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2 Armativa Plural Edição 47 opinião A estatística, como pontuou o saudoso economista Roberto Cam- pos, tem a capacidade de mostra tudo, menos o essencial. Essa frase sempre me vem à mente quando de- paro com algum estudo ou pesquisa que, apesar de notadamente ter sido produzido por institutos ou estudio- sos de renome, permite interpreta- ções diversas, por vezes ufanistas, mas que, em sua essência, esconde o essencial. Rero-me especicamente ao competente trabalho realizado pelo Sebrae, com base em dados da Pesquisa Nacional por Amostragem de Domicílios (PNAD), de 2011. Nela, salta aos olhos a seguinte ar- mação: “Negros e pardos já comandam 49% das micros e pequenas empresas.” Ótimo. Porém, abaixo da superfície vem a ducha de água fria: Enquanto um empresário afrodescendente pos- sui uma renda mensal de R$ 1.039, um branco embolsa R$ 2.019, por mês, com o resultado de sua ativi- dade empreendedora. A diferença de renda entre os empreendedores negros e não negros, por vezes, é mais profunda que no mercado formal de trabalho. Uma das conclusões desse estu- do é que, ao contrário dos brancos, a quase totalidade dos negros não empreendem por vocação, mas sim por necessidade. Sim, meus caros leitores. Muitos de nós nos tornamos os números e a dura afro descendentes realidade dos *Por Rosenildo Gomes Ferreira

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2 Afi rmativa Plural • Edição 47

opinião

A estatística, como pontuou o saudoso economista Roberto Cam-pos, tem a capacidade de mostra tudo, menos o essencial. Essa frase sempre me vem à mente quando de-paro com algum estudo ou pesquisa que, apesar de notadamente ter sido produzido por institutos ou estudio-sos de renome, permite interpreta-ções diversas, por vezes ufanistas, mas que, em sua essência, esconde o essencial. Refi ro-me especifi camente

ao competente trabalho realizado pelo Sebrae, com base em dados da Pesquisa Nacional por Amostragem de Domicílios (PNAD), de 2011. Nela, salta aos olhos a seguinte afi r-mação: “Negros e pardos já comandam 49% das micros e pequenas empresas.” Ótimo. Porém, abaixo da superfície vem a ducha de água fria: Enquanto um empresário afrodescendente pos-sui uma renda mensal de R$ 1.039, um branco embolsa R$ 2.019, por

mês, com o resultado de sua ativi-dade empreendedora.

A diferença de renda entre os empreendedores negros e não negros, por vezes, é mais profunda que no mercado formal de trabalho.

Uma das conclusões desse estu-do é que, ao contrário dos brancos, a quase totalidade dos negros não empreendem por vocação, mas sim por necessidade. Sim, meus caros leitores. Muitos de nós nos tornamos

os númerose a dura

afrodescendentes

realidade dos

*Por Rosenildo Gomes Ferreira

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opinião

*Editor-assistente de negócios da revista IstoÉ Dinheiro e líder do projeto colaborativo 1 Papo Reto (paporeto.net.br).

empresários depois de vermos a porta do emprego formal fechando diante de nossa cara. Mas isso não signifi ca dizer que devemos nos acomodar com essa situação. A renda menor do negro empreendedor pode ser explicada por diversos motivos. O principal deles, em minha humilde avaliação é que o negro empreende em áreas básicas, em função de sua baixa escolaridade. Isso é verdade, no geral, mas não necessariamente no particular.

Exemplos não faltam e um dos mais marcantes foi mostrado em uma reportagem assinada pela jornalista Mariana Barbosa, da Folha de São Paulo (http://tinyurl.com/q55o6sq). Falo do paulistano Fabiano Moreira,

de 38 anos, que, apesar de contar com duas graduações no currículo, em ad-ministração e logística, não conseguiu se fi rmar no mercado de trabalho e teve de se tornar empresário. Mais que um motivo de revolta com essa salada de números e depoimentos deploráveis pela situação de atraso na qual a maioria dos brasileiros se encontram, no quesito sócio-educa-cional, esse estudo pode representar um farol. Afi nal, se é correto dizer que as diferenças continuam gritantes, também é acertado falar que elas estão se reduzindo.

Em passos lentos, é bem verda-de, mas a velocidade será tão maior quanto crescer nossa capacidade de trabalharmos em rede. Quantos

afrodescendentes privilegiam os negócios e as grifes locais tocadas por seus vizinhos e semelhantes? Se a discriminação tem cor, porque que o nosso dinheiro não teria? Ainda no terreno das estatísticas e dos nú-meros, pesquisa da consultoria Data Popular, de São Paulo, mostrou que o poder de compra das favelas bra-sileiras é de R$ 56 bilhões por ano. Volume superior ao Produto Interno Bruto (PIB) de países como Bolívia ou Paraguai. E para o bolso de quem vai toda essa riqueza? Poderia, certa-mente estar seguindo para o nosso. Basta querermos.