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( EDIToRAufmg .) o SACRAMENTO DA LINGUAGEM Arqueologia do juramento i I Giorgio Agamben HUMANITAS ---------- . '

AGAMBEN, Giorgio - O Sacramento Da Linguagem

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  • ( EDIToRAufmg .)

    oSACRAMENTODA LINGUAGEM

    Arqueologiado juramento

    i I GiorgioAgambenHUMANITAS ----------

    .'

  • GIORGIO AGAMBEN

    o SACRAMENTO DA LINGUAGEMARQUEOLOGIA DO JURAMENTO

    (HOMO SACER li, 3)

    Traduo

    SELVINO Jos ASSMANN

    Belo HorizonteEditoraUFMG

    2011

  • 2008,Gius. Laterza& Figli, todos os direitosreservados.Publicado em acordo comMarco Vigevani Agenzia Letteraria.Ttulo orginal : 11sacramentodeilinguaggio.Archeologiadeigiuramento.

    2011,Editora UFMG

    Estelivro ou partedele no pode serreproduzidopor qualquermeio semautorizaoescritado EclitoL

    A259s Agamben, Giorgio, 1942-

    O sacramentoda linguagem.Arqueologia do juramento CHomo

    sacer lI, 3) / Giorgio Agamben ; traduo: Selvino Jos Assmann. -Belo Horizonte: Editora UFMG, 2011.

    91 p. - CHumanitas)

    Traduo de: Il sacramentodellinguaggio. Archeologia dei giuramento

    Inclui bibliografia.ISBN: 978-85-7041-885-2

    1.Juramentos - Histria. 2. Juramentos - Filosofia. r.Assmann,Selvino Jos. lI. Ttulo. III. Srie.

    CDD:320.01

    CDU:32

    Elaborada pela DITTI - Setor de Tratamentoda InformaoBiblioteca Universitriada UFMG

    DIRETORA DA COLEO Heloisa Maria Murgel Starling

    COORDENAO EDITORIAL Danivia WolffASSISTNCIA EDITORIAL Eliane Sousae Eucldia Macedo

    COORDENAO E PREPARAO DE TEXTOS Maria do Carmo LeiteRibeiro

    REVISO TCNICA Olimar Flores-Jnior

    REVISO DE PROVAS Glucio Rocha Gabriel,Juliana Santose SimoneFerreira

    COORDENAO GRFICA, FORMATAO E MONTAGEM DE CAPA CssioRibeiro

    PROJETO GRFICO Glria Campos - MangPRODUO GRFICA Warren Marilac

    EDITORA UFMG

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  • Von diesenVorgangenmeldetkeinZeuge;siezuverstehnbietetunsereignesBewusstseinkeinenAnhalt.NureineUrkundeistunsvon ihnengeblieben,soschweigsamdemunkundigen,wie beredtdemkundigen:dieSprache.

    [Arespeitodessesprocessos,nenhumatestemunhanosinforma,a nossaconscincianonosfornecepretextoalgum.Resta-nosapenasumdocumento,tomudoparao ignorante,quoeloquenteparao erudito:a linguagem.]

    HermannUsener

    DerSchematismusderVerstandesbegriffeist...einAugenblickin welchemMetaphysikundPsysikbeideUferzugleichberhrenStyxintetjusa.

    [Oesquematismodosconceitosdo intelecto...uminstanteno qualmetafsicae fsicajuntamassuasmargensStyxintetjusa.]

    ImmanuelKant

  • oSACRAMENTO DA LINGUAGEM

    BIBLIOGRAFIA

    NDICE ONOMSTICO

    SUMRIO

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    89

  • o SACRAMENTO DA LINGUAGEM

    1. Em1992,o livrodePaoloProdi,11sacramentodeipotere,chamoufortementea atenoparaa importnciadecisivadojuramentonahistriapolticadoOcidente.Situadocomoarticu-laoentrereligioepoltica,o juramentonostestemunhaa"duplapertinncia"(Prodi,p. 522)quedefine,segundoo autor,a especificidadee a vitalidadedaculturaocidentalcrist;ele,defato,foi tambm- tal o diagnsticodequeparteo livro(ibid., p. 11)- a "basedopactopolticonahistriadoOciden-te",que,enquantotal,possvelencontrarexercendoumpapelimportantetodavezqueestepactoentraemcriseou voltaaserreatadodemaneirasdiferentes,doinciodocristianismoata lutapelasinvestiduras,desdea "sociedadejurada"daIdadeMdiatardiaataformaodoEstadomoderno.Coerentecomessasuafunocentral,o declnioirreversveldojuramentoemnossotempotemtudoaver,segundoProdi,comuma"crisequeinvesteo prprioserdohomemcomoanimalpoltico"(ibid.).Seatualmentesomos"asprimeirasgeraesque,noobstanteapresenadealgumasformaseliturgiasdopassadoC ..), vivemaprpriavidacoletivasemo juramentocomovnculosoleneetotal,sacralmenteancorado,a umcorpopoltico"(ibid.), issosignifica,ento,quenosencontramos,semtermosconscinciadisso,no limiarde"novasformasdeassociaopoltica",cujarealidadee cujosentidoaindanosrestadegustar.

    Comoestimplcitono subttulo(O juramentopoltico nahistriaconstitucionaldoOcidente),olivrodeProdiumainves-tigaohistricae,comocostumaaconteceremtaisinvestigaes,

  • oautornosepeoproblemadoqueelemesmodefinecomoo"ncleoa-histricoeimveldojuramento-acontecimento"Cibid.,p. 22).Dessemodo,a definio"dopontodevistaantropol-gico",aqueelebrevementeacenanaIntroduo,repetelugarescomunsextradosdaspesquisasdoshistoriadoresdodireito,doshistoriadoresdareligioe doslinguistas.Comoacontececomfrequncia,quandoumfenmenoou um institutosepenocruzamentoentreterritriose disciplinasdiferentes,nenhumadelaspodereivindicarintegralmenteo juramentocomoseu,e no volumemuitasvezesimponentedosestudosespecficosnoencontramosumatentativadesntesequedcontadasuacomplexidade,dasuaorigemedasuarelevnciaglobal.Tendo,poroutrolado,emconsideraoquenoparececientificamenterecomendvelfazerumcompndioeclticodosresultadosdecadadisciplina,e que o modelode "umacinciageraldohomem"j no goza,h tempo,de umaboa reputao,opresenteestudoprope-senotantoinvestigara origem,massimfazerumaarqueologiafilosficadojuramento.

    Relacionandoo queestemjogonumainvestigaohistricacomoa deProdi- e que,comotodaverdadeirainv"estigaohistrica,nopodedeixardequestionaro presente- comosresultadosdaspesquisasdalingustica,dahistriadodireitoedareligio,trata-se,pois,denosperguntarmosantesdemaisnada:o que o juramento?O queneleestimplicado,seeledefineepeemquestoo prpriohomemcomoanimalpoltico?Seojuramentoo sacramentodopoderpoltico,o que,nasuaestru-turaenasuahistria,tornoupossvelqueelefosseinvestidodesemelhantefuno?Queplanoantropolgico,emtodosentidodecisivo,neleestimplicado,paraqueohomemtodo,navidaenamorte,pudesse,nelee porele,sercolocadoemquesto?

    2.A funoessencialdo juramentonaconstituiopoltica expressaclaramentenapassagemdeLicurgoqueProdires-saltano seulivro."Ojuramento- l-seaqui- o quemantm[tosynechon]unidaademocracia."ProdipoderiatercitadooutrapassagemdofilsofoneoplatnicoHirocles,que,noocasodohelenismo,parecereforaressacentralidadedojuramentotrans-formando-onoprincpiocomplementardalei:"Mostramosantes

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  • que a lei [nomos] a operaosempreigualpor meio da qualDeus trazeternae imutavelmentetodasas coisas existncia.

    Agora, denominamosjuramento[horkos]aquilo que, seguindotal lei, conserva[diaterousan]todasascoisasno mesmoestadoeastornaestveis,demaneiraque,enquantoelasestocontidasna garantiado juramentoe mantma ordemda lei, a imutvelfirmezada ordemda criao o cumprimentoda lei criadora"(Hirzel,p. 74;cf. Aujoulat,pp. 109-110).

    Convmprestaratenonosverbosqueexpressama funodo juramentonasduaspassagens.TantoemLicurgo,quantoemHirocles,o juramentonocria,notraz existncia,masman-tmunidos(synech)e conserva(diatere)o quealgodiferente(em Hircoles,a lei; em Licurgo,os cidadosou o legislador)trouxe existncia.

    FunoanlogaparececonferiraojuramentoaquiloqueProdidefinecomoo textofundamentalquea culturajurdicaromananos legou sobreesteestatuto,a saber,a passagemdo De offi-ciis (III, 29,10)na qual Ccerodefineo juramentoda seguinteforma:Sedin iure iurando non qui metussedquaevissit,debetintellegi;estenimiusiurandumaffirmatioreligiosa;quodautemaffirmatequasedeotestepromiserisid tenendumest.Iam enimnon ad iramdeorumquaenulla est,sedad iustitiametadfidempertinet.1Affirmationosignificasimplesmenteum proferimen-to lingustico,masaquilo que confirmae garante(o sucessivoaffirmatepromiserissreforaamesmaideia:"O queprometestena formasolenee confirmadado juramento.").E para essafunode estabilidadee garantiaque Ccerochamaa ateno,ao escreverno incio: "No sacramento importantecompreen-der no tantoo medoque ele gera,masa suaeficciaprpria[vis]."E aquiloem que consistetal vis resultainequivocamenteda definioetimolgicadafides,que,segundoCcero,estemquestono juramento:quiafiat quoddictumestappelatamfidem(ibid., I, 23).2

    1 No juramento,porm,nodeveserconsideradoo medo,masqual suaeficcia;o juramento,defato,umaafirmaoreligiosa:o queprometestesolenemente,comoseDeusfossetestemunhadisso,oquedevesermantido.Nosetrata,realmente,dairadosdeuses,quenoexiste,masdajustiaeda f. (N.T.)

    2 Porfazeraquiloqueditochama-sedef.(N.T.)

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  • na perspectivadessavis especficaque importareler as

    palavrascom que mileBenveniste,no incio do seuartigode1948,intituladoL'expressiondu sermentdansIa Greceancienne

    [Aexpressodo juramentonaGrciaantiga],indicaasuafuno:

    [Ojuramento] umamodalidadeparticulardeassero,queapoia,garante,demonstra,masnofundamentanada.Indi-vidualou coletivo,o juramentosexisteemvirtudedaquiloquereforae tornasolene:pacto,empenho,declarao.Elepreparaou concluiumatodepalavraquespossuiumcon-tedosignificante,maspor si mesmonoenuncianada.Naverdade um ritooral,frequentementecompletadopor umritomanual,cujaformavarivel.E a suafunonoresidena afirmaoqueproduz,masna relaoqueinstituientreapalavrapronunciadaeapotnciainvocada(Benveniste[1],pp.81-82).

    O juramentono tema ver com o enunciadocomotal,mascoma garantiada suaeficcia:o queneleestemjogo no a

    funosemiticae cognitivada linguagemcomotal,massimagarantiada suaveracidadee da suarealizao.

    3. Tantoas fontesquantoos estudiososparecemconcordarem afirmarque o juramento,nassuasdiferentesformas,tema

    funoprecpuadegarantiraverdadee aeficciadalinguagem."Oshomens- escreveFlon- sendoinfiis(apistoumenoi,isentos

    depistis,ou seja,de credibilidade),recorremaojuramentoparaobterconfiana"(De sacroAb. etCaini 93).Tal funoparecesertonecessria sociedadehumanaque,apesarda evidenteproibiode qualquerformade juramentonos Evangelhos(cf.

    Mt. 5,33-37e Tg.5,12),elefoi acolhidoe codificadopelaIgreja,transformando-oem parteessencialdo prprio ordenamentojurdico,legitimandoassimasuamanutenoeasuaprogressivaextensoparao direitoe paraas prticasdo mundocristo.E

    quando,em1672,SamuelPufendorfacolhe,no seuDejure na-turaeetgentium,a tradiodo direitoeuropeu, precisamente

    sobrea suacapacidadede garantire confirmarno apenasos

    pactose os acordosentreos homens,mas,de formamaisgeral,

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  • a prpria linguagem,que ele fundamentaa necessidadee a

    legitimidadedo juramento:

    Atravsdojuramento,anossalinguagemetodososatosquese concebematravsda linguagem[sermonieoneipiuntunrecebemumainsigneconfirmao(jirmamentum].A respeitodestes[atos]poderiaterfaladooportunamentemaisadiante,naseoemquesoabordadasasgarantiasdospactos;con-tudopreferifalardelesnesselugar,poiscomo juramentosoconfirmadosnos ospactos,mastambma nossasimpleslinguagem[quodiureiurandononpaetasolum,sedetsimplexsermosoleateonfirmari](Pufendorf,p. 326).

    Poucaspginasdepois,Pufendorfreforao carteracessriodo vnculo do juramento,que, ao mesmotempoque confirmaumaasseroouumapromessa,pressupenosomentealingua-gem,mas,no casodo juramentopromissrio,o proferimentodeumaobrigao:"Os juramentosem si noproduzemumanovae peculiarobrigao,massobrevmcomoumvnculode algummodo acessrio[velutaccessoriumquoddamvinculum]a umaobrigaovlidaemsi"Cibid.,p. 333).

    Portanto,o juramentopareceserumatolingusticodestinadoaconfirmarumaproposiosignificante(umdictum),garantindosuaverdadeousuaefetividade. dessadefinio- queestabeleceumadistinoentreo juramentoeseucontedosemntico- queprecisamosverificara correoe as implicaes.

    ~Sobreanaturezaessencialmenteverbaldojuramento(emboraele possavir acompanhadopor gestos,comoo de ergueramodireita)h umaconcordnciada maioriados estudiosos,de Lvy-Bruhl a Benveniste,de Loraux a Torricelli. Comreferncianaturezado dietum,costuma-sefazerumadistinoentrejuramentoassertrio,que se referea um fato passado(confirmando,portanto,umaassero),ejuramentopromissrio,quese referea um atofuturo(nessecaso, confirmadaumapromessa).A distinoj aparececlaramenteenunciadaemSrvio(Aen.XII, 816:Juro tunediei debereeumeonfirmamusaliquid aut promittimus).Contudo, no sem razo queHobbesremetiaessasduasformasdejuramentoaumasfigura,essencialmentepromissria:Nequeobstat,quodiusiurandum

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  • non solumpromissorium,sedaliquandoaifirmatoriumdicipossit:namqui aifirmationemiuramentoconfirmat,promittitseverarespondere3(DecivelI, 20).A diferenatemaver,defato,nocomoatodejuramento,idnticonosdoiscasos,mascomo contedosemnticododictum.

    4.Nofinaldasuareconstruodaideologiadastrsfunesmedianteaepopeiadospovosindo-europeus,GeorgesDumzilexaminaumconjuntodetextos(celtas,irnicosevdicos)nosquaisparecemestaremjogoosmalesouos"flagelos"(flaux)correspondentesacadaumadessasfunes.Trata-se,porassimdizer,dos"flagelosfuncionais"dassociedadesindo-europeias,cadaumadasquaisameaaumadastrscategoriasoufunesfundamentais:ossacerdotes,osguerreiros,osagricultores(emtermosmodernos:a religio,a guerra,a economia).Em umdosdoistextosceltasexaminados,o flagelocorrespondentefunosacerdotal definidocomo"adissoluodoscontratosorais",asaber,arenegaoeodesconhecimentodasobrigaesassumidas(cf.Dumzil[1],p.616).Tambmostextosirnicosevdicosevocamoflageloemtermossemelhantes:ainfidelidade palavradada,amentiraouo erronasfrmulasrituais.

    possvelpensarqueo juramentosejao remdiocontraeste"flageloindo-europeu",que aviolaodapalavradadae,demaneiramaisgeral,apossibilidadedamentirainerente lingua-gem.Contudo,justamenteparafugirdetalflagelo,o juramentoserevelasingularmenteinadequado.NicoleLoraux,no seues-tudosobreGiuramento,figlio di Discordia4[juramento,filho deDiscrdia],deteve-senumapassagemdeHesodo(lbeog.,231-232),naqualojuramentodefinidonegativamentesatravsdapossibilidadedoperjrio,"comoseo primeironotivesseoutroobjetivosenopuniro segundo,etivessesidocriado,attulodeflagelomaior,sparaosperjriosqueeleprprioproduz,pelosimplesfatodeexistir"(Loraux,pp.121-122).Assim,jnapoca

    3 E notemnenhumaimportnciaseo juramentoconsistenumapromessa,ou,comocertasvezessucede,numaafirmao;poisquemconfirmasuaafirmaomedianteum juramentoestprometendofalara verdade.(N.T.)

    4 Este o ttulode umadaspartesdo livro de N. Loraux,La citdivise.L'oublidansIa mmoired'Athenes.Paris:Payot& Rivages,1997.(N.T.)

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  • arcaica,quandoo vnculoreligiosopoderiatersidomaisforte,o juramentopareceimplicarconstitutivamentea possibilidadedoperjrioeserdestinado,paradoxalmente,- conformesugereLoraux- noaimpediramentira,esimacombaterosperjrios.Independentedecomoseentendeaetimologiadotermogregousadoparao perjrio(epiorkos),sobreo qualosestudiososnoparamdediscutir, certoquenaGrciaarcaicae clssicaele consideradobvio.Assim,Tucdides,aodescreverascidadesassoladaspelaguerracivil,afirmaquej noexiste"palavraseguranemjuramentoque incutatemor",masa inclinaodosgregos(especialmentedosespartanos)parao perjrioeraproverbialmesmoemtempodepaz.Plato,porsuavez,desa-conselhao juramentodaspartesnosprocessos,poisissolevariaa descobrirquemetadedoscidadossoperjuros(As leis,XII,948e). significativoque,porvoltadosc.III a.c.,oschefesdeescolaestoicosdiscutissemseerasuficiente,paraquehouvesseperjrio,queaquelequeprestavajuramentotivesse,noinstantedoproferimento,a intenodenoo manter(eraa opiniodeCleanto),ouseeranecessrio,conformesustentavaCrisipo,queelenocumprissedefatoo quehaviaprometido(d. Hirzel,p.75;Plescia,p.84).Comogarantiadeumcontratooraloudeumapromessa,o juramentoaparecia,comtodaevidncia,e desdeoincio,totalmenteinadequadoaoobjetivo,eumasimplessanodamentiracertamenteteriasidomaiseficaz.Alis,o juramentonoconstituiumremdiocontrao "flageloindo-europeu",masantes o prprioflageloqueestpresenteno seuinteriornaformadoperjrio.

    possvelentoque, originalmente,no juramentonoestivesseemjogo apenasa garantiade umapromessaou averidicidadede umaafirmao,masqueo institutoquehojeconhecemoscomestenomecontenhaamemriadeumestgiomaisarcaico,noqualeletinhaavercomaprpriaconsistnciada linguagemhumanae coma prprianaturezadoshomensenquanto"animaisfalantes".O "flagelo"queeledeviaimpedirnoeraunicamentea inconfiabilidadedoshomens,incapazesdeseremfiis prpriapalavra,masumafraquezaquetemavercomaprprialinguagem,comacapacidadedaspalavrasdesereferiremscoisas,eadoshomensdesedaremcontadasuacondiodeseresquefalam.

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  • l'li A passagemdeHesodoa queLorauxserefereapareceemTbeog.231-232:"Horkos,queaoshomenssobrea terragrandedesgraa/ traz,quandoalgumvoluntariamenteperjura."SemprenaTeogonia(775-806),aguadoEstigedescritacomo"ograndejuramentodosdeuses"(chenmeganhorkon)e,tambmnessecaso,elafazo papelde "grandeflageloparaos deuses(megapematheoisin),poisquemdosmortais,espargindoamesma[guado Estige],juraum perjrioC..) atquepasseum anojazsemalentoe semvoznumestendidoleitoe mautorporo cobre(...)equandoo malperfazumano,passadeumaaoutraprovamaisspera:pornoveanosafio mantidolongedosdeusessemprevivos,e nofrequentacomelesnemconselhonembanquetes".

    Contudo,desdesuaorigem,o nexoentrejuramentoe perj-rio aparecetoessencialqueasfontesfalamdeumaverdadeira"artedo juramento"- emque,segundoHomero(Od., 19,394),se destacavaAutlico- que consistiaemproferirjuramentosque,graasa artifciosverbais,tomadosaopdaletra,podiamsignificaralgo diferentedo que podiamentenderas pessoasa quemeramprestados.Nessesentido,deveserentendidaaobservaode Platosegundoa qual "Homerotemgrandeestimapor Autlico,o avmaternode Odisseu,e afirmaqueele superavatodosos homensna artede roubare de jurar"(kleptosyneith'horkite)(Repblica,334b).

    5. Como se deve entendera arche que est em questoemumainvestigaoarqueolgica,comoaquelaque aquinospropomos?At a primeirametadedo sculoXX, nas cinciashumanas,o paradigmade investigaodessetipo havia sidoelaboradopela lingusticae pelagramticacomparada.A ideiadequefossepossvelretomar,atravsdeumaanlisepuramentelingustica,a estadosmaisarcaicosda histriada humanidade,foi entrevistano finaldo sculoXIX porHermannUsener,nasuapesquisasobreos Nomesdosdeuses.Perguntando-se,no inciode suainvestigao,comopde acontecera criaode nomesdivinos,elesugereque,pararesponderasemelhantepergunta,no temosoutrosdocumentossenoos que provmde umaanliseda linguagem(cf. Usener,p. 5). No entanto,j antesdele a gramticacomparadahavia inspiradoas investigaes

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  • dos estudiosos- como Max Mller e Adalbert Kuhn, alm

    de mile Burnouf - que, nos ltimos trinta anos do sculoXIX, haviamtentadofundamentara mitologiacomparadae acinciadas religies.Assim como a comparaoentreformaslingusticasaparentadaspermitiaremontaraperodosdalnguano atestadoshistoricamente(aquelasformasindo-europeias,

    por exemplo, *deiwosou *med,que os linguistascostumamfazerprecederpor um asteriscoparaasdistinguirdaspalavrasdocumentadasnaslnguashistricas),assimtambmerapossvelremontar,atravsda etimologiae da anlisedos significados,a estgiosda histriadasinstituiessociaisque,do contrrio,seriaminacessveis.

    Nessesentido queDumzilpdedefinira suainvestigaocomoobra"nodeumfilsofo,masdeumhistoriadordahistria

    maisantigae dafranjade ultra-histria[deIaplus vieillehistoireetdeIajrange d'ultra-histoire]quesepodesensatamentetentaralcanar"(Dumzil[2],p. 14),declarandoaomesmotempoo seudbitocoma gramticacomparadadaslnguasindo-europeias.

    A consistnciada"franjadeultra-histria"queaquio historia-dorbuscaalcanarest,portanto,associadaexistnciado indo--europeue do povo queo falava.Ela existeno mesmosentidoe na mesmamedidaem que existeumaformaindo-europeia;mascadauma dessasformas,ao pretendermosser rigorosos,nadamais do que um algoritmoque expressaum sistemadecorrespondnciasentreasformasexistentesnaslnguashistricas

    e, segundoaspalavrasde AntoineMeillet,o quedenominamosindo-europeunadamais que "o conjuntodessessistemasdecorrespondnciasC ..) que pressupeuma lnguax faladaporhomensx emum lugarx emum tempox') em que x equivalesimplesmentea "desconhecido"(Meillet,p. 324).A no serquesequeiralegitimaro monstrumdeumainvestigaohistricaqueproduz os seusdocumentosoriginais,do indo-europeununcapoderoserextrapoladosacontecimentosquesesupemhisto-ricamenteacontecidos.Por isso,o mtododeDumzilconstituiu

    um progressosignificativocom relao mitologiacomparadado finaldo sculoXIX, ao reconhecer,por voltade 1950,queaideologiadastrsfunes(sacerdotes,guerreiros,pastores,ou,

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  • emtermosmodernos,religio,guerra,economia)"nosetradu-zia necessariamente,na vida de uma sociedade,numadiviso

    tripartiterealdessasociedade,segundoo modeloindiano",masqueelarepresentava,issosim,e precisamente,uma"ideologia",algoparecidocom"umideal,e ao mesmotempo,um modo deanalisare interpretarasforasqueregulamo cursodo mundoea vidadoshomens"(Dumzil[I), p. 15).

    No mesmosentido,quandoBenvenistepublica,em 1969,oseu Vocabulriodas instituiesindo-europeias,declarandonapremissaque,nassuasanlises,"noentraqualquerpressupostoextralingustico"(Benveniste[2],I, p. 10),certamenteno ficaesclarecidode quemaneiradevemserentendidoso locusepis-temolgicoe a consistnciahistricadaquiloqueele chamade"instituioindo-europeia".

    Convmdefinirnessecaso,namedidado possvel,anaturezae a consistnciada "histriamaisantiga"e da "franjade ultra--histria"queumaarqueologiapodealcanar.Defato,evidenteque a archea que a arqueologiaprocuraremontarno podeserentendidade algummodo comoum dadosituvelemumacronologia(mesmoque sejaem uma gradeespaosade tipopr-histrico)e nemsequer,paraalmdela,em umaestruturameta-histricaintemporal(por exemplo- como dizia ironica-menteDumzil- no sistemaneuronaldeumhomindeo).Ela,

    sobretudo,umaforaativana histria,exatamenteassimcomo

    as palavrasindo-europeiasexpressam,antesde maisnada,umsistemade conexesentreas lnguashistoricamenteacessveis;assimcomoa criana,na psicanlise, umaforaquecontinuaagindona vida psquicado adulto;e comoo bigbang,que sesupe ter dado origemao universo, algo que no para demandarparans a suaradiaofssil.Contudo, diferenadobigbang,queos astrofsicosprocuramdatar,emboraemtermosde milhesde anos,a archeno umdado,umasubstnciaouum acontecimento,massim um campode correnteshistricastesasentrea antropognesee o presente,entrea ultra-histriaea histria.E, comotal- ou seja,enquanto,assimcomoa antro-pognese,ela algoquesesupenecessariamenteacontecido,masque no pode serhipostasiadoem um acontecimentona

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  • cronologia- elapode,eventualmente,permitira inteligibilidadedosfenmenoshistricos.

    Por conseguinte,investigararqueologicamenteo juramentoequivalera orientara anlisedos dadoshistricos,que limita-mos,no seuessencial,ao mbitogreco-romano,na direodeumaarchetesaentrea antropognesee o presente.Por outraspalavras,a hipteseconsisteemquea enigmticainstituio,aomesmotempojurdicae religiosa,quedesignamoscomo termo"juramento",setornarinteligvelunicamenteseasituarmosnumaperspectivana qual ela pe em questoa prprianaturezadohomemcomo ser falantee como animalpoltico. dissoqueprovma atualidadedeumaarqueologiado juramento.A ultra--histria,assimcomoa antropognese,no umacontecimentoquesepossaconsiderarrealizadoumavezpor todas;elasempreestem curso,pois o homosapiensnunca cessade se tornarhomem;eletalvezaindanotenhaterminadodeaceder lnguae de jurarsobrea suanaturezade serfalante.

    6. Antes de prosseguirnossainvestigao,sernecessanolimparo terrenode um equvocopreconceituoso,que impedeo acesso "histriamaisantiga"ou "franjade ultra-histria"que uma arqueologiapode sensatamenteesperaratingir.Soexemplares,nessesentido,as anlisesque Benvenistededicouao juramento,primeirono artigo,j citado,de 1947e, depois,no Vocabulrio das instituiesindo-europeias.Em ambas, essencialo abandono da etimologiatradicionaldo termohorkos,que o remetiaa herkos,"recinto,barreira,vnculo",e ainterpretaoda expressotcnicaparao juramento- horkonomnymai- como "aferrarcom fora o objeto sacralizante".Horkosdesigna,portanto,"noumapalavraou umato,masumacoisa,a matriainvestidapela potnciamalfica,que confereaoempenhoo seupoderobrigante"(Benveniste[1],pp. 85-86).Horkosa "substnciasagrada"Cibid.,p. 90),queseencarna,emcadaoportunidade,naguado Estige,no cetrodo heriou nasvscerasdasvtimassacrificais.SeguindoospassosdeBenveniste,um grandehistoriadordo direitogrego,Louis Gernet,lembra,praticamentecom os mesmostermos,a "substnciasagrada"

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  • comquesepeemcontatoaquelequeprofereo juramento(Gemet[1],p.270:"Jurarsignificaingressarnaesferadasforasreligiosas,asaber,asmaisterrveis").

    A ideiasegundoaqualexplicaruminstitutohistricosignificanecessariamentereconduzi-loa umaorigeme a um contextosagradoou mgico-religioso tofortenascinciashumanas,a partirdo finaldo sculoXIX, que,quandoJeanBollack,em1958,escreveoseuartigo"Styxetserments"afimdedemonstrar,contraBenveniste,queo termohorkosadquireseuverdadeirosentidounicamenteseo remetermossuaderivaoetimolgicadeherkos,nosedcontadeque,nofundo,mantmoessencialdaargumentaoqueeletemapretensodecriticar:

    o juramentocolocao jurante,atravsdaforamgicadascoisas,numarelaoparticularcomos objetosinvocadose como mundo(...)Muitosobjetosinvocados,comoo lar,pertencemaocampodo sagrado.Contudo,numuniversovastamentesacralizado,todoobjetoqueservedetestemunhapodiatransformar-se,de garantiae guarda,empotnciaterrificante. estarelaoespecfica,queligao homemaosobjetosinvocados,queacabasendodefinidapelotermohorkos,quenodesigna- comopensaBenveniste- oobjetosobreo qualo juramento proferido,maso recintocomoqualquemjurasefazcircundarCBollack,p.30-31).

    A sacralidadedesloca-seaquido objetoparaa relao,masaexplicaocontinuaa mesma.Segundoum paradigmainsis-tentementerepetido,a forae a eficciado juramentodevemserbuscadasnaesferadas"foras"mgico-religiosas,aqueelepertenceemsuaorigeme quesepressupeseramaisarcaica:as "foras"derivamdelae declinamcomo declnioda freligiosa.Nessecaso,tem-secomopressupostoparao homemquensconhecemoshistoricamenteum homoreligiosus,queexisteapenasnaimaginaodosestudiosos,poistodasasfontesdisponveisnosapresentamsempre,comovimos,umhomemreligiosoe, ao mesmotempo,irreligioso,fiel aosjuramentose, ao mesmotempo,tambmcapazde perjrio.O queaquipretendemosquestionarprecisamenteessetcitopressupostodequalqueranlisedo instituto.

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  • ~ Comosugereo prprioBenveniste,a tesesobreo horkoscomo "substnciasagrada"deriva de um artigo de EliasBickermann,estudiosodaantiguidadeclssica,queeratambmum excelentehistoriadordo judasmoe do cristianismo.Oreferidoartigo,publicadoem1935,naRevuedestudes]uives,refere-seaojuramentoscomoexemplodemtodo,nombitode umacrticaao livro de Gerardusvan der Leeuwsobrea

    Fenomenologiada religio,publicado dois anos antes.OsprincpiosmetodolgicosqueBickermannexpeparecemterexercidonotvelinflunciaem Benveniste,emborareflitam,de fato, uma formaocultural comum(Bickermannque,desde1933,havia lecionadona cole Pratiquedes Hautestudesde Paris,e at 1942,quandofoi obrigado,pela suaorigemjudaica,a refugiar-senos EstadosUnidos- ondeseunomesetornarBickerman- haviasidochargdesrecherches[encarregadodepesquisas]no CentreNationaldeIaRechercheScientifique,se remeteexplicitamenteao mtodode AntoineMeillet,quehaviasidoo mestredeBenveniste).O queacontece queos quatroprincpiosmetodolgicosrecomendadosporBickermann(abandonodo recurso psicologiaparaexplicaros fenmenosreligiosos;decomposiodos fatosnos seuselementosconstitutivosou "temas";anliseda funo decadaelementona sua particularidade;estudoda funodecadaelementono fenmenoemquesto)estopontualmentepresentesemBenveniste.Maisumavez,contudo,umestudiosotoatento,ao examinardetalhadamenteo juramentoa fim deexemplificaro seumtodo,repeteacriticamenteo paradigmadaprimordialidadedosagrado,queBenvenisteretomarquasenosmesmostermos:"Sempreeemtodososlugares,aideiaconsisteemcolocarumaafirmaoemrelaocomumacoisasagradaC..) o objetivo,contudo,continuasendoo mesmo:colocaraafirmaoemrelaocoma Substnciasagrada"(Bickermann,pp. 220-221).

    7.A respeitodapretensaambivalnciado termosacer,mos-tramosnoutro lugar (Agamben,pp. 79-89)as insuficinciaseas contradiesligadas doutrinado "sagrado"elaboradanacinciae pelahistriadasreligiesentreo final de sculoXIX

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  • e osprimeirosdecniosdosculoxx. Bastarecordarmosaquiqueo momentodeterminantenaconstituiodesse"mitologe-macientfico",quecondicionounegativamenteasinvestigaesdascinciashumanasnumsetorespecialmentedelicado, oencontroentrea noolatinado sacere a de mana, queummissionrioanglicano,RobertHenryCodrington,haviadescritonasuaobrasobreaspopulaesdaMelansia(TheMelanesians,1891).Catorzeanosantes,Codringtonj haviacomunicadoasuadescobertaemcartaaMaxMller,quea usounasHilbertLectures,ondeo conceitodemanasetransformanomodoemque"aideiado infinito,do invisvel,e daquiloquemaistardeserchamadoo divino,podeapareceremformavagae nebu-losajuntoaospovosmaisprimitivos"(Mller,p. 63).Nosanosseguintes,anooreaparecesobdiferentesnomesnosestudosetnogrficossobreosindgenasnorte-americanos(orendaentreos iroqueses;manitouentreos algonquinos;wakan entreosdacotas),atqueRobertMarret,no seuThresholdof Religion(909),transformatal"fora"invisvelemcategoriacentraldaexperinciareligiosa.ApesardainconsistnciadasteoriassobreareligiodeautorescomoMller(queexerceuumaverdadeiraditadurasobreanascente"cincia"- oumelhor,comoeleprefe-riacham-Ia- "histria"dasreligies)eMarret,aquemsedevea noode animismo(outromitologemacientficoquecustamorrer),a ideiadeum"poderou deumasubstnciasagrada",terrvele aomesmotempoambivalente,vagae indeterminada,comocategoriafundamentaldo fenmenoreligioso,exerceusuainfluncianoapenassobreDurkheim,Freud,Rudolf,Ottoe Mauss,mastambmsobreessaobra-primadalingusticadosculoXX que Vocabulriodas instituiesindo-europeiasdeBenveniste.

    FoiprecisoesperarpeloensaiodeLvi-Strauss,de1950,paraqueoproblemadosignificadodetermoscomomanafosseabor-dadoembasesinteiramentenovas.Empginasmemorveis,Lvi--Straussfezaproximaesdessestermoscomexpressescomunsdanossalinguagem,comotruc (troo)ou machin (negcio),usadasparadesignarumobjetodesconhecidooucujousonose consegueexplicar.Mana, orenda,manitou nodesignamalgoparecidocomumasubstnciasagradanemossentimentos

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  • sociaisrelativos religio,massimum vazio de sentidoou umvalor indeterminadode significao,que tema ver, sobretudo,comos prpriosestudiososquea elesrecorrem:

    Sempree emqualquerlugar,essetipodenoes,comosefossemsmbolosalgbricos,intervmpararepresentarumvalorindeterminadodesignificao,emsi mesmosemsen-tidoe,portanto,capazdereceberqualquersignificado,cujanicafunoconsisteempreencherumvazioentresignifi-cantee significadoou, maisexatamente,emassinalarque,numadeterminadacircunstncia,numadeterminadaocasio,acabasendoestabelecidaumarelaodeinadequaoentresignificantee significado(Lvi-Strauss,p. XlIV).

    Se h um lugar - acrescentaLvi-Strauss- em que a noode manade fatoapresentaas caractersticasde uma potnciamisteriosae secreta,esselugar, sobretudo,o pensamentodosestudiosos:"Lrealmenteo mana mana"Cibid., p. XLV). Nofinal do sculoXIX, a religiona Europahaviase tornado,demodo bemevidente,pelo menosparaaquelesque pretendiamfazera suahistriaou construirumacinciaa seurespeito,algotoestranhoe indecifrvela pontode elesprecisarembuscarachavede leituramuitomaisentreos povos primitivosdo quena prpria tradio;tais povos, porm,atravsdos conceitoscomomana,nopodiamfazernadamaisdo querestituir,comonumespelho,amesmaimagemextravagantee contraditriaqueaquelesestudiososneleshaviamprojetado.

    l'I; Falandode umainevitveldesconexoentresignificanteesignificado,Lvi-StraussretomaedesenvolvedemaneiranovaateoriadeMaxMller,quevnamitologiaumaespciede"doen-a"doconhecimentocausadapelalinguagem.SegundoMller,aorigemdosconceitosmitolgicose religiososdeveserbuscada,justamente,nainflunciaquea linguagem,emqueestoneces-sariamentepresentesparonmias,polissemiaseambiguidadesdetodotipo,exercesobreopensamento."Amitologia- escreveele- asombraopacaquealinguagemprojetasobreopensamentoequenuncapoderdesaparecerenquantolnguaepensamentonocoincidiremcompletamente,circunstnciaquenuncapoderacontecer"(apudCassirer,p. 13).

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  • 8. Outroaspectodo mitologemaqueacabamosde descrever(e, de fato,inseparveldele) a ideiasegundoa qual a esferada sacralidadee da religio- muitasvezesunida da magia,fazendocomquesefaletambm,reforandoaconfuso,deumaesfera"mgico-religiosa"- coincidecomo momentomaisarcaicoaqueainvestigaohistricanascinciashumanas,mesmocom

    prudncia,possachegar.Umasimplesanlisetextualmostraquesetratade umapressuposioarbitrria,feitapelo estudiosonopontoemqueatinge,noprpriombitodainvestigao,umlimiteouumumbraldocumentrio,comoseapassagemparaaquiloqueFranzOverbeckdenominavaUrgeschichte(histriadasorigens)e Dumzil "franjade ultra-histria"implicassenecessariamenteum saltode olhos fechadosparao elementomgico-religioso,quefrequentementenadamais do queo nomedado,maisoumenosconscientemente,pelo estudioso, terra incgnitaquese estendepara alm do mbitoque o pacientetrabalhodoshistoriadoresconseguiudefinir.Tenha-seemconta,porexemplo,na histriado direito,a distinoentreesferareligiosae esferaprofana,cujasmarcasdistintivasnos aparecem,pelo menosempocahistrica,de algummododefinidas.Quandoatingenessembitoum estgiomaisarcaico,o estudiosotema impressoque as fronteirasficam indeterminadase, por essemotivo, levadoa formulara hiptesedeum estgioprecedente,no quala esferasagradae a profana(e muitasvezestambma mgica)aindano se distinguementresi. Nessesentido,ao abordarodireitogregomaisantigo,LouisGemetchamoude "pr-direito"Cpre-droit)umafaseoriginriaemquedireitoe religioaparecemindiscemveis.Namesmaperspectiva,PaoloProdi,nasuahistriapolticado juramento,evocaum "indistintoprimordial",no qualo processode separaoentrereligioe polticaaindano foiiniciado.Emcasosdessetipo, essencialteraprudnciadenoprojetar,simplese acriticamente,sobreo pressuposto"indistintoprimordial",ascaractersticaspor nsconhecidasquedefinemaesferareligiosae aprofana,e quesojustamenteo resultadodopacientetrabalhodos historiadores.Do mesmomodo que umcompostoqumicotempropriedadesespecficasimpossveisdeseremreduzidas somados elementosque o compem,assim

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  • tambmaquilo que apareceantesda divisohistrica- admi-tindo-seque algosemelhanteexista- no necessariamenteasomaopacae indistintadascaractersticasque definemos seusfragmentos.O pr-direitono pode serapenasum direitomais"arcaico",damesmaformaqueaquiloquevemantesdareligiocomoa conhecemoshistoricamenteno apenasumareligiomaisprimitiva(o manna);alis,seriaaconselhvelevitaro usodos prpriostermosreligioe direito,e tentarimaginarum x,paracujadefinioprecisamosnosarmardetodacautelapossvel,realizandoumaespciede epochearqueolgica,quesuspenda,pelo menosprovisoriamente,a atribuiodos predicadoscomquecostumamosdefinirreligioe direito.

    O que,nessaaltura,deveriaserquestionado o umbraldeindistinocom que se chocaa anlisede pesquisador.No algo que devaser incautamenteprojetadosobrea cronologia,comoum passadopr-histricoparao qualrealmentefaltamosdocumentos,masservisto como um limiteinterno,cujacom-preenso,ao seremquestionadasasdistinesadquiridas,podelevara umanovadefiniodo fenmeno.

    t'I; O casode Maussconstituium bom exemploparamostrarcomoa pressuposiodo conjuntosacralagedecididamente,emboravenhaa ser,pelo menosem parte,neutralizadapelaatenoespecialdadaaosfenmenosquedefineo seumtodo.A Esquissedeumateoriageraldamagia,de 1902,comeacomumatentativadedistinguirosfenmenosmgicosfrentereligio,ao direitoe tcnica,comos quaismuitasvezestinhamsidoconfundidos.No entanto,aanlisedeMausssedeparatodasasvezescomfenmenos(porexemplo,osritosjurdico-religiososquecontmumaimprecao,comoa devotio)quenopossvelatribuiraumanicaesfera.Assim,Mauss levadoatransformara oposiodicotmicareligio- magianumaoposiopolar,traandodessamaneiraumcampo,definidopelosdoisextremosdo sacrifcioe do malefcio,e queapresenta,necessariamente,umbraisdeindecidibilidade(cE. Mauss,p. 14). sobreestesum-braisqueeleconcentrao seutrabalho.O resultado,conformeobservouDumzil, quej nohaverparaelefatosmgicos,porumlado,e fatosreligiosos,por outro;alis,"o seuobjetivoprincipalconsistiuem ressaltara complexidadede todosos

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  • fenmenose a tendnciada maiorpartedosmesmosde iremalmdequalquerdefinio,porsesituaremsimultaneamenteemnveisdiversos"(Dumzil[3],p. 49).

    9. Venhamosagoraao juramento,que- na nicapocaemque o podemosanalisar,a saber,aquelaparaa qual dispomosde documentos- se apresentacomoum institutojurdico quecontmelementosque costumamosassociar esferareligiosa. totalmentearbitrriodistinguirneleumafasemaisarcaica,emquenadamaisseriado queum rito religioso,de umafasemaismoderna,a qualpertenceplenamenteaodireito.De fato,desdeos documentosmaisantigosde que dispomos,como o caso,emRoma,dainscriodovasodeDvenos,quedatadodofinaldo sc.VI a.c., o juramentose apresentacomo uma frmulapromissriade cartercertamentejurdico- no casoespecfico,comoagarantiaprestadapelotutordamulherao(futuro)maridono momentodo casamentoou do noivado.Contudo,a frmula,

    escritaem latimarcaico,mencionaos deuses,ou melhor,juraos deusesCiovesatdeiuosquoi memitat:"quemme manda- o vaso que fala - jura (pelos) os deuses"- Dumzil[3],pp.14-15).Aqui, demodoalgum,precisamospressuporcomomaisantiga,na histriado juramento,umafasepuramentereligiosaquenenhumdocumentodisponvelatestacomotal:de fato,nafontemaisantigaque a tradiolatinanos permitealcanar,ojuramento um ato verbal destinadoa garantira verdadedeumapromessaou de uma assero,que apresentaas mesmascaractersticasmostradasmaistardepelasfontese que,por ne-nhummotivo,precisamosdefinircomomaisou menosreligioso,maisou menosjurdico.

    O mesmovale para a tradiogrega.O juramentoque asfontesmaisantigasnosapresentamnumavastacasusticaimplicao testemunhodosdeuses,a presenade objetos(o cetro,comoaconteceno "grandejuramento"- megashorkos- deAquiles,noincio da llada, mastambmos cavalos,o carroou asvscerasdo animalsacrificado;sotodoselementosencontradosempocahistrica)parajuramentosquecertamentetmnaturezajurdica(assimcomoocorrenospactosentrecidadesfederadas,emqueojuramentodefinido"legal",horkosnomimos- d. Glotz,p. 749),

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  • E, conformeverificamos,tambmos deusesjuram,invocandoaguado Estige;e, tendoemcontao queHesodonosdiz sobrea punio do perjriofeito por um Deus, tambmos deusesestosubmetidos autoridadedo juramento.Almdisso,conta-moscomum testemunhoimportante,o de Aristteles,quenosinformaqueos filsofosmaisantigos,"quepor primeirofizeramespeculaesem torno do divino [theologesantas]",colocavamentreos primeirosprincpiosdo cosmo,ao lado de Oceanoede Ttis,"o juramentosobrea guaque chamamEstige"[Met.)983b,32]'e acrescenta:"O maisantigo[presbytaton] o maisvenervel[timitaton],e o maisvenervel o juramento[horkosdetimitatonestin]"(ibid.)34-35),De acordocomestetestemu-

    nho, o juramento o queh de maisantigo,nomenosantigodo queos deuses,que,alis,esto,dealgummodo,submetidosa ele.Isso,porm,nosignificaqueeledevaserpensadocomo"substnciasagrada";pelo contrrio,o contextoda passagem,que o da reconstruodo pensamentodeTalesno interiordabrevehistriada filosofiaque abrea Metajsica,nos induz so-bretudoa situarmoso juramentoentreos "princpiosprimeiros"[prtaiaitiai]dos filsofospr-socrticos,comose a origemdocosmoedopensamentoqueo compreendeimplicassedealgumamaneirao juramento.

    Todo o problemada distinoentreo jurdicoe o religioso,especialmenteno casodojuramento,est,portanto,malcolocado.No s notemosmotivoparapostularumafasepr-jurdicanaqual ele pertenceriaapenas esferareligiosa,mastalvezdevaser revistatoda a nossamaneirahabitualde representarmosarelaocronolgicae conceitualentreo direitoe a religio.Tal-vez o juramentonos apresenteum fenmenoqueno seja,emsi, nem(s) jurdico,nem(s) religioso,masque,precisamentepor isso,possanospermitirrepensarmosdesdea suaraizo que o direito,o que a religio.

    l"; Ao contrapormosdireitoe religio,importalembrarqueosromanosconsideravamaesferadosagradocomoparteintegrantedo direito.O Digestocomeadistinguindoiuspublicum,quedizrespeitoaostatusreipublicae,e iusprivatum,quetemavercomasingulorumutilitatem;logodepois,porm,o iuspublicum

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  • definidocomoo direito"queconsistenascoisase nos ritossagrados,nossacerdotesenosmagistrados"Ciuspublicumquodin sacris,in sacerdotibus,in magistratibusconsistit)(Ulpiano,Dig.I, 1).Nomesmosentido,Gaio(Inst.11,2) distingueascoisasdeacordocomo fatodepertenceremao iusdivinumou ao iushumanum,esclarecendoquediviniiurissuntvelutiressacraeetreligiosae[so,comotais,do direitodivinoascoisassagradasereligiosas];contudo,estasummadivisiodascoisas,obviamente,internaaodireito.

    10.Doistextospermitir-nos-oretomaraanlisedo juramentoemnovasbases.O primeiro umapassagemdasLegumallego-riae(204-208)deFlon,que,apropsitodo juramentoqueDeusfez a Abraoem Gn. 22,16-17,pe o juramentonumarelaoconstitutivacoma linguagemde Deus:

    ObservaqueDeusnojurasobrealgumoutro- nohnin-gumquelhesejasuperior-, massobresi mesmo,poisele o melhorde todos.Algunsdizem,porm,quejurarnotemavercomeleporqueo juramento feitotendoemvistaa confiana[pistesheneka],e sDeus dignodeconfiana[pistos]C..) O fato queaspalavrasde Deussojuramen-tos [hoi logoitoutheoueisnhorkoi],leis divinase normassacrossantas.E a provada suaforaresideno fatode queaquiloqueeledizacontece[aneipeiginetai],o queconstituia caractersticamaisespecficado juramento.Consequnciadissoqueaquiloqueelediz,todasaspalavrasdeDeussojuramentosconfirmadospelofatodesecumpriremnosatos[ergonapotelesmasiJ.Dizemqueo juramento umtestemu-nho [martyria]de Deussobreascoisaspelasquaisse luta.Masquando Deusquemjura,ele estariatestemunhandopor si mesmo,o que absurdo,pois quemdtestemunhoe aquilopeloqualsetestemunhadevemserdiferentes.(...)Seentendermosdemaneiracorretaa expresso"jureisobremimmesmo",daremosumpontofinalataissofismas.Talvezasituaosejaaseguinte:ningumdosquepodemdarumagarantia[pistoundynatai]podefaz-IocomseguranacomrespeitoaDeus,poisaningumelemostrousuanatureza,masamanteveescondidaa todoo gnerohumano(...)Portanto,ele s podefazerafirmaessobresi mesmo,pois s ele

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  • conheceexatamentee semerrosa suaprprianatureza.NamedidaemquesDeuspode,comcerteza,comprometer-seconsigoe comsuasaes,por isso,e comrazo,elejurousobresi mesmo,tornando-sefiador de si mesmo[mnyekath'heautoupistoumenosheauton],enenhumoutroo pode-riafazer.Poressemotivo,deveriamserconsideradosmpiososquedizemjurarsobreDeus:ningum,defato,jurasobreele,porquenosepodeterconhecimentodasuanatureza.Devemoscontentar-nosde poderjurarsobreo seunome,ou seja,sobrea palavraquedele intrprete[touermeneslogou].E este o Deusparaosseresimperfeitos,enquantooDeusdosperfeitosedossbioso primeiro.Porisso,Moiss,cheiodemaravilhapeloexcessodonogerado,disse:"jurarssobreo seunome"enosobreele.A criaturageradaspodedarconfianae testemunhodapalavradeDeus,enquantooprprioDeus a f [pistis]e o testemunhomaisfortedesi.

    Procuremosresumirem cinco tesesas implicaesdessebrevetratadosobreo juramento:

    1. O juramento definido como a realizaodas palavrasnosfatos(an eipiginetai - correspondnciapontualentrepalavrae realidade).

    2. As palavrasde Deussojuramentos.

    3. O juramento o lagosde Deus,e s Deusjuraverdadei-ramente.

    4. OshomensnojuramsobreDeus,massobreo nomedele.

    5. Por no sabermosnadade Deus,a nicadefiniocertaquepodemosdara respeitodele queele o ser,cujoslogoi so horkoi, cuja palavra,com absolutacerteza,dtestemunhode si.

    O juramento,definidopela correspondnciaentrepalavrase atos,cumprenessecasouma funoabsolutamentecentral,e no s no plano teolgico,enquantodefineDeuse o seu la-gos, mastambmno planoantropolgico,enquantorelacionaalinguagemhumanacomo paradigmada linguagemdivina.Seojuramento,defato,alinguagemquesempreserealizanosfatos,e este o lagosde Deus (no De saerifieiis [65],Flon escreverque "Deus,no mesmoinstanteem que fala,faz lho theoslegnhama epoiei]");o juramentodoshomens, ento,a tentativade

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  • adequara linguagemhumanaa estemodelodivino,tornando-o,

    tantoquanto possvel,pistas,crvel.

    No De sacrificiis (93), Flon insistenessafuno do jura-mento.

    Oshomens- escreveele- sendoinfiis,apelamparao juramentoa fimdeobtercredibilidade;Deus,pelocontrrio,mesmoquandofala confivel[pistas],poisseuslogoiemnadadiferem,quantocerteza,deumjuramento.Nsacrescentamossafirmaeso jura-mento,enquantoDeusquemtornaconfivelo prpriojuramento.Deusno crvelporcausa[dia] do juramento,maso juramentoseguroporcausadeDeus.

    Pensemossobrea recprocaimplicaoentreDeuse o jura-mentocontidana ltimafrase,que retomaum modeloretricofrequentenoapenasno judasmo,e queageenquantoinverteumaverdadeestabelecida(bomexemplodissoo queconstaemMe. 2,27:"o sbado feitopara[dia] o homeme noo homemparao sbado").Na tradioclssica,pistas, por excelncia,

    o harkas,assimcomo,na tradiojudaica,pistas[eman], por

    excelncia,o atributode Deus. Desenvolvendoestaanalogia,(talvezseguindoos passosdo versode squilo- fr. 369- noqualse l que"o juramentono fiadordo homem,maso ho-

    mem,do juramento"),Flon estabeleceuma conexoessencialentreDeus e juramento,fazendo destea prpria palavradeDeus.Dessamaneira,porm,nos a linguagemhumana,mas

    tambmo prprioDeusacabasendoirresistivelmenteremetidoparaa esferado juramento.No juramento,a linguagemhumanacomunica-secom a de Deus;por outro lado, se Deus o ser

    cujaspalavrassojuramentos,sertotalmenteimpossveldecidir

    se ele confivelpor causado juramento,ou se o juramentoconfivelpor causade Deus.

    11.O segundotexto a clebrepassagemdo De aificiis(HI,102-107),dequejcitamosalgumaslinhas,equeagoradevemos

    situarno seudevidocontexto.Nelasetratado comportamentode

    Atlio Rguloque,enviadoa Romapelosinimigosde quemera

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  • prisioneirocomo juramentode que retomaria,decideretomarsabendoque serialevado morte.A perguntaque Ccerofaztema ver com a origemdo poder obrigantedo juramento."Oqueacontece- perguntar-se-- no juramento?O quetememos,realmente, a ira de ]piter?"Em todo caso- respondeele -todos os filsofosafirmamque oS deusesno se irritamnemfazemmalaossereshumanos. nestaalturaqueeleenunciaa

    clebredefiniodo juramentoque j citamos:"No juramentono devesercompreendidoo medoque ele gera,masqual a suaeficcia[non qui metussedquaevissit debetintellegi].Ojuramentoumaafirmaoreligiosa[aifirmatioreligiosa]:o queprometestesolenemente,comoseDeusfossetestemunhadisso, o que devesmanter."

    decisivaa argumentaocom a qual Ccerofundamenta,nessemomento,a visdo juramento.Elanodizrespeito iradosdeuses,quenoexiste(quaenulla est),mas confiana(fides).A obrigatoriedadedo juramentono deriva,portanto,segundoa opiniodemasiadamenterepetidapelosestudiososmodernos,dos deuses,que foram chamadosapenascomo testemunhas,masdo fatode queo mesmosesituano mbitodeum institutomaisamplo,a fides,que regulatantoas relaesentreos sereshumanos,quantoaquelasentreos povos e as cidades."Quemviolaumjuramento,violaaconfiana"(Quis iusigituriurandumviolat,isfidem violat).Na passagem,citadaanteriormente,do

    primeirolivro da obra, a fides, "fundamentoda justia",haviasidodefinidaetimologicamente,assimcomoaconteceuemFlon,atravsda realizaodo que dito: quiafiat quoddictumestappellatamfidemsCibid.,I, 23).A f , pois, essencialmente,acorrespondnciaentrea linguageme as aes.Rgulo- assimpodeconcluirCcero- agiubemobservandoo seujuramento:se lcitonoobservarumjuramentocomospiratas,comosquais,enquantohostesomnium [inimigosde todos],no pode existirumaf comum,seriainjusto"perturbarcomperjrioos pactoseos acordosqueregulamasguerrase a hostilidade"(condicionespactionesquebellicasethostilesperturbareperiuro).

    5 Porquesefaz o que dito chama-sede f. (N.T.)

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  • l'; oportunoesclarecero significadodo termoreligiosusnadefiniociceronianado juramento.Resreligiosa, emRoma,o quefoi consagradoaosdeusesinferiores(religiosaequaediismanibusrelictaesunt- Gaio2,2);nessesentido, religiosusporexcelnciao sepulcro,o lugaremquefoi inumadoumcadver(corpus,queos romanosdistinguiamde cadaver,quedesignaum mortosemsepultura).A resreligiosa subtradaao usoprofanoe ao comrcio,e nopodeseralienadanemgravadadeservido,nopodeserdadaemusufrutoou comopenhora,nem sequerpode ser transformadaem objetode qualquercontrato(d. Thomas,p. 74).De maneiramaisgeral,a coisareligiosa,assimcomoa coisasagrada,estsujeitaa umasriede prescriesrituais,quea tornaminviolvele que precisoobservarescrupulosamente.Compreende-seassimemquesentidoCceropde falardo juramentocomo aifirmatioreligiosa.A"afirmaoreligiosa" umapalavragarantidae sustentadaporumareligio,quea subtraiaousocomume, ao consagr-Iaaosdeuses,atransformaemobjetodeumasriedeprescriesrituais(a frmulae o gestodo juramento,a convocaodos deusescomotestemunhas,a maldioem casode perjrioetc). Oduplosentidodotermoreligio,que,segundooslxicos,significatanto"sacrilgio,maldio",quanto"escrupulosaobservnciadasfrmulase normasrituais",nessecontextoexplica-sesemdificuldades.Em certapassagemdo De natura deorum(II,11),os dois sentidosaparecem,ao mesmotempo,distintosejustapostos:o cnsulTibrioGraco,quehaviaseesquecidodepedira proteo[dosdeuses]no momentoda designaodosseussucessores,prefereadmitiro seuerroe anulara eleioocorridacontraa religio,aoinvsdedeixarqueum"sacrilgio"(religio)contamineoEstado:peccatumsuum,quodcelariposset,confiterimaluit,quamhaererein republicareligionem,consulessummumimperiumstatimdeponere,quamid tenerepunctumtemporiscontrareligionem.6

    nessesentidoque, ao fazercoincidiros dois significadosdo termo,tanto Ccero quantoCsare Lvio podem falar deuma "religiodo juramento"(religia iusiurandi). De maneira

    6 Preferiuconfessaro seupecado,quepoderiaterocultado,aoinvsde,navidapblica,ficardevendo religio;(preferiu)deporimediatamenteos cnsulesdetentoresdo sumopoderparano mantero poder,por pouco tempoquefosse,contraa religio.(N.T.)

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  • semelhante,Plnio,referindo-sesprescriesaobservarcomrespeitoa determinadaspartesdo corpo,podefalardeumareligioquetema ver comos joelhos,coma modireitaeinclusivecoma urina(Hominumgenibusquaedametreligioinestobservationegentium(...) inestetalispartibusquaedamreligio,sicut in dextera:osculisadversaadpetitur,in fideporrigitur(NH, XI, 250-251).E quando,emtextodecartermgico,lemosafrmulacontraadordegarganta:hancreligionemevoco,educo,excantodeistismembris,medullis7 (Mauss,p.54),religiovaletantocomo"malefcio",quantocomoconjuntodasfrmulasrituaisquedevemserobservadasafimdeproduzir(eeliminar)o feitio.

    Quando,aoprojetar,anacronisticamente,umconceitomo-dernosobreo passado,se falaatualmentede uma"religioromana",nosedeveesquecerque,segundoaclaradefiniopostaporCceronoslbiosdopontficemximoCota,elanadamaiseradoqueo conjuntodasfrmulasedasprticasrituaisaobservarno iusdivinum:cumomnispopuliRomanireligioinsacra(asconsagraes)etinauspicia(auspciosquedevemserconsultadosantesde qualqueratopblicoimportante)divisasit(DenatodeorumIII, 5), Por essemotivo,elepodiaindicara suaetimologia(alis,compartilhadapelosestudiososmo-dernos)no verbo relegere,observarescrupulosamente:quiautemomniaquaead cultumdeorumpertinerentdiligenterretractarentet tamquamrelegerent,sunt dicti religiosiexrelegendo8(ibid., II, 72).

    12.A proximidadeentref e juramentonodeixoudeserpercebidapelosestudiosose comprovadapelofatodeque,no grego,pistis sinnimode horkosemexpressescomo:pistinkai horkapoieisthai(prestarjuramento),pistadounaikai lambanein(fazertrocadejuramento).EmHomero,pista(confiveis)so,por excelncia,os juramentos.E, no mbito

    7 Do interiordestesmembros,eu chamo,eu fao sair,eu atraiopor encantoestareligio.(N.T.)

    8 Todasascoisasquepertencemaocultodosdeusesdiligentementeretratadase de algummodorelidas,dissosediz quesoreligiosaspelareleitura.(N.T.)

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  • latino,nio, num versocitadopor Ccero,definea fidescomo"juramentodeJpiter"(ius iurandum!ovis).Almdisso, significativoque sejamapresentadasno s frmulasdejuramento"paraapistisdosdeuses",mastambm"paraaprpriapistis' - kata tsheautonpistesdiomosamenoi(Dion.Hal.XI,54)- e que,alis,a "pistisde cadaum"Cidia hekastipistis)valessecomoo megistoshorkosCibid.,II, 75;d.Hirzel,p. 136).

    DumzileBenvenistereconstituram,apartirdedadossobre-tudolingusticos,aslinhasoriginaisdaantiqussimainstituioindo-europeiaqueosgregosdenominavampistis,eosromanos,fides (emsnscrito,sraddha):a "fidelidadepessoal".A "f" ocrditocomquesecontajuntoaalgum,comoconsequnciadofatodequesomosabandonadosconfiavelmenteaele,ligando-nosnumarelaodefidelidade.Porisso,aftantoaconfianaquedepositamosemalgum- afquedamos- quantoaconfianacomquecontamosjuntoa algum- a f,o crditoquetemos.Ovelhoproblemadosdoissignificadossimtricosdotermo"f",ativoepassivo,objetivoe subjetivo,"garantiadada"e "garantiainspirada",paraaqualhaviachamadoaatenoEduardFrankelemfamosoartigo,explica-se,semdificuldades,sobessapers-pectiva:"Aquelequedetmafidesnelecolocadaporumhomemmantmtalhomememseupoder.Porisso,fidestorna-sequasesinnimodedicioepotestas.Nasuaformaprimitiva,taisrelaesimplicavamalgumareciprocidade:depositara prpriafides emalgummerecia,emtroca,a suagarantiae a suaajuda.Masprecisamenteessefatoquemarcaadesigualdadedascondies.Trata-sedeumaautoridadequeexercidaconjuntamentecomaproteosobreaquelequesesubmete,emtrocadasuasubmis-soe namesmamedidadesta"(Benveniste[2]2,pp.118-119).

    Dessaforma,torna-secompreensvelafortevinculaoentreosdoistermoslatinosfides e credere,queviriaa assumirtantaimportnciano mbitocristo.Meillethaviamostradoqueoantigosubstantivoverbal*kredtinhasidosubstitudonousodafides,queexpressavanoobemsemelhante.Crederejustamentesignificava,nasuaorigem,"daro *kred",depositaraprpriafemalgumdequemseesperaproteoe,dessamaneira,vincular--secomelenaf(frequentemente,como apertodamodireita:dextraedextrasiungentesfidemobstrinximus- LIV. 23, 9, 3).

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  • Alm de regulamentaras relaespessoais,a fides cumpria

    umafunoimportanteno direitopblico internacional,na re-laoparticularque se instauravaatravsdelaentreas cidadese os povos.Numa guerra,a cidadeinimigapodia servencidae destrudacom a fora (kata kratos),enquantoseushabitan-teserammortosou reduzidos escravido.Contudo,tambm

    podia acontecerque a cidademaisfracarecorresseao instituto

    da deditioin fidem, ou seja,que capitulasse,remetendo-sein-condicionadamente lides do inimigo,comprometendoassim,de algummodo,o vencedora assumirum comportamentomaisbenevolente.Tambmesteinstitutoerachamado,pelosgregos,

    depistis(dounaieispistin,peithesthai)e,pelosromanos,defides

    (in fidem populi Romani venireou setradere)9.Tambmaquiencontramosa ntimarelaoentref e juramento:as cidadese os povosque sevinculavammutuamentena deditioinfidemtrocavamentresi juramentosparasancionartalrelao.

    A fides , portanto,um atoverbal,acompanhadoem geral

    de um juramento,Como qual algumse entregatotalmente

    "confiana"de outrem,obtendo,em troca,a sua proteo.O

    objetoda fides , em todo caso,assimcomo no juramento,aconformidadeentreaspalavrase asaesdaspartes.

    Dumzilmostrouque,quandoemRomaahistriado perodomonrquicofoi poucoapoucoconstrudademaneiraretrospec-tivae assumiuumaformadefinida,a fides, que cumpriapapel

    importantena vida pblicae privada,acabousendodivinizadae associada figurade Numa,a quemse atribuaa fundaodassacrae das leges(Dumzil[4],p. 184).Fidestorna-se,assim,umadeusa,paraa qual,porvoltado ano250,foi construdoum

    templono Capitlioromano;contudo,assimcomo paraDeusFidius,arespeitodo qualsediscutese,originalmente,eradistinto

    ou nodeJpiter,e que,assimcomoMitra,eraumaespciede

    "contratopersonificado"Cibid.),aquiareligionoprecede,mas,semuito,sucedeo direito.

    Portanto,comafides,exatamenteassimcomoacontececom

    o juramento,encontramo-nosemumaesferanaqualo problema

    9 Render-seao povo romanoouseentregar.(N.T.)

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  • darelaogenticaentrereligioe direitodeveserretomadoemnovasbases.Frente complexidadedessesinstitutos,quepare-cemserao mesmotempomorais,religiosos,sociaise jurdicos,denadaserverecorrer,conformefazemalguns,scategoriasdopr-direito(d. Imbert,p. 411).O fatodeos institutosemquestono seremsancionadosjuridicamente(impunidadedo perjriona pocamaisantiga,ausnciade aolegalparao credorqueapelouparaa fides do devedor)no significaque elesdevamserconsideradosmaisreligiososdo quejurdicos;significa,sim,quea investigaocomeleschegouaumlimite,quenosobrigaa reconsiderarmosas nossasdefiniesdo que jurdico e doque religioso.

    ~ lugarcomumda doutrinasobreo juramentoafirmarquea ausnciadesanodo juramentonapocaantigasejao sinaldo seupertencimentoesferareligiosa,enquantoa puniodoperjrioteriasidodeixadaparaos deuses.Os estudiososcon-tinuamcitandoo dictumdeTcito,deoruminiunasdiscume(Ann.1,73),semsepreocuparemcomo contextojurdico-polticodo qual tirado.Rubriofoi acusadofrentea Tibriode "terviolado,comumperjrio,o numendeAugusto"(trata-se,pois,de um tipo especialde juramento"pelogniodo imperador",quesetornarcomumnaidadeimperial).O problemano seo perjrioemgeral punvelou no,masseRubriodeveseracusado,porcausado seuperjrio,decrimedelesa-majestade.Tibrio,naquelemomento,preferenoseservirdeummotivodeacusaodeque- conformenosinformaTcito- maistardefarumusoferoz,afirmandosarcasticamenteque"nocasodaquelejuramentosedeveconsiderarquetivessesidoofendidoJpiter:asofensasaosdeusessoassuntodosdeuses[deoruminiunas

    discume]".No setrata,de modoalgum,segundoaspalavrasde um comentador leviano,de um "antigoprincpiodo direitoromano",masdosarcasmodeumimperadorcujaescassapiedadereligiosaeraconhecida(circadeosetreligionesnegligentior-Sue-tnio,Tib.69).Issoacabasendoconfirmadopelofatodequeooutrocasonoqualencontramoso mesmoprincpioaparecebemmaistarde,referindo-sesignificativamenteaomesmoproblemada aplicabilidadedo delitode lesa-majestadea um juramento

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  • sobreo numenprincipis(tambmaquiarespostadoimperadornegativae,comumaprovvelremissoaodictumdeTibrio,sesugerequeiusiurandicontemptareligiosatisdeorumultoremhabet- Codexiuris4, 1,210).

    incorretoconsiderarjurdicassasdisposiesparaasquaiseraprevistaumasano.Pelocontrrio,Ulpianoafirmademodoexplcitoquesdeveserconsideradapeifectaa leiparaa qualnoseprevsano,enquantoapresenadeumasanotornaalei impeifectaouminusquampeifecta(Libersing.Regularum,prol.1-2)Y No mesmosentido,a impunidadeda mentiraemmuitosordenamentosarcaicosnosignificaquea suapuniofossedaaladadosdeuses.Nomximo,possvelqueaquisetenhaa vercomumaesferadalinguagemqueestaqumdodireitoedareligio,equeo juramentorepresenta,justamente,olimiaratravsdoquala linguagementranodireitoena religio.

    Quando,emestudosobreo juramentonaGrcia,podemosler:- "Emlinhasgerais,pode-seafirmarque,ataofinaldos-culoVI, apuniodivinadoperjrioaindaeraumaarmaeficazcontraosabusosdo juramento.No entanto,a partirdo sculoV, o individualismoeo relativismodomovimentosofistacome-ouaminaraantiganoodejuramento,pelomenosparaumadeterminadaparcelada populao,e o temordosdeusesnocasodoperjriocomeouadesvanecer"(Plescia,p. 86)- trata--sedeafirmaesqueapenasrefletema opiniodoautor,quesebaseianomal-entendidosobreumapassagemdePlato(LeisXII, 948b-d),obviamenteirnico,no qualRadamante,a quemseatribuia instituiodoprocessocomjuramentos, louvadopor tercompreendido"queos homensde entoacreditavamrealmentequeosdeusesexistiam,e comrazo,porquenaque-le tempoquasetodosdescendiamdos deuses,e elemesmoera,pelomenossegundoo quedizem,umdeles".A ironiaaindamaisacentuadapelofatodePlato,fortementecontrrioaousodo juramentodaspartesno processo,acrescentarqueRadamante,"aodaraoscontendoresumjuramentosobretodaquestocontendida,selivravadelademaneirarpidaesegura".

    10 Jurar comprejuzoda religioreceberum castigodosdeuses- Codexiuris.(N.T.)

    11 Imperfeitaou menosqueperfeita(Libersing.Regularum).(N.T.)

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  • Igualmenteirnicae isentadetodanostalgiaparaumasupostadevooantiga a razoaduzidalogodepoisparaa exclusodojuramentodaspartes:"Ora,quando,noentanto,dizemosqueumapartedoshomensdemodoalgumacreditanosdeuses,eoutrospensamqueelesnocuidamdens,enquantoaopiniodamaioriae dospioresque,emtrocadepequenossacrifcioselisonjas,elesosajudemasubtrairmuitasriquezaseoslibertemdegrandespenas,aartedeRadamantedemaneiraalgumaseriaadequadaparaos processosdoshomensdehoje."A objeoessencialcontrao juramentodaspartesconsiste,naverdade,emque- conformeseafirmalogodepois- o fatodefazeraspartesjuraremno processoequivalea obrigaralgumlegalmenteaoperjrio:"Realmente terrvelque,havendomuitosprocessosnumacidade,sepassea teracertezadeque,assim,quaseme-tadedoscidadossoperjuros"(d., sempreemLeisX, 887a,aironiadePlatoaofalardatentativade"estabelecerporleiqueosdeusesexistem"[nomothetountesS ontnthen]).

    13.Outroinstitutocomqueo juramentoestintimamentevinculado a sacratio.Alis,tantoasfontesantigasquantoamaioriadosestudiososconcordamemverno juramentoumaformadesacratio(oudedevotio,outroinstitutocomqueacon-sagraotendeaconfundir-se).Emambososcasos,umhomemeratransformadoemsacer,a saber,consagradoaosdeuseseexcludodomundodoshomens(ouespontaneamente,comonadevotio,ouporquetinhacometidoummaleJiciumquetornavalcitoquequalquerumo matasse)."Denomina-sesacramentum(umdosdoistermoslatinosparajuramento)- l-seemFesto(466,2)- aquiloqueserealizacoma ajudadaconsagraodojuramento[iusiurandi sacrationeinterposita].""O juramento(sacramentum)- escreveBenveniste(Benveniste[2],2,p. 168)- implicaa noodetornarsacer.Associa-seaojuramentoaqualidadedo sagrado,amaisterrvelentreaquelasqueumserhumanopodereceber:o juramentoaparececomoumaoperaoqueconsisteemtornarsacerdemaneiracondicional."Porisso,PierreNoaillespde,namesmaperspectiva,escreverarespeitodo juramento:"O atorno processoconsagroua si mesmo,se

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  • tornousaceratravsdojuramento"(Noailles[I), p.282)."Asitu-aodoperjuro- escreveHirzel- noeradiferentedaqueladosacerromano,quesehaviavotadoaosManese,assimcomoesteC ..) podiaserexcludodetodacomunidadereligiosaou civil"(Hirze1,p. 158).Nomesmosentido,o juramentopodeservistocomoumadevotio:"Bastapronunciaro juramentoparaalgumsetornarumser'votado'(...),poiso juramento umadevotioe,conformeseconstatou,o horkosgregoimplicaquealgumseconsagrepreviamenteaopoderdeumadivindadevingadoraemcasodetransgressodapalavradada"(Benveniste[2), 2,p.243).

    Detudoisso,nasce,nojuramento,aimportnciadamaldio(ara, imprecatio),queacompanhaconstitutivamenteo seupro-ferimento.Plutarco,nessafontepreciosaparao conhecimentodasantiguidadeslatinasquesoasQuaestionesromanae,jnosinformaque"todososjuramentossoconcludoscomumamal-diodoperjuro"(eiskataranteleutaitesepiorkias- 44).Alis,osestudiosostendema considerara maldiocomoa essnciadojuramento,eadefinir,porisso,ojuramentocomoumamaldi-ocondicional:"Amaldioaparececomoaparteessencialnojuramento,enquantoosjuramentosdeimprecaovalemcomoosmaispoderosos,porquetalaspectoessencialdojuramentosemanifestanelesdemodomaispuroe maisforte.A maldioo essenciale o originrio"(Hirze1,pp.138-139);"jurarequivale,sobretudo,amaldizercasosedigao falsoounosemantenhaaquiloqueseprometeu"(Schrader,apudHirze1,p. 141).

    Bickermannobservouque,no entanto,a maldiopodeestarausente(osexemplosalegadosnosereferem,contudo,a fontesgregasou latinas)e que,por outrolado,podehaverimprecaessemjuramento(d.Bickermann,p. 220).A opiniodeGlotz,segundooqualamaldioacompanhanecessariamenteo juramento,masnoseidentificacomele,parece,portanto,sermaiscorreta,e nessesentidoquesedeveentendera re-comendao,contidaemdocumentosoficiais,de"acrescentaramaldioaojuramento"Ctihorki tan aran inemen- Glotz,p. 752).Almdisso,convmprecisarqueo juramentocomportamuitasvezestantoumaexpressodemauspressgios,quantoadebonspressgioseque,nasfrmulasmaissolenes,amaldiosucedeumabno:"quelesquejuramlealmenteecontinuam

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  • sendofiisao prpriojuramento,queos filhosdeemalegria,a terraconcedaabundantementeos seusfrutose o gadosejaprolfico;aosperjuros,porm,quenematerranemosanimaistragamfrutos,quepereammal,eleseasuaestirpe"(ibid.). Noentanto,a bnopodefaltar,enquantoa maldiodeve,pornorma,estarpresente(d.Hirzel,p. 138).Esta aregraemHo-mero,segundoo qualamaldiovemacompanhadaporgestose ritoseloquentes,comoquando,nacenaemqueostroianoseosaqueustrocamjuramentosentresiantesdodueloentrePriseMenelau,o Atridaderramaaochoo vinhodeumacratera,12eprofereafrmula:"Esparjam-sepelaterra,comoestevinho,osmiolosdaquelesqueporprimeirotransgrediramosjuramentos"(Il. III, 299-300).

    O juramentoparece,portanto,resultardaconjunodetrselementos:umaafirmao,a invocaodosdeusescomotes-temunhase umamaldiodirigidaparao perjrio.No mesmosentido,pode-seafirmarqueo juramentouminstitutoqueuneentresiumelementodotipodaPistis- aconfiabilidaderecpro-caatribudaspalavrasproferidas- e umelementodotipodasacratio-devotio(amaldio).Naverdade,porm,ostrsinstitutosestoentrelaados,terminolgicaefatualmente,demaneiratontima(conformeaconteceno termosacramentum,que aomesmotempojuramentoe sacratio)queosestudiosos,mesmosemtiraremtodasasconsequnciasdessaproximidade,tendematrat-loscomoumnicoinstituto. oportunonoesquecerquea sriepistis-horkos-ara,ou a defides-sacramentum,remetema umnicoinstituto,certamentearcaico,contemporaneamentejurdicoereligioso(oupr-jurdicoepr-religioso),cujosentidoecujafunodevemosprocurarentender.Masissosignificaque,sobessaperspectiva,o juramentopareceperderasuaidentidadeespecfica,acabandoporconfundir-secomafides eamaldio,doisinstitutoscujanatureza- sobretudono quedizrespeitomaldio- noficatotalmenteclarae,emtodocaso,mereceurelativamentepoucaatenoporpartedosestudiosos.Poresse

    12 Craterao nomedadoa umvasoantigo,emformadetaa,comduasalas,usadopor gregose romanosparacolocaro vinho. (N.T.)

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  • motivo,umaanlisedo juramentodever,antesde maisnada,confrontar-secomo problemada suarelaocoma maldio.

    l'; A descrioda cenado juramentono Critias(l19d-120d)mostrabastantebema vinculaoentrepistis,horkose ara.Oato de prestaro juramento definido,nessecaso,comoummodode "dar-sea f"e, por outrolado, o prpriojuramentoqueproferevotivamente(epeuchomenos)"grandesmaldies":"Quandoosreisestavamprestesa fazerjustia,davam-se,dessamaneira,mutuamentea f [pisteisalleloistoiasdeedidosanJC..)Sobreacoluna,aparecia,almdasleis,umjuramentoqueproferiavotivamentegrandesmaldiesparaquemviolavaaf[horkosenmegalasarasepeuchomenostoisapeithousinJC..) Depois,tirandoumaampoladesanguedacraterae derramando-asobreo fogo,juravamfazerjustiasegundoas leisescritassobrea colunaepunirtodosaquelesqueashouvessemvioladoporprimeiro."

    14.De resto,bastaexaminarcommaiscuidadoos elementos

    constitutivosdo juramentoparanosdepararmoscomincertezase confusesterminolgicasno mnimosurpreendentes.Umadascaractersticasdo juramentoa cujo respeitotodos os autores,tantoantigosquantomodernos,de Cceroa Glotz, de Agosti-nho a Benveniste,parecemestarde acordo a invocaodosdeusescomo testemunhas.Nessesentido,no seu comentrio

    sobreDe inte;pretationede Aristteles(4a),Amnio13faz umadistinoentreo juramentoe a assero(apofansis)atravsdo"testemunhode Deus" (martyria tou theou).O juramento,se-gundoessadoutrinarepetidainfinitasvezes, umaafirmaoqualseacrescentao testemunhodivino.As frmulasimperativasmartysesto(PIND, PythIV, 166:karteroshorkosmartysestZeus,"poderosojuramentosejatestemunhaZeus")ou istZeus(It. 7,411:horkia deZeusist,"vejaZeusos juramentos"),atestadasnasfontesantigas,no parecemdeixardvidasa respeito.

    Masdefato assim?Observou-sequeo testemunhoaquiana-lisadodifereessencialmentedo testemunhoemsentidoprprio,como o dastestemunhasnum processo,pois de formaalguma

    13 AmnioSaccas(lat:Ammonius Saccas) (175-242),filsofogregodeAlexandria, consideradoo fundadorda escolaneoplatnica.(N.T.)

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  • podesercontestadoouverificado(Hirzel,p.25).Noson-merodasdivindadesinvocadasquetendeaaumentarbemmaisdo queo nmerodos"deuseslegais"(nomimoitheoiou theoihorkioi)a pontodeincluiroito,dezesseise,porfim,"todososdeuses"(conformeacontecenojuramentodeHipcrates),mas,svezes,sochamadoscomotestemunhasrios,rvorese atmesmoobjetosinanimados(o "leitolegtimo",lechoskouridion-d.li. 15,39).Emtodocaso, decisivoquenojuramentonosetratademodoalgumdeumtestemunhoemsentidotcnico,porque, diferenadequalqueroutrotestemunhoconcebvel,elecoincidecomachamadaeserealizae acabanela.Ascoisas

    nomudamse,conformesugeremalgumasfontes,entendermoso dosdeusesnocomoumtestemunho,mascomooutorgadeumagarantia.Assimcomootestemunho,nemsequeraquipodeocorrertecnicamentea fiana,nemnomomentodojuramento,nemdepois;pressupe-sequeelajtenhasidorealizadacomaprofissodojuramento(Hirzel,p. 27).

    O juramento,portanto,umatoverbalquerealizaumtes-temunho- ou umagarantia- independentementedo fatodeelesaconteceremouno.A frmulaacimaindicadadePndaro

    assumenessecasotodoo seupeso;karteroshorkosmartysestZeus,"poderosojuramentosejatestemunhaZeus":Zeusnotestemunhado juramento,masjuramento;testemunhae Deuscoincidemnoatodeproferirafrmula.AssimcomoaconteceemFlon,o juramentoum logosquenecessariamenteserealiza,eeste,justamente,o logosdeDeus.O testemunho dadopelaprprialinguagem,e o Deusnomeiaumapotnciaimplcitanoprprioatodepalavra.

    Assim,o testemunhoqueestemquestonojuramentodeveserentendidonumsentidoquepoucotema vercomo quecostumeiramenteentendemoscomo termo.Eletema vernotantocomaverificaodeumfatoouumevento,massimcomoprpriopodersignificantedalinguagem.Quando,apropsitodojuramentopropostoporHeitoraAquiles(cf.li.22,254-255),lemosque"osdeusesseroasmelhorestestemunhas[martyroi]evigilantesdaquiloquemantmunido[episcopoiharmonian]",

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  • o "encaixe"(tal o significadooriginaldo termoharmonia,queprovmdo lxicodacarpintaria),dequeos deusessotestemu-nhasevigias,spodeseraquelequeuneaspalavrase ascoisas,ou seja,o lagoscomotal.

    l'I; UmaglosadeHesquio14(horkoi:desmoisphragidos)defineos juramentoscomo"vnculosdo sigilo"(ou sigilantes,sepre-ferirmosa formasphragideis).No mesmosentido,no fr. 115deEmpdocles,sefaladeum"decretoeternodosdeuses,sigiladocomgrandesjuramentos"(plateessikatesphregismenonhorkois).O vnculoquenessecasoestemjogospodeseraquelequeligao falante suapalavrae, ao mesmotempo,aspalavrasrealidade.Hirzelobservacomrazoqueo testemunhodivinoinvocadonosparao juramentopromissrio,mastambmparao assertrio,no qualelenoparecetersentido,a noserqueaquiestejaemjogoo prpriosentido,aprpriaforasignificantedalinguagem(d.Hirzel,p. 26).

    15. Se deixarmosde lado o problemada intervenodosdeusescomo testemunhas,para nos voltarmospara o da suainflunciano casoda maldio,a situaono menosconfu-sa.Que a maldiocumprissenapolis umafunoimportante, provadopelo fatode que,em perfeitaanalogiacom astesesde Licurgosobreo juramento- e por maisque issonos possaescandalizar-, Demstenesmenciona(20,107)comoguardiesda constituio(politeia)no s o povo e as leis (nomoi),mastambmasmaldies(arai). No mesmosentido,ao lembrarosvnculos entreos homenspraticamenteimpossveisde evitar,Ccero cita ao mesmotempomaldiese fides (Verr. V, 104:ubi fides, ubi exsecrationes,ubi dexteraecomplexusque?).Oque, nessecaso,umamaldioe qualpode sera suafuno?Mesmodo ponto de vistaterminolgico,a situaode modoalgumfica clara.Os termosque a designam,tanto no gregocomono latim,parecemtersignificadosopostos:ara (e o ver-bo correspondenteepeuchomai)significa,segundoos lxicos,

    14 Hesquiode Alexandriafoi um gramticae lexicgrafoque,provavelmente,viveu no sculoV, e que fez uma compilaode um rico vocabulriodetermosincomunsna lnguagrega.(N.T.)

    43

  • tanto "pedido" (e "pedir") quanto "imprecao,maldio"(e"imprecar,maldizer").O mesmopode-sedizer paraos termoslatinosimprecore imprecatio,que tantoequivalema "augurar"e a "maldizer"(tambmdevoveo,que significa"consagrar",nocasode umadevotioaosdeusesinfernaisequivalea "maldizer"em sentidotcnico).Todo o vocabulrioda sacratio,como se

    sabe,marcadopor essaambiguidade,cujasrazesprocuramosreconstruirnoutromomento.

    Maisumavezasinterpretaesdamaldiorepetemacritica-menteo paradigmadaprimordialidadedo fatomgico-religiosoe se limitama remetera um impreciso"podernuminoso"(d.verbete Fluch no Reallexiconfr Antike und Christentum,p. 1.161)ou a evocara religio como "auxlio prticopara aeficciado direito"(Ziebarth,p. 57).Nessaperspectiva,LouisGernet,no seu artigo "Le droit pnal de Ia Grece ancienne",pode escreverque

    amaldiocumpriupapelimportantenasorigensdo direito.Elasancionasvezesasleisou assubstitui,conformeverifi-camosnumcatlogodeimprecaespblicasdosculoV nacidadedeTheos,ondeela formuladacontraumasriededelitosquedizemrespeitoseguranadoEstadoe prpriasubsistnciada cidade.Naturalmente,, sobretudo,navidareligiosae nasprticasdo santurioqueo seuusoacabousendoperpetuado;masnopodedeixardesetratardeumatradiomuitoantiga.A maldiosupea colaboraodasforasreligiosas:estas(que,por princpio,nemsequersorepresentadasde formapessoal)sode algummodocon-densadaspelavirtudemgicado rito orale agemsobreoculpadoe sobreo queo circunda,ressequindonelesa fontedetodavida.A imprecaoexerceoseuefeitoletalatmesmosobrea terra,sobreo quenascedelae delasenutre.E, aomesmotempoepelofatodeelaserumadevotio,amaldiosignificaumaexclusoda comunidadereligiosaconstitudapelasociedade:elasemanifestaatravsde uma interdioemsentidoprprioe,nasuaaplicaoconcreta,umatodeprforadalei (Gemet[2],pp. 11-12).

    So prestgiodo paradigmadaoriginariedadedofatomgico--religiosopodeexplicarqueumestudiosoatentocomoGernet,ao

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  • repetirasvelhasargumentaesdeZierbarth,possacontentar-secomumainterpretaotoobviamenteinsuficiente,emquenos- emcontrasteevidentecomo fatodequea maldiosejaplenamenteatestadapelojuramentoempocahistrica- soreconhecidoscomobviosalgunspressupostosmticos,comoa "virtudemgicado ritooral",as"forasreligiosas"e osseus"efeitosletais",masnemsequersetornaclaroseelauminsti-tutoemsi,ouseidentifica,pelocontrrio,coma devotioe,emltimainstncia,como prpriojuramento,queconstituiriaumaderivaodomesmo.

    Porisso,seroportunosuspender,pelomenosprovisoriamen-te,asdefiniestradicionais,queveemnamaldioumainvoca-odirigidaaosdeusesparaque,afimdepuniremoperjrio,setransformemdetestemunhasemvingadores,perguntando-nos,antesdemaisnada,sobreo queneladefatoestemjogo,ouseja,sobrea funoimanentequea maldioexerceno jura-mento.Segundoaopiniocorrente,nojuramento,osdeuses(ou,maisprecisamente,osseusnomes)somencionadosduasvezes:umavezcomotestemunhasdojuramentoe outra,namaldio,comoosquepunemo perjrio.Pensandobem,esedeixarmosdeladoasdefiniesmticas,quebuscamaexplicaodeleforadalinguagem,emambososcasosarelaoentreaspalavraseosfatos(ouasaes)quedefineojuramento.Numcaso,onomedoDeusexpressaaforapositivadalinguagem,ouseja,ajustarelaoentreaspalavrase ascoisas("poderosojuramento,sejatestemunhaZeus");nooutro,umafraquezado logos,asaber,umarupturadessarelao.A essaduplapossibilidadecorrespondeadpliceformadamaldio,que,conformevimos,seapresentacostumeiramentetambmcomoumabno:"Sejuro bem[euorkounti],amimmuitosbens,seperjuro[epiorkountiJ,muitosmales,aoinvsdebens"(Glotz,p.752;Faraone,p.139).OnomedoDeus,quesignificaegaranteo encaixeentreaspalavraseascoisas,transforma-seseeleseromper,emmaldio. essencial,emqualquercaso,a cooriginariedadedebnoe maldio,queestoconstitutivamentecopresentesnojuramento.

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  • ~ suficientelermoso bastanteextensoverbeteFluch no

    Reallexiconfr Antike und Christentum(que procurareme-diaro reduzidssimoespaodedicadoao problemano Pauly--Wissowa15e no Daremberg-Saglio,16nosquaisamaldiosabordadapassageiramenteno artigosobrea devotio,deautoriadeBouch-Leclerq)paranosdarmoscontade quea literaturacrticanofez muitosprogressoscomrelaoao artigocitadode ErichZiebarthou quelede GeorgeHendrikson(926).OrecenteestudodeChristopherFaraoneenfatizaadiferenaentrejuramentosquecontmquerbnosquermaldies(emgeraldestinadosesferaprivada)ejuramentosacompanhadosapenaspor maldies(emgeralreservados esferapblica).Emtodocaso,paraalmdaexplicaotradicional,quev namaldioumapeloaopoderreligiosoparagarantira eficciado direito,o nexoentrejuramentoe maldiocontinuainquestionado.

    16.Ziebarthprovoua consubstancialidadeda maldiocoma legislaogregapor meiode umavastadocumentao.A suafunoeratoessencialqueasfontesfalamde umaverdadeira"maldiopoltica",quesancionatodasasvezesaeficciadalei.No prembulodaLei deCarondal-seo seguinte:" necessrioobservar[emmenein]o que foi proclamado:quem transgride submetido maldiopoltica [politikeara]" (ibid., p. 60).No mesmosentido,Dio de Prusa (80.8)nos informaque osatenienseshaviamposto (ethento,no sentidoforte do termo,como,por exemplo,em nomontithenai,daruma lei) nas leisde Slonumamaldio"poltica"que se estendiatambmaosfilhos e descendncia(paideskaigenos).Ziebarthidentificoua presenada maldio "poltica"nos dispositivoslegais detodasas cidadesgregas,de AtenasatEsparta,de Lesbosat

    15 Pauly-Wissowa o nome comumenteusado para a RealencyclopadiederclassschenAltertumswssenschajt,tambmconhecidacomo "enciclopdiaalem",escritadurantevriosdecnios,a comearpor AugustPauly(1839),e terminandocom Georg Wissowa (1890).O ltimo dos seus84 volumesfoi publicado em 1978.(N.T.)

    16 Daremberg-Saglio o nome do Dctonnare desAntquts GrecquesetRomanes, clssico dicionrio em francs dedicado antiga Grcia e aRoma,escritopor CharlesDaremberge EdmondSaglio,publicado emdezvolumesentre 1873e 1919.(N.T.)

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  • Teos e Quios, inclusiveatascolniassicilianas(Tauromenia).

    Ela tambmdiz respeitoa questesque nadatemde "religio-so", como acontececom a proibio,em Atenas,de exportarprodutosagrcolasdiferentesdo leo (d.Ziebarth,p. 64).Almdisso,antesde todaassembleia,o keryx,o pregoeiropblico,pronunciavasolenementeas maldiescontraquemhouvessetradoo povo ou violadoas suasdecises."Issosignifica- co-mentaZiebarth- quetodaa ordemconstituda,segundoa qualo demos soberano, garantidaatravsde uma ara" (ibid.,p. 61).No s o juramento,mastambma maldio- nessesentido,ela chamadade razo"poltica"- funcionacomoumverdadeiro"sacramentodo poder".

    Nessaperspectiva,comoj tinhaintudoWillian Fowler (d.Fowler,p. 17), possvelconsiderarcomomaldioa frmulasaeeresto,queapareceno dispositivodasXII tbuas.Nosetrata,porm- conformeassinalaFowler- daproduodeum taboo,masdasanoquedefineaprpriaestruturadalei, o seumodode referir-serealidade(talioesto/ saeeresto)(d.Agamben,p.31).Sobessaluz,aparececomocontraditriaaenigmticafigurado homosaeer,sobrea qualaindasecontinuadiscutindonosentreoshistoriadoresdo direito.A saeratioqueo atingiu- equeo tornaao mesmotempomatvele insacrificvel- nadamaisdo queum desenvolvimento(talvezrealizadopelaprimeiravezpelaplebeemtutelado tribuno)da maldioatravsda qualalei defineo seumbito.Por outraspalavras,amaldio"poltica"delimitao loeusemque,somentenumafasesucessiva,seconsti-tuiro direitopenal,e justamenteessasingulargenealogiaque,de algumamaneira,poderjustificara incrvel irracionalidadequecaracterizaa histriadapena.

    tl; naperspectivadessaconsubstancialidadetcnicaentreleiemaldio(tambmpresenteno judasmo- d. Dt.21,23-, masbemfamiliaraumjudeuquevivesseemambientehelnico)quesedevementenderaspassagenspaulinasemquesefaladeuma"maldiodalei"(kataratounomou- Cl.3,10-13).Aquelesquequeremsersalvosmedianteasobras(aexecuodospreceitos)- esteo argumentode Paulo- "estosob a maldio[hypokataraneisinJ,pois estescrito: malditoquemno observa

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  • [emmenei,o mesmoverboqueseencontrana Leide Caronda]ospreceitosescritosno livrodalei".Submetendo-seelemesmoaojuzoemaldiodalei,Cristo"nosresgatoudamaldiodalei,tornando-seelemesmomaldio,poisestescrito:malditoquemestpenduradonomadeiro".O argumentopaulino- por-tanto,o prpriosentidodaredeno- spodeserentendidoseo situarmosno contextodo recprocopertencimento,jurdicoenosreligioso,delei e maldio.

    17.Como compreenderestaduplavalidade(bem-dizenteemal-dizente)dos nomesdivinos no juramentoe no perjrio?Existeum institutoquevive desdesempreem toestreitainti-midadecomo perjrioe amaldio,apontodeserconfundidocom eles e que talveznos possa oferecera chavepara umainterpretaocorretados mesmos.Trata-seda blasfmia.Noestudosobre Ia blasphmieetl'euphmie(originalmente,umaconfernciaduranteum colquiodedicado,significativamente,ao nomede Deus e anliseda linguagemteolgica),Benve-nisterefere-seinsistentementeproximidadeentreablasfmia,o perjrioe o juramento(emfrancsisso fica evidentena pa-ronmiajuron: jurer):

    Forado culto,a sociedadeexigequeo nomede Deussejainvocadonumacircunstnciasolene,que o juramento.Ojuramento,defato,umsacramentum,umapelodirigidoaDeus,testemunhasupremadaverdade,eumacatamentodocastigodivinoemcasodementiraou perjrio. o compro-missomaispesadoqueum homempossaassumire a faltamaisgravequeelepossacometer,poiso perjriopertenceno justiadoshomens,mas sanodivina.Por isso,onomedoDeusdevefigurarnafrmuladojuramento.Tambmnablasfmiao nomedeDeusdeveaparecerporque,assimcomoo juramento,ablasfmiatomaDeuscomotestemunha.A blasfmiaVuron]umjuramento,masumjuramentoofen-sivo(Benveniste[3],p. 256).

    Alm disso,Benvenistesalientaanaturezadeinterjeioque prpriada blasfmia,e que,comotal,no comunicamensa-gemalguma:

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  • A frmulablasfemaproferidanoserefereanenhumasituaoobjetivaparticular;aprpriablasfmiaproferidaemcircuns-tnciastotalmentediferentes.Expressaapenasa intensidadedeumareaofrentescircunstncias.Nemsequerserefereaumasegundaouterceirapessoa.Notransmitemensagemalguma,noabrenenhumdilogo,nopederesposta;apre-senadeuminterlocutorno necessria(ibid.).

    Por isso to surpreendenteque,paraexplicara blasfmia,o linguistaabandonea anliseda linguageme, num dos rarosrecursos tradiohebraica,apeleparaa "proibiobblicadepronunciaro nomede Deus"Cibid.,p. 254).A blasfmia, comcerteza,umatodepalavra,massetrata,justamente,de"substituiro nomede Deuscoma ofensaa ele"Cibid.,p. 255).A proibiono temcomo objetoum contedosemntico,masa simplespronnciado nome,ou seja,uma"puraarticulaovocal"(ibid.).Logo depois,umacitaode Freudintroduzumainterpretaoda blasfmiaemtermospsicolgicos:

    A proibiodousodonomedeDeusserveparareprimirumdosdesejosmaisintensosdoserhumano:o deprofanaro sa-grado.Sabemosqueo sagradoinspiracondutasambivalentes.A tradioreligiosaquisconservaro sagradodivinoe excluiraquelemaldito.A blasfmiaprocura,aseumodo,restabelecera totalidade,profanandoo prprionomede Deus.O nomedeDeusblasfemadoporquetudoo quepossumosdeDeus o seunome(ibid.).

    Por partede um linguistaacostumadoa trabalharexclusiva-mentecomo patrimniodaslnguasindo-europeias,nomnimosingularo recursoaum dadobblico (assimcomoo tambmaexplicaopsicolgicade um fatohistrico).Se verdadeque,na tradiojudaico-crist,a blasfmiaconsisteem usaremvoo nomede Deus (conformeacontececom asformasmodernas

    como: nom deDieul, Sacrnom dedieul, "por Deus!"),a pro-nnciablasfemado nomede Deus muitocomumnaslnguasclssicas,to familiaresao linguista,em formasexclamativascomo,por exemplo:edepol,ecastor,por Plux,por Castor(NaitonCastora,no grego),edimedi(por DiusFidius), mehercules,mehercle. significativoque, em todosessescasos,a frmula

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  • da imprecaosejaidntica do juramento:nai, ma,emgrego,

    introduzemo juramento;edepole ecastortambmso,no latim,frmulasde juramento,exatamentecomoo italianoper dio [porDeus](Festo[112,10]aparece,deresto,perfeitamenteconscien-

    te da derivaodessasexclamaesdo juramento:Mecastoretmeherculesiusiurandumerat,quasidiceretur:itameCastor,itameHercules,utsubaudiaturiuvet)Y

    Assim,ablasfmianosapresentaumfenmenoperfeitamentesimtricoao juramento,e paraentend-Ionoh nenhumane-cessidadedeapelarparaaproibiobblicae a ambiguidadedosagrado.A blasfmia umjuramentono qual o nomedeDeustiradodo contextoassertriooupromissrio,e proferidoemsi, no vazio, independentementede um contedosemntico.O

    nome,queno juramentoexpressavae garantiaa conexoentrepalavrase coisas,e quedefineaveridicidadee a forado logos,na blasfmiaexpressaa rupturadessenexo e o fatode serva linguagemhumana.O nomede Deus,isoladoe pronunciado

    "emvo", correspondesimetricamenteao perjrio,que separaaspalavrasdascoisas;juramentoeblasfmia,comobem-dioemal-dio,cooriginariamenteestoimplcitosno mesmoeventode linguagem.

    l'i No judasmoe no cristianismo,a blasfmiaestligadaaomandamentode "nousaro nomede Deusemvo"(que,emx. 20,significativamenteaparecedepoisdo mandamentoqueprobefabricardolos).A traduoda Septuaginta(ou lempseito onomakyrioutou theousouepimataii- "notomarsonomedo SenhorDeusemvo")sublinhaa ideiadavacuidadee davaidade(d.o inciodo Ec!esiastes:mataiotesmataiotetn- "vaidadedevaidades").A formaoriginriadablasfmiano,portanto,ainjriafeitaaDeus,masapronnciavdoseunome(cf. mataioomai- "devaneio,falostontas").Issoficaevidente

    noseufemismos,queseusamparacorrigirapronnciablasfemado nome,mudandoumaletraou substituindo-ocomumtermo

    semelhantee semsentido(assim,no francspar Dieusetorna

    17 Por Castore por Hrculessejurava,comosedissssemos:assimCastor,assimHrcules- subentenda-se- meajude.(N.T.)

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  • pardi ouparbleu[porDeus!];d. o italiano"diamine'[quedia-cho!]esimilares).Contrariamente opiniocomum,tambmnopaganismoexiste,emborapor razesdiferentes,a proibiodeproferiro nomedosdeuses,queencontraa suaformaextremano costumedemantercuidadosamenteescondidoo verdadeiro

    nomedoDeusprotetordeumacidadeafimdeevitarasuaevo-catio(cf. infra,capo20).Platoinforma-nosassimqueosgregospreferiamchamarHadescomo nomede Pluto"poistinhammedodo nome[phoboumenoitoonoma]"(Crtilo,403a).

    medidaqueseperdeaconscinciadaeficciadapronnciado nomedivino, a formaoriginriada blasfmia,que consisteemproferi-lo emvo,passaa sersecundriaemrelaoao pro-ferimentode injriasou falsidadessobreDeus.De malediceredeDeo[falarmalde Deus],a blasfmiasetransforma,assim,emmala diceredeDeo [dizercoisasmsde Deus].Em Agostinho,que, de modo significativo,abordaa blasfmianos seustrata-dos sobrea mentira,j se percebetal evoluo.Sea originriaproximidadeao juramentoe ao perjrioaindaestpresente,ablasfmiaagorapassaaserdefinidacomoo dizercoisasfalsasdeDeus:peiusestblasphemarequamperierare,quoniamperierandofalsaeresadhibeturtestisDeus,blasphemandoautemdeipsoDeofalsa dicuntur (Contra mendaciumXVIII, 39);de formaaindamaisclara:Itaqueiamvulgoblasphemianonaccipitur,nisi malaverbadeDeodicere(De moroManich XI, 20).18

    dissoquesurgeo embaraodosdicionriosteolgicosmo-dernosquandoseachamconfrontadoscomaformaoriginriadablasfmia,queagoraaparececomoculpaemtodo casovenial:

    omaissuspeitodessesjurons,aexpressofrancesa's...n...deD...'consideradaporalgunsmoralistascomoumaverdadei-rablasfmiae, consequentemente,comoculpada(...) tantoporcausado sentidoinjuriosoquecontm,ou,pelomenos,parececonter,quantopelohorrorqueinspiraemqualquer

    18 piorblasfemardo queperjurar,poisaoperjuraratribuem-secoisasfalsassobo testemunhodeDeus,enquantoaoblasfemarsedizemcoisasmsdoprprioDeus(Contra mendaciumXVIII, 39);de formaaindamaisclara:Portantoo vulgojnotomaa blasfmiaa nosercomoo dizerpalavrasmssobreDeus.(N.T.)

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  • conscinciaumpoucodelicadac...) Outros,pelocontrrio,sustentamquesaintenopodetransform-Iaemblasfmia"(Dictionnairedethologiecatholique,verbeteBlaspheme).

    A proibioevanglicado juramentoemMt. 5, 33-37(d.tambmTg. 5,12)devesersituadanestecontexto.Nessecaso,essencialqueJesuscontrapeaojuramentoum lagosquetemaformanai nai, ou ou,quesecostumatraduzirporsimsim,nono(estdeholagoshymnnai nai, ouou).A expressoassumetodoo seusentidoquandoselembraquea frmulagregadojuramentoeranai dia (ou,nonegativo,ou madia).Extraindoapartculanai dafrmulaetirandoo nomesagradoqueaseguia,Jesuscontrapeumapartedojuramentoaotodo.Trata-se,por-tanto,deumgestosimetricamenteopostoaodablasfmia,que,porsuavez,extraio nomedeDeusdocontextodojuramento.

    18.Combasenisso,torna-semaisfcilentendermosa fun-odaimprecaonojuramentoe,aomesmotempo,aestreitarelaoqueavincula blasfmia.O quea maldiosanciona o fatodenoocorrera correspondnciaentreaspalavraseascoisasqueestoemjogonojuramento.Quandoserompeonexoqueunea linguageme o mundo,o nomedeDeus,queexpressavae garantiaessaconexo"bem-dizente",torna-seonomeda"mal-dio",asaber,deumapalavraquerompeasuarelaoverdicacomascoisas.Na esferamtica,issosignificaquea mal-diodirigecontrao perjrioa mesmaforamal-ficaqueo seuabusodalinguagemliberou.O nomedeDeus,separadodonexosignificante,torna-seblasfmia,palavraveinsensata,quejustamenteatravsdessedivrciocomrelaoaosignificadoficadisponvelparausosimprpriosemalficos.Issoexplicaporquerazoospapirosmgicosmuitasvezessoapenaselencosde nomesdivinostornadosincompreensveis:na magia,os nomesdosdeusespronunciadosemvo,espe-cialmenteseforembrbaroseininteligveis,setransformamemagentesdaoperaomgica.A magia o nomedeDeus- ouseja,o podersignificantedo lagos- esvaziadodo seusentido,e reduzido,comoacontecenasfrmulasmgicasconhecidasporEphesiaGramnata,a umabracadabra.Por isso,"amagia

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  • falasnscritonandia dosprakrit,egpcioe hebraicono mundogrego,gregono mundolatino,e latinoentrens:emtodolugar,elabuscao arcasmo,os termosestranhose incompreensveis"(Mauss,p. SI).

    do juramento- ou melhor,do perjrio- que nasceramamagiae os encantamentos:a frmuladaverdade,aoromper-se,transforma-seemmaldioeficaz,e o nomede Deus,separadodo juramentoe da suaconexocom as coisas,converte-seemmurmriosatnico.A opiniocomumquefazderivaro juramentoda esferamgico-religiosadeveser,nessecaso,pontualmenteinvertida.O juramentonos apresenta,pelo contrrio,em umaunidadeaindaindivisa,aquilo que estamosacostumadosa de-nominarde magia,religioe direito,quedeleresultamcomosefossemassuasfraes.

    Se quemse arriscouno atode palavrasabiaqueestava,porisso,cooriginariamente,expostotantoverdadequantomentira,tantoao atode serbem-ditoquantoao de sermal-dito,a gravisreligio(Lucrcio,1, 63)e o direitonascemcomoa tentativadeassegurara f, separandoe tecnicizandocomoinstitutosespec-ficosbnoe sacratio,juramentoe perjrio.A maldiotorna--seassimalgoque se acrescentaao juramentoa fim de garantiraquiloqueno incioeraconfiadounicamentefidesna palavra,enquantoo juramentopodeassimserapresentado,nosversosdeHesodoquejcitamosantes,comoaquiloquefoi inventadoparapunir o perjrio.O juramentono umamaldiocondicional;pelo contrrio,a maldioe aqueleseusimtricopendant,que a bno,nascemcomoinstitutosespecficosda cisoda ex-perinciadapalavraqueneleestavaemjogo.A glosade SrvioemAen.2, 154(exsecratioautemestadversorumdeprecatio,iusiurandum verooptareprospera)l9mostraclaramenteno s adistinoentremaldioe juramento,mastambmo fatode seconstituremcomoosdoisepifenmenossimtricosdeumanicaexperinciade linguagem.E s se conseguirmoscompreendera naturezae a validade,por assimdizer,antropogenticadessaexperincia(que Tales, segundoo testemunhode Aristteles,considerava"a coisamaisantiga"e "maisvenervel"),tambm

    19 A maldio umaofensaaosadversrios,enquantoo juramento certamenteumaopopelascoisasbenficas.(N.T.)

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  • poderemos,talvez,projetarumanovaluz sobrea relaoentreaquelesseusrestoshistricosque magia,religioe direitonosapresentamdivididos.

    l'\ Nessaperspectiva, possvelretomaro problemado signi-ficadoetimolgicodo termoepiorkos,que deu tantotrabalhoaosestudiosos.Luther(e Benveniste,numprimeiromomento)interpretao termocomoo fatodeestarsubmetidoa um horkos(nessecaso,o juramentotorna-sesinnimodemaldio- cLLo-raux,p. 126).Leumann(e Benveniste,numsegundomomento)interpretapor suavezo termocomoo fatodeacrescentar(epi)umjuramento(horkos)aumapalavraouaumapromessaquesesabeseremfalsas.Desenvolvendoaltimahiptese,poder-se-iaverno epiorkosumjuramentoacrescidoaojuramento,ouseja,amaldioqueatingequemtransgrideafides.Nessesenti