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UNIVERSIDADE FEDERAL DE SANTA CATARINAPROGRAMA DE PS-GRADUAO EM ENGENHARIA DE PRODUO CURSO DE MESTRADO EM ENGENHARIA DE PRODUO REA DE CONCENTRAO: MDIA E CONHECIMENTO NFASE EM TECNOLOGIA EDUCACIONAL EPS/CTC/UFSC - FAE/CDE

AFETIVIDADE NO PROCESSO DE APRENDIZAGEM: UM ESTUDO DE CASO COM CRIANAS DE EDUCAO INFANTIL

Adrianna Fabiani Benato

Dissertao apresentada no Programa de Ps-Graduao em Engenharia e Produo - rea de Concentrao: Mdia e Conhecimento, nfase em Tecnologia Educacional da Universidade Federal de Santa Catarina, como requisito parcial obteno do ttulo de Mestre em Engenharia de Produo. Orientador: Prof. Dr. Francisco Antonio Pereira Fialho

FLORIANPOLIS 2001

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Esta dissertao foi julgada adequada para obteno do Ttulo de Mestre, Especialidade em Engenharia de Produo, e aprovada em sua forma final pelo programa de Ps-Graduao em Engenharia de Produo.

Coordenador do Curso

BANCA EXAMINADORA:

Prof. Araci Hach Catapan

Prof. Ana Elizabeth Moiseichyk

FRANCISCO A. P. FIALHO, DR. ENG. Orientador

Florianpolis, Novembro de 2001.

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A vida de todo ser humano um caminho em direo a si mesmo, a tentativa de um caminho, o seguir de um simples rastro. Homem algum chegou a ser completamente ele mesmo, mas todos aspiram a s-lo, obscuramente alguns, outros mais claramente, cada qual como pode. Cada um deles um impulso em direo ao ser. Herman Hesse

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AGRADECIMENTOS

A Deus, por ter me dado o dom da vida, oportunizando meu encontro com estas pessoas com quem convivo e com quem convivi, e com as crianas, que pela suas atitudes me proporcionaram condies para a concretizao deste estudo. Aos meus pais que me incentivaram para a leitura, a escrita e a pesquisa, orientando-me para a responsabilidade frente s minhas escolhas e principalmente ao compromisso em relao ao prximo. Ao meu esposo por ter compreendido o que significou para mim o desafio de terminar este trabalho, pelos momentos que compartilhou a minha experincia, muitas vezes roubados de nossas horas de lazer, e tambm, pelo seu apoio e estmulo nas horas de desalento. A todos os alunos com quem tive a oportunidade de conviver e, atravs deles aprender o que ser uma professora alfabetizadora. Ao orientador Professor Fialho por todas as orientaes, incentivos e

correes do trabalho de dissertao, que com seu exemplo e experincias inspiroume a ser uma educadora que prima pela competncia e dedicao. Ao Colgio Bom Jesus, onde desenvolvo minhas atividades profissionais, por oportunizar meu encontro com estas crianas, fundamento deste estudo.

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SUMRIO RESUMO ............................................................................................................. VIIIABSTRACT ................................................................................................................................... IX

CAPTULO I 1. INTRODUO ............................................................................................... 1.1 Justificativa .................................................................................................... 1.2 Estabelecimento do Problema ..................................................................... 1.3 Objetivos Gerais e Especficos ................................................................... 1.4 Hipteses .................................................................................................... CAPTULO II 2. A EMOO E A AFETIVIDADE ...................................................................... 2.1 Conceitos bsicos ......................................................................................... 5 5 1 1 3 3 4

2.2 A importncia da comunicao na relao educativa ................................... 15 2.3 O papel dos alunos nas atividades .............................................................. 17 2.4 A perspectiva de ampliar ............................................................................. 21 2.5 Pontos fundamentais da teoria .................................................................... 22 2.6 As contribuies para a educao ................................................................ 23 2.7 Perspectivas de mudanas ......................................................................... 26 2.8 Um outro olhar para o aluno ......................................................................... 26 2.9 A afetividade segundo Vygotsky ................................................................. 29 2.10 A afetividade segundo Wallon ................................................................. 35 40 CAPTULO III 3. A PSICOPEDAGOGIA NO BRASIL ............................................................... 3.1 Atuais desafios da Psicopedagogia ............................................................. 43 3.2 A afetividade numa perspectiva psicopedaggica ...................................... 49 3.3 Afetividade, motivao e desenvolvimento ................................................. 52 3.4 Aprendizagem e teorias psicopedaggicas ................................................. 57 3.5 Ligaes afetivas na sala de aula ................................................................ 60 CAPTULO IV 4. AS EMOES E A AUTO-ESTIMA NO PROCESSO ENSINOAPRENDIZAGEM ..................................................................................... 62 4.1 O sentimento de perda para a criana na fase de alfabetizao ................ 65

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CAPTULO V 5. ESTUDOS DE CASO ...................................................................................... 69 5.1 O caso R. ..................................................................................................... 70 5.2 O caso A.P. .................................................................................................. 71 5.3 O caso B. .................................................................................................... 72 5.4 Resultado dos estudos de caso ................................................................. 73 CONSIDERAES FINAIS ............................................................................... 75 REFERNCIAS BIBLIOGRFICAS ................................................................... 79

BENATO, Adrianna Fabiani, Afetividade no Processo de Aprendizagem: um estudo de caso com crianas de Educao Infantil. Florianpolis, 2001. Dissertao (Mestrado em Engenharia de Produo) Programa de Ps2001. Graduao em Engenharia de Produo, UFSC,

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RESUMO As emoes esto presentes quando se busca conhecimento, quando se estabelece relaes com objetos fsicos, concepes ou outros indivduos. Afeto e cognio constituem aspectos inseparveis, presentes em quaisquer atividades, embora em propores variveis. A afetividade e a inteligncia se estruturam nas aes dos indivduos O afeto tambm implica em expressividade e comunicao, e sobre esta tica que abordaremos a afetividade que envolve a interao professor aluno, influenciando decisivamente no processo de aprendizagem. Nesta pesquisa, procurou-se enfocar a emoo de maneira ampla, na vida da criana em idade prescolar, e a influncia destas sobre a aprendizagem. Foi enfocado, a seguir, a Psicopedagogia no Brasil, pois considera-se uma das melhores oportunidades de atendimento ao aluno com problemas de aprendizagem, oriundos de situaes emocionais. Outro ponto considerado relevante no estudo foi a auto-estima, um dos problemas que afeta emocionalmente grande parte do alunado, causando alteraes no processo ensino-aprendizagem. Alguns casos de maior expresso dentro da sala de aula foram estudados, dando assim uma melhor demonstrao das possibilidades de xito no trabalho com a afetividade. Palavras chave: conhecimento, afetividade e aprendizagem.

BENATO, Adrianna Fabiani, Afetividade no Processo de Aprendizagem: um estudo de caso com crianas de Educao Infantil. Florianpolis, 2001. Dissertao (Mestrado em Engenharia de Produo) Programa de Ps2001. Graduao em Engenharia de Produo, UFSC,

ABSTRACT

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The emotions are present when knowledge is looked for, when he/she settles down relationships with physical objects, conceptions or other individuals. I affect and cognition constitutes inseparable aspects, presents in any activities, although in variable proportions. The affectivity and the intelligence are structured in the individuals' actions the affection it also implicates in expressiveness and communication, and it is on this optics that we will approach the affectivity that involves the interaction teacher student, influencing decisively in the learning process. In this research, it tried to focus the emotion in a wide way, in the child's life in preschool age, and the influence of these on the learning. It was focused, to proceed, Psicopedagogia in Brazil, because he is considered one of the best attendance opportunities to the student with learning problems, originating from of emotional situations. Another point considered important in the study the self-esteem, one of the problems that affects great part of the alunado emotionally was, causing alterations in the process teaching-learning. Some cases of larger expression inside of the class room they were studied, giving like this a better demonstration of the possibilities of success in the work with the affectivity. Words key: knowledge, affectivity and learning.

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CAPTULO I1. INTRODUO 1.1 Justificativa A criana, desde o seu nascimento, sente uma necessidade muito grande de ateno, carinho e afeto para viver um processo contnuo e harmnico de socializao e integrao, que contribui satisfatoriamente no seu desenvolvimento fsico, psquico, social, intelectual e cognitivo durante toda a sua vida. O processo de conhecer a si mesmo e ao outro est internalizado, e nessa relao est a importncia da afetividade para o bom desenvolvimento integral do ser humano. As famlias menos organizadas, com problemas emocionais, de relao afetiva instvel, com problemas de comunicao familiar e com atitudes e modelos paternos que possibilitem aprendizagens inadequadas incidem sobre o desenvolvimento social e cognitivo das crianas. Na infncia formam-se os padres comportamentais e sentimentais da criana. Com a criana os pais tambm tm a oportunidade de reencontrar a emoo afetiva, muitas vezes esquecida, ou reprimida, pelas circunstncias e presses da vida, fazendo com que a escola entre cada vez mais cedo na vida dos filhos. Por volta dos seis anos, a criana est em processo de alfabetizao e seus interesses concentram-se nos estudos, na socializao, na participao em jogos e trabalhos. A escola passa a ampliar sua viso de mundo, conseguindo reconhecimento pelos mritos prprios. Alguns pais, nesta fase, alimentam muitas expectativas em relao ao desempenho da criana, que por sua vez tem suas prprias metas, limites, fracassos e realizaes.

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A competncia infantil aumenta rapidamente. Torna-se capaz de iniciar e finalizar uma srie de atividades e projetos. Nas crianas de sucesso, cujos esforos foram encorajados, respeitados e bem sucedidos, emerge um sentimento de competncia e prazer no trabalho, um senso de produtividade. J nas crianas, cujas iniciativas so desencorajadas e diminudas, surgem sentimentos de que so menos competentes do que seus colegas em realizaes, habilidades, capacidades e assim, desenvolvem um sentimento de inferioridade. Portanto, afeto, amor e experincias positivas na escola e no lar so fundamentais nesta idade. O desenvolvimento da autonomia e da afetividade permite aprimorar as relaes interpessoais; a sociedade necessita de pessoas capazes de respeitar as opinies dos demais e, por sua vez, de defender os prprios direitos. sobre os assuntos, o interesse e a curiosidade educativo. afetividade relacionamentos Nessa medida, a inventividade da criana e do educador, o levantamento de hipteses permeariam todo o processo Na maioria das vezes, os conhecimentos que dizem respeito pessoais, cidadanias, direitos e deveres

considerados pilares da solidariedade e da cooperao humana, em geral so omitidos pela escola e muitas vezes pelos prprios pais. Alm de a afetividade estar ausente nos currculos, a agressividade encontra-se presente, quer em estudos acrticos das guerras e conflitos, quer na competitividade do dia - a- dia da escola. Deste modo, observando algumas crianas de aproximadamente 6 anos de idade do Jardim III do Ensino de Educao Infantil de um Colgio da rede particular, em que a relao afetiva entre elas e os pais instvel, nota-se que as mesmas apresentam rendimento escolar diferenciado das demais. Surge, dessa forma, o interesse em pesquisar e desenvolver um trabalho a fim de constatar , analisar e concluir os problemas e as dificuldades de aprendizagem apresentados por estes alunos no transcorrer de todo um perodo escolar (1 ano) e as conseqncias que as questes de afetividade podem ocasionar no desenvolvimento da aprendizagem. 1.2 Estabelecimento do Problema

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Algumas crianas do Jardim III

do Ensino de Educao Infantil de

aproximadamente 6 anos de idade apresentam comportamentos, atitudes e dificuldades na rea cognitiva, intelectual, fsica e social, relacionados as questes de afetividade. Para desenvolverem-se plenamente em todas as reas do desenvolvimento humano, as crianas necessitam conviver num ambiente de relaes afetivas estveis com os pais, professores e as demais pessoas que a cercam. Portanto, o objeto principal do trabalho consiste na anlise dos problemas de afetividade destas crianas, verificados no processo de aprendizagem, atravs de alguns relatos de casos, sendo que o problema de pesquisa que desenvolveremos baseia-se nas conseqncias que as perdas em relao afetividade ou a ausncia dela acarretam nos diferentes domnios do desenvolvimento da criana. 1.3 Objetivos gerais e especficos. 1.3.1 Objetivos gerais: Analisar os traos diferenciais de crianas de quadro afetivo instvel, com perda afetiva ou ausncia de afetividade e que por este motivo pode interferir negativamente no processo de aprendizagem. 1.3.2 Objetivos especficos: Estabelecer conceitos bsicos para o desenvolvimento do trabalho: - Afetividade e perda luz da perspectiva de teorias psicopedaggicas. Nveis de inteligncia sob a teoria das inteligncias mltiplas de Gardner. Comparao entre as principais teorias sobre o desenvolvimento da criana em fase de alfabetizao. Definir e refletir sobre atividades prticas voltadas ao desenvolvimento da percepo musical, espacial, cinestsica, social e individual da criana.

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Definir e aplicar atividades tericas voltadas ao desenvolvimento cognitivo desmembrado nas disciplinas de Lngua Portuguesa e Matemtica. Analisar atravs de relatos de casos as crianas de relao afetiva instvel. 1.4 Hipteses Os problemas nas relaes afetivas afetam o quadro geral de aprendizagem da criana. Buscou-se os dados prticos, a partir da construo pedaggica histrico-crtica, que possibilitou atravs da observao, baseando-se nas vivncias dos aluno dentro da escola. Atravs da observao assistemtica, a qual ocorreu em tempo real e contnuo, e de conversas tanto com os alunos como com os pais, pretendeu-se definir os resultados, as descries verbais, as no verbais, os processos de anlise e sntese, influenciados pelos fatores intervenientes, que possibilitou gradativa melhora na educao e alfabetizao dessas crianas.

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CAPTULO II2. A EMOO E A AFETIVIDADE 2.1 Conceitos bsicos O processo de conhecer a si mesmo e ao outro est interligado e nessa relao est a importncia da afetividade e as conseqncias da sua perda no processo de desenvolvimento global da criana. Falar de afetividade , de certa forma, falar da essncia da vida humana no sentido em que o ser humano, social por natureza, se relaciona e se vincula a outras pessoas desde sempre, sendo feliz e sofrendo em decorrncia dessas interrelaes. Evidentemente, algumas crianas enfrentam srias dificuldades em seu desenvolvimento cognitivo e emocional. No lhes fcil abstrair e generalizar; elas sofrem inmeros medos, perdas e problemas de relacionamento com outras crianas, adultos e os prprios pais. prudente no se concluir que todas as crianas com problemas de aprendizagem escolar so crianas difceis ou anormais. Mas alguns alunos apresentam tais problemas devido sobretudo a emocionais e familiares. Os padres de comportamento perceptveis na infncia constituem a dotao original a partir do qual se desenvolvem os estados puramente mentais, sendo posteriormente interiorizados, seja uma fantasia, uma emoo ou um sentimento. desajustes

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"As emoes so os mecanismos que desencadeiam os objetivos no mais alto nvel do crebro."(FIALHO, 201, p. 216) Uma razo principal para valorizar estes padres est em que ela fornece alguns conceitos a serem provados na teoria. Muitos deles referem-se formao de vnculos afetivos, como os que ligam os filhos aos pais e os pais aos filhos. As propores em que as famlias levam em conta o papel dos laos afetivos e do comportamento de apego na vida de seus membros diferem muito. Numa famlia pode haver profundo respeito por esses laos, reao imediata s expresses de comportamento de apego e compreenso da angstia, raiva e consternao provocadas pela separao temporria, ou pela perda permanente, de uma figura amada. A manifestao clara de sentimentos estimulada e um apoio afetuoso dado, quando solicitado. Em outra famlia, em contraposio, pode-se dar pouco valor aos laos afetivos, o comportamento de apego pode ser considerado como infantil e como prova de fraqueza, sendo rejeitado, todas as expresses de sentimento podem ser vistas com desagrado, e manifestam-se desprezo em relao aos que choram. Sendo censurada e desprezada, a criana acaba por inibir seu

comportamento de apego e sufocar seus sentimentos, interferindo desta maneira no seu desenvolvimento intelectual, social e emocional. Alm disso, passa a considerar, como os pais, o seu anseio de amor como uma fraqueza, sua raiva como um pecado e seu pesar como infantil (BOWBY, 1998: 234). impossvel pensar que eu nunca mais me sentarei com voc e ouvirei seu riso. Que todos os dias pelo resto de minha vida voc estar distante. No terei ningum para falar de meus prazeres. Ningum para me convidar a caminhar, para ir ao terrao. Escrevo meu livro vazio. Choro num quarto vazio. E jamais poder haver qualquer consolo. CARRINGTON (1996)

Segundo a autora Iva W. Bonow, afetividade o conjunto de fenmenos psquicos que se manifestam sob a forma de emoes, sentimentos e paixes,

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acompanhados sempre da tonalidade dor ou prazer, satisfao ou insatisfao, agrado ou desagrado, alegria ou tristeza.(...) muitas das mais intensas emoes humanas surgem durante a formao, manuteno, rompimento ou renovao dos vnculos emocionais (...) (BOWBY, 1998:

235). Para FREIRE (1986), o querer bem no significa a obrigao a querer bem a todos os alunos de maneira igual. Significa, na verdade, que a afetividade no assustadora, que no preciso ter medo de express-la. Significa essa abertura ao querer bem o modo de autenticamente selar o compromisso com os educandos, numa prtica especfica do ser humano, separando como falsa a separao radical entre a seriedade docente e afetividade. FREIRE(1986) diz ainda, que no certo sobretudo do ponto de vista democrtico, que o professor ser to melhor quanto mais severo, mais distante e cinzento, colocando-se nas relaes com os alunos, no trato dos objetos cognoscveis que deva ensinar. A afetividade no se acha excluda da cognoscibilidade. Entretanto, o que no pode-se permitir que a afetividade interfira no cumprimento tico do dever de professor e no exerccio da sua autoridade. Para sobreviver, o ser humano necessita estabelecer uma relao estvel com um ou mais adultos em seu ambiente. Essa relao, onde determinados padres afetivos so desenvolvidos, fornece a base a partir da qual podem ocorrer as transformaes no comportamento da criana. , pois, na relao com determinados adultos que o indivduo inicia a construo dos seus esquemas (perceptuais, motores, cognitivos, lingsticos) e de sua afetividade (DAVIS, 1994:81). A criana sente necessidade da presena dos pais ou de um outro adulto para lhe dar segurana fsica e emocional, levando-a explorao do ambiente em que est inserida e, portanto, a aprender. Como elemento essencial, este interagir da criana com uma pessoa adulta, mais precisamente os pais, envolve a emoo, a afetividade. Assim, atravs da interao com indivduos mais experientes do seu

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meio social que a criana constri as suas funes mentais superiores, como afirma Vygotsky(1991), ou forma a sua personalidade, como defende Freud (apub DAVIS, 1994: 82) . Analisando a teoria freudiana, constata-se que o indivduo age de acordo com a sua excitao, com a sua energia, com seus instintos. O aspecto referente s atitudes comportamentais, aos motivos, pensamentos e emoes constitui o instinto, que a fonte de todos os impulsos bsicos do indivduo, responsvel pela aparente plasticidade da natureza humana e pela versatilidade do comportamento. A maioria dos interesses do ser humano, os gostos, as preferncias, os hbitos, as atitudes significam afastamentos de energia das escolhas iniciais do instinto. A teoria de Freud sobre a motivao foi baseada, solidamente, na aceitao da hiptese de que os instintos so as nicas fontes de energia do comportamento humano (HALL, 1984: 31). Ao nascer, tem-se uma estrutura psquica chamada Id; para agir, o recm nascido dispe apenas desta estrutura, que atua como um reservatrio de energia instintiva. As aes do beb quando nasce visam satisfazer as suas necessidades bsicas e imediatas. A criana nasce com um determinado temperamento, com desejos e necessidades, impulsos e a percepo que responsvel e auxilia no desenvolvimento. Isso a dirige, portanto, para a busca do prazer. Essa percepo vai condicionando a criana a se relacionar com as pessoas, com o mundo de forma diferente umas das outras. No incio da vida, a sobrevivncia do recm-nascido depende

fundamentalmente da figura materna. medida que cresce, se desenvolve, a criana vai, aos poucos, conferindo energia a outros elementos que passam a representar, tambm, fontes de prazer e vai percebendo que suas necessidades e desejos nem sempre so satisfeitos no momento que deseja, comeando, ento a amadurecer e a lidar com o mundo. Neste processo, ela vai formando outras duas estruturas psicolgicas derivadas do Id: o Ego e o Superego. O Ego a parte da psique que contm as habilidades, os desejos aprendidos, os medos, a linguagem, o sentido de si prprio e a conscincia. O Ego , assim, o elemento da organizao da

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personalidade, que consiste os desejos e necessidades que estabelecem um equilbrio com o mundo exterior. J o Superego, espcie de censura, de controle sobre o poder dos impulsos numa dada situao, responsvel pelo adiamento do prazer por parte do indivduo. Constitui as normas internalizadas. Alguns comportamentos que o indivduo no poder ter mesmo sendo seus desejos. Freud tambm enfatizou a qualidade instintiva das ligaes afetivas que seriam manifestaes do instinto sexual da criana. Por intermdio da sua experincia com o meio em que vive e dependendo de sua maturao orgnica, a criana atravessa vrios estgios de desenvolvimento que, para Freud, estariam ligados aos lugares do corpo que servem como fonte primria de prazer. O desenvolvimento da personalidade seguiria um padro fixo, com estgios determinados, de um lado, pelas mudanas maturacionais no corpo e, de outro, pelo tipo de relacionamento que a criana estabelece com adultos significativos do seu meio, em especial com o pai e a me (DAVIS, 1994: 83). Portanto, merece ateno especial o tratamento e a ateno que a me, o pai ou outros adultos fornecem criana, interagindo com os desejos e as necessidades do momento. Acontece, ento, a construo da personalidade e da sua identidade atravs da construo de significados referente s ligaes que o ser humano estabelece com os outros e com o mundo que o cerca, fazendo com que se diferencie das outras pessoas. Ao considerar as opinies de Freud sobre este assunto, necessrio esclarecer que a separao dos pais ou a perda dos laos afetivos pode ser traumtica em relao ao desenvolvimento fsico, social, intelectual e cognitivo da criana, especialmente quando esta removida para um lugar estranho, com pessoas estranhas. Alm disso, o perodo de vida durante o qual a separao ou a falta de afetividade evidencia-se traumtica coincide com o perodo da infncia que Freud postula ser especialmente vulnervel (de 0 a 6 anos). A ansiedade causada pela separao, falta ou perda da afetividade ocupa um lugar cada vez mais importante em sua teorizao.

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No caso de crianas de 6 anos, do Jardim III do Ensino de Educao Infantil, julgamos pertinente a anlise desta fase por ser o perodo em que o histrico de afetividade sedimenta-se a um quadro definitivo, que sai da vulnerabilidade da fase de 0 a 6 anos. Nesse sentido, o foco de anlise centra-se no resultado de um desenvolvimento afetivo, e no numa situao especfica. Uma pessoa diferente da outra, portanto cada uma delas processa as informaes ligadas perda ou falta de afetividade de sua prpria maneira, de acordo com suas caractersticas e relacionadas com a rea cognitiva e emocional atingida. A angstia nas crianas nada mais , originariamente, do que expresso do fato de estarem sentindo a perda da pessoa amada. FREUD (1974) As emoes esto presentes quando se busca conhecer, quando se estabelece relaes com objetos fsicos, concepes ou outros indivduos. Afeto e cognio constituem aspectos inseparveis, presentes em qualquer atividade, embora em propores variveis. A afetividade e a inteligncia se estruturam nas aes e pelas aes dos indivduos. O afeto pode, assim, ser entendido como a energia necessria para que a estrutura cognitiva passe a operar. E mais: ele influencia a velocidade com que se constri o conhecimento, pois, quando as pessoas se sentem seguras, aprendem com mais facilidade. Tanto a afetividade como a inteligncia so mecanismos de adaptao, que permitem ao indivduo a construo de noes sobre as situaes, os objetos e as pessoas, atribuindo-lhes atributos, qualidades e valores. Isso contribui construo de si prprio e para a obteno de uma viso do mundo. Algumas manifestaes, como lgrimas, gritos, sorrisos, um olhar, podem indicar possveis sentimentos de uma pessoa, incluindo assim, expressividade e comunicao. Por outro lado, o afeto um regulador da ao, que influencia nas para a

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atitudes do indivduo. Dessa forma, amor, dio, tristeza, alegria ou medo levam o indivduo a procurar ou evitar certas pessoas ou experincias. Na interao que professor e aluno estabelecem na escola, os fatores afetivos e cognitivos de ambos exercem influncia decisiva que permitem relacionar vrias reas em que as tendncias cognitivas especficas de cada indivduo podem influenciar de modo significativo a falta de afetividade. Segundo GARDNER(1995), a escola tradicional est centrada na explorao das inteligncias lingsticas e lgico - matemticas. Para ele a escola deveria ter uma educao pessoal, centrada no aluno, onde ele no poderia ser comparado. Sua teoria de aprendizagem defende que inteligncia no apenas a capacidade de entender alguma coisa, mas tambm, criatividade e compreenso. GARDNER(1995), baseou sua teoria em muitas idias diferentes, mas a principal delas sustenta que as pessoas manifestam as mais distintas habilidades para compor uma msica, construir um computador ou uma ponte, organizar uma campanha poltica, produzir um quadro, alm de muitas outras, e que todas estas atividades requerem algum tipo de inteligncia, mas no necessariamente o mesmo tipo de inteligncia. Para GARDNER(1995), as pessoas possuem capacidades, da quais se valem para criar algo, resolver problemas e produzir bens sociais e culturais, dentro de seu contexto. A teoria de Gardner pressupe que: As inteligncias podem ser estimuladas: o contexto social, a escola, a oportunidade de explorar e realizar atividades diferentes so fatores que podem intervir no desenvolvimento das inteligncias. As inteligncias se combinam de forma nica em cada pessoa: cada pessoa nasce com todas as inteligncias que se desenvolvero durante sua vida, de modo nico.

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Nada h como padronizar: as combinaes das inteligncias so nicas, tal como as impresses digitais. GARDNER(1995) afirma que a inteligncia responsvel por nossas

habilidades para criar, resolver problemas e fazer projetos, em uma determinada cultura. Segundo ele, cada indivduo possui alguns tipos diferentes de capacidade, que caracterizam sua inteligncia. A inteligncia como habilidade para criar: como seres humanos, podemos inventar e descobrir. Sempre pensamos em fazer coisas de um modo novo, sob um ngulo diferente. Portanto, a capacidade criadora que nos move uma caracterstica prpria da inteligncia humana. A inteligncia como habilidade para resolver problemas: muitas de nossas atividades cotidianas requerem tomadas de deciso, a busca dos melhores caminhos ou a superao de dificuldades. A resoluo de problemas est presente em todos esses casos, e o que nos habilita a resolv-los so nossas diferentes capacidades cognitivas. A inteligncia como habilidade para contribuir em um contexto cultural: um indivduo pode ser capaz de usar a sua inteligncia para criar e resolver problemas de acordo com seu contexto social. Por exemplo: no Brasil, a habilidade de reconhecer e nomear diferentes tipos de neve, ou toda a gama de suas coloraes, pode ser um mero exerccio tcnico. Mas, para quem vive no Alasca, ou faz pesquisas na Antrtida, essa informaes talvez sejam essenciais. Quanto ao ambiente educacional, GARDNER(1995) chama ateno para o fato de que, embora as escolas declarem que preparam seus alunos para a vida, a vida certamente no se limita apenas a raciocnios verbais e lgicos. Ele prope que as escolas favoream o conhecimento de diversas disciplinas bsicas; que encoragem seus alunos a utilizar esse conhecimento para resolver problemas e efetuar tarefas que estejam relacionadas com a vida na comunidade a que

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pertencem; e que favoream o desenvolvimento de combinaes intelectuais individuais, a partir da avaliao regular do potencial de cada um. GARDNER(1995) afirma que no h receitas para promover a educao de acordo com a teoria das inteligncias mltiplas, isso significa que no h uma metodologia das inteligncias mltiplas, pois no existe uma rota direta entre a pesquisa cientfica e a prtica diria da escola. As diversas possveis formas de ampliao da teoria na escola variam de acordo com nossas metas e nossos valores educativos. No entanto, os trabalhos do autor nos indicam uma preocupao com o ambiente criado na classe, bem como com a natureza das atividades propostas pelo professor. Segundo GARDNER(1995), a escolha da forma de apresentar um conceito pode em muitos casos significar a diferena entre uma experincia bem- sucedida e outra, malsucedida; por isso, o trabalho em classe ter, sem dvida, grande importncia para o desenvolvimento das inteligncias mltiplas e para a aprendizagem dos alunos. No espao da sala de aula acontecem os grandes encontros, a troca de experincias, as discusses e interaes entre os alunos, o carinho, a ajuda, o amor, enfim as relaes afetivas existentes entre professor aluno. Tambm nesse espao que o professor observa seus alunos, identifica suas conquistas e suas dificuldades e os conhece cada vez melhor. O espao da classe deve ser marcado por um ambiente cooperativo e estimulante, de modo a favorecer o desenvolvimento e as manifestaes das diferentes inteligncias e, ao mesmo tempo, promover a interao entre os distintos significados apreendidos pelos alunos, ou criados por eles, a partir das propostas que realizarem e dos desafios que vencerem. Os grupos de trabalho se tornam indispensveis, tanto quanto a utilizao de recursos didticos variados.

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O que se prope a criao de um ambiente positivo, que incentive os alunos a imaginar solues, explorar possibilidades, levantar hipteses, justificar seu raciocnio e validar suas prprias concluses. Nesse ambiente, a autonomia estimulada e os erros fazem parte do processo de aprendizagem, devendo ser explorados e utilizados de maneira a gerar novos conhecimentos, novas questes e novas investigaes, em um processo permanente de refinamento das idias discutidas. medida que se sente em um meio sobre o qual pode agir e no qual pode discutir, decidir, realizar e avaliar, o aluno adquire condies para a aprendizagem e vive situaes favorveis a ela. Dessa forma, nosso trabalho educativo no pode se realizar de maneira eficaz a no ser na situao de classes cooperativas. preciso que os alunos, enquanto esto na classe, se sintam trabalhando em um lugar que tem sentido para eles, podendo assim se engajar na prpria aprendizagem. O ambiente da sala de aula pode ser visto como uma oficina de trabalho de professores e alunos, um espao estimulante e acolhedor, de trabalho srio, organizado e alegre. Pensando assim, os instrumentos teis para a realizao das atividades precisam estar ao alcance de todos, em uma organizao funcional e sugestiva. possvel reservar na sala de aula um canto para deixar os livros, jogos, material para recorte e colagem, quebra-cabeas etc. a classe tambm pode ser organizada de modo a gerar espaos para desenvolver atividades em grupo, realizar trabalhos em duplas ou individualmente e oferecer condies para o professor conversar com a classe toda. fundamental prever um espao para expor os registros feitos, as produes coletivas, as concluses e descobertas. O ideal aproveitar paredes, portas, armrios, murais, mbiles e outros espaos, na classe e fora dela, para afixar

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registros e informaes. O trabalho exposto revela a metodologia usada pelo professor, destaca autorias, fixa e revela idias, mostra hipteses a respeito das noes que os alunos vm desenvolvendo, permite intercmbio de impresses e de solues entre os colegas. O importante nessa organizao toda que seja estabelecido um contrato entre professor e alunos, para o bom andamento das atividades na comunidadeclasse e, consequentemente, na comunidade-escola. Dessa forma, todos tero conscincia dos papis e das atribuies de cada um no processo de trabalho escolar, percebendo que h muitos pontos de contato entre as diferentes funes, mas h tambm especificidade inerentes a cada uma.

2.2 A importncia da comunicao na relao educativa Na organizao do espao e do ambiente, fundamental o papel da comunicao entre todos os envolvidos no processo de trabalho da classe. A comunicao define a situao que d sentido s mensagens trocadas. Portanto, ela no se resume transmisso de idias e fatos; trata-se, principalmente, de oferecer novas formas de ver essas idias, de pensar e relacionar as informaes recebidas, de modo a construir novos significados.Segundo a proposta de Franta1 e colaboradores, importante para os educadores conhecer, saber, ser informado a respeito de uma educao que ajude no crescimento do educando. Mas uma informao que leve a "uma sensibilizao e por fim a uma iniciao aos processos concretos que favoream o nascer do comportamento educativo desejado. (MARMILICZ,1999, p.17)

A comunicao pede o coletivo, e se transforma em redes de conversao nas quais os pedidos e os compromissos, as ofertas e as promessas, as consultas e as resolues se entrecruzam e se modificam de forma recorrente. Todos os membros da organizao participam da criao e da manuteno desse processo.

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Herbert FRANTA, Interazione Educativa. Teoria e Prtica, Roma, LAS, 1977,5.

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Nesse aspecto a linguagem aparece como elemento construtivo da comunicao, enquanto meio do aluno expressar-se e como um ato com significados carregados de emoo e motivao. Segundo MARMILICZ (1999, p.133):"A motivao indica fatores internos ao sujeito que, junto aos estmulos da situao, determinam a direo e a intensidade da conduta daquele sujeito no momento preciso." A comunicao desempenha um papel importante na construo de elos de ligao entre as noes intuitivas dos alunos e a linguagem simblica da escola. Desempenha tambm um papel- chave para a construo de relaes entre as representaes fsicas, pictricas, verbais, grficas e escritas em relao s diferentes noes e aos diferentes conceitos abordados nas aulas. Interagir com os colegas auxilia os alunos a construir seu conhecimento, aprender outras formas de pensar nas idias e tornar mais claro seu prprio pensamento enfim, ajuda-os a construir significados, pois "ensinar no s falar, as se comunicar com credibilidade". (MORAN et al. 2000, p.62) Representar, ouvir, falar, ler e escrever so competncias bsicas de comunicao. Por isso, se sugere que o ambiente previsto para o trabalho contemple momentos para: Produo e escrita de textos; Trabalho em grupo; Atividades de jogos; Elaborao de representaes pictricas; Elaborao e leitura de livros pelos alunos. Variando os processos e as formas de comunicao, amplia-se o leque de possveis significados para uma idia surgida no contexto da classe.

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Quando colocada em evidncia, a idia de um aluno provoca uma reao nos demais, formando uma teia de interaes e permitindo que diferentes inteligncias se mobilizem no decorrer da discusso.

2.3 O papel dos alunos nas atividades Nas primeiras aes planejadas a partir da teoria das inteligncias mltiplas, o professor desempenha o papel de estimulador das competncias e organizador das atividades. No entanto, com o passar do tempo, ele vai propiciando condies para os alunos se tornarem responsveis pela aprendizagem e tambm aprimoramento de seu espectro de competncias. Os alunos so tratados como indivduos capazes de construir, modificar e integrar idias; para tanto, precisam ter a oportunidade de interagir e relacionar-se com outras pessoas, com objetos e situaes que exijam envolvimento, dispondo de tempo para pensar e refletir acerca de seus procedimentos. fundamental que as atividades selecionadas incentivem os alunos a resolver problemas, sejam eles cognitivos, sociais, afetivos, etc., tomar decises, perceber regularidades, analisar dados, discutir e aplicar idias; as atividades devem estar sempre relacionadas com situaes que tragam desafios e levantem problemas que precisam ser resolvidos, ou que dem margem criao. As atividades propostas devem permitir que os alunos se sintam capazes de vencer as dificuldades com as quais se defrontam e de tomar a iniciativa para desenvolve-las de modo independente. Percebendo o prprio progresso, eles se sentem mais estimulados a participar ativamente. Progressivamente, e de acordo com o desempenho dos alunos, as atividades vo se tornando cada vez mais complexas. pelo

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Estimular o aluno a controlar e corrigir seus erros, refletir sobre seus atos, rever suas respostas e observar seu progresso permite que ele identifique os pontos em que falhou e aqueles em que foi bem- sucedido, procurando entender por que isso ocorreu. A conscincia dos acertos, erros e lacunas ajuda o aluno a compreender seu prprio processo de aprendizagem, desenvolvendo sua autonomia para as atividades selecionadas pelo professor precisam continuar a aprender. E

favorecer tais possibilidades. A execuo de todas as tarefas propostas nas atividades requer uma combinao de inteligncias. Essas tarefas variam de situaes relativamente direcionadas pelo professor a outras em que os alunos podem agir livremente, decidindo o que fazer, e como. Em todas as situaes, tanto as colocaes do professor quanto as dos alunos podem ser questionadas, desde que haja um clima de trabalho adequado participao de todos e elaborao de questes. Isso s ocorre se todos os membros do grupo respeitarem e discutirem as idias dos outros. Os alunos devem perceber que ser capaz de explicar e justificar seu raciocnio to importante quanto ouvir e respeitar as explicaes dos colegas; e que saber como resolver um problema to importante quanto obter sua soluo. De acordo com a Teoria das Inteligncias Mltiplas, cada inteligncia deve apresentar um grupo de componentes que formam a base dos mecanismos de processamento de informaes necessrios para lidar com um determinado tipo de situao. Gardner prope que talvez seja possvel definir a inteligncia humana como um mecanismo neural ou um sistema computacional, geneticamente programado para ser ativado por certos tipos de informao (GARDNER, 1995). Esse sistema desdobrado em sete componentes:

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Inteligncia lingstica:

se manifesta na habilidade para lidar criativamente

com as palavras, em diferentes nveis de linguagem (semntica, sintaxe), tanto na expresso oral quanto na escrita (no caso de sociedades letradas). Particulares notvel em poetas e escritores, tambm desenvolvida por oradores, jornalistas, publicitrios e vendedores, por exemplo. Inteligncia lgico matemtica: como diz o nome, caractersticas de

pessoas que so boas em lgica, matemtica e cincias. a inteligncia que determina a habilidade para o raciocnio lgico dedutivo e para a compreenso de cadeias de raciocnios bem como a capacidade de solucionar problemas envolvendo nmeros e elementos matemticos. a competncia mais diretamente associada ao pensamento cientfico e, portanto, idia tradicional de inteligncia. Cientistas, advogados, fsicos e matemticos so exemplos de profissionais nos quais esta inteligncia se destaca. Inteligncia musical: envolve a capacidade de pensar em termos musicais, reconhecer temas meldicos, ver como eles so transformados, seguir esse tema no decorrer de um trabalho musical e, mais ainda, produzir msica. a inteligncia que permite a algum organizar sons de maneira criativa a partir da discriminao de elementos como tons, timbres e temas. As pessoas que apresentam esse tipo de inteligncia como, por exemplo, muitos msicos famosos da msica popular brasileira em geral no dependem de aprendizado formal para exerc-la. Inteligncia espacial: corresponde habilidade de relacionar padres,

perceber similaridades nas formas espaciais e conceituar relaes entre elas. Inclui tambm a capacidade de visualizao no espao tridimensional e a construo de modelos que auxiliam na orientao espacial ou na transformao de um espao. Um mestre de xadrez usa imagens visuais e a inteligncia espacial para planejar suas estratgias. A inteligncia espacial no depende da viso, pois crianas cegas, usando o tato, podem desenvolver habilidades nesta rea. A inteligncia

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espacial estaria presente em arquitetos, pilotos de Frmula-1 e navegadores, por exemplo. Inteligncia corporal cinestsica: uma das competncias que as pessoas acham mais difcil de aceitar como inteligncia. Cinestsia o sentido pelo qual percebemos nosso corpo movimentos musculares, peso e posio dos membros etc. ento, a inteligncia cinestsica se refere habilidade de usar o corpo todo, ou partes dele, para resolver problemas ou moldar produtos. Envolve tanto o alto controle corporal quanto destreza para manipular objetos. Atores, mmicos, danarinos, malabaristas, atletas, cirurgies e mecnicos tm uma inteligncia corporal cinestsica bem desenvolvida. Inteligncia interpessoal: inclui a habilidade de compreender as outras

pessoas: como trabalham, o que as motiva, como se relacionar eficientemente com elas. Esse tipo de inteligncia a que sobressai nos indivduos que tm facilidade de relacionamento com os outros, tais como terapeutas, professores, lideres polticos, atores e vendedores. So pessoas que usam a habilidade interpessoal para entender e reagir s manifestaes emocionais das pessoas a sua volta. Nas crianas e nos jovens tal habilidade se manifesta naqueles que so eficientes ao negociar com seus pares, que assumem a liderana, ou que reconhecem quando os outros no se sentem bem e se preocupam com isso. Inteligncia intrapessoal: a competncia de uma pessoa para ser exemplo de algum, capaz de refletir sobre suas emoes e depois transmiti-las para outros. Esta inteligncia o correlativo interno da inteligncia interpessoal. a habilidade para Ter acesso aos prprios sentimentos, sonhos e idias, para discrimin-los e lanar mo deles na soluo de problemas pessoais. o reconhecimento de habilidades, necessidades, desejos e inteligncias prprias, a capacidade para formular uma imagem precisa de si mesmo e a habilidade de usar essa imagem para funcionar de forma efetiva. Essa capacidade tambm aparece em lideres polticos.

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Devemos pensar nessas sete inteligncias pelo menos como sete habilidades que caracterizam nossa espcie e que se desenvolveram ao longo do tempo. De maneira geral, todos ns temos parcelas expressivas de cada uma delas, mas o que nos diferencia a maneira pela qual elas se configuram, ou o perfil de nossos pontos fortes e fracos. Alm disso, uma inteligncia nunca se manifesta isolada, no comportamento humano. Cada tarefa, ou cada funo, envolve uma combinao de inteligncia. O principal desafio da educao , portanto, entender as diferenas no perfil intelectual dos alunos e formar uma idia de como desenvolv-lo.

2.4 A perspectiva de ampliar Do ponto de vista de GARDNER(1995), embora no se esteja acostumado a usar o termo inteligncia para abranger uma quantidade grande de habilidades, essa mudana lingstica necessria para ajudar a reconhecer os diversos campos valorizados pelas sociedades de todo o mundo. O uso mais amplo do termo inteligncia levou algumas pessoas a perguntar: Por que sete? Por que no setenta, ou setecentas? Nada h de mgico no nmero sete. Com o passar do tempo e a observao, segundo o prprio GARDNER(1995), poderemos constatar que essa proposta deixou de lado certas inteligncias, ou incluiu outras que no deveriam compor o espectro. Esse espectro compreendido como o conjunto de habilidades ou de competncias, que formam as inteligncias mltiplas com todas suas combinaes, variaes e totalidades. O grande valor da teoria das inteligncias mltiplas reside na introduo de critrios de anlise que os pesquisadores podem usar para debater o conceito de inteligncia. Recentemente, Gardner apresentou uma oitava inteligncia, a naturalista, relacionada com a sensibilidade para o meio ambiente. Algum que sensvel ao mundo natural, como por exemplo, um jardineiro, um fazendeiro ou um paisagista, possui essa inteligncia bem- desenvolvida.

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2.5 Pontos fundamentais da teoria Alguns princpios fundamentais podem ser destacados na teoria das inteligncias mltiplas: 1- O nmero de competncias que pode ser associado inteligncia no definitivo, no o centro da teoria. O fundamental consiste em perceber o carter mltiplo da inteligncia e a possibilidade de vermos suas manifestaes como uma teia de relaes tecidas entre todas as dimenses possveis, e no mais sob a perspectiva de algo que possa ser medido ou como um conjunto de habilidades isoladas. 2- Apesar das distines, as inteligncias interagem. Nada seria feito, ou nenhum problema se resolveria, se as distines e a independncia impedissem as inteligncias de trabalharem em conjunto. GARDNER (1995) considera, por exemplo, que seria difcil resolver um problema de matemtica sem utilizar tambm as dimenses lingsticas e espacial. Mais que isso, ele afirma que cada papel cultural assumido pelo indivduo na sociedade, seja qual for o grau de sofisticao, requer uma combinao de inteligncia. 3A inteligncia no nica e no pode ser medida. GARDNER(1995)

afirma que sua teoria se contrape a esse modo de pensar a inteligncia porque questiona o conceito tradicional, uma vez que tem uma viso pluralista da mente. Essa viso reconhece muitas facetas diferentes e separadas do conhecimento e da percepo humana, acreditando que as pessoas tm foras e estilos de aprendizagem e conhecimento diferenciado, e at contrastantes. Esses aspectos jamais podero ser medidos ou padronizados e so desenvolvidos em uma combinao entre fatores biolgicos, culturais, sociais e tecnolgicos, ao longo de toda a vida de cada pessoa.

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2.6 As contribuies para a educao So inmeras as possveis contribuies de uma teoria como a das inteligncias mltiplas para prtica escolar. Da organizao do trabalho do professor reflexo aceita do planejamento curricular, ou o papel da comunidade na escola, muitas coisas podem ser revistas, confirmadas ou modificadas. No entanto, antes de analisar os reflexos dessa teoria na prtica escolar preciso pensar a respeito dos conceitos anteriores de inteligncia e de sua utilizao na educao. Segundo MORAN, et al. (2000, p. 95):Os processos pedaggicos que levam em considerao os oito diferentes tipos de inteligncias possibilitaro ao indivduo uma viso interdisciplinar, que favorece a formao do homem sensvel, responsvel, competente, crtico, transformador, solidrio, que luta pelos processos de justia, de paz, de honestidade, de igualdade, de amorosidade.

As diversas concepes anteriores de inteligncia valorizam apenas as inteligncias lingsticas e lgico- matemtica e se baseavam na crena de que a inteligncia humana totalmente determinada por fatores hereditrios. Assim, ao se adotar a concepo de inteligncias mltiplas, inevitvel que sejam desencadeadas profundas mudanas na prtica escolar. A crena de que a inteligncia era apenas hereditria, algo nico e passvel de meditao, exerceu grande influencia nas questes de ensino escolar, especialmente aps a fase da apologia dos testes, em diferentes partes do mundo. Segundo ASSMANN (1999, p.117) "Fica sublinhado, desse modo, que Gardner assume, como ponto de partida, a existncia, no sistema neurolgico, de mecanismos de processamento da informao adequados ao tratamento de tipos especficos de informao que o indivduo encontra em seu meio, mas o faz ficando bastante preso ao modelo informtico - computacional." Pautando-se pela concepo unidimensional de inteligncia, a escola passou a adotar uma viso uniforme de organizao e a trabalhar para desenvolver

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indivduos realmente inteligentes. Assim, as escolas adotaram um currculo essencial e selecionaram um conjunto de fatos que todos, igualmente, deveriam conhecer. Muitos dos estudos da inteligncia desenvolvidos pelos pesquisadores se valiam de testes que, aplicados em grande escala no sistema educacional, serviam de base para classificar os alunos. Os indivduos que no obtinham boas avaliaes nos testes escolares eram classificados como atrasados, fracos, lentos ou pouco inteligentes. A escola no se preocupava em detectar as causas do fracasso de determinados indivduos, fracasso esse considerado inevitvel devido a sua falta de inteligncia. Afinal, como se poderia auxiliar pessoas que, pelo se supunha, havia nascido pouco ou imediatamente inteligentes, a superar suas dificuldades? Os melhores alunos, aqueles com quociente de inteligncia (QI) mais alto, estariam predestinados a ter sucesso na vida, seguir as melhores carreiras profissionais e ir para as melhores universidades. Essa perspectiva se baseava na existncia de um conjunto bsico de competncias e em uma gama determinada de conhecimentos que, supostamente, todos os indivduos de nossa sociedade deveriam dominar. De acordo com essa concepo, alguns indivduos eram mais capazes que outros, sendo previsvel que dominassem mais rapidamente os conhecimentos transmitidos pela escola. As escolas deveriam ser organizadas de maneira a garantir aos mais talentosos a possibilidade de chegar ao topo e, ao mesmo tempo, permitir que o maior nmero possvel de alunos atingisse o conhecimento bsico, da maneira mais eficiente possvel. Sem dvidas, houve professores e pesquisadores da rea de educao que, em diferentes momentos, perceberam as falhas e as insuficincias de um ensino

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seletivo, que perdia pelo caminho uma grande quantidade de alunos. Tambm inegvel que, a partir da percepo do fracasso, refletido no alto ndice de reprovao e mesmo de abandono da escola, educadores de diferentes reas analisaram esses problemas e propuseram as mais diversas solues para tentar solucion-los. No entanto, apesar de tantas tentativas, ainda hoje predomina a concepo de educao classificatria. Falou-se, com justa razo e necessidade, em mudanas metodolgicas, em valorizao da qualificao profissional do professor, em usar tcnicas e materiais variados, em permitir que o aluno construa seu prprio conhecimento e assim por diante. Segundo FIALHO (2001), "uma vez disparada por um momento apropriado, uma emoo aciona uma cascata de sub-objetivos que chamamos de pensar e agir." Talvez em nenhum outro momento da pesquisa educacional os

pesquisadores das universidades tenham produzido tantos e to relevantes trabalhos a respeito do fracasso escolar. Contudo, os problemas continuam; e, mesmo sob pena de ouvir protestos veementes em sentido contrrio, preciso dizer que as mudanas ocorridas foram tmidas democraticamente, tanto em escolas pblicas quanto nas particulares, se mantm a prtica de uma educao classificatria. A possibilidade de mudar esse quadro depende de um trabalho rduo por parte de todos os envolvidos no processo educacional do governo aos cidados, passando pelos professores e pesquisadores. Todos tm um papel relevante nesse movimento de mudana. Um dos principais requisitos para que uma ruptura real acontea consiste em repensar a concepo de inteligncia que permeia as aes docentes.

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2.7 Perspectivas de mudanas Tomando por base a concepo de inteligncias mltiplas, vislumbramos a possibilidade de pensar uma educao escolar bem diferente da que predomina hoje em nossas escolas. A viso pluralista da mente reconhece muitas facetas diversas da cognio; reconhece tambm que as pessoas tm foras cognitivas diferenciadas e estilos de aprendizagem contrastantes. Uma escola que leve em considerao a teoria de GARDNER(1995) deve ter como propsito desenvolver as inteligncias e auxiliar as pessoas a atingir harmonia em seu espectro de competncias. Para GARDNER (1995), o propsito da escola deveria ser educar para a compreenso e para ajudar os alunos a encontrar seu prprio equilbrio. Ao receber essa ajuda, a pessoa se sente mais engajada e competente, e portanto mais inclinada a servir sociedade de maneira construtiva. H muitas vantagens em adotar o referencial das inteligncias mltiplas como uma das bases tericas do trabalho na escola. Talvez a primeira delas seja partir do princpio de que nem todas as pessoas tm os mesmos interesses e habilidades, nem todas aprendem da mesma maneira. Essa perspectiva nos permite olhar para os alunos de modo mais amplo e descobrir que eles podem ser inteligentes no apenas em lnguas e matemtica, mas tambm no modo de movimentar seu corpo seguindo uma msica, no modo de produzir uma escultura, ou na maneira de se relacionar com os outros.

2.8 Um outro olhar para o aluno Um dos pontos vantajosos da teoria das inteligncias mltiplas no trabalho com educao escolar a crena de que todo aluno tem potencial para se desenvolver intensamente em uma ou em vrias reas, pois possvel observar e

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estimular as diferentes competncias dos indivduos. Tal maneira de olhar para o aluno permite que a escola crie condies para interferir no desenvolvimento e no treino das competncias. Ao mesmo tempo, torna possvel acompanhar individualmente os resultados da prtica pedaggica e adotar uma atitude de constante reflexo a respeito dos sucessos e insucessos no trabalho docente. Segundo GARDNER (1995), a escola precisa superar o pensamento estilo QI, e no mais enfatizar os testes mdio e de leis gerais padronizados, a procura de um indivduo de aprendizagem.

Para GARDNER(1995), a escola deveria ser modelada de forma a atender s diferenas entre os alunos, em vez de ignor-las, e ao mesmo tempo garantir para cada pessoa a possibilidade de uma educao que aproveite ao mximo seu potencial intelectual. Nesse sentido, seria papel da escola buscar uma educao centrada no indivduo mas no individualista, que levasse a srio as inclinaes, os interesses e os objetivos de cada aluno. Na educao centrada no indivduo, uma crescente porcentagem de alunos encontraria seu lugar, cada um se sentiria bem consigo mesmo e teria a possibilidade de se tornar um membro positivo de sua comunidade. Em relao a essa nova escola, a teoria das inteligncias mltiplas aponta ainda a necessidade de que a educao busque: Estimular nos alunos o profundo entendimento de umas poucas disciplinas bsicas (lnguas, matemtica, cincias, histria, geografia e artes); Encorajar as crianas a utilizar esse conhecimento para fazer tarefas com as quais se deparam dentro e fora da escola; Incentivar o desenvolvimento uma mistura singular de inteligncias em cada aluno;

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Apoiar-se

na

comunidade

e

em

seus

servios

para

as

atividades

extracurriculares; Oferecer disciplinas opcionais, com liberdade de escolha para os alunos; Aceitar o desafio de articular um ambiente ilimitado e intencional; Criar um ambiente para que os alunos se sintam livres para explorar novos estmulos e situaes desconhecidas; Propiciar o engajamento dos alunos em projetos coletivos e individuais; E, finalmente, auxiliar os alunos a aprender e documentar seu trabalho e seu processo de aprendizagem. Por fim, com essa teoria surge tambm a possibilidade de olhar o aluno por inteiro, no apenas como uma cabea que se desenvolve lingstica e matematicamente. Quando existe um padro nico e preestabelecido de competncia, inevitvel que muitos alunos acabem se sentindo incompetentes, especialmente porque esse padro costuma super-valorizar os aspectos lingsticos e lgico matemtico. Ao ampliar, como professores e cidados, nossa viso acerca da relatividade de ser competente e de como essa expresso apresenta aspectos diferenciados em cada indivduo, se proporciona aos alunos a possibilidade de realizar com maior sucesso seu potencial intelectual. No se trata de olhar o aluno de modo relativista, nem conformista, ou ainda de maneira paternalista, mas de assumir as diferenas e buscar trabalhar com elas, fazendo com que a inteligncia, uma vez democratizada, seja usada a favor do aluno, e no contra ele. Ao se partir da hiptese terica de que as noes psicanalticas de Freud fundamentam o quadro da afetividade da criana de 6 anos, pretende-se traar um paralelo entre essas noes e o desdobramento das inteligncias mltiplas de Gardner. Quer dizer, pretende-se analisar em que medida as questes de afetividade atingem o quadro de aprendizagem, multifacetado nas sete inteligncias:

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lingistica, lgico - matemtica, musical, espacial, cinestsica, interpessoal e intrapessoal. Enquanto isso, pode-se aceitar que o vnculo afetivo o ponto central atravs do qual gira a vida de uma pessoa, no s enquanto criana, mas tambm durante toda a vida do ser humano. deste vnculo que retirado o prazer da vida e toda a sua fora e prazer a outras pessoas, auxiliando, assim, os que enfrentam dificuldades nas diversas reas do conhecimento e impedindo que outras pessoas venham a enfrent-las. A maneira como a criana aprendeu por um processo de construo influenciado tanto pelo equipamento individual como pelas relaes afetivas e o meio ambiente, ou seja, a maneira como ela representa internamente tanto a si mesmo como aos outros e aos vnculos existentes em sua vida, vai determinar em grande parte suas possibilidades de vincular-se e de desenvolver-se plenamente ao longo de sua histria. Para tanto, necessrio tornar conscientes contedos, atitudes,

comportamentos que esto inconscientes, pois existem desejos, necessidades e falta de afeto que podem ser resolvidos.

Afetividade segundo VYGOTSKY

As dimenses cognitiva e afetiva do funcionamento psicolgico tm sido tratadas, ao longo da histria da psicologia como cincia, de forma separada, correspondendo a diferentes tradies dentro dessa disciplina. Atualmente, no entanto, percebe-se uma tendncia de reunio desses dois aspectos, numa tentativa de recomposio do ser psicolgico completo. Essa tendncia parece assentar-se em uma necessidade terica de superao de um diviso artificial, a qual acaba fundamentando uma compreenso fragmentada do funcionamento psicolgico. As situaes concretas da atividade humana, objeto de interesse de reas aplicadas

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como a educao, por exemplo, tambm pedem uma abordagem mais orgnica do ser humano: as lacunas explicativas tornam-se bvias quando se enfrenta indivduos e grupos em situaes reais de desempenho no mundo. No caso de VYGOTSKY (1991), os aspectos mais difundidos e explorados de sua abordagem so aqueles referentes ao funcionamento cognitivo: a centralidade dos processos psicolgicos superiores no funcionamento tpico da espcie humana; o papel dos instrumentos e smbolos, culturalmente desenvolvidos e internalizados pelo indivduo, no processo de mediao entre sujeito e objeto de conhecimento; as relaes entre pensamento e linguagem; a importncia dos processos de ensino aprendizagem na promoo do desenvolvimento; a questo dos processos metacognitivos. Em termos contemporneos, Vygotsky poderia ser considerado um cognitivista, na medida em que se preocupou com a investigao dos processos internos relacionados aquisio, organizao e uso do conhecimento e, especificamente, com sua dimenso simblica. VYGOTSKY (1991) menciona, explicitamente, que um dos principais defeitos da psicologia tradicional a separao entre os aspectos intelectuais, de um lado, e os volitivos e afetivos, de outro, propondo a considerao da unidade entre esses processos. Coloca que o pensamento tem sua origem na esfera da motivao, a qual inclui inclinaes, necessidades, interesses, impulsos, afeto e emoo. Nesta esfera estaria a razo ltima do pensamento e, assim, uma compreenso completa do pensamento humano s possvel quando se compreende sua base afetivovolitiva. A separao do intelecto e do afeto, diz VYGOTSKY (1991): enquanto objetos de estudo, uma das principais deficincias da psicologia tradicional, uma vez que esta apresenta o processo de pensamento como um fluxo autnomo de pensamentos que pensam a si prprios, dissociado da plenitude da vida, das necessidades e dos interesses pessoais, das inclinaes e dos impulsos daquele que pensa. A anlise em unidades indica o caminho para a soluo desses problemas de importncia vital. Demonstra a existncia de um sistema que cada idia contm uma atitude afetiva transmutada com relao ao fragmento de realidade ao qual se

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refere. Permite-nos ainda seguir a trajetria que vai das necessidades e impulsos de uma pessoa at a direo especfica tomada por seus pensamentos, e o caminho inverso, a partir de seus pensamentos at o seu comportamento e a sua atividade( VYGOTSKY 1991). Alm dos pressupostos mais gerais de sua teoria mencionados, vrias so as portas de entrada, em sua obra, que permitem uma aproximao com a dimenso afetiva do funcionamento psicolgico. Em primeiro lugar escreveu diversos textos sobre questes diretamente ligadas a essa dimenso ( emoo, vontade, imaginao criatividade), a maior parte deles no traduzidos do russo e muitos no publicados nem mesmo na Unio Sovitica . Dentre as grandes contribuies tericas deste sculo para a especial, a obra dos cientista russo Levy Vygostsky apresenta-se em destaque. Apesar de ter vivido apenas 37 anos, ele nos deixou trabalhos extremamente significativos e contemporneos. A partir do trabalho com formao de professores de crianas com os mais diversos tipos de deficincias, Vygotsky interessou-se pela pessoa com anormalidades fsicas e mentais. Dedicou vrios anos de sua pesquisa a esse estudo no s com o objetivo de ajudar na reabilitao das crianas deficientes, como tambm de melhor compreender o desenvolvimento dos processos mentais do ser humano. Na educao especial, grandes contribuies podem ser observadas no conjunto da sua obra, onde um dos conceitos que se pode destacar o da zona de desenvolvimento proximal . A partir deste conceito percebe-se as possibilidades de desenvolvimento das crianas com necessidades especiais na escola regular e observa-se que tanto o meio social e cultural, como o professor e demais alunos das escolas podero funcionar como mediadores entre a criana e os objetos culturais, ajudando na formao da funes psicolgicas superiores.

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Para VYGOTSKY (1991, p.237) essas formaes psicolgicas so produto da influncia social sobre o ser humano, so a representao e o fruto do ambiente cultural externo na vida do organismo. Toda pessoa tem essas formas, mas dependendo da histria de cada pessoa e da plasticidade varivel de suas capacidades constitucionais originais, elas so ricamente desenvolvidas em uma pessoa, e, em outra, encontra-se em embrio. Ressaltada a importncia do conceito de zona de desenvolvimento proximal para a aprendizagem, se aborda nesse trabalho, um dos postulados que Vygotsky coloca como fundamental nesse processo, qual seja, a teoria da mediao. Segundo ele, para que haja desenvolvimento, o fator cultural apresenta-se como determinante e os fenmenos psicolgicos so resultantes das transformaes genticas ocasionadas a partir da atuao do sujeito no contexto social e cultural. Para Vygotsky o meio fator determinante para a construo das estruturas mentais onde cada indivduo aparece como ativo participante de sua prpria existncia, construda na inter-relao com outros sociais. Dentro de cada estgio do seu desenvolvimento a criana desenvolve a capacidade com a qual ela pode, competentemente, afetar o seu meio e a si mesma (VYGOTSKY, apud Vasconcelos & Valsiner, 1995, p.46). Essa capacidade vai acontecendo ao longo do desenvolvimento, onde o indivduo internaliza as formas culturalmente dadas de comportamento, num processo em que atividades externas, funes interpessoais, transformam-se p.27).Nesse sentido podemos dizer que todas as funes psquicas so de natureza e origem e social, onde o indivduo, sozinho, no dispe de estruturas internas capazes de promover um desenvolvimento pleno. Isso significa que, de um lado o meio sociocultural condio necessria para a constituio do psiquismo humano e, de outro, que essa constituio no da origem biolgica, mas sim, de origem cultural. Sendo assim, entendemos que o conhecimento se d no movimento dialtico entre os atores sociais, onde estar junto, em relaes mecnicas no o suficiente para que ele ocorra, mas sim nas experincias de trocas, no confronto das idias, na cooperao, no movimento de dar e receber. Esses pressupostos reforam nossa crena na incluso do aluno portador de necessidades especiais na sala de aula regular, partindo do princpio de que a heterogeneidade favorecer o desenvolvimento desses alunos, podendo ser um fator imprescindvel para as interaes na sala de aula. Os diferentes ritmos, comportamentos experincias, trajetrias pessoais, contextos familiares, valores e nveis de

em atividades internas, intrapsicolgicas (OLIVEIRA, 1992,

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conhecimentos e cada criana (e do professor) imprimem ao cotidiano escolar a possibilidade de troca de repertrios, de viso de mundo, confrontos, ajuda mtua e conseqente ampliao das capacidades individuais. (REGO, 1997. p. 110).

De acordo com essa idia, a incluso poder ser um caminho com maiores possibilidades de ganhos na aprendizagem e desenvolvimento do aluno com necessidades especiais. Quanto menos restrito, mais aberto o plural for o meio em que o indivduo se desenvolve, melhor ser para a produo de educao e cultura. A diversidade proporcionar benefcios atravs de situaes de interao distintas, proporcionadas pelo convvio com os mais diversos nveis intelectuais, alm de ritmos e idades diferentes, o que certamente levar a um maior enriquecimento do universo particular de cada um. Nos seus estudos sobre as deficincias, VYGOTSKY (1991) discordava da educao entre iguais, da educao voltada para a homogeneidade, criticava as formas de avaliao e classificao das crianas para em seguida inseri-las em grupos uniformes, defendia tambm que o trabalho educativo a partir de grupos de diferentes nveis de funcionamento proporciona a criana a transformao de sua capacidades. Nesse sentido, pertinente a afirmao de BROWN (1989, p. 25), quando diz que as escolas especiais proporcionam as crianas deficientes um ambiente demasiado restrito, que resulta empobrecer e contraproducente do ponto de vista educativo, de altos em funo da sua eficcia e ideologicamente inadequado por favorecer a segregao e a discriminao. Segundo VYGOTSKY(1991) a criana devia ter o direito ao desenvolvimento atravs da sua experincia com as diferenas, mesmo que para ter acesso a esse saber diferenciado fosse preciso usar caminhos (GES, 1996, p.47). A busca por esses caminhos especiais que facilitem a aprendizagem um papel da instituio escolar, que o lugar, por excelncia, onde deve ocorrer a socializao do saber sistematizado universalmente. Para que esse saber ocorra de forma competente, necessrio a interveno deliberada do professor, atravs do uso de estratgias pedaggicas especiais que proporcionem a interao dos alunos com seus colegas e com ele prprio.

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Nossa crena de que a interveno pedaggica adequada atravs da utilizao de estratgias especiais, tais como jogos pedaggicos diversos, literatura infantil, atividades plsticas, produes de textos com relatos de diferentes formas, individual, em duplas, em grupos e auto - correes, amplie o nvel de aprendizagem do aluno, possibilitando um marco para os desafios. Sendo assim, essas estratgias podem tambm trazer vantagens para o professor, se ela for vista como um instrumento de possibilidade renovao da sua prtica pedaggica. Alm de principal agente na trajetria dos alunos nesse processo, o professor tambm o mediador mais importante nessas interaes entre os alunos e os objetos do conhecimento. Cabe a ele, no s estimular essas interaes, mas principalmente promov-las no seu dia a dia em sala de aula, adotando uma posio de busca do significado das condutas dos seus alunos para uma interveno pedaggica mais adequada. Em relao s dificuldades encontradas no trabalho com alunos especiais, pode-se reportar a VYGOTSKY (1991, p. 226-228-237) quando ele diz que no se pode olhar um defeito como algo esttico e permanente (...) um defeito pode funcionar como poderoso estmulo no sentido da reorganizao cultural da personalidade (...) s precisa saber as possibilidades de compensao e como fazer uso delas (..) uma criana retardada pode ser dotada dos mesmos talentos naturais de uma criana normal, mas no sabe como utilizar esses talentos naturais e isso constitui o defeito bsico da mente da criana retardada, em conseqncia, o retardo um defeito no s dos prprios processos naturais, mas tambm do seu uso cultural (...) O talento cultural significa antes de mais nada usar racionalmente as capacidades de que dotado, ainda que sejam mdias ou inferiores, para alcanar o tipo de resultados de uma pessoa culturalmente no desenvolvida s pode alcanar com a ajuda de capacidades naturais consideravelmente mais forte. Essa afirmao refora a tese de que o ingresso de uma criana com necessidades especiais na sala de aula regular, aumentar sobremaneira suas possibilidades de conhecimento. Nesse sentido pode-se afirmar que a escola regular , potencialmente, um espao que permite muito mais a vivncia de experincias

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significativas e diversificadas do que instituies educacionais que primam pela homogeneidade. necessrio que os educadores que fazem a educao especial bem como os profissionais de educao de modo geral acreditem na importncia dessa teoria e a partir dessa crena busquem estratgias e instrumentos para que a escola possa se preparar para trabalhar com todos os alunos. Para VYGOTSKY (1991), zona de desenvolvimento proximal (...) a

distncia entre o nvel de desenvolvimento real que se costuma determinar pela capacidade de solucionar independentemente um problema e o nvel de desenvolvimento potencial, determinado atravs da soluo de problemas sob a orientao de um adulto ou em colaborao com companheiros mais capazes

2.10 A afetividade segundo WALLON Na psicogentica de Henri Wallon, a dimenso afetiva ocupa lugar central, tanto do ponto de vista da construo da pessoa quanto do conhecimento. Ambos se iniciam num perodo que ele denomina impulsivo - emocional e se estende ao longo do primeiro ano da vida. Neste momento a afetividade reduz-se praticamente s manifestaes fisiolgicas da emoo, que constitui, portanto, o ponto de partida do psiquismo. Desta maneira, a caracterizao que apresenta a atividade emocional complexa e paradoxal: ela simultaneamente social e biolgica em sua natureza; realiza a transio entre o estado orgnico do ser e a sua etapa cognitiva, racional, que s pode ser atingida atravs da mediao cultural, isto , social. A conscincia afetiva a forma pela qual o psiquismo emerge da vida orgnica: corresponde sua primeira manifestao. Pelo vnculo imediato que instaura com o ambiente social, ela garante o acesso ao universo simblico da cultura, elaborado e acumulado pelos homens ao longo da sua histria. Dessa forma ela que permitir a tomada de posse dos instrumentos com os quais trabalha a atividade cognitiva. Neste sentido, ela lhe d origem.

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A afetividade, nesta perspectiva, no apenas uma

das dimenses da

pessoa: ela tambm uma fase do desenvolvimento, a mais arcaica. O ser humano foi, logo que saiu da vida puramente orgnica, um ser afetivo. Da afetividade diferenciou-se, lentamente, a vida racional. Portanto, no incio da vida, afetividade e inteligncia esto sincreticamente misturadas, com o predomnio da primeira. A sua diferenciao logo se inicia, mas a reciprocidade entre os dois desenvolvimentos se mantm de tal forma que as aquisies de cada uma repercutem sobre a outra permanentemente. Ao longo do trajeto, elas alternam preponderncias, e a afetividade reflui para dar espao intensa atividade cognitiva assim que a maturao pe em ao o equipamento sensrio - motor necessrio explorao da realidade. A partir da, a histria da construo da pessoa ser constituda por uma sucesso pendular de momentos dominantemente afetivos ou dominantemente cognitivos, no paralelos, mas integrados. Cada novo momento ter incorporado as aquisies feitas no nvel anterior, ou seja, na outra dimenso. Isto significa que a afetividade depende, para evoluir, de conquistas realizadas no plano da inteligncia, e vice-versa. A idia de fases do desenvolvimento da inteligncia bastante familiar; bem menos comum a noo de etapas da afetividade, fora da psicanlise, onde ela se aplica a uma sexualidade que se desenvolve margem da racionalidade. Aqui existe a suposio de que ela incorpora de fato as construes da inteligncia, e por conseguinte tende a se racionalizar. As formas adultas de afetividade, por esta razo, podem diferir enormemente das suas formas infantis. No seu momento inicial, a afetividade reduz-se praticamente s suas manifestaes somticas, vale dizer, pura emoo. At a, as duas expresses so intercambiveis: trata-se de uma afetividade somtica, epidrmica, onde as trocas afetivas dependem inteiramente da presena concreta dos parceiros.

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Depois que a inteligncia construiu a funo simblica, a comunicao se beneficia, alargando o seu raio de ao. Ela incorpora a linguagem em sua dimenso semntica, primeiro oral, depois escrita. A possibilidade de nutrio afetiva por estas vias passa a se acrescentar s anteriores, que se reduziam comunicao tnica: o toque e a entonao da voz. Instala-se o que se poderia denominar de forma cognitiva de vinculao afetiva. Pensar nesta direo leva a admitir que o ajuste fino da demanda s competncias, em educao, pode ser pensado como uma forma muito requintada de comunicao afetiva. Em seu ltimo grande momento de construo, a puberdade, retorna para o primeiro plano um tipo de afetividade que incorporou a funo categorial (quando esta se construiu, evidentemente). Nasce ento aquele tipo de conduta que coloca exigncias racionais s relaes afetivas: exigncias de respeito recproco, justia, igualdade de direitos etc. No atend-las tende a ser percebido como desamor; o que ocorre freqentemente entre adolescentes e seus pais, quando estes persistem em aliment-los com um tipo de manifestao que no corresponde mais s expectativas da sua nova organizao afetiva. Segundo TAILLE(1992), enfrentando o risco do esquematismo, se falar ento em trs grandes momentos: afetividade emocional ou tnica; afetividade simblica e afetividade categorial: o qualificativo corresponde ao nvel alcanado pela inteligncia na etapa anterior. Nos momentos dominantemente afetivos do desenvolvimento o que est em primeiro plano a construo do sujeito, que se faz pela interao com os outros sujeitos; naqueles de maior peso cognitivo, o objeto, a realidade externa, que se modela, custa da aquisio das tcnicas elaboradas pela cultura. Ambos os processos so, por conseguinte, sociais, embora em sentidos diferentes: no primeiro, social sinnimo de interpessoal; no segundo, o equivalente de cultural. Tudo o que foi afirmado a respeito da integrao entre inteligncias e afetividade pode ser transposto para aquela que se realiza entre o objeto e o sujeito. Deve-se ento concluir que a construo do sujeito e a do objeto alimentam-se

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mutuamente, e mesmo afirmar que a elaborao do conhecimento depende da construo do sujeito nos quadros do desenvolvimento humano concreto. Nesta vinculao est uma das mais belas intuies da teoria walloniana: a de que a sofisticao dos recursos intelectuais utilizvel na elaborao de personalidades ricas e originais. Neste sentido, a construo do objeto est a servio da construo do sujeito: quem fala nitidamente o psiclogo, e no o epistemlogo. O produto ltimo da elaborao de uma inteligncia, concreta, pessoal, corporificada em algum, uma pessoa. A construo da pessoa uma auto construo. O processo que comeou pela simbiose fetal tem no horizonte a individualizao. Paradoxalmente, poder-se-ia afirmar desta individualizao que ela vai de um tipo de sociabilidade para outro, atravs da socializao. No h nada mais social do que o processo atravs do qual o indivduo se singulariza, constri a sua unicidade. Quando ele superou a dependncia mais imediata da interpessoalidade, prossegue alimentando-se da cultura, isto , ainda do outro, sob a forma, agora, do produto do seu trabalho. Poder agora socializar-se na solido. Este longo caminho leva de uma forma de sociabilidade a outra. Nunca o ser geneticamente social a que se refere Wallon (apud TAILLE, 1992), poderia passar por uma fase pr-social. O vnculo afetivo supre a insuficincia da inteligncia no incio. Quando ainda no possvel a ao cooperativa que vem da articulao de pontos de vista bem diferenciados, o contgio afetivo cria os elos necessrios ao coletiva. Com o passar do tempo, a esta forma primitiva se acrescenta a outra, mas, em todos os momentos da histria da espcie, como da histria individual, o ser humano dispe de recursos para associar-se aos seus semelhantes. A idia da construo da unicidade luminosa; ela tem uma dimenso

trgica, entretanto, no seu destino de obra muito frgil e sempre inacabada. A apreenso de si mesmo parece to fugaz quanto uma bolha de sabo, ameaada pelas simbioses afetivas, pelos estados pessoais de emoo ou mesmo de mero cansao.

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Alguns dos aspectos desta interpretao da pessoa parecem aplicar-se aos versos do poeta: Perdi-me dentro de mim Porque eu era labirinto E agora quando me sinto com saudades de mim.

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CAPTULO III3. A PSICOPEDAGOGIA NO BRASIL Os altos ndices de evaso e repetncia, tendo como causas o fracasso escolar, a carncia afetiva, a falta de estmulos, incentivos e motivao por parte da famlia e dos educadores, tm impulsionado os profissionais ligados educao e buscarem novas alternativas de atuao, visando reverter este quadro. H vrios anos, os problemas educacionais no Brasil tm sido objeto de pesquisa de muitos estudiosos, atribuem como causa dos problemas de aprendizagem, os problemas individuais dos alunos. Esta idia lamentavelmente tambm compactuada por alguns professores, revelando-nos a existncia de um ensino conservador que, geralmente, impe todas as culpas ao prprio aluno. Dentre os educadores brasileiros que se preocupam com as causas e conseqncias deste problema temos PATTO (1990) que, nos seus estudos, constatou que a educao brasileira nas ltimas dcadas tem se caracterizado pela tendncia de atribuir os sucessos e fracassos dos alunos exclusivamente os fatores individuais. Por outro lado, esta mesma educadora, nesta mesma obra, enfoca a existncia de uma tendncia de mudana na educao brasileira, na medida em que, visando superar estas idias de se atribuir os fracassos dos alunos a fatores individuais, vrios educadores tm se interessado por novos estudos e, consequentemente, por formas diferenciadas de atuao.

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Estes educadores tm enfatizado a importncia e a necessidade de se refletir sobre a prpria prtica e sobre as questes relacionadas ao desenvolvimento cognitivo, afetivo e psicomotor, implcitas no processo de ensino e aprendizagem, buscando meios alternativos para o sucesso dos alunos. Neste clima de interesse por alternativas de sucesso escolar associado s influncias de experincias educacionais, bem sucedidas, desenvolvidas em outros pases e, que a partir dos anos 60 passaram a ser mais conhecidas e divulgadas no Brasil que vo ocorrer as primeiras iniciativas de atuao Psicopedaggica no nosso pas. A partir deste contexto, as contribuies da psicopedagogia passam a ser mais conhecidas e socializadas no Brasil. Acredita-se que a primeira experincia Psicopedaggica no pas ocorreu em 1958, com a criao do Servio de Orientao Psicopedaggica (SOPP) da Escola Guatemala na ento Guanabara. O SOPP, tinha como meta desenvolver a melhoria da relao professor aluno, aluno famlia e criar um clima mais receptivo para a aprendizagem, aproveitando para isso as experincias anteriores dos alunos. Ao mesmo tempo em que as experincias do SOPP eram desenvolvidas, vrias clnicas Psicopedaggicas se proliferaram em diversos estados brasileiros. Estas clnicas voltavam-se, geralmente, para o atendimento de crianas que eram encaminhadas pelas escolas, por apresentarem baixo rendimento escolar. Como se pode notar, a psicopedagogia no Brasil uma rea de estudo relativamente nova e que consegue se articular melhor aps a criao, em 1980, da Associao de Psicopedagogo de So Paulo que em, 1988, transforma-se na Associao Brasileira de Psicopedagogia. Ao longo de sua existncia a associao tem promovido vrios encontros e congressos, visando dentre outras coisas refletir sobre: a formao do Psicopedagogo, a atuao Psicopedaggica objetivando melhorias da qualidade de

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ensino nas escolas, a identidade profissional do Psicopedagogo, o campo de estudo e atuao do Psicopedagogo, o enfoque Psicopedaggico multidisciplinar. A formao do Psicopedagogo em nosso pas dever ocorrer atravs de cursos de especializao em nvel de ps- graduao, por escolas ou instituies credenciadas. A tendncia atual de formao e ao Psicopedaggica tem se voltado mais para uma abordagem institucional preventiva, do que para uma abordagem clnica. Acredita-se que isto se deve, dentre outros fatores, prpria clientela que tem procurado os cursos regulares de especializao. Segundo a Associao Brasileira de Psicopedagogia, h alguns anos atrs o curso de Psicopedagogia era procurado por especialistas, que exerciam atividades em clnicas e buscavam subsdios para atuar com as patologias e com os distrbios de aprendizagem. Atualmente estes cursos so procurados por profissionais que atuam nas escolas e que, frente s novas pesquisas e realidade educacional, vem em busca de subsdios para uma ao preventiva, visando evitar ou superar possveis dificuldades de aprendizagem na prpria unidade escolar. O Psicopedagogo atua diretamente junto ao educando que apresenta problemas de aprendizagem, na tentativa de identificar os fatores que interferem ao seu processo de aprendizagem e de ajud-lo a superar as dificuldades, atravs de um acompanhamento remedial. Essa atuao se define necessariamente como um mediador entre a instituio social escola e a instituio social famlia, ambas preocupadas com os sintomas de fracasso da criana. Em decorrncia do seu papel de mediador, o Psicopedagogo lida com perplexidades de natureza diversa: a perplexidade da escola, que no consegue entender por que certas crianas no aprendem a ler e a escrever. No encontrando outra sada seno a de rotul-las (apressadamente) de portadoras de algum distrbio de aprendizagem, a escola no reluta em encaminh-las para especialistas vrios, eximindo-se, assim, de qualquer responsabilidade; a perplexidade das famlias que, at enviarem os filhos para a escola, no haviam identificado, no comportamento habitual dessas crianas, nenhum sintoma preocupante, mas que assumem os distrbios atribudos s crianas, a

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partir do diagnstico patologizante da escola (instituio que a sociedade representa como competente para opinar sobre questes e ensino/aprendizagem); a perplexidade das prprias crianas, que muitas vezes no entendem a escola, o seu discurso e as atividades que ali so chamadas a desempenhar. Perplexas com o tratamento que passam a receber na escola e, consequentemente, em casa, acabam por incorporar o rtulo a elas atribudo e por comportar-se segundo expectativas geradas pelo prprio rtulo. Para que possa atuar significativamente, rompendo o crculo vicioso resultante do conflito de tais perplexidades, o Psicopedagogo precisa estar tecnicamente capacitado para lidar com uma srie de equvocos que perpassam o ensino de todos os contedos da escola.

3.1 Atuais desafios da Psicopedagogia A Psicopedagogia, por ser um campo de estudo relativamente novo no pas, vem enfrentando srios desafios. Um deles reside na prpria formao do Psicopedagogo pois, especialmente com a ampliao do campo de atuao para as instituies, a procura pelo curso aumentou muito e, consequentemente, para acompanhar a demanda est ocorrendo uma abertura indiscriminada de cursos, em diversas regies do Brasil vrios deles com qualidade duvidosa. Isto, alm de comprometer a qualidade da formao, consequentemente ter como decorrncia o comprometimento da atuao Psicopedaggica. Outro desafio a ser enfrentado est na construo da identidade do Psicopedagogo e na delimitao do seu campo de atuao. Isto deve contribuir para que o Psicopedagogia no se constitua em um modismo passageiro mas, sim, que tenha o seu espao de atuao e proposta de trabalho delimitados e, ao mesmo tempo, articulados a outros profissionais. Desta forma a ao Psicopedaggica dever comprometer-se com os reais problemas vivenciados no cotidiano do processo de ensino aprendizagem, propondo especialmente alternativas didtico-

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metodolgicas que visem contribuir para a reduo dos altos ndices de fracasso escolar e excluso social. A psicopedagogia nasceu rompendo com a viso reducionista, diante dos problemas de aprendizagem. Neste sentido, j nas suas origens, a psicopedagogia procurou compreender mais profundamente como ocorre este processo de aprender, numa abordagem mais integrada em que no se exclui nenhum dos fatores, sejam psicolgicos, pedaggicos, socioculturais e biolgicos. Estas reflexes foram tomando forma e se estruturando gradativamente, abrindo espao para uma rea especfica de estudo e uma prtica educacional teraputica, diante dos problemas de aprendizagem. Este espao psicopedaggico foi progressivamente se definindo como uma prxis comprometida com uma viso mais articulada do todo, no que se refere aos aspectos afetivo-cognitivo-biolgicoculturais, presentes no processo de aprendizagem. A busca de um trabalho interdisciplinar comprometido com o fenmeno educativo e que projete uma interveno transformadora em benefcio do aluno, tambm outro desafio da Psicopedagogia. Com isto, a ao Psicopedaggica passa a ser ampliada e incorporada aos projetos pedaggicos das unidades escolares, enriquecendo a metodologia utilizada em sala de aula. Isto ir contribuir tambm para se repensar o processo avaliativo, especialmente no que diz respeito coerncia entre o planejamento, os procedimentos metodolgicos desenvolvidos e o processo avaliativo. De todos os desafios aqui apontados e de outros existentes, talvez o maior desafio no nosso pas seja a popularizao da Psicopedagogia. Seria fundamental que ela deixasse de ser restrita a clnicas e instituies de ensino particulares, ou seja, a uma determinada classe social e se tornasse uma prtica comum, disponvel tambm em instituies pblicas, portanto, disposio dos diversos segmentos sociais.

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Apesar de tantos desafio, a Psicopedagogia tem conquistado seu espao na educao brasileira, como uma prtica que propicia alternativas de reflexo e ao, visando melhorias no processo de ensino e aprendizagem, contribuindo assim para reverter a atual situao educacional do nosso pas. Atualmente, a Psicopedagogia vem assumindo sua identidade, ampliando seu referencial terico e mbito de atuao, sem penetrar nos espaos de outras profisses. Procura coordenar esforos, oferecendo e buscando contribuies das reas afins, procurando mostrar que a cooperao possvel e necessria para a atuao profissional em qualquer rea, especialmente na educao. O atendimento psicopedaggico escolar, tem se mostrado eficiente, tanto na orientao de professores que desejam melhorar sua atuao, procurando adapt-la s caractersticas especficas de seus alunos, que apresentem ou no dificuldades, como na organizao, planejamento, desenvolvimento e avaliao de programas de trabalho pedaggico. Como no poderia deixar de ser, as diversa formas de compreender o processo de aprendizagem, baseadas em diferentes abordagens Epistemolgicas, Psicolgicas, Sociolgicas, Pedaggicas, entre outras, se fazem refletir no atendimento psicopedaggico, provocando o aparecimento de formas de atuar bastante diferenciadas. Considerando a criana e o adolescente em seus aspectos fsicos, afetivos, sociais, morais e cognitivos, inter-relacionados, abstrado do conjunto apenas para fins de estudo e pesquisa; considerando-os como sujeitos ativos, que constrem o conhecimento e a personalidade prpria, na interao com