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CICLO INTEGRADO DE CINEMA, DEBATES E COLÓQUIOS NA FEUC DOC TAGV / FEUC INTEGRAÇÃO MUNDIAL, DESINTEGRAÇÃO NACIONAL: A CRISE NOS MERCADOS DE TRABALHO ADRIANO VAZ SERRA VIOLÊNCIA NÃO VISÍVEL NAS SOCIEDADES MODERNAS

ADRIANO VAz SERRA - Universidade de Coimbravezes, se entreolhavam e sorriam disfarçadamente. Passou a sentir-se ferido na sua auto-estima, a verificar que o depreciavam constantemente

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CICLO INTEGRADO DE CINEmA, DEBATES E COLÓQUIOS NA FEUC

DOC TAGV / FEUC

INTEGRAçãO mUNDIAL, DESINTEGRAçãO NACIONAL:

A CRISE NOS mERCADOS DE TRABALhO

ADRIANOVAz SERRA

VIOLêNCIA NãO VISíVEL

NAS SOCIEDADES mODERNAS

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CICLO INTEGRADO DE CINEmA, DEBATES E COLÓQUIOS NA FEUC

DOC TAGV / FEUC

INTEGRAçãO mUNDIAL, DESINTEGRAçãO NACIONAL:

A CRISE NOS mERCADOS DE TRABALhO

GLOBALIzAçãO E CONCORRêNCIA NO mERCADO DE TRABALhO:

O DOmíNIO DO INTOLERáREL

http://www4.fe.uc.pt/ciclo_int/2007_2008.htm

VIOLêNCIA NãO VISíVEL

NAS SOCIEDADES mODERNAS

("A DOr qUE nãO TEm nOmE")

ADriAnO VAz sErrA

TEATrO ACADémiCO DE Gil ViCEnTE

21 DE FEVErEirO DE 2008

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© El Método, 2005.

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VIOLêNCIA NãO VISíVEL NAS SOCIEDADES mODERNAS

(“A DOr qUE nãO TEm nOmE”)

Por Adriano Vaz Serra

Será que a violência humana pode não ser visível?

No dicionário Aurélio da língua portuguesa o termo violência refere-se a “constrangimento físico ou moral, uso da força, coacção”. A definição implicitamente significa que a violência pode não ser perceptível quando se manifesta por constrangimento moral ou coacção psicológica.

Vamos citar um caso concreto.

O Senhor João, de 51 anos, trabalhava numa empresa que, a dada altura, foi vendida a outro grupo económico. O seu chefe directo reformou-se e o Senhor João ficou a substituí-lo, até que a nova Administração clarificasse as funções que lhe competiriam.

Pouco tempo depois foi chamado ao Serviço de Pessoal para lhe comunicarem formalmente que, não só o lugar que ocupava não era para si, como também teria que sair para outro Departamento. A firma iria ser reestruturada e, no local onde trabalhava, não precisavam dele. Tal situação chocou-o bastante. Sempre tinha sido um bom trabalhador e, devido às suas qualidades de trabalho, fora escolhido para substituir o antigo chefe. Considerou a decisão uma injustiça, custando-lhe também o modo como lhe foi transmitida.

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No dia em que foi destacado para outro local de trabalho, o Director do Departamento referiu-lhe, no primeiro contacto que tiveram, que contava com ele e com a sua experiência para melhorar os índices de produtividade de um Departamento que, apesar de possuir maquinaria bastante sofisticada, não conseguia atingir índices de rentabilidade minimamente aceitáveis. O Senhor João respondeu com um sorriso: “Conte comigo para o ajudar”!

Saiu satisfeito desta entrevista pois estava convencido que, afinal, lhe reconheciam o valor que julgava merecer.

Contudo, apesar do que lhe foi mencionado, cedo começou a verificar que não era verdade o que lhe haviam referido. Não tinham por ele qualquer consideração. A sua opinião ou a sua colaboração nunca era pedida fosse para o que fosse. Não lhe transmitiam as decisões que tomavam. Chegava a conhecê-las, ocasionalmente, pelos seus colegas de trabalho.

Devido à forma como era continuamente tratado, sentia-se humilhado e diminuído perante os colegas. Imaginava que estes poderiam ver na atitude que estavam a ter para consigo que não tinha capacidade para ocupar um lugar de maior responsabilidade. E o Senhor João reparou, quando passava por antigos colegas, que estes evitavam conversar. Desconfiou que, algumas vezes, se entreolhavam e sorriam disfarçadamente. Passou a sentir-se ferido na sua auto-estima, a verificar que o depreciavam constantemente e que, afinal, o seu conhecimento e experiência não eram aproveitados como a princípio lhe haviam dado a entender. Tinha já pedido, mais do que uma vez, para falar de novo com o Director do Departamento. Debalde! Havia sempre uma desculpa para não ser atendido.

Gradualmente as suas condições de trabalho começaram a ser intoleráveis. Obrigavam-no a passar todo o dia fechado no seu gabinete sem lhe darem quaisquer tarefas específicas para realizar. E o Senhor João pensava: “Que estou aqui a fazer? Porque me tratam assim?” Sentia-se marginalizado, vítima de uma injustiça, sem

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objectivos definidos, sem saber como ocupar o seu tempo. Aos poucos e poucos a sua identidade ia sendo destruída. O desespero interior ia crescendo. O problema é que não tinha ninguém a quem recorrer para modificar a situação.

Devido a estes factos começou a desenvolver um estado depressivo que gradualmente se foi agravando. Cada vez lhe custava mais atravessar a porta daquela maldita empresa. A vida deixou de ter sentido. Tinha a sensação de que lhe estavam a criar de propósito uma situação insustentável, à espera que desse o primeiro passo para se despedir. Mas, com 51 anos, onde iria encontrar trabalho? O seu estado depressivo foi-se agravando e começou a esboçar algumas vezes ideias de suicídio.

Incentivado pela família, com a ajuda de um advogado conhecido, conseguiu negociar com a firma a sua própria saída. Contudo, conforme se antevia, não conseguiu arranjar novo emprego. A sua depressão foi-se agravando e tornou-se crónica. A tensão arterial tinha começado a subir. Apesar de tomar medicamentos, as noites eram um tormento para si, cheias de pesadelos. Acabou por ser reformado por invalidez. Embora tenha resolvido momentaneamente a sua situação, levava consigo a amargura e o ressentimento do que lhe tinham feito. O dinheiro de que podia dispor ao fim do mês também não lhe permitia levar uma vida folgada.

Os superiores hierárquicos do Senhor João tinham desenvolvido para com ele uma interacção social hostil, não-ética, manifestada de forma intencional e sistemática, por tempo prolongado, que conduziu à sua vitimização. Acabou por ficar isolado, numa situação de desespero e sem defesas. Tinha-se tornado vítima de uma reestruturação empresarial, que o desejava pôr fora.

Será que a violência não-visível só ocorre no mundo do trabalho?

Não! Ocorre noutras situações, de que vamos dar realce às mais significativas.

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Abuso e negligência na infância

Há acontecimentos traumáticos que, pelas marcas que deixam, devem ser mencionados. Referimo-nos, entre outros, ao abuso sexual infantil, ao abuso físico ou negligência grave na infância, em que a criança é vítima de maus-tratos físicos, queimaduras, restrição forçada ou fome. Van der Kolk (2002) menciona que os indivíduos com histórias de abuso e negligência na infância têm tendência a desenvolver problemas psiquiátricos graves. Costumam apresentar uma perturbação acentuada na sua capacidade de auto-regulação, o que os impede de estabelecer um relacionamento interpessoal adequado. Toleram mal o stress: “Sentem os pequenos problemas como circunstâncias que os esmagam”; têm propensão a desenvolver depressões, transtornos mediados pela ansiedade e apetência por drogas.

A estes aspectos vamos acrescentar agora questões relacionadas com a violência doméstica.

A violência doméstica

Refere Van der Kolk (2000) que, para as mulheres e para as crianças, mas não para os homens, os traumas que decorrem de manifestações de violência originadas por pessoas íntimas com quem se tem intimidade costumam constituir um problema muito mais grave do que os acontecimentos traumáticos infligidos por desconhecidos ou por acidentes. Em 1994, menciona Van der Kolk, 62% de quase 3 milhões de agressões feitas a mulheres nos EUA resultaram de pessoas que as vítimas conheciam. No mesmo ano, 63 % de quase 4 milhões de agressões feitas a homens ocorreram com desconhecidos. Quatro em cada cinco manifestações de abuso em crianças são perpretadas pelos próprios pais. Mais de 1/3 das agressões domésticas determina lesões graves nas vítimas, o que só acontece em ¼ das vítimas de agressões feitas por desconhecidos. Estes factos, comenta van der Kolk, levam a considerar que as agressões cometidas “por alguém conhecido” não são menos graves do que as realizadas por desconhecidos.

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A violência doméstica pode manifestar-se de quatro formas distintas. A pessoa pode ser vítima de uma só ou chegar a ser vítima de todas elas.

1) Abuso emocional e verbal: usualmente ocorre de uma forma insidiosa e repetitiva, produzindo um grande desgaste emocional. Devido a estas características deixa na vítima feridas psicológicas muito marcadas, difíceis de atenuar, em que é atingida particularmente a sua auto-estima. Em que consiste? A vítima é frequentemente humilhada no confronto consigo e perante os outros, são-lhe chamados os piores nomes possíveis, é manipulada nos seus desejos e sentimentos e é constantemente inferiorizada naquilo que diz e no que realiza.

2) Isolamento: nestes casos a vítima é impedida de ter contacto com familiares ou amigos e, muitas vezes, igualmente com outras pessoas ou situações que possam ser gratificantes. O abusador, a fim de obter um controlo completo sobre a vítima, leva-a e vai buscá-la ao local de trabalho ou a quaisquer outros sítios onde refira que precisa de ir.

3) Ameaças e intimidações: o abusador costuma igualmente fazer ameaças de violência física em relação à vítima, pessoas da sua família de origem, filhos ou animais domésticos de que a vítima goste. Igualmente faz ameaças de “correr com ela” ou “de a deixar sozinha”, levando consigo os filhos.

4) Abuso físico: este costuma surgir como uma sequência natural de escalada quando já ocorreram os pontos anteriores. Quando há períodos em que deixa de haver abuso físico, o facto não significa que as circunstâncias anteriormente mencionadas não vão continuando a surgir e a produzir o seu desgaste emocional.

Infelizmente, em grande número de casos, a vítima tem tendência a esconder o que lhe acontece, por uma questão de vergonha, de dependência económica ou por falta de testemunhas que comprovem o que se passa. Não toma, por isso, as medidas adequadas à sua própria defesa. Por vezes, pessoas que testemunharam os factos, não desejam assumir o seu papel para não se envolverem em conflitos familiares desagradáveis.

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Biden (1993) refere a este propósito: “Todos os dias, a todas as horas, na realidade em todos os minutos, uma mulher nos EUA sofre a dor e a violência de uma agressão física. Por cada 6 minutos que passam uma mulher é violada”...”a violência doméstica é a causa principal das lesões sofridas pelas mulheres entre os 15 e os 44 anos”...”O abuso conjugal é mais comum do que o número de acidentes de automóvel, assaltos e as mortes por cancro no seu conjunto”. Este autor menciona ainda:”...um terço das mulheres, vítimas de homicídio, morre às mãos do seu próprio marido ou do seu namorado”.

Em Portugal, de acordo com dados do Ministério da Administração Interna, as denúncias de violência doméstica têm vindo a aumentar progressivamente, para valores superiores a 11 % ao ano, tendo-se registado 11.162 queixas em 2000, 12.697 queixas em 2001, 14.071 queixas em 2002, 17.427 queixas em 2003, tendo subido para 20.000 em 2006. A violência contra a(o) cônjuge ou companheira(o) é a mais frequente, constituindo 84% das denúncias.

Segundo o Serviço de Informação a Vítimas de Violência Doméstica a quase totalidade das chamadas recebidas é feita por mulheres (97,8%), pertencendo predominantemente às faixas etárias dos 25 aos 34 anos e dos 35 aos 44 anos.

A Assembleia Geral da ONU definiu, em 1993, a violência contra as mulheres como qualquer acto de violência com base na diferença de género que resulte ou tenha a probabilidade de resultar em lesão ou sofrimento físico, sexual ou mental, incluindo as ameaças de tais actos, coacção ou privação arbitrária de liberdade, quer ocorra em público quer na vida privada.

Judith Herman (1997) refere que os sobreviventes de condições traumáticas, prolongadas e repetidas, desenvolvem frequentemente mudanças persistentes da sua personalidade, incluindo distorções no seu relacionamento com os outros e na sua identidade pessoal. Torna-se uma situação crónica e debilitante que usualmente corresponde a uma história de submissão a um controlo totalitário, durante um período prolongado de tempo, que pode oscilar entre meses e anos.

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Van der Kolk et al. (1996) referem que esta entidade clínica, usualmente ligada a circunstâncias traumáticas precoces, costuma apresentar um conjunto complexo de sintomas, nomeadamente:

- Alterações na regulação dos impulsos afectivos, incluindo dificuldade na modulação das manifestações de cólera e comportamento auto-destructivo;

- Alterações da atenção e da consciência, levando a estados de amnésia, a episódios dissociativos e a fenómenos de despersonalização,

- Alterações na auto-percepção, comprovadas por um estado permanente de culpabilidade, responsabilidade e vergonha;

- Alterações no relacionamento com as outras pessoas, em que o indivíduo se revela incapaz de confiar nos outros e de desenvolver uma relação de intimidade;

- Manifestações de somatização, em que o indivíduo se queixa de sintomas somáticos para os quais não se encontra explicação médica e

- Alterações nos sistemas de significação (perda da fé e sentimentos de desespero e de desesperança).

Como casos típicos assinalam-se as situações de sobreviventes de exploração sexual organizada, de abuso físico ou sexual na infância e de maus-tratos domésticos.

Vamos agora passar para a exploração sexual organizada.

O tráfico de mulheres

No protocolo da ONU (2000) para prevenir, suprimir e punir o tráfico de pessoas, o termo tráfico refere-se a recrutamento, transporte, transferência, alojamento ou recepção de pessoas pelo uso de força ou de ameaça, rapto, fraude,

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falsa informação, coacção ou pelo abuso do poder ou recepção ou entrega de dinheiro ou benefícios de forma a que uma pessoa (o comprador) tenha controlo sobre outra pessoa com a finalidade de a explorar.

O tráfico de pessoas é, na época actual, uma forma importante de violência não-visível.

As pessoas traficadas são vítimas de violações de direitos humanos, que incluem o direito à vida, liberdade, segurança pessoal, privacidade, integridade física e mental e libertação da escravidão. As vítimas de tráfico ficam frequentemente expostas a formas de abuso físico, sexual e emocional, incluindo ameaças de violência contra si ou contra membros da sua família. Os traficantes usam a violência ou a ameaça de violência para impedir que as vítimas tentem fugir. As vítimas correm um risco elevado de vir a contrair: uma doença sexualmente transmissível, entre as quais uma infecção pelo virus HIV/SIDA e outras doenças físicas e mentais. As crianças sofrem de problemas de desenvolvimento, atrasos do crescimento e problemas psicológicos.

O tráfico de seres humanos é actualmente o terceiro negócio mais lucrativo do mundo, a seguir ao tráfico de drogas e de armamento. De acordo com a Interpol uma mulher traficada pode render ao seu comprador entre 75.000 a 250.000 USD por ano!!!

Tatiana Denisova (Law Department Zaporizhie State University) refere que actualmente, no mundo inteiro, aproximadamente 2 milhões de mulheres e crianças são convertidas em “mercadoria”, são compradas e vendidas, gerando um lucro aproximado de 7 a 12 biliões de dólares americanos por ano. Em contraste com estes números, em apenas uma década, um número que se calcula corresponder a 30 milhões de mulheres e crianças foram traficadas apenas da Ásia (UNICRI, 1998).

Segundo Aurora Javate De Dios (2003) o tráfico afecta qualquer uma das grandes regiões do mundo, quer como fonte de fornecimento, quer como países

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de destino ou de passagem. As operações dos traficantes são facilmente integradas em correntes de sectores económicos tais como: os “entretenimentos para adultos”, turismo sexual, prostituição e pornografia, muitas das quais são legais ou toleradas em muitos países. Atingem biliões de dólares de lucro, à custa da exploração de mulheres e crianças.

Não é que no momento presente o mundo tenha descoberto subitamente que estas mulheres eram raptadas, vendidas e violadas. A única diferença que existe é que “este negócio”, floresce como nunca anteriormente aconteceu.

Victor Malarek (2004) refere que a 1.ª onda de mulheres traficadas, na década de 1970, foi composta maioritariamente por tailandesas e filipinas; a 2.ª onda, chegou no começo da década de 1980 e era constituída por mulheres provenientes de África, principalmente do Gana e da Nigéria; seguiu-se uma 3.ª onda de mulheres provenientes da América Latina, particularmente da Colômbia, Brasil e República Dominicana. A 4.ª onda corresponde às mulheres provenientes das antigas repúblicas da União Soviética. O mesmo autor menciona que, com o desmoronamento da União Soviética, após a queda do muro de Berlim, a democracia chegou às repúblicas que estiveram inicialmente sob o controlo do império comunista; para muitos era a concretização de um sonho de longa data. Estavam libertos, de uma vez por todas, para viverem como nações independentes. Para a maioria da população o sonho de uma vida melhor foi desmoronando noite após noite. Em lugar da organização de reformas de mercado que levasse estes países a juntarem-se à economia mundial, foi-se assistindo a uma fuga maciça de capitais. A lei e a ordem começaram a ser comprometidas pela corrupção, pela voracidade de alguns e por remendos que nada resolviam. No caos que se seguiu dezenas de milhões de pessoas ficaram abandonadas à sua sorte. O alcoolismo nos homens e a violência contra as mulheres e crianças aumentaram. O desemprego nas mulheres subiu para 80 %. Ficaram maduros os tempos para a entrada do crime organizado. Apareceram “salvadores” que prometiam a raparigas jovens e bonitas empregos bem remunerados no estrangeiro, não importando nem o grau de instrução nem a experiência com empregos prévios, para tratar de crianças, na Grécia; empregadas

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domésticas em Itália, França, Àustria e Espanha; modelos em Nova Iorque e Japão. Longe da terra de origem foram introduzidas no comércio do sexo: como prostitutas de rua na Áustria, Itália, Bélgica e Holanda; a encher os bordeis na Coreia do Sul, Bósnia e Japão; a trabalharem nuas, como massagistas, no Canadá e na Inglaterra; fechadas como “escravas sexuais” em apartamentos dos Emiratos Árabes Unidos, Alemanha, Israel e Grécia; fazerem striptease e acompanharem clientes nos EUA.

Num estudo que envolveu diversos países Cathy Zimmerman e Cols. (2003) encontraram diversos factores comuns a estas mulheres, que as tornam mais vulneráveis ao tráfico e exploração: pobreza; serem mães solteiras; terem uma história prévia de violência interpessoal; serem provenientes de agregados familiares degradados e conflituosos.

A Animus Association Foundation, da Bulgária, que gere um Centro de Reabilitação para as vítimas de tráfico, indica que os grupos mais em risco são as adolescentes e as mulheres com experiências traumáticas no seu passado (Tchomarova, 2001). Estes casos incluem vítimas de violência doméstica, abuso sexual, crianças que viveram em orfanatos e crianças com muitos irmãos e um só progenitor.

Donna Hughes (2000) refere que mais de 120 milhões de pessoas da Europa de Leste ganha menos de 4 USD por dia. E acrescenta “O salário médio na Ucrânia é de cerca de 30 USD por mês mas, em cidades pequenas, pode ser ainda menor”. A pobreza não leva obrigatoriamente ao tráfico de pessoas. Mas cria as condições necessárias para que isso aconteça. Particularmente quando chega um traficante que, com falsas promessas, encanta as mulheres nos seus sonhos de sobrevivência. Esta autora descreve vários casos, entre eles o de Tatyana. Era uma rapariga, de 20 anos de idade, que vivia numa pequena cidade do sudeste da Ucrânia. Não conseguia encontrar emprego. Um dia, uma amiga da mãe informou-a que nos Emiratos Árabes Unidos estavam a contratar empregadas domésticas a quem pagavam 4.000 dólares americanos por mês!!! Decidiu partir de imediato. Quando Tatyana chegou aos EAU, tiraram-lhe o passaporte e foi vendida a um bordel por 7.000 dólares. Foi forçada a prostituir-se para “pagar os

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custos da viajam e alojamento”. Um dia conseguiu iludir a vigilância e procurou um posto de polícia que estava perto. Foi presa e sentenciada a três anos de cadeia por trabalhar num bordel. Nada aconteceu ao seu patrão. Ao fim desse tempo foi deportada para a terra de origem.

Este é um, entre milhares de exemplos, de como o manipular das expectativas pode conduzir à escravidão.

Tendo abordado vários aspectos da violência não-visível não tenho tempo para efectuar mais qualquer comentário.

Gostaria de referir que o filme – El Método – que a seguir vai ser apresentado, deve ser considerado como uma autêntica lição sobre a vida, que transporta consigo diversas mensagens enriquecedoras.

Estamos numa época em que é preciso reformar mentalidades, ter a coragem de assumir a liberdade pessoal a que temos direito e não seguir sempre “o que é considerado politicamente correcto”. Não devemos banalizar nem negar o que se conhece e tem consequências avassaladoras. Os rastros da violência ajudam-nos a preocuparmo-nos com os outros e a completar assim o nosso crescimento psicológico individual!

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© El Método, 2005.

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© El Método, 2005.

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