcepoalastrae acabaporsetornarnaregra.Atemvelrealidadeabarca-nosnasua desenvolturaedenadanosadiantaorefgionaficotalcomodizZizekdo cineastaKieslowskiquerecuaperanteacruezaecrueldadedodocumentrio procurando proteger-se na fico.16 Julie Saada num artigo sobre as ressonncias da animalidade presentes na obradeHobbes,nopensamentodeArendt,FoucaulteAgamben,depreciaa posionegativaqueofilsofoitalianoatribuiaodireitoapartirda convergncia entre a lei e a excepo. A crtica de Saada, que surge no final do seu artigo O lobo, o monstro e o burgus, prev a possibilidade de uma dimenso emancipadora do direito.17 A excepo deixaria, assim de contaminar a ordem jurdicadevidosuaaproximaodaordempoltica.Porm,aleinoexiste independentementeouparaalmdadecisosoberanae,porisso,oseupapel natransformaopolticadasociedadediscutvelseestiveremcausauma decisocontrriaaoidealemancipador.Aimbricaodavidaedapoltica, sendo esta determinada pela deciso soberana implica que no se possa pensar odireitocomosedeumaentidadeautnomasetratasse.Odireitoestao serviodadecisoquetransformaocidadoemhomosacer.ConsideraSaada queAgambenfazcoincidiroestadodenaturezacomoestadodeexcepo, permitindoainscriodoestadodenaturezanaprprialei.Mastrata-sede pensar a lei a partir de uma ambivalncia fundamental que revela a unidade de opostos,umapolaridadequeimplica queno sepossa desvincularoprincpio ouoelementopositivodonegativo,aquelequedeterminaacoesoea homogeneidadeeoquedeterminaaexclusoeaheterogeneidade.Pretender sobrevalorizarparcialmenteumdosplosirrealista.Aleieosoberanode Hobbes garante a coeso mas o preo a pagar elevado. A sua crueldade pode ser prefigurada como a extenso ilimitada da severidade do soberano que expe ocidadomorteeaodespojamentodasuahumanidade.Odireitono permite,porsistransformaraordempoltica.Alei,anormaeaexcepo permitem-noscompararasociedademodernacomosregimestotalitriosque, aparentemente,fazempartedopassado.Arendt,nasequnciadeMarx,refere explicitamenteoriscodareduodotrabalhofunodeassegurara sobrevivnciadaespciehumana.Areduodavidaaoprocessometablico naturalpodeser, tambm,realizadapelasociedademodernaecontempornea e,nessamedida,justificarasimilitudeentreosregimesdemocrticoe totalitrio.Aproeminncia,virtualoufactual,potencialouefectivada actividade prpria do homo laborans (noo que, a nosso ver, deve substituir a de animallaboransdevidoimpossibilidadedereconduzirohumanoaoanimal), 16 ZIZEK, Lacrimae rerum, p. 8 ss. 17SAADA,Julie,Leloup,lemonstre,lebourgeois.Troisinterprtationsdelanimalithumaineselon Hobbes (Arendt, Foucault, Agamben), pp. 221-222. ACTAS DAS JORNADAS DE JOVENS INVESTIGADORES DE FILOSOFIA SEGUNDAS JORNADAS INTERNACIONAIS Krisis 2010 Antnio CASELAS 15 constitui um claro indicador da vertente biopoltica do pensamento de Arendt, aindaquenoconfundaesseriscocomumtraopermanentedasociedade contempornea.Porisso,adeterminaopolticadoespaoplicoacabapor prevalecerparaalmdessespossveisriscos,jque,ao contrriodeAgamben, Arendt refere-se a riscos potenciais. A reduo da obra, da cultura, da aco ao labor pode ser, actualmente, verificada na pretenso de reduzir a vida gesto dosdispositivoseconmicosdesobrevivncia.Estasignificariaamanuteno davidadasmassasnosnveismnimosgarantindoasuaperpetuaoe,ao mesmo,tempoaexistnciadesigualdosestratossuperioresdasociedade. Significaria,porisso,areproduoouarecriaodeumaforma,talvez,mais perversadedesigualdadequeperpassaossistemaseconmicosesociaisde todasassociedades.Estaramosperanteumaformamitigadadereduoda espcie e da vida dos cidados sem os inconvenientes do terror e da desolao impostospelosregimestotalitrios.Seriaumaespciedeactualizaodorisco potencialassinaladoporArendtnofinaldoseulivrosobreototalitarismoe, simultaneamente,deumainesperadaemergnciadolaboredaactividade metablicaquedegradaavidaque,emprincpio,sedeveriaassumircomo politicamente determinada. A excepo seria, assim, essa reduo da espcie e a vidanua,asuaestruturasubjacente.Aintocabilidadedavidaqueseexpe morte, poderia ser pensada como a inevitabilidade associada a essa reduo da espcie. As massas devem aceit-la sob pena de no poderem subsistir ou, o que equivale ao mesmo, de viverem numa condio de misria e opresso extrema. Aintocabilidadeprpriadaquelequeconsideradosacerconsistenasua anulaocomoindivduo,comprometendoasuaexistnciacvicaepoltica.A noverificaodestespressupostosreconduz-nosviolnciaobjectivado capitalismo relembrada por Zizek e s formas dissimuladas que adopta. Como consequncia das estratgias de manuteno minimalista da espcie, o labor o resultado da transformao do trabalho numa actividade metablica.Afilosofiapolticaacabaporesbarrarnessasdificuldades,acentuandoas fragilidades e desconfianas perante os projectos revolucionrios ps-marxistas. Aperpetuaoourecriaodascondiesdedesigualdadecomprometema pluralidade poltica. A aposta na reduo da espcie, ainda que camuflada sob discursosornamentadospelasensatezdacinciaeconmica,umprojecto condenado ao fracasso. Isso deve-se no apenas falncia do totalitarismo mas porque o humano no pode ser reconduzido condio animal ou estritamente natural. No poder ser pensado comoanimal laborans mas como homo laborans. Mesmoquesejaoprimido,despojadoeiludidosersempreumprodutoou subprodutodahumanidade.Desumanizadopelostotalitarismosoupelas figuraspolticasdasuareactualizao,ohumanonoperderasuacondio oucondiesque estabelecema suanaturezamas oseumundoprprio.18Nas 18MNISSIER,Thierry,Lanimalitcommelimiteetcommehorizonpourlaconditionhumaineselon Hannah Arendt, p. 237. ACTAS DAS JORNADAS DE JOVENS INVESTIGADORES DE FILOSOFIA SEGUNDAS JORNADAS INTERNACIONAIS Krisis 2010 Antnio CASELAS 16 condiesemqueessareactualizaoseprevouprocessa,olivre distanciamentoentreohumanoeotrabalhodesaparece.Transforma-senuma relaonovamentecontaminadapelometabolismo.Aintensificaodolabor atravs de dispositivos tecnocientficos mostrar-se- ineficaz. A mera garantia e gestodasobrevivncia,refinadapelaintensificaoesofisticaotecnolgica dotrabalhopode,nomelhordoscasos,conduziraoconsumismoeno libertao.Ocontrriodametabolizaodaexistnciasocialnoa intensificaodotrabalhoquepodeculminarnoconsumismomasodifcil equilbrioentreotrabalho,aproduo,eaaco.Asociedademinimalizada peloefeitodolaborpossuicomocorrelatoidealizado(utpicoeilusrio)a generalizaosuprfluadoconsumo.Masmesmoesseprojectoapresenta-se cada vez mais como remoto no estado actual do colapso financeiro e econmico. NoseulivroBem-vindoaodesertodoreal,Zizekconfrontaacategoria agambianadehomosacercomanoodehomosucker.Esterepresentaaquele que iludido, ludibriado e enganado. A convico, por exemplo, daqueles que brincamaosmensageirosdoprofetaislmicoeacreditamqueasuaimolao ser recompensada no paraso. Assumem o papel do soberano que decide sobre avidaeamorte.Masficcionaracrenadofundamentalistacolocar-sejno papeldaquelequearacionalizaequedesestabilizaafrgillgicado extremismo. Colocar-se no lugar do chamado terrorista e pretender imaginar as suasrazesparaalmdasquesodeclaradasummeroexercciodefantasia poltico-religiosa.QuandoZizekofazjseencontraparaldoterritrio fundamentalista. O homo sucker seria, simultaneamente, o ingnuo e aquele que, conscientemente,tentasalvaroseuideal.19Oterrorista,oexcludopolticodo ocidente o fundamentalista que est pronto a sacrificar-se, ou a assumir o seu papelsacrificialdesignadopelosoberanodecisorAl.Masnaverdadeele, tambm,consideradoinsacrificvel,ilegal,foradaordemjurdica,religiosae polticodoOcidente.Porm,paradoxalmenteelefaz,tambm,partedessa ordem.20 A ocultao e invisibilidade desse inimigo dificulta a nossa capacidade de reagir e anular os perigos que representa. Essa invisibilidade torna-o difuso, edifusastornam-se,tambmasformaseestratgiasusadasparaoseu reconhecimentoeeliminao.DizZizek:Emsuma,oreconhecimentodo inimigotemsempreavercomoprocedimentoperformativoque,contrastado comasaparnciasenganadoras,trazluzeconstrioverdadeirorostodo inimigo.21 A invisibilidade , simultaneamente, real e fantasmtica, estratgica econcreta;reveladoradasfalhasnosprocessosusadosparareconhecero inimigo. O homo sucker , ao mesmo tempo, inimigo de si mesmo e uma terrvel ameaa para ns. 19 ZIZEK, Benvindo ao deserto do real, pp. 97-98. 20 Id., ibid, p. 121. 21 Id, iid., p. 139. ACTAS DAS JORNADAS DE JOVENS INVESTIGADORES DE FILOSOFIA SEGUNDAS JORNADAS INTERNACIONAIS Krisis 2010 Antnio CASELAS 17 O confronto entre o homo sacer e o homo sucker correspode, por isso, a mais uma faceta da crtica mas, de certo modo, pardica a que Zizek sujeita a tese de Agamben.

ACTAS DAS JORNADAS DE JOVENS INVESTIGADORES DE FILOSOFIA SEGUNDAS JORNADAS INTERNACIONAIS Krisis 2010 Antnio Jlio ANDRADE 19 Cinema - Filosofia: direccionar a abordagem, contribuir para a compreenso de perspectivas em confronto Antnio Jlio Andrade REBELO Universidade de vora (Portugal) NOTAPRVIA:Quandohtrsmesesatrspredispus-meafazerumacomunicao paraestasJornadas,estava longede imaginar da impossibilidade,dadas as limitaes temporaisquetemosparaaapresentaodascomunicaes,emexporosquatro pontos que tinha projectado explanar. Creio, no entanto, que isso foi um ganho, j que o nvel de abordagem agora conseguida caminhou em termos de um desenvolvimento maior,nonicopontoaquitratado,emdetrimentodapresenadosrestantes,cujo desfecho,sefossecumpridaapropostainicial,seriaumatotalidadebemmenos aprofundada. RESUMO :Nombitodotrabalhoacadmicoqueestouadesenvolver,intitulado:A Condio Humana no cinema de Ingmar Bergman: uma rede conceptual de tratamento flmico e filosfico,proponho-meapresentarumareflexoqueviseajudaracompreendera relao cinema - filosofia. A tese que trago de que pode ser suavizada a controvrsia, seocinemailustraodafilosofiaoucriaofilosfica,colocandooproblemano modo como essa relao deve ser estabelecida. Focarei assim to-somente o ponto que procura explorar o modo de ser da enunciada relao, apontando tacitamente para um vaivm activo, de ordem conceptual, que tem estado presente desde o princpio dessa relao.PALAVRAS-CHAVE : Bergman Cinema Filosofia ABSTRACT : In the scope of my academic dissertation, entitled: The human condition inIngmarBergmansfilms:aconceptualnetoffilmicandphilosophicalapproach,I intendtopresentareflectionwhoseaimistohelpusunderstandtherelationship between cinema and philosophy. Mythesisisthatthecontroversywhetherthecinemaistheillustrationofphilosophy orphilosophicalcreation,canbesoftened.Theproblemliesinthewaythat relationshipcanbeestablished.Illbespecificallyfocusedonthepointthattriesto explore the nature of the relationship set out above, tactically pointing to an active back and forth movement of conceptual nature, which has been present since the beginning of that relationship. KEYWORDS: Bergman Cinema - Philosophy Doutorando na Universidade de vora e investigador do IFP-UE. Email: [email protected] ACTAS DAS JORNADAS DE JOVENS INVESTIGADORES DE FILOSOFIA SEGUNDAS JORNADAS INTERNACIONAIS Krisis 2010 Antnio Jlio ANDRADE 20 I. Sobre o modo como problema deve ser colocado Comecemos por enunciar o problema, para delimitar o campo de reflexo sobreoqualaminhaabordagemdeveserfeita.Falardarelaofilosofia/ cinemaseromesmoquefalardarelaocinema/filosofia?Aocolocarestas duaspossibilidadesestamosaacrescentaraquiloquecomummenteaceite como sendo as questes modelares a tratar quando se fala desta relao, a saber: serve o cinema como ilustrao da filosofia? Ou o cinema, em si, capaz de se tornarfilosofia,enquantoproduodeideias,inventivamentenovas,jno apenasdependentesdeseremverbalizadas.Nestesentido,surge-nosuma primeiracontrovrsiareportadaaestasquestes.Dumlado,temosThomas Wartenberg1,professoreinvestigadornorte-americano,defendendoaideiade queofilmepodeserumailustraofilosfica,permitindoadiscussoea interpretaodeteoriassustentadosporfilsofos,emrigorafilosofiasempre recorreuaimagensemetforasparacertificarasuaargumentaoeenunciar problemas.Dooutro,surgeNoellCarroll2,especialistaemesttica,igualmente norte-americano,declarandoqueofilmepodeconstituir-secomocriao filosfica,comoobrafilosficaesperadeseranalisadaereconhecida, assumindo-se como uma narrativa especfica, de textura singular, mas colateral aodiscursoexclusivamenteescrito.Paraisso,segundoCarroll,oimperativo procurar filmes penetrados, na sua essncia, pela filosofia.A controvrsia situa-se pois entre a mera ilustrao e a arrojada criao. Complementemos ento estas questes, instalando as duas possibilidades, atrs j referidas, de enunciao da relao. Que se pretende com isso? Retomar erepetirasditasperguntasmodelares,squecomoutraroupagem?Ou pretender-se-advertir,nofundo,quecomasrespostasjdadasou previsivelmente a repetir jamais sairemos do impasse? Em sequncia, com esta enunciaopropostatalvezpossamoscaminharparaumacompreensomais conveniente do problema.Esta pilotagem prende-se com o facto problemtico de se reconhecer que a estruturadocinema,deacordocomMunsterberg,citadoporDominique Chateau3odecalquedanossaestruturafuncionaldepensamento,ouseja,o processocinemticoanlogoaoprocessomental.partida,conhecemosna basedapercepodoqueconseguimosver,assimilar,interpretareimaginar. Ora o cinema o nosso duplo, dissolvido algures num paralelo a ns prprios, onde,naspalavrasdeEdgarMorin,omundodasimagensdesdobra 1WARTENBERG,T.,BeyondMereIllustration:HowfilmscanbePhilosophy,Thinking Through Cinema Film as Philosophy (2006), p. 19. 2 CARROLL, N., Philosophizing Through the Moving Image, Thinking Through Cinema Film as Philosophy, (2006), p. 173. 3 CHATEAU, D., Cinma et Philosophie, Paris, Armand Colin, 2009, p. 61. ACTAS DAS JORNADAS DE JOVENS INVESTIGADORES DE FILOSOFIA SEGUNDAS JORNADAS INTERNACIONAIS Krisis 2010 Antnio Jlio ANDRADE 21 incessantemente a vida4, na medida em que se consegue projectar na imagem o movimento e, atravs dele, a relao dos seres e das coisas do mundo, tal como elasnossodadasnatrajectriadacompreensibilidadeaquetemosacesso instantneoedirectonodia-a-dia.Seesseparalelonoremeterparao imaginrioeestacionarnoplanodaproximidade,entoganharazodesero pensamento do filsofo americano Stanley Cavell5, quando afirma que o cinema no nos faculta uma viso de um mundooutro; bem pelo contrrio, faculta-nos simumavisodonossoprpriomundo,nosentidoqueissocomportade realismo,enquantosignificadodapromoonodumarepresentaomasdo nossoquotidianoobjectivado,unoemaisimediato.Porisso,ocinemaa realidadevistadetodos,talcomoacaptamos.Destemodo,esublinhando comostermosdeJacquesAumont,orealismodeumaimagem[]noest simplesmenterelacionadocomumainformaoqueelavincula[],mascom uma informao facilmente acessvel6.Podemos,contudo,aquiinduzirumacontrovrsiaaoadmitirqueesse paralelovaiagorabemmaislonge,citoaestepropsitoMcLhuan,ocinema reconstriomundoexternodaluzdodiae,aofaz-lo,proporcionaomundo interior dos sonos7. Postasascoisasnestestermospoderficaraideiadequeafilosofiase esbate num mero pensar, num pensar natural e assistemtico. Julgoqueno,setivermosocuidadoemconceberafilosofia,deacordo comRosenberg,citadoporChristopherFalzon,professordauniversidade australiana de Newcastle, [] como um modo dereflexo em que intentamos pensar,clarificar,valorarcriticamenteascondiesmaisbsicascomque pensamos e actuamos8. Deste modo, a reflexo um voltar a pensar, um pensar outro, um pensar denovo,tornando-seassimafilosofianum(re)pensar.Paraissoserviram,ao longo da histria humana, a pluralidade de sistemas e problemas apresentados, corporizadosnapalavradosfilsofos,que,porsuavez,sepermitiram organizaraquiloquenumavisocomumnoseriaprontamenteacessvel. Nestembito,ocinematemcondiesparatirarpartidodessapluralidade, assimcomodavozdosfilsofos,paraquecomissoseobtenhaum entendimento mais complexo dessa relao dos seres e das coisas do mundo. O 4 MORIN, E., Le Cinma ou L`Homme Imaginaire, O Cinema ou o Homem Imaginrio, Trad. Antnio Pedro Vasconcelos, Lisboa, Relgio d`gua Editores, 1997, p. 49. 5 CAVELL S., Le cinma, nous rend-il meilleurs?, Trad. Alejandrina Flcon, Madrid, Katzeditores, 2008, pp. 29-30. 6 AUMONT, J., L`Image, A Imagem, Trad. Marcelo Flix, Lisboa, Texto & Grafia, 2009, p. 151. 7 MCLHUAN, E. e ZINGRONE, F., Essential McLhuan, McLhuan -Escritos Esenciales, Trad. Jorge Basalda e Evira Macas, Barcelona, Editorial Paids, 1998, p. 349. 8FALZON,C.,PhilosophyGoestotheMovies,Lafilosofiavaalcine,Trad.FranciscoRodrguez Martin, Madrid, Editorial Tecnos, 2005, p. 21. ACTAS DAS JORNADAS DE JOVENS INVESTIGADORES DE FILOSOFIA SEGUNDAS JORNADAS INTERNACIONAIS Krisis 2010 Antnio Jlio ANDRADE 22 cinemapodepromoverapresenaeaparticipaodafilosofianodebate, acabando por se registarem proveitos com isso. este o desafio. Noprimeirocaso,falardarelaofilosofia/cinema,estamosapartirdo peso da tradio, carregando com isso sistemas e conceitos, visando mormente, naspalavrasdeGillesDeleuze,citadoporDominiqueChateau,queafilosofia fala de si prpria no momento dum reencontro efmero com o cinema9. Neste caso, o cinema torna-se sempre pretexto, no sendo fcil romper com aquilo que estcircunscritomisso dafilosofiavividomuitasvezesde forma obstinada, falo do trabalho de abstraco tecido em rede sob o modo de discurso tcnico. A filosofia sempre se assumiu como um projecto conceptual, guiado em exclusivo pelointelectoerenitenteaocompromissoconjuntocomoutrasformas, igualmente humanas, de interpretao do mundo. O facto de se referir pretexto, serve para, aparentemente, se admitir uma certa condescendncia do papel que asimagenspodemterparaassistnciaeparticipaonareflexo.Ora, justamenteisso quedesconcertante se tomarmos comorefernciaainvocaro mitoplatnico,emqueasimagenssoindicativodeumaligaogrosseira realidade, forma primitiva e imaturade compreenso, levando-nos a distorcer, aconfundireaafastardoconhecimentoditoautntico.Nomitoplatnico,do outrolado,foradacaverna,estafilosofianoesplendordoseuestadopuro, ausentedaquiloqueossentidos,emespecialaviso,podemprovocarevira distrairarazocomdivagaesfracturantesquearrastamparaoerro.Mas palavrasdeFalzon,afilosofiaspoderiacomearquandonosescapssemos aocinema10.Nestaperspectiva,opretextoatrsreferido defactoaparente e intil, na medida em que as imagens s serviro para entreter e aquilo que de realar por se tornar to patente o poder intelectual da filosofia. No deixa no entantodeserinteressanteidentificaraquiumacontrovrsiaregistvelno prprio discurso de Plato, ou seja, querendo a filosofia romper com o sensvel e,nocasoemapreocomasrestriesemtermosdeconhecimentoquea imagem implica, o faa recorrendo precisamente s imagens. Diria mesmo que aAlegoriadaCaverna,nofundo,umanarrativaflmica,quernaseduoe facilidadecomquepropendemosavisualiz-la,quernocontedoqueas palavras,atravsderepresentaesexibidas,revelam,convertendo-seos conceitosemimagensdemasiadodiegticas.DizFalzon,aestepropsito:A filosofiaestcheiadeimagensestranhasemaravilhosas11.Nestesentidoe voltando a citar o professor australiano: 9 CHATEAU, D. Philosophie d`un art moderne: le cinma, Paris, L`Harmattan, 2009, p. 53. 10FALZON,C.,PhilosophyGoestotheMovies,Lafilosofiavaalcine,Trad.FranciscoRodrguez Martin, Madrid, Editorial Tecnos, 2005, p. 16. 11 Idem, op. cit., p.16. ACTAS DAS JORNADAS DE JOVENS INVESTIGADORES DE FILOSOFIA SEGUNDAS JORNADAS INTERNACIONAIS Krisis 2010 Antnio Jlio ANDRADE 23 A imagem de Plato no uma mera iluso [], da qual temos que desviar osnossosolhosparacomearafazerfilosofia.Elajoga,sobretudo,umpapel positivo no discurso filosfico, como ilustrao e iluminao, servindo como modo para compreender o seu pensamento filosfico12. Nestacontrovrsia,convenhamos,nofoidefactoestasegundaaopo dominantedoentendimentodaprticafilosfica.Naverdade,atradiov com melhores olhos a primeira perspectiva, seja no plano da metafsica, seja no plano da filosofia da linguagem ou mesmo de outro de menor eco. Creio que, no fundo, com esta direco estabelecida filosofia/ cinema , e recorrendoaChateau,ocinema[]umrivaldafilosofiaquebatalhanum outro terreno13. Nosegundocaso,cinema/filosofia,dispomo-nosaolhar,emprimeiro lugar, para o cinema. E o que vemos acerca dele? Um modo de comunicar, uma indstria,umafbricadesonhos,naspalavrasdeIngmarBergman,[] ilusoplaneadaaomaispequenodetalhe,oreflexodeumarealidadeque medida que os anos vo passando vai parecendo cada vez mais ilusria []14. Porissomesmofascina,fantasiaemexeconnosco,desdeaalegria tristeza.Noimediatoisto.Sabemosaindaqueocinemajdetentorduma histriaequeessahistria,espessadehistrias,ajudar-nos-acompreendero mundo contemporneo. Teremos pois que passar pelo cinema para engrossar os conhecimentoseaperfeioarasinterpretaes,semissojamaissepoderia compreenderomundoactual.Mais,ocinema,naordemdacompreensode ns prprios e dos outros, pode ajudar-nos e atirar-nos para muito longe, uma vez que, e de acordo com Melo Ferreira, [] o cinema , mais que imitao da vida,maisquereproduodoexistente,criaodevida,criaodeformas, criaodeideias[...]15.Oaparecimentodocinemacorrespondeaum espectculodeentretenimentodefortecarizpopular.Masumespectculo estranho e surpreso tambm, em que o seu fascnio e magia recaia, nas palavras deMrioGrilo,em[]verimagensamexerenoapenasimagens de coisas que mexem []16. No incio, oimpacto esttico e uma reflexo a esse respeito perfilaram-se, como natural, para segundo plano. O certo que depressa se percebeu que o cinema se constitua como um potencial interessante e produtivo de problemas tericosaexplorar.Assimsendo,ocinemaembrevesetornoualvode 12 Idem, op. cit., p. 16. 13 CHATEAU, D., Philosophie d`un art moderne: le cinma, Paris, L`Harmattan, 2009, p. 9. 14BERGMAN,I.,LaternaMagica,LanternaMgica,Trad.AlexandrePastor,Lisboa,Caravela, 1987, p. 83. 15 FERREIRA, C., As poticas do cinema. A potica da terra e os rumos do humano na ordem do flmico, Porto, Edies Afrontamento, 2004, p. 133. 16 GRILO, J., As Lies do Cinema, Lisboa, Edies Colibri, 2008, p. 25. ACTAS DAS JORNADAS DE JOVENS INVESTIGADORES DE FILOSOFIA SEGUNDAS JORNADAS INTERNACIONAIS Krisis 2010 Antnio Jlio ANDRADE 24 teorizaoprpria,lanandopontesparareasdesaberdiversificadas.Essa teorizao chamou a si realizadores, crticos e especialistas que, atravs das suas abordagens,foramestruturandoexplicaesracionaiseaprofundadasque propunhamdarumainterpretaoaonovoacontecimentoesttico,traduzido nas imagens que agora se moviam, contrariamente ao que tinha sucedido at ali comapinturaeafotografia.Nestequadronodeadmirar,igualmente,a chegadadosfilsofos,comointuito,diga-se,nemsempreconseguido,de melhorelucidaroqueseestavaapassar,graassistematizaoinerenteao seuatributovocativo.Eissofoi,apesardetudo,umganho.Aesterespeito, mencionoDeleuze,queintroduziu,nombito,emcertosentidodeproposta paraumahistriadocinema,umacontrovrsiaentreimagemmovimentoe imagem tempo17.Na primeira concepo, imagem movimento, partindo das teses de Bergson, trata-se da afirmao do que vigorou no cinema clssico, situado historicamente at ao ps-guerra e que se expe tendo por base o automatismo do espectador, queseguepassivamenteoqueprojectado,tendoporissoumavisodoreal aceite e perceptvel, ao alcance de uma experincia sensrio-motora que, em si, delimitada.Assucessestmporissoomesmovaloretudoaconteceem sequncia,comprincpio,meioefim.Porseuturno,aimagemtempovai corresponderaocinemamoderno,emquetransposioparaaideiadetempo vaicausarosurgimentodoincomensurvel,jquetempo,pornatureza, ultrapassaaideiadequeunicamentepresente,masirrompeparatodosas direces,tornando-seflutuante,saiforadassuasmargenseapelaaum impensvel que se conjuga com o inexplicvel. Se, com a imagem movimento, era areflexotnuecriadanodescortinarinterpretativodaquiloqueera reapresentao linear; com a imagem tempo a provocao e a ousadia de pensar oimpensvel,sodissoexemploasfilmografiaseuropeias,francesaealem sobretudo,umavezqueapelamaoreconhecimentodequeocinema,maisdo suscitaraopensareempacotandoparaoespectadorumamensagemparaser digeridaporesteindiferentemente,eleprprioseconstitui,autonomamente, comperfilprpriodeentidadepensante.Porexemplo,Deleuze,recorrendoa Resnais em La Guerre est finie, afirma: () o povo j no existe, ou ainda no falta povo (), contrariamente ao cinema clssico em que () o povo est l (.)18. Nas palavras do filsofo francs: () a aco flutua na situao, muito 17Estasnoes,ImagemmovimentoeImagemtempo,somuitocomplexaseapenassoaqui referidas sumariamente, correspondendo aos dois estudos sobre cinema que Deleuze publicou, respectivamente, em 1983 e 1985, com o mesmo ttulo, cuja consulta e trabalho de investigao recai,nastradues,castelhanaeportuguesa,respectivamente:DELEUZE,G.,L`Image-mouvement. Cinma I, La imagem-movimiento, Estudios sobre cine 1, Trad. Irene Agoff, Barcelona, Paidos,2003eL`Image-temps.CinmaII,AImagem-Tempo,Cinema2,Trad.RafaelGodinho, Lisboa, Assrio e Alvim, 2006. 18DELEUZE,G.,L`Image-temps.CinmaII,AImagem-Tempo,Cinema2,Trad.RafaelGodinho, Lisboa, Assrio e Alvim, 2006, pp. 276 e 277. ACTAS DAS JORNADAS DE JOVENS INVESTIGADORES DE FILOSOFIA SEGUNDAS JORNADAS INTERNACIONAIS Krisis 2010 Antnio Jlio ANDRADE 25 mais do que atribuir-lhe um fim ou compreend-la19. Tudo pode, por isso, ser agoraambguo,parafrisaracontrovrsia,masnaverdadeadissociaoest patente,aconcordnciapacficacedeuolugaraodistrbio,turbulncia, desarticulao,espelhodeummundoemcrisedecoernciaedepadres estabelecidos, a partir da segunda metade do sculo XX. Nestequadro,aqueattulodeilustraofuibuscarDeleuze,posso sustentarqueocinema,constituindo-seemteoriaexpandidapordiferentes contextosdoutrinrios,depressareenvioufilosofiaconceitos20sobosquais, estaltimatinhaagoraoportunidadedereinvestir.Observando-seentouma deslocaodequestesque,inicialmentelanadasnocontextodocinema, voltam filosofia, enquanto objectos de reflexo. Essa devoluo, isto , a restituio a cada um de ns da possibilidade de pensarpodesertantomelhorconcretizadaquantoafilosofiaparticiparna criao de uma largueza de horizontes de referncia para o nosso pensamento. Dir Jean Luc Godard, citado por Juliette Clerf e versando o cogito de Descartes: Eupenso,logoocinemaexiste21.Naverdade,senoprincpio,pelocinema, ns somos pensados e, sendo esse o desafio inicial que o cinema nos sugere pela sua investida terica, somos ns que, em ltima instncia e com o patrocnio da filosofia,somosincitadosapensar.Esseopontodechegada,regressoe reencontrocomafilosofia.Chegadosaquiincontornvelcolocarduas perguntas que abrem outra controvrsia. Esta, a meu ver, a maior, aquela que aquestofulcraldestaminhaabordagem.Oquepodedeterminarqueum pensamentosejafilosfico?Quempensa,quaisascondiesquedever desfrutar para pensar filosoficamente? Deixemosaquidescerosilncio.Talcomonocinemamudo.E aproveitem-se as palavras do professor argentino Julio Cabrera: Ocinemamudosugereapossibilidadedeumcalarquepergunta:no problematiza essa situao a distino wittgensteiniana entre dizer e mostrar?22

Escrutinadasasdirecesdarelaolegtimo,apartirdeagora,optar pela formulao cinema/ filosofia, jque, porventura, postas as questes assim haver condies para uma compreenso contributiva da relao enunciada, em queambososterritriosnoseanulamouperfilamnadistnciacriadapela indiferena,maspodemefectivamentecooperaremabordagensquemoderam as controvrsias.Notendoagoratempoparaprovarcomexemplos,ocertoqueexiste umvaivmoperantedeconceitosfundamentaisnarelaocinema/filosofia. 19 Idem, op.cit., p. 15. 20 CHATEAU, D. Philosophie d`un art moderne: le cinma, Paris, L`Harmatan, 2009, p. 16. 21 CERF, J. Cinma et Philosophie, Paris, Cahiers du Cinma, 2009, p. 2. 22 CABRERA, J., Cine: 100 anos de Filosofia, Barcelona, Editorial Gedisa, S. A, 2008, p. 339 ACTAS DAS JORNADAS DE JOVENS INVESTIGADORES DE FILOSOFIA SEGUNDAS JORNADAS INTERNACIONAIS Krisis 2010 Antnio Jlio ANDRADE 26 Num dado momento o cinema apropriou-se dalguns e estilhaou-os por vrias direces do saber. No presente, cabe filosofia reutiliz-los, cabe ao cinema ser essa reutilizao, muito para alm de saber se o cinema ilustrao da filosofia oucriaofilosfica.Daqueestaarticulaoentrecinemaefilosofiasetorne hoje, alimentada pelo risco da controvrsia, mas cada vez mais inquebrantvel. BIBLIOGRAFIA: AUMONT, J., L`Image, A Imagem, Trad. Marcelo Flix, Lisboa, Texto & Grafia, 2009. BERGMAN,I.,LaternaMagica,LanternaMgica,Trad.AlexandrePastor,Lisboa, Caravela, 1987. CABRERA, J., Cine: 100 anos de Filosofia, Barcelona, Editorial Gedisa, S. A, 2008. CARROLL, N., Philosophizing Through the Moving Image, Thinking Through Cinema Film as Philosophy, 2006. CAVELLS.,Lecinma,nousrend-ilmeilleurs?,Trad.AlejandrinaFlcon,Madrid, Katzeditores, 2008. CERF, J. Cinma et Philosophie, Paris, Cahiers du Cinma, 2009. CHATEAU, D. Philosophie d`un art moderne: le cinma, Paris, L`Harmatan, 2009. CHATEAU, D., Cinma et Philosophie, Paris, Armand Colin, 2009. 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ACTAS DAS JORNADAS DE JOVENS INVESTIGADORES DE FILOSOFIA SEGUNDAS JORNADAS INTERNACIONAIS Krisis 2010 Bruno PEIXE DIAS 27 Dialctica e dualismo:Ser e Acontecimento na ontologia poltica de Alain Badiou Bruno PEIXE DIAS* Universidade de Lisboa/CFUL (Portugal) RESUMO:UmdosaspectosessenciaisdoprojectofilosficopropostoporAlain Badiouoseuesforoconceptualparapensaratransformaopolticanoquadrode umaontologiaderecorteclssico.Talprojectoassentanumaduplacrticadas apropriaes filosficas do tema da finitude: enquanto delimitao daquilo que do real sedeixaconhecer,eenquantoprescriodaspossibilidadeshumanas,principalmente no que diz respeito ao seu destino colectivo, i.e., poltica.Desenvolvida no marco da filosofia europeia ps-68, a ontologia poltica de Badiou tem a marca das lutas polticas emFrananasdcadasde60e70,mastambmdofimdosocialismodeEstadonos pasesdolestedaEuropa.Seesseacontecimentonopodedeixardeconstituirum desafioparaqualquertentativa dereconstruo deumapoltica igualitria,elenose deve,paraBadiou,traduzir-seemqualquerformadepessimismoantropolgicoque procurenafinitudedoserhumanoanecessriafalibilidadedetodooprojectoquese deixeorientarporumaideiasubstancialdebem,oudejustia.Asoluoque Badiouvaiencontrarparaare-fundaodapolticaemancipatrianodeixade apresentar,dopontodevistafilosfico,algunsproblemas:tantoaquiloqueexiste, como a sua transformao, se deixam compreender numa ontologia pensado entre dois polos,odoSereodoAcontecimento.Podemos,noentanto,perguntar-nos,seBadiou consegue articular com sucesso essas duas ordens ontolgicas, ou se a insuficincia da suadialcticanoofaztombarnumapropostafilosfico-polticamaisdevedorade Kant do que poderia, primeira vista, parecer. PALAVRAS-CHAVE: Ser, Acontecimento, Finitude, Poltica, Ontologia. ABSTRACT:OneofthemainaspectsofBadiousphilosophicalprojectisits conceptualefforttothinkpoliticaltransformationintheframeworkofaclassical ontology.Suchaprojectrestsonadoublecritiqueofphilosophicalappropriationsof thethemeoffinitude:asalimitationtowhatcanbeknown,andasaprescriptionof humanpossibilities,namelyinwhatconcernspolitics.Developedinthecontextof post-68continentalphilosophy,Badiouspoliticalontologybearstheimprintof politicalstrugglesinFranceinthe60sand70s,butalsooftheendofreallyexisting * Mestre em Filosofia pela Faculdade de Letras da Universidade de Lisboa e membro do Centro de Filosofia da Universidade de Lisboa. Email: [email protected] ACTAS DAS JORNADAS DE JOVENS INVESTIGADORES DE FILOSOFIA SEGUNDAS JORNADAS INTERNACIONAIS Krisis 2010 Bruno PEIXE DIAS 28 socialism inEasternEurope.Ifthatmustnecessarilyposeachallengeforany attempt toreconstructanegalitarianpolitics,itshouldnot,accordingtoBadiou,leadtoany form of anthropological pessimism that, premised on the finitude of the human being, positsthenecessaryfailureofeveryprojectguidedbyasubstantialideaofpolitical goodorjustice.Badiousproposedsolution,foranewgroundingofemancipatory problems,isnotwithoutitsproblems,sinceeverythingthatis,andtheprocessofits transformation,aretobephilosophicallygraspedbyanontologywhichoscillates betweentheconceptsofBeingandEvent.Wecan,however,askourselves,ifBadiou manages to articulate successfully those two ontological orders, or if the shortcomings ofitsdialecticsdoesnotapproachhim,contrarytoimmediateevidence,tothe philosophico-political position of Kant. KEYWORDS: Being, Event, Finitude, Politics, Ontology. ACTAS DAS JORNADAS DE JOVENS INVESTIGADORES DE FILOSOFIA SEGUNDAS JORNADAS INTERNACIONAIS Krisis 2010 Bruno PEIXE DIAS 29 1. Contra a Finitude Uma das metforas kantianas preferidas por Alain Badiou a da filosofia comocampodebatalha.Acontrovrsiafilosficapoderiaserumfiocondutor paraoentendimentodopercursotericodestefilsofo,nofossemas ressonncias acadmicas do prprio termo controvrsia, expresso que talvez remeta para disputas demasiado regradas para dar conta do que tem sido a luta em diversas frentes de que se fez tambm a trajectria de Badiou. Se inegvel o carcter afirmativo do seu projecto, a verdade que Badiou foisempremarcandoassuasintervenespordemarcaes,afastamentose aproximaesaoutrosterritriostericos,tantocontemporneos,como pertencentes histria da filosofia. O seu lugar no campo filosfico constri-se assimnumapolticadeconflitosedealianascomoscontemporneos,bem comonaescolhadeumagenealogiaqueserepresentacomoumasucessode referncias monumentais. Humapolticanessasequnciamonumental,quepassa,emprimeiro lugar,pelaafirmaodeumafidelidadeaPlato,eemsegundolugar,pela eleiodeumalinhagemPlato,Descartes,Espinosa,Hegellinhagemessa sintomticadatentativadeinscrionumatendnciaracionalistaenuma metafsica especulativa. Trata-sedemobilizaraliadosaquelaque,noentenderdeBadiou,uma das batalhas tericas mais importantes da contemporaneidade: a reconquista do infinito de um infinito no teolgico para o territrio da filosofia. O que est emjogonoapenas,contraalegislaocrticadoslimitesdoentendimento humano,umaafirmaodacapacidadehumanadeapreensoracionaldo infinito,mastambm,eprincipalmente,asustentaodequeessaapreenso fazpartedamissodafilosofia,equenoenvolvequalquerrecursoauma dimensodetranscendncia.Essa,paraBadiou,umamissoquesecumpre na ontologia, mas tambm na poltica, na arte, na cincia e no amor. NumtextosobreDeleuze,emqueprocuraexplicitaroqueouneaeste autor, Alain Badiou escreve: (...)combateroespritodefinitude,combaterafalsainocncia,a moraldederrotaederesignao,contidanapalavrafinitudeenas enfadonhasemodestasproclamaessobreodestinofinitodacriatura humana.Eumanicaprescrioafirmativa:noconcederasuaconfiana senoaoinfinito.(...)queopensamentosejafielaoinfinitodoqual depende.Quenofaaconcessesaodetestvelespritodafinitude.Que, na nica vida que nos dada, sem cuidar dos limites a que o conformismo nosquerconfinar,tentemosatodoocustoviver,comodiziamosantigos, como se fssemos imortais1

1(...)combattrelespritdefinitude,combattrelafausseinnocence,lamoralededfaiteetde rsignation, contenue dans le mot finitude et dans les lassantes proclamations modestes sur ACTAS DAS JORNADAS DE JOVENS INVESTIGADORES DE FILOSOFIA SEGUNDAS JORNADAS INTERNACIONAIS Krisis 2010 Bruno PEIXE DIAS 30 Emcontraposioaoespritodafinitude,afirma-seopotencialde imortalidadedohomem,quenoprocessodedevir-sujeitocapazde ultrapassar os limites de uma condio finita. Hento,paraBadiou,queprumfimaotemadafinitude,contraas diversasproclamaesdeencerramentoquemarcaramoclimapolticoe intelectualdosanos80.Umclimamarcadopelotemadosfins.Fimda modernidadeedasgrandesnarrativasqueasustentaram,comoemLyotard2, impossibilidadedeescreverpoesiadepoisdeAuschwitz,deacordocoma invectiva de Adorno3, fim da poltica, apresentado como fim da histria, ou fim da metafsica.O tema dos fins no deixou de representar uma das possveis tradues da crticadametafsicaquemarcouboapartadafilosofianosculoXX.Porque, nestasucessodeproclamaodefins,atradiometafsicaocidentalque submetidaaescrutnioejulgadaculpadade sustentarumarazoinstrumental que resultou nos desastres polticos do sculo XX, e na destruio do planeta s mosdatcnica,numautodeacusaoqueenvolveaomesmotempo metafsica e poltica.Os chamados Nouveaux Philosophes foram, na esfera pblica francesa, osportadoresmaisconspcuosdesseautodeacusao,nasuadennciado marxismoedetodasasvariantesdelutapolticarevolucionria,narejeio daquela que, em seu entender, a hubris contida em todas as formas pelas quais a poltica se apresenta como vontade de realizao de um bem ou de umaideiapositivadejustia,noconsequenteestabelecimentodefronteiras rgidasvontade,epossibilidade,detransformaosocialepoltica.Em reacoaoanti-humanismodosanos60,tratava-sedecolocardenovoo indivduonocentrodaspreocupaesfilosficasepolticas.Foitambmo tempo do regresso a Kant na filosofia moral e poltica. Para Badiou, os caminhos da finitude na contemporaneidade vo, de uma maneira ou de outra, dar a Kant, a quem devemos, segundo ele, a inveno do motivodesastrosodanossafinitude,comoescreveemLogiquesdesMondes (BADIOU,2006:561).porissoquecadaregressoaKantumsintomade

ledestinfinidelacrationhumaine.Etuneseuleprescriptionaffirmative:naccordersa confiancequlinfini.(...)quelapensesoitfidlelinfinidontelledpend.Quellene concderienaudtestableespritdefinitude.Quedansluniqueviequinousestimpartie, insoucieuxdeslimitesqueleconformismenousassigne,noustentionstoutprixdevivre, commedisaientlesanciens,enimmortels.BADIOU,A.,PetitPanthonPortatif.Paris:La Fabrique, 2008, pp. 110-111. 2 LYOTARD, J-F.,La Condition Post-Moderne: Rapport sur le Savoir,Paris: Les ditionsde Minuit, 1979. 3ADORNO,Th.,CulturalCriticismandSocietyinPrisms,Cambridge:MITPress,1981 [Trad. Samuel e Shierry Weber]. ACTAS DAS JORNADAS DE JOVENS INVESTIGADORES DE FILOSOFIA SEGUNDAS JORNADAS INTERNACIONAIS Krisis 2010 Bruno PEIXE DIAS 31 temposmrbidosefechados4.Aacusao,maisdoqueaoprprioKant, dirige-se ao Neo-Kantismo, e s suas tradues metafsicas e polticas, ou seja colocaodafilosofiacrticacomohorizonteinultrapassveldareflexo ontolgica,ereconduodapolticaaumareflexojurdico-normativa fundamentada numa tica de carcter meramente formal5. Essa oposio faz-se, porisso,notrabalhodeAlainBadiou,essencialmenteemduasfrentes: ontolgico-epistemolgica por um lado, e poltico-moral, por outro. 2. Metafsica e Crtica da Metafsica Anvelontolgico,trata-sedereafirmaraidentidadeclssicaentre pensamentoeser,recusaroarazocomoexercciojudicativoqueprocura limitaraspretensesdametafsicaeordenartodooconhecimentoseguroaos limitesdaexperinciasensvel,contraavacuidadedaespeculaoea arrognciadoconceito.Nessesentidonadapodiasermaiscontrrioao materialismoprofessadoporBadioudoqueoidealismokantiano,comasua tesedeconstituiodomundoedosobjectosapartirdeumsujeito transcendental, bem como o fazer da descrio desse aparelho transcendental o eixo principal da interrogao filosfica, como faz Kant na Crtica da Razo Pura. A critica da analtica ontolgica da finitude passa ento, necessariamente, por um exame da categoria de indeterminao , por determinar o que se diz de um ser quando se diz que ele indeterminado. Ora, de acordo com Badiou, podeserditodeumserqualquerqueindeterminadoseentreospredicados quepermitemasuadefinioestumexcessodesseser,nasuaessncia,em relaoaqualquerdeterminaopredicativaacessvelaumpensamento humano.Aesteexcessodoseremrelaoaqualquerdeterminaochama Badiou infinitude, e o entendimento humano que serve como critrio para este traardelimitesserchamadofinito.Ametafsicanomaisdoquea disposio discursiva, presente ao longo da histria da filosofia, para completar oedifciodoconhecimentoracional,atravsdeumsercujadeterminao excedeonossoentendimento6.Poisametafsica,eestaasuadefinio maisresumida,aquiloquefaz()umpredicadodoimpredicvel.7.A disposio metafsica seria justamente essa operao pelo meio da qual se prova 4 BADIOU, A.,Limperatif de la Ngation,Recenso de Guy Lardreau,La Veracit (Paris: Verdier, 1993) [indito], 1995, p. 14. Citado em: HALLWARD, P., Badiou and Kant, in BARTLETT, A. J. e CLEMENS, J., Alain Badiou: Key Concepts, Stocksfield: Acumen, 2010. 5 BADIOU, A. e IEK, S., Philosophy in the Present, Cambridge e Malden: Polity Press, 2009. 6BADIOU,A.,Metaphysicsandthecritiqueofmetaphysics[trad.AlbertoToscano],Pli, Department of Philosophy, University of Warwick, 10, 174-190, 2000, p. 182. 7 BADIOU, A., op. cit., p. 183: For metaphysics is, and this is its shortest definition, what makes a predicate of the impredicable. . ACTAS DAS JORNADAS DE JOVENS INVESTIGADORES DE FILOSOFIA SEGUNDAS JORNADAS INTERNACIONAIS Krisis 2010 Bruno PEIXE DIAS 32 uma existncia sem determinar o que existe, uma existncia pura, no atestvel pelaexperincia,cujacognioestparaalmdascapacidadesdo entendimento humano, mas que pode ser racionalmente demonstrada. ocarcterdemonstrativodaexistnciadeindeterminadosquefaz Badioudizerdametafsicaclssicaqueestatemumpodermatemtico,e afirmar a sua defesa contra os vrios modos da sua crtica: Nofinal,nadamaiscorrosivoparaafilosofiadoqueseparar-se desteregime,quecria,paraalmdaquiloquepodeserempiricamente atestado,orealdeumasimplespossibilidade,edestinaopensamento nicacoisaqueinteressa,asuaabsolutaidentidadecomoserque pensado.8 AcrticaKantianapassa,assim,aoladodoqueessencialnametafsica clssica,queomododesubsunodoexistencialpeloracional,masuma subsunoparaaqualamatemticaservecomoparadigma.Istofoi reconhecidoporPlato,Descartes,EspinosaeLeibniz,eaesteprincpioque Hegel regressa, embora nele a passagem do real para o racional no passe pela matemtica, mas sim pela dialctica especulativa. Nametafsicatratar-se-iadeconsiderarracionalmenteaexistnciado infinito,pretensoqueasvriasformasdacrticadametafsicajulgarocomo estando para alm das capacidades racionais do humano, renunciando por isso demonstraodeumaexistnciainfinita.Oresultado,paraBadiou,o estabelecimento, na filosofia contempornea, do motivo consensual da finitude, deumaexposiofinitadohumanoaoser,deumregressocontnuo mortalidadedohumano,motivoessecujaultrapassagemumadastarefas essenciais que Badiou atribui filosofia9, e que procurar cumprir, pelo menos desde1988eLtreetlvnement,numensaiodetratamentoracionalda existncia do infinito pela matemtica. 3. Polticas da Finitude Umaentradanacrticabadiouananasdeterminaespoltico-morais associadasaotemadafinitudenopode,emnossoentender,deixarde considerar o contexto histrico em que tal crtica foi produzida, nomeadamente a queda dos regimes socialistas do leste europeu. Os acontecimentos associados 8 ibid., p. 184: In the end, nothing is morecorrosive for philosophy than to separete itself from thisregime,whichcreates,beyondthatwhichcanbeempiricallyattested, therealofasimple possibility,anddestinesthoughttotheonlythingthatmatters,itsabsoluteidentitywiththe being that it thinks. . 9 Cf. BADIOU, A., Court trait d'ontologie transitoire, Paris: Seuil, 1998, p. 21. ACTAS DAS JORNADAS DE JOVENS INVESTIGADORES DE FILOSOFIA SEGUNDAS JORNADAS INTERNACIONAIS Krisis 2010 Bruno PEIXE DIAS 33 aessaquedatornaramvisvel,emgrandeescala,aquiloquenoentenderde Badioueradiscernveldesdeoinciodosanosoitenta:ofimdasequncia polticarevolucionria,umasequnciainauguradacomarevoluofrancesae encerradacomaqueda domuro de Berlim,naquiloaqueBadiouchamouum desastreobscuro10.Obscuroporqueofimreconhecveldeumasequncia politicaemancipatriamarcadapeladoutrinaeprticadarevoluoedaluta de classes no se fez acompanhar de umparadigma emancipatrio igualmente potente11.Aprocuradeumaideiaorientadoradeumtalparadigma,deuma propostaafirmativadecomunismogenricotemsido,nosltimosanos,o propsitoexplcitodeBadiou,12umpropsitoqueassentadecisivamentena afirmaodeumacrenanaspotencialidadeshumanas(virtualmente ilimitadas) de construo de uma comunidade de iguais, contra a descrena e o cepticismodaideologiaticacujahegemoniasefoifazendosentirapartirdos anos80.Umadescrenaeumceticismoqueencontramnahipostaziaodo temadafinitudeedafalibilidadehumanasumdosprincipaissustentos ideolgicos. Paraestaideologiatica,omalontologicamenteprimeiro,eoser humanoumacriaturafrgilefinita,queimportaproteger.Estafragilidadee estaproteco,bemcomoaprimaziadomal,soosdeterminantesdoque podeserumapoliticapossvel,orientadapelaideiadeprotecodos indivduos, de uma imunizao contra o mal, ameaa constante que paira sobre asexistnciasindividuais,comoestaparanoslembrarahistriadosculo XX.Aconsequnciapolticalgicadestaposioacondenaodetodoo projecto orientado por uma ideia substantiva do bem, forosamente portador de umavontadedetransformaoradicaldaexistnciacomvistarealizao dessebem.Talvontadetrazconsigo,necessariamente,umprojectode transformao do que o homem, dos seus limites e das suas potencialidades numa palavra, um projecto de homem novo . Pode ento dizer-se, resumidamente, que so dois os plos de demarcao deAlainBadiouemrelaoaoclimafilosficodominantena contemporaneidade:aafirmaodeumprogramaontolgicoforte, assumidamenteherdeirodametafsicaclssica,eumaconcepodapolitica assente num imperativo racional de ruptura radical com a ordem existente. essaconcepodapoliticaquemarcaadistanciaemrelaoaoutras propostas vindas da esquerda , ou do pensamento critico. Os anos 80 foram tambm de progressiva afirmao, no panorama filosfico francs, do tema do politicoemdetrimentodapolitica,emqueopolticoconceptualmente 10 BADIOU, A., Dun Dsastre Obscur: sur la fin de la vrit dtat, Paris: Laube, 1998. 11 BADIOU, A., Peut-on Penser la Politique?, Paris: Seuil, 1985. 12 BADIOU, A., LHypothse Communiste. Circonstances, 5, Paris: Nouvelles ditions Lignes, 2009. ACTAS DAS JORNADAS DE JOVENS INVESTIGADORES DE FILOSOFIA SEGUNDAS JORNADAS INTERNACIONAIS Krisis 2010 Bruno PEIXE DIAS 34 entendidocomoumadimensoconstitutivadohomem,comodecorrnciado vivercomumdoshumanos.ParaBadiou,ohomemnoumanimalpolitico, porqueapoliticajustamenteumadasdimensesdeultrapassagemdasua condiofinita.Nemfazsentidoaafirmaodeumcomunismodaexistncia, deumacomunidadepoliticasemidentidade,assenteapenas nacomunalidade doser.ParaBadiou,osimplesfactodeexistiremcomumnotemnenhuma consequnciapolitica,quesempreaconstruodeumahipteseigualitria, por um sujeito novo. Tal hiptese, na qual a poltica, nos momentos raros em que, no entender deBadiou,elaexiste,assente,assimentendidacomoincorporaonum processo radicalmente contingente e incalculvel, no qual o sujeito se constitui, nafidelidadeaumprocessodeverdadedespoletadoporumacontecimentoda ordem do incalculvel. 4. Ordem e Revoluo: Dualidade ou Dialctica? ParaBadiou,aocorrnciadeumaverdade,oumelhor,deum procedimentodeverdade,sempredespoletadaporumacontecimento,por umainterrupoabruptadoestadodasituao,umainterrupoqueo conhecimento que se tem da situao no poderia fazer prever. Esta dicotomia entre, por um lado, uma ordem ou estado da situao, marcada pela stasis, e por outro o acontecimento , kinesis pura e acelerao incalculvel do tempo, esta dicotomia,dizamos,umdosaspectosmaisproblemticosdesteedifcio filosfico13. o acontecimento que, de acordo com Badiou, encerra em si o potencial de introduo, numa dada situao histrico-poltica, da novidade radical. Badiou pensaoacontecimentocomoimprevisveleincalculvel,radicalmente heterogneo em relao ao que so os hbitos, costumes e prticas quotidianas, mastambmaosistemadeproduo,acumulaoegestodeconhecimentos. Asconsequnciasdequalqueracontecimentodesenrolam-senecessariamente atravs da aco de sujeitos, ou seja, no caso da aco poltica, de colectivos cuja fidelidadeaoacontecimentoostornaportadoresdanovidadenasituao. Verdadeesujeitospodemser,nesteentendimento,ocorrnciasraras. Representamumdesvioaquiloque,numadadasituao,entendidocomo sendo a ordem natural do mundo.Um dos aspectos mais problemticos da filosofia de Badiou ps-1988 (i.e., no perodo que se segue publicao de Ltre et lvnement) justamente o da articulaoentreosconceitosdesituaoouestadodasituaoede 13Cf.JOHNSTON,A.,TheQuickandtheDead:AlainBadiouandtheSplitSeedsof Transformation,inTheInternationalJournalofZizekStudies,Vol.1,N2,2007.Disponvelem http://zizekstudies.org/index.php/ijzs/article/view/28/88 (9.9.2010) ACTAS DAS JORNADAS DE JOVENS INVESTIGADORES DE FILOSOFIA SEGUNDAS JORNADAS INTERNACIONAIS Krisis 2010 Bruno PEIXE DIAS 35 acontecimentoou,maisprecisamente,afragilidadedessaarticulao.Pode sustentar-se que existe no pensamento Badiouano uma discrepncia acentuada entre, por um lado, as aces que se mantm no movimento lento da inrcia das realidades de um "estado da situao e, por outro lado, os acontecimentos que irrompemnumacenaesttica,despoletandotrajectriasdetransformaoque rompem com, e estilhaam as realidades estagnadas do estado das coisas.Resumindo,umgestogenuinamentetransformadorapenasaqueleque se subtrai ordem da existncia quotidiana. nesta diviso que encontramos o principallimiteaopotencialdafilosofiabadiouanaemfazersentidodos processos de mudana poltica.Esta separao rgida entre as operaes ligadas ao funcionamento dos mundos quotidianos e aquelas ligadas a processos de verdade tem como consequncia a impossibilidadedesepensarascondiesderupturaedetransformaoda polticaapartir deumadeterminada situao,nomeadamenteapartir de uma situao pr-acontecimento. esta separao rgida que levou a crticas, como a deDanielBensaid,dequeapolticaBadiouanaumanovateologia,como acontecimento no lugar do milagre ou do messias14. Ementrevistaconcedidaem2005aBrunoBosteels15,emrespostaa objecescomoesta,Badioudeclaraqueoquelheinteressapensaro acontecimentoapartirdasituao,ditodeoutromodo,pensaraarticulao entreordemeacontecimento,enopostularduasordensradicalmente divergentes.Numafrmulasucinta,masesclarecedora,Badiouafirmaqueo maisimportantenaexpressoquedttulosuaobra-chave,Osereo acontecimento, a conjuno que une os dois termos, o e . E essa conjuno operada na aco do sujeito de uma verdade poltica, nas operaes que trazem situao a novidade introduzida pelo acontecimento, por forar na situao as consequnciasdoacontecimento.MasasadadeBadiouparaesteimpasse terico leva apenas em conta o tempo ps-acontecimento. O problema continua aserafaltadequalquerrelaoentreoacontecimentoeaordempr-acontecimentodasituao.Comopensaraacopoltica,nomeadamentea militncia poltica organizada, num tempo no marcado pela ocorrncia de um acontecimento? AintenodeBadiouclara:evitarasformasdehistoricismoque reduzemoacontecimentoavariveissociais,explicveispelojogodeposies numtodoestratificadoeportantoassimilveisaotempohistricocontnuoe mensurveldacronologiaoficial.Masessasubtracoaotempolineare cumulativodahistriafeitacustadeumano-relacionalidade,oudeuma 14 BENSAD, D., Alain Badiou and the Miracle of the Event , in HALLWARD, P., Think Again: Alain Badiou and the Future of Philosophy, Londres e Nova Iorque: Continuum, 2004, Pp. 94-105. 15BOSTEELS,B.,CanChangeBeThought?:ADialogueWithAlainBadiou,inRIERA,G. (Ed.),AlainBadiou:PhilosophyanditsConditions,Albany:StateUniversityofNewYorkPress, 2005, Pp. 252-253. ACTAS DAS JORNADAS DE JOVENS INVESTIGADORES DE FILOSOFIA SEGUNDAS JORNADAS INTERNACIONAIS Krisis 2010 Bruno PEIXE DIAS 36 relacionalidadedificilmentediscernvel,entreaordemdaexistncia,ondeos homensvivemeagemnoquotidiano,eumacontecimentodisruptordas coordenadas simblicas que regem essa ordem. Curiosamente,estedualismorevelaalgunspontosdecontactoentre Badiou e a filosofia prtica de Kant, pelo menos com certos aspectos desta. Se a filosofiatericadeKantexigeumabasefenomenalnaconstruodo conhecimento humano (a coisa-em-si, embora declarada existente por Kant, est excludadaspossibilidadesgnoseolgicasdohomem,cujoconhecimentodo mundoestlimitadopelaexperinciasensvel),asuateoriamoralordenao homemaumaliberdadequenose deixasubmeteranenhumacondicionante empricaouinteresseparticular.umdomniodohumanosubtrado causalidadeemprica,regidopeloformalismouniversalistadoimperativo categrico.Adivisoentreodomniodoempricoedacausalidade,euma ordemdeliberdadesubmetidaapenasautonomiadosujeito,fundadaem princpios estritamente universais, no deixa de lembrar a concepo badiouana de politica, tambm ela subtrada do jogo das particularidades e dos interesses. Domesmomodo,ainjunoticaporexcelnciadeBadiou,ademantera fidelidadeaoacontecimento,adenocederspressesdaordemdominante ouaoegosmoindividualistanodeixadeterressonnciasdaconcepo Kantiana de dever.verdadequeparaKantaautonomiaumadimensoconstitutivade todos os seres racionais, enquanto que para Badiou a liberdade uma excepo aoqueexiste,masnonospodemosesquecerqueenquantoumassistiu auroradaprimeirarevoluomoderna,outroassistiuaocrepsculodaquela que, at hoje, foi a ltima. BIBLIOGRAFIA: BADIOU, Alain; Peut-on Penser la Politique?. Paris, Seuil, 1985. _________ Dun Dsastre Obscur: sur la fin de la vrit dtat. Laube, Paris, 1998. _________ Court Trait dOntologie Transitoire. Paris, Seuil, 1998. _________ Metaphysics and the Critique of Metaphysics , in Pli 10, 2000, pp. 174-190. _________ Logiques des Mondes Ltre et lvnement, 2. Paris, Seuil, 2006. _________ Petit Panthon Portatif. Paris, La Fabrique, 2008. ________ IEK Slavoj, Philosophy in the Present. Cambridge, Polity Press, 2009. ________LHypothseCommuniste.Circonstances,5.Paris,NouvellesditionsLignes, 2009. ACTAS DAS JORNADAS DE JOVENS INVESTIGADORES DE FILOSOFIA SEGUNDAS JORNADAS INTERNACIONAIS Krisis 2010 Bruno PEIXE DIAS 37 BARTLETT,A.J.eCLEMENS,Justin(Eds.);Badiou:KeyConcepts.Londres,Acumen, 2010. HALLWARD,Peter(Ed.);ThinkAgain:AlainBadiouandtheFutureofPhilosophy. London, Continuum, 2004. JOHNSTON,Adrian;TheQuickandtheDead:AlainBadiouandtheSplitSeedsof Transformation , in The International Journal of Zizek Studies, Vol. 1, N 2, 2007. Disponvelemhttp://zizekstudies.org/index.php/ijzs/article/view/28/88 (9.9.2010) RIERA,Gabriel(Ed.);AlainBadiou:PhilosophyanditsConditions.Buffallo,State University of New York Press, 2005. ACTAS DAS JORNADAS DE JOVENS INVESTIGADORES DE FILOSOFIA SEGUNDAS JORNADAS INTERNACIONAIS Krisis 2010 Cludia SOUZA 39 Dostoivski, Nietzsche e Freud e o mal-estar na conscincia Cludia Franco SOUZA Universidade Catlica de Minas Gerais (Brasil) RESUMO:Nesteartigopretendofazerumaaproximaoentreconceitodem conscinciaexpostoporNietzsche(sobretudonasegunda dissertao daGenealogiada Moral)eomesmoconceitoexploradoporFreud(emseulivroMal-estarnacivilizao). Ambosospensadorestrataramdestaquestoe,emboraemalgunsaspectoso pensamentodeNietzscheeFreudestejamemconsonncia,humantidadissimetria noquedizrespeitoaanlisedossubstratospsquicosdosujeito.Paraamelhor compreenso do pensamento dos dois autores citados, pretendo utilizar o personagem principal deCrimeeCastigo(romancede Dostoivski),Raskolnikv,um assassino que sofredemconscincia.Utilizandoaliteraturaparademonstrarcontrovrsias filosficas(nomeadamenteascontrovrsiasepontosdecontactoentrefilosofiae psicologia),tentaremosmostrarumaleituranietzschianaeoutrafreudianada personagem. PALAVRAS-CHAVE: conscincia; m conscincia; esttica; moral. ABSTRACT: InthisarticleI intendtomakeaconnectionbetweentheconceptofbad consciencedevelopedbyNietzsche(especiallyinthesecondessayofOnGenealogyof Morals)andthesameconceptexploredbyFreud(inhisbookMalaiseinthe Civilization).Boththinkershavetreatedthisissueand,althoughinsomewaysthe thoughtofNietzscheandFreudarein line,thereisaclear asymmetrywithregardto psychologicalanalysisofthesubstratesofthesubject.Tobetterunderstandthe thinking of the two authors mentioned, I intend to use the main character of Crime and Punishment(Dostoevsky'snovel),Raskolnikov,anassassinwhosuffersfromaguilty conscience.Usingliteraturetodemonstratephilosophicalcontroversies(including disputesandpointsofcontactbetweenphilosophyandpsychology),Itrytoshowa nietzschean and Freudian reading of Raskolnikov. KEYWORDS: conscience; bad conscience; aesthetic; moral. Email: [email protected] ACTAS DAS JORNADAS DE JOVENS INVESTIGADORES DE FILOSOFIA SEGUNDAS JORNADAS INTERNACIONAIS Krisis 2010 Cludia SOUZA 40 Neste artigo pretendo mostrar o problema do mal-estar na conscincia no pensamento de Nietzsche e Freud atravs da anlise do livroCrime e Castigo do escritor russo Dostoivski. CrimeeCastigo(1866)umaobradochamadoperodomadurode Dostoivski(ps-Sibria).aobraqueinauguraafasedosgrandesromances dostoievskianos:OIdiota(1868),OsDemnios(1872),OAdolescente(1875)eOs Irmos Karamazov (1880). CrimeeCastigo,decertaforma,umaespciederomancepolicial,mas tambmesobretudofilosficoepsicolgico.Emboraoeventocentraldo livro seja um assassinato, sua grande questo no quem cometeu o crime, mas simporqueelefoicometido.JosephFrank,biografodeDostoivski,escreve sobre esse aspecto da obra: Naverdade,porm,CrimeeCastigoconcentra-senasoluodeum enigma: os mistrios do motivo do assassino. que o prprio Rasklnikov, comoseficasabendo,descobrequenoentendeporquematou;ou,em termosmaisprecisos,tomaconscinciadequeopropsitomoralque supostamenteoinspirounopodeexplicarsuaconduta.Dessemodo, Dostoivskiinternalizaepsicologizaacostumeirabuscadoassassinona tramadahistriadedetetiveetransfereessabuscaparaaprpria personagem;agoraRasklnikovquemprocurasuaprpriamotivao. Essaprocuraenvolveoromancenumsuspensequesemelhantebusca convencionaldocriminoso,pormevidentementemuitomaisprofundoe maiscomplexoemtermosmorais.Naverdade,hummagistrado investigador,PorfriPetrvitch,cujatarefalevarRasklnikovjustia; masessafunopuramentelegalestsubordinadaaseupapeldeacicate no curso dos autoquestionamentos e de autocompreenso de Rasklnikov. (FRANK, 2000: 150). Rasklnikovumsujeitoatormentado.Todaahistriadolivroa tentativa dele sustentar a liberdade de suas aes pela via racional. Rasklnikov incapaz de reduzir unidade as mltiplas idias e interpretaes acerca de si mesmoedeseucrime,quesedigladiamemseudiscurso.Se,aprincpio,ele acreditava sercapazdejustificar seusatos comparando-seaNapoleo, vendo-secomoumserextraordinrio,suasexplicaesracionaisacabampor desmoronar, comofica evidentenestaspassagens daconfissodeRasklnikov a Snia: Sabesdeuma coisa,Sniadisseele comum certoentusiasmo, sabesoquevoutedizer?Seeutivessematadoapenasporqueestavacom fomecontinuouele,salientandocadapalavraelanando-lheumolhar enigmticomassinceroagora,euestaria...feliz!Ficasabendo! (DOSTOIVSKI, 2002: 422). ACTAS DAS JORNADAS DE JOVENS INVESTIGADORES DE FILOSOFIA SEGUNDAS JORNADAS INTERNACIONAIS Krisis 2010 Cludia SOUZA 41 Eu...quisousarematei...eusquisousar, Snia,eistoda a causa! (DOSTOIVSKI, 2002: 427) Euprecisavasaberdeoutracoisa,outracoisameimpelia:naquela ocasio eu precisava saber, e saber o quanto antes: eu sou um piolho, como todos, ou um homem? Eu posso ultrapassar ou no! Eu ouso inclinar-me e tomarouno!Souumabestatrmulaoutenhoodireitode... (DOSTOIVSKI, 2002: 428) Por acaso eu matei a velhota? Foi a mim que eu matei, no a velhota! Nofimdascontaseumateisimultaneamenteamimmesmo,para sempre!... (DOSTOIVSKI, 2002: 428) Podemos dizerqueCrimeeCastigo umaobramarcadapelo relativismo, constituda por um dialogismo discursivo aberto mudana, ao deslocamento, diversidade.OromancedeDostoivskiretrataohomemeomundocomo submetidos inapelavelmente ao movimento incessante do devir. O homem, em sua interao com o mundo, revelado como um ser em aberto, inacabado, em eterno dilogo consigo e com os outros. Uma nova concepo de subjetividade desenhadanoromance: trata-se deumasubjetividademltiplaeem constante expanso, uma subjetividade permeada por diversas outras. Assim como Dostoivski, Nietzsche trabalha profundamente a questo do crimeedocastigo.Atorturapsquicavividapelohomemdiantedasuam conscincia,queumaconstanteemCrimeeCastigo,tambmapareceem GenealogiadaMoral.Nasegundadissertaodolivro,constacomosubttulo justamente:culpa,mconscinciaecoisasafins.Oautoralemocomea defendendo a necessidade do esquecimento, guardio da ordem psquica: ()eisautilidadedoesquecimento,ativo,comodisse,espciede guardio da porta, de zelador da ordem psquica, da paz, da etiqueta: com oquelogosevquenopoderiahaverfelicidade,jovialidade,esperana, orgulho, presente, sem esquecimento. (NIETZSCHE, 2004: 48) Aopropor duasmoralidadesnaGenealogiadaMoral(ado rebanhoea do senhor),Nietzscheencontra-seassimcomasquestespropostaspor Dostoivski:agrandedvidadeRasklnikovseelepodeounoserum homemextraordinrio,fielnomoralcomum,massimaumamoralidade especial,comdireitosespeciais,indiferentemoraldebestas(rebanho)que eleatribuiaoshomenscomuns:eusouumpiolho,comotodos,ouum homem? Eu posso ultrapassar ou no! Eu ouso inclinar-me e tomar ou no! Sou umabestatrmulaoutenhoodireitode...(DOSTOIVSKI,2002:428.Grifo meu.) Em muitos pontos, Nietzsche e Dostoivski se confrontam com as mesmas ACTAS DAS JORNADAS DE JOVENS INVESTIGADORES DE FILOSOFIA SEGUNDAS JORNADAS INTERNACIONAIS Krisis 2010 Cludia SOUZA 42 questes: qual o limite do ser humano? possvel libertar-se da m conscincia? Aliberdadeestaoalcancedohumano?Qualopapeldareligioeda religiosidadenavidahumana?Ambososautoresfazemcomquesuaescrita reflitaatorturadaexistnciahumana,adorcausadapelatravessiadoviver, sentidas com tanta intensidade em meados do sculo XIX. Veja-se a passagem a seguir, por exemplo, extrada da Genealogia da Moral: Eu sou o que eu sou: como me livraria de mim mesmo? E no entanto estoufartodemim!...Nestesolodeautodesprezo,verdadeiroterreno pantanoso,crescetodaervaruim,todaplantavenenosa,etudoto pequeno,toescondido,toinsincero,toadocicado.Aquipululamos vermesdavinganaedorancor;aquioarfedeasegredosecoisas inconfessveis;aquisetececontinuamentearededamaismalvola conspiraoaconspiraodossofredorescontraosbemlogradose vitoriosos, aqui a simples vista do vitorioso odiada. (NIETZSCHE, 2004: 112) O trecho acima se encaixaria perfeitamente em um dos dilogos interiores deRasklnikov,assimcomodiversosoutrostrechosdaGenealogiadaMoral. Noqueo textonietzscheano se reduzaaumaparfrasefilosfica dotextodo autorrusso.Mas,emambosostextos,osautoresabordamquestes semelhantes, pares, consoantes. As vozes que atravessam os textos, as teias que tecem a escrita torturada dos dois autores, so muito similares. sabidaaadmiraoqueNietzschemanifestavaporDostoivski.A importncia dos escritos deste para a elaborao de sua filosofia como podemos constatar nesta passagem: CreiosemreservasnassuaspalavrassobreDostoivski.Eu,pela minhaparte,estimo-ocomoomaisvaliosomaterialpsicolgicoque conheo,eestou-lheagradecidoporestacuriosarazo:porquecontrariou sempre os meus instintos mais baixos. como a minha relao com Pascal, aquemquaseamo.Considero-oonicocristolgico.(NIETZSCHE, 1951: 86) Independentemente dessa admirao declarada, percebe-se que, em Crime eCastigoenaGenealogiadaMoral,ambososautoresatravessam(ouso atravessados)portemasmuitosemelhantes.Oprotagonistadoromancede Dostoivski adoece por no saber equacionar seus afetos. Por no dar conta do olhardooutroapsoassassinatoquecomete,olharqueofereeomartiriza, Rasklnikov sofre um intenso ressentimento, bem como culpa e m conscincia. Nesseaspecto,percebemosconsonnciaentreosautoresestudados,pois Nietzsche, ao estabelecer uma histria da construo dos valores morais, alerta paraoperigodeohomemsetornarumseratormentado,ressentido,guiado por valores que no se harmonizam com a orquestrao de seus afectos: ACTAS DAS JORNADAS DE JOVENS INVESTIGADORES DE FILOSOFIA SEGUNDAS JORNADAS INTERNACIONAIS Krisis 2010 Cludia SOUZA 43 Essehomem(...)cerradonumaopressivaestreitezaeregularidade decostumes,impacientementelacerou,perseguiu,corroeu,espicaou, maltratouasimesmo,esseanimalquequeremamansar,queseferenas barras da prpria jaula, esse ser carente, consumido pela nostalgia do ermo, que a si mesmo teve de converter em aventura, cmara de tortura, insegura e perigosa mata esse tolo, esse prisioneiro, presa da nsia e do desespero, tornou-se o inventor da m conscincia. (NIETZSCHE, 2004: 73) Interessante perceber a semelhana entre a Genealogia da moral e o Mal-estar na civilizao escrito por Freud em 1920, o texto mais nietzschiano de Freud, ou seriaaGenealogiadaMoralotextomaisfreudianodeNietzsche?Sendoa Genealogia da moral muito anterior ao Mal-estar na civilizao podemos pensar ou nainfluenciadopensamentodeNietzschenaobradeFreud,ouemuma intensasemelhanaentreaestruturaracionaldeambosospensadores.Na seguintepassagemdoMal-estarnacivilizaopercebemosclaramentea consonncia entre as duas obras citadas: Aagressividadeprojectadaparadentro,interiorizada-na verdade,pormenviadaparaseulugardeorigem,ousejadirigida contraoego.aapropriadaporumapartedoego,osuperego,quese opeaoego,esobreaformadeconscinciamora(Gewissen),lhe patenteia a mesma tendncia para a agresso que o prprio ego gostaria de satisfazernoutros indivduos.Atensoentreoseverosuperegoqueselhe submeteaquiloquechamamossentimentodeculpa,quesemanifesta como uma necessidade de punio. A civilizao subjuga assim o perigoso instintoparaaagressodohomemenfraquecendo-o,desarmando-o,e semelhana de uma cidade conquistada, vigiando-o por intermdio de uma instncia no seu interior. (FREUD, 2008: 82). Rasklnikovessesujeitoatormentadopelosuperego.Eleandafebrile culpadopelasruasdeSoPetersburgo,ressentido,comummal-estarfsicoe psquicoincapazdeesquecerocrimequecometeu.Todaahistriauma tentativamalogradadoprotagonistadesairdoslabirintosdoseusuperego severo e de se ver livre da culpa. De acordo com uma lente nietzschiana, poderamos dizer que Rasklnikov alinhacomamoralescrava,poisincapazdeesqueceresecomoafirma Nietzsche, o esquecimento o guardio da ordem psquica, Rasklnikov tem seus afectos desorganizados. A grande questo que permeia essa anlise : e se Rasklnikovnofosseumsujeitoressentido,eseelenosesentisseculpado depoisdetercometidooassassinato,seriaeleumexemplodotipoforte nietzschiano? UtilizandoosargumentosdeFreud, ohomemcivilizado,no ohomem feliz,temqueabdicardeseusinstintosparaviv