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1
INTRODUÇÃO
O presente relatório foi elaborado na sequência de um estágio curricular na
Rádio e Televisão de Portugal (RTP) no âmbito do Mestrado em Ciências da
Comunicação, vertente Cinema e Televisão, da Universidade Nova de Lisboa –
Faculdade de Ciências Sociais e Humanas. O estágio, especialmente vocacionado para
a área de produção, decorreu no período de 15 de Setembro a 19 de Dezembro de
2014. A RTP foi escolhida como empresa acolhedora não apenas por preferência
pessoal, mas também por ter sido a primeira estação de televisão a surgir em Portugal,
com um histórico de programas, conteúdos e profissionais que contribuíram para o
sucesso do canal público até início dos anos 901.
A televisão tem conquistado novos públicos em todo o mundo e regista
maiores audiências do que qualquer outro media, especialmente na área do
entretenimento. É através das emissões ficcionais e dos programas recreativos, como
os talk-shows, que a televisão transforma questões fracturantes e pouco discutidas
pela sociedade em argumentos e personagens que suscitam o debate e a discussão
pública.
Na área do entretenimento, os talk-shows criam uma relação de proximidade
com a audiência através das semelhanças do formato com o quotidiano do
telespectador, seja pela companhia diária que proporciona ao seu público, pelos
conteúdos emitidos ou cenários familiares que apresenta. No primeiro capítulo será
analisada a evolução do formato talk-show, que, actualmente, concilia na sua
programação informação e entretenimento, e a relação deste género televisivo com os
conceitos público e audiência, com diferentes significados.
O entretenimento ocupa uma grande parte na grelha de programação da
televisão generalista portuguesa. No segundo capítulo a programação da RTP é
analisada, com especial destaque para as diferenças nos programas de
entretenimento, anteriores e posteriores à entrada em funcionamento das estações
privadas. Este capítulo faz ainda uma retrospectiva dos talk-shows mais marcantes
1 Perca da audiência da RTP após a entrada dos canais privados. (Ver tabela 4: anexo 13)
2
emitidos pelo canal público de televisão, com características semelhantes ao modelo
iniciado pelo Praça da Alegria e adoptado por programas posteriores.
A terceira parte do relatório centra-se nos três meses de estágio na RTP, com
destaque para as funções desempenhadas e programas em que trabalhei. Serão
reflectidas as funções de realizador, produtor, assistente de realização, assistente de
produção e operador de câmara e todas as outras que contribuem para o
funcionamento da televisão.
O quarto capítulo centra-se em dois talk-shows matinais do canal de serviço
público em Portugal: Praça da Alegria e Agora Nós. Este capítulo resulta da observação
participante e da informação recolhida durante o tempo do estágio, através de
entrevistas, dados de audiências e clipping2 cedido pelo centro de documentação da
RTP. O capítulo encontra-se dividido em duas partes, sendo que a primeira será
descrito o talk-show Praça da Alegria e as principais mudanças efectuadas ao longo
dos dezoito anos de emissão, finalizando com uma reflexão acerca dos motivos que
levaram ao seu fim e as mudanças ocorridas na grelha de programação da RTP nesse
período. No segundo subcapítulo será analisada a estrutura do programa Agora Nós de
acordo com as características típicas de outros talk-shows de referência. De forma a
averiguar o estilo do talk-show e o modo como este se diferencia dos demais
programas similares, serão utilizados os quatro operadores definidos pelo modo de
endereçamento3. Será ainda analisado o perfil do público actual das manhãs da RTP e
perceber se houve alguma mudança no perfil das audiências em relação ao anterior
Praça da Alegria.
Em suma, a primeira parte aborda o género televisivo talk-show e o perfil da
audiência; no segundo capítulo é analisada a história do entretenimento na RTP, com
especial destaque para os programas ficcionais e recreativos, e termina com os talk-
shows que marcaram a história do canal público português. A terceira parte centra-se
no estágio realizado na RTP, nos conhecimentos e aptidões desenvolvidas e nas
funções que ali foram desempenhadas. O estágio forneceu-me as ferramentas
2 Clipping é o processo de seleccionar e recortar jornais ou revistas de modo a recolher a máxima
informação acerca de um determinado tema. 3 Os quatro operadores de análise definidos pelo modo de endereçamento são os apresentadores, o
contexto comunicativo, a organização temática e o pacto sobre o papel do jornalismo. Estes quatro critérios permitem, através da relação com a audiência, identificar o estilo do talk-show que o diferencia de outros programas do mesmo género.
3
essenciais para a realização da investigação presente no capítulo IV deste relatório.
Numa primeira fase serão descritas as características iniciais do Praça da Alegria e
analisado os motivos que levaram ao fim de um dos programas mais populares da
televisão portuguesa. Num segundo momento será analisado o Agora Nós, procurando
definir as suas características enquanto talk-show e analisando o perfil da sua
audiência em comparação com o público típico que assiste às manhãs da televisão
generalista em Portugal.
4
CAPÍTULO I – O TALK SHOW
1.1. O género talk-show e o público
Almost always presented to a specific portion of the total viewing public - families shuttling
through morning routines, "housewives" during the day, "hip" younger viewers in the late-night
fringe hours - the talk-show, like the game or quiz show, can become a profitable staple of
television entertainment and interaction within its specific niche
(Newcomb, 2002: IX4)
Com a televisão, a partir de 1950, o público teve a possibilidade de aceder na sua
própria casa a uma vasta diversidade de espectáculos de entretenimento, desde
filmes, sitcoms, concertos, reality-shows e talk-shows, com conteúdo cultural,
informativo e educativo.
Com uma frequência acentuada no quotidiano do individuo, o talk-show tornou-
se, na década de 90,“o género televisivo mais popular na América” (Tolso, 2001: 2),
com programas como Broadway Open House e The Tonight Show 5. O modelo perdura
até hoje, durante o qual “duas ou mais pessoas debatem um determinado tema,
considerado de interesse público” (Fidalgo, 2011: 20).
Durante o período de 1956 a 1968, o talk-show não era mais do que um
programa de informação, cuja finalidade era educar e fomentar a cultura na
população, convidando políticos, jornalistas, professores e representantes de
organizações (Silva, 2009). Nessa altura, entretenimento e informação “partilhavam a
mesma grelha de programação, mas não o mesmo programa” (Silva, 2009: 21-22).
4 Newcomb, Horace. “Introdution” In Televison Talk: a history of the tv talk-show, de Bernard M.
Timberg, IX-XV. United States of America, 2002. 5 Broadway Open House foi transmitido ao vivo na NBC de 29 de maio de 1950 a 24 de agosto de 1951.
Uma das criações pioneiras da NBC presidida por Pat Weaver, que demonstrou o potencial dos programas ao final da noite. O que levou à criação do posterior The Tonight Show, em 1954, na NBC. O programa consistia num monólogo do apresentador na abertura, uma sequência entre duas a três entrevistas divertidas com artistas e personalidades e um encerramento musical. Um modelo que perdura até hoje, com algumas semelhanças em programas como The Oprah Show, Good Morning America, The Ellen Degeneres Show, The View. The Tonight Show teve como apresentadores Steve Allen(1954–1957), Paar (1957–1962), Johnny Carson (1962–1992), Jay Leno (1992–2009, 2010–14), Conan O'Brien (2009–2010) e, actualmente, Jimmy Fallon (2014).
5
Na sua evolução, o talk-show renovou a forma de apresentação ao público,
afastando-se do formato puramente informativo, integrando características do stand-
up comedy6, no qual o apresentador entrevista mas também entretém o
telespectador. Desta forma, os programas de auditório, como os talk-shows, mantêm
interacção com a plateia através de aplausos, gargalhadas e questões colocadas aos
convidados (Silva, 2009).
O género talk-show oscila entre informação e entretenimento (Infotainment) –
marca característica das sociedades contemporâneas que proporciona jubilação e
satisfação pessoal – com a finalidade de suscitar o interesse da audiência e procurar
obter lucro. O espectador é informado de temas actuais através de uma conversa em
tom informal e descontraído do apresentador com o convidado. Normalmente este
género assemelha-se a um “programa de rádio”, por não exigir a máxima atenção do
telespectador que tem a televisão ligada enquanto realiza tarefas em simultâneo
(Torres, 2011).
Segundo Charaudeau e Ghiglione, o talk-show é uma espécie de “local de
debate” (1997: 146-147) com especial destaque para as entrevistas que intercalam as
diversas formas de entretenimento que se seguem (música, rubricas, reportagens).
Apesar das semelhanças, o talk-show e o género entrevista distinguem-se, segundo
Aronchi (2004), pela composição cenográfica. No talk-show, o apresentador percorre o
cenário a pé entre diversos pontos onde se realizam as entrevistas, as apresentações
musicais, etc. O cenário da entrevista clássica é normalmente fixo, visto que a conversa
tem uma maior durabilidade quando comparada à do talk-show.
Ao estúdio são convidadas personalidades conhecidas do grande público,
cidadãos comuns (vítimas de injustiças ou testemunhas de acusação/defesa) e
especialistas (advogados, notários, médicos e outros peritos) chamados a
desempenhar os papéis da sua função, numa espécie de “arquétipos” (Charaudeau e
Ghiglione, 1997: 146).
6 É um espectáculo de humor em que o comediante actua em pé (daí o termo 'stand-up') e sem usufruir
de qualquer acessório, adereço, caracterização ou recurso teatral solta gargalhadas ao telespectador, podendo também ser chamado de humor de cara limpa. A pausa, o timing, a naturalidade, a entonação e a expressão corporal são essenciais neste género de comédia. Alguns d1os artistas mais conhecidos de stand-up comedy: Loius C.K., Ricky Gervaus; George Carlin; Richard Pryor e Bill Hicks.
6
O género televisivo talk-show pretende ser, muitas vezes, um local de
defrontação na qual a “palavra do vivido vale tanto como a da razão” e a do “cidadão
comum tem tanto valor como a do especialista” (Charaudeau e Ghiglione, 1997: 147),
o que na opinião de François Jost faz desaparecer os peritos em prol da opinião do
individuo comum em cuja vida a televisão intervém (apud Lopes, 2012):
Mais do que mediador, o pequeno ecrã conquista um papel de actor,
procurando permanentemente um poder sobre múltiplas realidades: dos
convidados dos programas, dos factos noticiosos que mediatiza, dos
acontecimentos que as suas câmaras acabam por provocar”.
(Lopes, 2012: 15-16)
Sonia Livingstone e Peter Lunt revelam que uma das satisfações dos receptores
de talk-shows assenta em ouvir a experiência do cidadão comum, pois esperam
“aprender algo sobre o mundo social” (1994: 83), reorientando as suas práticas
quotidianas consoante esses relatos.
A emissão é, de forma polémica, direccionada para a dramatização e para o
divertimento. Esta é a principal questão fracturante do talk-show, ou seja, a forma
como mistura o relato de drama com divertimentos através da entrevista (talk) e da
mistura de géneros (show como a música, reportagens, entrevistas, passatempos).
Desta forma, procura-se provocar emoção aos intervenientes com temas como a
doença, a criminalidade, a delinquência e, de seguida, despertar sorrisos numa
cumplicidade entre público e apresentador através do humor (Charaudeau e Ghiglione,
1997). Os convidados não estão ali portanto “como figurantes, nem em situação de
desfasamento, mas são voluntários de uma introspecção psicológica” (Charaudeau e
Ghiglione, 1997: 111) e generalizável, construindo no telespectador uma identificação
com o individuo observado.
Em Portugal, os talk-shows exercem uma força de atracção cada vez maior na
programação dos canais generalistas. Empregando as enormes possibilidades do “ao
vivo”, em termos do debate, da informação e do entretenimento, a televisão criou a
forma de apresentação em directo que permite uma maior proximidade com o
7
telespectador. Porém, segundo Eduardo Cintra Torres, a televisão criou elementos,
para comunicar com vivacidade, que “enganam” o espectador e fazem programas pré-
gravados parecerem ser feitos em directo, muito utilizado em talk-shows. Chama-se a
esta estratégia, os “falsos directos”: “a televisão não precisa de partilhar o tempo de
um programa com o tempo do espectador ao vê-lo para transmitir a sensação do
presente partilhado com ele” (Torres, 2011: 17).
Para Timberg (2002) o talk-show divide-se em três subgéneros principais: o
programa de entretenimento nocturno7; o programa diário com o público
participativo8 e o formato magazine matinal. Normalmente, os dois últimos têm como
característica principal a presença de um ou mais apresentadores que se movimentam
no estúdio para conversar com os diversos intervenientes, quer sejam convidados ou
público na plateia (Fidalgo e Correia, 2011). Combinam, ainda, qualidades de outros
géneros dramáticos como a intimidade emocional aliada ao humor, numa polivalência
que requer passar da política para o desporto ou do drama para a música (Aronchi,
2004). Os programas têm espaço para variedades, música, directos, passatempos e
conversas. O enfoque deste trabalho de pesquisa centrar-se-á nos últimos dois
formatos como veremos no Capítulo IV.
O sucesso de um talk-show é observável pela maior ou menor audiência
registada, uma vez que as emissões são feitas de acordo com o perfil do público: não é
o público que se assemelha ao conteúdo do talk-show, mas é este que se organiza em
função do público que regularmente assiste.
7 É o subgénero do talk-show mais reconhecido, onde celebridades interagem com o apresentador,
normalmente cantor ou comediante. O “Late Night-Entretainment talk-show” tornou-se dominante na televisão por cabo, nos anos 50, com o programa Broadway Open House e The Tonight Show, com este último a tornar-se líder da NBC em 1960. David Letterman trouxe uma nova sensibilidade ao subgénero em 1980, inspirado nos talk-shows da década de 50 (Timberg, 2002). 8 Este formato criado por The Phil Donahue (1967-1995) em Dayton, Ohio, era baseado no “hot-
topic”utilizado no seu anterior programa de rádio Conversation Peace. Nesse programa radiofónico, havia um tópico por dia e o espectador ligava, entrando em contacto com o apresentador. A criação de uma audiência participativa que entra em contacto com especialistas e celebridades, levou a que a equipa de Donahue tentasse alcançar a enorme audiência feminina que estava em casa durante o dia. Apesar de Donahue ser o pioneiro no papel de instigar o público a questionar os convidados, várias imitações se sucederam. Na década 80/90 os tablóides impuseram-se no entretenimento com Ricki Lake e Jerry Springer (Timberg, 2002).
8
De forma a analisar o talk-show e a sua relação com a audiência, escolhemos os
quatro operadores de análise característicos do modo de endereçamento9: o
apresentador, o contexto comunicativo, a organização temática e o pacto sobre o
papel do jornalismo. Estes quatro critérios servem para identificar o estilo de um
determinado talk-show assinalando o que o diferencia de demais programas do
mesmo género. Eis o modelo:
APRESENTADORES
O apresentador detém o papel central no talk-show. É o fio condutor
que liga o público aos acontecimentos vários do programa. Por isso é
importante analisar quem são os apresentadores – qual a sua relação
caso haja duplas -, como se posicionam diante das câmaras, que
relação estabelece com o telespectador.
CONTEXTO COMUNICATIVO
Relaciona-se com o contexto comunicativo integrado pelo talk-show
e compreende quer os apresentadores como os telespectadores e as
circunstâncias espaciais e temporais do processo. Este contexto
comunicativo “tem lugar num ambiente físico, social e mental
partilhado” (Rosa, 2013: 5)
PACTO SOBRE O PAPEL DO JORNALISMO (CONTEÚDOS)
O papel do jornalismo regula a ponte entre talk-show e
telespectador, através de acordos tácitos, que revelam o que este
esperará obter em termos de conteúdos no programa.
ORGANIZAÇÃO TEMÁTICA
O talk-show organiza-se de acordo com os gostos, competências e
interesses do telespectador, anteriormente analisadas pelos
profissionais.
9O conceito de modo de endereçamento refere-se ao modo como um determinado talk-show se
relaciona com a audiência através de um estilo próprio que o identifica e distingue dos demais programas do mesmo género. De acordo com Silva (2009), David Morley e Charlote Brunsdon aperceberam-se que os telespectadores do programa Nationwide o interpretavam não só pelos seus valores e conteúdos, mas principalmente pela sua forma de transmitir. Deste modo, segundo Itania Gomes, o modo de endereçamento mostra-nos a reciprocidade existente “entre emissores e receptores na construção do sentido de um produto televisivo e do seu estilo (Silva, 2009: 8).
9
A televisão do século xx e da primeira década do século XXI não foi uma
televisão do espectador, tendo este evoluído e construído “de formas diversas, no
tempo e no espaço” (Abrantes; Dayan, 2006: 7). Embora os programas tenham sido,
em grande parte, pensados em função dos índices de audiência, a verdade é que a
televisão se fez “mais para o público do que com o público” (Lopes, 2012: 27).
A adaptação progressiva do convívio com a audiência permite estabelecer uma
relação bidireccional imposta pela neotelevisão, acabando com a ligação unidireccional
que a paleotelevisão10 mantinha com os telespectadores. O talk-show marca um
espaço na neotelevisão, dada a proximidade ao espectador (ao contrário da relação
hierárquica da paleotelevisão), resultado do quotidiano enquanto referente11.
A televisão permite um sentido de “comunidade”, quando o espectador vê um
determinado programa (Livingstone; Lunt, 1994: 39), partilhado por um grande
número de pessoas (ou por familiares e amigos), com gostos em comum: “os
espectadores tendem a gostar de programas que partilham com os outros” (Torres,
2011: 39-40). Mas alguns espectadores também descartam esses programas vistos
pelas maiorias e procuram outros diferentes de acordo com o seu interesse. Isto
acontece devido ao facto de a televisão generalista ter estagnado em termos de
conteúdos e formatos. Daí terem surgido canais por cabo com conteúdos renovados
para “servir novos públicos, nomeadamente minorias exigentes” (Torres, 2011: 30).
O espectador ostenta um poder, no momento em que opta por determinado
programa em detrimento de outro. Essa escolha, divulgada na manhã seguinte12, tem
10
De acordo com a perspectiva de Casetti e Odin, a neotelevisão veio romper com o modelo da paleotelevisão, introduzindo mudanças no posicionamento do espectador quando confrontado com um programa televisivo. Um dos aspectos mais visíveis desta transformação é a nova relação bidireccional imposta pela televisão, com a possibilidade de interacção do espectador quer por via das questões do apresentador, quer pelas chamadas telefónicas ou mesmo pela câmara em movimento, interpelando e incitando o telespectador a intervir e a opinar sobre determinado assunto [Casetti, Francesco, e Roger Odin. “Ciberlegenda.” Da Paleo à Neotelevisão: abordagem semiopragmática. Traduzido por Henrique Ramos Reichelt. s.d. 8-23]. 11
Segundo os mesmos autores, o quotidiano tem um lugar privilegiado nos talk-shows, na medida em que estes acompanham o ritmo do dia-a-dia do espectador com programação ao despertar, de manhã, à hora de almoço, à tarde, ao fim da tarde e à noite (referente temporal), com cenários muito familiares e idênticos aos locais frequentados pelo telespectador (referente espacial) (ibidem). 12
Através da medição da audiência ou audimetria que “implica a existência de uma amostra da população, de cerca de mil lares em Portugal nos quais se instala equipamento de medição com telecomandos especiais em que todos os indivíduos do lar registam as suas escolhas” (Torres, 2011: 65). Durante a noite a informação é transferida para o computador central e são calculados os consumos,
10
consequências na grelha de programação, a curto ou a longo prazo. Porém, de acordo
com Eduardo Cintra Torres, não existe um poder prévio da parte do espectador sobre
os programas planeados, produzidos e emitidos, mas um “direito de veto posterior à
existência de conteúdos” (2011: 32), semelhante a um eleitor quando:
“elege deputados, mas não tem qualquer decisão sobre as acções
governamentais, apenas podendo, a posteriori, “castigar” o governo optando
por votar contra ele na eleição seguinte”. (Ibidem)
Esses conteúdos têm uma forte influência nas necessidades e gostos do
público, traduzidos posteriormente em audiências. Foquemos a atenção nestes dois
conceitos (público e audiência) numa tentativa de perceber o modo como reflectem a
comunidade dos espectadores de televisão.
De acordo com Daniel Dayan “a audiência é um duplo obscuro do público”
(apud Abrantes, 2006: 14)13, por se basear na contagem do número de receptores de
um programa, ou seja, na "versão particular do público, definida por medidas
quantitativas" (Dayan, 2006: 26) e não na atitude do telespectador. Todd Gitlin
considera a audiência uma “ficção respeitada” (apud Abrantes, 2006: 1314) e uma
simplificação que não passa de um dado estatístico:
“enquanto estão a ver televisão talvez estejam a ler, a fazer trabalhos de casa, a
tricotar, a falar, a comer. Podem estar a divagar. Talvez estejam a rejeitar o que
estão a ver. A discordar do que estão a ver, a decidir não continuar a ver, a
decidir ver outra coisa, a imaginar o que preferiam ver. Pode ser que estejam a
dormitar”. (Ibidem)
Eduardo Cintra Torres considera que a opinião pública oferece uma valoração
negativa ao conceito de audiência, por não ser “auto-consciente como o público”
(apud Abrantes, 2006: 14). No entanto, o mesmo autor refere que a audiência de um
extrapolando os resultados para toda a polução (acima dos quatro anos) consoante as variáveis sociodemográficas. Os clientes do serviço obtêm os resultados de share a rating na manhã seguinte. 13
Abrantes, José Carlos. “Recepção: da contemplação no romantismo aos prazeres das leitura populares.” In Televisão: das audiências aos Públicos, de José Carlos Abrantes e Daniel Dayan, traduzido por António Melo, Marta Abrantes Vera Futscbor Pereira, 7-23. Lisboa: Livros Horizonte, LDA, 2006. 14
Ibidem
11
programa, mesmo efémera, tem uma existência no momento, uma “existência social
construída quando ganha pela audimetria a sua consistência estatística” (Ibidem).
Abrantes e Dayan, na sua obra Televisão: das audiências aos públicos,
apresentam ainda conceitos como público, quase-público e não-público.
A noção de público pressupõe ideias relacionadas com a sociabilidade, a
disposição para defender os seus valores no que respeita a um universo partilhado e
com a capacidade “de traduzir os seus gostos em exigências” (Abrantes, 2006: 14),
subsistindo na forma reflexiva.
De acordo com Daniel Dayan, o público televisivo é um quase-público devido à
sua presença fugaz. Em contrapartida, Jean Pierre Esquenazi considera a maioria dos
telespectadores não-públicos pela inoportunidade de reagir em público durante a
emissão televisiva, embora o faça no círculo familiar, um “silêncio” entendido como
um “mutismo social” (Abrantes, 2006: 15). Portanto, para Esquenazi, aquele que
procura o mero entretenimento é considerado não-público.
Em suma, o público é constituído por um determinado número de
espectadores com gostos e interesses em comum e envolvem conceitos como
sociabilidade e identidade. As audiências são estatísticas e permitem analisar o público
por género, idade, região e classe social.
12
CAPÍTULO II – RTP, O ENTRETENIMENTO
2.1. O entretenimento do Canal Público de Televisão
“Hoje o que sobressai da emissão da RTP é o domínio dos programas de cariz
distractivo, de variedade significativa e com alterações relevantes a partir de 1993 – após o
aparecimento dos canais privados”.
(Sena, 2008: 2512)
O estudo das programações e as opções genéricas dos conteúdos são
justificados, em certa medida, pela análise das estações televisivas generalistas e o seu
papel enquanto “instrumentos solidificadores do sistema democrático” (Sena, 2008:
2509). Este princípio torna-se mais relevante no serviço público de televisão, com um
conjunto de normas jurídicas da responsabilidade do Estado15.
Até 1993, a RTP tinha uma maior liberdade na escolha dos conteúdos e
formatos. Em Outubro de 1992 surge a primeira estação televisiva de carácter privado,
a Sociedade Independente de Comunicação (SIC) e em Fevereiro de 1993, a Televisão
Independente (TVI) segue o mesmo percurso, colocando um “ponto final no período
da hegemonia da RTP” (Correia, 2011: 7) A transição da televisão portuguesa de
domínio monopolista da estação pública para uma fase concorrencial, coagiu a uma
“reconceptualização da oferta televisiva” (Sena, 2008: 2509), com públicos dispersos e
com possibilidade de escolha.
A entrada dos canais privados no panorama da televisão em Portugal registou
um aumento do número de horas de emissão do canal público, “à semelhança do que
se verificou também noutros países da Europa” (Sena 2008: 2511), com um aumento
do “volume de emissão de 600-700 horas iniciais para 7.300-8.000 horas anuais
consumidas por estações praticamente non-stop» (Bustamante apud Sena, 2008:
2511).
15
A 15 de Dezembro de 1955 dava-se cumprimento ao disposto no artigo 1º do Decreto-Lei nº 40 341, na qual, por iniciativa do governo, ficava definitivamente criada “uma sociedade anónima de responsabilidade limitada, com sede e domicílio na cidade de Lisboa, sob a designação de RTP - Radiotelevisão Portuguesa, SARL” (Teves, 2007). Actualmente, a RTP situa-se na Avenida Marechal Gomes da Costa.
13
Ainda antes das estações privadas aparecerem em Portugal, já a estação
pública delineava mudanças na grelha de programação e trazia criativos da área
cinematográfica para a produção televisiva, desenvolvia projectos como séries
nacionais e acompanhava as produções externas (Relatório e Contas, 1990). Quando as
privadas apareceram “a história da televisão em Portugal deixava de ser história da
RTP e começavam as mais competitivas apostas na programação” (Moniz apud Sena,
2008: 2516), com mudanças significativas e irreversíveis detectáveis no campo do
entretenimento16. A primeira grande alteração na programação da RTP surge em 1993
(ver tabela 1, anexo 12), com a diminuição das emissões ficcionais e o aumento dos
programas recreativos, com semelhanças à programação da estação de Carnaxide
(Sena, 2008). Em 2000, o entretimento no canal público altera as suas prioridades com
o volume dos programas de recreação a ultrapassar o volume da emissão dos
programas de ficção. Nesse ano, a SIC tenta manter a liderança e a TVI fortalece as
audiências após uma renovação interna: grafismo, cores, cenários, programas de
entretenimento e informação. Surge assim o Big Brother, um formato da Endemol, que
se consolidou como “uma espécie de âncora da programação em horário nobre”
(Lopes, 2012: 21) e modificou a estratégia na RTP que procurou fazer semelhante aos
privados, mas sem o “Know-how nem a agilidade” necessária (Torres, 2011: 53). Teresa
Ribeiro considera a necessidade de o serviço público se constituir como uma
“alternativa à programação oferecida pelos privados” (apud Pereira: 2007: 161) ou o
serviço público não se justifica. Entre 2000 e 2005, o entretenimento na estação
pública oscilou entre a ficção (63,3%) e os programas recreativos (36,7%) (ver tabela 1,
anexo 12).
Actualmente, as três estações de televisão generalistas (RTP1, SIC e TVI)
continuam a assemelhar-se e a lutar pelo protagonismo, programando “noticiário
contra noticiário, talk-show contra talk-show, novela contra novela” (Torres, 2011: 54).
16
Entretenimento “remete para todo o tipo de programa considerado distractivo, com um conteúdo lúdico e de lazer” (Sena, 2008: 2515) constituído por emissões ficcionais e programas recreativos como: talk-shows, reality-shows, concursos, musicais e variedades.
14
2.2. A História dos talk-shows na RTP
“Os talk-shows têm ocupado desde a segunda metade dos anos 90 um lugar de
destaque na grelha de programação”
(Cunha, 2008: 2526)
Debates perenes sobre a utilidade social do entretenimento e da informação
em televisão continuam a existir em todo o mundo. Ignorada uma programação criada
por uma elite letrada que defendia a cultura e a informação, hoje esses conceitos são
espalmados pelos programas recreativos, com destaque para os talk-shows,
considerados produtos de má-qualidade por esse grupo (Torres, 2011).
Ao longo da história da RTP, vários foram os talk-shows que serviram de
modelo para programas sucedâneos ou marcaram uma época pela sua peculiaridade. É
o caso do célebre talk-show Zip-Zip considerado uma “pequena revolução
comunicacional” em Portugal (Torres, 2011: 50). Em 1969, o talk-show conduzido por
Raul Solnado, Fialho Gouveia e Carlos Cruz, era gravado em “falso directo”- uma forma
de se relacionar com o tempo do espectador - com uma “audiência ao vivo17” e
apresentado dias depois (Torres, 2011: 50). O programa, ainda, se encontra na
memória dos portugueses pela forma como revolucionou a mentalidade e atitudes das
pessoas em assuntos que eram considerados tabus. As questões da actualidade eram
tratadas pelos moderadores de forma divertida e descontraída, com momentos de
humor, música e entrevistas. O Zip-Zip abriu caminho a outras rubricas com auditório,
tendo outros programas seguido o formato (Teves, 2007).
Joaquim Letria trouxe, em 1979, para a RTP programas inovadores em Portugal
como o Diretissimo, primeiro talk-show nacional e pioneiro na interactividade entre
público e convidado; A par e passo (1979), um talk-show semanal, mais aproximado à
informação e Tal e Qual (1979), que aliava informação ao entretenimento, com
entrevistas e “ «apanhados» inspirados pela Candid Camera18” (Fonseca, 2013: 5).
O primeiro talk-show matinal em directo dedicado à faixa etária mais jovem foi
Bom dia Domingo, em 1981, que passou a ser adoptado por pessoas de todas as
17
Zip-Zip foi o primeiro programa em Portugal com o público presente em estúdio, permitindo ao telespectador acompanhar as suas reacções através do aplauso, da gargalhada ou mesmo da comoção. 18
Candid Camera era um programa americano de apanhados, com uma câmara escondida, criada e produzida por Allen Funt, em 1948. Inicialmente o conceito de Funt surgiu na rádio com o nome The Candid Microphone, e em 1948 foi emitido em televisão até 1970.
15
idades por ali serem abordadas questões familiares. No mesmo ano O Passeio dos
Alegres foi apresentado por Júlio Isidro, com espaço para música, entrevistas e
rubricas, e, posteriormente com os sketches de Herman José, o programa ganhou novo
dinamismo e popularidade.
Em 1986, a emissão nacional começa a dar importância ao bloco matinal e
emite diariamente o talk-show Às Dez com áreas de entretenimento e divulgação,
convidados e música. Apresentado por Luís Pereira de Sousa, Estúdio 4 (1987) era um
programa diário, ao fim da tarde. O programa decorria com o apresentador e
convidados sentados num sofá a tratar assuntos da sociedade portuguesa, alternando
com as actuações de um grupo de dança permanente e uma banda musical. A principal
característica deste formato, e visível actualmente em programas da RTP, é a
exposição de histórias de vida ao público por cidadãos comuns.
Em 1988, a RTP emitiu No Tempo em Que Você Nasceu com Artur Agostinho,
um talk-show que revelava o percurso biográfico e profissional de uma personalidade
pública convidada. No mesmo ano surgiu o talk-show Café Central apresentado por
Alexandre Manuel. O programa apresentava semelhanças ao nível do cenário com o
talk-show que se viria a estrear em 1995, o Praça da Alegria. O cenário idêntico a um
café, com convidados sentados à mesa a conversar descontraidamente, contribuiu
“para a identidade do programa e o seu relacionamento próximo com o público”
(Correia, 2011: 36).
Em 1991, com o programa Olhos na Lua, Raul Solnado assume o papel de
entrevistador perante uma personalidade conhecida. O facto de o entrevistador ser
um actor colocava uma abordagem e sensibilidade diferente no talk-show. É de
registar que actualmente muitos apresentadores tiveram experiência como actores19 e
utilizam o humor como forma de prender o espectador. De acordo com Garrido, não é
de estranhar que grande parte dos “entrevistadores sejam actores” (apud Rosa, 2013:
2). Seguindo os formatos com apresentadores/actores, a RTP emite em 1992 o talk-
19
É o caso de José Pedro Vasconcelos, no programa Agora Nós da RTP1; João Paulo Rodrigues, no programa Queridas Manhãs na SIC; Gustavo Santos, no programa Querido Mudei a Casa, na TVI; apresentadores do 5 para a meia-noite, na RTP1, entre outros.
16
show Parabéns, apresentado por Herman José20, inicialmente criado para homenagear
os aniversariantes da semana, mas que acabou por liderar o rating das audiências com
entrevistas a vários artistas internacionais como Cher, Kylie Minogue, Joan Collins,
Omar Shariff ou Roxette. A nova grelha de programação em 1992 mantinha uma
grande aposta nas manhãs televisivas (Teves, 2007) com os talk-shows Clube da
manhã, Agora é que são elas e Chá das 5. Os talk-shows matinais começaram a ganhar
protagonismo em 1994 com Viva a manhã, apresentado por Manuel Luís Goucha e
Anabela Mota Ribeiro. De segunda a sexta-feira, as manhãs eram ocupadas com
conversas, música e rúbricas de divulgação fixas que fidelizaram os espectadores. Um
ano depois Viva a manhã é substituída pelo Praça da Alegria que mantinha os mesmos
apresentadores. Com três horas e meia de emissão, as manhãs aliavam informação ao
entretenimento com rúbricas sobre saúde, moda, culinária, entre outras. As
entrevistas ocorriam em mesas semelhantes às de uma esplanada, ora com
especialistas ora com cidadãos comuns que partilhavam as suas histórias com o
público. O conceito de colocar pessoas desconhecidas a falarem dos seus problemas
foi seguido por outros formatos como o caso do talk-show Sociedade Civil (2006)
emitido pela RTP2, que representa um espaço de cidadania, pronta a acolher os
interesses e problemas do cidadão. O recente talk-show, Agora Nós (2014), tem como
foco central as histórias de vida dos cidadãos, que servem de exemplo para o público e
os aproxima do formato. Para além de entrevistas, o talk-show conta com música,
homenagens, rubricas, passatempos e momentos de humor por parte dos
apresentadores Tânia Ribas de Oliveira e José Pedro Vasconcelos, este último com
estreia em televisão como apresentador do daytime21. Anteriormente, José Pedro
Vasconcelos fazia parte do grupo de apresentadores e comediantes da última
temporada do talk-show nocturno, 5 para a meia-noite. O formato inovador que
primava pela interactividade com o público através do facebook, twitter ou live-chat
era emitido inicialmente na RTP2 e, mais tarde, fez parte da programação da RTP1. O
talk-show conta com nove temporadas e com cinco apresentadores semanalmente
20
De 1997 a 1999, surgiram outros talk-shows na RTP com destaque para Herman 97, Herman 98 e Herman 99, apresentados e criados por Herman José, os talk-shows tinham espaço para stand-up comedy, sketches e entrevistas. 21
O daytime corresponde ao período longo da manhã e da tarde, ou seja, é a fatia mais larga do dia dedicada a um único formato e tem vindo a ganhar força estratégica em todos os canais (Âmbar, 2014).
17
(um em cada dia da semana)22 a receberem convidados num registo humorístico, com
apresentação de rubricas e dos acontecimentos da semana. Com um estilo irreverente,
uma divulgação cultural e um cariz juvenil, o talk-show recebeu o prémio de Melhor
Talk-show de 2010 e o Prémio Nacional Multimédia na área do "Entretenimento". Um
dos primeiros apresentadores do 5 para a meia-noite, Bruno Nogueira, surgiu em 2010
a apresentar o Lado B, com dois convidados a debater vários temas, com a surpresa e
o humor a insurgir. O talk-show contava ainda com uma banda residente e momentos
musicais de bandas convidadas.
A 17 de Fevereiro de 2003, as tardes da estação pública de televisão foram
preenchidas pelo talk-show Portugal no Coração, inicialmente produzido nos estúdios
Monte da Virgem e mais tarde, em Lisboa, com a apresentação de várias caras
conhecidas23. O programa que consistia em entrevistas a artistas, histórias com final
feliz, música e sketches de humor foi substituído em 2014 pelo Há Tarde. Neste talk-
show, Herman José, acompanhado de Vanessa Oliveira, traz momentos de humor quer
durante as entrevistas, quer enquanto toca piano ou cozinha. Diariamente o programa
conta com temáticas diferentes, personalidades conhecidas e música.
22
O programa inicialmente mantinha como apresentadores: Filomena Cautela (segunda), Fernando Alvim (Terça), Nilton (Quarta), Pedro Fernandes (Quinta), Luís Filipe Borges (Sexta). Com as saídas de Filomena Cautela e Fernando Alvim, na quinta temporada, o programa contou com duas novas apresentadoras: Carla Vasconcelos e Luísa Barbosa. Em 2012, com a sexta temporada, o programa passa a ser emitido na RTP1 com Nilton, Pedro Fernandes, Luís Filipe Borges, José Pedro Vasconcelos e Nuno Markl. Mais tarde, Bruno Nogueira juntou-se aos outros comediantes. 23
José Carlos Malato (2003-2006; 2013-2014); Merche Romero (2003-2007); Maria João Silveira (2003-2005); Júlio Isidro (2006-2007); Marta Leite de Castro (2003-2007; 2013-2014); João Baião (2007-2013);Tânia Ribas de Oliveira (2007-2013); Jorge Gabriel (2014); Mário Augusto (2014); Serenella Andrade, Isabel Angelino, Teresa Peres, Cláudia Semedo, Diamantina (Uma apresentadora por semana) (2014).
18
CAPÍTULO III – ESTÁGIO
3.1. Plano de actividades
O estágio curricular na RTP que realizei, na direcção de produção, decorreu de
15 de Setembro a 19 de Dezembro de 2014, perfazendo um total de 400 horas
previstas. O estágio foi realizado de forma a concluir o Mestrado em Ciências da
Comunicação, vertente Cinema e Televisão da Universidade Nova de Lisboa –
Faculdade de Ciências Sociais e Humanas.
A oportunidade de conhecer os bastidores dos programas, contactar com
profissionais da área, visionar e executar funções quer de produção, realização ou da
área técnica foi uma experiência única de aprendizagem e progresso no caminho para
o profissionalismo.
Durante os três meses de duração do estágio tive a oportunidade de executar
as funções de assistente de produção, assistente de realização, operadora de câmara,
operadora de mistura e co-produtora em distintos programas emitidos pela RTP. Tive,
ainda, o privilégio de acompanhar de perto o início dos programas Agora Nós e Há
tarde e acompanhar os seus três primeiros meses de crescimento.
3.2. Funções e Programas
Orientei os meus três meses de estágio para três funções prioritárias: observar,
experimentar, e por fim, adquirir conhecimentos básicos para trabalhar, no futuro, em
televisão. A perspectiva de “observador participante” é crucial num contacto com o
mundo da televisão. É importante observar a forma como as várias equipas (produção,
realização e técnica) organizam o seu trabalho e a forma como se distribuem pelo
estúdio. Muitos destes profissionais foram-me apresentados por Júlio Barata,
orientador de estágio na RTP que também me guiou mostrando as instalações da
empresa. No primeiro dia de estágio elaborei com o orientador um planeamento
semanal (ver anexo 21) com os programas que iria acompanhar e as funções a
desempenhar (área de produção ou realização).
19
O Agora Nós e o Há tarde, talk-shows que tiveram as suas primeiras emissões
durante o meu período de estágio curricular, são produzidos pelas produtoras externas
Coral Europa e Eyeworks, respectivamente, pelo que foi necessário desenvolver uma
boa relação entre estas produtoras e os profissionais da RTP.
No Agora Nós tive a oportunidade de estar em estúdio como segunda
assistente de realização e de, durante o directo, transmitir à equipa possíveis
alterações no alinhamento, dar entrada e saída dos convidados e preparar o bloco
seguinte, de acordo com o alinhamento (ver alinhamento da primeira emissão, em
anexo 11). O alinhamento explícita de forma sintetizada a sequência do programa com
indicações necessárias quer à equipa de produção, quer à de realização e técnica. O
alinhamento resulta também de um trabalho de pesquisa influenciado pelo horário de
emissão do programa e pelo perfil do público que assiste à televisão nesse período.
Como responsáveis pelos conteúdos do programa existem dois assistentes de pesquisa,
uma coordenadora, uma directora de conteúdos da Coral Europa e uma directora de
conteúdos responsável pelo daytime da RTP, Sónia Âmbar, que analisa e autoriza as
mudanças de alinhamento durante o decorrer do programa.
Às oito e meia, antes do Agora Nós ser emitido, a equipa de realização e
produção reúne-se para acertar os últimos pormenores (local do inicio da emissão,
momento em que se colocam e tiram os adereços do plateau, quando se troca
figurantes por convidados, entre outros); para ter acesso ao alinhamento definitivo e
atender às ordens do realizador que é no fundo o responsável por transformar o
alinhamento num programa de televisão. Quando o realizador recebe e analisa o
alinhamento, este “é apenas texto, calado e imóvel. É o realizador que o converte em
realidade, que dá movimento e vida ao espectáculo” (Comparato, 1992: 83).
Uma permanente comunicação entre a régie24 e o assistente de realização é
crucial durante a emissão do programa. Como segunda assistente de realização tive de
ser capaz de interpretar quais os momentos ideais para possíveis movimentações em
estúdio dos convidados ou de elementos da equipa de produção/técnica, sem
24
A régie é a sala de controlo em que se coordena tarefas intrínsecas durante a criação, no estúdio, dos produtos audiovisuais. Tendo várias câmaras em estúdio (cinco no Agora Nós, sendo uma delas portátil) direccionadas para o mesmo bloco, num método denominado multi camara, é necessário vários profissionais na régie com funções variadas: realizador, operador de mistura, anotadora, operador de controlo de imagem, coordenadora, operador de teleponto.
20
comprometer o trabalho dos demais colegas. Caso se trate de um número musical, que
implica entrada e saída dos assistentes de áudio, é preciso planear o momento em que
estes irão colocar os microfones e os aderecistas, os instrumentos musicais. Muitas das
vezes o assistente tem de aguardar a ordem do realizador para que não interfira com a
imagem que está no ar e a ser visualizada por milhões de pessoas.
Como segunda assistente de realização transmiti, por vezes, os arranques do
programa aos apresentadores e ao público presente, quer no início do programa, quer
após o intervalo. A contagem, feita pela anotadora na régie, é transmitida em estúdio
pelo assistente que incita o público (figurantes) a bater palmas. Certifiquei-me que
tudo estava pronto atempadamente: o convidado caracterizado e com o microfone
colocado pelo assistente de áudio dez minutos antes, e os que são distribuídos pelo
estúdio antes de a emissão ir para o ar. Assim, o papel do primeiro e segundo
assistente de realização é coordenar todas as equipas no estúdio e estar atento a todos
os detalhes. A oportunidade de desempenhar o cargo de segunda assistente de
realização no Agora Nós durante catorze emissões, apesar de intercalado com
trabalhos noutros programas, ajudou-me a compreender como funciona o trabalho
realizado em estúdio e a ligação existente entre as várias funções desempenhadas
pelos profissionais de televisão.
Para além do cargo de segunda assistente de realização no Agora Nós, tive
ainda a oportunidade de acompanhar outros projectos desenvolvidos na estação do
canal público.
No estúdio em Chroma Key25 – denominado estúdio 4 – são realizados diversos
programas em horários distintos, com cenários, conceitos e equipas de realização e
produção diferentes, tais como: Confissões religiosas, Factura da Sorte, Podium,
Ecclesia, Inesquecível, Há Conversa, entre outros. Nestes programas em que participei,
foi-me atribuída também a função de segunda assistente de realização e auxiliei o
primeiro assistente, Aristides Teixeira, na coordenação dos diversos elementos da
equipa, sobretudo na relação com as equipas de maquilhagem e guarda-roupa.
Desempenhei, ainda, o cargo de primeira assistente em duas emissões do programa
Factura da Sorte, uma emissão do Inesquecível e duas emissões do Podium, sob
25
O efeito ou técnica Chroma Key ou Keying consiste em eliminar o fundo (geralmente está numa cor azul, vermelho ou verde – mais usual) e substitui-lo com outra imagem pré-definida.
21
orientação de Aristides Teixeira, por norma assistente de realização nestes programas.
Competia-me ainda estabelecer a ligação entre equipa técnica, régie e estúdio,
certificar-me da chegada dos convidados e informar o apresentador dos minutos que
faltavam para terminar um bloco ou para o intervalo26.
Em Conversas ao Sul, talk-show emitido na RTP África, desempenhei o cargo de
assistente de produção na sua primeira emissão da nova temporada, dia 13 de
Novembro. Nessa emissão, assegurei a presença dos convidados e acompanhei-os à
caracterização, tendo ainda de verificar se os cartões do apresentador e os copos com
água estavam no sítio correcto. No dia anterior, no ensaio, ajudei na preparação da
emissão, marcando posições e movimentos dos futuros convidados de forma a planear
enquadramentos e escolhas da realizadora Vanda Santana.
Para além dos programas produzidos e realizados nas instalações da Avenida
Marechal Gomes da Costa, estive presente em alguns exteriores como Lisboa em Alta,
Natal dos Hospitais, Gala de Natal da RTP, Toca a Todos, Desfile de Bandas filarmónicas
e Prémios Jovens Músicos.
Em Lisboa em Alta, no Mercado Campo de Ourique, com José Carlos Malato e
Sílvia Alberto, fui designada para a função de segunda assistente de produção durante
todo o dia. Nesta altura, o meu estágio ainda estava no início pelo que tentei analisar
as diferenças de um programa produzido no exterior para um produzido nas
instalações da RTP. A minha função era assegurar a presença dos convidados à hora
prevista, acompanhei-os à caracterização e posteriormente ao plateau, seguindo
sempre a ordem do alinhamento (ver anexo 1027).
No Natal dos Hospitais, uma marca histórica da programação da RTP em época
natalícia, executei o cargo de segunda assistente de produção com a função de, num
primeiro momento, averiguar a comparência dos artistas e distribuir os direitos de
autor28 para eles assinarem e, num segundo momento, reunir os artistas já
26
A anotadora indicava os minutos que restavam para terminar o bloco, ou para ir para intervalo, e como primeira assistente informava o apresentador sem perturbar as entrevistas. Deste modo, colocava-me ao lado da câmara que enquadra o apresentador, e quando este não estivesse a falar ou a olhar para a câmara, mostrava-lhe o tempo restante (duas mãos abertas, dez minutos e uma mão aberta, 5 minutos, e daí sucessivamente). 27
Uma vez que o programa foi gravado em directo de manhã e de tarde, apenas está em anexo uma secção do alinhamento da parte da manhã. 28
Com esta declaração assinada o artista autoriza que a imagem e a música da sua autoria sejam emitidas na RTP cedendo a propriedade daquela exibição.
22
caracterizados, sem os perder de vista, facilitando o assistente de realização na hora de
os chamar ao palco.
No dia 18 de Dezembro, na Gala de Natal das Famílias Fadistas, no Campo
Pequeno, auxiliei a primeira assistente de realização, Dulce Duarte, durante a gravação,
coordenando as famílias29 e marcando a sua entrada para o palco. Durante a tarde, nos
ensaios, colaborei na colocação dos artistas em palco e na ordem dos temas cantados.
Sendo um canal de serviço público, a RTP associou-se à Cáritas Portuguesa no
combate à pobreza infantil, com o projecto Toca a Todos, que juntou rádio (Antena 3) e
televisão (RTP)30. Esta foi uma das maiores experiências que vivi durante o meu
estágio, pois, já no final, exerci a função de primeira assistente de realização na zona do
Call Center, um espaço onde personalidades conhecidas recebiam telefonemas com
donativos, intercalados com perguntas feitas pelos apresentadores Jorge Gabriel e
Filomena Cautela. Para além de mim, existiam mais quatro assistentes de realização
dispersos pelo Terreiro do Paço: dois acompanhavam os apresentadores, outro
permanecia no palco onde decorreram várias actuações musicais e por último, havia
um assistente na zona de entrevistas.
Um dos eventos que marcou o meu estágio na RTP foi o 3º Desfile de Bandas
Filarmónicas31, na Avenida da Liberdade, no qual tive a oportunidade de trabalhar
directamente com o produtor, como co-produtora. Um produtor tem de ter
conhecimentos das áreas de produção, realização e técnica, de forma a preparar o
projecto em função dos gostos do público-alvo e tomar decisões consoante as
possibilidades técnicas e orçamentais impostas pela empresa. Como co-produtora
29
Família Câmara: Vicente da Câmara com os seus filhos José e Manuel e a sua neta Teresinha; Família Cid: José Cid acompanhado pelas primas Pali, Matilde e Paula; Família Pinto Basto: António Pinto Basto acompanhado pelos seus filhos Egas e Gustavo; Família Noronha: António de Noronha, as suas filhas Francisca e Margarida e sua prima Maria da Graça. 30
"Toca a Todos" foi um evento de solidariedade, que decorreu de 3 a 6 de Dezembro de 2014, com a colaboração da Antena 3, numa emissão de 73 horas, da RTP2 que emitiu concertos de artistas em directo e da RTP1 que emitiu durante quatro dias pequenos directos com Jorge Gabriel e Filomena Cautela a promover a solidariedade em busca de donativos. As pessoas podiam contribuir por telefone, SMS, multibanco, transferência bancária ou em dinheiro. O primeiro projecto “Toca a Todos” foi na Holanda, há 10 anos. Devido ao reconhecimento deste projecto, Bélgica, Suécia, Quénia, Suíça e Coreia seguiram o exemplo. Actualmente a Eslovénia, Hungria, Estónia, Alemanha, Noruega e Áustria preparam-se para operar o projecto de solidariedade. 31
Iniciativa da CML (Câmara Municipal de Lisboa), da EGEAC (Empresa de Gestão de Equipamentos e Animação Cultural) e do Movimento 1º Dezembro. Inserido nas comemorações do 1º de Dezembro, para celebrar a Independência de Portugal, a RTP1 emitiu, no dia 30 Novembro de 2014, das 15h às 16h30, o evento que contava com mais de 1600 músicos, apresentado por José Carlos Malato e Joana Teles.
23
estive presente nas três fases de produção. Na pré-produção acompanhei o produtor, o
realizador e o chefe técnico na repérage, de forma a observar o local, discutir o
posicionamento das câmaras, do carro de exteriores, local de caracterização e local de
entrevistas. Ainda na fase da pré-produção, estruturei um mapa de trabalhos com a
hora de chegada à RTP e saída da equipa de produção da RTP e equipa técnica externa,
e chegada e saída ao local do evento; horário da chegada dos convidados e
apresentadores, ordenados em função da hora marcada para a caracterização; número
de carros necessários para transportar a equipa. Na reunião de produção entreguei o
mapa de trabalhos (ver anexo 8) com informações relativas ao evento às assistentes de
produção e o alinhamento (ver anexo 9) sob a orientação do produtor. Como co-
produtora pesquisei conteúdos acerca do 1º de Dezembro e dados especifico das
bandas que iriam actuar para fornecer aos apresentadores.
Acompanhei, ainda, o trabalho de um realizador num jogo de futebol realizado
em Faro a 14 de Novembro de 2014 (Portugal x Arménia), pelas 19h45. Durante a
tarde, o realizador reuniu-se com os operadores de câmara para determinar que
realização pretendia para cada uma das câmaras (os operadores sabiam de antemão
qual seria a sua). Durante o encontro, e com catorze câmaras à escolha, o realizador,
maioritariamente, intercalou a realização do jogo entre a câmara dois e três que
correspondiam ao plano geral e aos planos pormenorizados que acompanhavam a
bola, respectivamente. As outras câmaras, colocadas num local estratégico ofereciam
mais perspectivas do jogo ao telespectador - como grandes planos do jogador após
falhar o golo, faltas, lesões, o "espectáculo nas bancadas" e, ainda, as câmaras
apropriadas para as repetições32. Durante todo o dia observei atentamente os
procedimentos feitos pelo realizador que contribuíram para perceber melhor papel do
realizador, nomeadamente num evento em directo como o futebol.
Para além de executar funções como assistente de realização, assistente de
produção e co-produção, estive presente em emissões difundidas pela Antena 1, como
o programa de Maria Flor Pedroso em que entrevista personalidades da vida politica.
Pela Antena 2 acompanhei os concertos de música clássica no Liceu Luís de Camões.
32
Os profissionais que estão atentos a essas câmaras dizem ao realizador qual a melhor repetição para ir
para o ar.
24
Normalmente a equipa era constituída por um realizador, um operador de mistura e
três operadores de câmara. Estes dois programas eram gravados todas as semanas
para posterior emissão na RTP Play, pelo que cumpria, normalmente, a função de
operadora de câmara. O meu trabalho consistia em montar os tripés, colocar as três
câmaras móveis, bem como os cabos de vídeo e som que eram ligados a uma
anycast33. Como operadora de câmara, nos concertos, efectuava o enquadramento de
acordo com indicações do realizador, mas também com a liberdade de dar aso ao meu
próprio sentido artístico, definindo ângulos (picados ou contrapicados34),
movimentando a câmara a fim de seguir e focar os instrumentos musicais, através de
panorâmicas, travelling e trajectória35. No programa Maria Flor Pedroso, os planos
eram geralmente fixos e com enquadramento anteriormente planeado. Para além
destes trabalhos, desempenhei duas vezes a função de operadora de mistura: sob as
indicações do realizador. Seleccionava as câmaras que iam para o ar com especial
atenção para não mudar de câmara caso a outra estivesse a terminar ainda o
movimento. Tive ainda a oportunidade de realizar um concerto clássico de 40 minutos,
no dia 3 de Dezembro, no Liceu Luís de Camões.
No decorrer do meu estágio, tive ainda a oportunidade de passar uma semana
no departamento do tratamento dos programas. Neste local, os produtos
internacionais são traduzidos e, posteriormente emitidos, com legenda ou voz, sob as
designações de Legendagem, Locução Off e Dobragem.
A Legendagem é mais comum em filmes ou séries estrangeiras. Após uma boa
tradução, a gestão da extensão das legendas é essencial para que o espectador
apreenda fácil e rapidamente a mensagem. A legenda ideal nunca pode ultrapassar as
três linhas. No gabinete de tradução e legendagem, traduzi e legendei, sob orientação
da tradutora chefe Teresa Sustelo, cinco minutos de um episódio da série
Californication emitido na RTP2.
33
Uma AnyCast é uma mesa de mistura portátil com capacidade de receber 6 sinais de vídeo 34
Nos planos picados, a objectiva da câmara fica acima do nível normal do olhar, pelo que a imagem é vista de cima para baixo. Nos contrapicados a objectiva fica abaixo do nível normal do olhar, pelo que a imagem é vista de baixo para cima. 35
Na panorâmica há rotação da câmara em torno de seu eixo vertical ou horizontal, sem deslocamento da câmara. No travelling, há deslocamento da câmara durante o qual permanecem constantes o ângulo entre o eixo óptico e a trajectória do deslocamento. Este pode ser vertical, lateral, para a frente ou para trás. A trajectória mistura de panorâmica e travelling efectuada como auxílio de uma grua. Termos aprendidos quer na licenciatura quer no mestrado
25
Na Locução Off, seguindo a mesma ordem de tarefas que na Legendagem, faz-
se a tradução do conteúdo do programa. A locução a que assisti foi gravada num
estúdio por locutores profissionais que ouvem o som original enquanto dão voz às
personagens.
A dobragem de desenhos animados atravessa várias fases como a escolha do
elenco, orçamentos, guião e gravação. Normalmente, as dobragens são usadas em
desenhos animados ou séries e o objectivo é tornarem esses produtos acessíveis a
todos, principalmente aos mais jovens. Inicialmente, as empresas compram
determinado programa ao estrangeiro ou a produtoras internacionais que é visionado
a fim de descobrir possíveis irregularidades com a imagem ou som. Caso essas
anomalias persistam, a cassete com o programa estrangeiro é trocada por outra e
visionada novamente. A seguir, é necessário traduzir e escrever um guião com palavras
portuguesas que se adeqúem à boca do personagem. Os actores (com vozes
semelhantes ao interprete original) são contratados para lerem com expressividade os
textos, enquanto ouvem a voz original nos auscultadores. A presença de um director de
actores em estúdio (e de um director musical caso necessário) é essencial. O director
de actores vai rectificando o guião à medida que o actor vai interpretando a sua
personagem de forma a coincidir a voz e, eventuais interjeições, com a expressão facial
do boneco animado.
Por fim, o facto de a RTP ser um canal que oferece serviço público significa a
obrigação de possibilitar o acesso dos programas a todas as pessoas, incluindo a
indivíduos com problemas de visão e audição. A descrição-áudio, adaptada aos
invisuais, narra as acções das personagens em cena através do áudio. Para os surdos
existem duas adaptações diferentes: legendagem de programas falados em
português36 e linguagem gestual. A legendagem para surdos assinala os ruídos
pertinentes que de outra forma seriam incompreensíveis, como música, telefone a
tocar, risos, gritos,…). Este tipo de legendagem facilita ainda a compreensão da
personagem que discursa. Através de códigos de cor e/ou mudança de posição das
legendas, o telespectador consegue entender se está a falar o actor na imagem ou um
personagem fora de campo (neste último caso, surge o nome da personagem antes da
36
Durante a emissão do programa surge um símbolo no campo superior direito e um número que indica que o programa tem legendagem em teletexto e o seu número da página.
26
legenda e uma cor diferente). A linguagem gestual é ainda outra forma utilizada para
comunicar com a comunidade surda. Durante a emissão do programa é introduzido um
rectângulo, num dos cantos inferiores do ecrã, com uma imagem do intérprete de
língua gestual portuguesa que traduz o conteúdo televisivo.
3.3. Aptidões desenvolvidas
O estágio na Rádio e Televisão de Portugal desenvolveu-me um maior
conhecimento acerca da dinâmica da organização, uma boa ligação com os
profissionais do meio e um contacto com os bastidores do mundo televisivo que
desconhecia. O desempenho das funções de assistente de realização, assistente de
produção, co-produtora, operadora de câmara e operadora de mistura de imagem
ofereceu-me novos conhecimentos práticos e técnicos passíveis de serem articulados
com a formação teórica anteriormente adquirida. Neste momento, sinto-me
profissionalmente mais apta para desempenhar futuramente estas funções, devido à
experiência completa que tive no estágio.
Antes do estágio na RTP tinha uma fraca noção do trabalho de bastidores e da
função de cada profissional. Poder observar de perto os profissionais que dia a dia
trabalham no sector e desempenhar também alguns deles permite-me compreender
esses cargos com maior segurança. Agora como espectadora sou capaz de assistir a um
programa de televisão e descodificar todo o processo desde a pré-produção até serem
emitidos. Desenvolvi também competências técnicas ao nível da operação de câmara,
ao mesmo tempo que pude colocar em prática os meus conhecimentos obtidos
anteriormente.
O início do meu estágio coincidiu com o começo do talk-show Agora Nós, que
acompanhei durante três meses. Desta forma, é a partir do contacto com os
profissionais das manhã da RTP que procurei compreender as razões que
determinaram o fim de um programa antigo como o Praça da Alegria e os motivos que
levaram à criação de um novo formato, o Agora Nós. Neste último capítulo, analisarei
o talk-show e a audiência das manhãs da RTP.
27
CAPÍTULO IV – TALK SHOWS: PRAÇA DA ALEGRIA E AGORA NÓS
4.1. Praça da Alegria, o fim
“Não há programas eternos, não há apresentadores eternos. Mas acho que ter chegado a esta
longevidade de quase 19 anos é um marco na televisão no nosso país. A Praça [da Alegria] é
um caso único na história em Portugal”.
(Goucha, 201437
)
O monopólio das manhãs da RTP foi mantido até 1999 (Tabela 4, anexo 13). Até
então, os canais de televisão privados mostravam uma maior preocupação com a
informação e o prime-time e não tanto com o entretenimento matinal. Apesar de não
ser um projecto pioneiro na RTP38, o Praça da Alegria tornou-se numa referência e
num modelo seguido por outros programas matinais (Fialho, 201439).
Considerado um dos “cartões-de-visita do serviço público de televisão” (Cunha,
2008: 2530), o Praça da Alegria estreou a 18 de Setembro de 1995, nos estúdios do
Centro de Produção do Porto.
Em conceito de esplanada, o talk-show acolhia uma “média anual de mil
convidados” (Cunha, 2008: 2530), com “espaços exteriores, em tudo semelhantes à
sala de estar ou ao café do bairro do telespectador”, assinalando-se “encontros com as
audiências assimilados a interacções ritualizadas (Lopes, 2012: 15). O cenário inicial
recriava a arquitectura típica da Ribeira do Porto com fachadas, granito, calçada à
portuguesa, arcadas em pedra, edifícios públicos e religiosos, azulejos de época e
comércio tradicional que circundavam a esplanada40 com mesas verdes, um quiosque
de jornais e uma banda de música. O cenário semelhante ao quotidiano41 dos
37
Goucha, Manuel Luís. “A 'Praça' é um caso único na história da tv em portugal.” Notícias Tv, 2014: 21. 38
Antes do Praça da Alegria, talk-shows como Às Dez e Bom dia (1986), já referidos neste relatório,
ocuparam a grelha da programação matinal da RTP1 aliando informação e entretenimento. 39
Fialho, Jorge Gabriel. “A 'Praça' é um caso único na história da tv em Portugal.” Notícias TV, 2014: 21. 40
No centro do estúdio, na esplanada, para além dos figurantes, encontravam-se o apresentadores e os convidados a tratar assuntos da actualidade. 41
Como referido no capítulo I, os cenários familiares e idênticos aos locais frequentados pelo espectador corresponde ao referente espacial da neotelevisão (Casetti e Odin, s.d).
28
portugueses criou proximidade e identificação com o espectador, tornando o talk-
show na sua segunda casa.
O facto de existir uma “Praça da Alegria” no Porto e em Lisboa fez com que
apelidassem o talk-show, inspirado num formato italiano42, como Praça da Alegria. Um
espaço colorido, alegre e acompanhado pelos portugueses das 10h às 13h, permitia ao
apresentadores movimentarem-se de forma descontraída no estúdio oferecendo mais
dinâmica e terminando com o estático e o previsível43 (Calado, 2014). O apresentador,
que anteriormente procurava a câmara, “passou a ser o motor do programa” (Correia,
2011: 37), com a câmara a seguir o apresentador. Para António Branco da Cunha44
(2014), esta foi “a grande inovação ao nível da realização” presente nos dias de hoje.
Entre 1995 e 2013, apenas o nome e o conceito do Praça da Alegria se
mantiveram inalterados, uma vez que sofreu várias alterações ao nível de cenário, dos
apresentadores e das equipas de produção/realização. A verdadeira remodelação deu-
se em 2005 com o abandono da representação de uma praça tipicamente portuguesa,
para uma mais hodierna e colorida com “linha brancas, rectilíneas e estilizadas”
(Correia, 2011: 37). Durante os anos de existência do programa, vários foram os
apresentadores conhecidos, com Manuel Luís Goucha e Anabela Mota Ribeiro a
estrearem - dupla que já vinha anteriormente do Viva a Manhã – e a quem, mais
tarde, se juntou Hélder Reis como repórter. Um ano depois a apresentadora foi
substituída por Sónia Araújo, uma bailarina que saltou para a co-apresentação45
(Âmbar, 2014). Com a saída de Manuel Luís Goucha, em 2004, para o programa
matinal Você na TV, da estação de Queluz, o programa passou a constituir-se, a partir
de 28 de Dezembro de 2002, por Sónia Araújo e Jorge Gabriel. A 14 de Janeiro de 2013
a produção do Praça da Alegria transfere-se para Lisboa, tendo como apresentadores
Tânia Ribas de Oliveira e João Baião. Com a saída deste a 24 de Abril de 2014, Tânia
Ribas de Oliveira passa a apresentar o programa sozinha (de 24 de Abril de 2014 a 13
de Junho de 2014).
42
Programa sugerido por Luísa Calado, na altura chefe do departamento de programas do Porto. 43
Calado, Luísa. “O fim do Praça da Alegria.” Sol, 2014: 32. 44
Cunha, António Branco da. Comunicação pessoal (entrevista realizada no contexto do relatório de mestrado). 2015 45
Âmbar, Sónia. Comunicação pessoal (entrevista realizada no contexto do relatório de mestrado). 2014
29
No período de 14 de Janeiro de 2013 até 13 de Junho de 2014 (fim do Praça da
Alegria), a equipa de produção sofreu várias alterações. Já completamente instalada
em Lisboa, a equipa era constituída por dois produtores e coordenadores de
conteúdos que, alternadamente, coordenavam o elemento da pesquisa de conteúdos,
faziam o alinhamento e a coordenação através da régie; um produtor de exteriores,
responsável pelos “directos”, pela gestão de equipas de reportagem e que garantia
atempadamente as peças a ser exibidas no programa; um produtor musical, externo,
cuja função era a gestão do calendário das actuações musicais no programa; duas
assistentes de produção que davam apoio quer em estúdio, com os convidados, quer
em trabalho de escritório; cinco pesquisadores (quatro deles externos) que tinham a
responsabilidade de encontrar e preparar temas para o programa, identificar
convidados e ainda escrever o texto de apresentação e sugestões de perguntas,
tratando ainda de definir acções a decorrer em estúdio e recolher toda a informação
necessária a fornecer ao apresentador e, por fim, um editor de imagem que
editava/montava todas as peças46 emitidas no programa.
4.1.1. Grelha de Programação: mudanças
A construção de grelhas de programação exige do programador “um trabalho
complexo e contínuo da gestão e adaptação das dimensões económica, organizacional,
produtiva e comunicacional” (Pereira, 2007: 138).
Em 2013, a nova grelha de programação do canal público tinha como objectivo
segundo Hugo Andrade, director de programas da RTP, “estancar alguma erosão,
consolidar resultados e, por fim, ver o potencial de crescimento47” (Andrade, 2013). A
maior mudança48 verificou-se na transferência da produção do Praça da Alegria do
Porto para Lisboa com novos apresentadores. A polémica foi despoletada pelos
portuenses, que se manifestaram através de vigilas e minutos de silêncio, com receio
46
Os talk-shows poderiam chegar a ter nove ou dez peças/reportagens por emissão (no máximo). 47
Andrade, Hugo. "Não sou pago para ser amigo.” TV Guia, 2013: 30-34. 48
Outras renovações foram efectuadas na RTP1 como o fim dos 12 anos de concursos no prime-time, com a aposta num pacote diário composto pelo Telejornal, de 45 minutos, e o magazine de informação 360; à noite, bloco informativo diferenciado de segunda a sexta: opinião, reportagem entrevista e grande investigação e séries como Sinais de Vida.
30
que o Praça da Alegria deixasse de ser “o programa do Portugal sentido para ser o
programa do Portugal sentado, sempre com os mesmos49” (Serrão, 2013).
Estas mudanças de programação são influenciadas por factores de natureza
organizativo-profissional e económica (Pereira, 2007). No factor organizativo-
profissional, as políticas de programação da estação são determinantes na definição da
grelha bem como o perfil profissional do programador, a sua experiência, motivação e
sensibilidade (Pereira, 2007: 139). No plano económico50 “inclui-se quer o orçamento
previsto quer a conquista de audiência” (Pereira, 2007: 138). Hugo Andrade, enquanto
director de programas, tomou a decisão de transferir o Praça da Alegria de cidade de
forma a reconquistar a audiência perdida para os canais concorrentes, reformular a
grelha de programação e solucionar problemas não apenas do programa, mas do canal
em geral: “Nós temos um projecto para a RTP, não temos um projecto para um
programa51” (Andrade, 2013).
Em 2013 o orçamento da RTP levou um corte de 20%, estando actualmente nos
55 milhões de euros, menos 16 milhões que no ano de 201252. Com a transferência do
Praça da Alegria do Porto para Lisboa, a RTP economizou e obteve um maior
rendimento. Em Lisboa, o estúdio 1, com maiores dimensões, estava ocupado com o
Preço Certo, o Portugal no Coração preenchia o estúdio 2 e o estúdio C, no Porto, era
apenas ocupado pelo Praça da Alegria. Com a mudança para Lisboa, os programas de
daytime (Praça da Alegria e Portugal no Coração) passaram a ocupar um único
estúdio. Desta forma, houve uma maior partilha da equipa, o bloco tornou-se mais
barato uma vez que a rentabilidade passou a ser de seis horas diárias num único
estúdio.
Em 2014, apesar da renovação estrutural, o Praça da Alegria mantinha-se com
audiência abaixo dos talk-shows dos canais concorrentes Queridas Manhãs e Você na
TV, com uma média de 206 850 milhares de espectadores (ver gráfico 1, anexo 18). A
não actualização do formato do programa, ainda, no Porto poderá ter levado à procura
49
Serrão, Manuel. “Praça da Alegria deixa o Porto com emoção.” Jornal de Notícias, 2013: 42. 50
O factor económico é o que “mais condiciona a programação, na medida em que limita a produção e compra de programas, podendo mesmo restringir os espaços nas grelhas e condicionar a sua localização nas mesmas.” (Pereira, 2007: 138) 51
Comentário referente à saída dos apresentadores Sónia Araújo e Jorge Gabriel do Praça da Alegria, Andrade, Hugo. “Não sou pago para ser amigo".” TV Guia, 2013: 30-34. 52
Dados retirados de: Andrade, Hugo. “Não sou pago para ser amigo".” TV Guia, 2013: 30-34.
31
de alguma novidade na concorrência. Quando se trata de uma programa desgastado,
“por mais operações de maquilhagem que se façam, cria-se na mente das pessoas a
ideia do já visto e a praça tinha chegado ao fim53” (Âmbar, 2014).
O Praça da Alegria foi um programa que se iniciou na década 90, com uma
“oferta televisiva, acesso a conteúdos por cabo, forma de ver televisão, distribuição de
audiência completamente diferentes54” da actualidade (Messeder, 2014). Em 2009, os
canais por cabo “atraíam 35% do tempo” dos espectadores que assistiam televisão
generalista, contribuindo para a diminuição da audiência da RTP1, RTP2, SIC e TVI. Em
2014, a audiência dos canais pagos foi de 32,7%, comparativamente à RTP1 com
17,4%, SIC, 21,4% e TVI, 26,2% (ver gráfico 2, Anexo 18).
4.2. Agora Nós, o talk-show
“Para voltar a conquistar esse público55 percebemos duas coisas: que tínhamos de
voltar em força à ficção diária e que teríamos de apostar em entretenimento de alta qualidade:
como o Agora Nós e o Há Tarde56”
(Vaz, 2015).
Com uma abordagem, grafismo e imagem diferentes do anterior Praça da
Alegria, o talk-show Agora Nós57 surgiu da necessidade de renovar as manhãs da RTP.
O investimento na área do entretenimento tinha como principal objectivo que a RTP
atingisse um número de espectadores substancial que permitisse ter benefício do
ponto de vista da entrada da publicidade, trouxesse reconhecimento à estação e
permitisse a luta directa pela audiência com as estações televisivas concorrentes58.
(Vaz, 2015).
O talk-show matinal surge após uma reestruturação interna da RTP que através
do título impõe-se ao telespectador e conquista um espaço nas manhãs da televisão,
53
Âmbar, Sónia. Comunicação pessoal (entrevista realizada no contexto do relatório de mestrado). 2014 54
Messeder, Filipe. Comunicação pessoal (entrevista realizada no contexto do relatório de mestrado). 2014 55
Público perdido entre 1992 até 2013 devido, em grande parte, à entrada das estações privadas. Em 1992 a RTP era líder de audiências com 72,2%. A partir dessa data, as privadas surgem no mercado e em 2001, a SIC tem 37,1% do share, a TVI, 34,8% e por fim, a RTP com 21,9% (ver tabela 4, anexo 15) 56
Vaz, Nuno. Comunicação pessoal (entrevista realizada no contexto do relatório de mestrado). 2015 57
Primeira emissão a 22 de Setembro de 2014. 58
Vaz, Nuno. Comunicação pessoal (entrevista realizada no contexto do relatório de mestrado). 2015
32
com a mensagem “Agora é a nossa vez de propor um programa59” (Âmbar, 2014), pois
“é a Nós [RTP] que o espectador deve ver às 10h da manhã60” (Oliveira, 2014). Por
outro lado, o título prende-se com o próprio conceito do formato assente na
proximidade do público, um programa que quer ir ao encontro da vida das pessoas e
trazer para o estúdio a dimensão humana61 (Âmbar, 2014).
No seu livro A Palavra Confiscada: Um género televisivo - o talk-show,
Charaudeau e Ghiglione colocam em análise dois tipos de talk-shows que embora
semelhantes à primeira vista, insurgem com várias diferenças: “talk-show de discurso
polémico62 e talk-show de discurso introspectivo63” (1997: 98). Apesar de se encontrar,
por vezes, no programa Agora Nós, vestígios do primeiro tipo, com convidados a serem
confrontados sobre um tema controverso de conversas polémicas, o talk-show
descortina a experiência comum do indivíduo, virado para um testemunho pessoal,
evidente no talk-show de discurso introspectivo.
O Agora Nós tem como índole central o relato de histórias de vida – seja
pedidos de ajuda, denúncia de situações ligadas à maternidade ou à deficiência física,
denúncia de casos que de outra forma passariam despercebidos - e que surgem como
exemplos reais para mostrar ao seu público como lidar em determinadas situações64
(Âmbar, 2014). Cada programa aborda um tema/categoria de pertinência e relevância
social - divórcio, delinquência, criminalidade -, “mas ao mesmo tempo é apresentado
como extraordinário e singular, através de pessoas em sofrimento que são chamadas a
testemunhá-lo” (Charaudeau e Ghiglione, 1997: 99). Denota-se um discurso ambíguo
que tanto testemunha a singularidade do caso a partir da experiência individual do
convidado, como procura que essa experiência sirva de exemplo ao espectador numa
situação semelhante. Assim faz com que este “problema social” não seja tratado como
uma doença, mas como um “sintoma” (Charaudeau e Ghiglione, 1997: 99). É através
desta forma de chegar ao público, trazendo emoção e partilha de histórias, que o talk-
59
Âmbar, Sónia. Comunicação pessoal (entrevista realizada no contexto do relatório de mestrado). 2014 60
Oliveira, Tânia Ribas de. Comunicação pessoal (entrevista realizada no contexto do relatório de mestrado). 2014 61
Âmbar, Sónia. Comunicação pessoal (entrevista realizada no contexto do relatório de mestrado). 2014 62
No talk-show de discurso polémico, de acordo com Charaudeau e Ghiglione (1997), os convidados são confrontados com questões antagónicas às suas ideologias de forma a criar controvérsia e discussão. 63
O talk-show de discurso introspectivo é marcado pelo testemunho pessoal, na qual os convidados relatam uma experiência vivida que serve de exemplo a quem assiste (Charaudeau e Ghiglione, 1997). 64
Âmbar, Sónia. Comunicação pessoal (entrevista realizada no contexto do relatório de mestrado). 2014
33
show cria proximidade e identificação com o espectador. Todas estas histórias são
fruto de um trabalho minucioso de pesquisa, a cargo da produtora externa da RTP,
Coral Europa65. O recurso às produtoras externas permite uma retenção dos custos da
estação televisiva e uma maior rentabilidade, pois terão apenas uma ou duas pessoas
a controlarem o trabalho realizado. Pelo contrário, a sobrevivência de uma produtora
externa torna-se evidente quando esta consegue “fazer várias produções ao longo do
ano e para todos os canais de televisão” (Bakker66, 2012: 235).
Em concertação com a RTP, a Coral propôs o conceito do programa e
conceptualizou o cenário67, a iluminação, o genérico e o grafismo. A realização, a
operação de câmara e a gestão de iluminação e o som está a cargo da RTP, pelo que é
essencial uma boa relação e entendimento de ambas as partes.
Para Nuno Vaz68 (2015), o objectivo de toda a equipa não se prende apenas em
criar um programa com um título novo, novos apresentadores, novos ambientes,
novos décores, novas equipas, mas sobretudo em reformular o conceito do talk-show,
principalmente o seu formato, com um conteúdo diferente quer de outros talk-shows,
em daytime, da RTP quer dos canais concorrentes.
4.2.1. Estrutura do talk-show
O talk-show Agora Nós evidencia-se de outros programas do mesmo género
pelo conteúdo e “tom imprimido”69 em cada emissão (Vaz, 2015). Quando se
estabelece uma estrutura para um talk-show concebe-se simultaneamente “uma
maneira criativa de contar a história” (Comparato, 1992: 72), com o objectivo de
despertar o interesse no público. A estrutura de um talk-show “equivale à acção
dramática” (Ibidem: 72) quando revela o drama, com vista a despertar o interesse no
65
Fundada em 1988, a Coral Europa assume-se como uma produtora de referência no panorama da produção audiovisual nacional e internacional, nomeadamente por via do aproveitamento de sinergias entre Portugal e Espanha, com uma estrutura flexível e experiente para produzir programas de qualidade e inovadores, indo ao encontro das necessidades das estações de televisão generalistas e de cabo. Foi através de uma consulta ao mercado que a estação pública de televisão optou por contratá-la, valendo-se de uma vasta experiência na área do daytime na televisão em Portugal (Âmbar, 2014). 66
Piet Hein Bakker: Representante da Endemol em Portugal (1994-2007) e actualmente fundador da CBV – Produções Televisivas (2007 - …) 67
Cenário decorado pela empresa Royal Art 68
Vaz, Nuno. Comunicação pessoal (entrevista realizada no contexto do relatório de mestrado). 2015 69
Idem
34
espectador e intensificá-lo diariamente. Para tal, os apresentadores ou convidados
entram em contacto com o espectador, fazendo uso dos pontos de identificação.
O talk-show transporta para os portugueses as duas maiores vertentes
associadas à RTP: a informação e o entretenimento. A polivalência de passar de
assuntos sérios, como a criminalidade ou problemas afectos à saúde, para momentos
de divertimento e humor, confere ao programa uma função social, pedagógica e de
entretenimento.
O talk-show tem uma duração de três horas (das 10h às 13h) com emissão em
directo e frequência diária, de segunda a sexta-feira. O genérico destaca-se pelas cores
quentes (amarelo e laranja) antagónicas ao cenário dominado pelas cores frias, em
tons de azul e verde.
O espaço cenográfico remete para a portugalidade com objectos, como o galo
de Barcelos, que se cruzam com linhas modernas e a textura que procura conferir
profundidade ao local70 (Rodrigues, 2014). Durante três horas, os apresentadores71
movimentam-se pelo estúdio, acompanhados pela câmara, com uma permanência fixa
em três pontos centrais (ver números 1, 2 e 3 da Ilustração 1, anexo 18). A zona 1,
designada por um palco giratório72, é o centro do talk-show, por onde passam
convidados, artistas e especialistas em conversa com os apresentadores. Neste palco,
por um lado, tratam-se temas próximos do telespectador, que causam dor e angústia,
procurando constituir exemplos para quem assiste, por outro, acarinha-se os
convidados através de homenagens e surpresas. É ainda neste espaço que as rubricas73
conferem personalidade própria ao talk-show e revelam o carácter de serviço público
da estação. As principais rubricas, “Médico de Família” com o doutor João Ramos e
“Agora Contas” com Camilo Lourenço, informam o telespectador, advertindo-os para
determinadas situações. Normalmente, a transição entre os temas dá-se com a
70
Rodrigues, Ricardo. Comunicação pessoal (entrevista realizada no contexto do relatório de mestrado). 2014 71
Referência aos apresentadores (Tânia Ribas de Oliveira e José Pedro Vasconcelos) no próximo tópico. 72
O palco das entrevistas tem um mecanismo giratório que permite surpreender o convidado, com pessoas ou objectos vindos da zona 4, ou quando um artista musical sobe ao palco (zona 4) e o palco 1 gira para apresentadores e convidado apreciarem o momento. 73
No Agora Nós as rubricas são distribuídas ao longo da semana, ao passo que no Praça da Alegria havia três rubricas por dia com dicas para o telespectador: saúde, beleza, alimentação, nutricionismo, economia, questões jurídicas. Estava muito relacionado com a agenda do país com a exposição de espectáculos, filmes e actores da estação pública (Âmbar, 2014).
35
interrupção para o passatempo “Canta o Galo”, mais uma das marcas do programa
(ver número 2: Ilustração 1, anexo 18).
No lado oposto, Zona 3 (Ilustração 1, anexo 18), os apresentadores interagem,
normalmente, com pessoas variadas que vêm exibir algo fabricado por elas (como
bolos, queijos, roupa, acessórios, entre outros). Quando existe música na emissão, a
zona 4 (Ilustração 1, anexo 18) é utilizada para o efeito. É ainda, por este local, que os
artistas entram no decorrer da emissão e os apresentadores no início da mesma, entre
os aplausos do público presente (ver número 5 e 6: Ilustração 1, anexo 18).
Protagonizada pelos apresentadores, surgiu a novela Flor do Sal com uma
duração máxima de cinco minutos. A ideia surgiu quando os apresentadores
começaram a encarnar personagens, numa situação recreada, tornando-se “um dos
momentos do programa74” (Rodrigues, 2014). Como diz Felisbela Lopes, cada “projecto
televisivo tem naturalmente a sua história e, dentro de cada um, multiplicam-se outras
«estórias» ”: é o caso deste momento que revela a característica cómica do talk-show.
Há ainda espaço para a inclusão de intervenção da repórter Serenella Andrade
no exterior e em directo, sempre em contacto com o país.
4.2.2. O público do Agora Nós
“Os espectadores conhecem as consequências das suas próprias escolhas: os
programas que mais vêem terão tendência a sobreviver nas grelhas de programação,
os outros a desaparecer”.
(Torres, 2011: 42)
A divisão tripartida da televisão em conteúdos, instituições e audiências
assume uma importância fulcral na continuação dos programas de foro recreativo
(Torres, 2011).
O estudo da audimetria possibilita conhecer o perfil do público dos talk-shows
de forma a criar conteúdos adequados para seduzir o maior número de
telespectadores.
74
Rodrigues, Ricardo. Comunicação pessoal (entrevista realizada no contexto do relatório de mestrado). 2014
36
A audiência dos canais e programas apresenta diferenças na audimetria: entre
as variáveis sociodemográficas, “a idade é a que mais divide os portugueses no
consumo de televisão” (Torres, 2011: 73). A população idosa, com mais de 64 anos de
idade, consome mais de cinco horas de televisão diárias, o dobro do que consomem os
jovens entre os 15 e os 24 anos75. De acordo com Eduardo Cintra Torres, a estrutura da
audiência da RTP “é profundamente envelhecida, atraindo mais do triplo dos idosos do
que as crianças, os jovens e os jovens adultos” (Torres, 2011: 73-74). Com uma
desigualdade de atracção acentuada conforme a idade, o Agora Nós é visto por uma
média diária de 137,4 mil espectadores (28,5%) com idade acima dos 64 anos (ver
Tabela 6, anexo 14) e apenas por 1,3 mil espectadores (1,9%) compreendidos entre os
4 e os 14 anos.
A estabilidade familiar, a fadiga acumulada ao longo dos anos e o interesse
pelas temáticas abordadas no programa convidam o espectador mais idoso a sentar-se
em frente do sofá e a assistir aquilo que a televisão lhe oferece. O consumo diário feito
por esta faixa etária revela a importância da televisão como meio de informação e de
companhia, pelo que o talk-show Agora Nós prioriza conteúdos adequados a essa
idade, sem descorar as outras.
No que concerne ao consumo de televisão pelo género, Torres (2011) revela
que as mulheres consomem mais meia hora por dia que os homens, daí os talk-shows
tratarem mais questões femininas direccionadas para senhoras que ficam em casa
durante o dia (Livingstone; Lunt, 2006). O público do Agora Nós segue a tendência do
mercado com 123 mil espectadores do sexo feminino num universo de 205,4 milhares
(ver Tabela 6, anexo 14) O facto de, no total da população portuguesa, existirem mais
350 mil mulheres do que homens leva a que os canais generalistas as satisfaçam em
primeiro lugar.
De acordo com Torres (2011), a classe mais baixa (D e E) tende a consumir mais
televisão do que as classes mais altas (A/B e C). O público com baixos rendimentos
75
Dados recolhidos de Torres, Eduardo Cintra. A Televisão e o Serviço Público. Lisboa: Relógios D'Água Editores, 2011 [73]. Eduardo Cintra Torres refere que, dados de 2009, os idosos consomem diariamente cinco horas de televisão (5h06) e que até aos 34 anos, todos os grupos etários vêem menos de três horas por dia (jovens dos 15 aos 24 anos consomem 02h35)
37
consome mais o canal de serviço público (5,5%) do que as outras estações (entre 2,5%
e 2,9%)76 (Torres, 2011).
O público do Agora Nós é visto maioritariamente pela classe D com 78 mil
espectadores (ver Tabela 6, anexo 14), que segundo Torres (2011) vêem mais uma
hora e meia de televisão do que os da classe alta. A classe D é constituída,
essencialmente, por desempregados e reformados que em casa, ligam a televisão e ao
mesmo tempo realizam outras tarefas. Os talk-shows são assim vistos como um
programa de rádio que entretém e informam maioritariamente os portugueses sem
recursos.
Se fosse possível reduzir a audiência do Agora Nós a uma pessoa mostraria uma
mulher idosa (com mais de 64 anos) com fraco poder económico. A pobreza e a baixa
escolaridade do público que assiste à RTP1, no entender de Torres, coloca “travões à
modernização ou pelo menos à alteração das programações televisivas” (2011: 75).
A relação do talk-show com o seu público revela o seu estilo, que o identifica e
diferencia dos programas concorrentes. Analisaremos os quatro operadores de análise
do modo de endereçamento77 do programa Agora Nós: “o apresentador, o contexto
comunicativo, a organização temática e o pacto sobre o papel do jornalismo”.
Nos talk-shows, o apresentador assume-se como um “regulador da atmosfera
do programa” (Pereira, 2007: 153), com um papel interventivo e activo de modo a
superar a mera ligação de continuidade entre rubricas. Com a abertura do sector
privado, os apresentadores assumiram um “estatuto de vedeta” (Lopes, 2012: 17),
com um capital simbólico muito disputado pelas estações televisivas que ultrapassa a
projecção dada aos convidados.
Existem diversas estratégicas para que o telespectador se sinta parte integrante
do programa, através do contacto visual do apresentador com o telespectador (o olhar
directamente a câmara), dando uma maior importância à audiência (figura ausente)
comparativamente aos convidados (indivíduos presentes) (Lopes, 2012).
Neste momento, a maior parte dos talk-shows em daytime na televisão
generalista apresenta-se ao público através de uma dupla de apresentadores. A
76
Dados recolhidos de Torres, Eduardo Cintra. A Televisão e o Serviço Público. Lisboa: Relógios D'Água Editores, 2011 [75]. 77
A descrição dos quatros operadores de análise definidos pelo modo de endereçamento está enunciada no capítulo I deste relatório.
38
relação do público com os apresentadores e a dinâmica estabelecida entre a dupla
“ditam em absoluto o sucesso e o insucesso de um programa78” (Âmbar, 2014). Tânia
Ribas de Oliveira, um rosto familiar do anterior Praça da Alegria e do Portugal no
Coração, juntamente com José Pedro Vasconcelos, actor, apresentador e humorista,
compõem a dupla de apresentadores do talk-show matinal:
“Muitos dos talk-shows usam informações privilegiadas, aprofundamento de
temas e até toques de humor. Não é de se estranhar, assim, que muitos dos
entrevistadores sejam actores.”
(Garrido apud Rosa, 2013: 2)
As atitudes corporais como os olhares, os gestos e “tudo aquilo que, através do
corpo, deixa transparecer a afectividade [do apresentador ou convidado] é
intencionalmente exibido” (Abrantes; Dayan, 2006: 17). O íntimo criado entre o
público e os apresentadores projecta-se através da câmara e das imagens escolhidas
por ela, com o privilegiar do grande plano, susceptível de trazer emoção e afecto,
muito utilizado quando Tânia se emociona. O realizador opta pelos planos de conjunto
normalmente para marcar cortes entre sequências, mostrar os convidados, ou em
situações de diversão. A intensidade da emoção do apresentador aproxima o
telespectador do programa que, por outros meios, comunica a sua pertença e
solidariedade com a personagem em questão. Há uma “familiaridade adoptada”
(Lopes, 2012: 17) pelo público que se vai construindo à medida que o tempo passa.
Um programa inserido num conceito de serviço público de televisão deve
acompanhar as mudanças na sociedade, na tecnologia e nas expectativas de consumo
de conteúdos televisivos. Deve ainda adaptar-se às mudanças imprevisíveis e à própria
aceleração do tempo, sujeitando-se “a debates críticos dos cidadãos e sendo sensível
às necessidades de produção e de consumo audiovisual do país” (Relvas, 2012: 80).
No período em que o Agora Nós é emitido, o público tem, também, a
possibilidade de assistir a outros dois programas (Queridas Manhãs e Você na TV!), nos
canais privados, com diferenças entre si, diferentes todos os dias, mas com muitos
78
Âmbar, Sónia. Comunicação pessoal (entrevista realizada no contexto do relatório de mestrado). 2014
39
temas e assuntos em comum79 (Oliveira, 2014). Neste contexto comunicativo, o Agora
Nós veio criar alguma competitividade, com a tentativa de recuperar a audiência
perdida na década de 90. Desde Janeiro de 2015 que o mercado tem assistido a um
período da manhã mais competitivo, com destaque para o Agora Nós e o Queridas
Manhãs, da SIC. Temos, como exemplo, os dias 19 e 20 de Janeiro em que o Agora Nós
perfez uma audiência de 17,58% e 19,93%, ao passo que o Queridas Manhãs teve 15 e
15,44%, respectivamente. O Você na TV! manteve sempre a preferência dos
telespectadores, neste caso, com 32,65% e 30,1%, respectivamente (ver tabela 13:
anexo 17).
Hoje os canais privados, generalistas ou temáticos, apresentam conteúdos que
cumprem, em parte o modelo de “educar, informar e entreter” (Torres, 2011: 88),
especialmente empenhados na última vertente. Com privados dispostos a investir o
seu dinheiro nesse tipo de conteúdos específico, os da RTP devem estar mais
direccionados para a educação e a informação.
Uma vez que o Agora Nós está inserido numa estação de serviço público deve
assegurar conteúdos jornalísticos variados, de referência e qualidade, com valorização
cultural, económica e educacional que corresponda às necessidades e interesses dos
diferentes públicos80. O espectador procura e exige do talk-show de serviço público
“rigor, confiança, segurança e uma qualidade diferente à dos outros canais81” (Guerra,
2014) inerentes aos acordos tácitos que a estação televisiva impõe82. Um dos casos
que gerou mais polémica verificou-se a 30 de Janeiro, quando a produção do programa
convidou Afonso Dias, condenado no caso do rapto de Rui Pedro83, para ser
entrevistado em estúdio. A participação no programa gerou enorme controvérsia, já
que a RTP e o Agora Nós foram acusados de dar tempo de antena a um individuo
79
Oliveira, Tânia Ribas de. Comunicação pessoal (entrevista realizada no contexto do relatório de mestrado). 2014 80
Informação retirada de: “RTP.” Missão, objectivos e obrigações de serviço público. s.d http://www.rtp.pt/wportal/grupo/governodasociedade/missao.php (acedido em 03 de 03 de 2015). 81
Guerra, Mariana. Comunicação pessoal (entrevista realizada no contexto do relatório de mestrado). 2014 82
De acordo com Nuno Vaz (2015), os conteúdos abordados na RTP têm um cunho próprio: “a RTP tem uma abordagem muito menos exploratória, sensacionalista, muito mais carinhosa, muito mais de ouvir, muito mais próxima e isso faz a diferença. As pessoas reconhecem que a RTP tem uma abordagem que não é aquela de estar sempre a tentar conseguir audiências a qualquer preço”. 83
Rui Pedro era uma criança de onze anos que despareceu em Lousada no ano de 1998. Afonso Dias foi condenado a três anos de prisão pelo suposto rapto da criança.
40
condenado a três anos de prisão por rapto, a poucos dias de iniciar o cumprimento da
sua pena. Para além disso, a qualidade jornalística dos responsáveis pela condução e
organização da entrevista foi posta em causa, por se considerar pouco ético e
profissional entrevistar um alegado criminoso com o intuito de conquistar audiência e,
consequentemente, gerar lucro. De facto, nessa manhã, o Agora Nós superou a
audiência do programa da SIC, com 18,11% contra os 17,06% registados no Queridas
Manhãs (Ver tabela 13, anexo 17).
O caso do Rui Pedro foi um dos muitos que fizeram parte das emissões do
Agora Nós, desde a entrevista exclusiva à mãe de Angélico Vieira (actor/músico vitima
mortal de aviação a 25 de Junho de 2011) à história de Pedro e Ana (em que o casal viu
a sua vida mudar radicalmente após Ana sofrer um AVC). A RTP1 é das três estações
televisivas “aquela em que o jornalista pode produzir melhor informação e onde há
mais espaço para que esse trabalho tenha mais visibilidade” (Santos, 2012: 208).
Porém, num programa que alia informação ao entretenimento, não importa “só
oferecer informação, mas que esta seja dramática, estimulante” (Rosa, 2013: 8) e
interessante para prender o telespectador que assiste televisão naquele período.
A criação de conteúdos é influenciada pelo horário de emissão do programa
televisivo e pelo perfil do público nesse período. O talk-show é estruturado e
adequado às necessidades e interesses do espectador que assiste televisão antes da
hora de almoço. As histórias de vida, as rubricas semanais, as homenagens de amor
são uma forma de cativar e fidelizar esse público feminino, idoso e com menos
recursos, fazendo-lhe companhia e informando-o com assuntos actuais e do seu
interesse. Não existe uma temática diária específica na organização da estrutura do
Agora Nós. Na mesma emissão, o telespectador é surpreendido por temas e emoções
variadas através da história dramática de um individuo, entrevistas com actores ou
concorrentes dos programas da estação, de momentos de humor e dos passatempos
de casa. Porém, um talk-show inserido num canal de televisão público deveria ser
facilmente distinguido de programas de outras estações, “não sendo escravo de uma
agenda e integrando mais conteúdos feitos em nome do interesse público” (Santos,
2012: 1209). Até agora, a criação em exclusivo de conteúdos de interesse público não
é prioridade, uma vez que a RTP “segue sistematicamente a estratégia de obtenção do
máximo de audiência com o mínimo de Serviço Público, nomeadamente para
41
beneficiar com 20% ou 25% de share a propaganda do governo que estiver e a
estratégia comercial” (Torres,2011: 92).
O espectador, para além de assistir à emissão em directo diariamente, pode ver
ao sábado o compacto do Agora Nós, com vários momentos da semana. “Trata-se do
mais pobre processo de rentabilização de investimentos”, (Torres, 2011: 59) em que
repetir um programa com audiência razoável, ocupa uma parte da grelha de
programação e garante proveitos para a estação.
O orçamento do canal público de televisão deveria em grande parte ser
destinado aos conteúdos, o que segundo Eduardo Cintra Torres não acontece: “apenas
foram usados 36,5% dos custos operacionais em 2009”. (Torres, 2011: 93). Muitos
desses conteúdos são proporcionados por outros canais, pelo que o dinheiro público
não deveria ser desperdiçado em programas sem valor acrescentado para a audiência
em relação a outros canais que obtêm o seu investimento de fundos privados.
42
CONCLUSÃO
O surgimento das estações privadas, numa altura em que a RTP assumia o
monopólio da televisão, alterou profundamente a oferta, não só na quantidade, como
nos conteúdos, dinamismo, horas de emissão e relação com a audiência. Na RTP, as
mudanças no entretenimento evidenciaram-se a partir de 1993 com o aumento do
volume dos programas recreativos, como os talk-shows, comparativamente às
emissões dos programas de informação e ficção. É a partir deste período que se inicia a
tendência de assemelhar formatos na televisão generalista em busca de uma maior
audiência.
Em 2014, a renovação do entretenimento das manhãs da RTP foi marcada pela
estreia do Agora Nós, um talk-show com uma abordagem, imagem, conteúdos e
grafismo diferentes do anterior programa, o Praça da Alegria. Apesar de serem ambos
programas matinais, inseridos numa estação de serviço público, o Agora Nós e o Praça
da Alegria diferem na sua estrutura. Centrado em questões de serviço público, o Praça
da Alegria organizava-se por três rubricas diárias com sugestões e dicas de
alimentação, economia, saúde, beleza e assuntos jurídicos. Apesar de revelar ao
público situações e histórias de vida de certos indivíduos, a abordagem do Praça da
Alegria era mais vocacionado para a agenda do país, com a divulgação de
espectáculos, filmes e de actores da própria estação. O Agora Nós é composto por
apenas três rubricas semanais e foca-se em histórias de vida de cidadãos comuns que,
pela carga emocional, aproximam o espectador do programa. A ideia não é apenas
mostrar a história de vida de uma determinada pessoa, mas criar exemplos de vida que
ajudem o espectador a solucionar eventuais obstáculos.
Recentemente, o mercado tem assistido a um período da manhã mais
competitivo com os valores da audiência do Agora Nós próximos aos dos canais
concorrentes, nomeadamente aos do Queridas Manhãs, da SIC. No entanto, os
conteúdos dos programas do canal de serviço público devem ser criados e produzidos
a pensar no interesse público e não na obtenção de audiência quantificada. O dinheiro
público não deve ser desperdiçado em conteúdos que sejam proporcionados por
outros canais e que não tenham valor acrescentado. O Agora Nós assemelha-se aos
programas dos canais privados, não só pelo cenário, como por determinado conteúdo:
43
casos tratados na RTP1 serão tratados mais tarde pela TVI ou SIC, ou vice-versa. Por
outro lado, a abordagem feita pela TVI ou pela SIC é mais sensacionalista, numa
tentativa de agradar o telespectador, criando mais impacto e, consequentemente, um
influxo de espectadores. Contudo, o entretenimento da RTP não se distingue do
produzido pelos restantes canais pelo que é, então, uma das áreas a precisar de mais
trabalho de reflexão e reforma.
O estágio na RTP, mais concretamente a minha experiência enquanto segunda
assistente de realização do Agora Nós, permitiu-me descortinar o talk-show e perceber
como este é estruturado e organizado em função de um determinado público. Este
público, maioritariamente idoso, feminino e de poucos recursos tem como companhia
primordial a televisão, que o informa e entretém diariamente. O Agora Nós, bem como
os talk-shows concorrentes, estruturam-se consoante as necessidades e interesses
desse público, daí serem tratados temas sobre saúde, economia, assistência a idosos,
entre outros. Apesar deste género televisivo exibido pelas três principais estações
portuguesas ser criticado pelas classes mais jovens, seja pela abordagem a
determinados temas, seja pelos conteúdos de pouco interesse para a faixa etária, a
verdade é que cativa a classe mais idosa ou desempregados, que estão em casa de
manhã e que têm mais tempo e facilidade em ver televisão. Os conteúdos em televisão
são, por isso, criados em função do público que o assiste, pois obter audiência, lucro e
vantagem sobre a concorrência é vital para qualquer canal televisivo, mesmo para um
canal de serviço público como a RTP.
Os três meses de estágio na RTP foram essenciais para a minha aprendizagem
profissional, pois contactei com a realidade televisiva e exerci funções que
enriqueceram o meu conhecimento na área e me servirão de base num futuro em
televisão.
44
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Âmbar, Sónia. Comunicação pessoal (entrevista realizada no contexto do relatório de
mestrado). 2014
Cunha, António Branco da. Comunicação pessoal (entrevista realizada no contexto do
relatório de mestrado). 2014
Guerra, Mariana. Comunicação pessoal (entrevista realizada no contexto do relatório
de mestrado). 2014
Messeder, Filipe. Comunicação pessoal (entrevista realizada no contexto do relatório
de mestrado). 2014
Oliveira, Tânia Ribas de. Comunicação pessoal (entrevista realizada no contexto do
relatório de mestrado). 2014
Rodrigues, Ricardo. Comunicação pessoal (entrevista realizada no contexto do
relatório de mestrado). 2014
Vaz, Nuno. Comunicação pessoal (entrevista realizada no contexto do relatório de
mestrado). 2015
47
ANEXOS
48
ANEXO 1: Entrevista a António Branco da Cunha, um dos realizadores do
Praça da Alegria
Durante quanto tempo realizou o Praça da Alegria? Em que período?
Realizei o programa desde o seu início da Praça da Alegria até á minha retirada de
serviço na RTP, em Dezembro de 2011. Durante todos estes anos, partilhei com os
meus colegas a responsabilidade do programa, num sistema de rotação de base
semanal entre os poucos realizadores que faziam parte dos quadros da RTP-Porto. No
período de 2005 a 2009, o número de episódios que realizei foi menor, dado que
desempenhava então funções de chefia e, por isso, apenas realizava o programa
algumas vezes por mês, quando não tinha outros realizadores disponíveis para o fazer.
No total, embora seja difícil definir um número exacto, devo ter realizado este
programa provavelmente acima das mil emissões.
Como foi realizar um programa que inovou as manhãs de entretenimento em
Portugal?
Para um realizador de televisão, independentemente dos seus conteúdos, este tipo de
programa é o típico live show de entretenimento, um tipo de programas de substancial
duração (neste caso cerca de três horas), emitido em directo e de frequência diária. As
suas características de duração, complexidade e diversidade de conteúdos tornam-no
um desafio diário á capacidade técnica e artística do realizador que, por força do
workflow de produção, desempenha este trabalho com uma elevada dose de
improvisação típica do directo realizado apenas com ensaios parciais, quando se
justifica, em virtude de não haver possibilidade concreta de definir o workflow de
outra forma. Valeu sempre a grande experiência dos realizadores que, diariamente,
resolviam as situações mais complexas de forma eficaz e pragmática. Naturalmente
que, nestas circunstâncias, as opções de realização, principalmente no que respeita á
componente de maior elaboração artística, ficam sempre prejudicadas e sujeitas ao
pragmatismo próprio de uma emissão em directo que, em primeiro lugar, deve
apresentar um trabalho final “limpo” e eficaz, sem falhas que possam ser percebidas
pelos telespectadores. No caso concreto, realizar tantas emissões deste programa foi
49
sempre um desafio que procurei ultrapassar sempre da melhor forma possível no que
respeita ao resultado final emitido em antena. Não se pode dizer que seja o trabalho
mais marcante da vida profissional de um realizador mas é, com certeza, um trabalho
gratificante que serve, para além do mais, para desenvolver, solidificar e certificar a
competência muito especial atingida no que ao específico televisivo diz respeito – a
realização de directos. No que respeita á televisão de fluxo, esta competência na
realização de directos é o factor diferenciador da capacidade profissional rara de um
realizador de televisão.
Descreva-me o Praça da Alegria (Cenários, equipa, conteúdos, como era dinâmica do
programa, etc).
Como referia a sinopse original do programa, este pretendia ser um programa popular
que fosse uma festa diária. Foi concebido como um espaço aberto, inspirado numa
praça pública onde os convidados e figurantes estivessem sentados numa “esplanada”
entre cujas mesas e espaços intermédios os apresentadores se deslocariam para falar
com as pessoas ou para concretizarem as suas intervenções, criando assim uma
dinâmica diferente do que até aí era usual e que se baseava em cenários com espaços
muito fixos, o “programa sentado” que fazia escola na época.
Assim, o cenário original, bem como as reformulações posteriores, baseava-se nessa
dinâmica espacial, sendo basicamente constituído por áreas base tais como: a
“esplanada” com os figurantes; as mesas principais com os convidados; uma área
adjacente para as rubricas regulares ou esporádicas que faziam parte do programa;
uma área de actuações para os músicos ou demais artistas que participavam; uma área
fixa para a banda fixa do programa que existiu durante muitos anos. Procurava-se
sempre que fosse um espaço colorido, alegre, amplo que permitisse aos
apresentadores circular sem dificuldade por todo o décor e, assim, também por essa
movimentação criar um factor decisivo para a dinâmica do espectáculo. Ao contrário
do que até aí era mais comum, não eram os apresentadores que seguiam as câmaras
mas sim as câmaras que seguiam os apresentadores e demais participantes. Este
aspecto fundamental foi a grande inovação ao nível da realização, o que veio a fazer
escola que, diria, ainda hoje é paradigma.
50
A equipa que realizava este programa sempre foi constituída no formato próprio de
um grande estúdio. Técnicos, serviços de apoio, produção e realização num total que
normalmente anda pelos 30 ou 40 profissionais.
Ao nível dos conteúdos foi sempre tentado a inovar, ciclicamente, conforme se ia
percebendo quais as opções que melhor funcionavam e quais as carências que se iam
detectando. Mas posso dizer que, em sequências variadas que procuravam criar uma
dinâmica tão rica e apelativa quanto possível, as principais componentes do programa
foram quase sempre as seguintes: conversas, com convidados principais, que
abordavam temas diversos de interesse geral; conversas ocasionais com elementos da
figuração; actuação de músicos convidados, normalmente com características mais
populares; rubricas regulares ou pontuais que abordavam temas de interesse e
utilidade geral como a saúde e o exercício físico, a protecção jurídica dos cidadãos, os
conselhos aos consumidores, a moda e a estética feminina, o nutricionismo, etc, sendo
que a culinária sempre foi uma rubrica muito presente. A banda musical permanente
pontuava os momentos do programa. Ainda havia espaço, na maioria dos ciclos do
programa, para a inclusão intervenções de repórteres no exterior e em directo, sempre
em contacto com o país real. Um elemento também muito frequente ao longo dos
tempos foi o contacto telefónico com os portugueses da diáspora, particularmente
quando se relacionavam com algum dos convidados ou algum dos demais
intervenientes. Recordo o sucesso que foi uma rubrica que existiu durante muito
tempo e que consistia em levar a estúdio ou pessoas de muita idade no dia do seu
aniversário, acompanhadas pelas gerações de descendentes (a rubrica das avós) ou
casais que comemoravam longos anos de matrimónio e que eram também
homenageados com a presença dos seus familiares. Também alguns passatempos era
levados a cabo, embora á época nunca de forma tão intensa como se vê hoje.
Procurava-se sempre alguma “delicadeza” no apelo á participação, fosse por telefone
ou presencial. Outra participação recorrente e que muito contribuía para a dinâmica
do programa foram os quase sempre presentes momentos de humor. Lembro, por
exemplo a participação regular dos humoristas Quim Roscas e Zeca Estacionâncio que
neste programa iniciaram a sua carreira televisiva. Isto entre muitos outros que, ao
longo dos tempos, foram participando regularmente nas emissões.
51
Genericamente posso dizer que todos estes ingredientes e alguns mais que
ocasionalmente eram pensados e criados para refrescar o alinhamento do programa,
foram sempre a matéria-prima com que se definia o alinhamento base destas
emissões. Por último de referir que, neste programa, sempre se criaram condições
para um trabalho muito inovador e dinâmico por parte dos apresentadores. Quer o
Manuel Luís Goucha primeiro quer o Jorge Gabriel e a Sónia Araújo depois, foram
sempre elementos fundamentais na forma como a dinâmica do programa se
desenvolvia, respondendo da melhor maneira ao que lhes foi solicitado e criando,
dessa forma, um inovador estilo de apresentação que agora, retrospectivamente, se
poderá dizer estar na base do que posteriormente foi seguido por outros profissionais
na RTP e nas outras estações.
A partir de 1990, a P.A. deixou de ser líder de audiências, devido à entrada dos
privados. O que é que eles fizeram que a RTP não conseguiu?
A matriz que o Praça da Alegria e os programas que o antecederam tinham
desenvolvido foi, de certa forma, aproveitada pelas outras estações. Naturalmente que
factores como a redistribuição de audiências, a novidade das novas estações, a
popularidade atingida por alguns apresentadores e outros factores que poderei
identificar como “a moda do momento”, pesaram muito nessa deslocação de
audiências. No entanto, em meu entender, um factor fundamental foi a abordagem
temática a que se permitiram as outras estações e que a RTP não poderia aderir
enquanto serviço público. A bitola mais alargada e popularucha dos temas abordados
e as estratégias de sedução do público que foram desenvolvidas com a “faca e
alguidar”, “a cusquice”, o sensacionalismo, o apelo aos sentimentos primários dos
espectadores etc., poderão ter estado na base de uma relevante deslocação de
audiências. Na RTP, a defesa do serviço público impediu sempre que o padrão de
exigência fosse rebaixado. Ser popular não é o mesmo que ser popularucho, falar para
as pessoas e com as pessoas nada tem a ver com o “falar das pessoas”. Emocionar as
pessoas não pode nunca ser, numa ética de serviço público, o “jogar com as emoções”
das pessoas.
52
O que, na sua opinião, contribui para o decréscimo da audiência? O facto de ser SP já
influencia o modo de ver do telespectador?
Para além do já referido, não creio que seja o facto de ser serviço público que implica o
modo de ver do telespectador. Provavelmente para mal do serviço público em especial
mas também para a sociedade em geral, o cidadão comum não tem uma ideia clara
sobre o que pode e deve ser o serviço público quer numa óptica geral quer no que
seria a sua legítima concepção de serviço público. Estamos, neste aspecto, a falar da
questão da cidadania e da literacia para os media. No que respeita á RTP, a discussão
mais recorrente que se ouve ao nível do cidadão comum, tem mais a ver com os seus
custos e a sua estrutura pública, do que o que se refere ao serviço público de media.
Quais foram as razões para o fim de um programa histórico como o Praça da Alegria?
Quando o programa foi deslocado para Lisboa e, posteriormente acabou, já não me
encontrava ao serviço da RTP. A minha perspectiva é pois fruto de uma observação
distanciada. Mas creio que não estarei longe da verdade se disser que na base deste
desenvolvimento há alguns factores primordiais. Logo á partida, em Portugal não há
tradição de projectos de longo prazo. O programa esteve muitos anos em antena e não
surpreende que quem decide possa cair na tentação de pensar “é tempo de mudar”.
Por outro lado, as razões alegadamente economicistas para a deslocação para Lisboa
retiraram o programa do seu ambiente natural, o Porto, onde tinha uma dinâmica e
um envolvimento dificilmente reproduzível em Lisboa, conduzindo a um previsível
desfecho. Esta decisão politicamente centralista e de raiz alegadamente economicista,
veio fazer com que o programa fosse perdendo a sua identidade e, eventualmente, a
sua notoriedade junto do público. Por outro lado, um factor não menos importante
prende-se com a linha marcadamente própria e profundamente personalizada que a
produção do programa foi adquirindo ao longo dos anos. Mudar uma lógica de
produção e uma linha marcada de abordagem ao programa que foi tão
profundamente desenvolvida no Porto ao longo de anos, levou a que o programa
perdesse personalidade e, assim, permitisse criar os fundamentos para quem possa ter
pensado que era tempo de terminar o programa. Produzir no Porto em seguimento de
um trabalho de décadas não dá os mesmos resultados concretos que começar a
produzir em Lisboa onde não há a experiência particular deste tipo de produto.
53
Não sei se conhece este novo programa através da televisão - o Agora Nós, que
substituiu o P.A… Se sim, que diferenças encontra com o Praça da Alegria? É um
formato que atrai mais o telespectador?
Não sou espectador das manhãs televisivas. Tenho pois dificuldade em responder a
esta questão. Não faço a menor ideia como este novo programa está a funcionar nem
o que oferece ao público.
54
ANEXO 2: Entrevista a Filipe Messeder, um dos produtores do Praça da
Alegria
Qual o objectivo principal na construção de um programa como o Praça da Alegria?
Como o descreve? (elementos cénicos, conteúdos, duração, etc.)
O objectivo principal de um programa deste género – entreter, fazer companhia, levar
emoção ao telespectador. Naturalmente, no meio destes principais, alguns conteúdos
específicos podiam ter (e tiveram muitos) uma componente mais educativa, formativa,
explicativa.
Como estava organizada a produção do Praça da Alegria? (nº de pessoas que faziam
parte; custos; etc).
Posso explicar a composição da equipa desde 14 de Janeiro de 2013 até Junho de 2013
e depois de Setembro de 2013 até ao final do programa em 13 de Junho de 2014 (as
épocas em que estive com o programa).
Até final de Junho de 2013: Produtor e coordenador conteúdos: Eu, Filipe Messeder;
Produtor e coordenador conteúdos: Rui Filipe Oliveira, outro produtor RTP.
Alternadamente, cada um era responsável por um programa e coordenava-o nos
conteúdos com o elemento da pesquisa de conteúdos responsável por cada programa,
fazia o alinhamento e coordenava depois o programa a partir da régie.
Havia um produtor de exteriores – responsável pela gestão de equipas de reportagem
(operação de câmara e repórteres). Garantia que peças pedidas estavam prontas para
os programas e era responsável por directos de eventos no país – marcando directos e
estando presente nos mesmos. O produtor em causa, Luis Leston, era produtor de
exteriores de dois programas: Praça da Alegria e Portugal no Coração. Havia também
um produtor musical que garantia a gestão do calendário das actuações musicais no
programa e todos os elementos que tinham especificamente a ver com áudio. No caso,
fazia também produção de dois programas: Praça da Alegria e Portugal no Coração.
Duas assistentes de produção davam apoio no trabalho de escritório e depois no
estúdio com os convidados e as necessidades de cada programa, cinco pesquisadores –
encontravam temas para o programa e preparavam-nos. Identificavam ainda os
55
convidados, escreviam textos de apresentação e sugestões de perguntas, definiam
acções a decorrer em estúdio e recolhiam toda a informação necessária para passar
aos apresentadores. O editor de imagem editava/“montava” todas as peças emitidas
no programa (programas mais “cheios” podiam chegar a 9 ou 10 peças / reportagens).
Nesta equipa, quatro pesquisadores e a produtora musical eram externos (não
funcionários da RTP).
De Set 2013 até final do programa em Junho de 2014 na equipa faziam parte: um
produtor executivo: Eu, Filipe Messeder, responsável por coordenar a produção, um
coordenador conteúdos, Sónia Âmbar, responsável por conteúdos do programa, outro
produtor (da RTP), Rui Filipe Oliveira, um produtor de exteriores, responsável pela
gestão de equipas de reportagem (operação de câmara e repórteres) que garantia as
peças para os programas. Era ainda responsável por directos de eventos no país –
marcando directos e estando presente nos mesmos. O produtor em causa, Luis Leston,
era produtor de exteriores de dois programas: Praça da Alegria e Portugal no Coração.
Havia, ainda, um produtor musical que garantia a gestão do calendário das actuações
musicais no programa e todos os elementos que tinham especificamente a ver com
áudio. No caso, fazia também produção de dois programas: Praça da Alegria e Portugal
no Coração. Duas assistentes de produção davam apoio no trabalho de escritório e
depois no estúdio com os convidados e as necessidades de cada programa. Cinco
pesquisadores encontravam temas para o programa e preparavam-nos, identificavam
convidados e escreviam textos de apresentação e sugestões de perguntas, definiam
acções a decorrer em estúdio e recolhiam toda a informação necessária para passar
aos apresentadores.
• Um editor de imagem: editava/“montava” todas as peças emitidas no
programa (programas mais “cheios” podiam chegar a 9 ou 10 peças / reportagens).
Nesta equipa, quatro pesquisadores, a produtora musical e a coordenadora de
conteúdos eram externos (não funcionários da RTP).
Qual era o público-alvo do Praça da Alegria?
A maior fatia de público disponível durante a manhã: feminino, maior de 60, classe C e
D. A este público não se “podia” desagradar – era a maior fatia de público disponível;
56
perder aqui era perder, ponto! Os outros públicos não sendo esquecidos, não eram tão
prioritários.
O que considera ter contribuído para a descida cada vez mais íngreme da audiência?
Independentemente de factores intrínsecos ao programa, uma coisa é certa: a oferta
televisiva, o acesso a conteúdos por cabo, a forma de ver televisão, a distribuição de
audiência são completamente diferentes em 1994 e em 2014! Isto só por si explica
parte. A própria “inexistência” de internet aquando do início do programa mostra o
quão diferente era o panorama audiovisual.
No que ao programa diz respeito, uma eventual não actualização forte do formato até
ao programa sair do Porto poderá ter levado à procura de alguma novidade na
concorrência. No último ano e meio, em Lisboa, o formato foi actualizado, os
apresentadores foram outros, e o programa subiu um pouco relativamente ao que
vinha sendo a tendência de queda; no entanto, nem por isso conseguiu descolar o
quanto uma mudança assim poderia fazer desejar.
Quais as principais transformações do Praça da Alegria para o Agora Nós?
Cenário, apresentador, rubricas, tratamento sonoro do programa em directo, registo
de reportagens.
Considera o Agora Nós um formato mais apreciado pelo público lá em casa?
O resultado das audiências tem mostrado uma pequena evolução – alguns picos
atingidos pelo Agora Nós são mais elevados do que os alcançados pela Praça da Alegria
(Setembro de 2013 a Junho de 2014) mas no geral as audiências estão mais ou menos
niveladas. No entanto, esta é apenas a minha sensibilidade perante o olhar para o
relatório diário de audiências e o ocasional olhar para o mesmo relatório de há um
ano, precisamente para comparar resultados. Agora, se o programa Agora Nós agrada
mais aos 15% (mais ou menos) que o vêem do que a Praça da Alegria agradava aos
15% que a viam… não há forma de saber.
57
ANEXO 3: Entrevista a Sónia Âmbar, coordenadora de conteúdos de
daytime
O Praça da Alegria foi um programa de longa duração com cerca de 19 anos no ar. O
que determinou o seu fim?
O Praça da Alegria teve a maior parte do seu percurso no Porto, onde foi líder de
audiências. O programa passou para Lisboa em 2012, e já desde 2010/2011, o Praça da
Alegria vinha perdendo audiência e impacto dentro daquilo que é a oferta televisiva
dos canais generalistas.
Com a perda progressiva da audiência e da frescura que antes existia, o que se
compreende de um programa que estava no ar há 17 anos [ainda no Porto], começou-
se a questionar se não era uma marca desgastada. Os programas também funcionam
como marcas e como estão muito tempo no ar acabam por funcionar como essas.
Equacionou-se na altura se a marca não estaria desgastada e se não era o momento de
operar uma renovação profunda e até mesmo de descontinuar o programa. Estas
coisas não são consensuais, visto que são programas com uma grande dimensão, peso
e longevidade, ainda há mais matéria de reflexão e portanto depois de algumas
discussões, decidiu-se que antes de terminar o programa uma hipótese seria mudar a
produção e ver se isso se traduzia numa renovação estrutural do programa.
O programa passou para Lisboa, onde houve uma restruturação interna. O Praça de
Alegria já no Porto estava a perder o tal desempenho de audiência, como referi
anteriormente. A passagem para Lisboa não surtiu o efeito desejado. Se já estava
numa curva descendente no Porto, em Lisboa continuou a acentuar-se. A transferência
da produção do Porto para Lisboa levou a inúmeras polémicas por parte público do
portuense. Por serem um público muito fiel e aguerrido, protestaram de diversas
formas, desde vigílias, minutos de silêncio, com câmaras municipais a contestarem...
Foi uma bomba que veio fortalecer a polémica e acabou por fragilizar o programa, foi
um voto por parte do público do norte: “não queremos saber mais desta praça de
alegria que agora é de Lisboa”. Foi entendido como uma fragilização da posição do
centro de produção da RTP do norte. O que é certo é que perante todos estes
contextos, o Praça de Alegria foi perdendo força.
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O daytime, isto é um comentário paralelo, tem vindo a ganhar força estratégica para
todos os canais. O daytime são períodos longos da manhã e da tarde, ou seja, é a fatia
mais larga do dia dedicada a um único formato. Os programas do daytime, tanto os da
manhã como os da tarde, são os que ocupam 2/3h de emissão. O que antigamente
eram os programas da manhã e da tarde e iam enchendo um bocadinho a grelha, foi se
percebendo, nos últimos anos, que ocupam uma fatia muito importante da
programação diária e que contribuem muito significativamente para a guerra das
audiências, como se costuma dizer. E portanto, começou-se a perceber que o prime-
time, a parte mais importante até do ponto de vista comercial da programação, não
era exclusivamente o único espaço de antena a que era preciso dedicar atenção.
Existem outros espaços que merecem cada vez mais atenção por parte dos directores
de programas.
Concluindo, o que ditou o fim da praça de alegria foi o ciclo normal de um programa
televisivo. Não há programas eternos e no fundo o programa cumpriu a sua “visão”,
teve quase 20 anos no ar, já tinha perdido a pujança e a liderança adquirida noutros
tempos. Houve uma tentativa de dar a volta a isso, não surtiu o efeito desejado e
portanto o melhor foi acabar com esta marca, acabar com este programa e dar lugar a
um novo.
E como surgiu o novo programa, o Agora Nós?
Percebeu-se que, internamente e ao nível aqui de Lisboa, para garantir um novo
programa, este teria de estar cheio de força e de novas ideias. O melhor era ter uma
produção com recursos que não existiam cá dentro. Foi feita uma consulta ao mercado
e decidiu-se que a Coral, que tem uma experiência e background importante nesta
área do daytime, tinha os requisitos necessários para poder fazer este programa.
Posteriormente a direcção de programas da RTP em concertação com a Coral
(Direcção de Conteúdos e Produção) foram afinando o que poderia ser o conceito. A
Coral começou por apresentar a proposta, essa proposta foi posteriormente
trabalhada pela direcção de programas até se chegar a um formato que era
confortável para ambas as partes. Desta forma, decidiu-se avançar com este novo
programa que é o Agora Nós.
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Como se procedeu à escolha dos apresentadores neste novo formato?
Houve aqui um factor determinante na questão dos apresentadores: a partida do João
Baião que era a figura da manhã juntamente com a Tânia Ribas de Oliveira.
Nesta questão dos daytime não há duvida nenhuma que os apresentadores ditam em
absoluto o sucesso ou insucesso dos programas. Aliás, o programa Líder de audiência
(Você na TV), é conhecido antes de mais como o programa da “Cristina Ferreira e do
Goucha”, mais do que outra coisa qualquer.
Existe uma grande importância cedida pelos espectadores, não só aos apresentadores
individualmente, mas à dinâmica que se gera entre eles. Ainda por mais, criou-se agora
as duplas de apresentadores em todos os canais. Neste momento, não tem de haver
um bom apresentador, nem uma boa apresentadora, têm de ser ambos muito bons
individualmente mas tem de ter uma grande dinâmica e uma grande química e isso
existia efectivamente entre a Tânia e o Baião. Com a partida do Baião que é de
domínio público ficou aqui um hiato que era necessário preencher. A Tânia assegurou,
e muito bem, o resto da temporada sozinha. Foi uma aposta ganha, a própria direcção
de programas da RTP o reconheceu.
Com este novo formato impunha criar-se uma nova dupla. Sabíamos que não era uma
missão fácil, porque tínhamos a referência do Baião que era muito forte. Ora para ser
alguém que viesse para o lugar do Baião, não podia ser um sucedâneo, tinha de ser
alguém que se afirmasse pela diferença e que tivesse um outro perfil. Cada pessoa tem
uma determinada identidade e estar à espera de uma cópia nunca dá resultado. Não
sei precisar ao certo como surgiu o nome do José Pedro Vasconcelos, mas surgiu. E foi
considerado pela Direcção de Produção que poderia ser uma aposta interessante.
Tinha de se arriscar. Foi feito o convite ao Zé Pedro que já demonstrava interesse.
Torna-se importante que as pessoas mostrem empenho para assumirem um desafio e
realmente estamos todos muito satisfeitos com a dupla.
É uma dupla que se acaba de formar e terá de ter o seu percurso. Há alguns factores
que nos levam a crer que é uma dupla de sucesso. Eles têm uma boa química, uma
óptima cumplicidade, claro que pode haver alguma assimetria quanto à experiência da
Tânia e do Zé Pedro. A Tânia apresentou o Praça de Alegria durante cerca de 7 anos. E
antes disso já apresentava o Portugal no Coração. A própria Tânia diz, com alguma
graça, quando soube que tinha de trabalhar com o João Baião: “Por amor de Deus,
60
vão-me agora pôr um actor de revista ao lado”. A dupla resultou e foi uma história de
amor, como toda a gente conhece.
O Zé Pedro é uma pessoa que trabalha muito e se prepara. Ele consegue muito
facilmente passar de um registo divertido e irreverente para um estilo sério e de
perguntas/conversas mais intimistas que o day-time também exige, uma vez que são
espaços que se querem emocionalmente intensos e próximos das pessoas, não se
pode estar sempre na palhaçada.
O Zé Pedro Vasconcelos vinha de uma formato completamente diferente, “o 5 para a
meia-noite”, direccionado para um público mais jovem e diferente daquele que segue
os programas da manhã? Haverá uma procura por novos públicos?
Não foi o que ditou a escolha. O grande objectivo com o Zé Pedro no início foi fazê-lo
demarcar-se do seu registo mais conhecido, o “5 para a meia-noite”, o tal estilo mais
irreverente e humorístico, que fazia umas patifarias em situações públicas, etc. E foi-
lhe recomendado que se distanciasse disso. Naturalmente que é bom em qualquer
novo programa ter uma cara fresca com algum sentido de humor, energia, com
capacidade de ir buscar novos públicos. Mas o mais importante é fidelizar um público
que já existe. Os programas, quer da manhã quer da tarde, têm um determinado
target, e idealmente há que fidelizar esse público que já “pertence” a essa duas fachas
e de preferência captar a atenção de novos públicos também. Não se pode é hipotecar
aquilo que já existe na esperança de ir buscar novos públicos porque esses poderão ou
não aderir.
O porquê da escolha do nome Agora Nós para este novo formato?
A escolha do nome do programa foi dificílima, durou cerca de um mês e havia listas
com centenas de nomes. Várias pessoas tentaram sugerir nomes, desde a Coral,
direcção da RTP até vários departamentos como o Centro de Inovação da RTP deram
sugestões para nomes mas não tinha aparecido um com que todos tivessem sentido
que era “o tal”. Certo dia houve uma reunião, em desespero de causa, e houve alguém
da RTP que disse Agora Nós e no momento em que essas palavras surgiram, soaram
bem.
O Agora Nós tinha um duplo sentido que nos pareceu muito interessante: 1º prendia-
se com o próprio conceito do formato que tinha a ver com proximidade do público, um
61
programa que quer ir ao encontro das pessoas e trazê-las para o estúdio, ir às suas
casas, às suas vidas e trazer a dimensão humana e actual para dentro do programa e
nesse sentido o nome é “Agora é a nossa, vossa vez”; 2º tinha algum
arrojo/atrevimento, “Agora é a nossa vez”, a nossa vez de propor um novo formato e
acabou por ser consensual.
Havia um formato semelhante, suponho que italiano, que reproduzia um bocadinho o
ambiente de uma praça pública e um elemento do centro de produção da RTP do
Porto pensou “isto era giro para um programa da manhã”: um espaço de
esplanada/café que temos muita tradição em Portugal. Aí surgiu o conceito.
Eu acho que o nome Praça de Alegria surgiu do Goucha, primeiro apresentador do
programa e também porque existe uma quer no Porto como em Lisboa, e a decisão foi
unanime.
Quais os apresentadores que já passaram pelo Praça da Alegria?
A ordem foi a seguinte: Ainda no Porto, Manuel Luís Goucha e Anabela Mota Ribeira e,
mais tarde, o repórter Hélder Reis. Logo depois, Sónia Araújo (inicialmente bailarina)
saltou para a co-apresentação juntamente com Manuel Luís Goucha. Com a saída de
Manuel Luís Goucha para a TVI, o programa é apresentado por Sónia Araújo, Jorge
Gabriel e Hélder Reis (responsável pela grande curva de ascensão do programa). Em
Lisboa, o programa foi apresentado por Tânia Ribas de Oliveira e João Baião. Com a
saída deste, a Tânia ficou a apresentar o programa sozinho.
O que difere o programa Agora Nós do anterior, Praça da Alegria?
O Agora Nós esta mais centrado em histórias de vida, com mais produção, mais
recursos que se traduz num trabalho de pesquisa mais minucioso que é necessário
para encontrar estas histórias. Portanto, o Agora Nós centra-se mais em casos de vida,
sejam eles mais inspiradores, sejam eles de pessoas que necessitam de apoio/ajuda,
que denunciem determinadas situações ligadas à maternidade, à deficiência física, e
são histórias que se querem constituir como exemplos para esclarecer o público sobre
a forma de lidar em determinadas situações.
Nós sentimos que as pessoas gostam de seguir estas histórias, porque ou se revêm e se
projectam nelas ou acabam por sentir que recebem informação útil, por exemplo, o
62
caso de uma violência doméstica. A ideia não é só mostrar a história de vida de uma
pessoa que tenha sido vítima de violência doméstica, é também perceber quais são os
enquadramentos legais, jurídicos, psicológicos que se podem ter em atenção para se
fazer face a um problema semelhante. E toda a gente conhece alguém que tenha
passado por problemas deste tipo.
O Praça de Alegria era um programa mais centrado em questões ditas de Serviço
Público. Era um programa muito rubricado (muitas rubricas). Tinha cerca de 3 rubricas
por dia, enquanto agora existe 3 ao longo da semana. Era um programa muito
vocacionado para dar sugestões e dicas às pessoas (saúde, beleza, alimentação,
nutricionismo, agenda, economia, questões jurídicas), muito vocacionado para este
consultório das dicas e levava muito em conta aquilo que é a agenda do país,
espectáculos, filmes, actores que fazem parte da produção da estação, e por vezes
tinha algumas histórias de vida, mas não era esse o foco. É talvez a grande diferença.
Com o surgimento de programas de outros canais, com histórias de vida, influenciou
para o decréscimo da audiência na RTP?
Talvez. Quando estamos a falar de programas desgastados, por mais operações de
maquilhagem que se façam, cria-se na cabeça das pessoas uma determinada ideia, o já
visto, e eu acho que a praça estava nesse momento. O ideal era terminar. Mais do que
perpetuarmos renovações do programa, o que era necessário era criar um novo
formato com uma nova linguagem, com um novo grafismo, uma nova imagem e muito
embora haja o privilegiar destas histórias, destes casos reais, é um programa que está
inserido numa estação de serviço público como é a RTP 1. Portanto, campanhas de
solidariedade, assuntos de responsabilidade social, agenda cultural, parcerias que
existem (com o cinema, teatro, televisão) também aqui encontram eco e têm
visibilidade.
O facto deste programa se assemelhar a outros de canais privados, não perde a
definição de Serviço Público?
Eu acho que a preocupação da produção do programa é ir ao encontro daquilo que o
público quer e gosta, sem deixar de prestar serviço público. É nesta gestão que o
programa se vai construindo. Agora mesmo com alguns temas de âmbito criminal, que
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às vezes aparecem, é sempre com o objectivo de depois oferecer as tais ferramentas
de como lidar com o desaparecimento de um filho, que ferramentas legais existem
para que possamos fazer alguma coisa, … Não é contar a história por si só, é a partir
dessa história fornecer informação para que pessoas com situações idênticas saibam
como lidar.
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ANEXO 4: Entrevista a Mariana Guerra, subdirectora de programas da RTP1
O que leva o espectador a fidelizar-se com um canal de serviço público?
Na minha opinião, o que o espectador procura e exige numa estação como a RTP é o
rigor, a confiança, a segurança e uma qualidade diferente à dos outros canais. As
pessoas acreditam em tudo o que passa na RTP1 porque têm confiança de que
estamos a ser sérios, mas por outro lado, essa seriedade que exigem de nós, prejudica-
nos um bocadinho, porque acham-nos demasiado sérios.
Que tipos de conteúdos os telespectadores querem ver?
As pessoas querem ver conteúdos que lhe sejam próximos e que possam aprender
com eles. Gostam de histórias de vida que tenham um final feliz, de ver assuntos
populares sem serem “popularuchos”, assuntos familiares sem que entremos na esfera
pessoal das pessoas, ou seja, tudo que toca na emoção e proximidade das pessoas.
Estas histórias com finais felizes tocam as pessoas e aproxima-as: “Se a eles correu
bem, a mim também há-de correr”, este é o pensamento deles. É inspirador e faz com
que as pessoas se identifiquem.
A RTP tem tido a preocupação de acompanhar o crescimento tecnológico que temos
vindo a assistir?
Podemos pegar no exemplo recente que é o “Toca a Todos” que foi uma acção da
empresa nas suas diversas funções: começa a ser uma iniciativa da rádio, 73h de
emissão non-stop, em cima disto tinha uma emissão de 73h também na WEB, e ainda
o acompanhamento durante o dia de directos, reportagens na RTP1.
Ora, temos a Web, a multimédia, RTP play, estamos um bocadinho à frente do que os
outros fazem. Não é comum nas outras estações terem operações tão
multiplataformas.
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Qual a razão para terminar com o Praça de Alegria e começar com o Agora Nós,
numa altura em que terminaram com o Portugal no Coração e começaram um novo,
o Há Tarde?
A certa altura qualquer um dos programas estaria há muitos anos no ar. Há uma
necessidade de renovar, de procurar novos públicos, de saber coisas novas, a
necessidade de levar às pessoas novos conteúdos, esse é o lema da RTP e da Direcção
de Programas. O espectador precisa e gosta de ser surpreendido. O factor surpresa na
televisão, que é uma caixa mágica, tem um grande peso.
Desde o princípio que queríamos que o Agora Nós tivesse dinamismo, energia, alegria
para acompanhar o espectador que não pára em casa: cozinha, arruma a casa, vai ao
computador, vai passar a ferro, etc. Ou seja, o Agora Nós torna-se um programa de
rádio, porque as pessoas estão em casa a ouvir (enquanto trabalham) e não estão a
ver”.
Estamos em contacto permanente com as produções externas, é um trabalho de
equipa, mandamos propostas de cá, recebemos outras de lá, só assim é que é possível.
A RTP por ser serviço público parece ter a obrigação de contribuir de forma positiva
para a formação de opinião pública, mais que qualquer outra estação.
Domingo à noite, por exemplo, com o “The Voice”, as pessoas sentadas no sofá,
ouvem música de qualidade mas é entretenimento puro. Ora todos os dias, durante a
tarde e manhã, se não trouxermos nada que acrescente à vida das pessoas, até do
ponto de vista da sua formação, torna-se desgastante, daí termos os programas de
Daytime com uma base informativa. Nós já temos o nosso público fiel, o que queremos
é mantê-lo e fazer com que este se sinta satisfeito. Os números têm feito um bom
caminho. Quando se faz uma aposta não é de um dia para o outro.
Qual a razão por terem escolhido um apresentador com um estilo irreverente e
humorístico como o José Pedro Vasconcelos?
O Zé Pedro é um apresentador de televisão muito completo. Teve a capacidade de se
reajustar muito bem no programa da manhã, é uma novidade. Não podemos fazer
sempre igual, isso não traz nada de novo na vida das pessoas. Tem sido um caminho
maravilhoso. Sem perder a identidade dele, encontrou muito bem o seu lugar para
fazer companhia às senhoras que estão em casa.
66
ANEXO 5: Entrevista a Ricardo Rodrigues, Director de Produção da Coral Europa
Qual a razão de começarem um novo talk-show, o Agora Nós, com uma produtora
externa? O conceito surgiu da RTP ou da Coral?
Aquilo que eu considero ser uma mudança estratégica na RTP seria uma mudança na
estrutura dos programas do Daytime e abrir esse modelo para o mercado das
produtoras externas/independentes. Posto isto, a Coral faz a sua proposta de projecto,
como com outros programas. Apresentou o seu conceito, a equipa, o orçamento,…
Quais as principais diferenças entre o anterior Praça de Alegria e o Agora Nós?
O Praça de Alegria foi um programa com 19 anos com uma história e uma passado
enorme no Daytime. No último ano e meio, houve a última fase que foi a passagem do
Porto para Lisboa.
Obviamente que se é para mudar é para fazer diferente, e portanto, o Agora Nós é um
programa um bocadinho competitivo. O que apostamos neste talk-show foi uma
linguagem mais up, tentar trabalhar um bocadinho de forma dinâmica as abordagens
dos conteúdos e trazer outros que não existiam, estarmos um pouco mais acima da
actualidade e ter alguma vertente de entretenimento que passa por conceitos de
game-show – esta é a linha do programa que pode causar diferenciação. Depois são
formas diferentes de fazer, novas abordagens, não é uma questão de ser pior ou
melhor, mas conseguimos marcar uma ruptura. Acho que as pessoas percebem que
não é o mesmo programa.
Tem havido uma subida de audiências comparadas com as do programa anterior?
O programa do Daytime é um programa que se constrói todos os dias e nós estamos
numa fase inicial. Os números por comparativo têm sido muito interessantes, muito
positivos. Temos conseguido aproximar do concorrente mais próximo, neste caso a
SIC.
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Isso acontece devido à semelhança da estrutura do Agora Nós com os programas
matinais da concorrência?
Há pontos que se tocam naturalmente. Se queremos oferecer novas coisas ou
conquistar mais púbico temos de ser competitivos também.
A escolha do cenário e do genérico do talk-show foi idealizada pela RTP ou pela
Coral?
Há uma relação de equipa e colaboração com a RTP. Na parte técnica, ou seja, meios
técnicos: realização, operação de câmara, gestão de iluminação, som.
Tudo o que foi conceptualizado para o programa fomos nós: cenário, iluminação como
um desenho único, grafismo,…
Primeiro pensamos no conceito do programa e depois começamos a pensar no
cenário. Queríamos a presença de público para dar algum toque de diferença também.
O cenário foi-se criando, as ideias surgindo, pegou-se nas estruturas e foi-se
desenhando. Na verdade desde o primeiro dia desenhamos o que viria a ser o cenário
final e fomos avaliando e acordando a escolha de materiais. O cenário tem um
bocadinho a ver com Portugal, com alguns objectos que nos remetem para a
portugalidade mas tem linhas modernas ao mesmo tempo; tem texturas que dão
alguma profundidade ao cenário, algo que queríamos muito também. O grafismo veio
em consequência, o logotipo, as cores mais quentes. O azul e o verde que dominam no
cenário são muito frios, são as cores RGB, fomos buscar um pouco mais de calor.
O nome foi um processo de escolha. Em primeiro lugar, queríamos fugir ao “Portugal”,
ao “Manhã” e ao “TV”. Os programas de Daytime são programas de grande
proximidade com o público em que é a “Cristina e o Goucha”, ou a “Júlia e o João
Paulo Rodrigues”. Entre nós e a RTP foram surgindo imensos nomes. Ao início pode ter
parecido um pouco agressivo, impusemo-nos ali “Agora Nós” mas o “agora” tem a ver
com o momento, o factor directo, proximidade e estamos consigo, “Nós”, Portugal,
portugueses pelo mundo, juntarmo-nos todos nas manhãs. Acho que estas duas
palavras juntas se ligam muito bem.
Porquê a escolha dos apresentadores Tânia Ribas de Oliveira e José Pedro
Vasconcelos?
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Estamos a falar de sectores e segmentos um bocadinho diferentes. O Zé Pedro vem de
uma linha mais humorística, de actor. E quando constróis uma dupla para um
programa destes eles têm de se complementar. A Tânia já traz uma escola muito
grande do Daytime, o Zé Pedro tem outro tipo de forma de estar e de fazer televisão,
mas complementam-se muito bem, há uma química muito grande entre eles desde o
primeiro dia. Tu trabalhas a dupla diariamente, claro que sim, mas se não houver
química… Assim também começam a descobrir um novo Zé Pedro, um elemento novo.
Se queres refrescar o Daytime e o que existia, uma cara nova é um bom caminho para
começar.
Por falar em elementos novos, o público pode assistir a uma pequena novela no
Agora Nós, a Flor do Sal, protagonizada pelos apresentadores. Como surgiu?
A “Flor do Sal” surgiu de uma brincadeira entre os apresentadores. Eles fazem muitas
brincadeiras e houve uma vez que achamos muita piada e surgiu a ideia de criarmos
uma novela, o genérico… foi um processo natural.
Os conteúdos do Agora Nós estão de acordo com a estação de serviço público em
que estão inseridos?
Eu não considero que foge ao Serviço Público. A relação com a RTP é diária e de
proximidade, não é um produto chave na mão que existe cá. Temos feito parte da
missão do que é Serviço Público.
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ANEXO 6: Entrevista a Nuno Vaz, Director adjunto de programas
Qual o motivo de terminarem com os dois programas de daytime, Praça da Alegria e
Portugal no Coração, e começarem o Agora Nós ao mesmo tempo que o Há Tarde?
O facto de fazermos dois programas novos tem a ver com o meio em que estamos
envolvidos, a televisão. É um meio com uma evolução que se dá em menores períodos
de tempo e nós tínhamos dois programas com uma certa longevidade, o Praça da
Alegria existia há quase 19 anos e o Portugal no Coração, também já com uma década.
Apercebemo-nos que dali já não podíamos tirar mais nada daqueles formatos,
tornando-se redundantes em si próprios. Ou seja, tudo à volta das mesmas temáticas e
houve uma necessidade de “romper” com aquilo que vinha a ser a linha habitual quer
os conteúdos quer a produção desses programas e tentar uma estratégia nova. Essa
estratégia nova levou a acabar com esses dois títulos [Praça da Alegria e Portugal no
Coração] que havia anteriormente, criar dois de raiz, reformatando os horários. Essa é
a principal medida, não só termos novos programas com novos títulos, novos
apresentadores, novos cenários, novos ambientes, novos decores, novas equipas, mas
sobretudo reformatar os programas. O segredo dos programas, normalmente, está no
seu formato. Primeiro, nós quisemos ter dois conteúdos diferenciadores, entre si e os
concorrentes. Um dos problemas que tínhamos era que o Praça da Alegria e o
Portugal no Coração tinham muitos pontos em comum e acabavam por se confundir
na sua essência. Uma das nossas principais preocupações quando começámos a
desenvolver estes dois programas era que estes fossem diferenciadores, que não se
confundisse o Agora Nós com o Há tarde, e que cada um deles tivesse uma identidade
muito própria.
Pode falar um pouco do entretenimento na RTP ao longo dos tempos? Que
programas de entretimento (em género de talk show) marcaram a história da RTP?
Qual é a aposta da empresa neste sector?
No último ano a aposto no entretenimento foi enorme. Nós temos de ter uma
diferença do que era a RTP em 2012 e o que é em 2015. Em 2012 estávamos a sair de
uma fase muito complicada em que havia uma intenção de alienarmos os canais e
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estávamos a trabalhar para um canal hibrido durante muito tempo o que levou a um
divórcio com o público e a uma queda de audiência muito grande. Ora para voltar a
conquistar esse público percebemos duas coisas: que tínhamos de voltar em força à
ficção diária e que teríamos de apostar em entretenimento de alta qualidade. Medidas
que utilizamos nesse sentido foi abrimos faixas de ficção diárias quer à hora de almoço
quer no prime-time, neste caso com os “Nossos dias” e “Bem-vindos a Beirais”, e em
simultâneo começamos a preparar e a adquirir quer formatos originais quer formatos
do estrangeiro que nos permitiram reforçar os horários de Sábado e Domingo à noite
(aposta no entretenimento). Outro factor diferenciador é termos programas no prime-
time que é coisa que os nossos concorrentes não têm: eles têm ficção, nós temos o
Quem Quer Ser Milionário (teremos outros, e já tivemos outros também). Isso para nós
é uma linha de extrema importância de segunda à sexta-feira porque há (e os números
não metem) um grande auditório ávido deste tipo de conteúdos. Fizemos duas coisas,
tendo em conta a nossa gestão de grelhas e de finanças, fomos encontrar produtos de
custo relativamente mais baixo à noite, e nesse sentido desenvolvemos o Chef’s
Academy feito em Portugal entre a RTP, a Shine Iberia e o Continente, um formato
com imenso sucesso que já teve duas edições. Adquirimos os direitos do Sabe ou Não
Sabe que é um formato israelita, mas fizemos em Portugal com o Vasco Palmeirim, aos
Sábados à noite, e apostamos também ao Domingo à noite no grande entretenimento
com o The Voice e o Got talent (duas marcas importantes a nível mundial). Fazemos
um investimento muito sério do ponto de vista financeiro e de promoção. Nós
acreditamos que esse investimento no grande entretenimento e na ficção foram
absolutamente fulcrais para reconciliarmo-nos com o público, termos melhores
resultados e chegarmos a um número de espectadores que nos permitem ter quer
beneficio do ponto de vista da entrada da publicidade quer do “good viel” das pessoas
que nos vêem. Faltava acrescentar isso no daytime e em Setembro de 2014
acrescentamos esses dois formatos Agora Nós e Há Tarde. A SIC recentemente investiu
nos programas de daytime, a TVI é líder.
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A televisão generalista tendeu a afunilar os géneros. Os canais assemelharam-se,
programando noticiário contra noticiário, talk-show contra talk show, novela contra
novela… O Agora Nós é uma forma de entrar nessa guerra das audiências? O que
tem achado desta subida recente do programa?
Eu não chamaria guerra de audiências, mas competitividade e disputa, porque nós
tivemos a partir do ano de 2012/ 2013, mas sobretudo a partir de 2014 uma atitude
bastante agressiva nessa disputa. A RTP precisava desse tipo de entrada de público e
de publicidade para a sua sobrevivência. Agora, obviamente que estamos atentos ao
que os nossos concorrentes fazem, a TVI é líder há oito anos, mas a SIC tinha sido
durante quinze anos. – Uma tendência que se inverteu. Nós achamos que não
tínhamos de ser sempre os terceiros, nem estar no fim da fila, pois temos aqui quer
ideias quer pessoas com possibilidade de recorrer a serviços que nos permitiam ter um
conteúdo muito mais competitivo com os outros.
Qual é aqui a grande questão? A nível europeu os programas de daytime são uma
inevitabilidade. Tendo um tipo de tom ou outro, em Espanha os programas de daytime
são só sociais, é praticamente social, social, social, em França são mais à volta das
regiões e coisas típicas deles. O que nós quisemos fazer foi: ok, é inevitável termos
programas de daytime, porque esses programas fazem-nos um rácio ora custo, ora
outras coisas, porque são programas que duram três horas. Onde é que poderíamos
fazer a diferença? No que está lá dentro e o que está lá dentro é realmente
diferenciador dos outros.
O Agora Nós tem sido tão surpreendente como o Há Tarde. Pela GFK, no horário da
manhã e da tarde, fomos terceiros até Setembro de 2014. Hoje conseguimos, não só,
subir as audiências nos dois programas, reforçar esses dois “slots”, como muitas vezes
ficamos em segundo lugar, o que não acontecia há muito tempo. É muito difícil
destronar a TVI - mesmo para a SIC -, mas conseguimos ficar à frente da SIC, algumas
vezes.
O que torna o talk-show diferenciador dos talk-shows matinais dos outros canais?
Os conteúdos e, principalmente, o tom do programa. É uma coisa que é muito
desvalorizada, e que para mim é muito importante enquanto produtor, o tom que se
imprime nos programas. Eu acho que nós conseguimos uma dupla que funciona muito
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bem, o José Pedro Vasconcelos e a Tânia Ribas de Oliveira. Não foi uma tentativa de
imitar ninguém, as duplas são uma tradição. Aliás, a RTP é que começou com as
duplas, [Manuel Luís Goucha e Anabela Mota Ribeiro], os outros é que seguiram o
modelo. Mas… eu acho que os temas abordados aqui na RTP têm um cunho muito
próprio: o mesmo tema tratado na SIC na segunda-feira, na TVI na quarta-feira e na
RTP na sexta… Nós temos uma abordagem muito menos exploratória, sensacionalista,
muito mais carinhosa, muito mais de ouvir, muito mais próxima e isso faz a diferença.
As pessoas reconhecem que a RTP tem uma abordagem que não é aquela de estar
sempre a tentar conseguir audiências a qualquer preço. Depois, o programa é muito
variado, cumpre uma função social porque tem um determinado número de itens e
rubricas com o médico, com os concelhos fiscais, com os concelhos financeiros, etc,
que é muito importante para aquele público e para aquela faixa que esteja informado,
e aí a RTP cumpre a sua função de SP, mas depois é muito divertido também porque
traz gente muito interessante e engraçada, às vezes, para conversas que são
absolutamente coloquiais e que funcionam bem, histórias que são bem pesquisadas e
que as pessoas que gostam de ver.
Como é o perfil do público do Agora Nós comparativamente ao da Praça da Alegria?
Em termos de faixa etária, o grosso do público da manhã é mais ou menos o mesmo
para os outros canais: pessoas com mais de 45 anos, que estão em casa,
desempregadas. Conseguiu-se rejuvenescer o público da manhã, mas muito pouco.
Esse tipo de números são quase sempre residuais, porque a maior parte dessas
pessoas estão numa fase activa da vida, quer como estudantes quer como
trabalhadores, etc. O que nós conseguimos foi recuperar o público que tínhamos
perdido para os outros canais, quando começamos a baixar as audiências.
As pessoas adoram coisas novas. Se assim não fosse, as grelhas não se renovavam e os
programas não se alteravam. O caso do Preço Certo é um caso único. Mas é um caso
único, não na RTP, mas a nível mundial. O Preço Certo em nenhum local do mundo
teve doze anos consecutivos no ar. Aliás, é um “case-study” e a própria freemantle
internacional se surpreende com os números que faz. Tem muito a ver com o facto de
ter um apresentador chamado Fernando Mendes [Portugal é o país em que o Preço
Certo está há mais anos].
73
A televisão vive dessa renovação. É evidente que há marcas e conteúdos que são
esticados no tempo enquanto forem vencedores. Eu se fosse director de programas da
RTP não mexeria no programa Você na TV, com o Goucha e a Cristina, durante muitos
anos, enquanto aquilo ainda funcionar. Como, nós aqui, programadores e gestores de
conteúdos, lançamos o Bem-vindo a Beirais que foi um sucesso, está no ar há dois anos
e pretendemos que dure até ao final deste ano. Isto é uma questão de equilíbrios.
Agora é claro que isso não se compara com programas que têm 18/19 anos e já não
têm mais para oferecer e aí mais vale haver uma quebra. Os grandes fenómenos de
resultados na televisão têm sempre a ver com quebras, novidades e introdução de
conteúdos novos. As pessoas que andam nos mercados internacionais, como eu,
estamos sempre à espera da “next big thing”. Ninguém anda muito à volta do passado:
“Ai o passado foi tão bom”, “aquilo funcionou tão bem”… as coisas funcionam até
quando tiverem que funcionar. As pessoas estão à espera já do próximo The Voice, Got
Talent ou Chefs Academy, da tendência que vem a seguir… Eu trabalho nisto há 20
anos, e há 10 anos nunca diria que conteúdos de cozinha fossem conteúdos prémio em
prime-time pelo mundo inteiro e a verdade é que isso provou que era possível, como
os programas de talentos que sofreram uma grande alteração até serem aquilo que
são hoje… Agora andamos todos à procura do que poderá ser a próxima tendência.
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ANEXO 7: Entrevista a Tânia Ribas de Oliveira, apresentadora do Agora Nós (e
apresentadora do anterior Praça da Alegria)
Foste a apresentadora que permaneceu nas manhãs da RTP após o fim do Praça da
Alegria. O que difere desse programa do recente Agora Nós? E em termos de
conteúdos (o que difere?)
É tudo diferente. A única questão que se mantem entre a Praça da Alegria e o Agora
Nós é o horário. São os dois programas da manhã da RTP, mas não têm nada a ver em
termos dos conteúdos, em termos de abordagem a esses conteúdos e difere muito na
forma como chega ao público. Para além disso, eu sou a única que se mantém nas
manhãs, anteriormente com o João Baião, e a forma de estar em televisão é diferente
daquela que eu encontrei para estar com o Zé Pedro. (Sendo que os três últimos meses
de Praça da Alegria fui eu que apresentei sozinha). Mas os dois programas são muito
distintos: o cenário, a produção, as pessoas, os conteúdos… é muito apelativo o Agora
Nós.
O que, para ti, é mas marcante o programa Agora Nós. Aquilo que as pessoas
associam quando dizemos Agora Nós?
Boa pergunta. Eu acho que acabam por associar muito às histórias de vida que nós
aqui trazemos, e curiosamente, associam muito ao nosso passatempo, o Canta o Galo,
que quando nos vêem na rua põe-se logo a imitar um galo com os braços, “ai gosto
tanto quando fazem isso, é sempre uma maneira de eu fazer ginástica de manhã”.
Mas o Agora Nós é muito diferente todos os dias. As pessoas não podem esperar um
programa igual dia para dia: há dias em que tem música, outros em que não tem
música nenhuma; há dias em que estamos a falar de assuntos mais sérios, da
actualidade criminal, outros de homenagens de amor, e de homenagear alguns que já
fizeram história no nosso país como António Calvário ou Concha.
Quais as maiores diferenças do Agora Nós para outro programa da concorrência à
mesma hora? (Queridas manhãs e Você na TV)?
Isso é muito difícil dizer porque os três programas acabam por ser muito diferentes
entre si, muito diferentes todos os dias e com muitos assuntos em comum. É
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pertinente falar sobre a actualidade e os três programas falam sobre isso; sobre
assuntos de saúde, não sei de que forma a SIC e a TVI abordam a saúde, mas no Agora
Nós temos um consultório médico, à quarta-feira, que é um sucesso. O Doutor João
Ramos já faz parte quase da família das pessoas e elas entram em contacto directo
connosco a partir do facebook, do e-mail e ao telefone para saber isso tudo, e esse
lado de consultório médico é muito serviço público. Temos também a medicina
alternativa, com a Fernanda Botelha, um tema que agrada muito às pessoas; o Camilo
Lourenço com a Economia… Portanto temos algumas rubricas fixas que marcam muito
a personalidade do programa.
Consideras uma boa aposta a direcção de programas ter decidido terminar com uma
Praça já desgastada mas que marca as manhãs da RTP, por um programa
completamente novo, com um formato diferente e com uma produção diferente?
Foi uma decisão da direcção de programas que eu respeitei e que fico grata pelo facto
de me ter mantido no programa da manhã.
É mais difícil impor um programa novo, quando já existem outros no ar, o da
principalmente TVI há muito tempo, o da SIC com uma dupla de um ano e nós há
quatro meses. Uma vez ganhamos uma vez à SIC e outras ganham eles. Ainda a
andamos a ganhar espaço. As pessoas que vêem televisão durante um dia, de manhã
ou à tarde, habituam-se a um determinado formato, a uma determinada dupla e é ali
que ficam. Por isso, habituarem-se a outra coisa ou mudarem para outro canal é mais
complicado. Nós sabemos que é devagar se vai ao longe, e já estamos a ir mais
depressa do que pensávamos.
Sentes que como o nome indica, Agora Nós, “agora é a nossa vez de nos chegarmos à
frente, agora é a nossa vez de brilhar, é o que está a acontecer neste momento?
Agora Nós às 10h da manhã é a nós que deve ver; Agora Nós, porque depois de tantas
mudanças em termos de programação da manhã na RTP nos últimos tempos, esta é
que nos parece mais acertada e aquela que se irá impor, para além que “Agora” é
sempre uma boa palavra porque marca a actualidade e o “Nós” também porque nada
se faz sozinho. É um bom título.
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Anexo 8: Mapa de trabalhos do 3º Desfile de Bandas Filarmónicas
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Legenda: Desenho das câmaras no local
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Anexo 9: Alinhamento “3º Desfile de Bandas Filarmónicas”
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81
Anexo 10: Alinhamento do “Lisboa em Alta” (excerto)
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84
Anexo 11: Alinhamento do “Agora Nós” (primeira emissão)
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Anexo 12
Tabela 1: Distribuição de tempos de emissão de entretenimento entre 1990 e 2005 na RTP
(em %)
Dados retirados de: Sena, Nilza Mouzinho de. “Programação de serviço público: o caso português.” Comunicação e Cidadania - Actas
do 5º Congresso da Associação Portuguesa de Ciências da Comunicação. Braga, 2008. 2506-2523.
Tabela 2: Resultados Líquidos das televisões Generalistas (milhares de euros)
Fonte: RTP, SIC e TVI
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Anexo 13
Anos Adultos
(14 e mais anos) Crianças
(4-14 anos) Total
(Adultos + Crianças)
1992 164 169 165
1993 170 168 170
1994 174 153 170
1995 177 124 169
1996 179 118 169
1997 174 120 165
1998 166 109 157
1999 205 186 202
2000 202 193 203
2001 195 179 193
2002 187 177 185
2003 211 179 207
2004 218 185 214
2005 217 178 212
2006 215 170 210
2007 216 161 210
2008 221 173 215
2009 213 178 209
2010 213 186 209
2011 223 184 219
Tabela 3: Tempo médio diário de visionamento de televisão, por pessoa, em minutos (1992-
2011). Portugal.
Dados retirados de: Sena, Nilza Mouzinho de. “Programação de serviço público: o caso português.” Comunicação e Cidadania - Actas do
5º Congresso da Associação Portuguesa de Ciências da Comunicação. Braga, 2008. 2506-2523.
Tabela 4: Evolução do Share da Televisão Generalista (%)
Fonte: Marktest Universo: 8 972 000 indivíduos
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Anexo 14
Tabela 5: Audiência do Agora Nós (Setembro a Dezembro de 2014)
Fonte RTP: Gabinete de Audiências e Estudos de Mercado (Segundo dados GFK)
Tabela 6: Perfil do público do Agora Nós, em 2014 – Sexo, Idade e Classe social
Fonte RTP: Gabinete de Audiências e Estudos de Mercado (Segundo dados GFK)
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Anexo 15
Tabela 7: Audiência do Praça da Alegria (Março a Dezembro de 2012) Fonte RTP: Gabinete de Audiências e Estudos de Mercado (Segundo dados GFK)
Tabela 8: Audiência do Praça da Alegria (2013) Fonte RTP: Gabinete de Audiências e Estudos de Mercado (Segundo dados GFK)
Tabela 9: Audiência do Praça da Alegria (Janeiro a Junho (Fim) de 2014) Fonte RTP: Gabinete de Audiências e Estudos de Mercado (Segundo dados GFK)
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Anexo 16
Tabela 10: Perfil do público do Praça da Alegria, em 2014 – Sexo, Idade e Classe social (2012) Fonte RTP: Gabinete de Audiências e Estudos de Mercado (Segundo dados GFK)
Tabela 11: Perfil do público do Praça da Alegria, em 2014 – Sexo, Idade e Classe social (2013) Fonte RTP: Gabinete de Audiências e Estudos de Mercado (Segundo dados GFK)
Tabela 12: Perfil do público do Praça da Alegria, em 2014 – Sexo, Idade e Classe social (2014) Fonte RTP: Gabinete de Audiências e Estudos de Mercado (Segundo dados GFK)
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Anexo 17
Tabela 13: Audiências do mês de Janeiro de 2015, no período entre as 10h e as 13h, na RTP1, SIC e TVI Fonte: GFK
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Tabela 14: Audiências do mês de Fevereiro de 2015, no período entre as 10h e as 13h, na RTP1, SIC e TVI Fonte: GFK
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Tabela 15: Audiências do mês de Março de 2015, no período entre as 10h e as 13h, na RTP1, SIC e TVI Fonte: GFK
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Anexo 18
Gráfico 1: Audiências dos programas das manhãs da RTP1, SIC e TVI, em
milhares de espectadores (2014-2015)
Fonte: RTP
Gráfico 2: Audiência dos canais RTP1, RTP2, SIC, TVI e da
TV por Cabo, em percentagem (2014).
Elaborado por initiative/Insight Mediabrands sobre
dados GFK reproduzidos em MMW,
Telereport – Mediamonitor.
Ilustração 1: Desenho simplificado do cenário do
Agora Nós
Zona 1: Palco giratório – principal; Zona 2: Palco 1 Zona 3: Palco 2 Zona 4: Palco musical + LedWall Zona 5 e 6: Público
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SEG TER QUA QUI SEX SAB DOM
15 16 17 18 19 20 21 Reconhecimento PPV + Há
Conversa (Margarida Mercês de
Mello)
Confissões Religiosas
Memória (Há Conversa – Helena Ramos) + Fatura da sorte (Tânia Ribas
de Oliveira)
Lisboa em Alta (Campo de Ourique)
Realização (7h30)
_________ __________
22 23 24 25 26 27 28 Programa da
Manhã + Programa da Tarde (8h30)
Programa da Manhã +
Programa da Tarde
Conteúdos Adaptados
PJM (Prémios Jovens Músicos)
Podium (Davide xx) + Programa da
tarde
_________ _________
29 30 1 2 3 4 5 Programa da
Manhã Programa da
manhã Programa da manhã
Programa da manhã
Programa da manhã
__________ __________
6 7 8 9 10 11 12 Programa da Tarde Programa da
Tarde Programa da Tarde
Programa da Tarde Programa da Tarde
_________ ________
13 14 15 16 17 18 19
Edição + Lotaria Agora Nós Agora Nós Karyna Gomes Agora Nós +
Podium ________ ________
20 21 22 23 24 25 26
Tratamento Tratamento Tratamento Tratamento Tratamento
_________ _________
27 28 29 30 31 1 2
Agora Nós + Revelações
Para Lá das Ondas
(Peniche) Confissões
Flash 7 dias + Programa da Tarde
Podium + Programa da
Tarde __________
____________
3 4 5 6 7 8 9
________ Agora Nós +
Há Tarde Agora Nós + Multimédia
Podium + factura + Há Tarde
Inesquecível + Conversas ao Sul
_________ Joker
Setembro
Outubro
Novembro
Anexo 19: Planeamento das primeiras oito semanas de estágio na RTP